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A CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA HISTÓRIA EM HEGEL

Giovane Pazuch1

Resumo: O presente estudo visa compreender porque para Hegel a história é dialética.
Segundo essa interpretação, a história dialética é o resultado da relação do atual (tese) com o
diferente (antítese) que entram em conflito e, em um segundo momento, provocam o novo
(síntese). Para Hegel a história é racional, por isso afirma ser possível relacionar os fatos entre
si e ligá-los à história universal através da Razão. Para tanto, buscaremos compreender o que
é dialética para o autor e em que momentos ela aparece na história. Ainda, estudaremos a
relação dos acontecimentos particulares com a história universal. A pesquisa tem como
objetivo analisar as contribuições de Hegel para a reflexão sobre a história.

Palavras-chave: Hegel; dialética; história.

Summary: This study aims to understand the reason for which to Hegel the history is
dialectical. According to this interpretation, the history dialectic is the result of the current
relationship of the actual (thesis) with the different (antithesis) coming into conflict, and then,
causing the new (synthesis). For Hegel history is rational, so claims to be possible to relate the
facts together and connect them to the universal history by Reason. Thus we’ll try to
understand what is dialectic for the author and in what moment it appears in history. We’ll
study still, the relation of private events with the universal history. The research aims to
analyze the contributions of Hegel to the reflection about history.

Keywords: Hegel; dialectic; history.

Introdução

O presente estudo visa compreender o conceito de história em Hegel. Para tanto,


buscaremos analisar a concepção dialética que o autor tem da história e as principais críticas
que ela recebeu. Ainda, abordaremos a identificação que Hegel faz da história universal com a
Razão, como conseqüência racional da ação dos homens ao longo do tempo. O tema se insere
dentro do campo da teoria da história e trata da história das idéias filosóficas.
O filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu em Stuttgart,
Alemanha, onde desenvolveu a sua filosofia da história, influenciado pelo pensamento
iluminista, o qual via na história um processo de transformação que levaria ao progresso,
tem
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Acadêmico do 4º matutino do Curso de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste e orientando da
Profª. Drª. Beatriz Anselmo Olinto.
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tendo a Razão como único critério de verdade. A filosofia da história de Hegel procura
delinear o sentido da história, estudando o passado a partir do presente para projetar o futuro.
“Assim, a História é a autodeterminação da Idéia em progresso, o autodesenvolvimento do
Espírito em progresso. Além disso, como o Espírito é livre por sua natureza interior, a História
é o progresso da liberdade” (HEGEL, 2001, p. 17).
Para a execução deste trabalho utilizaremos os conceitos obtidos através de pesquisas
bibliográficas das obras Filosofia da história, A razão na história, Textos dialéticos e
Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio de Hegel, além da contribuição de
estudiosos do pensamento hegeliano, como Herbert Marcuse, Jean Hyppolite e Leandro
Konder para analisar o conceito de Razão, acontecimento, dialética e história universal em
Hegel. Para realizar a crítica ao pensamento hegeliano nos apoiaremos nos autores da Escola
de Frankfurt, Adorno e Horkheimer, bem como em Cassirer e Foucault, críticos da filosofia da
história de Hegel.
Na obra Filosofia da história (1837) Hegel procura encontrar o vínculo que existe
entre os acontecimentos ao longo do tempo. Marcuse (1978) afirma que a Filosofia da
história de Hegel expõe o conteúdo histórico da Razão. Assim, a história seria o resultado
racional do confronto dialético das ações dos homens, tendo em vista que agem em função de
objetivos. Em sua concepção dialética da história, o autor entende que a mudança histórica,
diferentemente dos ciclos repetitivos da natureza, significaria o avanço da humanidade em
direção ao melhor e mais perfeito, pois para ele, somente a mudança no reino do espírito
poderia gerar o novo aperfeiçoado. No entanto, segundo Hegel, “o aperfeiçoamento é na
verdade algo quase tão indeterminado como o é a mutabilidade em geral; ele não tem meta,
objetivo ou padrão de mudança” (HEGEL, 2001, p. 106). Logo, o Espírito é aquilo no qual se
transformou, a partir de seu conflito interno, pois para Hegel, os acontecimentos não estão
dispostos harmoniosamente, mas em situação de conflito. Por isso, a lógica interna da história
é dialética.
A história dialética é dinâmica, pois cada ação (tese) comporta uma reação (antítese),
que em conflito com a tese resulta em uma nova realidade (síntese), a qual contém as
qualidades do antigo e do novo espírito. Em Hegel a história é o topos no qual a humanidade e
os seres humanos se constroem enquanto processo dialético em marcha. Além disso, afirma
que a história universal, que é passível de racionalidade, pode ser apreendida pela reflexão
filosófica. Desse modo, a história filosófica, que trata da filosofia da história é a observação
refletida. Para o autor, somente ela, por meio do raciocínio dialético, poderia compreender a
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história universal, que seria o real existente, porque o real poderia ser compreendido pelo
método dialético.
Para Hegel a história considera o que é e o que foi, ou seja, acontecimentos e ações. Já
a filosofia, contemplaria a história, porque segundo o autor, seria nela que a Razão se
encontra. Por isso, a filosofia abordaria a história como matéria-prima para a reflexão. O
objetivo do raciocínio dialético de Hegel, aplicado à história, é o de conhecer o conflito entre
os acontecimentos particulares, que em conjunto, formam a história universal.
Conseqüentemente, a história universal seria um processo racional dialético. Portanto, não
bastaria acumular conhecimentos fragmentados sobre o real, porque os fatos isolados não
falariam por si, e por isso, não poderiam revelar a história. Logo, seria preciso examinar os
dados por intermédio da Razão para que eles revelem a história universal.
Para Hegel, o estudo da história universal deveria levar em conta tudo o que nela
aconteceu racionalmente, porque a história seria a marcha racional da humanidade em direção
a autoconsciência da liberdade do espírito universal encarnado no Estado. Para tanto, a
investigação histórica deveria ser realizada de forma empírica, para se desfazer de todo mito e
invenção. Por isso, a compreensão dialética que Hegel tem da história, só reflete a história dos
povos que se organizam racionalmente através do Estado.

