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ANNIE BESANT
Tradução,
acrescida de um glossário
JOAQUIM GERVASIO DE FIGUEIREDO
EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
2
Título do original:
Hints on the Study of The Bhagavad-Gita
Four Lectures Delivered at the Theosophical Society at Adyear, Madras.
CAPA:
O Bodhisattva Avalokitesvara,
que vela por este mundo de sofrimento com olhos de infinita compaixão.
SUMÁRIO
3
I Conferência
A GRANDE REVELAÇÃO
16
II Conferência
Ao tratar de um livro tão complicado como o Gítã, num tão breve espaço de tempo
como o que temos ao nosso dispor, é necessário escolher cuidadosamente os pontos que
extraiam desse livro seus pensamentos centrais, suas instruções principais, para assim
termos um todo sintético, que possa permanecer na mente e, dentro dela, pelo nosso
próprio estudo, adaptarmos os vários pormenores de uma forma ordenada. Hoje, a parte
do assunto que me proponho a colocar diante de vós é a natureza do Gítã em sua essência,
como uma Voga Shãstra, uma Escritura da Voga. A seguir vem a questão da atividade, a
natureza da atividade, a sua força aglutinadora e o método de se libertar de suas ligações
pela yoga. Isso nos levará a uma consideração do que se entende por yoga, e por yogue; e,
por último, teremos de indagar quais os meios que estão dentro do nosso alcance, pelos
quais a yoga pode ser alcançada. Esta última parte, porém, deixarei para amanhã e depois
de amanhã; hoje trataremos somente dos pontos que acabo de mencionar: o Gítã como
Voga Shãstra, a atividade, sua natureza aglutinadora, o método da libertação pela yoga, a
natureza da yoga e, portanto, o caráter do yogue.
Antes de tudo, compreendamos definitivamente que o Bhagavad-Gítã, em sua pura
essência, é o que se chama no fim de cada um dos Adhyãyas - uma Yoga Shãstra. Se não
pudermos aprender a voga através desta Escritura, perdido ficará para nós o seu propósito.
Bem, a Escritura da voga é dada pelo Senhor da Yoga. Quem fala é o Yogeshvara, o
Senhor da Voga, e lemos, quase no fim, depois de tudo enunciado, como exclama o ouvinte
de todo o diálogo: "Graças a Vyâsa eu ouvi esta secreta e suprema Yoga do Senhor da Yoga,
o Próprio Krishna falando ante meus olhos." (XVIII: 75.) De modo que temos aqui o ensino
da yoga dado por Aquele que é o Yogeshvara. "Como posso eu conhecer-Te, ó Yogue?" (X:
17) é o grito de Arjuna. Como yogue, ele está pensando Nele, e é em resposta à pergunta:
"Como posso conhecer-Te, ó Yogue?" que a Divina Forma se revela, fato este mais
significativo quanto ao sentido da yoga, como veremos logo mais. Notamos também que
Arjuna apresenta a súplica em detalhe: "Fala-me novamente da Tua Yoga." (X: 18.) Isso é o
que ele procura, a fim de que a hesitação e a ilusão se desvaneçam. "Quem conhece em
essência a minha Soberania e a minha Yoga, esse está harmonizado por indefectível Yoga"
(X: 7); e assim a súplica do discípulo ao Senhor da Yoga é para que ele possa compreender o
seu significado interior, que é a própria essência do Gítã. E isso que devemos aprender no
Gítã.
Mas como conciliar esta yoga, ou o ensino da yoga, com o que constitui o objeto do
Gítã na sua verdadeira acepção? Pois bem vos lembrais de que o orador e o discípulo estão
de pé no meio, entre dois exércitos que estão prestes a empenhar-se numa batalha. E
justamente quando "o arremesso das flechas está para começar" (I: 20) que o desalento se
apodera do coração do heroico Arjuna. O objeto capital de tudo quanto é dito e feito,
segundo relata o texto do Gítã, tem apenas um intento: dar a Arjuna disposição e coragem,
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forçá-lo a agir, lançá-lo, se necessário for, na batalha; e o argumento é continuamente
entrecortado com o constante estribilho: "Portanto, combate." Não importa qual tenha
sido a linha do argumento. Pode ter sido um argumento expondo a natureza do Jívãtmã, o
inato, o indestrutível, o perpétuo e o permanente; depois dessa exposição: "Portanto,
combate." (II: 18.) Pode ter sido um longo argumento filosófico, explicando a natureza do
Uno e do Múltiplo, explanando a constituição dos mundos, a Vida Una que a tudo penetra;
no fim da argumentação, de novo soa o estribilho: "Portanto, em todos os tempos, pensa
somente em Mim e combate." (VI: 7.) Ou pode ser o ensino da devoção, o mandamento
para o discípulo submeter todas as ações ao seu Senhor, e "com os teus pensamentos
repousados no supremo Eu [ ... ] empenha-te na batalha" (III: 30). Apresentada que foi a
Divina Forma: "Destrói, pois, sem temor. Combate!" (XI: 34.) No final: quando Ele ordena a
Arjuna: "Imerge tua mente em Mim, se Meu devoto, sacrifica a Mim", ainda a insistente
ideia soa na pergunta: "Desvaneceu-se a tua ilusão causada pela ignorância?" (XVIII: 65,
72.) E o resultado de tudo isto é a resolução de Arjuna de combater: "Agirei segundo a Tua
palavra" (XVIII:73), e engolfou-se na luta.
A primeira vista, porém, isso é muito curioso e surpreendente. A yoga vai ser ensinada,
o perfeito yogue está para ser treinado, e a cada interrupção do argumento e mudança do
assunto, o estribilho: "Portanto, combate" estruge nos admirados ouvidos. "Apresta-te
para a batalha" (II: 38) é a ordem do Senhor da Yoga. Em toda a parte desta Escritura há a
insistência para a prática da ação da mais violenta espécie como se no combate estivesse
incorporada - podemos dizer - a real quintessência da atividade, a sua sacudidura, o seu
tufão, o seu tumulto, o seu estrondo. Onde há atividade mais intensa que a do campo de
batalha dos heróis? Ainda existe essa Yoga para ser governada, existe esse Yogeshvara que
aparece em toda a plenitude do Seu poder e da Sua magnificência. Ora, isto parece
naturalmente estranho, e mais estranho que tudo, talvez, para a mente moderna, e para a
mente moderna da Índia. Pois na Índia hodierna, habitualmente, a grande atividade e a
prática da yoga jamais caminham de mãos dadas. Não; tenho visto aqui homens que se
arrogam falar pela ortodoxia hindu, a defendê-la do ensino do Teósofo; eu os tenho visto
aqui sustentar que nenhum homem pode ser um yogue, a não ser que viva nas cavernas,
nas brenhas ou no deserto, a não ser que viva em algum recesso dos poderosos Himalaias,
ou em outra cadeia de montanhas sob o sagrado céu da Índia. Eu os tenho ouvido dizer que
nenhum homem pode ser um yogue desde que esteja no meio da atividade, trabalhando,
esforçando-se por fomentar todas as boas coisas que estão no mundo e, portanto,
profanas; que yoga significa reclusão, silêncio, inação. Aparentemente, essa é a ideia de
muitos indianos modernos; e é um fato - cuja razão veremos mais tarde - que no curso da
evolução, entre a atividade nascida do desejo por objetos do mundo e essa nobre e
incessante atividade que surge do desejo de cooperar com Ishvara, o Supremo, há um
estágio intermediário em que a ação se tornou fastidiosa, como pertencente ao mundo,
quando a lição superior da ação na inação (IV: 18) não foi ainda aprendida pelo discípulo.
Mas o Próprio Senhor da Yoga vê a yoga sob um prisma muito diferente do que acabo
de descrever: “Quem executa cada ação como um dever, independentemente do fruto da
ação, esse é um asceta, é um yogue." (VI: 1.) Ele vai mais além e declara: "Yoga é perícia na
ação."(II: 50.) De modo que na mente do "'Senhor da Yoga, a yoga parece ter envolvido
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algo muitíssimo diferente da ideia atual de se afastar dos homens, de se sentar nas
cavernas ou brenhas, isolado dos homens. Isso tem seu lugar, tem sua parte na evolução
humana. É um estágio no progresso humano. Mas a yoga, como a ensinou o Senhor da
Yoga, a Yoga Suprema, é algo diferente. O homem está aqui no mundo para a atividade; o
Criador do mundo é a incorporação de Kriyã, a atividade. Brahma representa Kriyã, e
nenhum objetivo existe em qualquer universo físico que não seja para o desenvolvimento
da atividade correta, dirigida pelo pensamento correto e pelo desejo correto; todas as
coisas conduzem a isso. O mundo está repleto de objetos desejáveis, foi preenchido pelo
Próprio Ishvara com objetos que despertam desejos; o Próprio Ishvara se acha oculto
dentro de cada objeto, a imprimir-lhe sua graça atrativa, seu poder encantador.
Veremos presentemente que nada existe em todo o mundo em que o Senhor do
Mundo não se ache incorporado. E esta vasta disposição de objetos é estabelecida no
mundo pelo Próprio Ishvara·. Ele Se vela nestes objetos por meio de Mãyã e, por isso, Ele
desperta desejos nessas porções de Si Mesmo, as quais Ele colocou aqui a fim de crescerem
da semente divina para o Senhor divino.O desejo é despertado, levantado, fortalecido pela
presença de todos estes objetos desejáveis. E se o desejo não tivesse um papel a
representar na evolução humana então teríamos nascido num mundo que fosse um
deserto, onde não houvesse nenhum objeto para atrair, nada para encantar Mas a
presença desses objetos prazenteiros como a desses objetos dolorosos, não só provocam
repulsão e atração em nós, como também nos suscitam. 0 pensamento; pois colocam-se
dificuldades entre nós e os objetos de nosso desejo, e o pensamento é despertado dentro
de Jívãtmã, a fim de que essas dificuldades sejam ou vencidas ou desvanecidas. A medida
que traçamos o curso da evolução humana, observamos que o pensamento é estimulado
pelo desejo, e que todas as vigorosas atividades mentais, que vemos nos homens do
mundo que nos circunda, são motivadas pelo desejo, e por ele estimuladas, provocadas,
impelidas. A menos que Ishvara tenha planejado Seu universo muitíssimo mal - e muitas
vezes imaginamos, em nossa sabedoria, que nós o teríamos planejado melhor se no-lo
tivessem deixado organizar - deve haver alguma significação na presença desses objetos
que provocam desejos, alguma significação nas dificuldades, cuja adequação torna
inevitável a aplicação do pensamento. O desejo e o pensamento fazem o motivo e os
poderes guiadores da ação, e esta vem depois do desejo e do pensamento como seu
resultado natural, inevitável. Este é um ponto em que nos deteremos por um momento
para que o possamos .compreender. Contudo, a fim de compreenderdes seu objetivo final,
a tremenda força do argumento que nele jaz, deveis pensar sobre ele ponto por ponto, de
pormenor em pormenor, até que aprendais o mundo como Yogeshvara o tem planejado, e
não como os homens o fantasiam ou imaginam que ele deveria ser. E, assim pensando,
chegareis a compreender que todas as coisas se acham dispostas de modo que possam
promover a atividade, porque, como Ele nos diz: A ação é superior à inação." (III: 8.)
