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PRÁTICAS DOCENTES,
METODOLOGIAS E
INCLUSÃO
UM OLHAR DESDE A
COMPLEXIDADE DA
ESCOLA À UNIVERSIDADE
2019, os autores
2019, Jenny Patricia Acevedo-Rincón (ed.)
2019, Global Knowledge Academics
ISBN: 978-84-15665-33-5
Prólogo 7
Jenny Patricia Acevedo-Rincón
I. As práticas docentes
Contextualização em física
A perspectiva dos discentes em uma escola de Referência
em Ensino Médio de Pernambuco 11
Adriano de Araujo Santos
Biblioteca Escolar
Acesso à cultura letrada 105
Maria Marismene Gonzaga, Renata Junqueira de Souza
Metodologias Ativas
Um estudo de caso para o Ensino de Geometria Euclidiana
na Licenciatura 141
Adriana Tiago Castro dos Santos, Maura Araujo Dias
A
s práticas educativas propõem novos desafios para sus participantes.
As necessidades nas práticas atuais pretendem (re) pensar os atuais
sistemas educativos, o que sugere mudanças nas práticas profissio-
nais docentes, nas metodologias e contemplar a inclusão desde a escola até
a educação superior. Neste livro, Práticas docentes, metodologias e inclusão:
um olhar desde a complexidade da Escola à universidade, pretende-se apre-
sentar os diversos olhares das práticas educativas, nos contextos locais da
escola e da universidade. O livro contém quatro seções nos quais os temas
aprofundam nas práticas da escola e da universidade como universo com-
plexo de relações entre seus participantes. A primeira seção apresenta um
conjunto de cinco artigos que percorrem os caminhos da física, literatura,
música, anos iniciais e o currículo sob o subtítulo das práticas docentes.
Posteriormente, na segunda seção, são apresentados quatro artigos que
destacam a escola e suas relações de complexidade. Em esta seção, os auto-
res ressaltam a importância de outros espaços escolares como a biblioteca,
a coordenação pedagógica e suas contribuições; ademais disto, propõe-se
diversos tipos de sentimentos e comportamentos que caracterizam a violên-
cia e subjetividade na escola, via aporte teórico da psicanálise e Educação.
Na terceira seção, são apresentados três artigos que identificam as me-
todologias ativas e interdisciplinares como sua base para o ensinar, refletir e
agir. Nesta seção, são abordados os artigos que pretendem analisar aborda-
gens outras que pretendem pela conexão entre saberes distintos e apoiam
os processos de ensino-aprendizagem.
Por fim, para concluir esta edição, apresentamos cinco artigos que con-
vidam à continuar na abertura do olhar investigativo, frente ao campo da
inclusão educativa. O conjunto de artigos pretende continuar o trabalho em
crescente pesquisa sobre a atenção à diversidade e a inclusão, não só a nível
da escola básica, senão transcender a espaços de formação como os ofereci-
dos pelas universidades. É importante destacar aqui, que a inclusão começa
a ganhar um espaço na educação superior, conforme exposto pelos autores
ao contemplar a inclusão de estudantes com autismo.
7
I. As práticas docentes
Contextualização em física
A perspectiva dos discentes em uma escola
de Referência em Ensino Médio de Pernambuco
Introdução
Q
uando tratamos do ensino de Física, imediatamente pensamos em um
conjunto de fórmulas e cálculos que são normalmente trabalhados
nos últimos anos da educação básica, especialmente nos três anos do
Ensino Médio. Apesar de todas as pesquisas e proposições teórico-metodo-
lógicas que apontem para a contextualização e o dialogo entre a teoria e prá-
tica como ferramentas que facilitem o desenvolvimento das aprendizagens
nesse componente curricular, as aulas e provas mantêm a tradição de uma
disciplina basicamente reprodutora de conteúdos pouco significativos para
o universo dos estudantes.
As reformas curriculares que se desenvolveram a nível nacional a partir
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/96, e a
reestruturação do currículo no Estado de Pernambuco desde 2012, com a
publicação dos Parâmetros Curriculares para a Educação Básica do Estado
de Pernambuco, destacam a importância e necessidade de resignificar os
conteúdos disciplinares e aproximá-los da vida cotidiana.
No que diz respeito a organização da rede estadual, em Pernambuco,
desde o ano 2002, vem sendo implementada uma rede de EREM – Escolas
de Referência em Ensino Médio, distribuídas em todos os municípios, com
jornada: integral, aulas em todos os dias nos dois turnos; semi-integrais:
com aulas em um turno e dois dias de contraturno; Escolas técnicas: com
funcionamento igual às integrais tendo como foco a formação profissional,
a partir de 2008, a ampliação do número de EREM tornou-se uma política
de Estado e hoje são mais de 300.
Esse conjunto de escolas, além de todas as orientações pedagógicas que
dispõem as demais escolas da rede, possui um conjunto de orientações estru-
turadas para que o currículo priorize a contextualização, a avaliação formati-
va e a percepção do estudante como um sujeito integral, que possa se inserir
na sociedade, sendo capaz de estabelecer seu próprio projeto de vida.
Nossa escola tem apresentado alto índice de alunos abaixo da média,
principalmente nas primeiras unidades do ano letivo e na disciplina de Físi-
ca, o que nos indica a necessidade de investigar e propor ações que possam
melhorar os índices como reflexo da melhoria na aprendizagem.
11
Contextu aliza ção em física. Santos
O currículo
O currículo é um dos elementos centrais do processo de ensino e de acordo
com Gvirtz, S. y Palamidessi, M. (2000), “o significado pedagógico especia-
lizado do currículo está longe de definir uma referência inquestionável. No
campo da educação, currículo é um termo polissêmico, uma palavra que se
associa a uma pluralidade de significado” (p. 49).
Das diversas concepções dadas ao termo, escolhemos uma das que con-
sideramos mais representativas para os sistemas de ensino e que se aproxi-
ma das características de uma proposta que considere o currículo como um
conjunto de conhecimentos que são trabalhados a partir da interação entre
o professor, o aluno e os saberes.
Para Gvirtz, S. y Palamidessi, M. (2000), um dos conceitos que teve forte
influencia no meio académico, compreendia o currículo como um compen-
dio de disciplinas, centrado no saber culto. O conhecimento está organizado
em diversas partes, com ênfase no prescrito; esta concepção ainda segue
arraigada nos diversos setores do campo educativo; outra perspectiva con-
cebe o currículo como uma declaração de objetivos, um documento pelo
qual são apresentados os resultados desejados; em meados do século XX,
alguns autores defenderam uma proposta de compreensão do currículo
como um plano integral para o ensino, que não se restringe a detalhar os
conteúdos e objetivos, mas que fosse um instrumento de referencia para o
fazer pedagógico no âmbito da escola, desde o macro até a sala de aula.
Assim, longe de ser um documento com a prescrição de conteúdos e obje-
tivos, o currículo deve ser percebido e vivido como um conjunto de conheci-
mentos, validados desde a ciência, a cultura e o político, que são apresentados e
trabalhados pela escola desde a sala de aula até os projetos que são postos em
prática fora dos muros da escola. Zabalza (2000, p. 14), trata o currículo nessa
perspectiva, que o entende como: “o conjunto de pressupostos de partida, ob-
jetivos a serem alcançados e as medidas tomadas para alcançá-los; o conjunto
de conhecimentos, habilidades, atitudes, etc. que se considera importante tra-
balhar na escola ano após ano. E, claro, a razão para cada uma destas opções”.
Considerando que o currículo seja dinâmico e que esteja de acordo com
as demandas da sociedade contemporânea, acreditamos que a contextuali-
zação seja um dos elementos que favoreça a aprendizagem e aproximem o
conhecimento escolar da vida cotidiana.
12
As prática s docentes
A contextualização
Para estruturação dos princípios que orientam uma proposta curricular ou
os planos de ensino dos diversos componentes curriculares, uma série de
documentos oficiais fundamentam as bases conceituais e as questões mais
práticas, como metodologias e procedimentos avaliativos.
Neste sentido, os documentos que orientam a elaboração dos currículos
regionais também apontam a contextualização como ferramenta para o en-
sino de Física:
13
Contextu aliza ção em física. Santos
Metodologia
A metodologia triangulou técnicas qualitativas e quantitativas, pois no pro-
cesso de coleta, tabulação e análise dos dados, recorremos a ferramentas
das duas vertentes, de acordo com Chitarroni (2008), “a ideia da triangu-
lação metodológica resulta fértil para superar antinomias e complementar
entre si abordagens metodológicos diferentes. Diferentes métodos podem
oferecer elementos complementares” (p. 416, tradução nossa).
Para a coleta de dados, utilizamos uma entrevista semiestruturada, que
de acordo com Sampiere (2014) “(...) são baseadas em um tópico ou guia de
perguntas e o entrevistador é livre para introduzir questões adicionais para
refinar conceitos ou obter mais informações” (p. 403), aplicada a 82 estu-
dantes: 45 do primeiro ano e 37 do terceiro ano do Ensino Médio.
A escolha das séries foi intencional, pois queríamos saber as perspec-
tivas iniciais, dos alunos do primeiro ano passados apenas dois meses do
início das aulas e as dos alunos que estavam terminando o processo de es-
colarização. O que pensam sobre o que aprendem e a aplicação dos conheci-
mentos na compreensão da vida cotidiana.
15
Contextu aliza ção em física. Santos
Resultados e análise
Pensar no ensino, em contextos tão diversos como temos atualmente, re-
quer idas e vindas em teorias e especialmente o desenvolvimento de uma
reflexão sobre a prática, os objetivos da educação e o percurso que o estu-
dante faz até sua formação como cidadão capaz de ingressar no mundo do
trabalho ou acadêmico.
Como nosso objetivo estava relacionado à contextualização, pergunta-
mos aos alunos sobre a relação entre os conteúdos de Física e a vida cotidia-
na. O que observamos é que os alunos (as) do primeiro ano têm melhores
expectativas sobre esta relação, depois de três anos de estudo, a maioria dos
estudantes não consegue ver relação entre a disciplina de Física e sua vida.
Os gráficos seguintes sistematizam os dados desta categoria.
Para 84% dos alunos (as) dos primeiros anos os conhecimentos obtidos
em Física tem alguma relação com a vida cotidiana, enquanto que, para os
do terceiro o número cai para 62%.
Acreditamos que no primeiro ano os docentes iniciam os estudos desse
campo do conhecimento tentando apresentar a disciplina como algo mais
próximo, contudo ao longo do Ensino Médio estas aproximações vão fican-
do mais raras o que justificaria a diferença entre as séries.
A representação dos alunos sobre o que é estudar física é outra categoria
que analisamos. Nela foi possível observar que no terceiro ano predomina
a ideia de que estudar física é complicado (8 alunos (as)) e muito difícil (6
alunos (as)), surgiram outras respostas em menor número, como: impor-
tante, necessário e enfadonha.
Os alunos do primeiro ano apresentaram um número maior de termos
para representar o que é estudar Física; 23 termos foram utilizados. Destes
destacamos os dois que mais se foram nominados: estudar o universo (8) e
estudar os fatos do cotidiano (6). Mais uma vez, esse resultado pode estar
relacionado a que os professores procuram associar os conceitos trabalha-
dos a vida dos estudantes.
16
As prática s docentes
17
Contextu aliza ção em física. Santos
Considerações Finais
A realização da pesquisa aportou elementos importantes para a recons-
trução da proposta pedagógica para o ensino de Física, ao apresentar as
expectativas dos estudantes sobre a disciplina e como se relacionam os con-
hecimentos adquiridos com a compreensão do mundo natural e social em
que vivem.
A partir do levantamento de dados e sua análise, podemos afirmar que,
para a maioria dos estudantes, a disciplina de Física tem pouca relação com
a vida cotidiana. Eles não veem sentido prático para este componente cu-
rricular. Nem conseguem observar as relações que existem entre os fenô-
menos da natureza e as diferentes estruturas sociais que se desenvolvem a
partir da interação entre o homem e o meio.
Neste sentido os PCN + (BRASIL, SD), destacam que:
Os critérios que orientam a ação pedagógica deixam, portan-
to, de tomar como referência primeira “o que ensinar de Físi-
ca”, passando a centrar-se sobre o “para que ensinar Física”,
explicitando a preocupação em atribuir ao conhecimento um
significado no momento mesmo de seu aprendizado. (p. 61).
Referências
19
A educação na construção da identidade
A partir do diálogo entre a História e a Literatura como
uma das representações do negro
Luiz Carlos de Sá Campos, Universidade Estácio de Sá - UNESA, Brasil
Introdução
N
este artigo, procuraremos discutir alguns dos elementos que são dei-
xados de lado nas salas de aula no ensino da História e Literatura
brasileira, no que tange à valorização do negro e a sua contribuição,
não só na construção da cultura brasileira, mas também na tentativa de apa-
gamento da sua identidade no curso da história.
Ressaltaremos que, embora existam diferentes configurações e arquéti-
pos de Educação, entendemos a escola como um ambiente no qual há apren-
dizagem, e aquinhoamos mais que o conteúdo ministrado, pois nela são ainda
apreendidas crenças, costumes e preceitos. Por outro lado, ela pode ratificar
os preconceitos de gênero, classe social e racial. Daí a importância da asso-
ciação entre a Literatura e a História como base deste artigo, uma vez que
ambas possuem relação implexa e apresentam aproximações e afinidades.
Embora um número expressivo de educadores dotados de consciência crítica
enxergue a Educação como meio para enfraquecer a violência na sociedade e
esparzir preceitos positivos entre os jovens, não podemos deixar de questio-
nar se ela também não difunde essa mesma violência que deveria combater.
O artigo pretende demonstrar também que a Literatura brasileira pos-
sui um catálogo fundado pelos manuais canônicos, no qual a existência do
negro e outras representações revelam-se rarefeitas e obscuras, com insu-
ficientes personagens na prosa, nos versos ou nas histórias fixadas na pro-
dução literária nacional, e gravados na memória dos leitores. Isso, haja vista
que o nosso país é composto de uma nação multiétnica, com sua maior parte
de afrodescendentes, fato que não deixa de incomodar e acender hipóteses
que possam investigar essas razões.
O presente artigo irá se debruçar sobre um dos autores da Literatura
brasileira pouco lido e estudado no currículo do ensino médio e na gradu-
ação, que subjaz posição ideológica que revela e permite diálogos com a
História das relações raciais, éticas e sociais e a cultura afro-brasileira que
antecedem ao movimento de afirmação racial e social.
Utilizaremos como corpus, a obra O presidente negro, de Monteiro Lo-
bato, uma vez que o autor aborda e aponta como o negro é suprimido de sua
representação histórica, política e cultural, e retratado somente como uma
categoria racial biologicamente desconstituída, e também a descaracteri-
zação de outros sujeitos que abdicam de suas singularidades em nome do
pertencimento, apresentado neste livro, e que é prática utilizada até hoje.
21
A educação na constr uçã o da identidade. L. C. S. Campos
1 A utilização do sintagma “negro”, nesta parte do artigo não tem nenhuma implicação
desdenhativa, depreciativo, insultuoso; porém somente para representar: afro-brasileiro ou
o afrodescendente.
22
As Práctica s docentes
entendimento que nos leva a apontar que linguagem e cultura estão interli-
gadas e que podemos ter a linguagem verbal e não verbal 2:
A linguagem está na natureza do homem, que não fabricou.
Inclinamo-nos sempre para a imaginação ingênua de um pe-
ríodo original, em que um homem completo descobriria um
semelhante igualmente completo e, entre eles, pouco a pouco,
se elaboraria a linguagem. Isso é pura ficção. Não atingimos
nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca
a inventando. Não atingimos jamais o homem reduzido a si
mesmo e procurando conceber a existência do outro. É um
homem falando que encontramos no mundo, um homem fa-
lando com outro homem e a linguagem ensina a própria defi-
nição do homem (Benveniste, 1976, p. 285).
2 Émile Benveniste, linguista francês, aponta que o uso do vernáculo linguagem, na referência
a textos não verbais, seria um erro. Em seu entendimento, a língua é um sistema de signos com
um duplo valor de significação: semiótico e semântico. A linguagem, seria a semântica, ligada
ao significado do discurso, e a língua, o significado da semiótica.
23
A educação na constr uçã o da identidade. L. C. S. Campos
24
As Práctica s docentes
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A educação na constr uçã o da identidade. L. C. S. Campos
Literatura e história
A Literatura e a História são narrativas que contemplam as representações
estéticas e a realidade social; elas concebem uma representação sobre a re-
alidade. Não há como conceber uma relação que não seja dialética entre
elas, visto que, enquanto a Literatura “é um discurso que ‘informa’ do real”, a
História será uma representação adequada, ou bem próxima, do real (Char-
tier, 2009, p. 24 - 25). Nosso objetivo não é a utilização de uma ou outra
área como ferramenta de aprendizagem do conteúdo, mas, sim, como elas, a
partir da enunciação que trazem, reiteram os sensos comuns do cotidiano.
O Atlas da Violência de 20173 apontou que de cada 100 homicídios que
ocorrem no país, 71 foram de jovens de corpos pretos e do sexo masculino.
A pesquisa apontou também que o “indivíduo” de corpo preto possui chan-
ces 23,5% maiores de padecer por assassinato em comparação aos cida-
dãos de pele não negra, já subtraídos os fatores idade, sexo, escolaridade,
estado civil e bairro de residência.
O mesmo ocorre em relação aos homicídios das mulheres negras. Embo-
ra tenha ocorrido uma diminuição de 5.3% na taxa de mortes das mulheres
de um modo mais abrangente, os números apontam para o crescimento na
taxa de mortalidade das de corpo preto. O que chamou atenção foi o cresci-
mento assustador das mortes ocorridas por agressão, uma vez que do total
dessas mortes o número de mulheres de corpo preto passou de 54,8%, em
2005, para 65.3%, em 2015; um crescimento de 10,5%, entre o decênio de
2005 a 2015. Ou seja, 65,3% dos assassinatos de mulheres ocorridos no
país foram de mulheres de corpos pretos.
Os dados apresentados pelo Atlas da Violência é a representação do real.
Ele resgata e evidencia a força do discurso presente no Brasil desde o tempo
da escravidão, em que o Decreto 13.331, publicado em 17 de fevereiro de
1854, proibia a admissão de indivíduos de corpo preto nas escolas públicas,
assim como determinava que a “educação” dos adultos de corpo preto su-
jeitava-se ao desimpedimento dos professores. Tal discriminação e insula-
mento não são apresentados e discutidos nos livros didáticos de História no
ensino da educação básica, mesmo após a promulgação da Lei 11.645/2008
– que alterou a Lei 10.639/2003 e obrigou a inclusão dos temas relaciona-
dos à História e cultura afro-brasileira e africana nas escolas – complemen-
tando a anterior ao acrescentar a obrigatoriedade do ensino da História e
Cultura Indígena em todas as escolas públicas e particulares que atuam no
ensino fundamental e médio. No entanto, diferente do decreto de 1854, a lei
de 2008 não bastou, pois não contou com um fator primordial: a valoração
dessas representações culturais. Processo inverso ocorreu no século XIX,
que privilegiou a desvalorização, mantendo seu matiz até hoje.
A nossa reflexão perpassa pelo questionamento de como podemos pen-
sar sobre esses artifícios que tornam natural os preconceitos no ambiente
escolar. Ele congrega variadas relações sociais no seu cotidiano, retratando
a universalidade cultural da sociedade, a partir do microuniverso social que
Considerações Finais
Neste artigo, um dos objetivos foi evidenciar que embora alguma medida
tenha sido tomada no sentido de - mesmo que tangencialmente - jogar um
pouco de luz sobre a importância e valorização do homem negro na socie-
dade brasileira com a criação de uma lei sobre o tema, o dispositivo legal
não aborda o cerne da questão. Os conteúdos ministrados em sala de aula
não discutem, identificam, analisam ou demonstram algumas das falas en-
contradas na prática docente, principalmente na rede pública estadual de
educação, no cotidiano do ambiente escolar, no qual os alunos reproduzem
os mesmos discursos excludentes diante do que lhe parecer ser diferente ou
visto fora do “padrão”. A escola que vigora no país tem como base o ensino
do colonizador e da matriz europeia de pele e olhos claros, em substituição
as matrizes africanas. Por isso, apontamos como o ensino das disciplinas de
História e de Literatura brasileira são relevantes no sentido de combater
os discursos apresentados pelo senso comum e do enganoso pensamento
racial que pôs e imputou ao cidadão negro condições, intensamente, des-
vantajosas na sociedade.
Ele é ainda um embrião da minha pesquisa de Doutorado, com estudo
sobre a prática docente e alguns dos discursos que, a partir da homogenei-
zação, produzem desigualdades e exclusão, principalmente na rede pública
de educação. Isso, levando-se em consideração que os preceitos de desigual-
dade e de exclusão têm sua composição, suas mutações e sua materialização
construídos no âmbito dos conflitos das relações sociais, nas quais ocorrem
a intervenção de grupos sociais formados em função do seu estrato social,
gênero, etnia, língua (com suas variações), cidade/bairro, sexo, etc., que
vêm sendo reproduzidos no ambiente escolar em virtude de um raciocínio
hegemônico de normalidade, produzindo a discriminação, com eficácia que
não se pode determinar o grau, já que ela varia de acordo o tempo histórico
ou a sociedade. Isso porque, na desigualdade, o aspecto classe tem uma fun-
ção predominante, embora a sua eficácia discriminatória dependa de outros
aspectos ligados a especificamente à etnia e ao sexo. Neste sentido, apresen-
tamos a obra O presidente negro, de Monteiro Lobato.