O raciocínio dialético

A dialética, arte do diálogo, já existia na antiguidade no pensamento grego. O diálogo


consistia na troca de idéias para aperfeiçoar o pensamento. Para Konder, a “dialética era, na
Grécia antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar
uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos
envolvidos na discussão” (KONDER, 2006, p. 7). Na modernidade esse diálogo foi
sistematizado em três momentos. No primeiro é apresentada uma determinada idéia, a tese, à
qual, posteriormente, é contraposta outra idéia. Do choque das duas surge uma nova idéia que
é o resultado, a síntese do processo. E a síntese, por sua vez, é a conservação do que há de
melhor da tese e da antítese. Por isso, para Konder, “na acepção moderna, entretanto, dialética
significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de
compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente
transformação” (KONDER, 2006, p. 8). Assim, tese, antítese e síntese formam a estrutura da
dialética.
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Por sua vez, Hegel retoma a concepção dialética do real para, a partir dela, interpretar
a história. Para compreender a dialética aplicada à história, é preciso analisar o movimento
dialético histórico, que consiste no questionamento do real (tese), provocado pela negação
(antítese), que força a mudança (síntese), a qual transforma o real. Assim, para Hegel, explica
Konder, “a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a
conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um
nível superior” (KONDER, 2006, p. 26).
Esse processo se desenvolve indefinidamente. Como conseqüência do processo
dialético, a síntese (presente) exclui as contradições, incorporando e conservando as
qualidades da antiga tese (passado), que passam a coexistir com o novo no presente. Konder
exemplifica essa afirmação em O que é dialética com o conceito de trabalho. Nele a matéria é
destruída (negada) para assumir outra forma, mas que conserva o material do objeto
transformado. Portanto, a matéria inicial é a tese, o trabalho, a antítese e, a nova forma, a
síntese. Para Hegel, a dialética é a contradição que se encontra tanto na consciência do
sujeito, quanto na realidade objetiva, os quais formam o real que seria racional.
Na teoria do conhecimento a síntese é o instrumento pelo qual podemos abranger a
maior parte das estruturas que compõem o real, resultado da negação da negação. Dessa
forma, “a síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura
significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada” (KONDER, 2006, p. 37).
No raciocínio dialético o passado enquanto tempo real não existe mais, o que existe é a
consciência do passado que se tem no presente. Por isso, de acordo com Hegel, “quando
lidamos com a idéia do espírito e consideramos tudo na história universal como a sua
manifestação, ao percorrermos o passado – não importa qual a sua extensão -, só lidamos com
o presente” (HEGEL, 1995, p. 72). A concretização do espírito é a sua própria ação, por isso,
o ser humano se torna aquilo que ele faz. Portanto, o Espírito que não está no presente e não
age, não existe.

O conceito de história

Segundo Hegel a história pode ser interpretada de três modos diferentes: história
original, refletida e filosófica. A história original feita, por exemplo, por Heródoto e
Tucídides, descreve os feitos e acontecimentos de maneira pessoal e tendenciosa. Assim,
“nesses discursos, essas pessoas exprimem as máximas de seu povo e de sua própria
personalidade, a consciência de seus relacionamentos políticos, como sua natureza ética e
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moral, os princípios de suas metas e atos” (HEGEL, 1995, p. 12). Entretanto, os mitos já se
encontram excluídos dessa história, pois ela já é a história de um povo consciente da diferença
entre fantasia e realidade.
Os historiadores da história original transformariam os acontecimentos em
representações mentais elaboradas segundo seus conceitos de mundo. Por isso, escrevem uma
história contemporânea e não refletem sobre os acontecimentos, e sim, narram seus próprios
objetivos como história. Nela, para Hegel, “a cultura do autor e a dos acontecimentos criados
em sua obra, o espírito do autor e o das ações que ele relata são o mesmo” (HEGEL, 2001, p.
46).
A história refletida ultrapassaria o presente em seu espírito para compor, a partir de
uma visão total da história, a história geral. Logo, a história refletida é aquela que é capaz de
examinar a história dos povos e do mundo, e por isso, se chama história universal. Nela o
espírito que escreve a história não é o mesmo do período narrado.
A terceira via de interpretação da história, a que interessa a Hegel, é a história
filosófica. “Os historiadores Filosóficos, relata-nos Hegel, percebem que idéias e eventos
históricos aparentemente independentes são parte de uma realidade que é a ‘Mente’ e que essa
Mente está procurando a unificação e a realização” (HUGHES-WARRINGTON, 2002, p.
163). É o método capaz de contemplar a história analiticamente no tempo presente. Não
consiste propriamente em escrever a história, mas em refletir sobre ela e encontrar a sua razão
de ser.
Nessa reflexão, a filosofia não se ocuparia do passado ou do futuro, mas daquilo que
é em sua existência perene, ou seja, a Razão. Desse modo, para Hegel, “... a filosofia da
história nada mais significa do que a sua observação refletida” (HEGEL, 1995, p. 16). Para a
história filosófica não existe tempo, tendo em vista que o passado está incorporado ao
presente na síntese, “... pois a idéia é sempre presente e o espírito é imortal; para ela não há
passado nem futuro, apenas um agora essencial” (HEGEL, 1995, p. 72). Isso quer dizer que o
presente contém a síntese de todos os estágios anteriores do espírito.
Hegel considera que a filosofia seria a “ciência” do raciocínio lógico especulativo,
com a tarefa de abordar a história de forma racional para entender sua lógica e dela extrair a
Razão que governa o mundo. De fato, “na história, o pensamento está subordinado aos dados
da realidade, que mais tarde servem como guia e base para os historiadores” (HEGEL, 2001,
p. 52). Portanto, a contribuição da filosofia para a história estaria, assim, em encontrar a
Razão na história, posto que os acontecimentos são conseqüências de ações racionais. Neste
sentido, Hegel destaca que “a investigação filosófica pode e deve começar o estudo da história
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apenas onde a Razão começa a manifestar sua existência no mundo, onde aparecem a
consciência, a vontade e a ação e não onde tudo isso ainda é uma potencialidade irrealizada”
(HEGEL, 2001, p. 111).
A filosofia busca revelar o espírito do real que permanece na história, para além da
sucessão dos fatos. Sua tarefa seria identificar a Razão que governa o mundo, porque a
história, para Hegel, é um processo racional em busca da liberdade. Por sua vez, a história
interpretaria a materialização ou o desfecho da ação humana ao longo do tempo. “A história
universal representa pois a marcha gradual da evolução do princípio cujo conteúdo (gehalt) é
a consciência da liberdade” (HEGEL, 1969, p. 57). Ela seria a síntese, o resultado do
movimento dialético gerado pelo conflito que supera os fatos, mas conserva o espírito do
mundo, entretanto, já transformado pelo embate entre a tese e a antítese em uma nova
realidade.
Para Hegel a história iniciaria com o advento do Estado, pois segundo sua tese, o
Estado é a única força capaz de realizar alguma revolução significativa. Hegel faz essa
afirmação, porque para ele só é fato histórico aquilo que transforma a realidade, e, o sujeito
capaz de fazer as maiores transformações é o Estado. Logo, os fatos repetitivos do cotidiano
de um povo não são objetos de memória, e sim, as ações que desencadeiam mudanças. A
história surge, então, quando o ser humano toma consciência de sua liberdade, modifica e
aperfeiçoa o seu espírito. Ela começa com a constituição do Estado, porque “somente em um
Estado com a consciência das leis existem ações claras e essa consciência é clara o suficiente
para fazer com que os registros sejam possíveis e desejáveis” (HEGEL, 2001, p. 113). Hegel
afirma que a história é aquilo que dá identidade a um povo.
Em Hegel a história é a ciência que narra o passado a partir de métodos e técnicas
próprios. Ela se ocupa, segundo o autor, do que foi e do que é, acontecimentos e ações. Por
isso, a história narra uma série de histórias paralelas e sucessivas, sem ter a preocupação de
encontrar continuidades, mas tão somente de relatar os fatos. No entanto, a preocupação de
Hegel não é dizer como a história deve ser escrita ou apontar fatos particulares, mas analisar a
história universal. Todos os grupos humanos possuem história objetiva, contudo para que essa
história objetiva seja preservada seria preciso formular a história subjetiva em forma de
narrativa. A história objetiva não existe mais, já é passado, somente a história narrativa pode
conservar alguns fragmentos do que foi o passado. Assim, a história é aquilo que fica do que
foi esquecido. Logo, “Hegel não se detém no evento histórico, procura compreender-lhe o
sentido profundo e descobrir uma evolução dos valôres sob uma mudança de instituições”
(HYPPOLITE, 1971, p. 25).
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Para Hegel, somente os fatos que promovem conflitos, transformações e revoluções