Portanto, o homem é acariciado e seduzido, estimulado e aguilhoado para a ação; e
devemos gravar e firmar esse pensamento na mente, do contrário o significado do Gítã
nos escapará inevitavelmente.
Por que tanta insistência de Sri Krishna sobre a ação? A razão disso parece-nos muito
evidente, desde que voltemos ao terceiro Adhyãya, onde Ele tanto fala da ação, o Adhyãya
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chamado "A Yoga da Ação." Tudo depende da ação: "De alimento vivem as criaturas; da
chuva se produz o alimento; a chuva procede do sacrifício; o sacrifício surge da ação. Sabes
tu que de Brahma provém a ação?" (III: 14,15.) Eis a cadeia da vida. As criaturas do
alimento, o alimento da chuva, a chuva do sacrifício, o sacrifício da ação, a ação de Ishvãra -
toda a vida do mundo, toda a reprodução dos seres tudo o que faz um mundo, um
manvantara em contradição com um pralaya, tudo o que depende da atividade nasce da
ação. Assim, a ação não é uma coisa tão completamente desprezível como a Índia de hoje
que se inclina algumas vezes a pensar. E é possível que dataríamos com precisão o começo
da decadência da Índia, a partir do instante em que o seu povo perdeu de vista a correta
proporção entre a ação e a inação, e começou a encarar a ação como um entrave para a
vida espiritual, em vez de vê-la como um meio, como o caminho para isso. Pois não está
escrito que: "Para um sábio Que busca a yoga, a ação é considerada o meio?" (VI: 3.)
Todavia, dizeis: "Terminai o sloka." Certamente. "Para o mesmo sábio entronizado na yoga,
a serenidade é considerada o meio." Mas, significa inação a serenidade? Pelo contrário;
leiamos um pouco mais e veremos o que foi dito do Sábio sereno: "Agindo em harmonia
Comigo, torne ele atrativa toda ação" (III: 26); de maneira que este ensinamento do valor
da ação caminha passo a passo: ação, serenidade, serena ação. O motivo por que é
necessária a atividade, nos é ensinado de forma muito completa neste mesmo capítulo.
Pois está declarado: "Como o ignorante age por apego à ação, assim, assim, ó Bhãrata, deve
o sábio agir sem apego, aneloso pelo bem-estar do mundo. Não perturbe o sábio a mente
dos ignorantes apegados à ação; mas - como acabei de citar - agindo em harmonia Comigo,
torne ele atrativa toda ação." (III: 25, 26.)
Em que repousa a ação do Próprio Ishvãra? "Nada existe nos três mundos, ó Pãrtha -
diz Ele como Sri Krishna -, que fosse feito por Mim, nem algo inatingido que pudesse ser
atingido e, contudo, Eu me envolvo na ação. Pois se nunca Me envolvesse em infatigável
ação, todos os homens seguiriam o Meu caminho, ó filho de Prithã. Em ruínas cairiam
estes mundos se Eu não cumprisse a ação; Eu seria o autor da confusão das castas e
exterminaria estas criaturas." (III: 22-24.) Eis, na verdade a raiz de toda a atividade correta.
Atividade correta é a cooperação com Ishvara, o Lagos do universo; esse é o mais elevado
caminho, e para ele devem tender toda iniciativa, todo esforço - a cooperação com a
Vontade divina, a obra em harmonia com a Vontade que trabalha mais sabiamente pelo
supremo bem. Qualquer que seja o dever do momento, esse deve ser feito: combater se
esse for o Interesse na época; passividade, se a passividade for necessária. Uma vez
chegado o tempo, no curso da história do mundo, quando um grande número de homens
seguindo ao longo do caminho que os conduz para baixo, tem de ser salvo do caminho em
declive por meio da destruição do corpo desesperadamente deformado a fim de que o
Espírito vivente possa modelar por si mesmo um corpo mais apropriado para fins
superiores - então a destruição de corpos pode ser a cooperação pedida . Encasais a morte
como uma coisa má e terrível. Influenciados pelo pensamento ocidental, pensais na morte
como sendo uma perseguidora, uma inimiga do homem; mas a morte tem outros aspectos
que não o de perseguidora do homem, meus irmãos. Não;·a morte é a amiga em vez. da
perseguidora do homem; é quem abre a porta da prisão onde o Espírito interior está
saldando um passado não bem vivido, não bem pensado. É muitas vezes a morte que,
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olhada de um lado é terrível, quando encarada de um outro se revela como a verdadeira
porta do nascimento na vida. E quando um homem semelhante a Duryodhana, nobre em
muitos dos seus, impulsos, esplêndido em sua coragem, amante de seu povo e atento ao
seu bem-estar; quando um homem como ele está fazendo o que nós chamamos
desesperadamente de errado e opondo-se a Vontade divina, [...] que pode o mais gracioso
mensageiro mandar-lhe a não ser a morte, que abata o estouvado corpo e desvenda os o
os o Espírito? Uma vez entendido isso, começais a compreender que, mesmo a guerra,
com todos os seus horrores, é uma mensagem de misericórdia, de salvação, de libertação
para muitos que tombam no campo de batalha. E se o coração de Deus pode suportar a
visão do sofrimento nós que somos muito mais egoístas, podemos também suporta; vê-lo,
e estar desejosos de cooperar com Ele. Portanto, se a sabedoria e o amor declaram que o
combater é necessário para o progresso no momento, então combater é a cooperação
com Ishvára, e a palavra de ordem retumba: "Portanto, combate, Arjuna."
Atividade Correta é, pois, a lição do Gítã, e atividade correta é a ação harmônica com
a Vontade divina. Essa é a única definição verdadeira da atividade correta; não pelo fruto,
não pelo desejo de estar em movimento, não pelo apego a qualquer objeto ou a quaisquer
resultados da atividade, mas por estar totalmente harmonizada com a Vontade que
trabalha pelo bem universal. "Sem nenhum apego, executa com perseverança a ação que
é dever." (III: 19.) Isso e tão só isso é a atividade correta.
Agora, surge uma grande dificuldade no meio de todo este ensinamento. Se pode ser
Verdade, e é verdade, que o Jñaní, o homem perfeitamente sábio; o Bhakta, o homem
perfeitamente devoto; o Kartã, o homem que age no caminho reto, estão todos
trabalhando em mãrgas reais, em caminhos reais, para o Supremo, eles todos caminham
para essa atividade correta e nela se confundem. Para essa atividade são necessários a
perfeita sabedoria, a perfeita devoção e o perfeito desapego aos frutos da ação, e
somente os que são sábios, devotados e ativos podem alcançá-la. Onde está, pois, a
dificuldade? É que o homem está limitado pela ação. Este pensamento parece ter surgido
na mente de Arjuna quando ele ouvia esta glorificação da ação. O homem é limitado pela
ação e, vendo esta dificuldade, o Instrutor declara: "0 mundo é limitado pela ação." (III: 9.)
A ação forja laços entre nós e as coisas a que a ação é dirigida. Nós nos ligamos às nossas
ações, sejam boas, más ou indiferentes. Não é só a ação má que ata; a ação boa ata da
mesma maneira. E verdade que o fruto difere. O fruto da má ação é o pesar, e o da boa
ação, a felicidade; mas as boas e as más ações atam igualmente. 0 homem. "O mundo é
limitado pela ação." Em que espécie de lugar então nos achamos? Como resolver este
problema? Devemos ser ativos, trabalhar, afanar-nos; devemos nos lançar na vida do
mundo, fazer ação pelos outros e trabalhar pelo bem-estar do gênero humano; e sempre
estamos atando os nossos membros com as cadeias que agrilhoam, peando as asas do
Espírito que anseia por voar bem alto, com estas ligaduras de atividade que o retêm na
Terra. Pode ser essa a consequência do ensinamento do Senhor da Yoga? Não. É bem
verdade que o homem é limitado pela ação. À medida que se desenvolve o Seu
argumento, Ele parece tornar as coisas algo desesperadas para nós, pois, não contente em
falar-nos que o homem é limitado pela ação, Ele também nos diz que: "O homem não
consegue libertar-se da ação abstendo-se da atividade." (III: 4.) Aqui temos fechada contra
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nós a primeira porta de escape. Não conseguimos nos libertar da ação permanecendo
inativos: "Não é por mera renúncia que ele ascende à perfeição." (III: 4.) O problema se
torna mais intricado à medida que avançamos. Não é de se admirar que Arjuna ficasse
confuso. O Instrutor insiste nisso mais e mais. Ainda não é tudo. Pela inação não podeis
obter liberdade, e, na verdade, não podeis nem mesmo estar inativos. Está enunciado de
modo definitivo: "Nem pode ninguém, mesmo por um instante, permanecer isento da
ação; pois cada um é involuntariamente impelido à ação pelas qualidades inatas da
natureza! (III: 5.) Como Ele diz de novo em outra passagem: "Com efeito, nem podem os
seres encarnados renunciar completamente à ação." (XVII: 11.)
Que deve então fazer um homem infeliz? Diz-se que ele não deve estar inativo.
Quando ele age, diz-se-Ihe que a ação o prende. Ao desejar libertar-se, diz-se-Ihe que não
pode se abster da ação. Não; diz-se-Ihe algo mais. "Executando a ação sem apego é como
o homem pode verdadeiramente alcançar o Supremo." (III: 19.) Em que emaranhado de
contradições parece que temos entrado! Existimos acaso para estar sempre atados a esta
roda de nascimentos e mortes? Existimos acaso para ser sempre escravos, atados por
laços que forjamos com a nossa própria atividade? Não há nenhuma liberdade para o
homem? Não há nenhuma libertação para ele? Ele existe para ser sempre um ente
desvalidamente atado, escravizado pelos laços que nascem da ação? Não; a lição vai mais
além, e eu parei no meio do Sloka quando li que “O mundo é limitado pela ação". "O
mundo é limitado pela ação, se esta não é executada por causa do sacrifício." (III: 9.) Um
raio de luz aparece através das trevas. Se a ação é executada como sacrifício, "por causa
do sacrifício", se ela é oferecida como sacrifício, então ela perde o seu poder ligante. Sri
Krishna diz ainda algo mais: "Aquele que, liberto do egoísmo, de discernimento íntegro,
embora extermine este povo, não é seu exterminador nem fica ligado." (XVIII: 17.) Ainda
mais: "Janaka e outros - diz Ele atingiram a perfeição pela ação." (III: 20.) Há, pois, uma
espécie de ação que não só não liga, como é, em si, um meio de libertação - um novo
pensamento que não está em harmonia, bem sabemos, com alguns dos ensinamentos
atuais, nem, realmente, como alguns que são tidos como imperativos. E, além disso, é
apresentado de forma muito enfática, muito forte, com reiteração: "Tendo-o assim
compreendido, os nossos antepassados, procurando sempre a libertação, executaram a
ação; portanto, executa tu também a ação, como o fizeram os nossos antepassados nos
tempos remotos... Quem vê inação na ação e ação na inação, esse é sábio entre os
homens; acha-se harmonizado, mesmo enquanto executa toda a ação. Aquele cujas obras
estão todas isentas do bolor do desejo, cujas ações são queimadas pelo fogo da sabedoria,
a esse os doutos chamam de Sábio. Tendo abandonado o apego ao fruto da ação, sempre
contente, esse não está fazendo nada, embora praticando ações. Nada esperando, com
sua mente e seu eu controlados, abandonada toda cobiça, executando a ação somente
com o corpo, esse não comete pecado. Contente com tudo o que obtenha sem esforço,
liberto dos pares de opostos, sem inveja, equilibrado tanto no sucesso como no fracasso,
esse, embora agindo, não se liga. Daquele que, morto, o apego, harmonizado, com os
pensamentos estabelecidos na sabedoria, sacrifica as suas obras, toda a ação se dissolve."