Agradecimentos
Gostaria de expressar agradecimentos a Educare - Universidade Corporati-
va Estácio -pela concessão de ajuda de custos para apresentação deste tra-
balho no VII Congresso Internacional de Educação e Aprendizagem.
29
A educação na constr uçã o da identidade. L. C. S. Campos
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30
Dimensões do letramento matemático no
bloco inicial de alfabetização do Distrito
Federal
Bárbara Ghesti de Jesus, Universidade de Brasília, Brasil
Antônio Villar Marques de Sá, Universidade de Brasília, Brasil
Introdução
O
Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) da rede pública de ensino do Dis-
trito Federal (DF), Brasil, atende aos alunos dos primeiros, segundos
e terceiros anos do Ensino Fundamental e elenca como eixos norte-
adores do processo de ensino e de aprendizagem a alfabetização, os letra-
mentos e a ludicidade. Na medida em que tais eixos são relacionados em
igualdade de importância no processo educacional do BIA, questiona-se se
os professores alfabetizadores estão aptos a equilibrarem o tempo e a im-
portância destinados à alfabetização em língua portuguesa ao mesmo tem-
po e importância destinados ao letramento matemático.
O objetivo geral do estudo foi identificar a compreensão de letramento
matemático das professoras participantes da pesquisa; os objetivos especí-
ficos buscaram identificar a importância destinada ao letramento matemá-
tico no BIA; o espaço destinado ao letramento matemático na grade horária
das professoras; além da relevância do letramento matemático para a pro-
moção dos estudantes ao quarto ano, período subsequente ao BIA.
Foram reunidas as narrativas de três professores do BIA, colhidas por
meio de entrevistas individuais semiestruturadas e interpretadas sob a ins-
piração da análise do discurso. Deste estudo, depreendeu-se que, embora a
alfabetização em português e o letramento matemático possuam espaços
equivalentes na grade horária das professoras, a alfabetização em portu-
guês é considerada fundamental para a aprovação dos estudantes do tercei-
ro e último ano do BIA, em detrimento ao letramento matemático.
Desenvolvimento
Um dos precursores e defensores dos ciclos de aprendizagem foi o sociólo-
go suíço Philippe Perrenoud, que, ao perceber a diferença nos tempos e for-
mas de aprendizagem escolar proporcionados pela desigualdade social, se
atentou ao que chamou de “pedagogia diferenciada” (PERRENOUD, 2000):
Presentes em todas as sociedades, as desigualdades reais de
capital cultural apresentam-se, primeiramente, como capa-
cidades desiguais de compreensão e de ação, revelando um
poder desigual sobre as coisas, os seres e as ideias. Nem to-
31
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
33
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
Letramento Matemático
Ensinar matemática, na alfabetização, pressupõe, resumidamente, a com-
preensão do sistema numérico decimal (SND) e seu uso nas operações
básicas. No entanto, o letramento matemático procura ir além do uso dos
números nas atividades escolares, alcançando o uso da numeração, da geo-
metria, do sistema de medidas, do tratamento das informações e da resolu-
ção de problemas na vida cotidiana, em situações que ocorrem no dia a dia
da criança.
Para tanto, é importante que a Matemática desempenhe,
equilibrada e indissociavelmente, seu papel na formação de
capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na
agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a
problemas, situações da vida cotidiana e atividades do mun-
do do trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em
outras áreas curriculares. (BRASIL, 1997, p.25)
34
As Práctica s docentes
Metodologia
Fiorentini e Lorenzato (2012) elencaram “dois tipos básicos de perguntas
quando se faz pesquisa em EM2 e elas têm a ver com os objetivos mencio-
nados” (p. 11). O primeiro tipo de perguntas são aquelas que surgem “da
prática de ensino, ou melhor, da reflexão do professor-investigador sobre
sua própria prática e sobre a prática de outros” (p. 11). O segundo tipo de
perguntas são aquelas que derivam “de investigações ou estudos preceden-
tes ou da própria literatura” (p. 11).
Este estudo se guiou por perguntas do primeiro tipo. Surgiu da reflexão
da autora sobre a sua prática e também sobre a prática de seus pares.
Sob uma perspectiva qualitativa, eximiu-se da apresentação ou da aná-
lise de quaisquer valores numéricos. Ao contrário, priorizou-se a narrativa
dos professores alfabetizadores atuantes no Bloco Inicial de Alfabetização,
sobre as suas práticas escolares no que tange ao letramento matemático. Tal
denominação foi utilizada por ser a mesma contida nas Diretrizes Pedagógi-
cas que regem, sistematizam e normatizam o BIA.
Como definição de pesquisa qualitativa, considerou-se a abordagem des-
crita por Minayo (2001) ao concluir que esta se contrapõe à representação
numérica, à medida em que se fundamenta na subjetividade e no envolvi-
mento do pesquisador com o objeto de estudo.
As narrativas aconteceram por meio do que se considerou pertinente
chamar de entrevista individual, pelo fato de que questões foram previa-
mente pensadas para a manutenção dos diálogos no assunto de interesse
do estudo, bem como para retomada do assunto específico, quando deles
os diálogos se desviavam. Ao longo das entrevistas entre investigadora e
participantes da pesquisa, houve a preocupação de confortá-las deixando-
-as à vontade para se expressarem naturalmente sobre o que acreditassem
ser necessário, ou mesmo sobre o que simplesmente desejassem desabafar.
O letramento matemático era retomado sempre que as professoras-partici-
pantes esgotavam suas confissões, confidências, angústias e inquietações. O
que podemos denominar, conforme Barbier (1997) de escuta sensível.
Portanto, embora denominadas entrevistas individuais e semiestrutura-
das, o que ocorreu de fato foi um diálogo amistoso entre professora-pesqui-
sadora e professoras-participantes.
A análise das narrativas foi realizada por meio da interpretação e com-
preensão inspiradas na perspectiva da análise do discurso proposta por
Foucault (2007b), analisando a especificidade de cada uma das narrativas.
Buscou-se o “mais” (FOUCAULT, 2007a) em que o pesquisador só poderá
encontrar por meio do seu atento olhar e do seu sensível ouvir, subjetivi-
dades que dão a especificidade de cada narrativa, narradas por meio das
diferentes experiências de cada narrador.
Embora houvessem categorias previamente elencadas para a análise,
não foram descartadas aquelas que surgiram pela espontaneidade dos pro-
fessores-participantes, tornando-se também objetos de análise.
2 Educação Matemática
36
As Práctica s docentes
Professora Ana
Ana, 40 anos de idade, fez no antigo segundo grau o curso acadêmico e de-
pois, complementação pedagógica em magistério, nível técnico. Graduou-se
em Letras e, posteriormente, fez complementação pedagógica em Pedago-
gia. Sua intenção era ter duas habilitações para ensino fundamental pelo
curso magistério em nível de segundo grau e, para fundamental II e ensino
médio, graduação em Letras. Porém, com a exigência de nível superior para
atuar também no fundamental I, recorreu à Pedagogia. No início de sua car-
reira profissional optou pelas turmas de ensino médio, não se adaptou e
procurou trabalhar com o ensino fundamental I.
Trabalhou alguns anos em escolas da rede privada, depois na rede pú-
blica como professora substituta e hoje é professora efetiva da Secretaria
de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), totalizando 12 anos de
profissão como professora, especificamente há cinco anos dentro do Bloco
Inicial de Alfabetização.
Ana teve influência familiar para entrar na alfabetização, gostou, identi-
ficou-se e quis continuar alfabetizando:
É muito mais fácil cronologicamente, você sabe os passos até
o final do ano. Você sabe como vai começar, como você vai pro
meio e como você vai chegar ao final. Então, eu acho mais fácil.
37
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
Ana contou que sempre foi uma ótima aluna, mas que tinha nota baixa
em matemática. Na sétima série ficou em recuperação pela primeira vez e
foi em matemática. Para ela, isso foi um episódio muito vergonhoso na épo-
ca. Tanto que não queria enfrentar a recuperação, o professor, os colegas,
os vizinhos, a própria família. Ela lembrou que sua nota final em matemáti-
ca foi 4,85 e que, por causa desses poucos décimos (0,15), teve de enfrentar
a recuperação para não perder o ano escolar, que, a propósito, foi um ano
de sucesso, com notas altas, acima de oito, em todas as outras disciplinas.
Nesta ocasião, Ana tinha uma amiga que sabia muito de matemática
e ofereceu aulas de reforço, Ana passou uma semana na casa da amiga
estudando para passar na recuperação. Ressaltou que a prova, que su-
postamente avaliaria um ano inteiro de matéria, foi uma folha com cinco
“sistemas” (achar o valor de x) para resolução. Ela narrou que fez a pro-
va, acertou todas as questões, mas que ainda hoje lembra que foi muito
revoltante.
Sobre alfabetização e letramento, Ana afirmou serem coisas distintas:
Alfabetização é uma coisa e o letramento é uma coisa que
você faz além da alfabetização. É como se você oficializasse a
sua alfabetização, tivesse usando. Você aprende e depois você
vai praticar.
38
As Práctica s docentes
O conteúdo que menos gosta e que acredita ser muito cedo para ensinar
são as medidas de capacidade:
Não estou falando de noções, né? O quilograma, a questão do
litro. Eu falo assim, quantas casinhas tem que andar pra fren-
te, quantas casinhas tem até aqui, quantas casinhas você anda
pra trás, transformar... Eu acho que para o final do Bloco, ela
ainda não aprendeu as coisas primárias para entender isso.
Professora Eva
Eva, 36 anos, trabalhava como professora há oito anos, estando há dois no
BIA. Graduada em Pedagogia, com especialização em Orientação Educacional.
Eva disse que sempre sonhou em ser professora, mas que antes de fazer
Pedagogia, cursou três semestres de Fisioterapia. Relatou que era uma das
40
As Práctica s docentes
melhores alunas de anatomia e que por isso começou a achar a morte muito
natural. Porém, com o falecimento de seu avô, ela se desencantou com aque-
le universo e decidiu partir para a Pedagogia, ser professora:
Eu falei: Agora eu vou ser professora, não quero mais. Vou fa-
zer aquilo que sempre tocou lá no meu coração e talvez eu
fugia. Aí eu larguei, tranquei fisioterapia e fui fazer Pedagogia.
Sempre pensei em Pedagogia mesmo, porque eu nunca gostei
de estudar. Então matemática, ciências, essas coisas assim,
não ia dar certo.
Sobre cursos de formação continuada, Eva diz que não teve oportunida-
de, ainda, de frequentar cursos. Relatou com pesar que na época dos cursos
do PNAIC ela estava em coordenação, o que a impediu de participar.
41
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
Eva narrou que sempre gostou mais da Educação Infantil, mas que de-
pois que teve seus dois filhos, achou melhor procurar novas experiências,
inclusive para auxiliá-los.
Eva lembrou o fato de que as provas, à época, eram corrigidas de caneta
vermelha e disse que ver suas provas de matemática causavam uma sensa-
ção muito ruim. Ainda ressaltou que sua lembrança mais marcante com a
matemática foi o episódio relatado sobre a professora da (antiga) terceira
série, dizendo que, embora as circunstâncias tenham sido ruins, foi uma ex-
periência positiva.
Entre alfabetização e letramento, Eva distinguiu uma relação:
Antes, no meu tempo, a alfabetização era ba, be, bi, bo, bu.
Não se tinha uma aula assim de escrever uma redação, não se
trabalhava muito isso. E hoje não, a gente já trabalha de uma
forma contextualizada, trabalhar por exemplo, dentro de um
texto, uma determinada letra. Ver que aquela letra faz parte
de um texto, que ela compõe um texto, uma frase, um apa-
lavra. Eu não tive isso. Eu fui alfabetizada na cartilha, ba, be,
bi, bo, bu. E isso me trouxe muita dificuldade para fazer uma
prova de concurso, por exemplo. Depois de adulta eu tive que
reaprender a ler, interpretar os contextos.
42
As Práctica s docentes
Mas, ainda assim, relatou que geometria é o conteúdo que se sente me-
nos à vontade para ensinar:
Mesmo não gostando eu estou empolgada, porque é como se
eu tivesse aprendendo junto com eles. Eu me preparo antes,
lógico! Porque se eu não me preparar eu não tenho coragem
de chegar e dizer: hoje é aula de geometria. Eu não ia saber
nem por onde começar.
Entretanto, o que mais se sente à vontade para trabalhar com seus alu-
nos é a questão das “posições dos números”:
Que cada número tem a sua casinha. Unidade, dezena e cen-
tena. Isso é bem legal. Sabe por quê? Porque com o tempo
eu entendi que isso é a base de tudo para você entender a
matemática. Se você não compreender isso, se a criança não
compreender que o número tem uma casinha e que o 1, de-
pendendo da casinha, vale cem, vale mil, vale um milhão, você
nunca vai entender a matemática. Mas isso, eu só aprendi ago-
ra, quando eu comecei a ser professora.
Eva percebeu que seus estudantes não têm muita afinidade com mate-
mática e que preferem outras disciplinas. Embora não diferencie por gêne-
ro, citou como exemplo duas estudantes meninas. Acrescentou que os pais
não têm muito tempo disponível para os filhos, o que acaba comprometen-
do o sucesso escolar, uma vez que não têm apoio para realizar as tarefas da
escola enviadas para a casa.
Eva exemplificou uma situação especifica de quando seus alunos não
gostavam da matemática:
Eu percebo que eles não gostam da matemática quando ela
está muito longe da realidade deles.
Eva aprovaria um aluno que soubesse ler e escrever mesmo que não com-
preendesse a matemática, mas não aprovaria um estudante com excelência
43
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
Professora Lia
Lia, 36 anos e cursou o Magistério em nível de (antigo) segundo grau. Fez
cursos rápidos de linguagem e alfabetização antes de trabalhar como do-
cente; assumiu o cargo de professora efetiva da Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal quando não havia a exigência de nível supe-
rior; cursou Pedagogia e especializou-se em Orientação Educacional. Lia faz
questão de frequentar o maior número possível de cursos ofertados pela
SEEDF.
Escolheu cursar Pedagogia porque já trabalhava como professora da
educação infantil e anos iniciais, gostava e queria seguir em frente, porém
mais qualificada.
Lia teve lembranças de uma alfabetização mecânica e tardia, entrou aos
sete anos de idade na primeira série escolar, sem cursar a educação infantil:
No início para mim era um deslumbre de ir pra escola. Eu ve-
nho de uma família muito pobre, então a questão do lanche
também influenciava muito. [...] Mas me lembro de quando
comecei a ler: a professora passava aquelas cartilhas, lem-
bra? Trabalhava com cartilhas, o b-a: ba, o b-e: bé, aqueles
textinhos bem curtinhos, bem específico da letra. Não tinha
nenhuma contextualização em relação à minha vida, em rela-
ção à comunidade que a gente vivia, ali, próximo à escola. Não
tinha essa contextualização. Era bem mecânico.
Lia contou que o primeiro livro que conseguiu ler foi o da Rapunzel, que
isso a encantou, porque, primeiro, ela codificou aquelas letras e palavras e
insistiu muito com a professora para emprestar a ela o livro:
Depois de muita insistência, eu consegui que a professora
me desse o livro, porque eu não tinha nenhum livro na minha
casa. Não tinha, eu não lembro de ter nenhum livro em casa
quando eu era pequena. Então eu lia esse livro na escola. A
professora acabou me dando ele. Então ficava ali horas e ho-
ras decodificando. Depois de muitas vezes assim, decodifican-
do letra por letra e juntando sílaba por sílaba, eu consegui ler
realmente, eu consegui entender a história. Aí eu ficava lendo
44
As Práctica s docentes
46
As Práctica s docentes
aprendizagem e que não entende o porquê dos resultados pós Pacto não
terem sido positivos:
Eles (MEC3) falaram que ofereceram o PNAIC, que teve um
investimento muito grande na formação de professores, mas
que o retorno não foi o esperado.
3 Ministério da Educação
47
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
Considerações finais
As narrativas mostram a compreensão de letramento matemático das pro-
fessoras do BIA em seus discursos.
Foi possível perceber que na prática escolar do BIA a matemática é con-
siderada uma disciplina difícil de relacionar o conhecimento escolar com
o conhecimento cotidiano, o que evidencia que o trabalho pedagógico se
fundamenta na perspectiva do letramento.
Entretanto, há um caminho traçado e que as professoras se esforçam em
seguir. Muitas coisas as impedem, como por exemplo, a cultura formada pe-
los seus próprios anos quando discentes, seus traumas, suas empatias.
A falta de conexão entre a matemática de casa e a matemática da es-
cola, criou um imaginário de que existem duas matemáticas distintas. O
que esclarece uma lacuna no ensino de matemática que remonta à época
dos primeiros anos escolares das professoras e que persiste atualmen-
te. Aproximadamente um período de três décadas de ensino engessado,
descontextualizado.
A Educação Matemática não está concebida na escola, mas aos poucos
vai tomando forma, graças à percepção de professores que aceitaram os de-
safios de seguir em frente quando compreenderam que a matemática está
presente em tudo.
A questão de gênero (reforçada pela premiação na olimpíada de ma-
temática) ainda que tenha sido contestada cientificamente, é socialmente
aceitável e culturalmente compreendida, de acordo com a narrativa da pro-
fessora Ana.
A falta de relação entre os conteúdos matemáticos apareceu nos discur-
sos travestidas de dificuldades de entendimento. Obstáculos pedagógicos
são naturais quando a matemática não é contextualizada com a vida, quan-
do apresentada de forma fragmentada, como se um conteúdo não depen-
desse do outro, tornando-a mais abstrata e mais incompreensível. Clara-
mente se pode perceber nas narrativas que não há uma continuidade entre
os conhecimentos da mesma disciplina, eles são apresentados e estudados
de forma estanque.
Quando integrados ao diálogo, alfabetização e letramentos são termos
utilizados em todas as disciplinas, mas, quando a narrativa é espontânea,
sem direcionamento, tais termos se incorporam apenas na aprendizagem
da língua materna, o português.
Contexto, dia a dia, foram palavras recorrentes nas narrativas e, geral-
mente, acompanhadas de expressões que denotaram a construção do co-
nhecimento. Um pequeno passo para uma estrutura educacional em desen-
volvimento, mas um grande passo para o professor que conseguiu associar
ideia, necessidade e prática escolar na busca por melhor desenvolvimento
intelectual de seus alunos.
O espaço destinado ao letramento matemático na grade horária das
professoras foi dividido em duas partes, metade para matemática e portu-
guês e a outra metade para as demais disciplinas. Suas narrativas mostra-
ram que muitos fatores corroboraram nesta divisão. Por exemplo, as provas
48
As Práctica s docentes
Referências
BARBIER René. (1997). L’approche transversale, l’écoute sensible en sciences
humaines, Paris, França: Anthropos, coll. Exploration interculturelle.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. (1997). Parâmetros curricu-
lares nacionais : matemática /Secretaria de Educação Fundamental.
– Brasília, Brasil: MEC/SEF.
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do DF. (2012). Dire-
trizes pedagógicas do Bloco Inicial de Alfabetização no Distrito Federal.
Brasília, Disponível em <http://www.cre.se.df.gov.br/ascom/docu-
mentos/public/diretrizes_pedag_2012.pdf> Acesso em 13/03/2018.
FERREIRO, Emília. (2001). Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo, Brasil:
Cortez, 2001.
FIORENTINI, Dario; LORENZATO Sérgio. (2012). Investigação em Educação
Matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas, Brasil:
Autores Associados, 2012.
FOUCAULT, Michel. (2007a). A Arqueologia do Saber. 7. ed. Rio de Janeiro,
Brasil: Forense Universitária.
______. (2007b). A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 15. ed. São Paulo: Loyola,
49
Dimensões do letramento matemá tico no bloco ... B. G. de Jesus e A. V. M. de Sá
50
O diálogo lítero musical
Proposta para a formação
do docente de música
Luana Uchôa Torres, Instituto Federal de Goiás, Brasil
Considerações iniciais
E
ste texto teve como fator motivador nossas observações realizadas du-
rante o exercíco de docência no curso de Licenciatura em Música do Ins-
tituto Federal de Educação de Goiás (IFG), na cidade de Goiânia, locali-
zada na região centro-oeste do Brasil. Realizamos uma pesquisa bibliográfica
acerca da temática formação de professores de música no Brasil, e analisa-
mos o currículo do curso de Licenciatura em Música do IFG, a fim de refle-
tirmos sobre a contribuição das interrelações de duas linguagens artísticas
– Literatura e Música – para a formação do docente de música. Salientamos
que, embora este estudo se restrinja ao curso do Instituto Federal de Goiás, a
proposta que apresentamos foi pensada de maneira a poder servir a outros
cursos de licenciatura em música. Nesse sentido, as ideias aqui apresentadas
podem ser utilizadas por outrem, e esperamos que assim o seja, posto que
visamos a melhoria da formação do docente de música em todo o Brasil.