são dignos de serem considerados acontecimentos históricos, pois para ele, “a história
universal não é o palco da felicidade. Os períodos felizes são as páginas em branco, são os
períodos dos acordos, das oposições ausentes” (HEGEL, 2001, p. 30). Por isso, para Hegel, se
não ocorrem conflitos não acontecem transformações, logo não há história, pois a antítese está
ausente.
À história, não interessa propriamente encontrar as causas que desencadeiam os
acontecimentos, mas à filosofia. Para Hegel, “é da alçada da meditação filosófica, e digna
dela somente, tomar a história no ponto em que a racionalidade começa a entrar na existência
mundial” (HEGEL, 1995, p. 57). A ação do ser humano no tempo seria um processo racional,
porque o ser humano que faz a história agiria racionalmente em vista de objetivos, sonhos e
fins. Por isso, “o único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história; é a
simples idéia de que a razão governa o mundo, e que, portanto, a história universal é também
um processo racional” (HEGEL, 1995, p. 17).
Em Hegel a Razão na história é a garantia de que o mundo e a ação dos personagens
históricos não estão entregue ao acaso. Para o autor, “portanto, o estudo da história universal
resultou e deve resultar em que nela tudo aconteceu racionalmente, que ela foi a marcha
racional e necessária do espírito universal...” (HEGEL, 1995, p. 18). Os elementos da
natureza do espírito são a Razão e a liberdade e ele existe em si e por si mesmo sem depender
de forças externas. Por isso, “a história universal é o progresso na consciência da liberdade...”
(HEGEL, 1995, p. 25). Para Hegel, o espírito é a força que move a história universal, pois ele
é o pensamento racional que se encontra em todos os homens.
O cumprimento de um espírito gera ao mesmo tempo o seu declínio e o surgimento de
outro, que conserva as qualidades do antigo no novo. “A história universal, sabemo-lo, é, pois,
de modo geral, a exteriorização (Auslegung) do espírito no tempo, como a idéia, enquanto
natureza, se exterioriza no espaço” (HEGEL, 1969, p. 63). Desse modo a história é um
imenso quadro de mudanças, ações, advento e queda de indivíduos e Estados. “Porque a
História é a encarnação do espírito na forma do evento...” (HEGEL, 1997, p. 273).
Em suma, para Hegel, a história é uma realidade complexa feita de continuidades e
rupturas no tempo e no espaço, na qual os acontecimentos se interpenetram, se chocam e se
contradizem. Entretanto, esse processo não acontece aleatoriamente, mas possui uma lógica
interna. Por isso, Hegel afirma que a história é a racionalidade do todo, tendo em vista que os
fatos não podem ser compreendidos separadamente, pois são parte de uma totalidade, a
história universal.
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Os períodos dialéticos da história

Na introdução da Filosofia da História Hegel classifica a história universal dividindo-


