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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO


DISCIPLINA: LLV 7012 Sociolinguística
DOCENTE: Izete Lehmkuhl Coelho
DISCENTES: Beatriz Silva Floriano
Matheus Reiser Muller
Milena Leão

1. INTRODUÇÃO

O português brasileiro possui o preenchimento facultativo do sujeito pronominal nas


sentenças, se caracterizando, assim, como uma língua pro-drop; ou seja, se enquadra no
parâmetro do sujeito nulo proposto por Chomsky no modelo de Princípios e Parâmetros (cf.
CHOMSKY, 1981; 1986), o qual demarca essa possibilidade como um traço de diferenciação
entre os idiomas. Essa condição está vinculada ao paradigma verbal que, por sua vez,
identifica as pessoas do discurso através das desinências flexionadas no verbo, que se
diferenciam de acordo com cada uma dessas, e ao elemento de concordância - AGR - que
licencia a recuperação do sujeito pronominal nas sentenças.
Entretanto, estudos sociolinguísticos, como o de Duarte (1993), apontam para uma
possível mudança nesse parâmetro, observando uma tendência ao uso do sujeito pronominal
positivamente preenchido, indicando que o português brasileiro está caminhando para se
tornar uma língua não pro-drop, em se tratando da língua oral. A autora aponta uma mudança
em curso, relacionada a uma variação em relação à redução das flexões verbais, que propicia
uma ampliação de um paradigma de 6 formas distintas - “-o”, “-s”, “-a”, “-mos”, “-is”, “-m”1
- para outro paradigma, de 4, em que, enquanto concorrentes, a forma indireta da segunda
pessoa predomina sobre a forma direta, que tem sua flexão desconsiderada, e um terceiro, de
3, em que a forma indireta da primeira pessoa concorre com a forma direta desta, acarretando
na homofonia com a flexão da terceira pessoa, configurando-se em “-o”, “ você canta” “-a”,
“a gente canta” e “vocês cantam” e “-m”. Nessa relação, a perda dos traços semânticos dessas
formas derivadas, isto é, dessas desinências número-pessoais, passam a ser majoritariamente
sintáticas, concernentes à concordância com o sujeito, que por essa razão necessita ser
preenchido. Esses novos paradigmas poderiam ser explicados através do conceito de
Economia linguística explicitado por Marcos Bagno (2011), enquanto um “impulso de poupar
a memória, o processamento mental e a realização física da língua, eliminando os aspectos
redundantes e as articulações mais exigentes”. A investigação de Duarte constatou que entre
os anos de 1845 e 1992, a ocorrência do sujeito nulo nas três pessoas (do singular) diminuiu,
como mostra o gráfico:

1
flexão de um verbo regular no presente do indicativo.
Segundo a autora, a expressão dessa mudança é diferente em relação à língua escrita e
à oral, como indica o gráfico:

Nesse contexto, o presente trabalho se propoe a averiguar sobre a expressão desse


paradigma em cartas pessoais para verificar esta hipótese e seus possiveiscondicionamentos.

2. METODOLOGIA

Utilizando uma amostra de cartas pessoais de três períodos diferentes, pretendemos


verificar se a hipótese da transição sincrônica pensada por Duarte (1993) se confirma. A
primeira amostra de cartas são de Cruz e Souza (1861-1898), poeta catarinense, para sua
noiva Gavita, as cartas analisadas datam de 1880 a 1890; a segunda amostra foi escrita pelo
escritor catarinense Harry Laus (1922-1992) a sua tradutora e amiga, Claire, no período de
1984 a 1992.; por fim, utilizamos cartas pessoais da amostra Vale, da década de 60.
Nossa pesquisa leva em conta a sociolinguística quantitativa laboviana, amparada na
Teoria da Variação e Mudança (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV,
1972), que considera a língua um sistema heterogêneo, regido por regras categóricas e regras
variáveis condicionadas.
3. A PESQUISA

3.1 Amostra Cruz e Souza

Das quatro cartas analisadas de Cruz e Souza para Gavita, coletamos um total de 75
dados, dos quais são 50 sujeitos pronominais preenchidos para 25 sujeitos nulos, tal qual
mostra o gráfico abaixo:

O dados, que contam com o uso do sujeito marcado em 67% dos casos, corroboram com a
expectativa do momento linguístico no qual o autor de enquadra, no paradigma 1, proposto
por Duarte (1993), onde ainda estão presentes as formas flexionais de todas as pessoas do
discurso.
Dentre as cartas analisadas, apenas foram encontradas a 1ª pessoa do singular (eu) e a
2ª pessoa do singular (tu); com somente uma ocorrência, o pronome “eles” não foi
contabilizado para análise.
Primeiramente, afora a data que, como já dito, se enquadra no primeiro paradigma
flexional (sendo este o que apresenta as formas mais explícitas de desinência de pessoa no
verbo), a própria natureza do autor parece influenciar na composição de suas cartas. Por ser
um poeta, infere-se que terá um maior cuidado e atenção com a linguagem, o que acaba por
influenciar no uso de formas mais rebuscadas da língua, consequentemente, no uso do sujeito
nulo. É o caso, por exemplo, da preferência, por vezes, da forma clítica pronominal, como
ocorre nos exemplos:

(1) “Quando estou ao teu lado, Gavita, Ø esqueço-me de tudo (...) (carta 1)
(2) “ Ø Escrevo-te triste por não te ver”(carta 3)
(3) “A todas as horas o meu pensamento vôa para onde tu estás, Ø vejo-te sempre (...)
(carta 3)
(4) “Ø Beijo-te muito os olhos, a boca, e as mãos e Ø dou-te abraços muito apertados,
bem junto ao meus coração, que palpita de saudades por ti.” (carta 3)