Entendemos que repensar o currículo das licenciaturas é assumir uma
preocupação em aprimorar a formação dos docentes. Nossa experiência na
docência possibilitou proximidade com a realidade dos cursos de música no
Brasil e, por consequência, gerou inquietação acerca das atuais condições
das licenciaturas. Dentre os problemas que despertaram nossa atenção,
destacamos o fato da prática da interdisciplinaridade ainda ser um obstá-
culo para os docentes de música formados no Brasil. No entanto, durante as
atividades em sala de aula, percebemos o desejo dos estudantes em ampliar
seus conhecimentos em relação à prática interdisciplinar. Por isso, optamos
em buscar a solução para o problema por meio da interdisciplinaridade.
O interesse no ensino da interdisciplinaridade é algo que já existe há
muito tempo. Porém, no que diz respeito ao ensino de música no Brasil, essa
prática ainda não corresponde ao esperado. Embora já exista uma legisla-
ção e documentos oficiais que exigem o trabalho interdisciplinar nas escolas
brasileiras, a atuação dos docentes de música ainda precisa se desenvolver
nesse sentido. Parte disso se deve às dificuldades que os professores têm
para pôr isso em prática. Dificuldades, essas, que existem porque os profes-
sores não tiveram formação para realizar um trabalho interdisciplinar. Por
esse ângulo, questionamos: Como as universidades brasileiras estão prepa-
rando o docente de música para o trabalho interdisciplinar? Como podemos
fazer para nossos docentes de música colocarem em prática a exigência da
legislação?
51
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
52
As Práctica s docentes
54
As Práctica s docentes
música uma disciplina que trate desses aspectos, a fim de que no futuro,
professor domine os recursos necessários para desempenhar tal trabalho
didaticamente.
Embora as relações entre literatura e música tenham origens remotas,
os estudos sistematizados a respeito disso são mais recentes. Segundo Cal-
vin Brown, só no século XVIII as relações entre música e literatura se tor-
naram um campo reconhecido de estudos (OLIVEIRA, 2002, p. 34). Brown
teve atenção às questões metodológicas sobre essas relações, mas foi nos
anos 70 que o professor e pesquisador Steven Paul Scher, nascido na Hun-
gria, mas radicado nos Estados Unidos, procurou sistematizar esses estudos
teóricos e metodológicos sobre o tema.
Steven Scher, sugeriu denominar o estudo das relações entre literatura
e música de Melopoética – do grego mélos (canto) + poética, pois entendia
que esse estudo não se refere nem somente à música nem somente à litera-
tura, porém é algo que trata de ambas simultaneamente. Ou seja, não é tra-
tar simplesmente de uma das artes imitando a outra, é na verdade a relação
delas, o hibridismo. Seguindo a tipologia da Melopoética, desenvolvida por
ele a partir dos estudos de Calvin Brown, existem três categorias para as in-
terrelações dessas duas artes: a literatura na música; a música e literatura;
e a música na literatura. Para entendermos essa tipologia, verificaremos a
Figura 1:
56
As Práctica s docentes
57
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
58
As Práctica s docentes
De acordo com Oliveira (2002, p. 46), para Cupers, essas categorias não
são estanques, e seus entrelaçamentos podem resultar em vários outros ti-
pos de investigações. Tais como:
- peças musicais compostas para acompanhar literatura dra-
mática – pode-se certamente acrescentar aqui o estudo de
trilhas sonoras de filmes;
- o uso de técnicas tomadas de empréstimo, consciente ou in-
conscientemente, pela literatura à música, vice-versa;
- a recriação de efeitos de uma arte por outra;
- condições para a transposição da terminologia técnica de
uma arte para a outra e
- o papel das alusões literárias em uma obra musical. (OLIVEI-
RA, 2002, p. 46).
59
O diálogo lítero musical: Propost a para a formação do docente... L. U. Torres
Considerações finais
Consideramos que a revisão do processo de formação dos docentes de mú-
sica nas universidades brasileiras é uma demanda urgente. É preciso repen-
sar a concepção de educador musical que queremos formar. Os problemas
precisam ser enfrentados, e julgamos que o melhor caminho é pela flexibi-
lização, ousando alternativas de modificação dos padrões de ensino-apren-
dizagem já estabelecidos.
Não resta dúvida de que, para enfrentar os desafios que emergem na so-
ciedade comtemporânea; conseguir lidar com a interculturalidade em sala
de aula; e ter uma boa formação, o educador musical precisa ter olhar aber-
to à diversidade e diálogos com outras áreas de saberes. Portanto, é preciso
deixar claro que a atitude interdisciplinar faz parte das ferramentas neces-
sárias para o docente compreender, produzir e ensinar música, ampliando
as possibilidades do seu campo de atuação e respeitando a pluralidade e
multiplicidade exigida pelo século XXI.
Essa é nossa sugestão para colaborar com os estudos sobre a formação do
professor de música no Brasil. Esperamos contribuir para pesquisas posterio-
res acerca desse tema, especificamente para reflexões concernentes a como o
diálogo entre literatura e música pode contribuir para aprimorar a formação
do professor de música. Que esse estudo possa suscitar mudanças efetivas,
e assim tenhamos cursos de licenciaturas em música que enfatizem a inter-
disciplinaridade, que sejam afinados com as novas realidades, oferecendo ao
futuro docente a oportunidade de ampliar seus saberes e competências.
Referências
Backès, J.-L. (1994). Musique et littérature: essai de poétique compare. Paris:
Presses Universitaires de France.
Bernhart, W., Scher, S. P. & Wolf, W. (ed.). (1999). Word and music studies:
defining the field. Amsterdam- Atlanta: Editions Rodopi B. V.
Brunel, P. (1997). Les arpèges composés: musique et littérature. Paris: Klin-
cksieck.
60
As Práctica s docentes
61
O Currículo da Educação Integral e do
PROEITI/seDF sob a ótica do PNME
Memórias e reflexóes de uma prática docente
Simone da Conceição Rodrigues da Silva, Otília Dantas
Universidade de Brasília, Brasil
Introdução
E
ste artigo visa analisar o currículo em movimento do PROEITI (Projeto
Piloto de Educação Integral em tempo Integral) da Secretaria de Edu-
cação do Distrito Federal\Brasil (SEDF) a partir da implantação e exe-
cução do Programa Novo Mais Educação (PNME) para desvelar o sentido de
educação expresso no Programa, a ideologia subjacente, os atores envolvidos
(professores e alunos) e as práticas pedagógicas derivadas deste discurso. O
estudo de natureza qualitativa arquitetou sua epistemologia no método dialé-
tico mediante a pesquisa bibliográfica e de campo, fazendo juz à fundamenta-
ção teórica a partir das diferentes políticas de educação expressas no Brasil.
Para a Secretaria de educação do Distrito Federal (SEEDF), a educação inte-
gral se constitui democrática e almeja a formação do homem como um todo, não
só nos aspectos cognitivo, mas também afetivos, culturais e sociais. O Currículo
em Movimento Educação Integral (DISTRITO FEDERAL, 2013), programa ex-
presso pela SEEDF, articula-se nos moldes da educação integral. Para tanto, defi-
ne, em seu arranjo, a ideia de um currículo integrado e contextualizado median-
te todas as disciplinas. A esse respeito Santomé (1998, p. 95) nos lembra que:
O currículo pode ser descrito como projeto educacional pla-
nejado e desenvolvido a partir de uma seleção da cultura e
das experiências das quais, deseja-se que as novas gerações
participem, a fim de socializa-las e capacitá-las para ser cida-
dão e cidadãs solidários, responsáveis e democráticos.
Fonte: Da autora.
Currículo do PROEITI:
Um saber que delimita a prática docente no DF
Com base na releitura da concepção de currículo, torna-se possível conhe-
cer o que venha a ser o currículo do PROEITI:
[...] o Projeto de Educação Integral em Tempo Integral (PRO-
EITI)[...] um projeto que consolide e difunda os princípios que
alicerçam as ações da Educação Integral, centradas em uma
educação pública de qualidade referenciada nos Sujeitos So-
ciais. [...] Apresenta-se um modelo de escola contemporânea,
onde a ampliação de tempos, espaços e oportunidades edu-
cacionais, possam favorecer a aprendizagem significativa [..],
(DISTRITO FEDERAL, 2013, p.5).
e com mundo. Por este motivo, que quando se aborda sobre a escola integral se
remete ao termo cultura, pois, “[...] as escolas não apenas controlam as pessoas;
elas também ajudam a controlar o significado [...]” (APPLE, 2006, p.103). E o sig-
nificado é que somos, construirmos e vivemos a cultura imposta pela sociedade.
O cerne do estudo aqui tratado é o currículo mediante a práxis do pro-
fessor. Assim, pensando no seu significado cultural nos vem em mente os sa-
beres e práticas do docente formador que constituem suas funções desem-
penhadas no âmbito do programa, mas numa perspectiva emancipatória. A
esse respeito Therrien (2012, p. 130) recorda que:
A emancipação docente e discente aparece como horizonte
em constante “porvir”, um processo de apreensão do sentido
da vida no mundo, cujo imperativo maior é a aprendizagem
para a conquista da própria individualidade inserida na cole-
tividade social. Isto significa educação para a liberdade no
sentido freireano, conquista do “esclarecimento” Kantiano na
passagem para a maturidade do ser humano, ou ainda auto-
nomia e autodeterminação do olhar livre de preconceitos e
limitações, aberto ao outro e à vida,.
Fonte: Da autora
67
O Currículo da Educação Integral e do PROEITI/seDF sob a... S. C. R. da Silva
Ora, Arendt (2005, p. 190) destaca que “[...] a liberdade não é um pro-
blema da esfera política, mas o motivo que homens convivem politicamen-
te organizados. Sem ela, a vida política seria destituída de significado [...]”.
Abordar sobre currículo é levar a sua concepção a um papel político. Sendo
assim, o modelo de educação integral vivenciada sob a ótica do PROEITI
no DF pode vir a ser direcionado para um modelo totalitário, destituído de
seu significado social, uma vez que o que prevalece no interior da escola
é a burocracia que a cada dia vem se sobrepondo ao pedagógico. O saber
docente é ofuscado em meio às relações de forças externas que vão além
dos muros escolares. Destarte, entende-se que, neste contexto, a autonomia
do professor corre sério risco de se perder em meio ao discurso da prática
pedagógica.
Que chão é esse ao qual pisamos? Que autoridade pode haver no PRO-
EITI? Em suma, vale salientar que, os atores do programa PROEITI são
responsáveis pela participação no Projeto Político Pedagógico da escola e
pela tomada de decisões em relação às atividades programadas para o ano
seguinte. Logo, devem se assumir como sujeitos e não se alienarem as con-
junturas impostas pelo sistema. E, quando se refere a autoridade docente se
remete a um processo de organização em que o professor se coloca em uma
posição para que venha conhecer aquilo que é capaz de fazer e produzir na
sociedade. Quanto a figura do professor no currículo da educação integral
esboçada sob a ótica do PROEITI, adentra-se no mais intimo da escola para
descobrir que educamos nossos alunos visando transformar o já sabido e
não o desconhecido (RANCIÉRE, 2004).
A carga horária dos diferentes componentes curriculares é definida pelo
o Projeto Político Pedagógico (PPP) de toda escola de PROEITI e deve ter a
rotina padrão viabilizada pelo Pré-projeto realizado pela SEDF. Quanto aos
espaços curriculares disciplinares, estes podem ser agrupados em um ou
dois turnos de modo que o currículo do PROEITI tenha a mesma formação
com a Base Comum e Base Diversificada ministrada por dois professores
regentes da SEDF, como sustenta o Programa (DISTRITO FEDERAL, 2013, sp.):
Para que cada escola possa organizar-se nessa nova perspec-
tiva, lembramos que cada turma será regida por 02 profes-
sores com 40h semanais de atividades. Nesse sentido, traba-
lharão com a mesma turma (05 horas de responsabilidade
para cada um), sendo responsáveis pelo planejamento, regis-
tro diário, condução das atividades, avaliação das aprendiza-
gens e desenvolvimento das crianças.
uma das formas que o governo entende que consegue aumentar a melhoria
no ensino. Aqui entra o papel do professor, porque por mais que hajam pro-
jetos no PROEITI, o docente é a um indivíduo importante para alavancar o
currículo da educação integral.
Para Sacristán (2000, p. 281) “[...] a função de planejar o currículo é uma
das facetas mais relevantes dentro do conjunto de práticas relacionadas com
sua elaboração e desenvolvimento, recolhendo aspectos de ordem técnicas e
pedagógicas [...]”. deste modo, planejar refere-se à busca e para aconteça-la
faz-se importante o desvelamento da curiosidade dos sujeitos envolvidos no
processo de conhecimento para que a organização curricular seja construída
e consolidada no ambiente educacional como destaca Freire (2009, p. 32):
A curiosidade como inquietação, indagadora, como inclinação
ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não,
como procura de esclarecimento, como sinal de atenção. [...]
Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e
que nos põe impacientemente impacientes diante do mundo
que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
Nota-se que com o passar do tempo o professor foi perdendo essa auto-
nomia, chegando ao PROEITI com a cartilha pronta e mecanizada, não tendo
liberdade nem para selecionar os livros didáticos. Acredita-se que a cada dia
essa autonomia foi sendo usurpada, na medida em que o professor apenas
segue e reproduz o script do livro didático, ou seja, é uma estação de repro-
dução, pois o Estado “[...] requer um educador exímio na tarefa de acomo-
dação ao mundo e não na de sua transformação [...]” (FREIRE, 2009, p.143).
De acordo com Libâneo (2013, p.26) “A estrutura e funcionamento do
ensino inclui questões da organização do sistema escolar nos seus aspec-
tos políticos e legais, administrativos, aspectos internos da escola como a
estrutura organizacional e administrativa, planos e programas, trabalho
pedagógico.” Em detrimento a esse pressuposto, destacamos a organização
curricular do PROEITI nas escolas do Ensino Fundamental I, estruturada a
partir dos moldes apresentado pelo PNME, caracterizando na figura 5.
Eis, as razões pelas quais a forma como o currículo do ensino vem sendo
organizado e colocado em prática deixa os professores reféns. Assim, “[...]
é algo que diminui o papel dos professores e cria um processo educacio-
nal que permanece desconectado das vidas de muitas crianças[...]” (APPLE,
2006, p.28). Vale salientar que para Freire (2007) nem a escola e nem o
professor emancipa alguém, os homens e mulheres se emancipam por si só,
a partir do momento que adquirem a liberdade plena de cidadão, mas en-
quanto educador posso colaborar para que a sociedade se desenvolva nesse
processo, pois, “[...] a emancipação progressiva do trabalho docente [...] é
condição para o seu próprio desenvolvimento profissional e pessoal” (SA-
CRISTÁN, 2000, p. 177). Mas, como desenvolver um currículo para a eman-
cipação plena do individuo se o próprio professor está refém do sistema?
Concluímos neste estudo que para o PROEITI acontecer nas escolas é
preciso contar com a colaboração dos atores do programa, porém vale sa-
lientar que estes atores anteriormente citados atuam na deliberação para a
implantação do PROEITI. Sendo assim, nem todo ator é executor da política
de Educação Integral. Os executores dessa educação construída e permea-
da sobre o PNME são: coordenador, articulador, facilitador, mediadores e
professores.
Todo executor é um ator do PROEITI e atuam na execução do progra-
ma nas escolas. Cada um tem o seu papel. O coordenador é escolhido pelo
secretario de educação e fica encarregado de estruturar todo o sistema do
PNME no PROEITI das 17 escolas espalhadas pelas regiões do Distrito Fe-
deral. O articulador é o professor regente da instituição de ensino, escolhi-
do pelo grupo escolar de professores e gestores tornando-se responsável
por contratar e orientar os mediadores e facilitadores quanto à execução do
programa. Os facilitadores são responsáveis por tornar a base diversifica-
da mais atrativa e intuitiva no processo de ensino e aprendizagem dos alu-
nos. Portanto desenvolvem aulas de música, artes, dança, balé, canto, teatro,
entre outras atividades artísticas que visam aprimorar o fazer pedagógico
na escola integral. Segundo Santomé (1998, p. 253):
72
As Práctica s docentes
Considerações Finais
O currículo na história da escolarização veio ocupando a cada dia o seu pa-
pel de ação política. Esse programa expresso no currículo em movimento da
SEDF e colocado em prática nas escolas do DF sob a ótica do PNME foi um
ganho e uma perda para a comunidade do Distrito Federal. Um ganho por-
que através dele o PROEITI conseguiu se fortalecer e adquirir verbas para
o seu desenvolvimento e perda porque o professor recebeu uma cartilha
direcionando sua prática pedagógica e a aprendizagem do aluno.
Para Freire (2009, p.14) “[...] formar é muito mais do que puramente
treinar o educando no desempenho de destrezas [...]”. Isto revela que o pro-
fessor de PROEITI não pode emancipar se ele mesmo não é emancipado. E
como construir sujeitos históricos, como libertar e transformar se enquanto
‘eu’ me faço presença no mundo como um ser passivo, tendo em vista que
a própria escola é um sistema de opressão uma vez que cria, automatica-
mente, mecanismos indiretos para controlar o aluno e o professor mediante
notas, diários, planejamentos, provas, cartilhas, entre outros instrumentos
de controle de aprendizagem.
Destarte, pode-se afirmar que para a transformação acontecer em uma
escola integral é preciso que primeiro o professor se emancipe. As conclu-
sões dessa pesquisa nos levam a duvidar dessa educação que o PROEITI
reverbera sobre a cidadania, a transformação, a emancipação, a libertação e
humanização do sujeito/aprendiz por considerar que no formato em que o
PROEITI tende a se apresentar, em um país capitalista e gestor de políticas
neoliberais e extremamente comprometido com a Direita, é impossível se
promover a Educação Integral promotora da emancipação e autonomia.
74
As Práctica s docentes
Referências
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75
II. A escola e suas relações
A coordenação pedagógica
como articuladora da formação
continuada do docente
Marilsa Duarte Braga da Silva, Universidade de Brasília, Brasil
Otília Maria A.N.A. Dantas, Universidade de Brasília, Brasil
Introdução
A
coordenação pedagógica como articuladora da formação continuada
do docente. Este tema forjou-se a partir dos seguintes questionamen-
tos: qual o papel do coordenador quanto a formação continuada e em
serviço dos docentes e os processos de ensino e aprendizagem? A pesqui-
sa visa refletir sobre a importância da atuação do Coordenador Pedagógico
como articulador da formação continuada do docente e dos processos de
ensino e aprendizagem. Os resultados apontam para o entendimento de que
o grande desafio dos educadores é reconhecer os seus pares e valorizá-los.
A metodologia, de natureza qualitativa, apoiou-se numa pesquisa biblio-
gráfica para configurar o espaço e a importância do Coordenador Pedagógico
e sua relação formativa com o docente e como este trabalho pode refletir nos
processos de ensino e aprendizagem. Os resultados apontam a Coordenação
Pedagógica como articuladora da formação continuada contribuindo para a
consolidação dos processos de ensino e aprendizagem ocorridos na escola.
Ao pensar na educação como forma de emancipação humana como algo
real e não utópico, procurei em minha história acadêmica e profissional
como pedagoga os fatos que seriam mais relevantes e que me provocaram a
escrever o presente artigo. Por conseguinte, o ensaio justifica-se em virtude
do interesse que se fomentou, ao trabalhar como assistente da Coordena-
ção Pedagógica do Ensino Médio de uma escola particular e vivenciar os
desafios diários dos docentes e discentes quanto as metodologias de ensi-
no, novas tecnologias, perguntas, fatores sociais, financeiros, emocionais e
familiares que permeavam naquele lugar. Em meio a essas demandas e sen-
timentos, surgiu a figura do Coordenador Pedagógico. O Coordenador pro-
move ao corpo docente e discente, através de suas inserções, refletir acerca
dos determinantes acadêmicos, pessoais e sociais, afim de que este possa
colaborar na inserção crítica e consciente no mundo.
O tema aqui abordado torna-se importante, pois trará reflexões sobre a
prática do Coordenador Pedagógico, pois entendemos que as relações inter-
pessoais fazem parte da rotina desse agente escolar, que atua como articu-
lador nas esferas escolares e familiares, ouvindo, olhando e dialogando com
os atores da comunidade escolar que o busca.
Sendo assim, o objeto de estudo se justifica quando Libâneo (2001, p.26),
pontua que o “trabalho pedagógico é o núcleo das atividades escolares e
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
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A escola e suas relações
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
apenas com as questões pessoais que envolvem o salário. Diante disso, nos
questionamos, este profissional se comporta nas escolas públicas do DF?
Isto posto, apresentamos no Quadro 1 o quantitativo de coordenadores das
escolas públicas do DF.
necessário que este Coordenador Pedagógico tenha uma visão macro e mi-
cro, oportunizando uma organização coerente e dinamizadora no ambiente
educacional, além de se atender aos princípios administrativos que são de
interesse da gestão escolar e do corpo docente, tendo em vista que busca
atender os princípios pedagógicos e sociais no ano letivo. Sendo assim, se-
gundo Pinto (2011) não basta ao professor atuante em uma escola de Educa-
ção Básica refletir sobre sua prática, pois essa reflexão deve estar totalmente
articulada no contexto sócio histórico da instituição, tal pensamento permite
trazer o significado social de sua práxis como Coordenador Pedagógico.
