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Giovane Pazuch1
Resumo: O presente estudo visa compreender porque para Hegel a história é dialética.
Segundo essa interpretação, a história dialética é o resultado da relação do atual (tese) com o
diferente (antítese) que entram em conflito e, em um segundo momento, provocam o novo
(síntese). Para Hegel a história é racional, por isso afirma ser possível relacionar os fatos entre
si e ligá-los à história universal através da Razão. Para tanto, buscaremos compreender o que
é dialética para o autor e em que momentos ela aparece na história. Ainda, estudaremos a
relação dos acontecimentos particulares com a história universal. A pesquisa tem como
objetivo analisar as contribuições de Hegel para a reflexão sobre a história.
Summary: This study aims to understand the reason for which to Hegel the history is
dialectical. According to this interpretation, the history dialectic is the result of the current
relationship of the actual (thesis) with the different (antithesis) coming into conflict, and then,
causing the new (synthesis). For Hegel history is rational, so claims to be possible to relate the
facts together and connect them to the universal history by Reason. Thus we’ll try to
understand what is dialectic for the author and in what moment it appears in history. We’ll
study still, the relation of private events with the universal history. The research aims to
analyze the contributions of Hegel to the reflection about history.
Introdução
tendo a Razão como único critério de verdade. A filosofia da história de Hegel procura
delinear o sentido da história, estudando o passado a partir do presente para projetar o futuro.
“Assim, a História é a autodeterminação da Idéia em progresso, o autodesenvolvimento do
Espírito em progresso. Além disso, como o Espírito é livre por sua natureza interior, a História
é o progresso da liberdade” (HEGEL, 2001, p. 17).
Para a execução deste trabalho utilizaremos os conceitos obtidos através de pesquisas
bibliográficas das obras Filosofia da história, A razão na história, Textos dialéticos e
Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio de Hegel, além da contribuição de
estudiosos do pensamento hegeliano, como Herbert Marcuse, Jean Hyppolite e Leandro
Konder para analisar o conceito de Razão, acontecimento, dialética e história universal em
Hegel. Para realizar a crítica ao pensamento hegeliano nos apoiaremos nos autores da Escola
de Frankfurt, Adorno e Horkheimer, bem como em Cassirer e Foucault, críticos da filosofia da
história de Hegel.
Na obra Filosofia da história (1837) Hegel procura encontrar o vínculo que existe
entre os acontecimentos ao longo do tempo. Marcuse (1978) afirma que a Filosofia da
história de Hegel expõe o conteúdo histórico da Razão. Assim, a história seria o resultado
racional do confronto dialético das ações dos homens, tendo em vista que agem em função de
objetivos. Em sua concepção dialética da história, o autor entende que a mudança histórica,
diferentemente dos ciclos repetitivos da natureza, significaria o avanço da humanidade em
direção ao melhor e mais perfeito, pois para ele, somente a mudança no reino do espírito
poderia gerar o novo aperfeiçoado. No entanto, segundo Hegel, “o aperfeiçoamento é na
verdade algo quase tão indeterminado como o é a mutabilidade em geral; ele não tem meta,
objetivo ou padrão de mudança” (HEGEL, 2001, p. 106). Logo, o Espírito é aquilo no qual se
transformou, a partir de seu conflito interno, pois para Hegel, os acontecimentos não estão
dispostos harmoniosamente, mas em situação de conflito. Por isso, a lógica interna da história
é dialética.
A história dialética é dinâmica, pois cada ação (tese) comporta uma reação (antítese),
que em conflito com a tese resulta em uma nova realidade (síntese), a qual contém as
qualidades do antigo e do novo espírito. Em Hegel a história é o topos no qual a humanidade e
os seres humanos se constroem enquanto processo dialético em marcha. Além disso, afirma
que a história universal, que é passível de racionalidade, pode ser apreendida pela reflexão
filosófica. Desse modo, a história filosófica, que trata da filosofia da história é a observação
refletida. Para o autor, somente ela, por meio do raciocínio dialético, poderia compreender a
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história universal, que seria o real existente, porque o real poderia ser compreendido pelo
método dialético.