Diferentemente do que costuma ocorrer na linguagem atualmente falada, em nenhuma


sentença passível de ser iniciada com o sujeito pronominal, ou, ainda, em sentenças correlatas
onde o referencial já está expresso na anterior, houve a ocorrência do sujeito pleno:

(5) “Ø Estou cheio de saudades por ti.” (carta 1)


(6) “Ø Não podes imaginar, filhinha do meu coração, como Ø acho grandes as horas, os
dias, a semana toda.” (carta 1)
(7) “Quanto mais Ø te vejo mais eu te desejo ver.” (carta 1)

Resta observar, por fim, quando que o sujeito se mostra, de fato, preenchido. O fator
mais determinante neste contexto parece ser a ênfase, se caracterizando como um
condicionador interno. A ênfase surge, então, tanto com a intenção de explicitar um sujeito
determinado, como ocorre nos exemplos:

(8) “Tu, Gavita, não me conheces ainda bem, não sabes que amor eterno eu tenho no
coração por ti” (carta 1)
(9) “Só tu és merecedora de que eu te ame muito (...) (carta 2)
(10) “Tu é que me fazes feliz, orgulhoso, rei do mundo (...) (carta 4)

Ou, ainda, em momentos de exaltação, aparentando ser um contexto que implica menor
monitoramento, se revelando uma linguagem mais espontânea (possivelmente se
aproximando da língua falada):

(11) “(...) E tu, minha boa flor da minh’alma, que és o meu cuidado, a minha
felicidade, o meu orgulho, a minha vida, não sabes como eu penso em ti, como eu te quero
bem e te desejo feliz” (carta 1)

Nota-se, a partir de tais análises - ainda que em pouca quantidade -, que, de fato, o uso
do sujeito pronominal nulo se mantém como preferência, tendo o sujeito preenchido espaço
quase como uma exceção, em circunstâncias específicas aparentemente condicionadas;
enquanto que o apagamento do sujeito se faz presente mesmo em sentenças onde, nos
paradigmas posteriores de Duarte (1993), se faria presente.

3.2 VALE

As cartas pessoais das décadas de 60, encontradas nos arquivos do Núcleo VARSUL
da UFSC, são compostas por um grupo anônimo de missivistas jovens, na sua completude
mulheres, da região do Vale do Itajaí. Nesta pesquisa foram selecionadas cinco cartas, de duas
remetentes, entre as tantas que haviam, endereçadas ao mesmo destinatário N (homem jovem,
nascido em Nova Trento, que mora, no período das cartas, em Nova Trento e Brusque) – é
importante colocar que as cartas recolhidas foram possibilitadas pela doação, por parte da
família do Destinatário N, para o Projeto PHPB-SC; apesar disso, não foram recolhidos dados
de cartas que o mesmo teria escrito como resposta.
As missivistas são: Remetente A, mulher jovem, moradora de Nova Trento, que teve
uma de suas cartas selecionadas para a pesquisa (Carta 1 – 05 de Abril de 1964); e Remetente
R, mulher jovem, moradora de Blumenau, que teve quatro de suas cartas selecionadas para a
pesquisa (Carta 3 – 21 de Fevereiro de 1965; Carta 4 – 14 de Março de 1965; Carta 5 – 9 de
Junho de 1965; Carta 6 – 22 de Junho de 1965). As cartas foram escolhidas no intuito de obter
dados, no mais possível, homogêneos; por isso foram selecionadas as cartas da Remetente R,
possuindo 4 cartas, assim como a única carta da Remetente A, que pela sua extensão foi
escolhida na busca pelo maior número de dados possível dentro da proposta de 5 cartas por
período.
O que podemos observar, partindo da Remetente A, é que há uma preponderância,
mesmo com o pequeno número de dados, sobre o uso de sujeitos nulos em 1ª e 2ª pessoas em
relação aos sujeitos plenos: enquanto os sujeitos nulos são usados 11 vezes na 1ª pessoa e 6
vezes nas formas variadas de 2ª pessoa, os sujeitos plenos são usados 7 vezes na 1ª pessoa
(sendo uma delas no plural) e 4 vezes, somente, na 2ª pessoa (todas elas como sujeito
indireto). Não houve uso do sujeito pronominal em 3ª pessoa nas missivas; isso pode ser
explicado pelo fato de serem cartas de amor, onde não são citadas outras pessoas nesse caso
particular.
Podemos obter mais dados da Remetente R, mas, apesar de que os mesmos quase se
repetem em proporção aos dados da Remetente A em relação a marcação em 1ª pessoa,
observamos uma mudança em relação a marcação em 2ª pessoa. Há também uma
preponderância pelo uso de sujeitos pronominais de 1ª pessoa sobre o uso de sujeitos plenos:
nas 4 cartas foram encontrados 28 marcações de sujeitos nulos de 1ª pessoa, assim como 15
marcações em sujeitos pronominais de 2ª pessoa em suas formas variadas; somente 4 vezes
foram encontrados dados de marcação de sujeito pleno em 1ª pessoa em todas as cartas, mas,
apesar disso, temos a preponderância na marcação de sujeitos plenos em 2ª pessoa, todas elas
na forma direta “você”; além disso temos 3 marcações de sujeito pronominal em 3ª pessoa
(todas elas encontradas na Carta 6). A conclusão que podemos tirar sobre a mudança que
ocorre entre as duas missivistas em relação aos usos do pronome pleno de 2º grau é a
seguinte: a Remetente R, na sua preponderante marcação de pronome nulo de 1º grau,
necessita marcar o sujeito a que se refere para que a carta não obtenha tantas ambiguidades; o
fato de ser uma missiva de apelo ao amado também ajuda a responder essa preponderância, já
que a Remetente R tenta de toda forma se dirigir mais imediatamente à ele nas suas cartas.