Para desenvolver a formação continuada junto aos docentes que estão
atuando na Educação Básica é necessário que o Coordenador Pedagógi-
co apresente uma visão de totalidade da prática educativa. Segundo Pinto
(2011) o trabalho pedagógico é caracterizado como um núcleo do centro
das atividades escolares que representa também as práticas educativas de-
senvolvidas pelo professor dentro da escola, e aprimorar essas funções é
tarefa do coordenador mediante a formação continuada.
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A escola e suas relações
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
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A escola e suas relações
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A coordenação pedagógica como... M. D. B. da Silva e O. M. A.N.A. Dant as
Considerações finais
Concluímos que é fundamental ao coordenador pedagógico centrar o seu
trabalho na ação humana acreditando nas mudanças e ser capaz de aceitar
e conviver com as diferenças, além de ser um sujeito atento aos saberes pe-
dagógicos de tal forma que possa mediar, de forma organizada e coerente,
a formação continuada do professor. O Coordenador Pedagógico atua em
todas as esferas educativas e por sua formação humana, está atento aos an-
seios e desafios que a sociedade atual demanda sobre a escola e seus agen-
tes. Entendemos que não é uma tarefa fácil, pois é necessário ao profissional
que atua nesse cargo ter consciência dos enfrentamentos, estar vigilante às
mudanças que ocorrem na sociedade e acima de tudo conhecer sua comuni-
dade escolar, pois seu trabalho é coletivo e envolve todos os atores envolvi-
dos no processo educativo.
A atribuição do Coordenador Pedagógico é de dar suporte organizacio-
nal e pedagógico aos professores, bem como possui um importante papel na
formação continuada dos docentes. Portanto, entendemos que essa forma-
ção deve ser viabilizada continuamente e nesse sentido, busca-se contribuir
para a redução da evasão escolar, da reprovação, o aumento do rendimento
escolar e a ênfase na formação integral do indivíduo lhes promovendo edu-
cação para transformação.
Deste modo entendemos que conseguimos atingir ao objetivo deste ar-
tigo: refletir sobre a importância da atuação do Coordenador Pedagógico
como articulador da formação continuada do docente e dos processos de
ensino e aprendizagem.
Referências
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BRASIL. PORTARIA nº 29 de 29 de janeiro de 2013. Dispõe sobre os cri-
94
A escola e suas relações
95
Violência na escola e ruptura nas relações
dos sujeitos
Cleonice Pereira do Nascimento Bittencourt, Universidade de Brasília, Brasil
Inês Maria Zanforlin Pires de Almeida , Universidade de Brasília, Brasil
A
organização do trabalho, e a maneira como ele se estrutura, é tema
de interesse de diversas áreas, linhas de pesquisa, e autores de dife-
rentes abordagens teóricas. Nesse texto, acionamos autores que se
dedicaram a estudar a dinâmica do trabalho na subjetividade dos sujeitos,
conforme defende Dejours (1987,2004) de maneira especial aqueles que
o veem como estruturante psíquico (Dejours,2004; Enriquez,1999,2005)
bem como, autores que analisam os impactos da violência escolar para
compreender possíveis influências na subjetividade dos professores que
vivenciam situações de violência no contexto da escola, e que se apoiam no
aporte teórico psicanalítico.
Ao considerarmos o trabalho docente qualificado pela OIT – Organiza-
ção Internacional do trabalho em 1981, como sendo de riscos físicos e men-
tais, pensamos em sua dinâmica e estrutura organizacional que se caracte-
riza por ser uma profissão relacional, e, que responde a algumas demandas,
conforme descrito por Pereira(2017) acrescentando também, dentre elas a
de grande vínculo social (Enriquez,2006) e grupal.
Corroboramos com Enriquez (1999) ao fazer referência à obra social de
Freud: Psicologia das massas e análise do Eu (1921,1996) clareando a ideia
de que o indivíduo não existe fora do campo social e que “o sujeito humano
é um sujeito social”, e por isso entendemos que a profissão docente, ocorre
no campo social da instituição escola.
Nesse sentido, consideramos que ao vivenciar no contexto da profissão
docente, situações que envolvem o fenômeno da violência, esses profissio-
nais, os professores, vivênciam na sua organização de trabalho situações
consideradas por Dejours, como ações que impactam o aparelho psíquico.
A organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica,
cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições emerge um so-
frimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual,
portadora de projetos, de esperanças e de desejos e uma organização do
trabalho que os ignora(DEJOURS, 1987, 64).
Nesta perspectiva selecionamos artigos disponibilizados no Scielo
(Scientific Electronic Library Online), tendo como descritores iniciais vio-
lência na escola, com essa demanda encontramos 358 artigos. Com o intui-
to de refinarmos a pesquisa, consideramos então, os descritores violência
97
Violência na escola e ruptura nas... C. P. N. Bittencourt e I. M. Z. P. de Almeida
Conclusão
À guisa de conclusão, nos apropriamos das palavras do autor, para ponde-
rar que, diante dos fenômenos de violência que cercea a escola e impac-
ta a profissão docente causando mal-estar com reflexos na subjetividade
101
Violência na escola e ruptura nas... C. P. N. Bittencourt e I. M. Z. P. de Almeida
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102
A escola e suas relações
103
Biblioteca Escolar
Acesso à cultura letrada
Maria Marismene Gonzaga, Universidade Estadual Paulista, Brasil
Renata Junqueira de Souza, Universidade Estadual Paulista, Brasil
Introdução
A
biblioteca tem como finalidade preservar o legado cultural, base
para estudos e mediação da cultura, favorecendo o acesso a conhe-
cimentos políticos, técnicos, científicos e a outras ciências; fomentar
a leitura, em especial, a leitura literária; oferecer espaço de encontros entre
leitores, entre leitores e autores, troca de saberes, e outros eventos voltados
para a disseminação da produção cultural acumulada.
O compartilhamento de saberes é um momento especial para que a
aprendizagem se efetive. De acordo com Vygotsky (1989), referenciado por
Campello (2009), o processo de desenvolvimento depende de interações
sociais, e o que se aprende nessas interações, influencia o desenvolvimen-
to cognitivo. Assim, Rego (2013), na perspectiva de Vygotsky, complementa
afirmando que construir conhecimentos implica uma ação compartilhada,
uma vez que é pela interação com o outro que as relações entre sujeito e
objeto de conhecimento se estabelecem.
Ler e compartilhar a leitura com outras pessoas permite a construção de
sentido, uma vez que os sujeitos se beneficiam da competência uns dos ou-
tros e, assim, se apropriam do texto escrito, proporcionando prazer e des-
cobertas. Dessa forma, a biblioteca pode ser espaço de interação do sujeito
com os livros e com os outros, espaço de diálogo com os estudos realizados
em sala de aula, colaborando para o desenvolvimento de habilidades leito-
ras e ampliação da cultura letrada.
Diante do exposto, surge a indagação: qual o tratamento dado à biblio-
teca escolar no projeto político-pedagógico em escolas dos anos iniciais da
rede pública municipal de Presidente Prudente – São Paulo – Brasil?
Nesse sentido, buscamos conhecer o conceito de biblioteca definido no
projeto político-pedagógico da escola (PPP) e analisar o ponto de vista dos
profissionais e comunidade escolar acerca da biblioteca, além de verificar
como a constroem e a utilizam no planejamento pedagógico diário da uni-
dade de ensino, de forma que a biblioteca escolar se constitua como um
espaço de acesso à cultura letrada.
Trajetória metodológica
Trata-se de uma pesquisa documental e estudo de caso com abordagem
qualitativa que consistiu na análise do projeto político-pedagógico da es-
105
Biblio teca Escolar: acesso à cultura letrada. M. M. Gonzaga e R. J. de Souza
Resultados e discussão
Discutimos aqui o ponto de vista dos participantes da pesquisa relativo à bi-
blioteca escolar (BE). Procuramos verificar como os particpantes percebem
a biblioteca escolar e como as ações voltadas para a formação do leitor se
realizam nesse espaço.
A biblioteca escolar deve ser o espaço de leitura, aprendizagem e vivência
da literatura, pois ela desperta o interesse das crianças para ler, aprender,
viver histórias lidas e ouvidas, contribuindo para a formação dos alunos e
o acesso à cultura letrada. A apropriação dos textos escritos proporciona a
ampliação da bagagem cultural por meio da disseminação do conhecimento
históricamente acumulado. A biblioteca escolar é, por excelência, o ambien-
te destinado à aprendizagem, ao fomento da leitura e ao desenvolvimento
das habilidades informacionais. Quando bem conduzidas, as atividades que
se desenvolvem nesse espaço incentivam o gosto pela leitura e ampliam o
conhecimento. Os depoimentos que se seguem mostram que o potencial da
106
A escola e suas relações
107
Biblio teca Escolar: acesso à cultura letrada. M. M. Gonzaga e R. J. de Souza
acervo dela é bem... é bem vasto, então... dá pra gente fazer um bom trabalho.”
(P3)
Foi destacado também sobre a reforma da biblioteca, o incentivo à lei-
tura, a quantidade e a qualidade de acervos no seguinte discurso:“tem essa
quantidade de livros, uma quantidade variada. É uma biblioteca boa. Tanto
que incentivo meus alunos a virem” (P2).
Um dos entrevistados do segmento pais disse: “Têm muitos livros, mas
poderia ter mais. Sempre é bom que tenha mais.” (M1), confirmando o já ex-
posto sobre os acervos. Outro, além de reforçar falas anteriores, comentou
sobre a reestruturação e reorganização da BE, do envolvimento de alunos e
professores nesse trabalho e de um projeto de leitura que vinha tendo uma
continuidade dentro da escola há mais tempo. Classificou a biblioteca como
boa e disse que mais qualidade e maior número de livros facilitariam aos
professores a construção de projetos. E acrescentou:
Nos três anos que meu filho tá aqui, sempre teve projeto de
apoio e incentivo. Ano passado mesmo, meu filho participou da
reorganização e reestruturação da biblioteca junto com a pro-
fessora dele. Então ela foi reinaugurada... toda modelagem dela
foi feita totalmente em cima de bases, e os alunos ajudavam.
Meu filho foi um dos alunos que foi destacado para auxiliar a
professora a reestruturar a biblioteca. Então, não tem como eu
dizer o contrário, né. (M2)
Outro professor relatou que o acervo era bom, mas deveria ter mais: “É
que sempre penso em algo a mais, em termos da qualidade de ensino cada
vez melhor. A gente tem sempre que achar que precisa melhorar.” (P4). Diz
também que deveria haver mais exemplares do mesmo título: “um volume
maior de exemplares da mesma literatura, se tivesse uns dez exemplares de
cada título, todos os alunos daquele mesmo ano, poderiam ler aqueles títulos.
E o professor fazer um trabalho mais sistematizado.” (P4)
O professor ou o bibliotecário quando se propõe a trabalhar um deter-
minado tema pode optar por indicar um mesmo título para toda uma turma,
possibilitando uma discussão e atividades com todos os alunos, ou também
eleger títulos diferentes com o mesmo tema e trabalhar em grupo, ou traba-
lhar com títulos variados. A diversidade de títulos permite oportunidade de
uma ampla escolha.
O entrevistado seguinte não considerava o acervo grande, mas disse que
a quantidade não o impedia de desenvolver projetos de leitura: “A gente não
tem um acervo muito grande, mas nada que impeça que desenvolva algo. É
questão do olhar... você pode enriquecê-lo, [...] eu já desenvolvi muitos projetos
aqui. Até de lançar livros com eles”. E usei só material da biblioteca aqui. (P3)
Já o diretor se limitou a responder somente a respeito do acervo. Em
outros momentos da entrevista demonstrava seu ponto de vista a respeito
dos projetos de leitura. Para ele não há acervos suficientes para o desenvol-
vimento de projetos de incentivo à leitura: “Olha, a gente tem o acervo do
PNBE1, da biblioteca escolar do MEC.”; “eu penso que a gente tem um acervo
1 Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
111
Biblio teca Escolar: acesso à cultura letrada. M. M. Gonzaga e R. J. de Souza
readaptados, ou seja, são na maioria das vezes, professores que não podem
assumir a sala de aula devido a problemas de saúde.
A escola pesquisada não foge a este fato. Muitos dos profissionais que
atuam em bibliotecas escolares vão além das expectativas da sua habilita-
ção, pois nem todas as redes de ensino promovem formação: nem no que diz
respeito à parte técnica referente aos acervos, tampouco formação pedagó-
gica, capacitando-os para atuação na BE.
A respeito desse fato, muitas vezes a pesquisa realizada pelo Ministério
da Educação do Brasil, no âmbito do Programa Nacional Biblioteca da Es-
cola – PNBE (2008) corrobora o discurso do entrevistado, quando aponta
que os responsáveis pela guarda e uso dos livros nas escolas, e pelas salas
de leitura ou bibliotecas eram, frequentemente, professores readaptados.
De acordo com Nóbrega e Mollo (2011), é muito recorrente que a biblio-
teca escolar seja gerenciada por funcionário não especializado, às vezes,
afastado do contato direto com os alunos por motivos de saúde.
Quando questionado aos participantes da pesquisa a respeito da coorde-
nação dos projetos, inferimos que estes são gestados pela direção da escola,
não só a atual, (como já visto) e posteriormente discutidos com os profes-
sores nas reuniões de planejamento. Não há uma indicação de que o projeto
seja discutido pelo coletivo da escola.
A declaração de um dos pais entrevistados mostrou que havia projeto
de leitura na escola, pois ele já constatou, estando presente em apresenta-
ções na escola e também pelo fato de os filhos levarem livros para casa. No
entanto, percebemos que não existia a participação direta dos pais: “Acho
que sim. Porque eu já vi aqui apresentação de trabalhos – teatro, exposição de
desenhos – a gente vê que foi lido o livro e eles fizeram os trabalhos. Eles levam
livros pra ler em casa.” (M1)
Não foi percebida uma discussão coletiva dos projetos de leitura. No en-
tanto, conforme discurso dos professores, citado anteriormente, havia um
projeto de leitura que era valorizado pelas gestões que assumiam a admi-
nistração da escola, dando continuidade.
Não houve indícios de que esse ou outro projeto era discutido pela comu-
nidade escolar, tampouco no âmbito do projeto político-pedagógico da escola.
De acordo com a análise documental, constava, no PPP um projeto de leitura
mencionado no plano de ação que correspondia à incrementação do projeto
de leitura já desenvolvido na unidade de ensino (Presidente Prudente, 2013-
2015), inserido para a justificativa da solicitação de ampliação do acervo.
Conclusão
Para os entrevistados, a BE foi considerada como: um espaço criado para in-
teração com os livros e de desenvolvimento das habilidades leitoras, vivên-
cia da literatura, pesquisa, aprofundamento dos estudos realizados na sala
de aula, proporcionando à criança a expansão da leitura e da cultura; um
espaço de estímulo à leitura onde o aluno pode fazer sua escolha. Espaço
de autonomia. Assim, contribuindo para a aprendizagem e aprimoramento
dos conhecimentos, para a educação, e para a cultura letrada. Portanto, ela
114
A escola e suas relações
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Carvalho, M. C. (2005). (2. ed.) Escola, biblioteca e leitura. In: CAMPELLO, B.
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Horizonte: Autêntica.
115
Biblio teca Escolar: acesso à cultura letrada. M. M. Gonzaga e R. J. de Souza
116
Contribuições da teoria histórico-cultural
e da didática desenvolvimental para o
planejamento de ensino de teatro
Ana Lara Vontobel Fonseca, PUC-GO/ IFG, Brasil
Introdução
E
ste estudo versa sobre as contribuições da teoria histórico-cultural,
fundada por Lev Semionovitch Vigotsky1 (1896-1934), e da teoria do
ensino desenvolvimental, concebida por Vasili Vasilyevich Davidov2
(1930-1998) a partir das contribuições de Vigotsky, Aleksei Leontiev e Da-
niil Elkonin, para o planejamento de ensino de teatro na escola pública bra-
sileira. O objetivo é oferecer aos docentes da arte dramática elementos para
a preparação de aulas que promovam a educação estética dos estudantes,
para que eles possam pensar artisticamente, por meio da aprendizagem de
conceitos, na vivência teatral. Recorrendo ao caso particular do conteúdo
tragédia, o artigo busca refletir sobre os métodos/ procedimentos para a
organização de seu ensino na disciplina curricular Artes/Teatro, lecionada
no Ensino Médio.
A escolha do recorte justifica-se por ser um conhecimento de inquestio-
nável relevância na compreensão da origem e evolução da arte teatral. Foi
durante o século VI a.C., na Antiga Grécia, que os rituais dramatizados de
caráter estritamente religiosos – que são práticas comuns percebidas em
distintas sociedades primitivas – se desdobraram em atividades de caráter
igualmente artístico, cujo objetivo era, através da representação dramática,
expressar o terrível ou o grotesco do mundo físico e espiritual. O desenvol-
vimento dessas práticas gregas resultou na criação dos primeiros e mais
importantes gêneros dramatúrgicos: a tragédia e a comédia. No decorrer
dos séculos, a tragédia, em especial, ultrapassou os limites da religião e da
arte, passando a fundamentar reflexões filosóficas e psicológicas, além de
ser hoje uma expressão utilizada, principalmente, para designar catástrofes,
fatos desastrosos e funestos da vida comum.
Propor o ensino do conteúdo tragédia vai de encontro com a concepção
de Vigotsky, seus colaboradores e seguidores, de que a educação se carac-
teriza pela apropriação dos bens culturais produzidos pela humanidade.
Sabendo que a Escola é, muitas vezes, o único lugar onde os jovens brasi-
leiros têm contato com a arte dramática e acesso ao patrimônio artístico-
-cultural, como as obras de Sófocles, Shakespeare ou Nelson Rodrigues, por
exemplo, percebe-se a importância do ensino-aprendizagem de teatro na
instituição escolar pública. Além disso, como a compreensão da arte não
tem um método lógico, mas tem seu próprio método intrínseco em cada
obra, seu ensino exige um planejamento especial, que consiste em viven-
ciar a arte na própria arte. Por meio dessa vivência se desenvolvem as ha-
bilidades artísticas que são, igualmente, as principais habilidades psíquicas
superiores dos seres humanos, isto é, a percepção, a memória mediada, a
atenção seletiva, o pensamento conceitual abstrato.
O planejamento de ensino
Uma questão fundamental para pensar o ensino escolar por meio da teo-
ria histórico-cultural e da didática desenvolvimental, é entender que existe
uma relação direta entre os conhecimentos disciplinares e o conhecimento
pedagógico-didático. São os princípios e métodos que deram corpo a deter-
minado conteúdo que constituem a sua metodologia de ensino. Além dis-
so, é importante levar em consideração o contexto em que se educa e para
quem se ensina, pois o aprendizado só será efetivo quando os sujeitos en-
volvidos tiverem intenção e desejo de aprender, pois veem ali uma necessi-
dade de apropriação do conhecimento. Sendo assim, podemos destacar que
quatro pontos básicos são essenciais para ensinar: 1) domínio do conteúdo;
2) didática do ensino do mesmo; 3) conhecimento dos níveis cognitivos dos
alunos e suas características socioculturais (motivos, necessidades); e 4)
conhecimento do contexto sociocultural da escola e da comunidade escolar.
122
A escola e suas relações
notícia e outras não? Aquilo que uma tragédia teatral suscita no espectador
é o mesmo que a notícia provoca no telespectador/ouvinte/leitor?; 3) Em
seguida, divididos em grupos, os estudantes devem elaborar e apresentar
uma dramatização curta, encenando o trágico nas três perspectivas: do pon-
to de vista da mídia, o trágico teatral e o da vida cotidiana.
Nesse exemplo, nos três momentos da aula, os alunos são sujeitos ativos
na construção de seu conhecimento, com o auxílio do docente. Na discussão
entre o entendimento de tragédia pelo senso comum em comparação com
o conceito teatral, eles realizarão operações mentais como análise, síntese,
comparação, explicação, resolução de problemas e formulação de hipóteses.
Pois, faz parte do planejamento de ensino: “Identificação das ações mentais,
habilidades cognitivas gerais e específicas presentes no conteúdo e que de-
verão ser adquiridos pelos alunos ao longo do estudo da matéria” (Libâneo,
2016, p. 378). Dessa maneira, com a dramatização (modelação), na experi-
ência como autores, atores e espectadores, eles desenvolverão o pensamento
estético. Outras habilidades, importantes para o teatro e para a vida, igual-
mente se articulam nessas tarefas, como a criatividade, a expressividade cor-
poral e vocal, o trabalho em equipe, a observação, a memória e a atenção.
Libâneo (2009) ressalta a importância de o professor levar em conside-
ração outros elementos no seu plano de aulas, na organização das tarefas de
aprendizagem e atividades de estudo, que são os motivos dos alunos. Isso
significa incluir no ensino dos conteúdos as práticas socioculturais viven-
ciadas pelos estudantes na família, na comunidade e na escola; vinculadas
aos seus interesses e motivações. Segundo o autor: “Os alunos entram em
atividade de aprendizagem se eles de fato tiverem motivos (sociais/ indivi-
duais) para aprender. O papel da escola e dos professores, portanto, inclui
também formar nos alunos motivos éticos e sociais” (2009, p. 6). Nesse sen-
tido, o professor de teatro, ao ensinar a tragédia elisabetana, por exemplo,
pode selecionar um texto de Shakespeare a partir dos sentimentos humanos
que sejam mais significativos para seus alunos. Pois, conforme especialistas
na obra do dramaturgo inglês, é possível encontrar os principais anseios e
afetos do homem moderno nas suas tragédias. Assim, vincula-se o texto aos
interesses pessoais e sociais dos estudantes.