Para Hegel a história considera o que é e o que foi, ou seja, acontecimentos e ações. Já
a filosofia, contemplaria a história, porque segundo o autor, seria nela que a Razão se
encontra. Por isso, a filosofia abordaria a história como matéria-prima para a reflexão. O
objetivo do raciocínio dialético de Hegel, aplicado à história, é o de conhecer o conflito entre
os acontecimentos particulares, que em conjunto, formam a história universal.
Conseqüentemente, a história universal seria um processo racional dialético. Portanto, não
bastaria acumular conhecimentos fragmentados sobre o real, porque os fatos isolados não
falariam por si, e por isso, não poderiam revelar a história. Logo, seria preciso examinar os
dados por intermédio da Razão para que eles revelem a história universal.
Para Hegel, o estudo da história universal deveria levar em conta tudo o que nela
aconteceu racionalmente, porque a história seria a marcha racional da humanidade em direção
a autoconsciência da liberdade do espírito universal encarnado no Estado. Para tanto, a
investigação histórica deveria ser realizada de forma empírica, para se desfazer de todo mito e
invenção. Por isso, a compreensão dialética que Hegel tem da história, só reflete a história dos
povos que se organizam racionalmente através do Estado.
O raciocínio dialético
Por sua vez, Hegel retoma a concepção dialética do real para, a partir dela, interpretar
a história. Para compreender a dialética aplicada à história, é preciso analisar o movimento
dialético histórico, que consiste no questionamento do real (tese), provocado pela negação
(antítese), que força a mudança (síntese), a qual transforma o real. Assim, para Hegel, explica
Konder, “a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a
conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um
nível superior” (KONDER, 2006, p. 26).
Esse processo se desenvolve indefinidamente. Como conseqüência do processo
dialético, a síntese (presente) exclui as contradições, incorporando e conservando as
qualidades da antiga tese (passado), que passam a coexistir com o novo no presente. Konder
exemplifica essa afirmação em O que é dialética com o conceito de trabalho. Nele a matéria é
destruída (negada) para assumir outra forma, mas que conserva o material do objeto
transformado. Portanto, a matéria inicial é a tese, o trabalho, a antítese e, a nova forma, a
síntese. Para Hegel, a dialética é a contradição que se encontra tanto na consciência do
sujeito, quanto na realidade objetiva, os quais formam o real que seria racional.
Na teoria do conhecimento a síntese é o instrumento pelo qual podemos abranger a
maior parte das estruturas que compõem o real, resultado da negação da negação. Dessa
forma, “a síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura
significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada” (KONDER, 2006, p. 37).
No raciocínio dialético o passado enquanto tempo real não existe mais, o que existe é a
consciência do passado que se tem no presente. Por isso, de acordo com Hegel, “quando
lidamos com a idéia do espírito e consideramos tudo na história universal como a sua
manifestação, ao percorrermos o passado – não importa qual a sua extensão -, só lidamos com
o presente” (HEGEL, 1995, p. 72). A concretização do espírito é a sua própria ação, por isso,
o ser humano se torna aquilo que ele faz. Portanto, o Espírito que não está no presente e não
age, não existe.
O conceito de história
Segundo Hegel a história pode ser interpretada de três modos diferentes: história
original, refletida e filosófica. A história original feita, por exemplo, por Heródoto e
Tucídides, descreve os feitos e acontecimentos de maneira pessoal e tendenciosa. Assim,
“nesses discursos, essas pessoas exprimem as máximas de seu povo e de sua própria
personalidade, a consciência de seus relacionamentos políticos, como sua natureza ética e
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moral, os princípios de suas metas e atos” (HEGEL, 1995, p. 12). Entretanto, os mitos já se
encontram excluídos dessa história, pois ela já é a história de um povo consciente da diferença
entre fantasia e realidade.