a em três períodos dialéticos, segundo critérios filosóficos, históricos, políticos e geográficos.
Na Antigüidade, o primeiro período do desenvolvimento do espírito na história universal teria
sido o despótico oriental (tese). Para Hegel, o Antigo Oriente era governado por déspotas, pois
só o monarca absoluto era livre, sendo venerado como um deus e um pai. O sistema político
era o teocrático e a sociedade era governada pelo patriarcalismo. Os súditos obedeciam ao seu
soberano como os filhos pequenos são obrigados a obedecer aos seus pais. Não tinham direito
a vontade própria e eram escravizados. O segundo período da Antigüidade (antítese do
despotismo) foi o democrático e o aristocrático, vivido pelos gregos e os romanos. Porém,
nele somente alguns eram livres, isto é, os cidadãos da pólis e do império, já os escravos, os
estrangeiros, as mulheres e as crianças estavam excluídos. E o terceiro momento no
desenvolvimento da história universal, já na Modernidade, é o monárquico ou germânico
(síntese), no qual todos se tornaram livres. Este processo dialético demonstra que “a liberdade
substancial é a razão da vontade existente em si, que se desenvolve no Estado” (HEGEL,
1995, p. 94).
No sistema despótico as pessoas não exercem a sua individualidade de espírito, pois
giram em torno de um único centro, o déspota, patriarca que governa e se utiliza de seus
súditos como servos particulares. A legitimidade do poder se fundamenta no paternalismo e na
família. “Os orientais ainda não sabem que o espírito, ou o homem como tal, é livre em si
mesmo; e porque não o sabem, eles não o são” (HEGEL, 1995, p. 24). Para Hegel, nesse
modelo a história é a-histórica, porque não há antítese e tudo permanece estático, pois não há
mudanças, e se não há mudanças, em Hegel, não há história.
O segundo período dialético dentro da história universal foi o grego, que para Hegel,
representa a juventude da humanidade, porque despertou o espírito para a individualidade.
“Só entre os gregos é que surgiu a consciência da liberdade, e por isso eles foram livres; mas
eles, bem como os romanos, sabiam somente que alguns eram livres, e não o homem como
tal” (HEGEL, 1995, p. 24). Assim, somente no mundo grego é que os espíritos individuais
vão se formar como vontade própria. Daí, conclui que neste momento surge a liberdade,
porque os cidadãos começam a decidir e a agir segundo parâmetros racionais, e não mais por
ignorância, medo ou alienação.
Por último, Hegel defende que “só as nações germânicas, no cristianismo, tomaram
consciência de que o homem é livre como homem, que a liberdade do espírito constitui a sua
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natureza mais intrínseca” (HEGEL, 1995, p. 24). Assim, através da consciência de si os povos
germânicos chegaram à conclusão de que todos os seres humanos são livres e iguais por
direito natural. Por isso, a história é caminho rumo à consciência da liberdade, na luta pela
superação da vontade individual e pela implantação dos interesses coletivos através do
Estado.
Portanto, desde a Antiguidade a principal revolução da Razão foi a evolução da
consciência da liberdade, na qual todos foram se tornando senhores de si. A superação da
escravidão se deu quando a Razão entrou na história e os homens começaram a ter
consciência de si, agindo por vontade própria e não por medo ou ignorância.

