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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador e Prof. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior, pelo apoio e incentivo
e por haver me auxiliado na escolha do presente tema.
Aos meus amigos e colegas de trabalho, em especial a minha amiga e
companheira Carolina Ayres da Silva, pelo apoio em todos os momentos difíceis no decorrer
da elaboração desta monografia.
Ao meu namorado Thiago pela constante compreensão, paciência e apoio,
principalmente nos momentos de cansaço e fraqueza.
À minha irmã Manuela e ao meu pai, que mesmo não convivendo diariamente, se
fizeram presentes neste momento.
À minha irmã Danielle por estar sempre presente e por ter me auxiliado nesta
pesquisa de forma significativa.
Em especial, à minha amada mãe, pela paciência, apoio, dedicação, incentivo e
pela constante presença, não só neste, mas em todos os momentos de minha vida.
Por fim, à toda minha família por terem confiado e acreditado em mim.
A vocês, família, pela força e incentivo diários, o meu profundo e carinhoso muito
obrigada.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................7
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................70
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Este é o caso, por exemplo, das Constituições Espanholas (art. 10.2. As normas relativas aos direitos
fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece serão interpretadas em conformidade com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e com os tratados e acordos internacionais sobre estas matérias que
tenham sido ratificados pela Espanha), Sul-Africana (39.1 Quanto à interpretação da carta dos direitos, a Corte,
tribunal ou fórum: (a) devem promover os valores que baseiam uma sociedade democrática e aberta como o
princípio da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade; (b) deve-se considerar a lei internacional e (c)
pode-se considerar lei estrangeira) e Chilena (art. 5.2 O exercício da soberania reconhece como limitação o
respeito aos direitos essenciais que emanam da natureza humana. É dever dos órgãos do Estado respeitar e
promover tais direitos, garantidos por esta Constituição, assim como pelos tratados internacionais ratificados pelo
Chile que se encontrem vigentes).
2
Esta é a prática reconhecida, p. ex., pelas Cortes Constitucionais Canadense, Israelense e Australiana (cf.
SAUNDERS, Cheryl. The use and misuse of comparative constitucional law. Indiana Journal of Global Legal
Studies v. 13, n. 1, p. 37-76, winter 2006).
8
Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado que pode ser descrita como o
conjunto de normas jurídicas que regem a organização política, econômica e social deste,
estabelecendo as garantias e deveres básicos e fundamentais de todo o seu povo, bem como
delimitando e estabelecendo as diretrizes de atuação de seus governantes.
A doutrina apresenta vários modos de classificar as constituições, não havendo um
consenso entre os autores3. José Afonso da Silva4 classifica as constituições quanto à forma,
em escritas ou não escritas; quanto ao modo de elaboração, em dogmáticas ou históricas5;
quanto à origem, em populares ou outorgadas6; quanto à estabilidade, em rígidas, flexíveis ou
semi-rígidas; e quanto ao conteúdo, em materiais ou formais.
Para os fins desta pesquisa, é útil reportar-se às classificações das constituições quanto
à forma, quanto à estabilidade e quanto ao conteúdo.
Para José Afonso da Silva,
(...) considera-se escrita a constituição, quando codificada e sistematizada num texto
único, elaborado reflexivamente e de um jato por um órgão constituinte, encerrando
todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a organização
dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de atuação, os direitos
3
Silva classifica as Constituições quanto ao conteúdo (materiais ou formais), quanto à forma (escritas ou não
escritas), quanto ao modo de elaboração (dogmáticas ou históricas), quanto à origem (populares ou outorgadas) e
quanto à estabilidade (rígidas, flexíveis ou semi-rígidas). (SILVA, José Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 40). Estas classificações costumam ser
reproduzidas pelos principais manuais de direito constitucional: Bonavides classifica as Constituições quanto ao
conteúdo (materiais ou formais), quanto à estabilidade (rígidas ou flexíveis), quanto à forma (costumeiras ou
escritas), quanto à apresentação (codificadas ou legais), quanto à origem (populares, outorgadas ou pactuadas) e
quanto à extensão (concisas ou prolixas). (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 81-92) Alexandre Moraes, por sua vez, classifica as Constituições quanto ao conteúdo
(materiais ou formais), quanto à forma (escritas ou não escritas), quanto ao modo de elaboração (dogmáticas ou
históricas), quanto à origem (promulgadas ou outorgadas), quanto à estabilidade (imutáveis, rígidas, flexíveis ou
semi-rígidas) e quanto à extensão e finalidade (analíticas ou sintéticas). (MORAES, Alexandre. Direito
Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 39).
4
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.40.
5
Constituições dogmáticas são aquelas escritas e que foram elaboradas “por um órgão constituinte, e que
sistematizam os dogmas ou idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante no momento.”
Constituições históricas ou costumeiras são aquelas não-escritas, “res ultantes de lenta formação histórica, do
lento evoluir das tradições, dos fatos sóciopolíticos, que refletem como normas fundamentais da organização de
determinado Estado, como exemplo podemos citar a Constituição inglesa”. (SILVA, José Afonso. Curso de
Direito Constitucional Positivo, p. 41).
6
Populares ou democráticas são aquelas que se originam de um órgão constituinte composto de representantes do
povo, eleitos para este fim. Enquanto que as constituições outorgadas são aquelas elaboradas e estabelecidas sem
a participação do povo, aquela que o governante impõe ao povo. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo, p. 41).
11
7
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.41.
8
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.83.
9
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.82.
10
Em países de constituição escrita, a constituição formal é o texto constitucional promulgado, e se neste mesmo
país, as constituições forem dotadas de rigidez, ela (em sentido formal) gozará de primazia frente aos demais atos
do estado.
12
11
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.40.
12
A noção de bloco de constitucionalidade será melhor desenvolvida no item 2.3.
13
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.41.
14
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
15
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
16
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
17
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172-173.
13
emprego como lei técnica de organização do poder e exteriorização formal de direitos. Esse
positivismo confere um poder ilimitado ao legislador para dispor sobre o Direito e somente,
admite a mudança constitucional do texto da Constituição.18
Desse modo, conforme assinala Bonavides:
A Constituição do positivismo jurídico-estatal é nomeadamente formalista e fechada,
composta de preceitos normativos que fazem coincidir por inteiro o sentido formal
com o sentido material da Constituição, fruto da confiança otimista dos
positivistas.19
18
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
19
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
20
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.172.
21
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 46.
14
Deste modo, surge o controle de constitucionalidade22 que tem por objetivo aferir a
compatibilidade vertical das normas com a Constituição, verificando a regularidade tanto do
processo legislativo (aspecto formal), quanto do conteúdo propriamente dito (aspecto
material). Portanto, os limites passíveis de aferição são tanto formais como materiais. O
controle de constitucionalidade visa a fazer prevalecer a supremacia da Constituição,
assegurando a observância da compatibilidade vertical.
A classificação trazida pela doutrina distingue o controle formal do controle material
de constitucionalidade das leis.
Nesse sentido, Paulo Bonavides23 sustenta que o controle formal é um controle
exclusivamente jurídico:
Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram
elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das
formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida
constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não
contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes,
ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos
estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do
Estado.
Deste modo, o controle formal está focado tão somente nos aspectos formais. Por outro
lado, o controle material da norma diz respeito ao seu conteúdo ou substância, contendo
inclusive um grau de politicidade e de subjetividade, conforme será visto a seguir.
22
A decisão da Suprema Corte Norte-Americana (EUA), de 1.803, proferida pelo Chief Justice John Marshall,
no famoso caso William Marbury v. James Madison, é tida como o marco histórico inicial do controle da
constitucionalidade das leis, bem como da exaltação da supremacia da Constituição ante as demais leis e atos
normativos. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 64).
23
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.297.
24
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 37.
25
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 39.
15
26
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 40.
27
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 919.
28
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 920.