Os historiadores da história original transformariam os acontecimentos em
representações mentais elaboradas segundo seus conceitos de mundo. Por isso, escrevem uma
história contemporânea e não refletem sobre os acontecimentos, e sim, narram seus próprios
objetivos como história. Nela, para Hegel, “a cultura do autor e a dos acontecimentos criados
em sua obra, o espírito do autor e o das ações que ele relata são o mesmo” (HEGEL, 2001, p.
46).
A história refletida ultrapassaria o presente em seu espírito para compor, a partir de
uma visão total da história, a história geral. Logo, a história refletida é aquela que é capaz de
examinar a história dos povos e do mundo, e por isso, se chama história universal. Nela o
espírito que escreve a história não é o mesmo do período narrado.
A terceira via de interpretação da história, a que interessa a Hegel, é a história
filosófica. “Os historiadores Filosóficos, relata-nos Hegel, percebem que idéias e eventos
históricos aparentemente independentes são parte de uma realidade que é a ‘Mente’ e que essa
Mente está procurando a unificação e a realização” (HUGHES-WARRINGTON, 2002, p.
163). É o método capaz de contemplar a história analiticamente no tempo presente. Não
consiste propriamente em escrever a história, mas em refletir sobre ela e encontrar a sua razão
de ser.
Nessa reflexão, a filosofia não se ocuparia do passado ou do futuro, mas daquilo que
é em sua existência perene, ou seja, a Razão. Desse modo, para Hegel, “... a filosofia da
história nada mais significa do que a sua observação refletida” (HEGEL, 1995, p. 16). Para a
história filosófica não existe tempo, tendo em vista que o passado está incorporado ao
presente na síntese, “... pois a idéia é sempre presente e o espírito é imortal; para ela não há
passado nem futuro, apenas um agora essencial” (HEGEL, 1995, p. 72). Isso quer dizer que o
presente contém a síntese de todos os estágios anteriores do espírito.
Hegel considera que a filosofia seria a “ciência” do raciocínio lógico especulativo,
com a tarefa de abordar a história de forma racional para entender sua lógica e dela extrair a
Razão que governa o mundo. De fato, “na história, o pensamento está subordinado aos dados
da realidade, que mais tarde servem como guia e base para os historiadores” (HEGEL, 2001,
p. 52). Portanto, a contribuição da filosofia para a história estaria, assim, em encontrar a
Razão na história, posto que os acontecimentos são conseqüências de ações racionais. Neste
sentido, Hegel destaca que “a investigação filosófica pode e deve começar o estudo da história
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apenas onde a Razão começa a manifestar sua existência no mundo, onde aparecem a
consciência, a vontade e a ação e não onde tudo isso ainda é uma potencialidade irrealizada”
(HEGEL, 2001, p. 111).
A filosofia busca revelar o espírito do real que permanece na história, para além da
sucessão dos fatos. Sua tarefa seria identificar a Razão que governa o mundo, porque a
história, para Hegel, é um processo racional em busca da liberdade. Por sua vez, a história
interpretaria a materialização ou o desfecho da ação humana ao longo do tempo. “A história
universal representa pois a marcha gradual da evolução do princípio cujo conteúdo (gehalt) é
a consciência da liberdade” (HEGEL, 1969, p. 57). Ela seria a síntese, o resultado do
movimento dialético gerado pelo conflito que supera os fatos, mas conserva o espírito do
mundo, entretanto, já transformado pelo embate entre a tese e a antítese em uma nova
realidade.