(lV: 15, 18-23.) Aí está, pois, o segredo da ligação e da desligação; aí está o ensinamento
do Senhor da Yoga. Como se pode praticar a ação sem contudo engendrar liames, como
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combinar a atividade com a liberdade, como fazer da ação um caminho para a libertação,
essas são as lições do Gítã.
Como se deve fazer isto? Pela yoga. Eis a resposta em duas palavras. Como fazê-lo,
como agir e não ser ligado, como transformar o que normalmente liga em verdadeiros
meios para atingir a libertação, eis a lição que agora aprendemos, e esse "como" é a Yoga.
Pela Yoga. De nenhum outro modo pode ser feito isto. Estas aparentes contradições se
harmonizam quando a yoga é compreendida e, por isso, naturalmente perguntamos: Que
é a yoga? Que é o yogue? Por quais meios se pode obter a yoga?
Recebemos a revelação do que é a yoga por meio do ensino pessoal do Próprio
Senhor da Yoga. Que é, pois, a yoga, segundo o Gítã?
É melhor tomá-la primeiro das palavras do próprio Gítã, e definirmos a yoga
como ele a define. Abandonai por um momento vossos pensamentos comuns. Não vos
confundais, por um momento, com quaisquer ideias de Yoga que possais ter previamente
concebido. Atentai, antes, às palavras do Senhor da Yoga: "Ela! Contempla hoje o universo
inteiro, movente e imovente unificado com o meu corpo, o Gudãkesha, com tudo o mais
que desejas ver. Mas verdadeiramente não és capaz de Me contemplar com estes teus
olhos; o divino olho Eu te dou ... Contempla a Minha Soberana Yoga." (XI: 7, 8.) Ali,
Pãndava contemplou o universo inteiro, dividido em partes multiformes unificado com o
corpo do Deus dos Deuses." (XI: 13.) Essa é a suprema yoga - a visão da união dos muitos
contemplados no Uno, o universo inteiro Unido ao divino Corpo, que é a Yoga.
O undécimo Adhyãya é o próprio coração do Gítã, a sua essência. Quem não tenha
nenhuma ideia do significado desse Adhyãya, não pode alcançar a yoga. É o seu coração; a
sua essência; todas as coisas nos conduzem a isso e disso nos afastam. Na visão da Forma
Divina, na qual todas as, coisas estão incluídas, nessa soberana yoga está exposta a única
grande verdade libertadora. Esta é a suprema Palavra (X: 1). Este e o soberano segredo, o
soberano conhecimento a sabedoria e o conhecimento combinados (IX: 1,2). Esta é a voga
do Eu (XI: 47), ou o próprio Eu, o recôndito coração da yoga. Eis a palavra suprema e o
sublime segredo: os muitos estabelecidos no Uno. Nada menos. E no Gítã, sloka após
sloka, insiste-se nisto reiteradamente; em tudo, sem fazer exceções; no chamado bem,
como no chamado mal.
Se não podeis ver isso, a yoga não é para vós e não estais preparados para ela. "Por
isso, verás a todos os seres no Eu, sem exceção, e assim em Mim." (IV: 35.) Tudo procede
de Mim (X: 8), não apenas o bom, o belo, o feliz e o harmonioso; tudo procede de Mim. "O
Gudãkeshal Eu sou o Eu, que mora nos corações de todos os seres; sou o princípio, o meio
e o fim de todos os seres." (X: 20.) Todas as práticas que conduzem à yoga, que
harmonizam um homem com a yoga, têm somente Isto como resultado: que estando
"harmonizado pela yoga ele vê o Eu habitando em todos os seres no Eu; em toda parte ele
vê o mesmo" (VI: 29). De que modo estranho soa isso a alguns ouvidos! Em toda parte, o
mesmo. Se ao menos pudéssemos ter um pouco mais de Eu no santo que no pecador; se
ao menos o Eu pudesse ser um pouco mais no homem bom do que no mau. "Não é
assim", diz o Próprio Eu. "Residente igualmente em todos os seres, o Senhor Supremo,
Imperecível dentro do perecível - quem vê assim realmente vê. Vendo, na verdade, o
mesmo Senhor presente igualmente em todos os lugares." (XIII: 28, 29.) Isso é expresso de
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um modo muito veemente para que ninguém seja capaz de tentar escapar disso, ou seja
capaz de entendê-lo mal.
E ainda depois, talvez receoso de que este ensinamento pudesse parecer demasiado
estranho, e de que, a despeito de tudo, qualquer exceção pudesse ser feita, Ele declara:
"As naturezas que são harmônicas, ativas, inertes, conhece-as como provenientes de
Mim." (VII: 12.) Não há que escapar. Não podeis apartar o inerte dizendo-lhe: "0 Eu não
está em vós." As naturezas inertes - declara Ele - são todas Minhas. Em essência, não há
nem bem nem mal na natureza das coisas. Tudo é parte do Supremo. Tornamos as coisas
boas ou más em relação conosco mesmos por nossa ignorância, por nossa loucura, por
nossa própria paixão e estamos aqui a fim de que, compreendemos pelo menos a unidade
a unidade de todas as coisas, possamos transcender tanto o bem como o mal e repousar
finalmente no Supremo. Dura doutrina, dizem alguns. Perigosa doutrina, dizem outros.
Enquanto todas as coisas são perigosas para o ignorante, nada é perigoso para o sábio. A
Unidade não se vê nos estágios inferiores, onde ela pode ser mal-entendida ou
tergiversada. Eles veem a separatividade, não a Unidade, veem o multifário, não o Uno;
veem os muitos. mas não o permanecente no único Corpo do Senhor. Cada qual esta certo
de que ele é ele mesmo e não qualquer outro, de que ele e o ator, pois se acha
entrincheirado no egoísmo. É justo e bom que ele fique assim entrincheirado durante
certo tempo, pois só assim poderá aprender as lições necessárias à manifestação do Eu em
si, esse Eu que mora em cada um, esperando com infinita paciência até que as rodas do
veículo aprendam a sua colação certa no esquema das coisas.
O grande Senhor da Yoga não teme apresentar a verdade. Intrépido Ele declara uma
vez mais, com essa contínua insistência que lhe é congênita, aos que são bastante sábios
para ler e compreender: "Resido no coração de todos, e de; Mim. procedem a memória, a
sabedoria e a ausência de ambas. (XV: 15.) Não só, pois, a sabedoria e a memória, mas
também a ausência de sabedoria e da memória. O nono e décimo Adhyãyas não se
aplicam a outra coisa senão em levar Arjuna à visão do Supremo. Cada coisa Ele declara
ser Ele mesmo: Eu sou isto, Eu sou aquilo, Eu sou aquele outro. Eu sou. todos os Rishis, as
montanhas, os rios, as árvores e os animais, pois Eu sou tudo. "Uma porção de Mim
Mesmo, transformada num Espírito Imortal no mundo da vida reúne ao redor de Si os
sentidos, imortal no mundo da vida, reúne ao redor de si os sentidos, dos quais a mente é
o sexto, velados na matéria.” (XV: 7.) Quando o Senhor (Jíva, o Eu individual emanado do
Espírito Supremo) deixa um corpo e passa a outro novo, leva consigo a mente e os
sentidos, como das flores recolhe" o vento, os aromas. Tendo dominado o ouvido, os
olhos, os órgãos do tato, do paladar e do olfato, e também do manas, Ele utiliza os objetos
dos sentidos (XV: 8, 9). Poucas pessoas hoje em dia ousariam proferir essa grande palavra
de que “quando o Senhor toma um corpo, Ele utiliza os objetos dos sentidos". Os ilusos
não percebem o Senhor nem quando presente nem quando ausente do corpo, nem
quando afeta a influência das qualidades; mas percebe-O aquele que vê com os olhos da
Sabedoria. (XV: 10.) E mais: como que receando que alguém ainda pensasse que, depois
de tudo, alguma coisa se pudesse deixar apartada de Si, Ele pronuncia sobre os "homens
que efetuam severas austeridades não prescritas nas Escrituras" e sobre eles declara:
"Ignorantes, atormentando os agregados elementos que lhes formam o corpo, e também
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a Mim, que resido no intenor do corpo, tais homens têm propensões demoníacas." (XVII:
5, 6.) De sorte que aqueles que atormentam mesmo o corpo exterior atormentam o
Próprio Senhor que mora dentro dele.
Alçando-se em voos altaneiros do onipenetrante e velado Eu, Ele declara: "Eu sou o
Tempo perdurável. .. e a Morte que tudo devora, Eu sou, assim como a origem de todas as
gerações futuras." (X: 33, 34.) "Sou o jogo do trapaceiro e o esplendor das coisas
magníficas Eu sou." (X: 36.) "E qualquer que seja a semente de todos os seres, essa sou Eu,
ó Arjuna, porque nada do que existe, movente ou imovente, pode subsistir despojado de
Mim." (X: 39.) "Como um único Sol ilumina todo este mundo, assim o Senhor do campo
ilumina todo o campo, ó .Bhãrata." (XIII:33.) Tal é a Yoga. A unidade de todas as coisas, a
multiplicidade vista no Uno.
Quem é, então, o yogue? É o homem que compreendendo a Unidade, vive-a Ele, e
somente ele, é o yogue. Essa é a declaração repetidamente feita neste Yoga Shãstra
quanto ao homem que é o vogue aos olhos do Senhor da Yoga, do próprio Eu revelado
pela yoga como O chamam (XI: 47). O yogue, é o homem que, compreendendo a unidade,
vive-a. Ninguém que não a compreenda assim, e não a viva, pode ser chamado yogue na
acepção integral do termo. Lembremos mais uma vez a frase: "Quem executa a ação como
um dever [...] é um asceta, é um yogue, não aquele que só prescinde dos fogos e dos
ritos." (VI: 1.) Não é o traje exterior do homem o que faz o yogue; o yogue não é o homem
que perambula com o hábito de um yogue, mas “o que executa cada ação como um dever,
independentemente do fruto da ação”. Agora o homem que é o Yogue típico está descrito
em variadas repetições e suas características são claramente definidas. Está declarado: "0
equilíbrio se chama yoga" (II: 48); somente o que vê a unidade permanente fica estável no
meio da mutação dos vários efeitos transitórios. Ele é hábil nas ações exteriores: "A yoga é
perícia na ação" (II: 50.) Ele não sente nenhuma atração pelos objetos dos sentidos, ou
pelas ações, e renuncia à elaboração de planos: ”Quando um homem não sente nenhum
apego, quer pelos objetos dos sentidos, quer pelas ações, renunciando à vontade
formativa, então se diz estar ele entronizado na yoga." (VI: 4.)
Ao definir o Yogue perfeito, o homem que alcançou essa perfeição da unidade que
significa triunfo. Ele.declara: "Quem, através da identidade do Eu, o Arjuna, vê a Igualdade
em todas as coisas, sejam agradáveis ou dolorosas, esse é considerado um perfeito
yogue." (VI: 32.) Com cuidado e elaboração desenvolve Sri Krishna, no sexto Adhyãya, a
seguinte ideia sobre um Yogue: ele é o que se acha "estabelecido na unidae:" (VI:31); que
tem a mente "fixa no Eu" (VI: 18); na visão do Uno presente em todas as coisas, ele vê que
ate o prazer e a dor são apenas fases da manifestação do Uno, e está “liberto do desejo de
todas as coisas desejáveis" (VI: 18), e assim alcança "a desconexão da união com a dor."