De acordo com Davidov (1988), durante a fase escolar, os jovens am-
pliam seu horizonte intelectual e moral, elegem e selecionam suas amiza-
des, fazem planos para a vida futura, formam qualidades ideológicas, morais
e cívicas sólidas, além de desenvolverem convicções científicas, artísticas e
políticas, com suas respectivas orientações de valores. Esses motivos sociais
e individuais da atividade humana são imprescindíveis para a organização
das tarefas de estudo, pois será muito mais eficaz a instrução, quando os
conteúdos da matéria têm ligação aos motivos dos alunos para aprendê-los.
Na adolescência, como nos demais estágios de desenvolvimento huma-
no, há duas atividades principais, com as quais o jovem atua na realidade,
formando sua psique. Elkonin (2017) explica que nesse estágio da vida
desenvolve-se uma atividade especial, de comunicação, onde se estabele-
cem relações pessoais íntimas entre os jovens. Uma grande importância
é dada as amizades entre os adolescentes que, em aspectos gerais, nelas
125
Contribuições da teoria hist órico-cul tural e da didática... A. L. V. Fonseca
126
A escola e suas relações
Conclusão
A proposta de uma pedagogia do teatro com base na teoria do ensino de-
senvolvimental é a de uma educação estética, ética e política, não pensando
em aprender através da arte, mas na arte. Na construção do planejamen-
to nesses pressupostos, levam-se em consideração os conhecimentos dos
estudantes, sua maneira de ser, agir, pensar, atuar, sem jamais dispensar o
conteúdo disciplinar artístico. Pois, será ao aprender os conceitos próprios
da arte, que o educando poderá entender melhor o contexto estético em
que está inserido, e as manifestações artísticas que vivencia. Poderá refletir
como as políticas públicas são muitas vezes responsáveis pelo seu acesso,
ou não, aos bens artísticos e culturais, que são patrimônios da humanidade.
Irá perceber que seu gosto estético não é algo natural e individual, mas algo
construído socialmente e, atualmente, muito influenciado pelos meios de
comunicação de massa.
Nosso posicionamento é o de que os estudantes têm direito de conhecer
as peculiaridades artísticas que envolvem esse gênero teatral em questão,
ampliando, confrontando e modificando o conceito que já trazem sobre a
tragédia, através da vivência artística e da experiência estética. Para tanto,
o professor deve dominar sua área de atuação, ter repertório para exempli-
ficar, expor, sugerir, comparar. Sobretudo, precisa saber elaborar atividades
que ativem os processos de aprendizagem dos estudantes por eles mesmos.
Pois, parafraseando Vigotsky (2016, p. 452): “Já é hora de colocar o aluno
127
Contribuições da teoria hist órico-cul tural e da didática... A. L. V. Fonseca
sobre suas próprias pernas, fazê-lo andar e cair, sofrer dor e contusões e
escolher a direção”.
Nesse artigo, tratamos de refletir e argumentar sobre o planejamento
de ensino de teatro que desenvolva o pensamento estético dos estudantes,
através da centralidade da atividade artística, caracterizada como uma ex-
periência única. Com a apropriação de conteúdos teatrais, como o de tragé-
dia, o estudante do Ensino Médio terá mais ferramentas para atuar em sua
vida particular, social e laboral, pois teve a oportunidade de desenvolver
durante seus estudos escolares esse tipo tão especial de pensamento, que é
o estético. Dificilmente por outra via, que não pela escola, esse conhecimen-
to poderia ser elaborado pelo estudante secundarista no Brasil. Por isso,
estamos de acordo com as palavras de Vigotsky sobre a educação estética:
“Observar, ouvir e sentir prazer parecia um trabalho psíquico tão simples
que não necessitava de nenhuma aprendizagem especial. E não obstante é
aí que está o objetivo principal e o fim da educação geral” (Vigotsky, 2016,
p. 351).
Referências
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to psíquico na infância. In: A. M. Longarezi, R. V. Puentes (orgs.), En-
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Prestes, Zoia. (2012). Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev
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Vigotski, L. S. (2001). A construção do pensamento e da linguagem. São Pau-
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ção social da mente. São Paulo: Martins Fontes.
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Williams, R. (2002). Tragédia moderna. São Paulo: Cosac & Naify.
128
III. Metodologias ativas
e intedisciplinares
Uso de Metodologias Ativas apoiadas por
recursos digitais
Rosimar dos Reis Bessa Couto, Universidade Estácio de Sá, Brasil
Vicente Willians do Nascimento Nunes , Universidade Estácio de Sá, Brasil
Maria Tereza de Moura, Universidade Estácio de Sá, Brasil
Introdução
A
Educação tem um papel de grande importância para o avanço de nos-
sa humanidade, se somos a espécie que domina o planeta no qual
vivemos, muito se deve ao fato de sermos capazes de produzir conhe-
cimentos a partir de informações e experiências que vivemos. Além disso,
também temos a capacidade de transferir o que sabemos e ajudar as demais
pessoas a construírem e ampliarem esses conhecimentos.
Se tivéssemos analisado a forma de viver (estrutura familiar, busca por
alimentos, uso de recursos naturais etc.) de um grupo de leões selvagens no
ano de 1918 e voltássemos a observar outro grupo de leões selvagens no
ano de 2018 observaríamos as mesmas coisas, no entanto, se realizássemos
essa mesma experiência com uma família de seres humanos o resultado
seria bem diferente, pois observaríamos mudanças radicais nesse mesmo
período de tempo. Essa comparação evidencia a importância da produção e
compartilhamento de conhecimentos para a evolução de uma espécie.
Segundo o biólogo Jean Piaget “O principal objetivo da educação é criar
pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que
outras gerações fizeram”. Essa frase ressalta bem o papel da Educação que
é o de promover e ampliar a produção de conhecimentos, algo vital para o
progresso da humanidade.
Além desse contexto, a presença cada vez maior de recursos digitais nas
atividades desenvolvidas no âmbito profissional, acadêmico e pessoal tem
promovido uma dinâmica ainda maior na produção de conhecimentos e,
por conta disso, faz-se necessária à atualização das metodologias de ensino
e aprendizagem.
Metodologias Ativas
O uso de Metodologias Ativas, não é algo novo, pois ao voltar no tempo, em
1923 o pedagogo francês Célestin Freinet já usava a proposta de educação
baseada na ação do educando, como na atividade “Imprensa Escolar”, na
qual os alunos produziam textos, com o uso do tipógrafo, que eram publi-
cados e lidos pelos seus pares. As Metodologias Ativas ganham ainda mais
importância em uma sociedade que exige não só o aprendizado de conceitos
e conteúdos, mas, também, o desenvolvimento de competências.
131
Uso de Metodol ogia s Ativ as apoiadas por recursos digitais. R. R. B. Cout o et al.
132
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Gamificação
As indústrias que produzem games e a quantidade de jogadores crescem
de forma exponencial, poucas são as crianças em idade escolar que não são
jogadoras assíduas dos diversos tipos de jogos online ou não.
Nesse contexto temos que explorar esse encanto pelos jogos em favor
da Educação.
A Metodologia Ativa Gamificação tem esse objetivo, usar a lógica e recur-
sos dos jogos em prol dos processos de ensino e aprendizagem.
Antes de falarmos sobre essa metodologia é importante enfatizar que ela
é caracterizada não, necessariamente, pelo uso de jogos, e sim pela lógica e
artifícios que regem os jogos (pontuação, disputa, ranking, recompensa etc.).
Sendo assim, podemos afirmar que a Gamificação não é um jogo e sim
uma metodologia que utiliza abstrações e metáforas originárias da cultura e
estudos de videogames em áreas não relacionadas a videogames.
Essa ideia é importante para diferenciar a Metodologia Ativa “Gamifica-
ção” de outra Metodologia Ativa chamada “Games em Educação”, que tam-
bém será abordada mais adiante.
Por ser uma Metodologia Ativa, além de tratar de conceitos e conteúdos a
Gamificação também ajuda no desenvolvimento de habilidades e competências.
Isso ocorre porque nessa metodologia trabalhamos com aspectos que os
alunos já estão acostumados nos jogos.
Games em Educação
Neste tipo de metodologia, os games são usados como recurso pedagógico.
A proposta é aproveitar o encanto e desenvoltura dos mais jovens em rela-
ção aos jogos em prol da Educação. Essa metodologia faz com que os jogos
extrapolem o campo do entretenimento e se torne um aliado educacional,
colaborando nos processos de ensino e aprendizagem.
Para Prensky (2010), os games além de promover momentos de satisfa-
ção aos nativos digitais, podem gerar aprendizado de maneira prazerosa, pois
133
Uso de Metodol ogia s Ativ as apoiadas por recursos digitais. R. R. B. Cout o et al.
Vivência
Nessa fase os participantes vivenciam uma atividade conduzida pelo educa-
dor/instrutor. Essa atividade deve ser ativa podendo ser um jogo, uma di-
nâmica, um estudo de caso, ou qualquer outra que envolva os participantes
em uma possível experimentação. O material usado deve ser preparado e
distribuído com antecedência para que os participantes possam ter a parte
teórica no momento em que estiverem realizando as atividades propostas.
Relato
Nessa etapa os participantes irão relatar as suas impressões sobre a ativi-
dade realizada para o grupo. Eles podem usar recursos diversos para isso
como uma dramatização, vídeo, apresentações etc. O tempo gasto nessa eta-
pa deve ser o menor possível para não desmotivar o processo.
Processamento
Nessa etapa os participantes farão uma avaliação de seu desempenho na
atividade proposta. Descrevendo os seus erros e acertos e quais as dificul-
dades encontradas na realização da tarefa. Os participantes também devem
relatar qual o aprendizado foi adquirido.
Este é o momento em que a presença do educador/instrutor é funda-
mental. Ele conduzirá com os participantes um diálogo embasado nas ex-
periências, comportamentos, sentimentos e aprendizados que a atividade
proporcionou. A forma que os participantes usarão nessa etapa para esses
relatos deve ser previamente elaborada pelo condutor do processo.
Generalização
Essa etapa os participantes fazem a generalização do aprendizado com a
sua vida cotidiana. São feitas analogias sobre o que foi trabalhado e situa-
ções vividas pelos participantes.
134
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Aplicação
Na última etapa do CAV os participantes se comprometem a aplicar os conhe-
cimentos ali trabalhados. Para isso é usado instrumentos como (Plano de Me-
tas, Plano de Melhorias, Plano de Mudança, Contrato de Aprendizagem etc.).
Esse tipo de Metodologia Ativa possibilita que os participantes possam
contextualizar na prática o seu aprendizado.
Ensino Híbrido
Essa metodologia combina atividades presenciais com atividades realiza-
das online por meio de recursos digitais. Um dos grandes equívocos que
as pessoas comentem é achar que, somente, a disponibilização de material
na rede e a realização de atividades presenciais já configura o ensino híbri-
do. Isso não é verdade, para que seja híbrido temos que ter atividades, nas
quais os alunos sejam ativos, no ambiente presencial e no ambiente online.
Diferente de outras metodologias ativas, no ensino híbrido a utilização de
recursos digitais é obrigatória. Segundo Bacich (2015),
Híbrido significa misturado, mesclado, blended. A educação sempre foi
misturada, híbrida, sempre combinou vários espaços, tempos, atividades,
metodologias, públicos. Esse processo, agora, com a mobilidade e a conec-
tividade, é muito mais perceptível, amplo e profundo: é um ecossistema
mais aberto e criativo. Podemos ensinar e aprender de inúmeras formas,
em todos os momentos, em múltiplos espaços. Híbrido é um conceito rico,
apropriado e complicado. Tudo pode ser misturado, combinado, e podemos
com os mesmos ingredientes, preparar diversos “pratos”, com sabores mui-
to diferentes. (p.27).
A presença dos recursos digitais no ambiente educacional é cada vez
maior e, nesse contexto a proposta de ensino híbrido ganha cada vez mais
espaço.
136
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Caso de uso
No ambiente de sala de aula, foi proposta uma atividade, denominada de
Construção Criativa, que requeria, inicialmente, a formação de pequenas
equipes heterogêneas, propositalmente, visando gerar interação entre os
alunos.
Para dar prosseguimento à tarefa, foram apresentados alguns elementos
essenciais que precisavam ser desenvolvidos para a execução da Constru-
ção Coletiva.
A atividade foi dividida em etapas, e a primeira consistia em criar uma si-
tuação-problema, a partir da idealização de uma área produtiva recorrendo
os conteúdos e terminologias conhecidas nas aulas expositivas. O segmento
era livre, mas o professor devia atuar como um moderador para evitar que
os alunos adotassem algo muito complexo, pois além da pouca experiência
com o assunto, eles ainda precisavam administrar o tempo concedido para
a finalização da tarefa.
Todas as regras de execução para o desenvolvimento do trabalho foram
apresentadas em sala e, em seguida, disponibilizadas no SAVA (plataforma
da instituição que consiste em um ambiente de aprendizagem virtual do
aluno), para que as equipes tivessem acesso durante a semana em que esta-
riam aperfeiçoando o trabalho e preparando a apresentação. As regras con-
tavam com a delimitação mínima de elementos representativos de custos
e despesas a serem utilizados na produção, a quantidade (três) e a forma
de apresentação dos indicadores que mensuram os gastos, estudados até
o momento da realização da atividade, que devia contar com a definição, a
representação das respectivas fórmulas e a efetiva aplicação dos mesmos no
cenário construído pelas equipes.
Após a aplicação das fórmulas os alunos chegaram aos dados que leva-
ram ao resultado. O resultado encontrado condizia com a apuração dos gas-
tos daquela produção.
Durante a semana que tiveram para elaborar o material que utilizariam
para fazer a apresentação à turma, após a aula onde a produção foi idealiza-
da e teve seu resultado apurado, as equipes deveriam escolher um recurso
digital para apoiar a reprodução e explicar o processo da Construção Criati-
va, sucedido do relatório que tinha o papel de comunicar o custeamento da
produção do período aos gestores da empresa, sugerindo ações corretivas
ou enaltecendo os pontos que ensejaram o bom desempenho.
Para as apresentações, as equipes fizeram uso de recursos digitais como:
Prezi, PowerPoint, Movie Maker e AutoCAD; proporcionando à turma um
conhecimento mais aprofundado sobre essas ferramentas.
Nesse Case, foram empregadas as Metodologias ativas TBL e PBL, já
conceituadas anteriormente nesse trabalho e foi possível observar a flui-
dez na comunicação entre os pares, às dúvidas que os próprios alunos
138
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
139
Uso de Metodol ogia s Ativ as apoiadas por recursos digitais. R. R. B. Cout o et al.
“Faz com que a turma tenha uma participação maior e se torne uma aula
mais dinâmica.” e “Eles acabam fazendo com que os alunos fiquem mais ati-
vos nas aulas e melhora a troca de aprendizado entre a turma.”.
Conclusão
Muito embora a maior parte dos docentes se considere segura para a utiliza-
ção de Metodologias Ativas, ainda há dificuldade na distinção entre recurso
e metodologia, pois muitas atividades descritas como sendo uma Metodolo-
gia Ativa são, na verdade, recursos.
Os alunos perceberam que o uso de Metodologias Ativas tornou as aulas
mais dinâmicas e participativas e reconheceram que o professor assume o
papel de mediação e orientação, algo que favorece um melhor aprendizado.
Cabe ressaltar que não houve crítica ao modelo tradicional de ensino, repre-
sentado pelas aulas expositivas. Entretanto, convém destacar que há uma
necessidade iminente de tornar o ambiente da aula mais vivo, desenvolto e
criativo, e que os alunos valorizam a diversificação das metodologias ado-
tadas nas aulas, primando pela interatividade que irá de encontro com uma
atuação mais participativa dos alunos. Sendo assim, entendemos que, dian-
te dos resultados obtidos, a mudança no formato das aulas é inexorável, de-
vendo a instituição de ensino continuar seus investimentos em capacitação
e treinamentos práticos e teóricos, primando pelo aprimoramento docente.
Referências
Bacich, L; Tanzi Neto, A; Mello Trevisani, F. (Org.). (2015). Ensino Híbrido:
personalização e tecnologia na educação. 2.ed. Rio de Janeiro: Penso,
2015. 270 p.
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dagogia Freinet. Tradução Manuel Dias Duarte – Lisboa: Livros Ho-
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Acesso em: 23 abril de 2018.
Prensky, M. (2001). Digital Natives, Digital Immigrants. MCB University
Press.
140
Metodologias Ativas
Um estudo de caso para o Ensino de
Geometria Euclidiana na Licenciatura
Adriana Tiago Castro dos Santos, FMU, Brasil
Maura Araujo Dias, FMU, Brasil
Introdução
O
s resultados das avaliações institucionais da Educação Básica e do
Ensino Superior no Brasil indicam que os alunos egressos, em geral,
não concluem seus cursos com as habilidades e competências dese-
jadas para o prosseguimento de seus estudos ou para ingressar no mercado
de trabalho.
Há que se considerar alguns fatos apontados pela pesquisa desenvolvida
por (Gatti, 2010), em que um dos objetivos era traçar o perfil dos alunos
ingressantes nos cursos de Licenciatura no Brasil. Os resultados do Enem
(Exame Nacional do Ensino Médio), que mensuram o desempenho escolar
anterior ao Ensino Superior, apontam que os alunos ingressam nas licen-
ciaturas já com um índice de conhecimentos básicos abaixo do esperado. O
mesmo estudo reflete, a partir da análise dos resultados do Enade (Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes), sobre um cenário preocupante no
que se refere à formação do professor de Matemática.
Desta forma, é necessário que a formação inicial aponte caminhos e uti-
lize estratégias para que os futuros professores sejam preparados para pla-
nejar e ministrar aulas que favoreçam o desenvolvimento das habilidades e
competências esperadas para os alunos da Educação Básica.
Neste contexto, a presente pesquisa aborda uma das faces deste proble-
ma, que é o Ensino da Geometria, um dos temas fundamentais para a forma-
ção do professor de Matemática.
O ensino da Geometria foi negligenciado por muitos anos, não só no Bra-
sil, mas no mundo; a pesquisadora (Pavanello, 1993) aponta que houve um
abandono gradativo, na Educação Básica, dos conceitos desta em detrimen-
to da Álgebra. Segundo (Fiorentini, 1995), entre as décadas de 60 e 70 per-
durou-se o Ensino Tecnicista, no qual a finalidade da escola era preparar o
indivíduo para a sociedade. Foi um ensino marcado pelo foco em treinamen-
to de técnicas através da repetição de algoritmos. É também nesta época que
se dissemina, no Brasil, o Movimento da Matemática Moderna, que propõe,
segundo (Pavanello, 1993), um ensino da Geometria com uma abordagem
das transformações geométricas. Ora, o ensino da geometria na abordagem
tradicional já enfrentava grandes problemas em relação ao conhecimen-
to do professor, aos métodos utilizados, à dificuldade em se estabelecer
uma ponte entre a geometria prática indicada para a escola elementar e a
141
Met odol ogia s Ativ as: Um estudo de caso... A. T. C. dos Santos e M. A. Dias
Habilidades
Comportamentos
cognitivas
Nível Os objetos geométricos são reconhecidos
Reconhecimento
básico pela sua aparência.
Os objetos geométricos são reconhecidos
Nível 1 Análise por suas propriedades, que são utilizadas
para validar hipóteses.
As propriedades destes objetos são orde-
Nível 2 Ordem nadas em uma estrutura, mas a argumen-
tação lógica ainda é informal.
142
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Metodologias ativas
Atualmente, em uma era na qual os estudantes têm acesso praticamente
irrestrito à informação por meio da internet – sendo que este acesso nem
sempre é utilizado de maneira profunda ou crítica –, não podemos negar
que uma das habilidades que se deseja desenvolver nos alunos do Ensino
Superior é a habilidade de ser autônomo e protagonista da construção do
seu conhecimento. Há muito tempo se discute que a sala de aula não deve
ser idealizada por meio de um ensino tecnicista, em que os estudantes ou-
vem o que o professor tem a dizer e reproduzem técnicas, sem debater e
refletir sobre os temas propostos em sala de aula.
Estas concepções da gestão de sala de aula vêm ao encontro das ideias
fundamentadas pelas metodologias ativas, em detrimento do ensino tecni-
cista que foi um dos elementos do cenário que promoveu o abandono do
ensino da Geometria. Neste novo cenário, o papel do professor é alterado,
passa daquele que ensina para aquele que faz aprender.
As metodologias ativas possibilitam o desenvolvimento de habilidades
em que alunos possam gerir o ritmo e as escolhas de sua aprendizagem de
modo autônomo. O estudante passa a ser corresponsável por seu processo
de formação, participando de atividades de leituras, debates, produção de
testos, resolução de problemas e estudos de caso, de modo a desenvolver
habilidades como síntese, análise e avaliação de conteúdo.
