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Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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Observatório da Justiça Brasileira
T192o
Tárrega, Maria Cristina Vidotte Blanco. Et al.
Observatório da atuação do Poder Judiciário nos conflitos agrários
decorrentes de ocupações de terra por movimentos sociais nos estados
do Pará, Mato Grosso, Goiás e Paraná (2003-2011): Relatório Final
de Pesquisa / Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega, Cláudio Lopes
Maia, Adegmar José Ferreira – Goiânia: Universidade Federal de Goiás /
Faculdade de Direito, 2012.
93p. : il.
CDD: 346.076
CDU: 349.42
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Universidade Federal de Goiás
Autores:
Profª Drª. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega;
Prof. Dr. Cláudio Lopes Maia e
Prof. Dr. Adegmar José Ferreira
Goiânia-GO
Outubro de 2012
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Observatório da Justiça Brasileira
Leonardo Avritzer
Coordenador Geral Observatório da Justiça Brasileira
A publicação que ora se apresenta é a primeira de uma nova série de três publicações
sobre advocacia popular e justiça agrária no Brasil que foram financiadas pela Fundação
Ford. A proposta do Observatório da Justiça Brasileira, que se concretiza neste conjunto
de relatórios, é desenvolver análises sobre o sistema de justiça brasileiro visando orientar
o Ministério da Justiça através da Secretaria de Reforma do Judiciário em suas políticas
públicas e reformas normativas, bem como apresentar sugestões para o aperfeiçoamento do
sistema de justiça nacional.
Assumindo o pressuposto de que por mais imperfeito que seja nosso sistema jurídico
não podemos ignorar os avanços institucionais adquiridos ao longo dos anos, colocamo-nos
o desafio de aportar conhecimentos e propor reformas no aprimoramento deste.
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Expediente
Coordenação:
Profª. Drª. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
Docentes:
Profª. Drª. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
Prof. Dr. Cláudio Lopes Maia
Prof. Dr. Adegmar José Ferreira
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça
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RESUMO
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 11
I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES....................................................................... 15
1.1. PROBLEMAS E OBJETIVOS DE PESQUISA................................................... 15
1.2. REFERENCIAIS TEÓRICOS E METODOLOGIA............................................ 17
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 89
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INTRODUÇÃO
O caráter singular das ocupações, como um ato de ativismo público dos movimentos
sociais para a denúncia do descumprimento do preceito constitucional da necessidade da
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Reforma Agrária e por outro, das manifestações exigidas do judiciário quanto ao cumprimento
do preceito do direito de propriedade, foi o que levou a escolha da ocupação como um espaço
de observação sobre a posição do judiciário sobre os conflitos agrários no Brasil.
A escolha do espaço de observação nos Estados do Pará e Mato Grosso está relacionada
a dois fatores. Um deles se relaciona com o fato de nestes estados estarem localizados as
principais partes do território definido como o arco do desmatamento, uma porção de terra
que se estende “entre o sudeste do Maranhão, o norte do Tocantins, o sul do Pará, norte
do Mato Grosso, Rondônia, sul do Amazonas e o sudeste do Acre” (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2004, p. 9), sendo que aproximadamente 70% do desmatamento ocorrem
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nos Estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia (Presidência 2004, p. 9). O alto índice de
desmatamento nessa região tem relação direta com a ocupação recente da pecuária nos
Estados do Pará e Mato Grosso, processo que vem acompanhado dos conflitos agrários,
principalmente, por este projeto econômico se desenvolver numa área que é marcada pela
“fragilidade nos processos discriminatórios e outras ações de averiguação da legitimidade de
títulos” (IDEM, 2004, p. 11).