(VI: 23). "Harmonizado é quem está satisfeito com a sabedoria e o conhecimento,
infatigável, cujos sentidos se acham subjugados.” (VI: 8, 9.). Com esses objetivos deve ele
meditar, pois, na agitação e precipitação do mundo exterior, ele não pode compreender a
Unidade, a menos que se afaste da multiplicidade de tempos em tempos e a olhe do
exterior, "num secreto lugar, por si mesmo" (VI: 10); todo homem que queira alcançar a
visão da unidade deve além das muitas oras que dedica ao trabalho, a diversão e ao sono,
reservar um pouco de tempo para a solidão .e a meditação, até que se encontre bastante
25
forte para meditar sempre, no meio de qualquer turbilhão. Sem isso, é tolice esperar
sucesso.
Eis que, enquanto não formos fortes, mas fracos; enquanto não tivermos olhos de
sabedoria, mas formos Iludidos inúmeras vezes; enquanto não formos impulsionados
pelas qualidades, pensarmos nas coisas como separadas, permitirmos que uma coisa nos
proporcione prazer e, uma outra, dor, em vez de aceitarmos cada coisa desagradável e
agradável como experiência, que pode ser utilizada para auxílio dos upãdhís (1) em que o
Eu deve se tomar manifestado; enquanto se der isso com todos nós, devemos passar um
tempo em silêncio, num lugar solitário, onde nos sentemos apartados, e ali, com a mente
fixa no Eu, compreendamos a nossa unidade com esse Eu, a despeito do turbilhão dos
acontecimentos. Devemos seguir as direções traçadas por Sri Krishna (VI: l0-19), até que,
"buscando o Eu pelo Eu, no Eu" estejamos "satisfeitos" (VI: 20); até que possamos achar "0
supremo deleite que a Razão pode colher independentemente dos sentidos, nos quais se
acha estabelecida", nós não seremos "sacudidos mesmo pela penosa tristeza" (VI: 21, 22).
Então gozaremos a "infinita bem-aventurança da união com o Eterno" (VI: 28). E quando
tudo isto está realizado, quando um homem verdadeiramente "vê o Eu morando em todos
os seres no Eu" (VI: 29), então o que, "estabelecido na unidade, Me adora a Mim, que
moro em todos os seres, esse yogue vive em Mim, qualquer que seja o seu modo de viver"
(VI: 31). Essa é a grande verdade do autêntico yogue. Ele pode ser um escritor ou um
orador, pode ser um varredor ou um agricultor, pode ser um filósofo ou um comerciante,
pode ser um rei ou um estadista, pode ser um advogado ou qualquer outra coisa - isso não
importa. "Ele vive em Mim, qualquer que seja o seu modo de viver", se ele vê a unidade
em todas as coisas, todas as coisas em Deus.
Isso resume, parece-me, toda a essência do pensamento que temos seguido esta
manhã: "Esse yogue vive em Mim, qualquer que seja o seu modo de viver." Não é o que
vós sois nas vossas ocupações: é o que sois na vossa mente; não são as vossas atividades
exteriores: é a atitude com que encarais o mundo; não é o que vós fazeis, mas o que sois
em vossos sentimentos e pensamentos; é isso que determina se vós sois ou não um
vogue.
Por três caminhos viajam os que procuram a yoga. Traçarei esses caminhos, em
alguma extensão, amanhã e depois de amanhã. Sabeis que se falam de três - o caminho
da sabedoria, o caminho da devoção e o caminho "'da atividade. Cada qual segundo um
temperamento, os caminhos que se julga serem três, porém, que se confundem em um,
desde que o Eu que está atrás de toda a espécie de temperamento é um. Jñaní é o que
segue o caminho da sabedoria; o Bhakta ou Tpasv é o que trilha o caminho da devoção; e
a Karta é o que vai pelo caminho da ação. Mas que disse Sri Krisna sobre estes homens,
ao resumir esta porção do Seu ensinamento sobre a yoga contida no sexto Adhyãya? Ele
disse: "O yogue é maior que os ascetas, é reputado ser maior que o próprio sábio. O
yogue é maior que os homens de ação." (VI: 46.) O perfeito yogue é maior que os homens
de qualquer um dos caminhos separados, maior que os homens que estão trilhando um
ou outro, ou o terceiro destes três caminhos que conduzem à yoga completa. e maior do
que o Jñaní, o Tapsdví e o Kartã, pois ele resume em si, em perfeito equilíbrio, as
características distintas desses três, e não é ninguém em particular, pois ele é todos
26
juntos. Ele aprendeu o correto pensamento, o correto desejo e a correta atividade, e
tendo assim se tornado perfeitamente sábio, ativo e devoto, ele é maior que o
predominantemente sábio, devoto ou ativo; ele os resumiu em si. "Portanto, torna-te tu
um yogue, ó Arjuna." (VI: 46.)
(1). Upãdhi: base, veículo ou portador de alguma coisa que não é ele mesmo. Ex.: O
corpo humano é o upãdhi da alma (N. T.).
27
III Conferência
40
(2). Não cabe aqui fazer uma longa explanação sobre o "porquê" das transposições
dos membros da triplicidade, como se apresenta na fraseologia popular; pera o
estudante de Teosofia bastará o diagrama abaixo, cujas letras são as iniciais das
qualidades:
41
IV CONFERÊNCIA
DISCERNIMENTO E SACRIFÍCIO
Temos de tratar hoje, embora imperfeitamente, por falta de tempo, das outras duas
formas da Yoga preliminar, pertencentes aos dois aspectos da consciência aos quais não
me referi ontem. Lembrar-vos-ei que, depois de esboçar os aspectos dos caminhos da ida e
da volta, tomei um caminho preliminar próprio para o aspecto Ichchhã da consciência, e
verificamos que nesse aspecto, que se manifesta no mundo inferior como desejo, o desejo
material se transforma em desejo do Supremo, a devoção - e isto conduz o homem à
perfeição pela yoga.
Hoje temos de considerar as duas formas restantes da Yoga preliminar: a Yoga do
Discernimento, ligada ao aspecto Jñãnam da consciência, e a Yoga do Sacrifício, ligada ao
aspecto Kriyã. Ao traçar o meu rápido esboço destes dois aspectos, devo pedir-vos que o
tomeis simplesmente como um resumo, no qual os detalhes devam ser adaptados pelo
vosso próprio estudo e pela vossa própria vida, pois talvez, especialmente a primeira parte
de nosso estudo, a Yoga do Discernimento seja difícil para os que não estudaram com
profundidade a constituição e a natureza do homem. E mesmo para aqueles em quem
predomina o aspecto Jñãnam, a cognição, o conhecimento ou a sabedoria, esta é a forma
que conduz à última yoga, a união com o Supremo.
Com referência a este aspecto; o da sabedoria, existe, porém, um grande perigo que
assalta o pretendente a sábio, pois para ele, talvez mais que para todos os outros, os
sentidas são as avenidas do perigo, e embora esses sentidos tenham sido até aqui as
avenidas do conhecimento, e ele deva se esforçar por dominá-los completamente antes
que qualquer coisa, mesmo da yoga preliminar, se torne possível para ele. Assim é que,
com referência a este caminho, deparamos com Sri Krishna declarando ao homem que ele
deve tornar-se o futura sábio: "O filho de Kuntí! Os fogosos sentidos arrastam
impetuosamente até mesmo o coração do sábio que contra eles forceja. Uma vez
subjugados todos os sentidos, pode o homem estar em harmonia Comigo, que sou a sua
aspiração suprema; parque quem subjugou os seus sentidos é de mente equilibrada." (II:
60, 61.) E, com o intuito de demonstrar que a fonte do perigo não é constituída apenas
pelos sentidos em geral, porém que para isso basta tão só um sentido, Ele se exprime
assim: “Do homem de sentidos erráticos, que a eles abandona a sua mente, foge o
conhecimento como barco sobre as águas, impelido pelo vento. Portanto, ó armipotente,
aquele cujos sentidos estão totalmente desapegados dos objetos de sensação é de mente
equilibrada." (II: 67, 68.) Do desejo, diz-se, "os sentidos, a mente e a Razão são a sua sede
... Portanto, ó o melhor dos Bhãratas, subjugando primeiro os sentidos, extirparás esta
causa de pecado, desviadora da sabedoria e do conhecimento" (III: 40, 41).
A primeira nota vibrada no Bhagavad-Gitã é a apresentação do grande ensino da Yoga
do Discernimento: "Tu te afliges por aqueles por quem não devias afligir-te, conquanto
fales palavras de sabedoria." (II: 11.) Ora, na introdução à prática do Gítã , chamado Gítã
42
Karadinyasa, se diz que estas palavras: "Tu te afliges por quem não devias afligir-te", são o
Bijam do Gitã. Conheceis a força dessa palavra Bijam. "Semente." Bijam é um som, palavra
ou sentença para ser pronunciada no começo de um mantra, a fim de produzir um efeito
desejado. Ele varia de acordo com os indivíduos, e os sons que se dão como sendo o
mantra-bijarn comunicam ao mantra a sua força peculiar, específica, de modo que um
mantra genérico se torna um mantra especializado ao se lhe transmitir um determinado
bijam ou semente. Nesse bijam está a própria essência de todo o mantra. O mantra-fruto
cresce, cada um de per si, destas sementes-sons, que precedem a repetição do mantra. As
palavras: "Tu te afliges por aqueles por quem não devias afligir-te", diz-se serem o bijam (a
semente) do mantra do Gítã. Eles constituem a essência desse mantra, revelam o seu
objetivo, comunicam-lhe o seu significado especial. Todo o Gítã está encerrado nelas como
a planta na semente. Elas também iniciam o ensinamento da Yoga do Discernimento. "Tu
falas palavras de sabedoria", disse o Instrutor, pois o argumento de Arjuna fora um
argumento eminentemente razoável, como vos frisei outro dia. Sua objeção quanto ao
extermínio dos parentes era perfeitamente natural; seu sentimento de que a realeza fora
comprada demasiado cara para estar sujeita a matança era um sentimento todo louvável;
o esquivar-se ele de derramar torrentes de sangue era uma coisa que devia encontrar
agasalho em qualquer homem pensador ou compassivo. Contudo o Instrutor disse: "Tu te
afliges por aqueles por quem não deves te afligir." Mas por quê? "0 sábio não se aflige nem
pelos vivos nem pelos mortos." Ora, por que é que o sábio não se aflige nem pelos vivos
nem pelos mortos? A resposta se encontra no ensino da sabedoria, o caminho do
verdadeiro Jñaní, ensinamento esse difundido em todo este discurso do Senhor da
Sabedoria. Ele começa, como estais lembrados, por aqueles maravilhosos slokas que
esboçam rapidamente a razão para não se afligir, que vai ser exposto no restante do
ensinamento da Sabedoria. Não se deve afligir pelos mortos, porque tal não existe no
extermínio. Tudo o que é real nunca pode deixar de ser, e aquilo que pode perder o ser é
porque nunca o possuiu realmente (II: 16). "Este Morador do Corpo de cada um é sempre
invulnerável." (II: 30.) "Nenhuma arma o pode ferir nenhuma injúria o pode atingir." (II: 23-
25.) Ele e nonato, perpétuo eterno, e não morre quando morre o corpo (II: 20) e,
conhecendo-o como tal, "não deves te afligir" (II: 30). Esta é a primeira sugestão do grande
ensinamento a seguir: que deve se tornar claro, definido, preciso, de modo que Arjuna
possa compreender a natureza do mundo e a natureza do homem dentro do mundo; pois,
conhecendo isso, compreendido isso, fundado, estabelecido na sabedoria, tornar-se-á
impossível para ele afligir-se, como se afligem o ignorante e o tolo. EIe estará estabelecido
no Eu e toda sua dúvida se desvanecerá.