16
Assim, a ordem constitucional global iria além da Constituição escrita e dos princípios
jurídicos fundamentais informadores de um Estado de direito, compreenderia também os
princípios implícitos nas leis constitucionais escritas.
Nas palavras de Clève29:
A fiscalização da constitucionalidade pode ser definida pelo parâmetro utilizado.
Neste caso, o controle levará em conta, para a verificação da compatibilidade do
direito infraconstitucional: (i) toda a Constituição formal, incluindo aí os princípios e
normas implícitos; (ii) apenas alguns dispositivos da Constituição formal; ou (iii) o
bloco formado pela Constituição formal mais os princípios superiores definidos
como direito supralegal (positivados ou não na Constituição). Em geral, os vários
sistemas de fiscalização vinculam-se apenas à Constituição formal (normas
expressas e implícitas das primeiras derivadas). É o caso do Brasil e dos Estados
Unidos, por exemplo. 30
Nesse sentido, percebe-se que há um certo consenso, entre os autores nacionais, de que
o parâmetro de constitucionalidade brasileiro corresponde ao controle da constituição em
sentido formal. Contudo, isto não exclui os chamados preceitos e princípios, inclusive
implícitos, conforme a noção de bloco de Constitucionalidade trazida por Canotilho.
31
Desse modo, expõe-se que nos termos do art. 102, I, “a” da CRFB/88 o parâmetro
adotado pelo Brasil é exclusivamente a Constituição. Tendo-se como conceito de Constituição
todas as normas contidas no texto constitucional, bem como os princípios materiais que não
estão expressamente escritos nela.
Em conformidade com este entendimento, Gilmar Ferreira Mendes32 leciona:
O conceito de Constituição abrange todas as normas contidas no texto constitucional,
independentemente de seu caráter material ou formal. Tal conceito abrange,
igualmente, os chamados princípios constitucionais materiais, que não estão
mencionados expressamente na Constituição.
29
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 40.
30
Por outro lado há países em que o parâmetro desta fiscalização é ainda mais limitado, admitindo apenas a
fiscalização do direito infraconstitucional colidente com algumas normas constitucionais expressamente
definidas, como exemplo podemos citar a Bélgica. E existe ainda países que utilizam como parâmetro para o
controle de constitucionalidade das leis além das normas inscritas em sua Lei Fundamental outras derivadas de
um “direito supralegal” reconhecido pela Corte Constitucional, como é o caso da Alemanha.
31
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação
direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (...)”.
32
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: O controle abstrato de normas no Brasil e
Alemanha. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 187.
33
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: O controle abstrato de normas no Brasil e
Alemanha, p. 187.
17
34
Por exemplo, podem ser citados o princípio da proporcionalidade e do sigilo bancário, sistematicamente
invocados em decisões proferidas pelo STF. Neste sentido, cf: ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º
976 - DF, j. 28/03/2007, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa; AI-AGR – Agravo Regimental no Agravo
de Instrumento n.º 598635 – SP, j. 18/12/2006, Primeira Turma, rel. Min. Cármen Lúcia; HC – Habeas Corpus
n.º 86424 – SP, j. 11/10/2005, Segunda Turma, rel. Min. Ellen Grace; AI-AGR – Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento n.º 629720 – DF, j. 17/04/2007, Segunda Turma, rel. Min. Eros Grau; AI-AGR –
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 477815 – RS, j. 21/03/2006, Segunda Turma, rel. Min.
Joaquim Barbosa; RE – Recurso Extraordinário n.º 464963 – GO, Segunda Turma, j. 14/02/2006, rel. Min.
Gilmar Mendes.
35
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil/88. “Art. 5º. § 2º - Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
36
São inalienáveis por se tratarem de direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo
econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer por serem
indisponíveis. Imprescritíveis, pelo fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se
verificam requisitos que importem sua prescrição. Vale dizer: nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é
instituto jurídico que somente atinge a exigibilidade de direitos de caráter patrimonial e não a exigibilidade dos
direitos personalíssimos, ainda que, não individualistas, como é o caso. Se forem sempre exercíveis e exercidos,
não há intercorrência temporal de não-exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição. São
também, irrenunciáveis, alguns destes direitos podem não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas
não se admite que sejam renunciados. Possuem caráter absoluto, no sentido de imutabilidade, não pode
mais ser aceito desde que se entenda que possuam caráter histórico. (SILVA, José Afonso da. Comentário
Contextual à Constituição. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 58).
37
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 516.
18
evolução e, como se observa na maior parte da doutrina contemporânea, esta evolução fora
dividida em dimensões38 ou gerações.
Para Alexandre de Moraes, os direitos fundamentais de primeira dimensão são os
direitos e garantias individuais e políticas clássicas (liberdades públicas), surgidos
institucionalmente a partir da Constituição.39 Correspondem, portanto, àquela fase inaugural
do constitucionalismo do Ocidente e, segundo Bonavides
(...) têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.40
38
Será adota para a presente pesquisa a expressão ‘dimensões’, seguindo a nomenclatura utilizada pela doutrina
contemporânea. (Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 54).
39
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 61.
40
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 563-564.
41
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p. 61.
42
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 564.
43
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 467.
44
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 467.
19
Para Ingo Sarlet, todo e qualquer preceito da Constituição (mesmo sendo de cunho
programático) é dotado de certo grau de eficácia jurídica e aplicabilidade, consoante a
normatividade que lhe tenha sido outorgada pelo Constituinte.48
Segundo o art. 5º, § 1º da Constituição da República Federativa do Brasil/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
45
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p 61-62.
46
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 569.
47
Apesar de grande parte da doutrina considerar somente a existência de três dimensões de direitos
fundamentais, há inúmeros autores que aduzem haver a quarta dimensão, que possui o escopo de inserir no rol
dos direitos do homem, as atuais pretensões e anseios advindos da evolução tecnológica. Para Bonavides, os
direitos da quarta dimensão não somente culminam a objetividade dos direitos das duas dimensões antecedentes
como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos a
primeira dimensão. Enfim, os direitos de quarta dimensão compendiam o futuro da cidadania e o porvir da
liberdade de todos os povos. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 26)
48
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 243.
20
49
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 244.
50
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 273-274.
51
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 274.
52
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 282.
53
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 467.
54
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988. Revista
Amicus Curie, Criciúma, n. 2, p.11-39, 2005.
21
55
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 24.
56
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 20.
57
DOBROWOSLKI, Silvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 20.
58
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p. 22.
22
Ainda no que tange à classificação do art. 5º, § 2º de nossa Lei Fundamental, cumpre
aludir a problemática relativa à existência de direitos fundamentais com assento na legislação
infraconstitucional.
Para Sarlet, seria possível
59
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 91.
60
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 91.
61
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 94.
23
uma interpretação de cunho extensivo que venha a admitir uma abertura do catálogo
dos direitos fundamentais também para posições jurídicas reveladas, expressamente,
antes pela legislação infraconstitucional, já que, por vezes é ao legislador ordinário
que se pode atribuir o pioneirismo de recolher valores fundamentais para
determinada sociedade e assegurá-los juridicamente, antes mesmo de uma
constitucionalização.62
Embora haja uma escassez de doutrina pátria que aprofunde este assunto, Sílvio
Dobrowolski63 apresenta a seguinte classificação dos direitos fundamentais:
Direitos enumerados (ou expressos) diretamente;
Direitos implícitos ou enumerados indiretamente (ou implicitamente expressos) nas
formulações de garantias.
Cada uma dessas espécies se subdivide, conforme a localização, em [a] constantes do
catálogo, por figurarem no rol do título II (catálogo de direitos) e, [b] de fora do
catálogo, por estarem esparsos pelo restante do texto constitucional.
A terceira categoria, dos direitos não enumerados, permitidos pela cláusula de
abertura do parágrafo 2º, compõe-se dos grupos seguintes:
3.1 Direitos não enumerados decorrentes do regime e dos princípios adotados na
Constituição, considerados aí também incluídos, na categoria de princípios, os
direitos expressos, pois positivados em normas de princípios, consoante antes
explicitado.