A história dialética

Para Hegel, a história da humanidade e dos indivíduos seria movida por idéias,
pensamentos e ideologias, resultado do embate dialético entre a matéria e o espírito, o qual
gera um conhecimento sobre o real, e, em um segundo momento, o próprio real. Conforme
Hegel, o pensamento se emancipou e se emancipa continuamente da matéria e da própria
idéia, a partir da consciência de si e passa a transformá-la. Desse modo, o espírito humano se
liberta da natureza, dos condicionamentos instintivos de sobrevivência e produz sua própria
cultura. Para Hegel, a história não é o resultado do acaso, pois cada indivíduo, povo ou
civilização goza do que construiu e é mais do que deixou de fazer ou do que não é. Desse
modo, “a Razão é o pensamento determinando-se em absoluta liberdade” (HEGEL, 2001, p.
56). Assim, o destino de uma nação é definido pela inteligência e pela vontade consciente que
a governa.
Na visão de Hegel os séculos e milênios que se passaram antes da história escrita não
contariam para o desenvolvimento do espírito do mundo, porque não ficaram registrados,
logo, não influem na consciência do ser humano. Pois, “é na história que uma nação encontra
o cunho comum de sua religião, de sua constituição política, de sua moralidade objetiva, de
seu sistema jurídico, de seus costumes e também de sua ciência, arte e habilidade técnica”
(HEGEL, 1995, p. 61). Desse modo, as culturas línguas e religiões que não são lembradas
deixaram de contribuir para o desenvolvimento do ser humano e da história.
Hegel demonstra no prefácio de sua obra Princípios da Filosofia do Direito que “o que
é racional é real e o que é real é racional” (HEGEL, 1997, P. 35). E só é real aquilo que é
histórico, porque a realidade produzida pelo ser humano, que é histórica, por isso real, pode
ser entendida racionalmente. A natureza não faz história, segundo Hegel, exatamente porque
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segue sempre as mesmas leis universais e imutáveis, e por isso, não evolui. Já o ser humano
evolui porque possui um espírito livre capaz de criar cultura e conhecimento.
Conseqüentemente, pratica ações e por meio delas se transforma e se aperfeiçoa. Assim, a
histórica dialética em Hegel demonstra que a história é a mudança, o desenvolvimento e o
progresso para algo mais perfeito. “O espírito de um povo é um espírito particular e
determinado, e é também, como acabamos de dizer, determinado pelo grau do seu
desenvolvimento histórico” (HEGEL, 1995, p. 50).
Hegel cita a democracia grega como exemplo de processo dialético rumo à
consciência da liberdade na história. Na Grécia, no início, a democracia se manteve em um
Estado concreto, ou seja, a pólis sustentada pela escravidão. Quando Sócrates contrapôs ao
Estado concreto a sua idéia universal da igualdade entre os homens, a democracia parcial da
Grécia que excluía os escravos e os estrangeiros teve que ser aprimorada para sobreviver. A
tese era a cidadania de poucos, o que excluía os não cidadãos, a antítese foi o pensamento de
Sócrates, contrário a desigualdade, e a síntese, a consciência de que todos têm direto à
cidadania. Assim, “o sujeito livre só nasce quando o indivíduo não aceita mais a ordem
vigente e a ela resiste...” (MARCUSE, 1978, p. 224). Entretanto, essa foi uma mudança lenta
que demandou tempo, esforço e luta, pois só o fato de os gregos saberem que eram livres não
lhes garantia a liberdade.
Na concepção hegeliana a história é racional porque os homens que fazem a história
agem racionalmente, tendo em vista que agem em busca de objetivos. Por isso, “do exame,
pois, da história universal se infere que tudo ocorre racionalmente, que ela foi o processo
racional e necessário do espírito universal (weltgeistes) – espírito que é uno e idêntico à
natureza, mas que exterioriza (explicirt) esta sua única natureza na existência universal
(weltdasein)” (HEGEL, 1969, p. 40). Portanto, se a razão é determinada, segue que a história
não é fruto do acaso, pois a razão governa os acontecimentos, logo a história é racional.
A história universal se manifesta concretamente nas individualidades de modo
contingente, ou seja, temporariamente. Desse modo, assim como os fatos se sucedem no
tempo, também os espíritos são substituídos uns pelos outros ou melhorados. Nessa
perspectiva, para Hyppolite, “... a história será a dialética dos povos, porque um povo é uma
encarnação concreta, uma realização individual do espírito; é ao mesmo tempo uma totalidade
e uma individualidade” (HYPPOLITE, 1971, p.44).
A Razão não segue leis imutáveis como o movimento do sistema solar, pois ela é um
espírito vivo, isto é, dinâmico que se transforma e evolui. Pois “a razão é o pensamento
totalmente livre determinando-se a si mesmo” (HEGEL, 1969, p. 42). Juntamente com a
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Razão estão os anseios e paixões que impulsionam o ser humano à ação, por isso, Hegel
também afirma que “explicar a história é revelar as paixões do homem, seu gênio e suas
forças operativas...” (HEGEL, 1969, p. 43).
Em Hegel os fatos dentro da história não estão isolados, mas fazem parte de um
contexto maior que os unifica. Desse modo, tanto os fatos particulares como os
acontecimentos universais, possuem sua lógica interna, que é racional, logo é possível
encontrar Razão na história. A relação desses fatos com o contexto, expressa o espírito da
história que Hegel chama de história universal.
Os homens assumem o espírito de seu tempo e se tornam representantes dele, pois
agem a partir de costumes e leis morais incutidos em suas mentes e tomados pelos indivíduos
como naturais, independente de suas virtudes. “Essa totalidade temporal é uma essência, o
espírito de um povo. Os indivíduos pertencem a ele; cada um é filho de seu povo e,
igualmente, um filho de seu tempo – se o seu Estado se encontra em processo de
desenvolvimento” (HEGEL, 1995, p. 50).
O trabalho do pensamento é encontrar conceitos universais que sejam racionais, e,
portanto, válidos para todos, conceitos de direito, liberdade e ética. Logo, o pensamento
gerado a partir da autoconsciência da liberdade entra em choque com as instituições que não
respondem mais às necessidades de seu tempo. Pois, “segundo Hegel, o progresso histórico é
precedido e guiado por um progresso do pensamento” (MARCUSE, 1978, p. 221). Assim
como o tempo destrói a sua própria criação, o pensamento destrói o pensamento estabelecido
pela dinâmica da dialética histórica.
Para os filósofos iluministas, como John Locke, Rousseau e Voltaire, os
acontecimentos são a conseqüência de um processo imanente à própria história impulsionado
pela ação do homem autônomo. Ao contrário dos iluministas, Hegel acreditava que os fatos
são governados por forças transcendentais à história, e que as transformações levariam ao
progresso e à consciência da liberdade. Apesar de Hegel ser um iluminista 2, ele se diferencia
do iluminismo quanto ao conceito de progresso, pois enquanto os iluministas acreditam em
um futuro feliz, Hegel defende que a história é um processo dialético conflituoso e infinito
governado pela Razão. Por isso, enfatiza: “compreendo, com efeito, aqui, a atividade humana,
2
O paradigma iluminista defende que o conhecimento científico, guiado pela Razão imanente, pode levar a
humanidade ao progresso e, consequentemente, à felicidade, tanto no tempo presente como no futuro. Assim
sendo, os iluministas acreditam que quem não consegue acompanhar o paradigma iluminista está condenado à
morte, pois toda diferença é considerada uma ameaça ao iluminismo. Desse modo, a história iluminista se torna a
história hegemônica dos vencedores em detrimento dos vencidos. Diferenciando-se dos iluministas quanto ao
conceito de progresso na história, Hegel entende a história como um processo dialético infinito e transcendente.
Daí conclui que a felicidade e a perfeição não são possíveis no presente e nem mesmo no futuro, pois para ele o
desenvolvimento da Razão é um processo dialético infinito, logo, incapaz de atingir o progresso definitivo.
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de modo geral, derivando de interesses particulares, de fins especiais, ou, se se quer, de


intenções egoístas, desde que ponha tôda a energia de seu querer e de seu caráter em tais
fins...” (HEGEL, 1969, p. 47).
Em suma, a história dialética é o resultado das tensões e dos conflitos que ocorrem
devido à colisão das leis vigentes com a possibilidade da mudança que se impõe. Por
conseguinte, para Hegel, a história é o altar no qual é sacrificada a felicidade dos povos e a
virtude dos indivíduos em benefício das mudanças, sem que isso leve necessariamente a um
final feliz.

Uma crítica à filosofia da história iluminista

Segundo Dray, a filosofia da história não é uma teoria ou um método de como se deve
escrever a história, mas uma análise sintética da história já escrita, visando encontrar suas
permanências e tendências. Ela nada mais significa que submeter a história a uma leitura
filosófica. Nela buscam-se as causas, o desenvolvimento e o sentido dos fatos, procurando
estabelecer uma relação entre os acontecimentos com o objetivo de dar um sentido à história.
“A Filosofia Especulativa busca descobrir na história o curso de acontecimentos, um padrão
ou significado que se situa para além da esfera do historiador comum” (DRAY, 1969, p. 9).
Procura as causas da história com começo, meio e fim, partindo do pressuposto de que a
história nunca se repete, mas é cumulativa e progressiva. A filosofia da história iluminista
superou a influência metafísica sobre a história para indicar o sentido dos acontecimentos a
partir da própria história. “Filosofias da natureza e filosofias da cultura conduziram, de
imediato ou não, às doutrinas evolucionistas e às filosofias da história baseadas na idéia de
progresso” (FALCON, 2004, p. 58).
Conforme Dray, em sua obra Filosofia da história, a leitura filosófica da história
surgiu no final do século XVIII e princípio do XIX com os idealistas alemães Kant, Herder,
Fichte e Hegel. É característico da filosofia da história estabelecer continuidades entre
acontecimentos aparentemente sem ligação, propondo a continuidade ou a relação entre um
fato e outro como critério de compreensão histórica. Desse modo, ela é o esforço analítico
para encontrar as continuidades e eliminar tudo o que é casual. No entanto, a filosofia da
história iluminista foi questionada por autores como Adorno, Horkheimer, Cassirer, Foucault
e Koselleck.
Para Adorno e Horkheimer “todo objetivo a que se refiram os homens como um
discernimento da razão é, no sentido rigoroso do esclarecimento, desvario, mentira,
13