3.3 Amostra Harry Laus

Nas 5 cartas analisadas de Harry Laus, a não marcação do sujeito foi expressiva em
relação à primeira pessoa, contabilizando 105 contextos em que a marcação do sujeito era
nula, contrastando com 7 de sujeitos plenos; para a segunda pessoa, utilizada nas formas
direta e (majoritariamente) indireta, a relação foi de 16 sujeitos nulos para 2 sujeitos plenos; e
para a terceira pessoa, de 9 sujeitos nulos para 5 plenos, destoando das outras. No total, a
relação entre sujeito nulo e pleno foi de 130 para 18.
- grafico -
As cartas de Laus, escritor que à altura tinha 64 anos, caracterizam uma relação de
relativa intimidade entre o remetente e o destinatário, fatores que caracterizam três
condicionadores externos - escolarização, faixa etária (sociais) e estilística. A co-ocorrência
das formas direta e indireta da segunda pessoa, que caracterizariam um condicionamento
interno, não desvirtuam o uso do sujeito nulo.
Em relação à primeira pessoa, a forte expressão da omissão do sujeito, pode ser
explicada pelo condicionador externo referente à variação estilística - que por si só já explicita
uma relação discursiva, enquanto carta pessoal - em diversos momentos em que o sujeito não
é especificado - um fator condicionante para essa expressão pode ser a da marcação saliente
que a primeira pessoa do singular apresenta no português- como é o exemplo da carta 1 de
Laus, que em momento nenhum o sujeito é expresso, assim como na carta 3.
Em outros momentos, a referenciação do sujeito [nulo] se dá pelo uso dos clíticos,
caracterizando um condicionamento intralinguístico, como em:

(12) “[...] e mais uma vez me emocionei com esta novela que não Ø sei como Ø
consegui escrever [...]” (carta 5)
(13) “[...] Ø Confesso que sempre me admirou muito o[...]” (carta 5)
(14) “[...] Ø tentei comunicar-me com Jorge [...]” (carta 3)
(15) “[...] e se por acaso Ø queira [...] estou pronto a facilitar-lhe[...]” (carta 1)
(16) “[...]se Ø não nos correspondermos[…]” (carta 1)

Já a expressão do sujeito pleno acontece em momentos em que há mais de uma pessoa


na sentença e a não-marcação poderia causar ambiguidade interpretativa como em (16) e (17)
ou é apenas necessário a retomada do sujeito para referenciação como em (18), (19) e (20),
caracterizando um condicionamento intralinguístico. No contexto (20), há também o fator
extralinguístico estilístico, pois o remetente parece tentar recuperar certa formalidade para
efetuar seus agradecimentos:

(16) “[...] Ø recebi a proposta da editora [...] para edição isolada da novela. [...] Eu
havia proposto [...]”(carta 2)
(17) “Agora Ø fico sonhando [...]. Seria ideal que Ø [o livro] saísse em [...] pois eu
iria encontrar [...]” (carta 2)
(18) “Eu havia proposto a edição conjunta [...]. Eles acharam que as outras duas
fogem[...] (carta 2)
(19) “[...] perdi quem mais gostaria de saber disso[...]. Mas eu tinha só [...]” (carta 2)
(20) “[...] propus uma edição bilingue. Eu gostaria de compensar, de alguma forma, o
interese da Mme. Cayron[...]” (carta 2)

Nas cartas de Laus, o fator interno de ênfase se apresenta em um contexto de


argumentação:
(19) “[...] o dicionário do Aurélio diz [...]. Certo, mas eu trocaria [...]” (Carta 5)

4. CONCLUSÃO

Todos os dados linguísticos, no conjunto das cartas, atestaram para uma


preponderância do uso de pronome nulo na 1ª e 2ª pessoa, contrariando os dados da pesquisa
de Maria Eugenia Duarte, que este mesmo trabalho tentou comprovar. Os resultados de
Duarte foram diamentralmente diversos, tendo o pronome pleno em muito maior ocorrência
do que os pronomes nulos, conseguindo observar mesmo, sincronicamente, o período de
mudanças em seus usos na língua.
Este trabalho chegou aos seguintes resultados. Pronomes nulos:

1ª Pessoa 1ª Pessoa 2ª Pessoa 2ª Pessoa 3ª Pessoa


singular plural direta indireta
Cruz e Souza 48 X X 14 X
Vale do 39 X 13 8 X
Itajaí
Harry Laus 94 2 10 3 5

Pronomes plenos:

1ª Pessoa 1ª Pessoa 2ª Pessoa 2ª Pessoa 3ª Pessoa


singular plural direta indireta
Cruz e Souza 18 X X 12 X
Vale do 10 1 21 4 2
Itajaí
Harry Laus 7 X 3 X 5

Os resultados são claros, então, em colocar a seguinte situação: o uso do pronome de