3.2 Direitos não enumerados decorrentes dos tratados e convenções internacionais,
subdivididos em:
3.2.1 Direitos decorrentes de tratados e convenções internacionais aprovados como
emendas constitucionais;
3.2.2 Direitos decorrentes de tratados e convenções internacionais não aprovados
como emendas constitucionais.
62
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 103.
63
DOBROWOLSKI, Sílvio. Direitos decorrentes – art. 5º, parágrafo 2º da Constituição de 1988, p.18.
64
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 94.
65
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre.Unveraenderter Neudruck, 1954, Berlim, pp. 163-173. Apud.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros editores, 2003. p. 561.
24
66
Foi em 12 de junho de 1.776, que teve início a positivação dos Direitos do Homem com a Declaração de
Direitos do Bom Povo da Virgínia, nos Estados Unidos da América. Entretanto o primeiro documento normativo
de caráter internacional foi a Convenção de Genebra de 1.864, a partir da qual foi fundada a Comissão
Internacional da Cruz Vermelha, em 1.880.
67
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 461.
68
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 463.
69
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 463.
25
Em face do que foi exposto, denota-se, que é cada vez mais freqüente e comum os
Estados interpretarem seus direitos à luz das declarações universais. Três são as possíveis
decorrências da internacionalização dos tratados de direitos humanos:
Em primeiro, pode haver coincidência entre as normas internacionais e as nacionais,
asseguradas constitucionalmente. É o que ocorre com normas constitucionais que
reproduziram o conteúdo de normas internacionais, como o art. 5º, III, relativamente
ao art. V da Declaração Universal de 1.948.
O critério de solução diferenciado para os direitos humanos que vem sendo adotado
pelos tratados internacionais, pela jurisprudência dos órgãos internacionais, bem como pela
doutrina, é o da regra mais favorável à vítima, exigência que decorre de sua própria natureza e
que encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana71. Tavares corrobora o
entendimento de Sarlet ao concordar que o princípio da dignidade humana norteia a
compreensão dos direitos fundamentais72.
Conforme assinalado alhures73, Canotilho visa alargar o conceito de bloco de
constitucionalidade, sustentando, para tanto, que este deve englobar além das normas e
princípios constantes das leis constitucionais escritas, os “princípios reclamados pelo
«espírito» ou pelos «valores» que informam a ordem constitucional global.” Em
conseqüência, a ordem constitucional global iria além da Constituição escrita e dos princípios
jurídicos fundamentais informadores de um Estado de direito, compreenderia também os
princípios implícitos nas leis constitucionais escritas e teria-se a possibilidade de ampliação do
âmbito material do controle de constitucionalidade.
70
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 464.
71
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 465.
72
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 466.
73
Cf. item 2.2.2.
26
74
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation. In: VIIth
World Congress of the International Association of Constitutional Law, 2007, Atenas. VIIth World Congress of
the International Association of Constitutional Law, 2007. CD-ROM. p.1.
75
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado. Tradução de Sérgio José Porto. Porto Alegre,
Fabris, 1980. p. 29.
76
Nesta decisão, a Suprema Corte norte-americana declarou inconstitucional lei do Estado do Texas que
criminalizava como sodomia a relação sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo. Nesta decisão, o
precedente Bowers v. Hardwick da corte foi revisado e, como reforço na argumentação, foram citadas inúmeras
decisões da Corte Européia de Direitos Humanos.
77
VERGANI, Andrea; BASTOS JR, Luiz. Utilização de elementos do direito comparado pela jurisdição
constitucional: o caso Ellwanger. In: SILVA, Everton (Org). Produção científica do CEJURPS. Itajaí: Univali,
2007. no prelo. p. 02.
28
78
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 10.
79
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 43.
80
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 52-53.
81
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 123.
82
BASTOS JR, L. M. P. Redimensionamento da utilização do direito constitucional comparado pela
interpretação constitucional. In: LOIS, C; BASTOS JR, L.M.; BASILONE, R. (Orgs.). A constituição como
espelho da Realidade. São Paulo: LTr, 2006. p. 11.
29
Para José Afonso da Silva, uma das funções primordiais do Direito Constitucional
Comparado consiste em oferecer conclusões que concorram para o aprimoramento das
instituições estatais particulares.85
Neste diapasão, as cortes de justiça têm se valido de elementos do direito comparado
através do “diálogo” com outras Cortes para melhor compreender a realidade nacional, essa
função ganha mais força, em se tratando de cortes internacionais e de direitos humanos, a fim
de dispor de subsídios e critérios para o controle das decisões. Para isto, o intérprete vale-se,
essencialmente, das cláusulas de abertura material da Constituição (e.g. art. 5º, § 2º da
Constituição da República Federativa do Brasil/88).
83
DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Introdución al derecho constitucional comparado: las “formas de Estado” y
las “formas de gobierno”, las constituciones modernas. México: Fondo de Cultura Económica, 2000. p.80-81;
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p.115.
84
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 17-18.
85
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado. Congreso Internacional
de Culturas y Sistemas Jurídicos Comparados. UNAM, Ciudad del México, 30 ene. 2004. Disponível em:
<http://www.iij.derecho.ucr.ac.cr/docs_bd/pub%20otras%20entidades/iij%20unam/ mesa10/262s.pdf>. Acesso
em: 13 mar. 2005. p.01.
30
Com efeito, José Afonso da Silva ressalta que há uma larga controvérsia sobre a
natureza da comparação jurídica. A discussão gira em torno da questão de o Direito
Constitucional Comparado ser considerado uma disciplina científica autônoma ou ser somente
um método.
Para alguns, a comparação jurídica é um simples método que representa uma técnica
especial de estudo dos diversos ordenamentos constitucionais, e não caracteriza uma ciência
porque não preenche nenhuma das condições que esta deve preencher; assim a expressão
Direito Constitucional Comparado seria inadequada porque sugere o entendimento de
designar um corpo de normas jurídicas, como se fosse um ramo da ciência jurídica.86
J. A. da Silva traz a baila o entendimento de De Vergottini que defende ser o Direito
Constitucional Comparado uma ciência jurídica autônoma; este observa que embora o Direito
Constitucional Comparado não seja direito positivo ele vem a interessar precisos campos de
pesquisa e responde a específicas finalidades e, pois, responde a regras que são próprias
somente dele e não de outras disciplinas científicas.87
Por outro lado, José Afonso da Silva defende o posicionamento de que o Direito
Comparado é um método de estudos jurídicos de vários ordenamentos constitucionais
estrangeiros em confronto metódico. Não é uma ciência jurídica em sentido técnico, porque
não é um ramo da ciência jurídica, como Direito Constitucional, o Direito Administrativo etc.
O Direito Constitucional Comparado não é, para Silva, parte do direito positivo, pois não
elabora regras de conduta humana, e, se há alguma regra, ela tem apenas a natureza de modo
de conduzir-se no método comparativo.88
Infere-se, portanto, do acima exposto, que a doutrina está longe de chegar a um
posicionamento pacífico sobre o assunto, subsistem outras posições comparativistas que
concebem a comparação jurídica como uma disciplina autônoma, porém com diferentes
enfoques.
Ivo Dantas89, por sua vez, entende o Direito Comparado como estudo científico. Para
ele:
Mesmo que um grande número de estudiosos entenda que o Direito comparado é,
simplesmente, método – o método comparativo aplicado às ciências jurídicas –
86
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.02-03.
87
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.03.
88
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.30.
89
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 56.
31
Deste modo, segundo Dantas, não se pode reduzir o Direito Comparado a simples
método, que ficaria restrito a indicar características dos sistemas jurídicos pesquisados. O
método é apenas o caminho a ser seguido.90
Marc Ancel91 também critica a doutrina recente que considerara a comparação jurídica
apenas como um método e a rebate:
Os defensores do novo estilo propõem exigências prévias à utilização do método
comparativo, sem dúvida necessárias, mas exigências que reclamam uma
especialização do pesquisador e uma especificidade da pesquisa, de início dirigida ao
conhecimento exato dos sistemas estrangeiros. Não se trata, por acaso, de fazer
reaparecer esse direito comparado e esse comparativista que se pretendia banir?