‘racionalização’...” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 81). Para eles, a história não é


idealista e totalizante, pois não existiriam princípios metafísicos a própria história que a
direcionasse como pensava Hegel. Segundo essa perspectiva não existe uma única história
universal, mas uma infinidade de histórias particulares autônomas, relacionadas e paralelas.
Desse modo, não há uma lógica interna à história que possa ligar os fatos entre si em um
contínuo progressivo.
A filosofia iluminista da história de Hegel é muito mais uma apologia ao poder
dominante do que um método de compreensão da história, porque procura fazer uso político
dos fatos para predeterminar o futuro. Nesse processo a história é limitada e manipulada pela
Razão para defender o progresso do Estado como única verdade, com o objetivo de impor
interesses particulares como vontade universal. Porém, “todo progresso da civilização tem
renovado, ao mesmo tempo, a dominação e a perspectiva de seu abrandamento”
(HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 50).
Segundo Koselleck o homem sempre desejou prover e controlar os acontecimentos
históricos para que não fosse surpreendido pelo acaso. O ápice dessa vontade de domínio foi
alcançado com o surgimento da filosofia da história, principalmente a hegeliana, que procurou
tornar a história objeto de teorias políticas. No entanto, como afirma Koselleck, “a história
humana não tem qualquer meta a atingir; ela é o campo da probabilidade e da inteligência
humana” (KOSELLECK, 2006, p. 29). O futuro é, então, apenas uma variação de
possibilidades imprevisíveis e aleatórias. A história é o resultado de possibilidades
provenientes da realidade, e nada acontece porque tinha que acontecer, mas por ser
conseqüência de um conjunto de fatores que surgem de modo imprevisível. Logo, conclui
Koselleck, o fato histórico não pode ser ordenado e muito menos determinado.
A história moderna é resultado do iluminismo e tem como objeto de pesquisa o
passado, mas não mais para orientar o presente como fazia a história clássica, e sim, para
planejar o futuro. Na história moderna o presente é ignorado e o passado existe somente em
função do futuro, não mais do presente. A concepção moderna da história projeta o passado
decadente em um futuro promissor, visando o progresso moral, intelectual e material do
homem contemporâneo. “Tiveram, entretanto, como perspectiva comum a destruição da idéia
do caráter modelar dos acontecimentos passados, para perseguir em lugar disso a
singularidade dos processos históricos e a possibilidade de sua progressão” (KOSELLECK,
2006, p. 54).
Seguindo a lógica da história moderna, Hegel, em sua filosofia da história iluminista,
identifica a história com os longos períodos e os processos irreversíveis para dar um único
14

sentido à história. Nela, os acontecimentos se sucedem linearmente em um processo


cumulativo, organizado em função do planejamento do futuro para atingir o progresso.
Segundo Koselleck, a história moderna tende a uma filosofia da história, pois parte do
pressuposto de que os fatos passados definem o futuro independente do presente. Nesse
momento, a Filosofia da história, filha do iluminismo, foi a tentativa de dar um novo
significado e um novo sentido ao progresso humano a partir da própria história. “Tanto a
filosofia da história quanto os procedimentos prognósticos dela decorrentes informam sobre o
passado, de forma a deduzir, a partir dele, instruções e diretivos de ação para o futuro”
(KOSELLECK, 2006, p. 144). Assim, o fundamento do iluminismo é a crença no progresso
da humanidade através da história.
Hegel aplicou a Razão iluminista à história, pois acreditava que com ela poderia
superar os fatos contingentes e indicar o sentido da história. A influência do iluminismo sobre
o pensamento de Hegel levou-o a desenvolver a idéia de que a história da humanidade poderia
progredir por intermédio da Razão. “No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o
esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-
los na posição de Senhores” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 19). Assim, na história,
Hegel só considera válidos os acontecimentos que, por intermédio da Razão, levam a
humanidade a progredir na busca da consciência da liberdade.
O iluminista teria como fundamento alcançar o caráter universal e eterno da natureza
humana e, através do progresso, educar a humanidade. Por sua vez, a filosofia da história
busca nesse devir histórico, uma racionalidade do progresso que leve ao aperfeiçoamento da
história. Além disso, o iluminismo é a crença de que através do conhecimento, do progresso e
da cultura, é possível civilizar o homem moderno.
O progresso da história na concepção iluminista de Hegel acontece no tempo de
maneira linear com objetivos teleológicos. Sua história linear é evolucionista, pois defende
que toda mudança leva a uma evolução que necessariamente gera progresso. Portanto, a
concepção iluminista de Hegel procura dar um sentido para a história. “Uma característica do
horizonte de expectativa esboçado pelo Iluminismo tardio é que o futuro não apenas modifica
a sociedade, mas também a melhora” (KOSELLECK, 2006, p. 321). Assim, a história segue
um curso linear e contínuo e pressupõe um nexo causal entre os fatos que se sucedem no
tempo em direção à perfeição que se encontra na história universal.
Para Hegel a filosofia da história seria o resultado do progresso da Razão que evolui
quando se torna mais esclarecida. Por isso, sua história não é a história de indivíduos, mas a
história universal interpretada pela Razão, “pois o esclarecimento expulsa da teoria a
15

diferença” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 85). Horkheimer e Adorno demonstram na