Para Hegel a história iniciaria com o advento do Estado, pois segundo sua tese, o
Estado é a única força capaz de realizar alguma revolução significativa. Hegel faz essa
afirmação, porque para ele só é fato histórico aquilo que transforma a realidade, e, o sujeito
capaz de fazer as maiores transformações é o Estado. Logo, os fatos repetitivos do cotidiano
de um povo não são objetos de memória, e sim, as ações que desencadeiam mudanças. A
história surge, então, quando o ser humano toma consciência de sua liberdade, modifica e
aperfeiçoa o seu espírito. Ela começa com a constituição do Estado, porque “somente em um
Estado com a consciência das leis existem ações claras e essa consciência é clara o suficiente
para fazer com que os registros sejam possíveis e desejáveis” (HEGEL, 2001, p. 113). Hegel
afirma que a história é aquilo que dá identidade a um povo.
Em Hegel a história é a ciência que narra o passado a partir de métodos e técnicas
próprios. Ela se ocupa, segundo o autor, do que foi e do que é, acontecimentos e ações. Por
isso, a história narra uma série de histórias paralelas e sucessivas, sem ter a preocupação de
encontrar continuidades, mas tão somente de relatar os fatos. No entanto, a preocupação de
Hegel não é dizer como a história deve ser escrita ou apontar fatos particulares, mas analisar a
história universal. Todos os grupos humanos possuem história objetiva, contudo para que essa
história objetiva seja preservada seria preciso formular a história subjetiva em forma de
narrativa. A história objetiva não existe mais, já é passado, somente a história narrativa pode
conservar alguns fragmentos do que foi o passado. Assim, a história é aquilo que fica do que
foi esquecido. Logo, “Hegel não se detém no evento histórico, procura compreender-lhe o
sentido profundo e descobrir uma evolução dos valôres sob uma mudança de instituições”
(HYPPOLITE, 1971, p. 25).
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natureza mais intrínseca” (HEGEL, 1995, p. 24). Assim, através da consciência de si os povos
germânicos chegaram à conclusão de que todos os seres humanos são livres e iguais por
direito natural. Por isso, a história é caminho rumo à consciência da liberdade, na luta pela
superação da vontade individual e pela implantação dos interesses coletivos através do
Estado.
Portanto, desde a Antiguidade a principal revolução da Razão foi a evolução da
consciência da liberdade, na qual todos foram se tornando senhores de si. A superação da
escravidão se deu quando a Razão entrou na história e os homens começaram a ter
consciência de si, agindo por vontade própria e não por medo ou ignorância.
A história dialética
Para Hegel, a história da humanidade e dos indivíduos seria movida por idéias,
pensamentos e ideologias, resultado do embate dialético entre a matéria e o espírito, o qual
gera um conhecimento sobre o real, e, em um segundo momento, o próprio real. Conforme
Hegel, o pensamento se emancipou e se emancipa continuamente da matéria e da própria
idéia, a partir da consciência de si e passa a transformá-la. Desse modo, o espírito humano se
liberta da natureza, dos condicionamentos instintivos de sobrevivência e produz sua própria
cultura. Para Hegel, a história não é o resultado do acaso, pois cada indivíduo, povo ou
civilização goza do que construiu e é mais do que deixou de fazer ou do que não é. Desse
modo, “a Razão é o pensamento determinando-se em absoluta liberdade” (HEGEL, 2001, p.
56). Assim, o destino de uma nação é definido pela inteligência e pela vontade consciente que
a governa.
Na visão de Hegel os séculos e milênios que se passaram antes da história escrita não
contariam para o desenvolvimento do espírito do mundo, porque não ficaram registrados,
logo, não influem na consciência do ser humano. Pois, “é na história que uma nação encontra
o cunho comum de sua religião, de sua constituição política, de sua moralidade objetiva, de
seu sistema jurídico, de seus costumes e também de sua ciência, arte e habilidade técnica”
(HEGEL, 1995, p. 61). Desse modo, as culturas línguas e religiões que não são lembradas
deixaram de contribuir para o desenvolvimento do ser humano e da história.
