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UM OLHAR DELICADO E REALISTA

Christian Schwartz1

É o romancista Cristovão Tezza quem define a tendência atual da representação


nas artes como “estética da coincidência”: assumindo-se de vez a fragmentação do
nosso tempo, como frequentemente têm feito esses filmes em que personagens de
enredos paralelos invadem os territórios narrativos uns dos outros, é que se daria sentido
a um mundo dito pós-moderno.
A reedição da obra de Ana Teresa Jardim – e particularmente o lançamento de
Conto de verão, novela mais do que conto, em vista de sua complexidade – faz pensar
que essa arte do encontro, tão sabotada pela falsa sociabilidade dos espaços virtuais, é o
grande tema da autora carioca. Uma escritora... delicada: é a palavra que vem à mente a
cada página de seus textos – além do livro novo, Ana Teresa é autora das coletâneas de
contos A cidade em fuga e A mesa branca e do delicioso romance policial No fio da
noite.
Em Ana Teresa, a delicadeza produz um retrato do contemporâneo como
nostalgia de um mundo mais íntegro – e inteiro. Nem mesmo sua incursão nas histórias
de detetive, em que escolhe como protagonista uma improvisada “investigadora” – a
sensível e esperta prostituta Nena, uma argentina – e como cenário o Rio dos anos 20,
época de acelerada modernização que afligia corações pesarosos (penso em Fernando
Pessoa), foge a essa regra.
Parte importante da formação de Ana Teresa se deu na Inglaterra dos grandes
romancistas capazes de retratar – num registro realista sem constrangimentos, o que
parece ser anátema na literatura brasileira – o mundo em que vivemos. Não que a autora
pratique um realismo para inglês ver, não me entendam mal. Mas é tentador ver em suas
histórias observadoras, nas descrições minuciosas, no recurso ao diálogo sem
invencionices formais gratuitas, uma competente narradora à inglesa.
Sem querer comparar, em absoluto, as obras e os temas dos dois autores, um
romancista com quem me correspondi brevemente, anos atrás, e que passei então a
traduzir no Brasil, se revelou um bom guia durante minha visita ao universo e aos
personagens de Ana Teresa: o inglês Jonathan Coe. Lembrei o que disse Coe, ele
próprio um obcecado pela arte do encontro e pela “estética da coincidência” como
manifestações algo nostálgicas, não necessariamente do passado, mas de um outro
presente (im)possível:

Os tijolos que uso em minhas construções [narrativas] podem ser bem ordinários –
fragmentos de conversas apenas entreouvidos, um café interessante que eu tenha
visitado, duas pessoas que espiei conversando em um restaurante – mas o processo de
erguer estruturas de sentido a partir disso é que me fascina, e (quando acerto) dá prazer
ao leitor. Quero que meus leitores possam passear por meus livros como se fizessem
uma visita guiada a uma casa antiga e bela. (Comigo de guia, claro.)

E note-se que essa “casa antiga e bela”, tanto para Coe como para Ana Teresa,
provavelmente se localiza em alguma vizinhança com ares vitorianos em Londres ou,
cercada de prédios modernosos, num cantinho do Rio de Janeiro que possa evocar “uma
infância carioca universal, de quartos na casa de amigas com bonecas vestidas sobre a
cama e pais jogando buraco da casa dos vizinhos”, como a certa altura diz a
contemporaneíssima personagem Silvia, de Conto de verão.