(Valente, 2014) apresenta diversas metodologias ativas, como a Apren-
dizagem baseada na pesquisa, o uso de Jogos, a Aprendizagem baseada em
problemas, a Flipped classroom – Sala de aula invertida e o Peer instruction
(PI) – Instrução entre pares, sendo esta última desenvolvida pelo Professor
Eric Mazur. As metodologias Sala de aula invertida e Peer instruction foram
escolhidas para o presente estudo por terem características que podem fa-
vorecer a aprendizagem segundo a teoria de van Hiele.
A Sala de aula invertida consiste na inversão sequencial das aulas tradi-
cionais, ou seja, se troca a sequência ensino-estudo individual-avaliação por
estudo individual-avaliação-ensino; nela, o professor aponta caminhos de
aprendizagem para que os alunos tenham contato com o conteúdo antes da
aula, por meio de vídeos, textos e atividades propostas, utilizando o tempo
da aula para promover debates e validar as conjecturas levantadas.
144
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
A Peer instruction propõe que, com base nos tópicos estudados antes da
aula, o professor proponha, num primeiro momento, um conjunto de per-
guntas para verificar os pontos mais problemáticos a serem trabalhados na
sala de aula, que remete à fase 1 da teoria de van Hiele. O professor propõe
novas questões (ou retoma as anteriores), sobre as quais os alunos debatem
e chegam a um consenso (que tem pontos em comum com as fases 2 e 3 de
van Hiele), o que faz com que eles precisem desenvolver linguagem e argu-
mentação: além de trabalhar a propriedade 3, que é a linguagem inerente a
cada nível, este debate entre pares concorda com a propriedade 4, uma vez
que os alunos encontram-se em níveis de linguagem parecidos, o que pode
favorecer a aprendizagem.
Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa é um estudo de caso de caráter qualitativo, e foi realizada
com alunos ingressantes no curso de Licenciatura em Matemática de uma
universidade particular na cidade de São Paulo, durante um semestre letivo.
A disciplina escolhida foi “Geometria plana e desenho geométrico”, que tem,
entre seus objetivos, os seguintes:
• Reconhecer objetos, qualidades e relações da Geometria plana e
espacial.
• Reconhecer polígonos, triângulos quadriláteros, circunferências e
outros objetos geométricos por suas propriedades e relações métri-
cas, e utilizá‐las para resolver problemas.
• Construir a Geometria Euclidiana Plana axiomaticamente.
• Realizar demonstrações simples.
A carga horária total de 66h da disciplina é distribuída ao longo do se-
mestre. As aulas são presenciais, uma vez por semana, com a duração de 3
horas diárias.
Foram utilizadas metodologias ativas e os princípios da teoria de van
Hiele, principalmente a Sala de aula invertida e Peer instruction, conforme
descrito anteriormente. Iniciava-se cada novo tópico com propostas de lei-
tura a serem realizadas antes de cada aula, bem como atividades matemáti-
cas a serem feitas a partir da leitura, com o objetivo de verificar a compreen-
são da leitura, despertar a reflexão e elaborar questionamentos.
Na aula, num primeiro momento, realizava-se uma discussão coletiva
sobre os temas da leitura e os questionamentos levantados nas atividades.
Num segundo momento, se propunham atividades em grupo ou individuais,
com o objetivo de institucionalizar os conceitos matemáticos envolvidos. Por
fim, a professora ajudava os alunos a produzirem uma síntese coletiva dos
temas estudados. O tempo deste processo variava de um a três conjuntos
de três aulas em sequência, conforme o tema era mais ou menos complexo.
As leituras e atividades utilizadas foram inspiradas ou retiradas princi-
palmente do livro “Fundamentos de Geometria Plana”, produzido pelo Cen-
tro de Apoio à Educação à Distância da Universidade Federal de Minas Gerais
(CAED-UFMG), para o curso de Licenciatura em Matemática – modalidade à
145
Met odol ogia s Ativ as: Um estudo de caso... A. T. C. dos Santos e M. A. Dias
distância. Essa escolha deveu-se ao fato de que, por ter sido produzido para
um curso à distância, tanto o texto quanto as atividades foram desenvolvi-
dos de modo a promover a autonomia e o estudo individual, o que vai ao
encontro das premissas deste estudo.
Para a coleta dos dados, utilizamos um dos testes elaborados por
(Usiskin, 1982) que constitui um questionário de 25 questões, sendo 5 de
cada nível de van Hiele. A tabulação foi realizada como descrito no projeto
do professor Usiskin. O teste foi aplicado para todos alunos da turma na
primeira semana de aula. Além deste instrumento de coleta, utilizamos a
avaliação escrita institucional que pontua 70% do aproveitamento dos alu-
nos necessários para a aprovação.
No dia da aplicação do teste, os alunos foram avisados dos objetivos do
teste e que, ao final do semestre, fariam novamente o mesmo teste para ve-
rificar se houve avanço de nível.
Ao final do semestre letivo os estudantes realizaram o teste novamente
para constatarmos se houve progresso dos níveis dos estudantes. Apenas 8
alunos participaram dos dois testes por questões institucionais e, por este
motivo, realizamos a análise dos protocolos desses alunos.
Resultados
Os resultados dos testes aplicados estão na tabela 2, considerando apenas
os alunos que realizaram os dois testes:
Tabela 2. Resultados
Participação nas Quantidade Avançou Manteve-se no
leituras e atividades de alunos de nível mesmo nível
1 aluno
Baixo índice de (avançou do
4 3 alunos
comprometimento nível básico
para o 1)
2 alunos
Alto índice de (1 manteve-se no
4 2 alunos
comprometimento nível básico e 1 man-
teve-se no nível 3)
Fonte: elaborado pelas autoras.
146
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
147
Met odol ogia s Ativ as: Um estudo de caso... A. T. C. dos Santos e M. A. Dias
Considerações Finais
O propósito deste artigo foi apresentar os resultados de um estudo de caso
realizado com alunos do primeiro período do curso de Licenciatura em Ma-
temática de uma universidade brasileira. Neste estudo, propomos a utiliza-
ção dos pressupostos das metodologias ativas, enfatizando a Sala de aula
invertida e a Peer instruction, durante um semestre letivo na disciplina Ge-
ometria plana e desenho geométrico. Para a análise dos resultados, utiliza-
mos o teste desenvolvido pelo professor Zalman Usiskin, que utiliza a teoria
dos níveis de Van Hiele para avaliar o processo de ensino e aprendizagem
da Geometria.
É preciso apontar uma falha na coleta de dados: os testes inicial e fi-
nal foram realizados em somente uma oportunidade cada um; desta forma,
os alunos que ingressaram tardiamente não foram avaliados, além dos que
faltaram em uma ou outra data. Assim, dos 14 alunos que participaram re-
gularmente da disciplina, apenas 8 foram avaliados pelo teste do professor
Usiskin, o que prejudicou a análise.
Sobre os alunos que não participaram dos dois testes, não podemos afir-
mar que mudaram de nível. No entanto, observando as atividades avaliativas
148
Met odol ogia s ativ as e intedisciplinares
Agradecimentos
Agradecemos gentilmente ao professor Zalman Usiskin, professor da Uni-
versidade de Chicago por fornecer autorização para a aplicação do teste de
sua autoria para a realização dos desta pesquisa.
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149
Met odol ogia s Ativ as: Um estudo de caso... A. T. C. dos Santos e M. A. Dias
150
Prática docente e ensino-aprendizagem
Metodologias interdisciplinares
num processo de reflexão-ação
Maylta Dos Anjos, Instituto Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Beatriz Brandão, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Viviane Mosé
E
ste trabalho procura contribuir para um ensino que contemple a temá-
tica abarcadora e interdisciplinar. Para tanto lança mão de conceitos
que nascido em outros campos de análise, reconfigura o pensamento
de educação e dá novo enlevo à discussão, propositando o tema dentro de
um compêndio de ação e sentimento que enlevam à humanidade os sujeitos
na vivência do processo ensino-aprendizagem.
Ao perguntarmos de que forma a educação poderá contribuir para que
a pluralidade dos saberes enriqueça o contexto socioeducacional e cultu-
ral, provocando uma maior diversidade no ensino, vemos que assinalado
na contemporaneidade, temos a necessidade premente de se repensar o
ensino no sentido de possibilitar-lhe maior contato com os subsídios que
movimentam o debate socioeducacional e cultural constitutivo nesse pro-
cesso e na diversidade em que se estabeleça no tempo adequado a cada
individualidade.
Entende-se que os professores não apenas aplicam, mas reinterpretam
aos aspectos culturais que lhes são apresentados a partir de suas próprias
leituras de mundo e que, por isso, precisam refletir sobre sua prática, de
forma a desenvolverem um ensino que respeite as diferenças, o tempo de
aprendizagem próprio a cada um dos seus sujeitos alunos e as várias meto-
dologias que servem para traduzir o contexto e interpretar as nuances do
processo educacional com metodologias próprias.
A preocupação com a forma que se deve replicar o ensino e qual a apren-
dizagem acentua melhor a inteligibilidade dos fenômenos, tem levado a di-
álogos que expõem os preconceitos e a segregação social no mundo educa-
cional. Observa-se que quando esses fatos ocorrem, no mais das vezes, de
maneira sutil no cotidiano escolar, o processo ensino-aprendizado é amea-
çado. Lidar com esse processo exige sensibilidade diante do trato cotidiano,
e exige o uso de metodologias que integrem o saber e que não despertem a
segregação e preconceito, bem como os discursos retrógrados, muito pelo
151
Prá tica docente e ensino-aprendiza gem. M. Dos Anjos e B. Brandão
Conclusão
Conclui-se que a ação docente no processo ensino-aprendizagem tem que
ser potencializada para que novas metodologias de ensino ganhe maior en-
levo e fortaleça, retroalimentando esse processo. A abordagem interdisci-
plinar provoca encantamento e nos leve a querer ampliar nosso campo de
ação, fortalecendo as chaves do saber, o aprofundamento do entendimento
às dinâmicas educacionais.
A abordagem interdisciplinar, como uma proposta de prática e ação edu-
cacional, requer uma ação pedagógica que leva em conta as singularidades
do conhecimento. Para que essa prática aconteça, há que se superar a forma
fragmentada pela qual os conceitos e questões de ensino têm sido abordadas
nas escolas. O processo de ensino baseado no racionalismo tem dificultado
a promoção de um trabalho que valorize os sujeitos diante de identidades a
respeito da obra como um todo, como uma forma mais proximal e sistêmica,
155
Prá tica docente e ensino-aprendiza gem. M. Dos Anjos e B. Brandão
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157
IV.Inclussão e ensino
O uso do software Gcompris como ferra-
menta pedagógica no processo de ensino e de
aprendizagem em uma perspectiva inclusiva
Cátia Almeida Nascimento, Universidade de Brasília, Brasil.
Amaralina Miranda de Souza, Universidade de Brasília, Brasil.
Introdução
A
escola é um espaço social carregado de significados e princípios
construídos ao longo de sua existência como instituição de formação
sistematizada. Nesse processo de construção de identidade em uma
sociedade cada vez mais tecnológica, surge um desafio que é o atendimento
igualitário e democrático dos saberes, respeitando-se as singularidades de
cada estudante. É importante ressaltar que a escola para todos é aquela cuja
práxis educativa assegura que a alteridade será respeitada, independente-
mente dos arcabouços do sistema educacional.
Nesse sentido, compreende-se que as práticas pedagógicas e os recursos
tecnológicos aplicados no contexto escolar precisam ser pensados a fim de
assegurar o respeito à individualidade de construção no processo de apren-
dizagem do estudante, bem como de considerar o seu contexto atual de vi-
vência como significativo e orientador.
A forma diferenciada de perceber o mundo e conceber a aprendizagem
pode ser entendida como se o “diferente” fosse algo errado que necessi-
ta ser retificado. A aprendizagem deve ser considerada como um processo
de construção individual. Nessa perspectiva, a escola deve estar preparada
para trabalhar com o diferente, respeitando a diversidade contida nesse es-
paço. Mantoan (2004) enfatiza que as escolas devem estar organizadas em
função do atendimento de todos os estudantes.
Sendo esse espaço de construção social, é importante pensar ações pe-
dagógicas que fortaleçam o estudante na construção individual do seu pro-
cesso de aprendizagem. Nesse sentido, vários estudos apontam as tecnolo-
gias digitais como facilitadoras do processo de ensino e de aprendizagem,
considerando também que já fazem parte do cotidiano dos estudantes. Sou-
za (1995) ressalta que a descoberta de novas formas de ensinar e aprender
por meio da informática educativa é um desafio extremamente motivador.
Reflexão essa que implica e demanda trabalhos de investigação voltados
para a produção de meios e materiais, como também para a teorização a
respeito de sua aplicação em relações educativas mediadas por esta tecno-
logia; enfatiza a autora que, apesar dos esforços envidados, a área da Educa-
ção especial apresenta graves carências no que diz respeito à exploração do
computador como recurso didático.
161
O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza
Metodologia
A abordagem da pesquisa foi qualitativa por meio de um estudo de caso
de caráter exploratório, pela dinamicidade e complexidade dos fatores que
compõem o cenário educacional na perspectiva inclusiva, pois possibilita a
análise interpretativa dos dados de maneira mais direcionada aos partici-
pantes. Segundo Gil (2007, p. 53), “uma análise de estudo de caso não deve
meramente resumir o caso”. Ela precisa identificar questões e problemas-
-chave, propor e avaliar medidas alternativas e extrair conclusões apropria-
das.
A pesquisa foi realizada em uma classe de integração inversa, como são
chamadas as classes que atendem estudantes com ou sem necessidades
educacionais específicas. A classe era do terceiro ano do ciclo de nove anos
do ensino fundamental, sendo essa classe composta por dezesseis estudan-
tes de uma escola pública do Distrito federal, Brasília-Brasil, destaca-se o
processo de conhecimento, o uso da tecnologia e as mediações docentes
realizadas durante as atividades. As estratégias utilizadas foram, a observa-
ção participante, a entrevista semiestruturada com a professora regente e a
roda de conversa com a turma.
Procedimentos
Atendendo aos objetivos da pesquisa no conhecimento de como estaria or-
ganizado o trabalho pedagógico direcionado ao uso da tecnologia no atendi-
mento do contexto da diversidade, foi realizada uma conversa inicial com as
professoras sobre a sistematização do planejamento para o uso do software
e da realização das observações.
A observação participante ocorreu na execução das atividades explora-
das e planejadas pela professora regente para realização no contexto do la-
boratório de informática do uso do software.
O primeiro encontro foi realizado para esclarecer os objetivos da pesqui-
sa e para a organização dos encontros, a exploração do software Gcompris e
suas especificidades como: conhecer sua história de criação, a composição
das atividades distribuídas em ícones, enfim, obter informações iniciais que
163
O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza
Formação docente
O conhecimento, atualmente, é um dos principais valores de seus cidadãos,
e as formas de acesso em parte foram democratizadas, dando a esse co-
nhecimento um caráter de transitoriedade que se esvazia muito rápido e
exige dos profissionais em atuação uma permanente atividade de formação
e aprendizagem. A capacidade de inovação profissional não consegue, em
alguns casos, acompanhar o ritmo imposto pelas mudanças que se vive.
Alfabetização tecnológica
Os dados do estudo demonstram o desafio da alfabetização tecnológica
como um conhecimento necessário à formação docente, sendo que a alfa-
betização tecnológica pode ser definida como a capacitação para atribuir
funcionalidade às tecnologias dentro do processo de ensino e de aprendiza-
gem, em diferentes contextos e com diferentes finalidades.
A fala de Beta (coordenadora da escola) também se aproxima do que foi
dito pelas professoras:
“É um dificultador o professor mesmo mexer na tecnologia,
a gente acha que já está normal assim, mas não, muitos
ainda têm dificuldades de mexer. Falta experiência mes-
mo de mexer... Se tiver alguma coisa pede alguém, é quase
uma alfabetização tecnológica que eles não tiveram e que
eles não procuram”. (Coordenadora pedagógica da escola em
entrevista semiestruturada).
Mediação pedagógica
Os resultados indicam o desafio dado ao professor de mediar o processo de
aprendizagem na perspectiva da educação inclusiva atribuindo significado
a informação que possibilite que o estudante tenha acesso ao conhecimento
ou à habilidade que ele precisa adquirir.
Registrou-se que a professora regente demonstrou a atitude de respeito
à significação das informações dadas em diferentes momentos. Durante a
primeira aula, no laboratório, quando foi explicar os passos para se acessar
o software, ela usou um exemplo que facilitou o entendimento dos estudan-
tes sobre o funcionamento do computador e a necessidade de desligar a
máquina com segurança.
Esse é diferente da nossa casa, é outro programa, eu enten-
deria a CPU como o cérebro, é onde ele pensa aqui “oh”. Aqui
é só o que ele mostra para gente, é igual a nossa cabeça. Na
nossa cabeça, tem um monte de coisas, mas aqui no rosto a
gente mostra só algumas coisas. O que mostramos é uma coi-
sa e o que a gente tá pensando é muito mais. Então, ninguém
quando vai dormir tem uma tomada que puxa assim e “puff”,
dormiu! Não, o nosso cérebro vai desligando aos poucos até
a gente dormir... Vai pensando numa coisa, depois em outra,
às vezes ouvindo uma história, vira para lado, vira pro ou-
tro, se ajeita. No computador, é a mesma coisa, se a gente
aperta e vai direto pra desligar ele vai dá defeito, ele tem um
processo pra ir parando de pensar aos poucos, entenderam?
168
Incl ussão e ensino
Sistematização do planejamento
Entende-se aqui que o planejamento seja um instrumento que possibilita a
superação de rotinas e alienação do professor sob o ato de ensinar. Esse ins-
169
O uso do software Gcompris como... C. A. Nasciment o e A. M. de Souza
172
Incl ussão e ensino
Considerações finais
Esse estudo teve como objetivo analisar o uso do software Gcompris como
ferramenta pedagógica no processo de ensino e de aprendizagem na pers-
pectiva inclusiva de oportunizar aprendizagem de todos os estudantes.
Esse atendimento de todos, no contexto escolar, ainda é um grande de-
safio, por isso é necessário oportunizar o conhecimento sobre práticas e
recursos que favoreçam a mediação docente consciente e sistematizada.
Ficou evidente no estudo que as tecnologias ainda ocupam um lugar
pouco valorizado entre os outros recursos utilizados na escola. A subutili-
zação das ferramentas disponíveis contribui para professores cada vez mais
sobrecarregados em um ciclo de atuação que desfavorece a aprendizagem
tanto dos estudantes como também do professor.
Foi possível constatar no estudo que o uso de tecnologia sem planeja-
mento e mediação perde parte de sua funcionalidade educacional e o do-
cente perde o espaço que lhe cabe no processo de ensino. A disponibilidade
em aprender precisa ser uma constante na condição de ser docente, quanto
mais o docente se dispõe a aprender, mais ele pode se colocar com compe-
tência como mediador do processo de ensino e de aprendizagem.
Ser docente na era da tecnologia exige disposição para o conhecimento e
estar aberto a refletir sobre a sua prática pedagógica. É um desafio ressigni-
ficar a ação docente sem perder o foco da importância no mediar o processo
de aprendizagem.
Assim, a utilização da tecnologia precisa estar a favor do docente como
uma aliada, para isso é necessário que esteja clara a função de mediar para
o docente, para significar o papel facilitador das tecnologias em favorecer
o processo de aprendizagem dos estudantes e de ensino do docente. Para
fazer sentido o uso do software na relação ensino e aprendizagem, os edu-
cadores necessitam definir com mais clareza em que situações eles podem
se úteis ao trabalho escolar. (SOUZA, 2006).
174
Incl ussão e ensino
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176
Incl ussão e ensino
177
O trabalho na infância e a exclusão
do sistema educacional brasileiro
Dalva de Oliveira, Universidade Católica de Brasília-UCB, Brasil
E
ste trabalho tem como objetivo identificar aspectos das relações es-
tabelecidas pela escola com crianças e adolescentes trabalhadores. Os
números do trabalho infantil no Brasil indicam 3,3 milhões de crian-
ças envolvidas em diversos tipos de trabalho durante o ano de 2016, em
desrespeito a Constituição Federal, ao Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, inviabi-
lizando a formação escolar dessas crianças e adolescentes.
O número de crianças entre 5 e 9 anos de idade em situação de traba-
lho apresentou aumento significativo, corresponde em 2017 a mais de 80
milhões, de acordo com os dados divulgado pelo PNAD – Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio.
O estudo é baseado em uma análise bibliográfica e documental, tem
como contribuição os dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE e os indicadores do PNAD Contínuo, publi-
cado em novembro de 2017. Para o referencial teórico foram selecionados
Arroyo, Vilela &Silva (2015); Ariès (2016) e Teixeira (1977).
Os resultados indicam que o trabalho durante a infância é um dos maio-
res opositores a educação escolar, prejudicando a frequência e o desem-
penho nos estudos, além do desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo da
criança ou adolescente em situação de trabalho. No mesmo sentido faz-se
necessário identificar o papel da escola e da educação para equacionar os
problemas de formação escolar e exclusão causados pelo trabalho na in-
fância, para reverter o quadro de pobreza e abandono vivido por crianças e
adolescentes trabalhadores.