Do mesmo modo, Ivo Dantas93 cita o argumento de Carlos Ferreira de Almeida para
quem o direito comparado dispõe de um objeto diferente do objeto das demais disciplinas
jurídicas, qual seja a pluralidade de ordens jurídicas e que possui um método específico que é
o método comparativo. Ivo Dantas traça um terceiro elemento caracterizador do Direito
Comparado como Ciência: a sua autonomia doutrinária e didática.94
Diferente não é o posicionamento de Biscaretti Di Ruffia95 quanto à natureza da
comparação jurídica, vez que a compreende como:
Es uma de las ciencias jurídicas cuyo objeto es el estudio profundo de los
ordenamientos constitucionales de los estados (...) que se dirige a través del llamado
método comparativo, a cotejar entre sí las normas e instituciones consagradas en los
diversos ordenamientos estatales, tanto del presente como del pasado, com el
90
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 57.
91
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 49.
92
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 49-50.
93
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 58.
94
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 59.
95
DI RUFFIA, P.B. Introdución al derecho constitucional comparado: las “formas de Estado” y las
“formas de gobierno”, las cons tituciones modernas, p.79.
32
Vale ressaltar, entretanto, o entendimento de José Afonso da Silva, no que diz respeito
a esta discussão, quando este aduz que “esta controvérsia, não tem senão in teresse acadêmico,
e é estéril, porque sua solução, qualquer que seja, não traz nenhuma conseqüência prática
96
(...)”.
Sabe-se, portanto, que a discussão em torno da autonomia científica da ciência
comparativa não é unívoca, assumindo diferentes posições de acordo com os autores e com as
funções exercidas por esta perante o Direito, mas pode-se dizer com segurança que é esta uma
discussão estéril para os objetivos aqui pretendidos.
96
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.02.
97
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.04.
98
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.06.
33
Nesse sentido, José A. da Silva99 destaca que há uma corrente, para a qual o Direito
Comparado é ao mesmo tempo, método e ciência, cada qual com o seu objeto:
1) o método comparativo realiza a micro-comparação, consistente na aproximação
comparativa de ordenamentos jurídicos diferentes, por onde se atingem resultados
parciais e fragmentários, desordenados; seu objeto é assim obter e acumular
observações parciais;
Para tal existem inúmeras técnicas, José Afonso da Silva101 vale-se da teoria
desenvolvida por Constantinesco, que é aceita pela maioria dos comparativistas, para explanar
acerca da técnica102 mais utilizada para a comparação em geral:
O método do Direito Constitucional Comparado, como de qualquer outro ramo do
direito comparado, “consiste em conduzir um estudo comparativo por três fases
sucessivas”, que a doutrina chama de regra dos três “C”, que são: Conhecer,
Compreender e Comparar. As três fases devem desenvolver-se na ordem indicada,
porque são solidárias e complementares, cada uma delas constitui a preparação
necessária e etapa preliminar da fase seguinte.
99
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.04-05.
100
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.05.
101
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.11.
102
Cabe ressaltar que este é apenas um método, talvez um dos mais reproduzidos por outros comparativistas, e
que a comparação jurídica pode dar-se, através de outros métodos.
34
jurídica. O direito, ainda nos países de direito escrito como o Brasil, onde sua fonte primordial
está na lei, não se limita a esta.103 Esta contextualização, assinalada por Dantas, é igualmente
defendida por Constantinesco e pode ser verificada na fase do ‘Compreender’. A fase do
compreender talvez seja a mais importante. Neste sentido, Ivo Dantas104 alerta:
(...) todo o direito estrangeiro que se toma por matéria de estudo – deve constituir o
objeto de uma apreensão global; em segundo lugar, tratando-se desta feita de
sistemas diferenciados, deve constituir o objeto de uma análise particular (...) Esta
compreensão global do sistema, em seus dados históricos e nas suas condições sócio-
econômicas de aplicação, torna-se, destarte, a condição primeira para uma utilização
verdadeiramente científica do método comparado.
Seguindo a linha de raciocínio da grande maioria dos autores, José Afonso da Silva105
traz os seguintes problemas metodológicos relacionados às técnicas comparativistas
freqüentemente utilizadas:
2.1.3.2 Comparabilidade
103
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado: Introdução, teoria e metodologia, p. 29.
104
ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado, p. 69.
105
SILVA, J.A. Direito constitucional comparado e processo de reforma do Estado, p.06.
35
meios auxiliares indiretos, como pessoas, equipes de pesquisa, ou traduções autorizadas que
supram deficiências lingüísticas, quando se quer fazer comparação constitucional de povos de
língua menos difundida.
Inúmeros são os fatores que têm contribuído para que o recurso ao direito
constitucional comparado seja, cada vez mais, explorado pelas cortes de justiça. Para legitimar
esse “diálogo” com outras Cortes, os togados, valem -se, principalmente, das cláusulas de
abertura material da Constituição e justificam o seu uso para o enriquecimento e melhor
compreensão dos fundamentos do direito pátrio, principalmente no que tange à interpretação
dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o direito constitucional comparado proporcionaria
uma visão diferenciada e revolucionária do direito interno.
106
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law. Durham, North Caroline, US, Duke
University, v. 14, p. 301-349, Fall 2004. Disponível em:
<http://www.law.duke.edu/journals/djcil/articles/djcil14p301.htm>. Acesso em: 13 dez. 2006. p. 05.
37
107
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 14.
108
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 04.
38
rechaço), portanto decorreria “de um processo de auto -reflexão interpretativa em face do qual
os juízes inclinam-se pela conveniência da comparação quando identificam similitude entre os
pressupostos domésticos e não-nacionais.” 109
Para Choudhry, esta última abordagem seria mais vantajosa frente às demais, pois ela
reflete uma situação de independência do magistrado em relação ao elemento normativo não-
nacional, ou seja, as cortes não se sentem vinculadas à experiência externa. Desta forma, a
corte recorre ao direito comparado sem ensejar uma “internacionalização de sua cultura
constitucional doméstica”.
Taavi Annus classifica o uso do direito comparado em duas categorias: uso brando
(soft use) e uso ostensivo (hard use)110, levando em conta o peso atribuído à experiência
estrangeira no processo de adjudicação constitucional.
O uso brando (soft use), que é utilizado mais freqüentemente, consiste em utilizar o
direito comparado sem confiar nesta experiência para alcançar a decisão final, ou seja, a corte
utiliza a experiência estrangeira apenas como uma fonte de inspiração e elucidativa. Assim,
geralmente este uso envolve exemplos onde uma corte referencia materiais estrangeiros mas
não considera que estes possuam um peso crucial para a decisão final. O “soft use” permite à
corte tornar aceitável uma decisão aos olhos do público ou de instituições políticas, dando a
aparência desta ter sido baseada em considerações legais, mesmo quando a decisão foi
motivada realmente por interesses políticos. Cabe assinalar que as fontes utilizadas no uso
brando (soft use) são quase que exclusivamente de casos constitucionais.111
As cortes podem considerar que a decisão de uma corte estrangeira é persuasiva e
então reproduzirem um raciocínio similar sem que isto signifique que a experiência
estrangeira represente uma autoridade dotada vinculatividade. Para Taavi Annus, a corte não
109
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 15.
110
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p.05.
111
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 05-08.