Vejamos, pois, o que é essa Yoga do Discernimento, este profundo ensinamento da
Sabedoria, que é elevar o discípulo que se torna sábio acima de todas as tristezas do
mundo.
É antes de tudo o ensinamento da natureza do mundo, da natureza do Senhor do
Mundo, e das várias partes da Sua natureza, que distinguimos aqui como superior e
inferior, o Supremo Senhor e o Mundo. E destina-se especialmente àqueles que são
mencionados por Arjuna em sua pergunta quanto à melhor espécie de yoga: "Os devotos
que, sempre harmonizados, Te adoram, e também aqueles que adoram o Indestrutível, o
43
Imanifestado, qual destes é o mais instruído na yoga?" (XII: 1.) E o Senhor respondeu:
"Aqueles que, com a mente fixa em Mim, sempre harmonizados, Me adoram, dotados de
fé suprema, estes, em minha opinião, são os melhores na yoga. Os que adoram o
Indestrutível, o Inefável, o Imanifestado, o Onipresente, o Inimaginável, o Incambiante, o
Imutável, o Eterno, controlam e submetem os sentidos, olhando tudo com igualdade,
regozijando-se com a felicidade de todos: estes também vêm a Mim. A dificuldade
daqueles cujas mentes repousam no Imanifestado é maior, pois o caminho do
Imanifestado é difícil para os encarnados alcançar." (XII: 2-5.) E nós O vemos mencionando
em toda parte aqueles cujas naturezas os auxiliam a trilhar este caminho mais rude, mais
difícil, como uma das divisões dos "justos que Me adoram" (VII: 16). "Destes - diz o Senhor
da Sabedoria - o sábio que, constantemente harmonizado, adora o Uno, é o melhor; Eu sou
supremamente caro ao sábio e ele é caro a Mim. Nobres são todos estes, mas eu considero
o sábio como verdadeiramente Meu." (VII: 17, 18.) Agora podeis pensar em ligar estas duas
passagens. Numa delas se diz que os que adoram cheios de fé são os melhores na yoga, ao
passo que na outra se declara que o sábio é o melhor, porque "Eu reputo o sábio como a
Mim mesmo", o que representa uma pequena dificuldade para saber-se qual delas é
realmente a melhor. A resposta é simples: a de que um caminho é o melhor ou pior para
um homem segundo o seu temperamento; que para um homem semelhante a Arjuna,
cheio de emoção e de paixão, o melhor caminho era o da devoção; mas para quem, pelo
seu temperamento, se inclina à sabedoria, o caminho da sabedoria é o melhor. Assim como
o devoto alcança a união com o seu Senhor, também o sábio que é "verdadeiramente
Meu", virá a Ele pelo conhecimento; pois o Senhor é Sabedoria, Emoção e Ação; cada qual
é a melhor no seu lugar, e oferece um caminho para cada um dos três temperamentos
entre os homens. Cada qual é a melhor para aquele que naturalmente pertence a ela, "pois
o caminho que os homens tomam de qualquer parte é Meu" (lV: 11).
Ouçamos o ensinamento do Senhor sobre o caminho da sabedoria, e compreendamos
que o conhecimento é a base da conduta correta.
Antes de tudo, Ele explica a Sua própria constituição, e no-la apresenta como tríplice -
o Supremo Espírito revestido de Espírito e Matéria, o Eu envolto pela Natureza, que é dual.
O ensino desta tríplice constituição se difunde por muitas passagens, acrescentando a cada
uma alguma coisa ao nosso conhecimento, como verificamos logo que os reunimos todos.
Resumindo estas passagens, eu as extraio de partes amplamente diferentes do Gítã, a fim
de as unir num todo coerente e inteligível. Sua natureza inferior, o Aparãprakriti é: “A
terra, a água, o fogo, o ar, o éter, assim como a mente e também a razão e o egoísmo -
todos estes são a óctupla divisão da Minha natureza. Esta é a inferior" (VII: 4, 5), o
Aparãprakriti. Conservai por um momento essa ideia clara na mente, distinta de todas as
outras. A natureza inferior do Senhor, o Prakriti inferior inclui a totalidade da natureza
manifestada, visível fenomenal; toda ela é parte Dele; toda a manifestação do universo
físico, toda a manifestação do universo sutil, todos os fenômenos, as figuras que em cada
plano da natureza formam os seres e os objetos externos desse plano, todos se acham
Incluídos numa grande generalização: "Eles são a Sua natureza inferior." Lembrai-vos
sempre de que, embora sejam a natureza inferior, eles constituem ainda parte do Senhor.
Não estão separados d’Ele, como se fossem independentes; não estão separados d’Ele
44
como se fossem antagônicos. Fazem parte de Sua natureza; são a Sua natureza inferior, e o
"conhecimento da... minha natureza perecível" (VIII: 4) é o Adhibhuta, o conhecimento
concernente aos elementos, que são construídos em formas. Uma outra nota que surge
repetidamente do Gítã, com relação a essa natureza inferior, é a palavra "manifestado".
Em qualquer parte em que se fale do manifestado, temos de considerar a natureza inferior
do Senhor, a Aparãprakriti.
Antes de penetrarmos nisso, vejamos qual é a segunda divisão da Sua natureza, a
Parãprakriti, algumas vezes chamada Daiviprakriti, aquilo que Ele descreve, continuando o
Sloka que eu leio: "Conhecei a Minha outra natureza, a superior, o elemento vital, ó
onipotente! - no qual o Universo se sustém." (VII: 5.) Esta Parãprakriti, esta natureza
superior, este elemento-vida, o Jivabhuta, o Purusha da Sãnkhya, contrasta com os outros
elementos. Esta é a natureza superior do Senhor. Seu conhecimento, a ciência da energia
que proporciona vida, o lado-vida da natureza, é o Adhidaiva, o conhecimento dos Seres
Brilhantes, que são os canais da vida, os canais da Sua vida, chamados, na ciência moderna,
as energias da natureza.
Assim temos duas grandes ciências a estudar no caminho do conhecimento: uma
relacionada com a Sua "natureza perecível", e a outra, com a Sua "energia que proporciona
vida". A primeira é o manifestado, a segunda é o imanifestado; mas é o imanifestado
inferior (veja-se VIII: 20; XV: 17), ponto este de imensa importância, pois, se o perdermos
de vista, todo o ensinamento se torna confuso. Essa é verdadeiramente a vida que penetra
todas as coisas e sustém o universo. "Por mim todo este mundo está penetrado em meu
aspecto imanifestado" (lX: 4); é o imanifestado, atrás do véu da matéria; contudo, ele é
ainda o imanifestado inferior, e não a divisão mais suprema da Sua natureza.
De novo O vemos declarando que "existem duas energias neste mundo: as destrutíveis
e as indestrutíveis; as destrutíveis são todos os seres, a imutável é chamada de
indestrutível" (XV: 16). Mais uma vez se nos apresentam duas palavras significativas que
devemos conservar na mente: o inferior, o destrutível, o manifestado, é o que chamamos
de fenomenal; e o superior, o indestrutível, o imanifestado, é o que chamamos de vida que
permeia toda a natureza. Estas são também referidas por Ele como "matéria e Espírito"
(XIII: 19); a Matéria é o inferior, o Espírito, o superior; mas "sabe tu também que Matéria e
Espírito são ambos sem começo" (III: 20); pois, sendo ambos da natureza do Senhor,
formando as divisões inferior e superior da Sua natureza, participam do sem-fim e sem-
começo do Senhor; ambos são considerados como "sem-começo".
São estes que, em verdade, formam o que chamamos de "natureza". Os dois juntos, as
duas energias (XV: 16), juntas, são a Natureza. E elas provocam um giro constante na roda
da vida: o manifestado, o Inferior, passa para o imanifestado, o superior, e o imanifestado,
o superior, anuncia novamente o manifestado, o inferior, no começo de um novo Kalpa, de
um novo período de mundo; tendes de mover diante de vós essa grande roda da vida: do
manifestado para imanifestado, e de novo para o imanifestado. No início do período do
mundo aparece o manifestado. No fim do período do mundo o manifestado desaparece no
imanifestado.
"Todos os seres, ó Kaunteya, entram na minha natureza inferior no fim de um período
do mundo; no começo de um período Eu os emano de novo. No interior da natureza, que é
45
a Minha própria, Eu emano repetidamente toda essa multidão de desvalidos seres pela
força da Natureza." (IX: 7, 8.) Detenho-me nisto por um momento, porque os mundos - se
vos esqueceis de outros slokas do Gítã que os explicam - podem confundir-vos em vosso
estudo. Observai a frase "entram em minha natureza inferior", e logo dizeis que a
"natureza inferior" deve significar Aparãprakriti. Mas quando o Senhor Se contrasta com a
Natureza, então as duas divisões, até aqui referidas como inferiores e superiores
relativamente uma à outra, tornam-se ambas inferiores, relativamente a Ele.
Isto se acha exposto mais plenamente num outro sloka a que me referirei agora, a fim
de que se esclareça algum possível mal-entendido ali subjacente. Ele o havia já explicado,
antes de fazer a exposição que acabo de ler, pois já dissera no discurso precedente: "Do
imanifestado emana o manifestado ao chegar o dia; ao aproximar-se a noite se dissolve
tudo, embora Naquilo chamado o imanifestado. Essa multidão de seres que saem
repetidamente dissolve-se ao aproximar da noite; para manter a ordem, ó Pãrtha, emana
ela ao chegar o dia. Verdadeiramente existe, pois, superior a esse imanifestado, um outro
imanifestado, eterno, que não é destruído com a destruição de todos os seres. Esse
imanifestado se chama ‘o Indestrutível'. É denominado o mais elevado caminho. Os que o
atingem não voltam mais." (VIII: 18-21.) Assim, depois das palavras: "Existem duas energias
neste mundo, as destrutíveis são todos os seres, as imutáveis são chamadas as
indestrutíveis", lemos: “A Energia mais elevada é verdadeiramente Outra, declarada como
o Supremo Eu, Ele que, penetrando tudo, sustém os três mundos, o Indestrutível Senhor.
Desde que transcendo o destrutível e sou mesmo superior ao imperecível, no mundo e nos
Vedas, sou proclamado o Supremo Espírito." (XV: 16-18.) De novo diz Ele: "Abaixo de Mim,
como supervisor, a Natureza produz o movente e o não-movente: por causa disto, O
Kaunteya, o universo é produzido vez após vez." (IX: 10.)