Hegel demonstra no prefácio de sua obra Princípios da Filosofia do Direito que “o que
é racional é real e o que é real é racional” (HEGEL, 1997, P. 35). E só é real aquilo que é
histórico, porque a realidade produzida pelo ser humano, que é histórica, por isso real, pode
ser entendida racionalmente. A natureza não faz história, segundo Hegel, exatamente porque
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segue sempre as mesmas leis universais e imutáveis, e por isso, não evolui. Já o ser humano
evolui porque possui um espírito livre capaz de criar cultura e conhecimento.
Conseqüentemente, pratica ações e por meio delas se transforma e se aperfeiçoa. Assim, a
histórica dialética em Hegel demonstra que a história é a mudança, o desenvolvimento e o
progresso para algo mais perfeito. “O espírito de um povo é um espírito particular e
determinado, e é também, como acabamos de dizer, determinado pelo grau do seu
desenvolvimento histórico” (HEGEL, 1995, p. 50).
Hegel cita a democracia grega como exemplo de processo dialético rumo à
consciência da liberdade na história. Na Grécia, no início, a democracia se manteve em um
Estado concreto, ou seja, a pólis sustentada pela escravidão. Quando Sócrates contrapôs ao
Estado concreto a sua idéia universal da igualdade entre os homens, a democracia parcial da
Grécia que excluía os escravos e os estrangeiros teve que ser aprimorada para sobreviver. A
tese era a cidadania de poucos, o que excluía os não cidadãos, a antítese foi o pensamento de
Sócrates, contrário a desigualdade, e a síntese, a consciência de que todos têm direto à
cidadania. Assim, “o sujeito livre só nasce quando o indivíduo não aceita mais a ordem
vigente e a ela resiste...” (MARCUSE, 1978, p. 224). Entretanto, essa foi uma mudança lenta
que demandou tempo, esforço e luta, pois só o fato de os gregos saberem que eram livres não
lhes garantia a liberdade.
Na concepção hegeliana a história é racional porque os homens que fazem a história
agem racionalmente, tendo em vista que agem em busca de objetivos. Por isso, “do exame,
pois, da história universal se infere que tudo ocorre racionalmente, que ela foi o processo
racional e necessário do espírito universal (weltgeistes) – espírito que é uno e idêntico à
natureza, mas que exterioriza (explicirt) esta sua única natureza na existência universal
(weltdasein)” (HEGEL, 1969, p. 40). Portanto, se a razão é determinada, segue que a história
não é fruto do acaso, pois a razão governa os acontecimentos, logo a história é racional.
A história universal se manifesta concretamente nas individualidades de modo
contingente, ou seja, temporariamente. Desse modo, assim como os fatos se sucedem no
tempo, também os espíritos são substituídos uns pelos outros ou melhorados. Nessa
perspectiva, para Hyppolite, “... a história será a dialética dos povos, porque um povo é uma
encarnação concreta, uma realização individual do espírito; é ao mesmo tempo uma totalidade
e uma individualidade” (HYPPOLITE, 1971, p.44).
A Razão não segue leis imutáveis como o movimento do sistema solar, pois ela é um
espírito vivo, isto é, dinâmico que se transforma e evolui. Pois “a razão é o pensamento
totalmente livre determinando-se a si mesmo” (HEGEL, 1969, p. 42). Juntamente com a
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Razão estão os anseios e paixões que impulsionam o ser humano à ação, por isso, Hegel
também afirma que “explicar a história é revelar as paixões do homem, seu gênio e suas
forças operativas...” (HEGEL, 1969, p. 43).
Em Hegel os fatos dentro da história não estão isolados, mas fazem parte de um
contexto maior que os unifica. Desse modo, tanto os fatos particulares como os
acontecimentos universais, possuem sua lógica interna, que é racional, logo é possível
encontrar Razão na história. A relação desses fatos com o contexto, expressa o espírito da
história que Hegel chama de história universal.