1ª pessoa nulo tem uma leve decaída da década de 1890 para 1960, subindo em seus usos
exponencialmente na década de 1990. O uso do pronome de 2ª pessoa nulo não muda de
maneira significativa, permanecendo baixo em seus resultados em todos os períodos. O
pronome de 3ª pessoa, como na pesquisa de Duarte, não tem muita incidência.
Já os usos de pronomes plenos mudam diametralmente quando analisamos os índices
de seu uso em 1º grau: estranhamente os seus usos decrescem conforme o tempo passa (apesar
disso, a sua baixa incidência, de modo geral, não deixam que cheguemos à uma conclusão
concisa sobre tal decrescimento). Os índices de uso do pronome de 2º grau pleno são mais
heterogêneos: enquanto que o uso do pronome direto é inexistente em Cruz e Souza, com 12
incidências em sua forma indireta (na década de 1890), nas missivas ele aparece no seu maior
índice, com 25 ocorrências ao todo (década de 1960), decaíndo então de forma precipitada em
Harry Laus, com meras 3 ocorrências (década de 1990). Os usos dos pronomes de 3º grau não
aparecem em grande número novamente, mas isso pode ser interpretado devido a natureza do
seu suporte literário (carta).
Esse alto índice nos pronomes plenos de 2º grau na década de 1960 pode ser
interpretado da seguinte forma: o caráter amoroso das missivas, acaba imprimindo uma
relação de maior contato com o interlocutor, que é reiteradamente indicado no texto. Já nos
outros períodos essa preocupação não necessariamente se apresenta.
Uma das problemáticas que se encontrou na pesquisa, para que nela fossem
observados resultados tão díspares de Duarte, foi a seleção das cartas. Duarte parte de um
corpus bastante homogêneo, com autores da mesma cidade, escrevendo todos peças
populares, satíricas, tentando imprimir um índice de oralidade nas suas obras. As cartas
analisadas, infelizmente, tiveram destinatários diferentes em sua análise: enquanto dois dos
remetentes foram escritores de sucesso, que trabalharam com a língua extensamente, as
missivas da década de 1960 foram escritas por jovens com pouco domínio da língua (talvez
por pouca escolaridade). Essa heterogeneidade pode explicar um pouco da diferença dos
resultados. Por outra via, podemos estabelecer como funciona a língua na sua forma
“policiada”, tanto nos usos dos literatos, que demonstram uma estilística própria, como por
parte das jovens, que na tentativa de agradar seus amados (mesmo não correspondidos)
procuram “rebuscar” sua linguagem, em um processo de hipercorreção. Estes são problemas
que poderiam ser tratados em outras pesquisas, talvez de forma mais sistematica, com um
enfoque mais específico.

5. ANEXOS

Carta de Cruz e Sousa para Gavita


Fonte: Casa Rui Barbosa e Nupill (http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/)

CARTA 1
[fol. 1r] Rio, 31, Março de 1892. || Minha adorada Gavita. || Estou cheio de saudades
por ti. | Não podes imaginar, filhinha do | meu coração, como acho grandes | as horas, os dias,
a semana to- | da. O sabbado , esse sabbado que | eu tanto amo, como custa tan- | to a vir ! Ah!
como se demóra | o sabbado! E tu, minha boa flôr | da minh’alma, que és o meu cui- | dado, a
minha felicidade, o meu | orgulho, a minha vida, não sabes |
[fol. 2r] como eu penso em ti, como | eu te quéro bem e te desejo | felis. Tu, Gavita,
não me conhe- | ces ainda bem, não sabes que | amor eterno eu tenho no cora- | ção por ti,
como eu adóro os | teus olhos que me dão alegria, | as tuas graças de mulher | nova, de moça
carinhosa | e amiga de sua boa mãe. | Quanto mais te vejo mais te | desejo ver, olhar muito,
reparar | bem no teu rosto, nos teus mo- | dos, nos teus movimentos, nas | tuas palavras, nos
teus olhos, e | na tua voz, para sentir bem | se tú és firme, fiél, se me tens | verdadeira estima,
verdadeira |
[fol. 2v] amizade bem do fundo do teu | coração virgem, bem do fundo do | teu sangue.
|| Por minha parte sempre te quere- | rei muito bem e nada haverá no | mundo que me separe
de ti, mi- | nha filhinha adorada. || Se o juramento que me fizeste | dentro da egreja é sagrado e
se | pensas n’elle com amor, eu creio | em ti para sempre, em ti que | és hoje a maior alegria da
| minha vida, a unica felicida- | de que me consóla e que me | abre os braços com carinho. ||
Estar junto de ti, eu, que nunca | dei o meu coração assim a nin- | guem , tão
apaixonadamente, como | te dei a ti, é para mim ser mui- | to felis. Quando estou ao teu lado,
Ga- | vita, esqueço-me de tudo, das ingra- | tidões, das maldades, e só sinto que os | teus olhos
me fazem morrer de | prazer. Adeus ! Aceita um beijo | muito grande na bocca e vem que | eu
espero por ti no sabbado, como um louco. Teu - Cruz