E novamente: "Espectador, guia, sustentador, desfrutador, Soberano Senhor e
também o Eu Supremo: assim se intitula neste corpo o Supremo Espírito." (XIII: 23.)- Outra
explicação se encontra no décimo terceiro Adhyãya, que trata do Campo e do Conhecedor
do Campo. O Campo é a Natureza, e logo que se descreve o Campo vemos
interpenetrando-o tanto a Matéria como o Espírito, pois ambos constituem o Campo; o
Conhecedor do Campo é o Senhor. O campo está descrito: "Os grandes Elementos,
Individualidade, Razão e também o Imanifestado" - isto é, o imanifestado dentro do qual
todo o manifestado se recolhe no fim de um período do mundo e fora do qual sai no início
- "os dez sentidos e o uno, e os cinco domínios dos sentidos; desejo, aversão, prazer, dor,
combinação [o corpo] em inteligência, firmeza; estes, brevemente descritos, constituem o
Campo e suas modificações." (XIII: 6, 7.)"0 Campo é a natureza, e o superior e o inferior são
o corpo do Senhor. E Ele, o Grande Senhor, o Eu Supremo, neste corpo do Universo, é
denominado o Supremo Espírito." (XIII: 23.) Ele é Conhecedor, não o Conhecido, Ele, e só
Ele, é o Objeto da Sabedoria. Também está escrito acerca deste Supremo que Ele é sempre
imanifestado: "Os carentes de Discernimento espiritual pensam de Mim, o imanifestado,
como tendo manifestação, pois não conhecem a minha natureza suprema, imperecível,
excelentíssima." (VII: 24.) Quando, prosseguindo neste pensamento, nos detemos nele,
conservando todas estas passagens na mente, a ideia surge clara e definida e, então,
vemos a grande Triplicidade: Aquele que é chamado "o outro imanifestado",
46
"verdadeiramente outro"; Aquele que é chamado "supervisor"; Aquele que é chamado “o
Supremo Eu", “ o Supremo Espírito", o Purushottama, governa tudo, revestido de uma
dupla natureza composta de Matéria e Espírito, de Prakriti e Purusha; estes, considerados
juntos, constituem a Natureza; e o Senhor da Natureza é maior que a Natureza. Matéria e
Espírito formam a roda da vida, mas o Senhor está sentado sobre a roda, imutável; o
movimento da Matéria e do Espírito, do Apara e do Parãprakritis, continua; as mudanças se
alternam continuamente, ora surgindo uma da outra, ora desaparecendo nesse outro de
novo; atrás destes permanece o imutável Senhor, e estes dois reunidos são o Seu Mãyã,
que os iludidos são incapazes de penetrar, pelo qual os ignorantes são cegados, de modo
que não vejam através deles o Senhor que está além (VII: 25, 27). Considerai, pois, este
primeiro par de opostos, Matéria e Espírito, como sendo o véu do Próprio Senhor. Pensai
Nele, o Imutável, como estando sempre atrás dos dois, o Supervisor, o Senhor da Natureza,
o Senhor de Mãyã, sendo este universo apenas o véu da Sua inefável glória, e atrás deste
Ele, o Indestrutível, o Inefável, o Imutável, o Eterno, o Supremo. Isso é o que nos é
apresentado no ensino do Bhagavad-Gítã, com referência à relação do Senhor com o Seu
mundo. "Tendo estabelecido todo este universo com um fragmento de Mim mesmo, Eu
permaneço." (X: 42.)
Antes de darmos o próximo passo, detenhamo-nos por um momento para indagar
como deve ajudar-nos todo este ensinamento na realização da unidade. Pois nos
encontramos em face de uma triplicidade, não de uma unidade; vemos o Senhor Supremo
e Sua natureza imanifestada e manifestada. Como isto deve ensinar-nos a não nos afligir
pelos vivos nem pelos mortos? Como isto deve confortar-nos com referência à nossa
natureza, na qual vemos tanto a Matéria como o Espírito, dos quais se nos diz que ambos
aparecem e desaparecem. Porque Purushottama, o Supremo, é verdadeiramente Outro, o
mais elevado, o eterno, e Ele é o mais recôndito Eu do homem. Imagináveis serdes
somente partes da Natureza? Imagináveis que em vós havia somente este duplo. Prakriti, o
superior e o inferior? Imagináveis que em vós havia somente a manifestação da Natureza,
não a pura essência do Senhor? Pelo contrário, o Senhor habita dentro de vossos corpos
como no corpo do universo, o Indestrutível, o Supremo; o próprio Purushottama é que está
envolvido pelos corpos dos homens. Não sois simplesmente a Natureza de que Ele fala.
Não sois simplesmente os Para e Aparãprakritis. Estes são os vossos corpos, do mesmo
modo que são o Seu corpo, e partes são do Próprio Supremo, são verdadeiramente Ele,
"uma porção do Meu próprio Ser" (XV: 7), como Ele declara. Uma porção do Meu próprio
Ser se transforma, no mundo da Vida, em um Espírito imortal", que sois vós.
Ele não se acha, pois, afastado. Ele não se acha distante de qualquer um de nós. Ele
pode ser imanifestado com deferência aos Para e Aparãprakritis, mas Ele não pode ser
imanifestado a Si Mesmo. Ele não está realmente dentro de nós, porque Ele não pode se
esconder de Si Mesmo, e pensar que Ele possa estar dentro de nós, que somos Ele Mesmo,
é a mais sutil mãyã de todas as mãyãs; é ilusão. Ele é o nosso Eu mais recôndito e o
verdadeiro coração de nosso ser. Se algo existe que um homem possa conhecer, é
seguramente o seu Eu recôndito, aquele que permanece atrás do Espírito e da Matéria,
aquele que é ele mesmo - isto, seguramente, um homem pode conhecer.
É, portanto, sabedoria compreender que o Eu Supremo "reside igualmente em todos
47
os seres", e "quem assim vê, verdadeiramente vê" (XIII: 28); o Senhor está no coração de
cada homem e o Senhor é a natureza mais recôndita de cada um.
Subitamente, por uma grande iluminação, nos sentimos elevados acima da Natureza e
no Supremo, que é o Senhor da Natureza. Partilhamos da Sua mais recôndita natureza; Ele
é o nosso Eu recôndito. Que significam, pois, o temor, a tristeza, a ilusão para aqueles que
conheceram o Uno? Essa é a Sabedoria. Conhecer o Aquele-que-Conhece e saber que
Aquele-que-Conhece somos nós mesmos. Essa é a grande lição da Sabedoria do Gítã.
Muitas vezes Ele diz isso, para que não concebamos o Uno como afastado. Ele se chama a
Si "a eterna semente de todos os seres" (VII: 10); Ele se chama a Si “a vida em todos os
seres" (VII: 9). Não existe hesitação, dúvida, desvio, nenhuma escapatória nesta verdade
extrema. Ele, e somente Ele, é a vida que está dentro de todas as coisas; é graça a Ele que
tudo vive. Se os homens se odeiam uns aos outros, "odeiam-Me nos corpos dos outros e
nos seus próprios (XVI: 18); se os homens atormentam os corpos, eles atormentam
também a Mim, que me acho no interior dos corpos" (XVII: 6). Nada pode escapar da
plenitude desta gloriosa verdade.
Contudo ele se oculta de todos os olhos que não podem penetrar a Natureza. Ele
declara: "Nem por todos sou Eu descoberto, envolvido como estou em Minha ilusão
criadora" (VII: 25), em minha yoga mãyã. Como é que deve ser visto o Uno em todas as
variedades de formas? De onde procedem elas, essas infinitas combinações e permutações
que ocultam a unicidade do Eu? Todas elas são ilusões produzidas pela guna; consistem em
gunas, as três qualidades da matéria, da natureza inferior, que, combinando
continuamente em infinitas variedades, iludem a observação exterior, assim Ele declara
acerca destas: "Todo este mundo, iludido por essas naturezas feitas pelas três qualidades,
não Me conhece, acima delas, imperecível. Esta divina ilusão de Mim, causada pelas
qualidades, é difícil de se penetrar; os que Me veem sobrepõem-se a esta ilusão." (VII: 13,
14.) "Ninguém está isento do movimento das qualidades: Ninguém existe, na Terra ou
mesmo entre os seres Brilhantes do céu, que esteja liberto destas três. qualidades nascidas
da natureza." (XVIII: 40.) Não obstante, o sábio deve penetrá-las a fim de alcançar o
Senhor. E todas as naturezas são Dele: "As naturezas harmônicas, ativas, preguiçosas,
conhece-as como sendo Minhas." (VII: 12.) Como eu disse, todas elas são do corpo do
Senhor, são partes Dele. Penetrar o conhecido para conhecer o Aquele-que-Conhece
somente isso é Sabedoria.
Analisemos esta ilusão. Inicialmente existe o primeiro par de opostos, a atração e a
repulsão, a atração da natureza do Espírito e a repulsão da natureza da Matéria. A atração
é o efeito da vida, una, indivisível e imanifestada, que existe dentro de inumeráveis formas,
e que tende à unificação. A Matéria, cuja essência é a multiplicidade, está sempre se
esforçando por se dividir, por se multiplicar infinitamente, de um modo contínuo. E o
múltiplo está continuamente dividindo e subdividindo, e sempre subdividindo, de modo
que as subdivisões se tornam cada vez mais sutis, e assim se produz a infinita variedade de
um universo. Nessa infinita variedade espelha-se o indivisível Senhor. Por causa das
subdivisões e mútuas limitações das formas materiais, necessitais ter a infinita variedade.
Como, de outro modo, poderia o infinito refletir-se em tudo em qualquer sentido real?
Nenhum fragmento desta matéria em constante divisão pode refletir o todo completo. A
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Beleza infinita deve refletir-se numa infinidade de objetos belos. O mar, o céu, o campo, a
montanha, o deserto, a planície, a cidade atravancada, tudo isso, com todos os seus
variados elementos, reflete do único sol, a Beleza, e em sua multiplicidade, em sua
totalidade, jaz a sua perfeição, pois somente assim podem refletir o Uno de que procedem.
E a que ocorre tudo o mais no mundo; é na totalidade do subdividido que podeis ver
refletido o Indivisível Uno. Desde que a Matéria está sempre se dividindo assim, é fácil ver
porque ela veio a ser o tipo do que se opõe à libertação do Espírito, que é a unidade.
Compreendemos porque, no primeiro par de opostos, Matéria e Espírito, a Matéria se
torna aparentemente o Inimigo, o adversário, em certos estágios da evolução humana.
Enquanto o Espírito está se exteriorizando com a Matéria, e a Matéria está se dividindo
infinitamente, prestando-se assim para a força construtora do Espírito, então a Matéria é
muito boa, é uma amiga. O elemento de repulsão, que é da própria essência da Matéria e
que produz as necessárias subdivisões, é a igualdade requerida para o desenvolvimento do
Espírito e, por isso, ela é boa. Quando, porém, se visa e realiza a Unidade; quando o
universo fez a metade do seu curso, e a segunda metade tem de ser a reintegração na
Unidade, em vez da diferenciação na heterogeneidade, então o princípio da divisão é tido
como o inimigo e as forças repulsivas como adversárias; o que era bom se torna um mal.