Dialética do esclarecimento que a história iluminista, guiada pela Razão, tenta impor uma
lógica interna constituída pela relação entre causa e efeito, em um processo constituído de
etapas, com o objetivo de determinar um futuro promissor.
Segundo Marcuse, todas as grandes teorias do século XVIII adotaram a concepção
filosófica de que a história caminha em direção ao progresso. “A idéia de progresso, que
constituía um elemento essencial do Iluminismo francês, interpretava os fatos históricos como
sinais que indicavam o caminho do homem em direção à razão” (MARCUSE, 1978, p. 209)
Nesta mesma perspectiva, a concepção histórica de Hegel é iluminista e eurocêntrica, pois
propõe uma história linear do progresso.
Depois de encontrar a Razão na história, Hegel identifica a história com o Estado, o
que limita a compreensão de muitos aspectos da própria história. ‘“O Estado’, diz Hegel (...)
‘é a mente absoluta e infalível que não reconhece regras abstratas de bem e de mal,
vergonhoso e mesquinho, astúcia e engano”’ (CASSIRER, 2003, p. 307). Contudo, a
identificação da história com o Estado restringe a leitura do passado somente ao âmbito
político, estrutural e jurídico, porque “para Hegel, o Estado não é somente uma parte, uma
província especial, mas a essência, o próprio núcleo da vida histórica” (CASSIRER, 2003, p.
305). Hegel, ao identificar a história universal com a história do Estado, não faz a história dos
estados, mas a história da hegemonia do Estado absoluto sobre os demais.
Hegel diz que os momentos de paz são páginas em branco da história, limitando a
história somente aos períodos de conflito, como se em tempos de paz não houvesse
acontecimentos. No entanto, essa é uma visão restrita da história, pois todos os
acontecimentos são passíveis de se tornar históricos, independente de terem ocorridos em
tempo de paz ou de guerra.
O objetivo imanente do Estado é defender os interesses de seus cidadãos contra o de
seus inimigos, e o objetivo transcendente, que vai além da soma das vontades individuais, é a
expansão do Estado no cenário mundial. “... a idéia de que, em todas as épocas da história,
existe somente uma nação que representa realmente o espírito do mundo e que essa nação tem
o direito de governar as outras foi expressa primeiramente por Hegel” (CASSIRER, 2003, p.
317). Por isso, para Cassirer, o sistema de Hegel é um culto ao Estado e seus heróis.
Para Hegel, a história seguiria um curso linear com o objetivo de emancipar o homem
para a liberdade. Sua filosofia é historicista, pois afirma que só é real aquilo que é histórico.
Para ele, o real, que é histórico, está em constante transformação, e a mudança é o resultado
de um processo dialético promovido pelas revoluções que geram a evolução em direção ao
16

progresso. Contudo, a dialética em sua tentativa de síntese exclui o diferente e os fatos tidos
como contingentes. A filosofia da história procura superar ou ignorar o acaso e o descontínuo
do acontecimento como fato particular, para estabelecer uma necessidade ideal. “Mas escapar
realmente de Hegel supõe apreciar exatamente o quanto custa separar-se dele...”
(FOUCAULT, 2006, p. 72).
Ao contrário do que pensa Hegel, Foucault não vê só continuidades na história, já que
ela é dispersiva, e por isso, possui vários sentidos que seguem caminhos independentes.
“Certamente a história há muito tempo não procura mais compreender os acontecimentos por
um jogo de causas e efeitos na unidade informe de um grande devir, vagamente homogêneo
ou rigidamente hierarquizado: mas não é para reencontrar estruturas anteriores, estranhas,
hostis ao acontecimento” (FOUCAULT, 2006, p. 56).
Foucault substitui a idéia metafísica de causalidade na história pela pluralidade
empírica dos fatos, para narrar realidades consideradas insignificantes pela história moderna,
como por exemplo, a história da sexualidade, da loucura e do crime. “As noções fundamentais
que se impõem agora não são mais as da consciência e da continuidade [...] não são também
as do signo e da estrutura” (FOUCAULT, 2006, p. 56). Nessa concepção o acontecimento não
é efeito, mas relação, dispersão e recorte.
Na nova episteme foulcaultiana da história, o trabalho do historiador e seus métodos se
voltaram das grandes unidades para os fenômenos de rupturas. “A história contínua estava
ligada à posição fundadora do ‘sujeito’- a garantia de que teria de volta o que lhe escapa, de
que o tempo não dispersaria e de que, pela consciência de si, ele poderia unificar e dominar
toda dispersão” (REIS, 2000, p. 125). Agora, a história é conseqüência de sua dispersão, pois
é a dispersão que aponta os vários sentidos dos acontecimentos. Logo, os acontecimentos são
“redistribuições recorrentes que fazem aparecer vários passados, várias formas de
encadeamento, várias hierarquias de importância, várias redes de determinações, várias
teleologias...” (FOUCAULT, 2008, p. 5).
Na Arqueologia do saber Foucault demonstra que na história existem muitas rupturas
e dispersões. Na mesma época em que os historiadores procuravam essas sucessões, a história
das idéias chamou a atenção do historiador para os fenômenos de ruptura. Foucault lembra
que Bachelard, com sua nova perspectiva epistemológica, havia alertado sobre a existência de
interrupções sob as aparentes continuidades. “... o problema não é mais a tradição e o rastro,
mas o recorte e o limite...” (FOUCAULT, 2008, p. 6). Nessa nova teoria do conhecimento, a
noção de descontinuidade se torna imprescindível para a teoria da história. Agora “... o
historiador se dispõe a descobrir os limites de um processo, o ponto de inflexão de uma curva,
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a inversão de um movimento regulador, os limites de uma oscilação, o limiar de um


funcionamento, o instante de funcionamento irregular de uma causalidade circular”
(FOUCAULT, 2008, p. 10). Para estudar a dispersão na história é preciso elaborar uma teoria
geral da descontinuidade, que segundo Foucault, necessita de séries, série de séries, limites,
autonomias e relações. Assim, “as séries descritas, os limites fixados, as comparações e as
correlações estabelecidas não se apóiam nas antigas filosofias da história, mas têm por
finalidade colocar novamente em questão as teleologias e as totalizações” (FOUCAULT,
2008, p. 17).
Na história clássica, a descontinuidade e a dispersão deveriam ser eliminadas, para que
não houvesse erros e desvios da tradição. Por isso, comenta Foucault:

para a história, em sua forma clássica, o descontínuo era, ao mesmo tempo, o dado e o impensável; o
que se apresentava sob a natureza dos acontecimentos dispersos – decisões, acidentes, iniciativas,
descobertas – e o que devia ser, pela análise, contornado, reduzido, apagado, para que aparecesse a
continuidade dos acontecimentos (FOUCAULT, 2008, p. 9).