CARTA 2
[fol. 1r] Rio de Janeiro, quarta-feira, 14 de De- | zembro de 1892, 7 horas da noite. ||
Minha estremecida Vivi. || A’hora em que te escrêvo tenho di- | ante de mim o teu retrato, que
| trago sempre comigo, que é | o meu melhor companheiro | e amigo. || Adorada do meu
coração, não | calculas a saudade que sinto | de ti, como desejava agora | estar ao pé de ti, na
alegria | e na felicidade da tua pre- | sença querida, flôr da minha | vida, consôlo do meu cora-
| ção. || Desejo que tenhas passado | bem esses dias e que só te- |
[fol. 1v] nhas como soffrimento, como | pesar o não nos vermos, o | estares longe de
mim, por- | que isso é o que mais me | faz mais infeliz e triste. || Sabes quanto eu te amo, |
quanto eu te quéro do | fundo do meu sangue | sobre todas as mulheres do | mundo. Fico
sempre ale- | gre, contente, cheio de orgu- | lho, quando te pósso di- | zer que sou e serei sem- |
pre teu, que hei de amar- | te até á morte, enchendo- | te dos carinhos, das amabi- | lidades, dos
extremos, das | distincções que só a ti eu | quéro dar, idolatrada Gavi- | ta , adorável creatura
dos | meus sonhos, dos meus cui- | dados e pensamentos. || Só tu, és a Rainha do |
[fol. 2r] meu amor, só tu meréces os | meus beijos e os meus abra- | ços, a honra do
meu o no- | me , a distincção da mi- | nha Intelligencia, os segredos | da minh’alma. || Só tu és
merecedôra de que | eu te ame muito, como | te amo, muito, muito, mui- | to, e cada vez mais,
com | mais firmeza, sempre fiél, | sempre teu escravo bom | e agradecido, fazendo de ti, |
minha estrella, a esposa | santa, a adorada companhei- | ra dos meus dias. Vê lá | que orgulho
tu não deves | ter! Adeus! Adeus! Estou mor- | to para que chêgue sabbado | e ter o prazer,
maior de todos | os prazeres, de estar contigo. || Aceita beijos e abraços do teu || Cruz e Sousa.

CARTA 3
[fol. 1r] Noite de terça-feira, 20 de | Setembro, às 7 horas. || Minha adorada Noiva ||
Saudades, saudades, muitas | saudades é o que sinto | por ti. || Escrevo-te triste por não | te ver
e tenho, na hora em | que te escrêvo, o teu querido | retrato diante de mim, en- | tre os meus
livros, companhei- | ros dos meus soffrimentos. || Minha Vivi estremecida, | nunca me
esquecerei do | dia 18 de Setembro, anni- | versario do dia em que | tive o prazer de vêr-te pela
| primeira vez, de admirar | os teus lindos olhos, a gra- | ça de todo teu corpo, | toda a tua
pessoa ama- |
[fol. 1v] vel que me prendêo para | sempre com os laços do | mais profundo e sincero |
amôr. Acredita, minha | filha adorada do coração | que eu te tenho como o | consolo maior da
mi- | nha vida, a luz do meu | coração, a esperança | feliz da minha alma. | Por minha honra te
juro | que sempre serei teu, que | pódes viver descansada, | sem desconfiança, porque | o teu
Cruz nunca será | de outra e só á Vivi fa- | rá carinhos, dedicará | extremos, amizade eterna. |
Pela minha honra e pe- | lo dia em que nos vimos | pela primeira vez, juro-te | que só quéro a
tua feli- | cidade, só desejo dar-te |
[fol. 2r] prazer e tratar-te com os | mimos e delicadezas | de que tenho dado pro- | vas
bastantes. || A todas as horas o meu | pensamento vôa para | onde tu estás, vejo-te sem- | pre,
sempre e nunca me | esqueço de ti em toda | a parte onde estou. És | a minha preocupa- | ção
constante, o meu | desejo mais forte, a mi- | nha alegria maior do | coração. Amo-te, amo-te |
muito, com todo o meu | sangue e com todo o meu | orgulho e o meu desejo | poderoso é unir-
me a | ti, viver nos teus braços, | protegido pela tua bonda- | de pura, pelas tuas gra | ças que eu
adóro, pelos |
[fol. 2v] teus olhos que eu beijo. No | momento em que te escrevo | sinto uma grande
falta | de ti. Só, no meu quarto, eu | só possuo, para consolar- | me o teu retrato. Mas é | muito
pouco. Eu te que- | ria a ti, em pessoa, pa- | ra te apertar de abraços, | pedindo a Deus para
aben- | çoar o nosso amor. Esta | carta é como mais um ju- | ramento feito a ti pelo | dia 18 de
Setembro, em que | te vi pela primeira vez | apanhando flores, tu, que | és a flôr dos meus
sonhos. | Espero-te sabbado, com aquel- | le penteado de domingo, | que te fazia muito boni- |
ta. Adeus! Beijo-te muito | os olhos, a bocca, e as | mãos e dou-te abraços | muito apertados,
bem, | junto ao meu coração, | que palpita de saudades | por ti - Teu - Cruz e Sousa.