Isto porque contém em si o princípio da separação, porque o tempo da separação está
consumado e é chegado o tempo de trabalhar pela Unidade. E, desse modo, no que diz
respeito a este par de opostos preliminar, a Matéria e o Espírito, a repulsão e a atração, os
quais, sendo ambos o Senhor, são infinitamente bons. No decurso da evolução surge uma
mudança, e a repulsão se torna um mal, uma fonte de perturbações, porque contraria a
alterada corrente da Vontade divina. Deste primeiro par de opostos se desprendem duas
linhas de emoção: uma de amor, tendente à unificação, e a outra de ódio, tendente à
separação; estes são “os pares de opostos originados da atração e da repulsão" (VII: 27), o
par radical de que brotam todos os outros pares. Isto nos dá uma ciência da ética e,
olhando assim o mundo, compreendemos o que é justo e o que é injusto, e quando e
porque o Justo é Justo e o Injusto é Injusto. Isso nos é proporcionado pelo Senhor da
Sabedoria no décimo sexto Adhyãyã do Gítã, no qual, além deste primário par de opostos
de que, como acabei de dizer, se desenvolvem todos os outros pares de opostos, vemos
que se ensinam duas espécies de qualidades morais: uma chamada divina, por pertencer
ao Daiviprakriti, e a outra chamada demoníaca, por pertencer ao lado da Matéria da
Natureza, o Bhüta ou os elementos. No decurso da evolução no mundo dos homens, estas
se tornam opostas como divinas e demoníacas, onde realmente não pode haver nenhum
conflito, desde que ambas façam parte do corpo do Uno; mas com o tempo, elas se opõem,
ao começar a humanidade e alçar-se para a unidade consciente. Tudo o que tenda à
divisão, tudo o que seja ódio, tudo o que seja separação, se reveste do aspecto do mal para
o homem em evolução. Ele deve suplantar isso, deve resistir a isso, pois tem de se elevar
acima disso e, portanto, deve Identificar-se com o divino e lutar contra o instinto
separatista, que é fruto do passado.
Essa é a grande Yoga da Sabedoria, que surge de uma real compreensão da natureza
do Campo, da natureza do d'Aquele-que-Conhece o Campo, e as relações de um com o
outro (XII: 2). E por isso se diz que os sábios adoram “o Uno e múltiplo presente em todas
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as partes" (IX: 15), pois eles sabem que o, múltiplo e Simplesmente o Uno disfarçado e que
o múltiplo e apenas o Uno em manifestação. Onde tenha sido conquistada essa sabedoria,
está perto a libertação: "Eu de novo proclamarei essa suprema Sabedoria, a melhor de
toda outra sabedoria: todos os Sábios que a conheceram, caminharam desde então para a
suprema perfeição" (XIV: 1); desta está escrito: “Melhor que todo o sacrifício de quaisquer
objetos é o sacrifício da sabedoria, ó Parantapa. Todas as ações em sua plenitude, ó Pãrtha,
culminam em sabedoria." (IV: 33.) Esta sabedoria queima todas as ações "como o ardente
fogo reduz a lenha a cinzas (IV: 37); ela é o supremo purificador: verdadeiramente não
existe no mundo purificador igual à sabedoria" (IV: 38).
Agora podeis ver porque o Jñaní não se aflige. Por que deve ele afligir-se neste drama
do mãyã? Em toda esta mutável natureza, por que deve afligir-se ele que conhece a sua
unicidade com o imutável Eu? Por isso está escrito, como a semente de toda a exposição:
"Os sábios não se afligem nem pelos vivos nem pelos mortos." É fácil ver também porque
está escrito que os sábios olham tudo igualmente, com uma visão igual: “ Os Sábios olham
igualmente um Brãhmana, douto e humilde, uma vaca, um elefante e, ainda, um cão e um
pária." (V: 18.) Os sábios olham tudo igualmente, não veem nenhuma diferença porque
veem o Eu habitado igualmente em tudo tanto no pária como no Brãhmana, tanto no cão
como na vaca; eles veem o Eu em tudo; os que assim veem e, somente, eles são sábios.
Todos os outros estão iludidos pelas aparências exteriores; estão sob o domínio de mãyã.
Aqueles que transcenderam mãyã não veem nenhuma diferença, pois todos são corpos do
Senhor. Esse homem atingiu "o mais elevado estado de sabedoria" (XVIII: 50) e, "tornando-
se Brãhman sereno no Eu, nem se aflige nem deseja, é o mesmo para todos os seres, ele
obtém a suprema devoção em Mim. Pela devoção ele me conhece em essência, quem e o
que sou; tendo assim me conhecido em essência, ele penetra imediatamente no Supremo"
(XVIII: 54, 55). "Neles a sabedoria, brilhando como o Sol, revela o Supremo... eles vão para
o além, de onde jamais se volta, os seus pecados são dissipados pela sabedoria." (V: 16,
17.)
Há uma terceira forma de yoga preliminar, em aditamento à da devoção e à do
discernimento. E o Karma Yoga, a Yoga da Ação. Mas que ação? A ação que é sacrifício e,
assim, ela pode apropriadamente chamar-se a Yoga do Sacrifício. Esta yoga preliminar da
ação ou do sacrifício é, porém, simplesmente chamada yoga, "yoga pela ação, dos yogues"
(III: 3), sem qualquer prefixo, isto pelas razões que vos apresentei na primeira conferência,
quando falei da atividade e do perfeito yogue; pois mostra ao mundo muitas das
características que pertencem à atividade final do perfeito yogue, daí dizer-se que a yoga
pelo conhecimento e a yoga pela ação formam o duplo caminho. Ora, neste caminho da
yoga pela ação existem muitas dificuldades, aliás muito sérias; e a principal delas é o
conhecimento da própria ação. "Que é ação, que é inação?" Até os sábios estão perplexos
neste ponto. Por isso te declararei a ação por cujo conhecimento te libertarás do mal. É
necessário discernir a ação, bem como a ação ilícita e a inação; misterioso é o caminho da
ação. Quem vê inação na ação e ação na inação é sábio entre os homens e em harmonia
permanece enquanto executa toda a ação (IV: 16-18). Existem as dificuldades iniciais que
circundam o Kartã; ele tem que descobrir o que deve ser feito e o que não deve ser feito,
discernir a ação reta da ação errônea, a atividade correta da atividade errônea e a primeira
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coisa de que ele se deve lembrar é "Tua preocupação é somente com a ação, nunca com os
seus frutos" (II: 47). Os frutos pertencem ao Senhor que guia; o resultado vai ter com o
Senhor, quando a ação é feita com sacrifício, pois os homens nada tem a fazer com um
sacrifício, a não ser a sua execução, e aquilo que é fruto do sacrifício é recolhido pelos
poderes superiores e aplicado aos fins necessários. E, assim, "tua preocupação é só com a
ação". Compreendendo isso um homem deve executar a ação reta" (III: 8); "constantemente
executar a ação que é dever" (111: 9).
Que é dever? Que é ação reta? Eis as perguntas que precisamos responder se
pretendermos trilhar incólumes o caminho da ação e não ser continuamente atados por
nossas atividades, andando inconscientemente atrás do fruto. O Senhor nos fala
claramente o que é ação correta. "É agir em harmonia Comigo. (III: 26.) Tendes de discernir
a Vontade divina em evolução antes de poderdes executar a ação reta; mas, enquanto
procurais obter para sempre uma visão mais clara, podeis seguir algumas regras
preliminares. Cumpri os deveres que encontrardes em vosso caminho, os que vos são
impostos pelo vosso karma individual, familiar, social, nacional, pois eles são ali colocados
para vós pelo Senhor. Um verdadeiro ator não anda tumultuosamente em busca de
atividade; ele desempenha a atividade que surge naturalmente em seu caminho, e esforça-
se por executá-la perfeitamente lembrando-se em cada função que desempenha que ele é
o próprio Senhor em ação, e não verdadeiramente o executor da ação (III: 27). Neste
esforço para compreender desenvolve-se a sabedoria, pois na tentativa de distinguir a ação
correta da ação errônea - que é, frequentemente, o dever, ou a ação de qualquer outro
indivíduo, e cuja execução por outrem é sempre perigosa - o esforço desenvolve
faculdades. O esforço por si só elevará o ator às regiões da visão mais clara, e lhe
fortalecerá a mente para guiá-lo à sabedoria.
Uma outra regra simples é a das atividades úteis que surgem em vosso caminho, que é
o do dever que esteja dentro da vossa capacidade. O verdadeiro ator mede sua própria
força e não faz nem o demasiado excessivo nem o demasiado pouco. Supondo, porém, que
apareçam no vosso caminho muitas coisas úteis que estejam dentro da vossa capacidade,
mas em quantidade maior do que a que podeis satisfazer. Elas podem parecer exigir algo
de vós, podem apresentar-se como deveres, mas não tendes força nem tempo para fazê-
las? Então o conhecimento de que estais limitados tanto pelo tempo como pela capacidade
vos demarca a esfera do vosso dever, que será fazerdes tantas dessas coisas quantas
puderdes segundo a vossa capacidade e o vosso tempo. Mas se, procurando fazer mais do
que podeis fazer perfeitamente, abarcais um número de coisas que não tendes tempo para
terminar, então estais exorbitando de reta ação: se achais que o vosso tempo é limitado e
que os "deveres" parecem ilimitados, tendes então de compreender que aquilo que não
tendes tempo para fazer não é vosso dever, mas o dever de outrem e, uma vez mais, que
"o dever de outrem está cheio de perigos". O ator resvala no perigo se ele procura fazer
mais do que lhe permite o tempo ou a sua capacidade. Podeis acaso dizer: "Há muito que
fazer, muitos encargos absorvem a mim e o meu tempo, muitas ações que necessitam ser
realizadas e muitas coisas a serem feitas." Está muito bem. Mas não sois a única pessoa
que pode fazer as coisas. Não sois o indivíduo solitário, revestido de todos os poderes, de
todas as capacidades, de todo o tempo, para que todo o mundo deva depender da vossa
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atividade e para que nada deva ser feito sem a interferência da vossa própria mãozinha.
Este é um erro em que incidem muitos de nós, e que tem de ser evitado por quem trilha o
caminho da ação. O que não temos tempo para fazer não é dever nosso, e se o fazemos,
estamos impedindo outrem de cumprir o seu dever e, portanto, forçando-o a conservar-se
indolente. Desta falta de compreensão do que é o dever resulta que um homem anda
sempre numa louca precipitação e deixa metade do seu trabalho por terminar, porque ele
não tem tempo para completá-lo, ao passo que outro homem permanece ocioso, de mãos
vazias, porque um outro açambarcou vorazmente tudo para si. Isso não é a "ação que é
dever", pois o Senhor é o tempo, como tudo o mais, e as limitações de tempo são as
limitações estabelecidas a nós pelo Senhor. Se não tendes tempo para fazer uma coisa que
precisa ser feita, estai certos de que o Senhor encontrará para si outros atores e outras
mãos, pois Ele tem mãos em toda parte (XIII: 14), e não só em conexão com um simples
corpo. Esta é a segunda lição para os ativos, porque os ativos são frequentemente os
causadores da inação nos outros, da indolência, da preguiça, e de todas as qualidades que
detêm o homem em seu progresso.