Antecedentes históricos
De acordo com Ponce (2015), nas comunidades primitivas as crianças
acompanhavam até determinada idade as mulheres do grupo, de início no
colo da mãe e posteriormente não mais no colo e sob a responsabilidade de
todo o grupo de mulheres. A partir de determinada idade se do sexo mas-
culino passavam a acompanhar os homens do grupo e assim observavam,
participavam e aprendiam as responsabilidades. Da mesma forma as me-
ninas que continuavam acompanhando as mulheres. Na comunidade pri-
mitiva, de acordo com os registros e pesquisas, não havia preocupação com
o acúmulo de excedente o que fazia da divisão do trabalho na comunidade
voltada apenas para o consumo próprio do grupo. Neste momento da his-
tória o trabalho da criança pareceu ser voltado para o aprendizado da vida.
179
O trabalho na infância e a excl usão do sistema educacion al... D. de Oliveira
180
Incl ussão e ensino
Fonte: IBGE
181
O trabalho na infância e a excl usão do sistema educacion al... D. de Oliveira
Fonte: IBGE
182
Incl ussão e ensino
Fonte: IBGE
184
Incl ussão e ensino
Considerações finais
Apesar de todas as proposições e compromissos assumidos para a erradi-
cação do trabalho infantil o quadro real da situação não é animador. As me-
tas assumidas para o ano de 2016, durante a elaboração do Plano Nacional
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador
Adolescente de 2011, não foram alcançadas.
O número de crianças envolvidas com o trabalho infantil, de acordo com
os dados do PNAD, publicados em novembro de 2017, apontam 1,8 milhão
185
O trabalho na infância e a excl usão do sistema educacion al... D. de Oliveira
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186
Incl ussão e ensino
187
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira
a estudante com Transtorno do Espectro
Autista
Alex Bezerra Leitão, Universidade de Brasília, Brasil
Sérgio Ricardo Alves Knust, Universidade de Brasília, Brasil
O
conceito de Transtorno do Espectro Autista – TEA – foi lançado por
Wing e Gould em 1979, após observarem que várias crianças apre-
sentavam desvio de conduta e dificuldade na reciprocidade social e
na comunicação, conforme explicam Belisário Filho e Cunha (2010). A par-
tir de então, começou-se a usar o termo TEA para designar aqueles que têm
características isoladas dos Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD
– que, segundo os autores, correspondem a um grupo de disfunções no de-
senvolvimento cognitivo e social, que se manifesta em diferentes graus em
um contínuo.
Nesse sentido, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Men-
tais – DSM 5 (2014) – explica que o TEA “é caracterizado por déficits em
dois domínios centrais: 1) déficits na comunicação social e na interação
social e 2) padrões repetitivos e restritos de comportamento, interesses e
atividades” (DSM 5, 2014, p. 809). De acordo com o DSM 5, esses domínios
centrais permitem que o diagnóstico seja classificado em três graus: leve,
moderado e severo.
Sujeitos1 com laudo médico de TGD, segundo Garcia e Mosquera (2011),
possuem comprometimentos em várias áreas do desenvolvimento, tais
como: interação social, habilidades de comunicação verbal e não-verbal
(gestos) e percepções do ambiente. Além disso, apresentam estereotipias
(balançar o corpo, bater as mãos), constante repetição de palavras (ecola-
lia) e dificuldades para entender metáforas (Garcia & Mosquera, 2011).
Cabe destacar que, ainda de acordo com Garcia e Mosquera (2011), a li-
teratura que trata de TGD opta pelo termo autismo para se referir aos sujei-
tos que têm laudo médico de qualquer um desses transtornos. Ao se falar, de
forma genérica, sobre possíveis causas desencadeadoras de TGD, também é
aceito usar o termo autismo proveniente da literatura e do senso comum,
ainda que o DSM 5 (2014) trate esses transtornos apenas como TEA.
1 Consideramos o termo sujeito como sinônimo do ser humano constituído a partir dos
processos de subjetivação, que ocorre por meio do contato com outros sujeitos em contextos
diversificados, como nos movimentos sociais, nas instituições religiosas, nas práticas educa-
tivas, no convívio familiar, entre outros, conforme Spink (2011).
189
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust
como sujeitos com laudo médico nos mostra a forma como eles chegam às
nossas salas de aula; porém, a maneira como lidamos com o autismo e como
trabalhamos em prol de uma educação inclusiva de qualidade pode nos im-
pulsionar, com apoio de familiares e equipe multidisciplinar, a almejar a cura.
Na década de 80 do século XX, novas pesquisas demonstraram a presen-
ça de distúrbios neurobiológicos, além de surgirem escolas específicas para
pessoas com distúrbios cognitivos. Desse modo, o autismo e o Asperger pas-
saram a ser estudados e compreendidos como Transtorno Global (ou invasi-
vo) do Desenvolvimento. Não obstante, conforme ressaltam Belisário Filho
e Cunha (2010), escolas específicas para crianças com transtornos cogniti-
vos buscavam fazer intervenções educacionais, de forma a não expô-las ao
meio social, reforçando seu isolamento.
No Brasil, a criação de escolas especializadas começa a perder força so-
mente com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº
9394/1996, que em seu parágrafo 1º do artigo 58 garante apoio especiali-
zado na escola regular. O atendimento aos alunos que têm laudo médico de
TGD não deve acontecer, portanto, em centros de ensino especiais, mas sim
no sistema regular de ensino, conforme explicita a Lei: “Haverá, quando ne-
cessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às
peculiaridades da clientela de educação especial (Lei nº 9394/1996, § 1º).
Em relação à inclusão escolar de aprendizes que apresentam laudo mé-
dico do TEA, a Lei brasileira nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabe-
lece as diretrizes e as bases da educação nacional, sendo alterada pela Lei
12.796, de 4 de abril de 2013. De acordo com essa última lei sancionada,
o artigo 4º explicita que é dever do Estado, com a educação escolar públi-
ca, garantir, conforme o inciso III, “atendimento educacional especializado
gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvol-
vimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis,
etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”.
Esta pesquisa tem como participante de pesquisa – PP – um aluno de espa-
nhol do CIL de Brasília – da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Fede-
ral. Esse estudante é amparado pela Lei 12.796/2013, pois possui laudo médi-
co de TGD, sendo diagnosticado com o Transtorno ou Síndrome de Asperger.
A implementação da educação inclusiva é, conforme explicitado ante-
riormente, recente no Brasil. Pais, gestores e professores têm atuado com
objetivo de amenizar o isolamento social e histórico de estudantes com lau-
do médico de quaisquer dos TGD, proporcionando-lhes condições de acesso
à educação e, consequentemente, à inclusão social.
Na próxima subseção, discorremos sobre uma teoria que tem como fi-
nalidade ressaltar falhas de mecanismos básicos da mente de sujeitos com
laudo médico de TEA, a fim de explicar seus comportamentos e domínios
de linguagem.
Teoria da Mente
Imaginemos a seguinte situação: Ela entrou no quarto, ligou a luz, remexeu
os papéis que estavam sobre a escrivaninha e saiu do quarto. Logo depois, ela
192
Incl ussão e ensino
foi à estante da sala de estar, abriu uma pasta com documentos, folheou os
papéis e guardou a pasta no mesmo lugar.
O que costumamos pensar quando presenciamos uma cena como a re-
latada? Normalmente, fazemos conjeturas do tipo ‘Talvez ela esteja procu-
rando um documento importante’. Esse tipo de previsão do comportamento
do outro, como explicam Caixeta e Nitrini (2002), é o que o primatologista
Premack e o psicólogo Woodruff chamam de “Teoria da Mente” – ToM –,
ao publicarem um artigo em 1978, no qual questionam se os seres huma-
nos e os chimpanzés teriam o mesmo tipo de pensamento sobre o outro.
De acordo com Tafuri (2003), o estudo da ToM “inaugurou uma das teorias
mais difundidas entre os pesquisadores cognitivistas da atualidade” (Tafuri,
2003, p 109).
Nesse estudo feito com humanos e chimpanzés, observou-se que ambos
aprendem regras sociais; contudo, somente os seres humanos são capazes
de fazer conjeturas e inferências baseadas em representações mentais (To-
nelli, 2009). Conforme o autor, graças à ToM:
além de conseguirmos fazer tudo o que animais sociais fa-
zem sem ToM, somos capazes de – utilizando de um poderoso
processador cognitivo social – negociar, enganar, ensinar, de-
monstrar e reconhecer emoções complexas, além de manipu-
lar pensamentos, permitindo uma previsão comportamental
baseada neste mecanismo de inferência de emoções e crenças
com consideráveis probabilidades de acerto (Tonelli, 2009, p.
128).
193
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust
AGENTES AÇÕES
Evitar bagunça no ambiente escolar.
Gestores,
professores e Estimular autonomia do aluno.
comunidade Minimizar ou diminuir barulho.
escolar
Promover reforço positivo.
Gestores e Preparar contexto o mais previsível possível.
professores Adequar tempo e espaço para realização de atividades.
Diminuir número de estudantes por turma.
Gestores Disponibilizar computador em sala de aula.
Contar com apoio de profissionais especializados.
Comunicar à escola alterações na composição dos mem-
Familiares bros da família, mudança de residência ou alterações de
medicamentos.
Estimular realização de atividades em dupla e em grupo.
Professores Dispor as carteiras da sala de aula em formato de U.
Promover atividades que estimulem os estudantes a cantar.
Universidades Incluir no currículo de Letras disciplinas aplicadas.
Fonte: Elaborado pelo autor com informações extraídas de Belisário Filho e
Cunha (2010), Santos et al. (2013), Ferreira e Tonelli (2016) e Ney (2016).
Metodologia
O referencial metodológico deste artigo está pautado na pesquisa qualita-
tiva na modalidade estudo de caso de caráter interpretativista. Apresen-
tamos, a seguir, princípios da abordagem qualitativa e da modalidade pro-
196
Incl ussão e ensino
198
Incl ussão e ensino
199
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust
Entrevista Semiestruturada
No dia 12 de setembro de 2016, realizamos a entrevista Semiestruturada
com o professor do PP. O docente, que trabalhava com o PP desde o início
de 2016, manifestou, durante a entrevista, entusiasmo em participar deste
estudo e se mostrou aberto a responder às perguntas. No dia 8 de setembro
de 2017, nos encontramos novamente com o professor para realizarmos
sessão reflexiva, com objetivo de discutirmos sobre informações da entre-
vista realizada.
Para refletirmos sobre essa entrevista, apresentamos evidências de
três aspectos (Linguagem, Comunicação e TEA) relacionados ao ensino e à
aprendizagem do PP, conforme podemos observar na Tabela 2.
200
Incl ussão e ensino
Denotação
que às vezes é difícil de ele entender, mas na parte
de vocabulário eu vejo que ele avança melhor.
Linguagem
201
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust
Diagnóstico
dia mesmo. O que a gente lê no diagnóstico dele é im-
portante, mas ajuda pouco em sala de aula.
A realidade da sala de aula independe do que lemos
no diagnóstico técnico do médico... É sempre uma
surpresa!
A Sala de Recursos sempre nos diz como são os alunos
Apoio da
palavras.
Eu sempre o coloco sentado ao lado da minha mesa, é
mais fácil assim.
Ele gosta de escrever no computador e isso ajuda
muito.
Eu acho que ele trabalha bem em grupo, principal-
mente com os colegas que ele conhece. Tem duas ga-
rotas que estudam com ele desde o início do curso, en-
tão eu o coloco para trabalhar com elas, porque assim
ele funciona melhor.
Às vezes os colegas fazem alguma piadinha, mesmo
Teoria da Mente
alunos.
É boa a inclusão não só para ele, mas para os outros
alunos também.
No início deste semestre eu vi que dois ou três alunos
novos olhavam para ele assim, meio com desconforto,
mas logo depois eles passaram a ajudá-lo.
Fonte: Elaborado pelos autores, com informações extraídas da entrevista
com o professor.
202
Incl ussão e ensino
Considerações finais
A análise da expressão oral do PP, das notas de campo explicitadas e da en-
trevista realizada com o professor nos possibilitam refletir acerca do ensino
e da aprendizagem de LE de um aluno diagnosticado com TEA. Os dados
apresentados e analisados neste artigo apontam que a inclusão qualitativa
no ensino de línguas é possível. Para tanto, é importante que professores de
línguas compreendam o funcionamento de aspectos relacionados à lingua-
gem, à comunicação e ao TEA.
De acordo com as notas de campo apresentadas, podemos perceber que
o professor, ainda que assista o estudante de forma personalizada, explica
de forma geral para os alunos da turma as atividades propostas, o que favo-
rece a integração e a inclusão do aprendiz. Durante o atendimento perso-
nalizado, o professor usa estratégias como tocar no ombro do aprendiz ou
ficar ao seu lado para tranquilizá-lo, diminuindo o filtro afetivo do PP. Essa
atitude do docente promove diminuição da ansiedade e condições para que
o estudante desenvolva sua oralidade.
Sobre a expressão oral do PP, destacamos que o aprendiz fala com tom
de voz bastante alto em sala de aula, como estratégia para não se dispersar
com outros estímulos ou pessoas, concentrando-se em seu discurso. Outra
característica marcante de sua fala é a repetição de palavras ou termos (eco-
lalia) e o proferimento de respostas que não estão de acordo com a inten-
cionalidade da pergunta do seu interlocutor (ToM). Posto isso, ressaltamos
que é fundamental que professores que trabalham com alunos com laudo
médico de TEA identifiquem características relacionadas ao processamento
comunicacional desses estudantes, a fim de ministrar suas aulas em prol de
estratégias que facilitem o ensino e a aprendizagem de LE.
De acordo com a entrevista realizada, fica evidente que o PP apresenta
dificuldades de compreensão da linguagem conotativa, uma vez que a lite-
ralidade discursiva faz parte de seu pensamento. Em relação à sua produção
textual, por exemplo, podemos observar que o aprendiz tem mais facilidade
na correção de exercícios binários, do tipo certo ou errado. Já a elaboração
do pensamento a partir do discurso do outro é uma dificuldade latente, o
que é explicado pela ToM.
Sobre o atendimento ao aluno com TEA, ressaltamos a relevância do
suporte que a SRG fornece aos alunos com necessidades educacionais es-
peciais, aos seus responsáveis e aos professores. O atendimento especiali-
zado e individualizado da SRG do CIL de Brasília é fundamental para que a
inclusão ocorra satisfatoriamente e o professor tenha melhores condições
de trabalho com esses alunos.
Acerca das estratégias de ensino para alunos com laudo médico de TEA,
destacamos o posicionamento do estudante ao lado de aprendizes com os
quais ele tenha mais afinidade, a assistência personalizada do professor re-
gente e de profissionais da SRG, a disponibilização do computador para a
execução de atividades, a estimulação de trabalhos em grupo, a confecção e
a aplicação de atividades lúdicas que estimulem a comparação e a memória,
o posicionamento da carteira do aluno próximo à mesa do professor regente
204
Incl ussão e ensino
Referências
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In: XI Seminário De Pesquisa Em Ciências Humanas, Londrina, 1320-
1230. Londrina, PR.
205
Ensino e aprendizagem de língua estrangeira a... A. B. Leitão e S. R. A. Knust
206
O uso de tecnologias e o processo de
ensino-aprendizagem do estudante com
Síndrome de Down no contexto da
diversidade da sala de aula
Silvana Souza Silva Aves, Universidade de Brasília , Brasil
Amaralina Miranda de Souza, Universidade de Brasília, Brasil
Introdução
A
inclusão traz no seu bojo a discussão sobre o sistema de ensino e a
sua estrutura fundamental que possa produzir reflexões a respeito
da necessidade de trabalhar com a especificidade de demandas edu-
cacionais presentes no contexto da sala de aula, para responder ás deman-
das, não só dos estudantes com necessidades educacionais específicas, mas
de todos os estudantes, na compreensão de que, como sugere Budel e Meier
(2012 p. 2017), “Incluir não é inserir, incluir deve ser um tsunami que eleve
e envolva a todos”. Este é o desafio do trabalho pedagógico envolver a todos
numa relação ética com suas singularidades.
Este estudo apontou para a compreensão de que o grande desafio da in-
clusão está na construção do trabalho pedagógico permeado pelo diálogo, a
articulação, a reflexão e a ação dos professores, na construção de estratégias
variadas, com o objetivo de atender às necessidades educacionais de todos
os estudantes presentes na sala de aula.
Nesse sentido este trabalho traz um recorte do estudo de mestrado, re-
alizado no âmbito do Programa de Pós Graduação em Educação da UnB e
tem como objetivo analisar os elementos necessários para a organização do
trabalho pedagógico dos professores da Sala Regular e do AEE para favo-
recer o processo de ensino-aprendizagem de estudante com necessidades
educacionais específicas na perspectiva da educação para todos.
Metodologia
Da necessidade de se analisar o trabalho pedagógico realizado, no contexto
de uma sala de integração inversa, o estudo se orientou pela abordagem
qualitativa, tendo o estudo de caso como estratégia metodológica, conside-
rada adequada para responder aos objetivos da pesquisa, que envolveu um
contexto em ação. Sua importância é conhecer o caso em si, como ele é e
como se faz. Nesse trabalho o estudo é descritivo e de caso único. Tem como
propósito de proporcionar a ampla descrição de um fenômeno em seu con-
texto. (GIL, 2009).
207
O uso de tecnologia s e o processo de... S. S. S. Aves e A. M. de Souza
Contexto da Pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola pública do Distrito Federal que ofer-
ta apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental (Primeiro ao quinto ano).
A escola, à época, atendia 572 alunos distribuídos nas vinte duas turmas nos
turnos matutino e vespertino.
Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos foram selecionados a partir dos critérios estabelecidos pela pes-
quisa, levando em consideração os objetivos do estudo. Nesse sentido, foram
definido o perfil dos sujeitos envolvidos: duas professoras uma do ensino
regular e outra do AEE, uma estudante com necessidades educacionais espe-
cificas com síndrome de Down atendida pelas duas professoras e seus pais.
Planejamento articulado
A construção do planejamento e a organização do tempo e espaço da sala de
aula que favoreceram a participação de todos os estudantes no processo de
ensino e aprendizagem serão descritos para as reflexões produzidas sobre
os seus resultados.
O primeiro encontro teve como objetivo elaborar o planejamento arti-
culado de atendimento da estudante. Depois da análise da adequação cur-
ricular e do Plano AEE como orientadores do planejamento em ação, ficou
decidido que seria elaborado outro planejamento orientado por alguns
elementos constantes desses documentos, com o objetivo de favorecer os
208
Incl ussão e ensino
necessidade educacional específica era agrupada com o seu colega para re-
alização das atividades pelo nível de construção do seu conhecimento da
escrita e ou de número e não pela sua necessidade educacional específica.
Foi possível verificar nas mediações realizadas pela professora regente
na sala regular a preocupação em atender as diferentes demandas educa-
cionais com o foco de que eram as suas ações que necessitavam ser refor-
muladas e reorganizadas o tempo todo. Percebeu-se durante as observa-
ções que a ênfase não era mais o comportamento da estudante, mas como o
espaço poderia estar organizado para atender a demanda de todos.
O gráfico a seguir apresenta os elementos fundamentais utilizados para
a construção de estratégias pedagógicas com a utilização de recursos de
apoio diversos para a dinamização do processo ensino-aprendizagem no
contexto da sala de aula inclusiva.
Conclusão
O estudo trouxe a reflexão da necessidade da construção de ações pedagó-
gicas articuladas e colaborativas voltadas para o atendimento à diversidade
de demandas educacionais presente em sala de aula.
Pode-se registrar, de forma resumida, que houve um avanço na organiza-
ção do trabalho pedagógico, a partir da intencionalidade do planejamento.
O que no primeiro momento era enfatizado somente as necessidades e limi-
tações da estudante, no último planejamento observado, foram considera-
dos as potencialidades e a criação de estratégias para atender as demandas.
Foi possível constatar que as mediações realizadas pela professora na
sala de aula possibilitaram avanços no trabalho pedagógico que repercu-
tiram nas intervenções pedagógicas das duas professoras, bem como na
motivação e interesse da estudante diante das situações de aprendizagem
proposta e organizada para o grupo.
Foi possível identificar através da observação participante a preocupa-
ção da professora da sala regular em atender às necessidades da estudante
com necessidades educacionais específicas a partir de um novo olhar. O foco
não era mais somente o comportamento da estudante, mas como poderia
se propor situações de aprendizagem com a clareza que tinha objetivos tra-
çados e que não estava sozinha neste trabalho. Passou-se da formalização
para a vivência do que foi sistematizado.
O que foi construído durante o planejamento não se pode considerar
como uma receita de bolo ou ainda recomendações sumária para todos os
casos, mas uma reflexão e uma perspectiva para atenção em outras realida-
des de no sentido de que a construção de práticas pedagógicas no atendi-
mento à diversidade é possível a partir de um diálogo permeado por infor-
mações troca de experiências e colaboração. Os elementos fundamentais do
planejamento passam pela escuta e conhecimento das singularidades dos
estudantes até a organização do espaço e tempo da sala de aula. Conhecer
o outro na sua singularidade é uma atitude ética diante das diferenças, que
nos torna sempre únicos e que a organização do espaço social possibilita
situações reais de desenvolvimento para TODOS.