CARTA 4
[fol. 1r] Quinta-feira, 17 de Novem- | bro á 1 hora da tarde. || Minha doce e muito |
estremecida Vivi. || Sinto as maiores saudades | de ti, que és a alegria do | meu coração, o
consolo da | minha vida. || Desde a ultima noite que | te deixei tenho me lem- | brado sempre
de ti e o teu | nome adoravel não me | sae da boca a toda a ho-| ra: Estimo de toda a |
minh’alma que estejas | passando bem de saude. | Eu vou bom, apenas com | a tristesa de não
estar sem- |
[fol. 2r] pre ao teu lado, junto de | ti, que és hoje para mim | no mundo o maior pra- |
ser a maior satisfação. | Sou teu como tu és mi- | nha, sem me importar | com ninguem. Só me
lem- | bro que tu vives e que eu te quero estremosa- | mente, com toda a deli- | cadesa e
carinho do meu | amor. Tu é que me fa- | zes feliz, orgulhoso, rei | do mundo, porque as | tuas
qualidades, a tua bon- | dade, o teu sorriso, os teus | olhos me fazem o homem | mais contente,
mais ale- | gre do mundo, minha | pomba querida, luz da | minha vida inteira | Noiva adorada e
santa. |
[fol. 2v] Como sempre, estou ancio- | so que chegue sabbado, | morrendo de saudades |
por ti, flôr da minh’al- | ma, que tanta coragem | me dás para vida e | tanta esperança. O teu |
bom coração póde des- | cansar em mim, porque | eu sou teu como se já | fosse casado,
vivendo | na mesma casa com- | tigo, gosando os teus ca- | rinhos! Ah! Gavita! o céo | te
abençõe, Deus te proteja | e te acompanhe sempre pa- | ra que tu saibas ver o | amor eterno que
eu te | tenho e que está firme | no meu coração. || Adeus! Recebe o meu san- | gue, as minhas
lagrimas os | meus beijos, os meus abra- | ços, Teu - Cruz e Sousa.

CARTAS DE HARRY LAUS PARA CLAIRE CAIRON

CARTA 1

Florianópolis, 25 de novembro de 1986.

Muito prezada Senhora Claire Cayron:

Fiquei muito alegre com sua carta de 12 do corrente, apesar da negativa de ARLEA,1
porque já sentia saudades de suas palavras, sempre tão alentadoras a respeito de meus trabalhos
literários. Agora mesmo, sua referência ao “charme original” da “Cachorra”- como chamo a novela
abreviadamente - trouxe-me bastante satisfação. Sinto bastante amor por ela e um certo
desapontamento porque foi muito mal divulgada no Brasil e ainda pior quanto à distribuição. Como
a edição é minha, não tive a necessária sustentação publicitária e a única distribuidora catarinense
não é das melhores. Grande parte da edição está imobilizada em Florianópolis e estou tratando de
recolhê-la para, possivelmente em 1987, reuni-la com o Zenão e o Santo para uma reedição. É que
o Museu me toma muito tempo e não sei fazer coisas tão diversas como dirigir (organizar) um
museu e dedicar-me à obra de criação literária.

Também me ocorreu editar uma seleção de textos de meus diários (Journal), talvez como
saída para não ser esquecido literariamente. O título poderia ser IMPRESSÕES, com o
complemento “de vida e leituras”. É que, ao longo de minhas leituras, costumava anotar reflexões
sobre livros e autores. Tão comum em outras literaturas como a francesa, no Brasil são raros os
livros deste gênero. E como estes cadernos de diários são das décadas de 50, e como já vou
completar 64 anos no próximo dia 11 de dezembro, creio que está em tempo de dar alguma base a
meu futuro necrológio...

Prometo segredo absoluto sobre seus entendimentos com Arcane 17. Aliás, - diz-se por
aqui que “o segredo é alma do negócio” (des affaires). E se por acaso queira mesmo traduzir o
Monólogo, estou pronto a facilitar-lhe qualquer informação sobre dificuldades que surjam ao longo
do trabalho, pois acredito que haja muitas palavras de sentido dúbio ou em “argot”.

Dominique Polad é realmente filha de Ceres Franco que tem outro filho chamado François
que trabalha Chez Cartier. Atualmente Ceres vive só e Philippe Hardouin é o segundo
companheiro de Dominique. Do primeiro, um italiano, tem uma menina chamada Camila que um
dia, em Ibiza, quando deveria ter uns 8 anos disse-me uma coisa que bastante me surpreendeu por
sua idade: “Minha mãe se apaixonou pela segunda vez”. Bem nem sei porque lhe estou contando
estas coisas. Talvez para prolongar uma carta que me dá muito prazer escrevê-la, com a ilusão de
que conversamos como dois velhos amigos.
E sua viagem ao Brasil? Continua em pauta? Quando chegar ao Rio, tenho lá uma irmã
que viveu um tempo em Paris, fala francês e poderá lhe ser útil em alguma coisa. E saiba que se
chegar ao Rio (ou São Paulo) terá meu convite especial para chegar a Santa Catarina. O tempo
melhor é o verão (entre dezembro e março), se é que a senhora gosta de mar e calor. Santa Catarina
tem as mais belas praias do Brasil. No verão, argentinos, uruguaios, paraguaios, paulistas,
paranaenses e gaúchos vêm todos para cá. Vou mandar-lhe uns cartões postais para ver que não
minto.

Desculpe se lhe escrevo tão longamente.

Espero que sua nova tentativa de publicação de Zenon seja realmente coroada de sucesso.

Fico por aqui. E como se aproxima o fim do ano, se não nos correspondermos antes,
queira aceitar os melhores votos por Natal e Ano Novo.

Cordialmente.

CARTA 2

Florianópolis, 29 de janeiro de 1987.

Prezada senhora Claire Cayron:

Que maravilha receber no ano novo a notícia da edição de meu pobre e triste Zenão!
Fiquei tão feliz que durante meia hora andei meio desorientado pelo apartamento. Pensando a
quem transmitir a notícia. Infelizmente perdi quem mais gostaria de saber disto: minha mãe. Mas
eu tinha só cinco anos... Foi também em janeiro, de 1986, que recebi seu cartão perguntando se a
novela estava disponível para tradução. Como vê, as coisas não andam assim tão devagar.