39
procura decisões de cortes estrangeiras, procura sim argumentos que a auxiliem a chegar a
uma resposta adequada.112
O uso ostensivo (hard use), por sua vez, contribui diretamente para o desfecho do
caso, confere um grau de legitimidade bastante elevado, afigurando-se como um argumento
central à corte. Assim, a omissão da referência a estes materiais reduziria o peso do argumento
final da decisão.113
As cortes, desta forma, recorrem ao direito comparado para duas finalidades: a)
auxiliar no julgamento de direitos com diferentes valores constitucionais (judicial
balancing)114; e, b) auxiliar a elaboração de observações empíricas sobre as conseqüências de
uma decisão judicial em determinado país (empirical arguments).115
Nesse sentido, o raciocínio utilizado pela corte pode ser normativo (normative
reasoning) ou empírico (empirical reasoning). Aquele contribui para fornecer critérios de
interpretação verificando o conteúdo da norma ou expressão em outros países116, enquanto
este busca verificar o impacto que tal decisão teve em determinado país para verificar a
possibilidade desta ser aplicada no direito interno.117
Taavi Annus reconhece que o recurso à comparação jurídica consiste em uma
estratégia de argumentação, visto que os elementos não-nacionais são utilizados
seletivamente. Nesse diapasão, pode constatar-se que o uso de precedentes estrangeiros
geralmente é um uso estratégico, no qual as cortes omitem precedentes que não se coadunam
com o posicionamento por elas adotado.118
No entanto, em que pese haja a identificação de uma efetiva aproximação e de
intensificação do diálogo entre as cortes e entre diferentes experiências constitucionais, pode-
112
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 09.
113
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 05.
114
Embora seja freqüentemente criticada, a maioria das cortes constitucionais admite explicitamente esta prática
que consiste balancear os diferentes valores constitucionais.
115
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 05-06.
116
Como, por exemplo, verificar o alcance do termo “racismo” em outros países para ajudar a determinar o
significado da expressão no direito interno.
117
Nesse raciocínio busca-se comparar as experiências concretas de outros países (dados estatísticos,
conseqüências (impacto) na economia e nos arranjos políticos de determinadas decisões judiciais ou de leis
específicas).
118
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 10.
40
Ressalta-se que, enquanto a maioria dos autores se limita a classificar o uso do direito
comparado, poucos dirigem-se realmente à problemática no que tange à sua legitimidade. Isso
é surpreendente, principalmente se considerarmos que o recurso ao direito comparado no
processo decisório é expressamente rejeitado por algumas cortes constitucionais.121
Talvez a discussão mais comum no tocante à legitimação do emprego do Direito
Constitucional Comparado122 foque no caráter universal de algumas normas constitucionais
(conforme já mencionado alhures), particularmente nas questões ligadas aos direitos humanos.
Discute-se que as cortes devem olhar práticas estrangeiras porque tais práticas refletem
freqüentemente normas de caráter universal. Por exemplo, o caráter universal de normas dos
direitos humanos é discutido para exigir uma aplicação universal destes direitos.123
Por outro lado, pode-se citar dois principais argumentos utilizados por aqueles que
rejeitam o recurso ao direito comparado: a) em razão da necessidade de preservação da
identidade nacional e do caráter integrador que a constituição desempenha em uma sociedade
tão marcada pelo pluralismo; b) por entender que uma autêntica identidade nacional só pode
ser criada a partir do desenvolvimento de formas autóctones de auto-compreensão da
constituição e das formas jurídicas.124
119
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 05.
120
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 07.
121
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 04.
122
Para Taavi Annus, quando as cortes limitam a discussão de casos estrangeiros a um papel de guia, que seja
útil no processo de tomada de decisão (soft use), as questões de legitimidade não aparecem.
123
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 04-05.
124
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 06.
41
Por fim, pode ser identificado um conjunto de críticas no que tange ao uso de materiais
não-nacionais. Para estes autores – que criticam o recurso ao direito constitucional comparado
- comumente as cortes valem-se de práticas de outras jurisdições como forma de legitimar as
soluções já adotadas.126
As abordagens aqui expostas identificam-se, em certa medida, com as questões
travadas no que tange ao direito constitucional comparado. Mas esta diversidade de
classificações do uso do direito comparado ilustra que não existe ainda uma aproximação mais
sistemática a este tópico. Certamente, análises de autores diferentes se sobrepõem, entretanto,
nenhuma destas classificações pode ser tida como completa ou exaustiva.127
125
BASTOS JR, L. M. P. Redimensionamento da utilização do direito constitucional comparado pela
interpretação constitucional. In: LOIS, C; BASTOS JR, L.M.; BASILONE, R. (Orgs.). A constituição como
espelho da Realidade. São Paulo: LTr, 2006. p. 80-100. p. 15.
126
BASTOS JR, L. M. P. Limits and possibilities of the use of foreign materials by courts, in constitutional
adjudication: Redefining the role of comparativism in theories of constitutional interpretation, p. 06.
127
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments, p. 04.
42
128
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. º 3289-DF, j. 05-05-2005, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes; Argüição de descumprimento de preceito fundamental n.º 33-PA, j. 07-12-2005, Tribunal Pleno, rel.
Min. Gilmar Mendes; Agravo de Instrumento n.º 529.694-RS, j. 15-02-2005, Segunda Turma, rel. Min. Gilmar
Mendes; Mandado de Segurança n.º 24.268-MG, j. 05-02-2004, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie.
129
TJRS, Apelação Crime n.º 695130484, rel. Fernando Mottola, j. 31/10/1996 e STJ, 5 ª T., Ag 149673, Rel.
Min. GILSON DIPP, J. 14/12/1998.
130
Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado em favor de condenado como incurso no art. 20 da Lei n.º
7.716/89 (com as alterações dadas pela Lei n.º 8.081/90), tendo em vista a prática do delito de discriminação
contra os judeus, por ter, na qualidade de escritor e sócio de editora, publicado, distribuído e vendido ao público
obras anti-semitas, delito este ao qual foi atribuída a imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII, da CRFB/88.
131
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil/88. “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei; (...)”.
43
Colônia de Banqueiros” e “Os protocolos dos Sábios de Sião”, de autoria de Gustavo Barroso;
“Hitler – Culpado ou Inocente”, de Sérgio Oliveira; e “Os conquistadores do mundo – os
verdadeiros criminosos de guerra”, de Louis Marchalko”) constituiria fato típico subsumido
no tipo penal “racismo”, ou seja, incorreria na prática de atos anti -semitas. Questões que
foram respondidas afirmativamente pelo STF, nos termos a serem apresentados nos próximos
itens.132
132
VERGANI, Andrea; BASTOS JR, Luiz. Utilização de elementos do direito comparado pela jurisdição
constitucional: o caso Ellwanger. In: SILVA, Everton (Org). Produção científica do CEJURPS. Itajaí: Univali,
2007. no prelo. p. 03.
133
Desta forma, afasta o argumento levantado pelo impetrante de que os judeus não podem ser identificados
como uma “raça própria”, argumento este embasado em divers os autores judeus que não se reconhecem como
raça, mas como povo, dotado de uma história e de uma cultura que os distingue e os identifica de outros
grupamentos humanos.
134
Antes, a Lei n.º 7716/89 restringia-se a definir como prática do racismo condutas de discriminação pertinentes
à raça e a cor. Posteriormente, com o advento da Lei n.º 8081/90, a prática do racismo contempla a discriminação
alusiva não só à raça e a cor, como também à religião, etnia ou procedência nacional, valendo-se dos meios de
comunicação social, ou por publicação de qualquer natureza.
44
(...) amplio o conceito de racismo para alcançar, também, no caso, a realidade dos
judeus. Todavia, lendo o livro do paciente, da primeira à última edição, e lendo
outros livros mencionados na denúncia, cheguei à conclusão de que não houve
racismo. (Min. Carlos Britto, fl. 977).
Assim não vejo como se atribuir ao texto constitucional significado diverso, isto é,
que o conceito jurídico de racismo não se divorcia do conceito histórico, sociológico
e cultural assente em referências supostamente raciais, aqui incluído o anti-
semitismo. (Min. Gilmar Mendes, fl. 649)
Não sendo, pois, os judeus uma raça, não se pode qualificar o crime por
discriminação pelo qual foi condenado o ora paciente como delito de racismo, e
assim, imprescritível a pretensão punitiva do Estado. (Min. Moreira Alves, fl. 544).