Os homens assumem o espírito de seu tempo e se tornam representantes dele, pois
agem a partir de costumes e leis morais incutidos em suas mentes e tomados pelos indivíduos
como naturais, independente de suas virtudes. “Essa totalidade temporal é uma essência, o
espírito de um povo. Os indivíduos pertencem a ele; cada um é filho de seu povo e,
igualmente, um filho de seu tempo – se o seu Estado se encontra em processo de
desenvolvimento” (HEGEL, 1995, p. 50).
O trabalho do pensamento é encontrar conceitos universais que sejam racionais, e,
portanto, válidos para todos, conceitos de direito, liberdade e ética. Logo, o pensamento
gerado a partir da autoconsciência da liberdade entra em choque com as instituições que não
respondem mais às necessidades de seu tempo. Pois, “segundo Hegel, o progresso histórico é
precedido e guiado por um progresso do pensamento” (MARCUSE, 1978, p. 221). Assim
como o tempo destrói a sua própria criação, o pensamento destrói o pensamento estabelecido
pela dinâmica da dialética histórica.
Para os filósofos iluministas, como John Locke, Rousseau e Voltaire, os
acontecimentos são a conseqüência de um processo imanente à própria história impulsionado
pela ação do homem autônomo. Ao contrário dos iluministas, Hegel acreditava que os fatos
são governados por forças transcendentais à história, e que as transformações levariam ao
progresso e à consciência da liberdade. Apesar de Hegel ser um iluminista 2, ele se diferencia
do iluminismo quanto ao conceito de progresso, pois enquanto os iluministas acreditam em
um futuro feliz, Hegel defende que a história é um processo dialético conflituoso e infinito
governado pela Razão. Por isso, enfatiza: “compreendo, com efeito, aqui, a atividade humana,
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O paradigma iluminista defende que o conhecimento científico, guiado pela Razão imanente, pode levar a
humanidade ao progresso e, consequentemente, à felicidade, tanto no tempo presente como no futuro. Assim
sendo, os iluministas acreditam que quem não consegue acompanhar o paradigma iluminista está condenado à
morte, pois toda diferença é considerada uma ameaça ao iluminismo. Desse modo, a história iluminista se torna a
história hegemônica dos vencedores em detrimento dos vencidos. Diferenciando-se dos iluministas quanto ao
conceito de progresso na história, Hegel entende a história como um processo dialético infinito e transcendente.
Daí conclui que a felicidade e a perfeição não são possíveis no presente e nem mesmo no futuro, pois para ele o
desenvolvimento da Razão é um processo dialético infinito, logo, incapaz de atingir o progresso definitivo.
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Segundo Dray, a filosofia da história não é uma teoria ou um método de como se deve
escrever a história, mas uma análise sintética da história já escrita, visando encontrar suas
permanências e tendências. Ela nada mais significa que submeter a história a uma leitura
filosófica. Nela buscam-se as causas, o desenvolvimento e o sentido dos fatos, procurando
estabelecer uma relação entre os acontecimentos com o objetivo de dar um sentido à história.
“A Filosofia Especulativa busca descobrir na história o curso de acontecimentos, um padrão
ou significado que se situa para além da esfera do historiador comum” (DRAY, 1969, p. 9).
Procura as causas da história com começo, meio e fim, partindo do pressuposto de que a
história nunca se repete, mas é cumulativa e progressiva. A filosofia da história iluminista
superou a influência metafísica sobre a história para indicar o sentido dos acontecimentos a
partir da própria história. “Filosofias da natureza e filosofias da cultura conduziram, de
imediato ou não, às doutrinas evolucionistas e às filosofias da história baseadas na idéia de
progresso” (FALCON, 2004, p. 58).