Referências
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educação especial. Curitiba: Intersaberes, 2012.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática edu-
cativa. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
214
Incl ussão e ensino
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas da pesquisa social. São Paulo: Atlas,
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MANTOAN, Maria Teresa Égler. O direito a diferença nas escolas: questões
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VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Fundamentos da defectologia - Obras comple-
tas - Tomo cinco. Cuba: Editorial Pueblo Y Educación, 1997.
215
Estudantes com Autismo na Educação
Superior
A experiência da Universidade de Brasília - Brasil
Thaís Kristosch Imperatori, Universidade de Brasília, Brasil
José Roberto Fonseca Vieira, Universidade de Brasília, Brasil
Jeanne Michelle Matozinhos de Carvalho Ferreira, Universidade de Brasília, Brasil
Introdução
A
Constituição Federal de 1988 reconhece o direito ao atendimento
educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencial-
mente na rede regular de ensino. Tem-se aí o compromisso com a
educação inclusiva, que foi regulamentada posteriormente por diversas le-
gislações, com destaque para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
nº 9.394/96) e a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (Decreto nº 3.298/99).
Em 2005, foi lançado o Programa Incluir – acessibilidade na educação
superior, considerado a primeira política pública direcionada especifica-
mente para o atendimento de estudantes com deficiência neste nível de
ensino (Garcia & Michels, 2011). Por meio de chamadas públicas as insti-
tuições de educação superior (IES) apresentavam projetos com o objetivo
de criar e/ou reestruturar núcleos de acessibilidade de modo a promover
a eliminação de barreiras físicas e pedagógicas nas comunicações e infor-
mações, nos ambientes, instalações, equipamentos e materiais didáticos. As
propostas selecionadas recebiam recursos do Ministério da Educação para
efetivar ações no campo da acessibilidade (Ciantelli & Leite, 2016). Segundo
Anache, Rovetto e Oliveira (2014), trata-se de uma ação afirmativa que visa
promover o cumprimento dos requisitos legais de acessibilidade e garantir
o acesso e a permanência de alunos com deficiência em igualdade de opor-
tunidades. Em 2011, o Programa Incluir foi incorporado ao Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limites, que pas-
sou a realizar o repasse de recurso financeiro diretamente na matriz orça-
mentária das instituições a partir do número de matrículas (Brasil, 2013).
Cabe destacar dois decretos que também tratam da inclusão de estu-
dantes com deficiência na educação superior. O primeiro é o Decreto nº
7.234/2010, que inseriu o acesso, participação e aprendizagem de estudan-
tes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habili-
dades e superdotação como ação de assistência estudantil1. É importante
taxas de retenção e evasão; e contribuir para a promoção da inclusão social pela educação. Para
tanto, suas ações englobam as áreas de moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à
saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico, além daquelas destinadas
aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e
superdotação.
2 A classificação Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) é apresentada no Código
Internacional de Doenças (CID-10) e engloba Autismo infantil, Autismo atípico, Síndrome de
Rett, Síndrome de Asperger, entre outros. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-V) trouxe mudanças nos critérios diagnósticos de autismo e alterou a nomencla-
tura para Transtorno do Espectro Autista (TEA).
218
Incl ussão e ensino
Metodologia
Esta pesquisa utilizou os dados dos estudantes com autismo cadastrados
na Coordenação de Apoio às Pessoas com Deficiência (PPNE)3 da UnB no
segundo semestre de 2017. Criado em 1999, o PPNE tem o objetivo de esta-
belecer uma política de atenção permanente às pessoas com necessidades
especiais na instituição (Souza, Soares & Evangelista, 2003). O público-alvo
inclui estudantes com deficiências física, visual, auditiva, intelectual e múl-
tipla, autismo, dislexia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
O cadastro no PPNE é facultativo e exige apresentação de relatório mé-
dico que ateste a deficiência e/ou necessidade especial. Também é realiza-
da uma entrevista de acolhimento com a equipe da Coordenação que visa
compreender os elementos sociais do processo de ingresso e permanência
do discente na universidade, dentre eles, trajetória acadêmica, situação so-
cioeconômica e de saúde, e rede de apoio sociofamiliar. Busca-se um atendi-
mento personalizado e que garanta acesso a serviços e direitos acadêmicos.
A pesquisa documental foi realizada a partir de consulta no arquivo do
PPNE, a qual se soma à experiência profissional dos autores por meio do
acompanhamento acadêmico desenvolvido com os estudantes, reuniões re-
alizadas com professores e coordenadores de curso e atendimentos a fami-
liares e colegas dos discentes.
Ambiente universitário:
Por ambiente universitário compreendemos a estrutura física da universi-
dade e as formas de acesso aos seus espaços. Os casos analisados mostram
que o processo de adaptação à nova rotina, principalmente nos primeiros
semestres após o ingresso na universidade, são os mais difíceis. Nunes e
Araújo (2013, p. 197) apresentam as dificuldades vivenciadas por estudan-
tes com autismo no início do semestre universitário: “O contexto não fami-
liar, as disciplinas novas, colegas e professores desconhecidos causam, de
modo geral, extrema ansiedade no aluno com SA (Síndrome de Asperger)”.
Estas situações também foram encontradas na realidade da UnB. Locali-
zar-se no campus, conseguir ir de uma sala a outra com autonomia, escolher
uma carteira para sentar-se em sala de aula e lidar com turmas com gran-
de quantidade de estudantes são os principais aspectos mencionados pelos
alunos com autismo como geradores de estresse e ansiedade.
Em relação à locomoção até o campus¸ observa-se que inicialmente é co-
mum os discentes estarem acompanhados por familiares, passando a irem
à universidade sozinhos no decorrer do curso. Em um dos casos analisados,
houve o apoio profissional de psicólogos no desenvolvimento de habilida-
des que permitissem que o estudante aprendesse a utilizar transporte cole-
tivo e tivesse maior autonomia para ir à universidade.
O mesmo ocorre na locomoção interna ao campus4. A estrutura do cam-
pus universitário, com seus diversos prédios e grande fluxo de pessoas, por
vezes, é um fator que causa desconforto nos estudantes com autismo. Nes-
se sentido, é possível identificar demandas por estudar em local protegido
de barulho, salas com reduzida quantidade de alunos e reserva de assento
na frente da sala para evitar distrações. Essas estratégias foram, em alguns
casos, utilizadas durante a vivência escolar anterior e adequadas para o
contexto universitário a fim de que os discentes se sentissem mais confor-
táveis em relação ao novo ambiente e obtivessem um melhor desempenho
acadêmico.
4 A UnB possui quatro campus universitários: Darcy Ribeiro, Gama, Planaltina e Ceilândia.
Todos os estudantes com autismo estão matriculados no campus Darcy Ribeiro, no qual o
PPNE está localizado. Este é o campus mais antigo da Universidade e que concentra maior
quantidade de cursos.
220
Incl ussão e ensino
221
Estud antes com Autismo na Educação Superior. T. K. Imperat ori et al.
Atividades acadêmicas
As atividades acadêmicas referem-se à frequência nas aulas; rotina de
estudos a exemplo de realização de leituras e aprimoramento de escrita,
resolução de exercícios, acesso às plataformas de aprendizagem virtual; e
5 De acordo com a Resolução CEPE nº 10/2007, o PTE consiste no apoio acadêmico a estu-
dantes com necessidades educacionais especiais, realizado por estudante da Universidade, sob
a supervisor do professor da respectiva disciplina e da sua Unidade Acadêmica, com o acom-
panhamento do PPNE, da Diretoria de Acompanhamento e Integração Acadêmica do Decanato
de Ensino de Graduação (DAIA/DEG) e do Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação (DPP).
222
Incl ussão e ensino
Considerações finais
Este artigo buscou apresentar os desafios para a inclusão de estudantes
com autismo na educação superior a partir da experiência vivenciada na
UnB. Percebemos que a chegada deste público à Universidade nos anos
2010 tem levado a comunidade acadêmica a refletir e a propor ações que
garantam o ingresso, a permanência e a diplomação na perspectiva da edu-
cação inclusiva.
Tem-se, para além do marco legal e normativo, o desafio de se materiali-
zar práticas cotidianas abertas à diversidade. Isso significa ir para além do
contexto de sala de aula e considerar o ambiente universitário e as relações
sociais estabelecidas entre estudantes, professores, coordenadores, colegas
e PPNE. Soma-se a isto atividades acadêmicas que sejam comprometidas
com as especificidades dos estudantes.
6 As disciplinas do currículo dos cursos de graduação da UnB são categorizadas como obri-
gatórias, optativas e de módulo livre. As obrigatórias são aquelas que o estudante deverá ser
matriculado e aprovado para integralização curricular do curso; as optativas são escolhidas
pelo estudante dentro de uma lista ofertada pelo próprio departamento do curso ou por
outros; e as de módulo livre, por sua vez, não são de abrangência restrita e não constam no
currículo do curso. Dentre as disciplinas de módulo livre com maior demanda por matrícula
estão as de idiomas e práticas desportivas.
223
Estud antes com Autismo na Educação Superior. T. K. Imperat ori et al.
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224
Incl ussão e ensino
226
Inclusão de crianças com diagnóstico
de paralisia cerebral
Contribuição do trabalho em rede
Larisse Junqueira Mendes de Carvalho, Unicamp, Brasil
Cecília Guarnieri Batista, Unicamp, Brasil
Introdução
A
inclusão escolar de crianças com paralisia cerebral é um tema a mui-
to discutido, por implicar e demandar mudanças no ambiente escolar
e ao seu entorno. Diante dessa perspectiva, a articulação e formação
de uma rede entre profissionais da Educação, Saúde e família é algo a ser
pensado e elaborado, pois requer de todos os envolvidos um trabalho inten-
so que assegure a criança o direito à educação.
No Brasil, a política de inclusão abre uma reflexão tornando-se objeto
de pesquisa sobre a reformulação de práticas que necessitam ser adotadas
no cotidiano escolar dos alunos com deficiência, porém visto ser um direito
já consagrado legalmente, ainda segue-se frágil na prática, o que os fazem
permanecer invisíveis nas salas de aula e no acesso à educação.
Segundo Amiralian (2003), a inclusão é um movimento social que vem
ocorrendo em diferentes partes do mundo, abrangendo todos os segmentos
da sociedade contemporânea, evidenciando, assim, a sua amplitude. Nesta
perspectiva, os movimentos sociais que politizam as diferenças, colocando-
-as no centro da luta pelo reconhecimento de direitos, têm um papel funda-
mental na construção de sociedades mais humanizadas.
Com a implementação das políticas públicas de inclusão escolar, houve
um aumento significativo no número de alunos com deficiência nas escolas
regulares. Entretanto, são apontados problemas na implantação da política
de inclusão (Matos e Mendes,2014). Diante desse quadro, tratar as condi-
ções necessárias para garantir o direito à educação dos alunos com defi-
ciência no país significa refletir acerca da proposta de inclusão escolar e
sobre a realidade da atual política nacional na perspectiva inclusiva.
Não bastam leis que garantam a inclusão do aluno com deficiência nas
escolas, são necessárias mudanças no sistema escolar, de modo a realmente
atender aos objetivos enunciados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional -LDBEN. É necessário que se criem caminhos abrangentes para
todos os alunos, repensando mudanças pedagógicas, estruturais, arquite-
tônicas, criação de salas multifuncionais, capacitação do docente, ou seja,
ressignificar a educação na atual perspectiva. Além disso, é preciso respei-
tar diferenças e promover o ensino igualitário. Desta forma, a educação in-
clusiva realmente será aprimorada.
227
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
228
Incl ussão e ensino
Método
Foi adotada a abordagem qualitativa, com a realização de entrevistas se-
miestruturadas (TURATO, 2005). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Ética em Pesquisa (Unicamp, parecer 1.244.253) e todos os participantes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta de dados foi centrada em 5 crianças PC (Quadro 1), seus pais,
seus professores de atendimento escolar especializado (AEE) e os profis-
sionais de uma instituição voltada para o atendimento de pessoas com de-
ficiência física.
Em relação aos familiares, a maioria havia concluído o Ensino Médio (ex-
ceto a família 3, e o pai de C1, que não tinham concluído o Ensino Médio ).
As famílias tinham rendimento familiar entre dois e três salários mínimos.
A maioria das famílias não tinha outros filhos (exceto a família 5, com 2
filhos).
As professoras de AEE tinham concluído cursos de especialização na
área.
Os profissionais da instituição tinham especialização nas áreas de reabi-
litação e inclusão escolar.
Funciona- Desenvol-
Meio(s) de
topográfica
Escolar
fictício
Idade*
Nome
lidade do vimento
Ano
da paralisia
membro cognitivo e
cerebral /
superior linguístico
classificação
Comuni-
ca-se por
gestos.
Tarefas
Realiza escolares:
Preensão atenção e
Diparesia Marcha de forma identificação
C1 Jardim
4a0me espástica comu- funcional de figuras,
Alex I
nível II nitária com soltar dificuldades
ativo. com agru-
Uso de lápis. pamentos e
sequências
(pouco
tempo nas
tarefas).
232
Incl ussão e ensino
Comunica-se
por gestos.
Tarefas esco-
Realiza lares: agrupa
Preensão cores (não
C2
Atáxico Marcha de forma nomeia),
Jardim
Ro- 5a0me comu- funcional identifica
I nível I
berto nitária com soltar figuras (por
ativo. exemplo
Uso de lápis. animais),
tem dificul-
dades com
sequências.
Preensão
primitiva,
Comunica-se
Cadei- soltar não
por gestos e
ra de é ativo e
utiliza bem
rodas padrão não
a prancha
(coti- funcional
de Comu-
diano) acarretado
Tetraparesia nicação
C3 e pela movi-
8a5me 2ºano coreoatetóide Suplementar
Rafael marcha mentação
nível III Alternativa.
tera- involuntária
pêutica (discinesia). Desempe-
com nho na esco-
Uso de alfa-
anda- la de acordo
beto móvel
dor com a faixa
(letras
etária.
grandes) e
tablet.
Preensão Comunica-se
primitiva por gestos e
em garra, iniciou uso
soltar ativo, da prancha
o padrão de Comu-
espástico nicação
Tetraparesia Cadei- favorece Suplementar
C4
9a10me 3ºano espástica ra de a manu- Alternativa.
Silvia rodas tenção da
nível IV Tarefas
preensão. escolares:
Uso de alfa- reconhece
beto móvel seu nome e
(letras letras do al-
grandes) e fabeto, conta
tablet. até 9.
233
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
Utiliza o
membro
preserva- Fala fluente.
do para Desempe-
Hemiparesia Marcha
C5 preensão nho na esco-
10a11me 4ºano esquerda comu- apresentan-
Irene nitária do padrão la de acordo
nível II
com a faixa
compatível etária.
a sua idade.
Uso de lápis
*Idade no mês da coleta de dados (2015).
Resultados
Os dados apresentados consideram os núcleos de sentido identificados no
conteúdo das entrevistas e organizados em áreas temáticas.
Os quadros foram construídos com base em área temática, categorias
(com indicação de participantes que apresentaram respostas classificadas
em cada categoria), síntese de todas as falas das mães, dos profissionais da
educação e dos profissionais de saúde agrupadas sob cada categoria, com
indicação de seu autor, por exemplo P1. As áreas temáticas dos quadros fo-
ram: inclusão escolar (ações e resultados), com foco no trabalho em rede,
profissionais envolvidos, dificuldades que se relacionam à aceitação e ao
processo cotidiano de inclusão escolar e social das crianças com PC, assim
como sugestões quanto à melhoria em toda a ação.
A síntese das falas das mães quanto às ações e resultados da inclusão
escolar pode ser vista no Quadro 2.
234
Incl ussão e ensino
1 Em muitas escolas, o cuidador é funcionário da Educaçãoe tem como função fornecer apoios
necessários à aprendizagem,à locomoção e à comunicação. (Resolução n. 2, de 11 de setembro
de 2001, art. 8, IV d.).
235
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
237
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
Escola- adaptações A não aceitação por parte das mães com rela-
ção à comunicação Suplementar Alternativa
P2 como forma de comunicação.
Escola-contato com
família Oposição e exigências por parte da família.
P1, P2, P3 e P4
239
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
240
Incl ussão e ensino
família, sem um desses três não vai haver inclusão desse pa-
ciente na sociedade. Fis1
As escolas também estão sempre procurando a instituição,
para saber como essa criança está desenvolvendo, se o tra-
balho da reabilitação junto ao trabalho da escola está sendo
eficaz.TO2
Vejo que ganharam conceitos pedagógicos, estão mais atentos
e compreendem o que é solicitado, vejo que as dificuldades
motoras não são maiores por conta das adaptações ofereci-
das. Pd
Vejo que os estímulos oferecidos pelo ambiente (escola) fa-
voreceram o desenvolvimento dos nossos pacientes quanto a
atenção, memória e a própria aprendizagem. Psi
243
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
Discussões
As sínteses e transcrições das falas selecionadas permitiram evidenciar que
as relações estabelecidas pela Instituição junto à escola e à família são vistas
como importantes para a prática de inclusão escolar. Os participantes dis-
seram que a rede é um caminho para se construir relações de cooperação e
parceria, visto que os profissionais da saúde podem se tornar colaborado-
res no processo de inclusão das crianças com PC.
Essas evidências concordam com as colocações de Freitas et al. (2005),
quando comentam que a inclusão escolar precisa ser feita com visitas regu-
lares de associações ou instituições que apoiam, orientam e acompanham o
processo. Consideram que a escola não deve ser unicamente responsável pela
inclusão, precisando ser apoiada por profissionais de saúde e pela família.
Os problemas vistos pelos professores, a divisão de papel do cuidador,
autonomia da criança, atuação da família e a falta de mobiliário adaptado
e transporte são dificuldades permeiam o processo de inclusão.Também é
considerado que as mães querem participar de forma mais efetiva nos pro-
cessos de reabilitação e educação dos seus filhos, porém visto, que precisam
se sentir seguras em relação aos mesmos para que minimizem a exigência
com a escola.
244
Incl ussão e ensino
Essas evidências estão de acordo com Vieira et al. (2008), que conside-
ram o apoio de uma equipe multidisciplinar um caminho para a construção
de um trabalho mais humanizado, criando condições de levar às mães in-
formações por meio da educação em saúde. Elas demonstram necessitar de
apoio durante o processo de adaptação e no período do cuidado à criança.
Essa forma de atuação é capaz de melhorar a qualidade de vida de todos os
envolvidos no processo.
As soluções apontadas pelos entrevistados no que concerne as adapta-
ções no ambiente escolar contribuem para lidar com as alterações citadas
por Piovezanni, Rocha e Braccialli (2014), compreendem que os alunos com
PC possuem alterações no desenvolvimento motor, problemas de coordena-
ção motora e tônus muscular. Logo, é importante discutir a melhor condição
possível para essas crianças para que permaneçam na escola.
As sugestões relacionadas ao trabalho em rede, envolvendo profissio-
nais da educação, saúde e família é visto como um modelo para redirecinar
as escolas no processo de inclusão escolar e social das crianças com para-
lisia cerebral. De acordo com Gonçalves e Guará (2010), a rede tem como
finalidade desenvolver o trabalho em conjunto entre os indivíduos, tornan-
do as relações mais simples. Logo, esse tipo de estrutura seria um modo de
reproduzir as inter-relações e conexões como uma “sociedade-rede”, articu-
lando-se em parcerias.
Conforme já mencionado, Baleotti, Santos e Zafani (2015) compreen-
dem que a inclusão do aluno com PC requer a participação de diferentes
profissionais, tais como os de Educação e os da Saúde nas escolas. Só assim
os professores terão o apoio necessário para poderem atender essas crian-
ças de modo efetivo.
Assim, a rede de apoio para a criança com PC no processo de inclusão
escolar busca estreitar os laços de afeto e conhecimento diante de tantas
adversidades que se pode encontrar. São muitos os aspectos a ser conside-
rado como a adaptação das escolas, o apoio de instituições, o preparo dos
profissionais, a participação da família, entre outros. É evidente que o su-
porte dado pela instituição fortalece o processo de inclusão escolar, porém
é preciso sempre lembrar que o processo de ensino-aprendizagem não é o
único ponto a ser considerado, mas também o desenvolvimento funcional e
a qualidade de vida do aluno.
Conclusões
Articular o ensino comum com os atendimentos especializados a esses alu-
nos não é um trabalho fácil, mas possível. Tal tarefa é um desafio, porém não
depende apenas dos professores e sim de toda a comunidade escolar, que
precisa observar e instituir estratégias pedagógicas diferenciadas, para que
a acessibilidade se torne real na perspectiva da atitude por meio da rede de
apoio.
Diante das dificuldades vistas em relação à inclusão faz-se pertinente
buscar alternativas para os problemas que permeiam esse processo. Im-
plantar o trabalho é um caminho a ser pensado, a rede constrói relações
245
Incl usão de crianças com diagnós tico de... L. J. M. de Carvalho e C. G. Batis t a
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Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfa-
betização na Idade Certa. Currículo na perspectiva da inclusão e da
246
Incl ussão e ensino
248
Jenny Patricia Acevedo Rincón. Possui graduação em Licenciatura en
Matemáticas - Universidad Industrial de Santander (2001), mestrado
em Docencia de las matemáticas - Universidad Pedagogica Nacional
(2010) e doutorado em Doutorado em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (2018). Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos
seguintes temas: educação matemática, aprendizagem situada,
visualización, educaçao e estágio supervisionado.