135
Para o magistrado, a hipótese constitucional de imprescritibilidade tanto deve ser entendida de forma residual
que sequer alcança os crimes hediondos, por opção do constituinte.
45
Contra esta assertiva insurge-se o Min. Carlos Britto. Esta objeção, todavia, não se
dirige exatamente a este recurso hermenêutico (referência à legislação infraconstitucional para
integrar o sentido normativo da constituição), mas às circunstâncias fáticas apresentadas do
caso. Para o magistrado, a ampliação da abrangência do crime de racismo ocorreu em razão do
advento da Lei n. 8.081/90, como a lei foi editada posteriormente à publicação dos livros pelo
editor (ocorridos em 1989 e em 1990136), ilegítima seria, pois, o recurso à norma
referenciada.137
Por fim, o argumento de que a inclusão do anti-semitismo, no âmbito de abrangência
do racismo, encontra respaldo no direito comparado e no direito internacional foi
expressamente sustentado pelos diferentes Ministros (Maurício Corrêa, fl. 581; Celso de
Mello, fls. 619/930; Gilmar Mendes, fls. 646). Destaca-se, dentre os votos analisados, o
136
Como não há prova nos autos sobre a data exata em que se deu a publicação dos livros durante o ano de 1990,
aplica o magistrado a máxima in dúbio pro reo, em favor do impetrante (Carlos Britto, fls. 791/795).
137
Conclusão esta, sob o ponto de vista dos autores, por si só, coerente com o sistema de garantias previsto na
constituição. Razão pela qual se entende ser muito frágil o argumento de que o resultado da interpretação
resultou de integração da norma constitucional pela legislação interna.
46
posicionamento do Min. Celso de Mello que, acolhendo a tese apresentada pelo Prof. Celso
Lafer138, em parecer extensamente citado pelos togados139, sustenta:
(...) ser necessário levar em conta o compromisso que o Brasil assumiu ao
subscrever a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, cabendo ao
intérprete extrair, das declarações internacionais e das proclamações constitucionais
de direitos, a sua máxima eficácia, sobretudo na proteção aos direitos fundamentais
(fl. 620).
138
Cf. o livro do Celso Lafer que representa, em grande medida, o parecer encaminhado aos magistrados por
ocasião do julgamento do referido caso.
139
Vários trechos do parecer de Celso Lafer foram reproduzidos pelos Ministros (Min. Maurício Corrêa, fls. 580,
592; Celso de Mello, fl. 626; Min. Gilmar Mendes, fls. 648, 949; Min. Celso Velloso, fls. 679, 683, 684; Min.
Nelson Jobim, fl. 741; Sepúlveda Pertence, fl. 1000).
140
Cf. BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
141
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 392.
142
A doutrina constata a existência de três elementos ou subprincípios que governam o princípio da
proporcionalidade: o primeiro é a pertinência ou aptidão, que está diretamente ligado à adequação, à
conformidade ou à validade do fim. O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é a necessidade,
elemento pelo qual a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim que se almeja. E
por fim, o terceiro critério de concretização do princípio da proporcionalidade, que consiste na proporcionalidade
mesma, tomada stricto sensu, que pode traduzir-se na obrigação de fazer uso de meios adequados.
(BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 397-398).
143
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
47
144
FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo:
RT, 2004.
145
Cf. os seguintes trechos: Min. Gilmar Mendes, fl. 657; Min. Carlos Velloso, fl. 689; Min. Maurício Corrêa, fl.
584/585.
48
Não se pode ignorar, Senhor Presidente, a propósito do tema que ora julgamos, que a
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas proclamou, em 09/12/1998 (na
véspera do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana),
pela Resolução 623, que o anti-semitismo e todos os atos de intolerância a ele
relacionados constituem manifestações preocupantes de formas contemporâneas de
racismo, impondo-se, por isso mesmo, a adoção, pela comunidade internacional e
pelos Estados nacionais, de medidas que impeçam a propagação desse modo
perverso de exclusão social. (Min. Celso Mello, fl. 634).
São dignas de nota as objeções apresentadas pelos Ministros Moreira Alves e Marco
Aurélio, já que reproduzem, em grande parte, as objeções que, em outros foros, são feitas à
utilização do direito comparado.146
Contra o recurso ao direito comparado, Moreira Alves dirige basicamente duas
objeções: a primeira que diz respeito às dificuldades metódicas da utilização de
juscomparação em decisões judiciais (atenção às especificidades nacionais e a correta
identificação dos termos a comparar):
Quero fazer algumas considerações sobre os precedentes colhidos no direito
comparado, tendo eu reservas quanto à interpretação do direito nacional com base no
direito estrangeiro, porquanto as tradições jurídicas, o raciocínio jurídico, o sistema
jurídico e o ordenamento jurídico estão estreitamente vinculados com os aspectos
culturais de um povo. (Min. Moreira Alves, fl. 608).
Por outro lado, nos pareceres dos Drs. Celso Lafer e Miguel Reale Júnior – este
seguindo, em boa parte, aquele nesse particular, invocam-se conceitos de raça em
convenções internacionais. Sucede, Sr. Presidente, que nenhuma dessas convenções
impõe a imprescritibilidade de crime de racismo, que é a razão de ser da
interpretação restritiva que dou a esse termo “raci smo” ... (Min. Moreira Alves, fl.
605).
146
A discussão sobre as objeções comumente apresentadas ao uso do direito comparado, no que toca à tradição
do common law, podem ser encontradas em CHOUDHRY, Sujit. Globalization in search of justification:
toward a theory of comparative constitutional interpretation. Indiana Law Journal, v. 74, p. 819-948, 1999;
TUSHNET, Mark. The issue of state action/horizontal effect in comparative constitutional law. International
Constitutional Law Review. Oxford/UK; New York/US, v. 1, n. 1, p. 79-98, 2003 e SAUNDERS, Cheryl. The
use and misuse of comparative constitutional law. Indiana Journal of Global Legal Studies v. 13, n. 1, p. 37-
76, winter 2006.
52
(...) sucede que o fundamento dessa última decisão foi claro: apesar de os judeus
serem parte do que é tido como raça caucasiana - conseqüentemente branca -,
estavam tutelados pela referida lei porque ela visava a proteger da discriminação
classes identificáveis de pessoas submetidas à discriminação intencional, apenas por
conta de sua origem ou características próprias, afirmando a Corte, com base no
histórico da mesma lei, que árabes e judeus estavam entre os que, na época, eram
tidos como raças distintas, o que significava que se tratava, no caso, de interpretação
da lei de 1982 para verificar o seu alcance, o que não quer dizer que, com isso, se
firmava uma conceituação abstrata e genérica de racismo. (Min. Moreira Alves, fls.
608/609).
dignidade dessa comunidade. O mesmo não pode ser dito, por exemplo, no tocante a
países como a Alemanha. (Min. Marco Aurélio, fls. 893-894).
A segunda, que consiste na ameaça ao regime das liberdades públicas que esta decisão
poderia acarretar, tanto à liberdade de locomoção (interpretação ampliadora à cláusula da
imprescritibilidade), quanto à liberdade de expressão.
Curiosamente, a fim de reforçar o argumento do risco à liberdade de expressão que a
decisão poderia acarretar, o autor recorre à experiência do direito constitucional norte-
americano, para defender, no caso, a primazia da liberdade de expressão:
Funcionalista
Como o magistrado se aproxima do
Mark Tushnet Expressionista
elemento não-nacional?
Bricolage
Qual é a justificativa utilizada (explícita Universalista
Sujit Choudry ou implícita) pelo magistrado para Genealógica
recorrer à juscomparação? Dialógica
Taavi Annus Qual é a importância do elemento não- Uso brando (soft use)
nacional para a construção do Uso ostensivo (hard use)
argumento do magistrado?