Sobre “l’à-valoir” - sobre que jamais ouvira falar - e os 8% de direitos, estou de acordo
com sua sugestão e, se for o caso, peço que informe aos editores. Também , na época oportuna,
terei satisfação de acrescentar a cláusula que me pede. Respeito suas razões para não servir de
intermediária nos problemas da edição. Caso haja necessidade de alguém na França, Ceres Franco2
poderá fazer isto. Vou escrever-lhe sobre o assunto.

O Zenão está com sorte. Parece que, afinal, o ângulo vital se aproxima. Em dezembro
recebi proposta da editora Mercado Aberto, do Rio Grande do Sul, para a edição isolada da novela.
Aceitei e estou aguardando o contrato. Eu havia proposto a edição conjunta de Zenão, o Monólogo
e o Santo. Eles acharam que as outras duas fogem aos propósitos “paradidáticos” da editora. É que
eles comerciam seus livros junto a escolas e colégios, para que sirvam de livros de estudo do
português. Isto é bom. Na resposta, concordando com a edição isolada, propus uma edição
bilingüe. Eu gostaria de compensar, de alguma forma, o interesse de Mme. Cayron em publicar
meu livro em francês. Eles não aceitaram porque não há mercado no Brasil para livros dessa
natureza. Aliás, em prosa, acho que nem existe isto. É bem comum em poesia. Não se preocupe
que a edição brasileira não causará embaraço nenhum à francesa.
Agora fico sonhando em ir à França para o lançamento do livro. Seria ideal que saísse em
fins de setembro ou início de outubro, pois eu iria encontrar Ceres em Ibiza, e, de lá, Paris. Mas
nem sei se poderei viajar este ano. Tenho grandes compromissos financeiros para este ano: estou
comprando um apartamento aqui. Li sobre Nantes na Enciclopédia e vi sua localização no mapa, no
estuário do Loire. Também já havia procurado Gironde. O mapa é muito impreciso e não encontrei
Tresses. Fica perto de Bordeaux? Como é estranho saber que nestes pequeninos pontos dos mapas
há pessoas pensando na gente...

Sobre o Monólogo, tenhamos paciência, nem que seja para 1990. Apesar de ter 64 anos,
ainda tenho esperanças de ver a passagem do século... em Paris, mesmo que seja numa cadeira de
rodas.

Muito grato e feliz,

HL

CARTA 3

Florianópolis, 30 de março de 1987.

Muito prezada Sra. Claire Cayron:

Recebi seu cartão de Paris, que agradeço! Também agradeço a carta de fevereiro, com o
trecho da carte routière1 .

Ambas falam no contrato que a editora Arcane 17 já teria enviado mas que ainda não
recebi. Será que se extraviou? Fico preocupado com isto.

Ceres - espero que tenha gostado dela - escreveu sem dizer que aceita ser minha
intermediária. Acredito que se esqueceu de dizer. Minha idéia é deixar l’à valoir2 com ela. Como
pretendo ir à França este ano, depois nos encontraríamos.

No mais, a expectativa do contrato e de conhecê-la em breve.

Cordialmente.

Harry Laus

CARTA 4

Florianópolis, 11 de abril de 1987.

Muito prezada senhora Claire Cayron:


Estou desolado! Que pode estar acontecendo? Será que a editora mandou a
correspondência por terra, par bateau?1 Sendo assim, vai demorar coisa de três meses.

Assim que recebi sua carta, tentei comunicar-me com Jorge Amado, através de seu irmão
James. Jorge está na Alemanha mas chegará em Paris quinta ou sexta-feira, dias 16 e 17 deste,
Hotel de L’Abbaye. Telefonei para Ceres pedindo que o procure e também escrevi a ele. Estou
postando a carta para ele também hoje.

Demorei a responder sua carta de 11 de fevereiro porque fiquei esperando o contrato que
nunca chega. Ao receber seu cartão de Paris, escrevi em 30 de março, dizendo que nada havia
chegado. Acredito que esta última já lhe tenha chegado. Como hoje é sábado e não há telégrafo
nem correio, só posso pôr esta no correio e passar o telegrama que me pede depois de amanhã,
segunda-feira.

Não acredito que Jorge escreva alguma coisa, estando de férias em Paris, mas tentei
convencê-lo de como isto é importante para mim. Ceres tem meu livro e ele poderia lê-lo, se
precisar.

Também gosto muito de Virgínia Woolf.2 Li Orlando e Mrs. Dalloway, além de contos
aparecidos em português. Não consegui lê-la em inglês. Muito difícil para meus conhecimentos da
língua.

Fiquei feliz em saber que gostou de Ceres. É uma das grandes amigas de minha vida, uma
dessas pessoas com quem se pode conversar o dia inteiro.

Não gosto muito da pequena novela que escrevi em Ibiza, “Fábula da Vida Dupla”.
Pretendo mexer nela. Um dia talvez mande para a senhora dar uma olhada.

Dentro de alguns dias devo mudar-me para meu apartamento. Por favor, escreva , por
enquanto, para o Museu. Caixa Postal D-31.

Muito cordialmente e aflito com o problema do contrato.

HL
CARTA 5

Florianópolis, 22 de novembro de 1987.