1
Christian Schwartz é tradutor, entre outros, dos romancistas Jonathan Coe, Nick Hornby, Nathaniel
Hawthorne e F. Scott Fitzgerald, e professor em cursos de Comunicação.
E no entanto é a nossa época o centro da narrativa, por esse olhar muito
particular sobre o mundo atual; um registro realista, repita-se, mas peculiar, que
Jonathan Coe classifica como “emocional”, ou seja, assumidamente parcial. Não se trata
de autobiografia, porém, e essa é uma diferença que, pela evocação de um passado que
Ana Teresa provavelmente viveu, é importante demarcar: “É tudo baseado em
lembranças – mas quanto disso é verdade é outra questão”, conforme define, ainda, Coe.
Na boa literatura contemporânea deve funcionar o princípio da identificação
com um igual, mas na forma do seguinte paradoxo: embora romances (e também
contos) se ocupem de personagens individualizados, muito bem caracterizados, com
consciências e percursos intransferíveis, a experiência de qualquer indivíduo real, aqui,
de nada serve – daí o fato de a simples confissão quase sempre redundar em má ficção.
O grande personagem – e em especial o livro mais recente de Ana Teresa está repleto
deles – é aquele que, em sua trajetória única, vive as experiências de todos e de nenhum
de nós ao mesmo tempo.
Ao trabalhar no limite da associação entre o que conta o narrador/personagem e
a própria biografia é que, de novo paradoxalmente, alguns escritores se mostram mais
ficcionistas que outros.
Outro aspecto relacionado a esse, na obra de Ana Teresa, é sua tendência a –
como na experiência da autora-ela-mesma – sair em viagem na pele de seus
personagens cidadãos do mundo. Ecoa a voga, na literatura de língua inglesa (agora
incluída também a americana), de ficções que tratavam ora da situação dos imigrantes
em metrópoles como Londres e Nova York, ora daquilo que eles deixaram para trás: ex-
colônias juntando os cacos de suas identidades perdidas e lutando para alcançar o
mundo desenvolvido no qual sempre estiveram seus colonizadores – o que, em si,
incentivou a imigração em massa. Essa literatura, abundante desde os anos 80, deu no
fenômeno batizado de pós-colonialismo. Mas Ana Teresa, que fala de um país (e
escreve numa língua) em que tais ideias soam sempre – conforme aquela lapidar
definição – fora de lugar, novamente trabalha esses deslocamentos com absoluta
originalidade.
O que pode ser constatado em dois movimentos simultâneos e complementares:
ora seus personagens parecem lançar um olhar distanciado, quase estrangeiro sobre o
Rio – e ao mesmo tempo de intimidade profunda com a cidade; ora se veem
confrontados, em terra estrangeira de fato (são personagens que adoram aviões, trens e
ônibus...), com uma libertadora familiaridade, e isso não depende nem mesmo da
comunicação, de algum domínio de língua ou algo assim.
Sobre o primeiro aspecto – para o qual talvez não haja melhor expressão do que
o lindo conto “Minas”, de A mesa branca – a própria Ana Teresa escreveu, num texto
de autoapresentação de 2011: “Quero refletir sobre a cidade invisível, imaterial, mais
individual que coletiva [...]. Não a cidade dos historiadores e sociólogos, mas a cidade
sensualista, que se revela em flashes, memórias e tempos que se cruzam”. Trata-se,
portanto, de uma identidade – ou geografia – própria que a autora inventou para sua
cidade, o Rio de Janeiro. Revelando, no mesmo texto, ser uma “carioca criada por uma
família mineira que tinha Minas Gerais impressa em si e nos seus hábitos”, diz se
interessar, também, pela “cidade como língua adquirida e não materna, [...] [como]
linha de fuga, o exílio escolhido como vivência do radicalmente diferente”.
Uma vivência – ilustrando o segundo movimento acima referido – que
frequentemente é pura aventura, e tantas vezes compartilhada: quantas duplas de amigas
e/ou companheiras de viagem não há nas histórias de Ana Teresa? Minha preferência
pessoal são as primas de “Minha prima irmã”, conto de A cidade em fuga que leva as
personagens – numa excursão relâmpago, quase o tempo de um sonho – a uma distante
e incomunicável Polônia. Mas quanta familiaridade encontram por lá!
(E por aqui encerro as referências a textos individuais – mas fica o convite ao
leitor para que, na ocasião de uma reedição de obras completas como esta, descubra ele
próprio seus prediletos.)
Por fim, é inevitável a pergunta: onde se encaixaria essa literatura tão original de
Ana Teresa Jardim no panorama da literatura nacional?
Contemporânea da chamada “Geração 90”, a autora estreou num daqueles
momentos em que seria fácil pegar carona num movimento – o que não fez. Parece ter
sido precursora de uma atitude posterior, de autores que chegam, hoje, à faixa dos 35-40
anos e surgiram já na virada do milênio. Comentando uma possível reação dos novos à
“Geração 90”, o crítico Manuel da Costa Pinto constatou que “a ideia de ‘geração’ ficou
indelevelmente marcada, gerando movimento contrário: a negação radical, pelos novos
escritores, de quaisquer afinidades eletivas, seja entre seus pares, seja em relação a
hipotéticos precursores”.
Em termos estéticos, segundo o mesmo crítico, as referências de quem apareceu
no cenário literário há pouquíssimo tempo parecem ser mais do que contemporâneas:
“O recurso ao universo pop, à mescla de elementos da alta cultura com ícones da
comunicação de massa (cinema, rock, seriados de TV), talvez seja a forma que esses
novos escritores encontraram para apagar as marcas de uma literatura sempre
convocada a refletir sobre a realidade na qual está imersa”. Em suma: “Sai de cena a
última geração que tentou dar resposta ficcional ao imperativo da emancipação política;
entra no palco uma antigeração, às voltas com conflitos subjetivos cujo espaço é fluido
– e que corresponde à nossa massacrante irrealidade”, ainda na opinião de Costa Pinto.
(O pulo do gato, acrescento, é conseguir, em tempos como estes, fazer ficção séria e
consequente – realista, retomemos o termo em seu melhor sentido.)
Ana Teresa, um pouco alheia ao rótulo pespegado à sua suposta geração, já fazia
essa transição lá atrás, na década de sua formação como escritora. Revelador, sim, de
certo senso de antecipação – mas, sobretudo, de um talento ímpar.

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