147
Dois casos decididos por eminentes Cortes Superiores de outros países, que comportam aproximação com o
HC 82424-2 ora submetido ao julgamento do STF. Tanto o caso da Shaara Tefila Congregation v Cobb, decidido
pela Suprema Corte dos EUA em 1987 quanto o caso Mandla and another v Dowell Lee and another, decidido
pela House of Lords da Inglaterra em 1983 interpretam e aplicam a legislação dos seus respectivos países em
matéria de discriminação racial. O caso decidido pela Suprema Corte dos EUA diz respeito à prática do racismo
em relação a judeus. O caso decidido pela house of lords diz respeito à prática do racismo em relação aos sikhs.
Em ambos, estas duas Cortes Superiores decidiram não obstante as alegações dos réus semelhantes às do
impetrante que, apesar dos judeus e dos Sikhs não serem uma ‘raça’, foram vítimas de práticas racistas, cabendo
assim, respectivamente, a tutela da legislação norte-americana de 1982 e da legislação inglesa de 1976, que
tratam da discriminação racial. Nestes dois casos que julgaram em matéria de discriminação racial, atribui-se ao
termo ‘raça’ sua dimensão histórico cultural, da qual provêm as práticas discriminatórias. (Min. Nelson Jobim, fl.
744).
148
O Min. Gilmar Mendes foi generoso na menção de decisões de outras cortes, fazendo uso, constantemente, de
elementos do direito estrangeiro através do diálogo constitucional, e por fim, concluiu no sentido de que a
decisão condenatória não violou o princípio da proporcionalidade. (Min. Gilmar Mendes, fls. 962-971).
149
O Ministro Maurício Corrêa também utilizou-se, dentre outros argumentos, do Direito Comparado para
sustentar, em seu voto, que o preconceito contra os judeus está englobado pelo termo “racismo” se levadas em
consideração as normas internacionais. (Min. Maurício Corrêa, fls. 573-580).
55
argumento do magistrado?
Argumento normativo ou
A juscomparação recai sobre aspectos Argumento empírico
normativos ou empíricos?
3.4.1.1 Funcionalista
150
Cf. item 0.
56
Está prática não é muito freqüente para definir o conteúdo dos direitos fundamentais,
no entanto ela pode ser muito útil quando utilizada na comparação entre instituições ou
garantias constitucionais, conforme se depreende dos trechos supracitados.
3.4.1.2 Expressivista
3.4.1.3 Bricolage
Em uma apreciação de maneira mais genérica, no que tange à forma com que os
Ministros aproximaram-se do direito comparado no processo de adjudicação constitucional,
pode-se verificar, notavelmente, a postura que se assemelha à prática descrita por Mark
Tushnet como Bricolage. Os Ministros (Min. Maurício Corrêa; Min. Celso de Mello; Min.
Gilmar Mendes; Min. Nelson Jobim) ao valerem-se de experiências estrangeiras, não
realizaram uma avaliação acerca das diferenças ou similitudes entre os países em cotejo,
57
apenas citaram julgados de maneira aleatória, como reforço geral da argumentação, sem uma
maior preocupação com a questão do grau de comparabilidade.151
O Min. Maurício Corrêa cita decisões da Corte de Apelação da Califórnia, Suprema
Corte norte-americana e da Câmara dos Lords da Inglaterra (fls. 579-580):
No âmbito dos Tribunais, é importante anotar que questão semelhante foi enfrentada
pela Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos em agosto de 1999. No
caso United States versus Lemrick Nelson, decidiu-se que, embora o povo judeu não
seja hoje tido como uma raça, tal não o retira da proteção da Emenda 13, que proíbe
qualquer forma de discriminação racial, pois a Suprema Corte com firmeza declara
que os judeus “são considerados raça para certos direitos fundamentais estabelecidos
pelo Congresso com base na Emenda 13”. (Min. Maurício Corrêa, fl. 579).
Desta forma, como se depreende dos trechos a seguir, outros Ministros valeram-se da
prática do Bricolage para reforçar seus argumentos:
Cabe referir, neste ponto, recente julgamento emanado da Suprema Corte dos
Estados Unidos da América, proferido em 07/04/2003, no exame do caso Virginia v.
Black et al., quando esta Alta Corte concluiu que não é incompatível com a Primeira
Emenda (que protege a liberdade de expressão naquele país) a lei penal que pune,
como delito, o ato de queimar uma cruz” (“cross burning”) com a intenção de
intimidar (...)
151
Segundo Silva, este elemento traduz-se em um pressuposto básico da comparação jurídico-constitucional[0],
cf. item 0.
58
Esta classificação apresentada por Mark Tushnet visa a retratar a forma com que os
ministros aproximam-se dos elementos do direito comparado.
Infere-se, da análise do acórdão em questão, que não há um posicionamento claro por
parte dos ministros, a priori, em relação a esta prática, visto que, somente o Min. Celso de
59
Mello revela uma determinada postura frente à utilização do elemento não-nacional no curso
da interpretação constitucional, quando aduz que:
(...) em matéria de direitos humanos, a interpretação jurídica deve considerar,
necessariamente, as regras e cláusulas do direito interno e do direito internacional.
(Min. Celso de Mello, fl. 634).
3.4.2.1 Universalista
Dois casos decididos por eminentes Cortes Superiores de outros países, que
comportam aproximação com o HC 82424-2 ora submetido ao julgamento do STF.
Tanto o caso da Shaara Tefila Congregation v Cobb, decidido pela Suprema Corte
dos EUA em 1987 quanto o caso Mandla and another v Dowell Lee and another,
decidido pela House of Lords da Inglaterra em 1983 interpretam e aplicam a
legislação dos seus respectivos países em matéria de discriminação racial. O caso
decidido pela Suprema Corte dos EUA diz respeito à prática do racismo em relação a
judeus. O caso decidido pela house of lords diz respeito à prática do racismo em
relação aos sikhs. Em ambos, estas duas Cortes Superiores decidiram não obstante as
alegações dos réus semelhantes às do impetrante que, apesar dos judeus e dos Sikhs
não serem uma ‘raça’, foram vítimas de práticas racistas, cab endo assim,
respectivamente, a tutela da legislação norte-americana de 1982 e da legislação
inglesa de 1976, que tratam da discriminação racial. Nestes dois casos que julgaram
em matéria de discriminação racial, atribui-se ao termo ‘raça’ sua dimensão hist órico
cultural, da qual provêm as práticas discriminatórias. (Min. Nelson Jobim, fl. 744).
Corroborando este entendimento o Min. Maurício Corrêa, após citar inúmeros atos
normativos internacionais, conclui:
Como se vê, o anti-semitismo como sinônimo de exteriorização do racismo tem
respaldo no Direito Internacional Público. (Min. Maurício Corrêa, fl. 576).
Cabe referir, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13 exclui do âmbito da proteção da
liberdade de manifestação do pensamento “toda apologia ao ódio nacional, racial ou
religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à
violência” (art. 13, § 5º). (Min. Celso de Mello, fl. 930).
Não é por outra razão que, tal como ressaltado nos votos dos Ministros Maurício
Corrêa e Celso de Mello, diversos instrumentos internacionais subscritos pelo Brasil
não deixam dúvida sobre o claro compromisso no combate ao racismo em todas as
suas manifestações inclusive o anti-semitismo.
A propósito, vale aqui mencionar decisões proferidas pela Suprema Corte dos
Estados Unidos da América e pela Câmara dos Lordes na Inglaterra, transcritas no
parecer do Professor Celso Lafer, já referidas nos votos dos Ministros Maurício
Corrêa a Celso de Mello. (Min. Gilmar Mendes, fl. 646).