Minha cara clara Claire:

Estou com tuas cartas de 10 e 11 e começo agradecendo as fotos de Anne Bihan1 que vou
usar na divulgação do lançamento do Zenão, ou dos Zenões. Gostaria de ter o endereço dela para
mandar um cartão. Como dizes que virá um artigo dela, agradecerei ambos.
Veio também o folheto do Encontro de Tradutores e agora é a vez de se falar nas traduções
que você já fez. Jandira está perfeito e mais uma vez me emocionei com esta novela que não sei
como consegui escrever, nem de onde tirei a idéia. Sobre jirau (não é jiraú, é jiráu, ditongo), o
dicionário do Aurélio diz ser um “estrado de varas sobre forquilhas cravadas no chão, usado para
guardar panelas, pratos, legumes, etc”. Certo, mas eu trocaria guardar por lavar. Em Zôo o jirau
aparece do novo, em relação a Tadinho, o porco: “andar por todo o quintal estragando os canteiros
de verdura de flores foi numa destas fugas que descobri logo embaixo do jirau onde luzia lava
louças e panelas um ajuntamento de água morna misturada com grãos de arroz e feijão alguns
pedacinhos de polenta restos de carne moída ou verduras eu me deliciava minha alegria era tanta
que não podia evitar grunhidos de satisfação .............................................................”. Portanto,
acho que “égouttoir à vaisselle ” está bem, já que imagino que na França não houve ou há jiraus.
A única coisa que lamento é que em francês não exista uma palavra mais forte para “aquilo”. “Çá”
é tão pequeninho...Em português existe isto, isso, aquilo, o aquilo significando uma coisa mais
longe e difícil. A propósito, também queria te perguntar se em O Estivador não se poderia dizer
“Regarde ce bateau lá” em vez de “regarde ce bateau”? Porque o navio está longe. Bem, e a
propósito dos espaçamentos, em Jandira está tudo ok mas para o cardápio há observações a fazer:
pág. 141 - Sou do Estado do Rio, etc.: abrir parágrafo. 142 - entre “acrescentar” e “Refaço”, dar
espaço duplo. 143 - espaço duplo entre “de sua mãe?’e “Os pequenos olhos” e, bem no fim da
página, entre “- lembrei-me” e “Nunca mais a encontrei”.

Voltando ainda ao “Le Débardeur ”, Gonzaga é a praia mais popular de Santos, cheia de
bares, para onde vai a classe média baixa de São Paulo no verão. Essa gente é chamada de
“farofeiros” porque comem farofa, isto é, comida misturada com farinha, em geral galinha ou carne
assada, para melhor se conservar e não derramar o molho.

Gostei muito de tua conferência sobre os problemas da tradução. Acho que é perfeita para
ser dita ou lida no Brasil. Confesso que sempre me admirou muito o quanto você consegue ser fiel
ao escritor, inclusive ao ritmo da frase. Também se aprende coisas sobre o português, como nossa
oralidade, modulação, canto, etc. E achei excelente cito de o escritor ouvir o que escreve. É exato.
Quantas vezes substituo uma palavra por outra, ou acrescento alguma para atingir o ritmo que
quero. Chego até a me valer do dicionário de sinônimos. Também a referência a que o escritor
“diz e esconde”é ótima. E muita coisa mais que fica para falarmos pessoalmente. Quando?

Por hoje fico por aqui. Ciao, como se diz no Brasil, querendo dizer “Até logo”, “A tout à
l’heure”.

Retomo a carta em folha nova.

Acabo de receber um telefonema de um amigo de Belo Horizonte. Ele vai me mandar um


livro de Murilo Rubião que te mandarei assim que chegar. E vai me dar o telefone do escritor.
Falarei com ele para que te mande outros livros.
Recebeste meu artigo sobre Saint-Nazaire? E o Cartão com a velha figueira? E o convite
para grande festa de lançamento? Terá inclusive banda de música para transmitir aos outros a
minha própria alegria.

Não sou muito amigo do inverno, talvez porque não tenha um “coin du feu”6 para me
esquentar. E a chuva, por mais necessária que seja, é terrível, principalmente no inverno e com a
umidade brasileira. Uma vez, em 1983 ou 84, choveu tanto em Santa Catarina que fugi para Paris...

E já que há tanto espaço na página, que título imaginas para o novo livro? Jandira, ou 11
Novelas, ou Os Minutos do Professor? Já que houve as Horas pode haver os Minutos. Quanto aos
Segundos... pode-se imaginar alguma coisa, caso haja um terceiro livro. Só acho que não pode ser
Os Incoerentes nem Ao Juiz dos Ausentes porque já há livros meus com estes nomes. E por falar
no “Juiz”, fiquei muito contente por teres decidido inclui-lo. Gosto muito dele por uma estranha
razão. O soldado Lira existiu, assim mesmo com este nome, e era muito belo. Embora sempre o
tivesse desejado, nunca fiz nada com ele, pois minha situação de Sub-Comandante do Batalhão não
recomendava. Numa noite de sábado, quando eu voltava para casa, em Corumbá, no Mato Grosso,
vi Lira que me viu e fez continência para mim. Senti um impulso tremendo de convidá-lo mas não
o fiz. Domingo de manhã cedo me bateram na porta para avisar: - O Lira morreu!

CHOMSKY, N. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981.

DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia; DO PRONOME NULO AO PRONOME PLENO: A


TRAJETÓRIA DO SUJEITO NO PORTUGUÊS DO BRASIL. In: Do Português Brasileiro:
uma viagem diacrônica ROBERTS, Ian; KATO, Mary A. Campinas, SP. Editora da Unicamp,
1993.

WEINREICH, Uriel.; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos empíricos para


uma teoria da mudança lingüística. 2.ed. São Paulo: Parábola Ed., 2006. 151p.

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