A superatividade não é o caminho da ação; é o caminho do mundo. Uma lição difícil,
eu sei, para um homem ativo, porque uma parte da sua atividade é um senso de
capacidade; ele é capaz de fazer as coisas e, contudo, se esquece frequentemente de medir
seu tempo e força. Ambos são, porém, o Senhor, e ambos têm de ser considerados. E isto
eu sei que é verdade por minha própria experiência, pois muitas coisas tumultuam ao meu
redor, gritando. "Fazei-me, atendei-me", mas existem muito mais do que posso fazer; eu
usava procurar fazê-las todas e fracassava e nunca sentia que tivesse feito perfeitamente
bem uma simples coisa. Então compreendi que o Senhor as podia fazer muito bem sem
mim; que Ele não dependia de meu corpo pessoal em que, depois de tudo, Ele era o Ator e
não eu, e que Ele tinha muitos corpos em que atuar. E então compreendi que fazer bem o
que eu pudesse e deixar o mais por fazer era o caminho da sabedoria na ação. E sempre
tenho verificado que aquilo que por falta de tempo não constitui dever de alguém, e é
deixado de lado por fazer, outros logo aparecem e o tomam a seu cargo, e assim todo o
trabalho é mais bem feito quando a pessoa que o faz não procura monopolizá-lo.
Como aprenderá esta lição um homem ativo? Ele a aprende por essa grande verdade:
"Eu não sou o autor. O Eu, iludido pelo egoísmo, pensa: 'eu sou o autor'." (III:27.) Isto não é
assim. O sábio diz: " 'Eu não faço nada', deve pensar o harmonizado ser que conhece a
essência das coisas; vendo, ouvindo, tateando, aspirando, comendo, movendo-se,
dormindo, respirando, falando, dando, tomando, abrindo e fechando os olhos, ele verifica
que: 'Os sentidos se movem entre os objetos das sensações'." (V: 8, 9.) "Eu não faço nada."
Isso é o que significa inação na ação (IV: 18). Semelhante ao seu Senhor, ele se subrepõe às
qualidades e as deixa trabalhar. Ele observa, e quando compreende: "Eu não estou fazendo
nada", então toda a atividade correta é feita através dele e todas as coisas se movem
facilmente nos seus cursos, respectivamente determinados. A grande lição para o executor
é: "Eu não sou o autor." E o homem deve repetir isto à medida que executa as ações. Existe
somente um Autor, o Senhor Supremo, e o executor humano é apenas uma de Suas mãos,
uma mão colocada no mundo dos homens para realizar certo trabalho separado. Não
compete à mão pensar quanto ao modo como há de ser feito todo o trabalho existente em
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toda parte, mas apenas quanto à melhor maneira de fazer a tarefa específica que precisa
ser feita. E se puderdes pensar de vós mesmos como sendo a mão - uma mão capaz de
pensar a fim de achar a melhor maneira -, então deixareis em cada caso de andar à procura
de uma multiplicidade impossível de trabalhos. Se um homem precisa pintar, nenhuma
necessidade tem ele de trazer de uma só vez em sua mão um pincel, uma pena, um lápis,
ou, talvez um arado, um martelo, um machado também; mas deve ter um pincel quando
tem de pintar, um arado quando tem de arar, uma pena quando tem de escrever, e um
lápis quando tem de desenhar. Cada ferramenta de cada vez é que é o método da
sabedoria na ação. Fazei perfeitamente qualquer coisa que façais, pois lembrai-vos de que
tendes de reproduzir em vosso trabalho a perfeição do vosso Senhor, e que é melhor fazer
uma coisa perfeitamente do que centenas de coisas de modo imperfeito. A fim de que
possa ser assim, deve um homem não só perder o apego ao fruto da ação (III: 19), mas fazer
toda a ação como sacrifício (III: 9). A grande Lei do Sacrifício que sustém o Universo deve ter
a sua incorporação no homem ativo. Toda a natureza é sustentada pelo sacrifício. No
quarto Adhyãyã o Senhor descreve as várias espécies de sacrifício que os homens efetuam.
Todos esses homens, diz Ele, são conhecedores do sacrifício (IV: 30), e toda a ação deve
ser feita por causa do sacrifício.
Qual é a Lei? É que todos os seres devem viver pelo sacrifício das vidas dos outros e,
portanto, que cada ser, segundo se torne um eu consciente, deve estar pronto para saldar
o seu débito pelo sacrifício de si. Não é apenas nos homens que se encontra a Lei.
Encontra-se também entre as pedras, os vegetais e os animais. A pedra desaparece para
servir de alimento ao vegetal, o vegetal desaparece para alimentar o animal, os animais
vivem da rapina de outros animais, e os fortes devoram os fracos; os homens saqueiam os
homens devorando-se uns aos outros, outrora, fisicamente como alimento e depois por
outras maneiras. A Lei do Sacrifício está em toda a parte presente na Natureza, porque o
Senhor é o Senhor do Sacrifício, e o primeiro é o sacrifício de Si Mesmo. Ele é o Purusha,
das partes de cujo corpo está constituído o Universo. A Lei do Sacrifício deve ser aprendida
gradualmente pelo eu consciente no homem. O homem, à medida que evolui, vê que ele
vive do sacrifício de outras vidas e diz para si: "As pedras morrem por mim para manter o
reino vegetal; os vegetais morrem por mim para que o meu corpo possa se manter; os
animais entregam suas vidas a mim, sempre jungidos ao meu serviço e treinados para o
meu trabalho; meu corpo é o resultado de incontáveis atos de sacrifício, e continua a viver
somente pelo contínuo sacrifício de outros; inumeráveis vidas formam o corpo que eu
sustento, de modo que o meu corpo é o altar em que se sacrificam miríades de vidas.
Assim, pois, para que haja justiça comum, devo reparar todos esses sacrifícios pelo
sacrifício de mim mesmo e, destarte mover a roda da vida. Devo entregar-me aos outros.
Devo viver para os outros homens. Devo viver para o reino animal, para o reino vegetal e
para o reino mineral; todos eles podem evoluir mais rapidamente com o meu auxílio,
porque eu sou o resultado do sacrifício, eu devo ser um sacrifício."
A seguir, o homem aprende a discernir quanto às vidas sacrificadas para si, e procura
manter sua própria vida com o menor sacrifício possível dos outros. E, assim, entre as
miríades de vidas que se lhe oferecem, ele escolhe as que estão menos evoluídas em
consciência para a construção de sua própria estrutura. As vidas mais conscientes ele
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procura treinar e disciplinar, tanto para o seu próprio auxílio como para o seu serviço; e
procura desenvolver a si e a elas, e assim a Lei do Sacrifício se torna a lei da sua vida. Ele se
associa a cada ação da sua vida. No caminho Nivritti, ele paga os débitos contraídos no
caminho Pravritti. Por isso o que é seu dever, o que é devido por ele, ele sempre se esforça
por fazer, saldando os seus débitos. Ele sacrifica assim o resultado de todas as suas ações,
que não são suas, mas do seu Senhor, e assim se torna perfeito na ação, pois somente o
homem que não cogita do fruto da ação é que é capaz de efetuar perfeitamente a ação.
Deve isto soar mal, uma vez que vemos que todos os homens são movidos à atividade pelo
desejo do fruto da ação? Uma vez que os homens que perdem o desejo pelos frutos da
ação se tornam negligentes, inativos, preguiçosos? Mas surgiu um novo motivo para a ação
no verdadeiro ator que, pensando somente no seu Senhor e em si como o canal do Senhor,
não cogita do que se chama triunfo ou fracasso, uma vez que o único triunfo que ele
conhece e o de cumprir a Sua vontade e o único fracasso que ele pode Imaginar e o de ir de
encontro a essa vontade que é a lei da sua vida. Que importa para ele aquilo que o mundo
chama triunfo ou fracasso? Ambos estão no caminho do dever. Por que deve ele perturbar-
se se o edifício que ergue é um edifício que vai abrigar imediatamente o homem da
tempestade, ou e apenas o estabelecimento de um forte alicerce em que se levantará um
edifício maior no futuro? Os fundamentos das edificações são feitos dos materiais de
outros edifícios demolidos.
Mesmo quando precisais construir fisicamente uma coisa nova deveis obter certa
quantidade de tijolos e de pedras quebrados, e colocá-los para o início do alicerce. E muitas
coisas que serão os tempos do futuro estão tendo seus alicerces lançados agora, à custa
dos aparentes fracassos dos que estão trabalhando pelo Senhor. Por que, pois, devem eles,
se apoquentar? Onde está o fracasso, se eles O estão provendo do que Ele precisa para o
Seu edifício no futuro? E, embora o verdadeiro ator saiba que ele mesmo, envolvido por
mãyã, está frequentemente confuso e cego, que aquilo que ele pensa ser bom e parte do
plano pode não estar absolutamente no plano, e que muitas vezes ele pode estar errado
no caminho que ele mesmo planeja e no modo do seu trabalho, ele trabalha de boa-
vontade e sem apego. E logo que ele edifique algo que lhe pareça muito belo e útil, e tudo
caia desfeito em pedaços ao seu redor, ele não se comove, não se perturba, não se
apoquenta; ele quer que isso se desfaça desde que não seja o que o Senhor requer para o
seu edifício. Que importa isso para ele, que é a mão do Senhor, se as ruínas do seu belo
edifício constituem os alicerces do verdadeiro Templo? Se o metal que ele prepara é
desnecessário, ele o lança mui satisfeito no cadinho, certo de que se queimará somente a
escória e que o ouro permanecerá. A escória tem o seu próprio lugar e será incluída entre
as pedras e os tijolos quebrados dos alicerces, embora não faça parte da estrutura final. E
assim ele vive e trabalha, e assim trabalhando, sem nenhum desejo, trabalha
perfeitamente. Ele vislumbra cada aceno do seu Senhor, desde que não o cegue o desejo.
Ele pode ouvir o mais leve sussurro desde que esteja surdo ao clamor do mundo.
Seguindo este caminho da ação, pela Yoga do Sacrifício, ele também se torna livre. "O
que quer que façais, o que quer que comais, o que quer que oferteis, o que quer que deis;
o que quer que pratiqueis de austeridade, ó Kaunteya, faze-o como uma oferenda a Mim.
Assim te libertarás dos liames da ação, com seus frutos bons e maus." (IX: 27, 28.) Pois a
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ação também conduz à libertação e à perfeita yoga, Que é a união com o Supremo.
Mas o Senhor uno é o Objeto de toda a devoção; mas o Senhor uno é o Agente de toda
a sabedoria; mas o Senhor uno é a Fonte de toda a atividade. O Senhor uno e, portanto, a
humanidade una; o Senhor uno e, portanto, a Unicidade através da totalidade do corpo do
Senhor; o Senhor uno, a Vida una, a Fraternidade una, esse é o resultado do nosso estudo.
Os sábios ajudarão com a sua sabedoria, os ocupados com a sua atividade, os devotos com
o seu amor, e todos eles se fundirão tornando-se um único e perfeito corpo. Quando o
Universo tiver concluído seu trabalho e alvorecer o dia do repouso, então a glória do corpo
do Senhor brilhará em todos os temperamentos, em todas as atividades, em todos os
pensamentos, em todos os desejos. Esses serão as células e os tecidos que edificarão o
Corpo glorioso. Então veremos que do Universo uno surge, neste Corpo de Luz, o Senhor
de um outro universo, e nós, partículas de Seu Corpo, cooperaremos com Ele nesse novo
universo, e de maneira mais perfeita do que temos trabalhado aqui. E assim por diante, de
idade em idade, de universo em universo. E indago agora, onde está a aflição, onde está a
ilusão, quando houvermos deste modo contemplado a Unidade?
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TÊRMOS SÂNSCRITOS, E OUTROS, USADOS NO TEXTO
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