Conforme Dray, em sua obra Filosofia da história, a leitura filosófica da história
surgiu no final do século XVIII e princípio do XIX com os idealistas alemães Kant, Herder,
Fichte e Hegel. É característico da filosofia da história estabelecer continuidades entre
acontecimentos aparentemente sem ligação, propondo a continuidade ou a relação entre um
fato e outro como critério de compreensão histórica. Desse modo, ela é o esforço analítico
para encontrar as continuidades e eliminar tudo o que é casual. No entanto, a filosofia da
história iluminista foi questionada por autores como Adorno, Horkheimer, Cassirer, Foucault
e Koselleck.
Para Adorno e Horkheimer “todo objetivo a que se refiram os homens como um
discernimento da razão é, no sentido rigoroso do esclarecimento, desvario, mentira,
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progresso. Contudo, a dialética em sua tentativa de síntese exclui o diferente e os fatos tidos
como contingentes. A filosofia da história procura superar ou ignorar o acaso e o descontínuo
do acontecimento como fato particular, para estabelecer uma necessidade ideal. “Mas escapar
realmente de Hegel supõe apreciar exatamente o quanto custa separar-se dele...”
(FOUCAULT, 2006, p. 72).
Ao contrário do que pensa Hegel, Foucault não vê só continuidades na história, já que
ela é dispersiva, e por isso, possui vários sentidos que seguem caminhos independentes.
“Certamente a história há muito tempo não procura mais compreender os acontecimentos por
um jogo de causas e efeitos na unidade informe de um grande devir, vagamente homogêneo
ou rigidamente hierarquizado: mas não é para reencontrar estruturas anteriores, estranhas,
hostis ao acontecimento” (FOUCAULT, 2006, p. 56).
Foucault substitui a idéia metafísica de causalidade na história pela pluralidade
empírica dos fatos, para narrar realidades consideradas insignificantes pela história moderna,
como por exemplo, a história da sexualidade, da loucura e do crime. “As noções fundamentais
que se impõem agora não são mais as da consciência e da continuidade [...] não são também
as do signo e da estrutura” (FOUCAULT, 2006, p. 56). Nessa concepção o acontecimento não
é efeito, mas relação, dispersão e recorte.
Na nova episteme foulcaultiana da história, o trabalho do historiador e seus métodos se
voltaram das grandes unidades para os fenômenos de rupturas. “A história contínua estava
ligada à posição fundadora do ‘sujeito’- a garantia de que teria de volta o que lhe escapa, de
que o tempo não dispersaria e de que, pela consciência de si, ele poderia unificar e dominar
toda dispersão” (REIS, 2000, p. 125). Agora, a história é conseqüência de sua dispersão, pois
é a dispersão que aponta os vários sentidos dos acontecimentos. Logo, os acontecimentos são
“redistribuições recorrentes que fazem aparecer vários passados, várias formas de
encadeamento, várias hierarquias de importância, várias redes de determinações, várias
teleologias...” (FOUCAULT, 2008, p. 5).
Na Arqueologia do saber Foucault demonstra que na história existem muitas rupturas
e dispersões. Na mesma época em que os historiadores procuravam essas sucessões, a história
das idéias chamou a atenção do historiador para os fenômenos de ruptura. Foucault lembra
que Bachelard, com sua nova perspectiva epistemológica, havia alertado sobre a existência de
interrupções sob as aparentes continuidades. “... o problema não é mais a tradição e o rastro,
mas o recorte e o limite...” (FOUCAULT, 2008, p. 6). Nessa nova teoria do conhecimento, a
noção de descontinuidade se torna imprescindível para a teoria da história. Agora “... o
historiador se dispõe a descobrir os limites de um processo, o ponto de inflexão de uma curva,
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para a história, em sua forma clássica, o descontínuo era, ao mesmo tempo, o dado e o impensável; o
que se apresentava sob a natureza dos acontecimentos dispersos – decisões, acidentes, iniciativas,
descobertas – e o que devia ser, pela análise, contornado, reduzido, apagado, para que aparecesse a
continuidade dos acontecimentos (FOUCAULT, 2008, p. 9).
Considerações finais
Referências