Agora, a descontinuidade se tornou objeto e instrumento de pesquisa, porque para


Foucault, a ruptura delimita o campo de que é o resultado, o que demarca a nova
epistemologia da história.
A filosofia da história hegeliana procurava um sentido para o passado e uma direção
para o futuro, porém, segundo Foucault, essa abordagem é equívoca, pois a história é feita por
fatos irrepetíveis que não vão além de suas próprias rupturas. No entanto, para Foucault, é
difícil formular uma teoria da descontinuidade ou aceitá-la, pois a história contínua é a
história do sujeito que procura se apropriar da diferença para recompô-la e identificá-la com o
mesmo.
A teleologia da histórica hegeliana visava superar os fatos particulares, tidos como
obstáculos, para alcançar a história universal, entendida como progresso em direção a
consciência da liberdade. Por outro lado, “a arqueologia, em compensação, toma por objeto de
sua descrição o que habitualmente se considera obstáculo: ela não tem por projeto superar as
diferenças, mas analisá-las, dizer em que exatamente consistem e diferenciá-las”
(FOUCAULT, 2008, p. 192).
A arqueologia tenta entender como ocorrem as mudanças e não porque ocorrem.
Foucault esclarece que a análise arqueológica da história não quer simplesmente negar as
permanências, e sim, mostrar o que é uma permanência e quando ocorre uma ruptura. Nessa
leitura Foucault constata que a mudança do paradigma de continuidade para o de ruptura, não
é um tempo neutro, mas relação proporcional de mudança, quando os vários sentidos da
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história se rearranjam de diferentes maneiras. “Desse modo, a análise dos cortes


arqueológicos tem por propósito estabelecer, entre tantas modificações diversas, hierarquias,
complementaridades, coincidências e defasagens: em suma, descrever a dispersão das
próprias descontinuidades” (FOUCAULT, 2008, p. 196).
Rompendo com a teleologia hegeliana, a arqueológica da história de Foucault tem por
objetivo explicar a história por ela mesma, independente de causas transcendentais. Essa
abordagem tem o intuito de evitar que os acontecimentos sejam excluídos ou adaptados à
tradição na histórica, pois “... a história é, para uma sociedade, uma certa maneira de dar
status e elaboração à massa documental de que ela não se separa” (FOUCAULT, 2008, p. 8).
Na história moderna os documentos foram submetidos à história para justificar a tradição, o
sentido e o sujeito.
Portanto, a história dispersiva compreende várias temporalidades, pois as mudanças
históricas são sempre localizadas e limitadas a alguns aspectos da realidade, com diferentes
impactos sobre a trama de relações que cada acontecimento comporta. Como os
acontecimentos não são hierarquizados em causas e efeitos, mas relacionados, as mudanças
em um aspecto da realidade, como por exemplo, o político, não acontecem na mesma
proporção no econômico e no social. Desse modo, não é possível fazer uma história total,
apenas uma história geral, que trata de temas específicos, relacionados em diferentes níveis
com os demais.

Considerações finais

A contribuição de Hegel para a história esteve em analisá-la de forma mais ampla,


indo além dos acontecimentos particulares, e em afirmar que os fatos não falam por si, e que
por isso, precisam ser interpretados pelo historiador, que diante deles não age de modo
passivo, pois recorre a categorias próprias para construir os fatos pela reflexão racional.
Também conclui que os indivíduos são filhos de seu povo e de seu tempo, porque ninguém
fica atrás de seu tempo, como também ninguém consegue ultrapassá-lo. Por conseguinte, para
ele, a história da humanidade seria o desenvolvimento do espírito do mundo no tempo
presente, que contém toda a essência do real. Contudo, a filosofia da história iluminista de
Hegel tenta adaptar à história uma lógica externa a própria história com o objetivo de
identificá-la com o progresso a serviço do poder. A história universal de Hegel se impôs como
tribunal do mundo, julgando os vencedores como heróis e bons, e os perdedores como vilões e
maus. É a história do mesmo que anula a diferença para se justificar no poder. Além disso,
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Hegel limitou a história somente às ações do Estado, relegando os demais acontecimentos,


tidos como contingentes e insignificantes, ao esquecimento.
Segundo Koselleck, a concepção iluminista da história de Hegel é eurocêntrica e
propõe uma história linear do progresso. Porém, em muitas ocasiões o progresso cedeu lugar à
catástrofe e à ruína. Por isso, a história iluminista nada mais foi do que a imposição da história
européia sobre a história do mundo. “O sujeito desta filosofia era a humanidade inteira que,
unificada e pacificada pelo centro europeu, deveria ser conduzida em direção a um futuro
melhor” (KOSELLECK, 1999, p. 10).
Na narrativa iluminista, a história seria uma história necessária e os fatos contingentes
não seriam capazes de desvirtuar o objetivo final, mantendo, desse modo, o resultado
garantido pela relação causa-efeito. Logo, a história teleológica do iluminismo dá um sentido
necessário à história que caminha para um fim determinado a priori. Portanto, a história é
aquilo que deveria ser desde o começo. Ela é a história do mesmo que exclui o diferente. “De
antemão, o esclarecimento só reconhece como ser e acontecer o que se deixa captar pela
unidade” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 22). Ainda, identifica a história apenas com
a história dos vencedores, com seus conflitos, revoluções e guerras como acontecimentos
relevantes, desconsiderando que todas as ações humanas no tempo fazem parte da história,
mesmo que tenham sido relegadas.
Considerando-se que o iluminismo estabelece a Razão e o progresso como critério de
verdade, quem não consegue acompanhá-los está condenado à morte, pois toda diferença é
considerada uma ameaça a história iluminista. Desse modo, para Hegel “a história universal
não está, então, em qualquer acontecimento, mas é essencialmente a culminação desse
processo, graças ao qual o espírito aparece a si” (ROSENFIELD, 1995, p. 277). O projeto da
filosofia da história iluminista para a história é a inclusão de toda a humanidade em um único
processo temporal, unindo passado, presente e futuro como uma totalidade previamente
definida.
Em suma, a filosofia da história de Hegel surge como uma tentativa de o homem
controlar o mundo através da Razão. Assim, a história é escrita antes que ela aconteça. O
iluminismo trouxe muitas contribuições à filosofia, à ciência e à história, contudo, a sua
radicalização desconsiderou a pluralidade, colocando a história a serviço da legitimação de
uma única verdade no poder. A ênfase no universal e no permanente excluiu o particular e o
contingente de cada povo e indivíduo.
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Referências

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