3.4.2.2 Genealógica
A justificativa genealógica foca nas raízes históricas similares das constituições para
justificar o uso do Direito Constitucional Comparado. Embora tenham sido feitas inúmeras
referências às legislações e Constituições estrangeiras, não se vislumbrou um estudo e/ou
argumento acerca de suas raízes históricas similares:
Em 1695, na Inglaterra, deixou-se de ratificar texto – Licensing Act - que dispunha
sobre a censura prévia. Na Declaração de Direitos de Virgínia – em 1776 -,
proclamou-se que “a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade
e não pode ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos” – artigo 12. A
Constituição Americana de 1787, via Emenda nº 1, previu que “o Congresso não
legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos
cultos; ou cerceando a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o direito do povo de
se reunir pacificamente, e dirigir ao Governo petições para a reparação de seus
agravos”. Na França, em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem, mais uma
vez reiterou-se que “a livre manifestação do pensamen to e das opiniões é um dos
direitos mais preciosos: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever e imprimir
livremente, à exceção do abuso dessa liberdade, pelo qual deverá responder nos
casos determinados em lei” – artigo 11. O pós-guerra – 1948 – fez surgir a
Organização das Nações Unidas, vindo-nos a Declaração Universal dos Direitos
Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito
inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e
transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras”. Em 1950, em Roma, no Convênio Europeu para a proteção dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais, ressaltaram-se aspectos a serem
considerados, tais como a liberdade de expressão, o recebimento e a comunicação de
informações e o afastamento da ingerência de autoridades públicas. (Min. Marco
Aurélio, fl. 866/867).
152
O Brasil participou de sua elaboração normativa e a Convenção, que está em vigor no plano internacional, foi
recepcionada pelo Direito brasileiro.
62
179, XII, pregava: ”A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e
recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. Na Carta de 1891, o
artigo 72, § 2º, estabelecia: “Todos são iguais perante a lei. A República não admite
privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, extingue as ordens
honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como títulos
nobiliárquicos e de conselho”. (Min. Marco Aurélio, fl. 908).
3.4.2.3 Dialógica
Por fim, a abordagem proposta por Taavi Annus a partir de seu viés pragmático busca
enfatizar dois aspectos distintos: o peso do recurso ao elemento não-nacional na construção da
cadeia de argumentação; e, a natureza (normativa ou factual) da experiência não-nacional
posta em conversação. A primeira classificação, portanto, trata-se de uma abordagem gradual
(maior ou menor impacto na construção dos argumentos do togado); a segunda, por seu turno,
evidencia a natureza dos argumentos utilizados.
A maioria dos magistrados (Min. Maurício Corrêa, Min. Celso de Mello, Min. Gilmar
Mendes, Min. Nelson Jobim) quando recorreu ao uso das normas de Direito Internacional, no
decorrer de seus votos, entendeu ser este apenas um elemento adicional para solução do
conflito. E foi nesse mesmo sentido que as experiências estrangeiras foram utilizadas,
prevalecendo, portanto, o emprego do direito constitucional comparado como “soft use”, visto
153
Vários trechos do parecer foram reproduzidos pelos Ministros (Min. Maurício Corrêa, fls. 580, 592; Celso de
Mello, fl. 626; Min. Gilmar Mendes, fls. 648, 949; Min. Celso Velloso, fls. 679, 683, 684; Min. Nelson Jobim, fl.
741; Sepúlveda Pertence, fl. 1000).
64
que os magistrados utilizaram-no apenas como uma fonte de inspiração, sem confiar neste
para se chegar a decisão final.
154
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 10.
65
A ponderação judicial (judicial balancing), por sua vez, consiste num processo de
medir/pesar valores, e conseqüentemente elaborar julgamentos normativos a partir destes.155
Balancear os diferentes valores constitucionais, embora seja prática freqüentemente criticada,
é algo comum e teoricamente difícil de ser evitada. A maioria das cortes admite
explicitamente esta prática.156
A prática da ponderação judicial (judicial balancing) depreende-se da análise dos
seguintes trechos:
A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos necessita, assim,
de uma atitude de ponderação dos valores em jogo, decidindo-se, com base no caso
concreto e nas circunstâncias da hipótese, qual o direito que deverá ter primazia.
Trata-se do mecanismo de resolução de conflito de direitos fundamentais, hoje
amplamente divulgado no Direito Constitucional Comparado e utilizado pelas Cortes
Constitucionais no mundo – vejam-se os exemplos da Corte Constitucional Espanhla
relatado por Javier Cremades, e da Suprema Corte Americana, o já citado “New
York Times v. Sullivan”. (Min. Marco Aurélio, fls. 886).
Esta prática também foi utilizada pelo Min. Marco Aurélio, todavia para sustentar que
em muitos outros casos prevaleceu a liberdade de expressão frente à dignidade da pessoa
humana:
Caso LÜTH – Corte Constitucional Alemã – BverfGE 7, 198. Julgado em 15 de
Janeiro de 1958): Esse caso, pioneiro no Direito Constitucional Alemão, foi
resolvido por meio da ponderação de bens (...) O Tribunal de Primeira Instância
condenou Lüth a parar imediatamente com o movimento, decisão revista pela Corte
Constitucional, por entender que a manifestação de pensamento não necessariamente
155
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 10.
156
ANNUS, Taavi. Comparative Constitutional Reasoning: the law and strategy of selecting the right
arguments. Duke Journal of Comparative and International Law, p. 10.
66
Caso R.A.V. v. City IF St. PAUL (Suprema Corte Americana, 505 U.S. 377 (1992).
Julgado em 22 de junho de 1992): A questão levada à Suprema Corte decorreu do
fato de alguns adolescentes terem queimado cruzes no jardim da residência de uma
família negra. O Tribunal entendeu ser inconstitucional lei da cidade de Saint Paul
por meio da qual se tipificava como contravenção a exposição pública ou privada, de
símbolos, objetos, grafites, incluindo cruzes em chamas – símbolo característico da
KU KLUX KLAN, organização do Sul dos Estados Unidos que pregava a
inferioridade dos negros. (...) A decisão baseou-se no fato de que a referida lei
poderia ocasionar restrição demasiada à liberdade de manifestação de pensamento.
(Min. Marco Aurélio, fls. 905-906).
Dessa forma, resta evidenciado que para auxiliar na solução do presente debate, o
Supremo utilizou-se de referências ao direito comparado tanto para justificar as posições
assumidas no processo de ponderação judicial (judicial balancing), para concluir que a
liberdade de expressão não se assegura absoluta, quanto na argumentação normativa
(normative reasoning), para fornecer critérios de interpretação verificando o conteúdo da
expressão “racismo” em outros países e concluir que esta expressão abarca também práticas
anti-semitas. Por outro lado, a prática da argumentação empírica (empirical reasoning), que
auxilia a elaboração de observações empíricas sobre as conseqüências e impactos de uma
determinação judicial em determinado país, não foi abordada por nenhum dos ministros no
decorrer da decisão.
Quanto ao peso atribuído aos elementos estrangeiros inseridos na decisão podemos
classificá-lo como uso brando (soft use), ou seja, à exceção do Min. Celso de Mello, os
Ministros negam a existência de fundamentos normativos que exijam das cortes
constitucionais o dever de vincularem-se aos precedentes estrangeiros extraídos de outras
realidades normativas.
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1) A abertura ao diálogo por parte do Supremo Tribunal Federal é freqüente e seu uso
não encontra maior objeção por parte dos magistrados, a medida que a corte limita-
se a utilizá-lo como elemento de argumentação para auto-compreensão do direito
nacional;
2) Diferentemente do que ocorre em outras Cortes (principalmente nos países do
common law), o recurso ao Direito Comparado no Brasil é realizado indiretamente,
69
ou seja, as decisões estrangeiras utilizadas não são fruto da pesquisa direta dos
magistrados, estas são extraídas de doutrinas ou textos de outros autores;
3) Constatou-se, também, que na maioria das vezes já existe um
direcionamento/posicionamento pré-existente por parte dos Magistrados quando
estes recorrem ao uso do Direito Constitucional Comparado; assim, o recurso ao
elemento estrangeiro se insere na estratégia de argumentação dos togados para
reforçar ou rechaçar uma tese.
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