Um segundo fator que justifica a escolha dos Estados do Pará e Mato Grosso, se deve
pelo grau de conflito que assumiu a questão agrária nestes dois estados. Segundo dados da
Comissão Pastoral da Terra, entre os anos de 2003 a 2010, o Estado do Pará registrou um total
de 210 ocupações de terra, sendo que nessas estiveram envolvidas 32.927 famílias. Além do
número de famílias envolvidas, o Pará é o estado em que o conflito assume sua configuração
mais violenta. A CPT registrou, no ano de 2010, 34 assassinatos envolvendo conflitos de terra
no Brasil, destes 18 ocorreram no Pará. O estado ainda registrou os assassinatos que tiveram
maior repercussão nacional, como o da missionária americana Doroty Stang, ocorrida em
2005 (QUINTANS, 2005), e também o do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da
Silva e Maria do Espírito Santo, ocorrido em 2011. As diversas mortes no Pará acabam por
produzir uma sensação de insegurança e impunidade dos crimes relacionados com a questão
agrária e colocando em dúvida a capacidade do Estado de atuação nesta área.
A escolha de Goiás como outro espaço de observação se deve ao fato do estado ter
tido sua maior ocupação econômica e física, principalmente após as políticas agrícolas do
Governo Federal, conduzidas nas décadas de 1970 e 1980, relacionadas com a expansão da
soja para o cerrado brasileiro. A execução do plano de ocupação do cerrado foi interpretada por
diversos estudiosos como o principal fator moderno da constituição do latifúndio brasileiro,
isso porque estas políticas foram levadas a efeito sem uma preocupação com a preservação
dos modos de vida e propriedade existentes nessas regiões. A configuração particular da
formação da propriedade agrária nessas localidades específicas do cerrado estabeleceu uma
condição dos conflitos agrários marcada pela presença de diversos fatores sociais, seja os
relacionados à moderna produção agrícola ou aqueles ligados à exploração tradicional da
terra através da pecuária extensiva. A conformação de tipos de propriedades diferentes num
mesmo espaço torna o espaço do Estado de Goiás singular para a observação da atuação
da justiça, obrigada a dialogar com experiências diferenciadas de relação com a terra e de
legitimação da propriedade, isso além do cerrado se constituir na principal fronteira agrícola
do país.
Já o Estado do Paraná, foi escolhido por se constituir, assim como o Rio Grande do
Sul, no berço dos movimentos sociais formados na nova conjuntura de politização da reforma
agrária. Foi nesse estado que também se consolidou a ocupação organizada da terra como
estratégia de ativismo público, envolvendo o objetivo de disputa de ideias, convencimento
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público e pressão sobre o Estado. O Paraná teve sua configuração agrária marcada pela presença
dos posseiros em disputa com as companhias internacionais de colonização, nesse espaço,
estiveram em disputa não somente uma forma de conceber a produção agrícola, mas também
um projeto agrícola para o Brasil, que tinha seu principal expoente no imigrante europeu
em detrimento dos nacionais. A estruturação histórica do Estado do Paraná influenciou a
formação dos movimentos sociais modernos, isso porque, grande parte do movimento social
neste estado foi constituído a partir da legitimidade do acesso dos nacionais à terra e a disputa
com as companhias de colonização.
Por fim, a definição do marco temporal de 2003 a 2011 se deve a dois fatores.
Primeiramente, em 2004 foi constituído o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com
atribuições para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art. 103-A, da CF/88), elemento que vem
exercendo uma influência decisiva na atuação da Justiça. O segundo aspecto que justifica a
definição do período apresentado se refere ao tempo em que as Ações Possessórias, em grau
de recurso, chegam às instâncias superiores do Poder Judiciário, atingindo, em média, o lapso
temporal de seis anos. A observação da atuação judiciária só seria completa se observasse
não somente a atuação do juiz de primeira instância, mas também as decisões colegiadas
produzidas pelos Tribunais dos Estados e Superiores.
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I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O ato da ocupação de terra como estratégia de ação não é uma novidade da condição
histórica brasileira. Na Revolução Inglesa do século XVII, podemos encontrar grupos de
trabalhadores rurais que utilizavam dessa estratégia (HILL, 1987). No Brasil, os movimentos
sociais da Primeira República, com os seguidores dos beatos e a busca pela terra prometida,
de Canudos e Contestado, podem ser considerados como elementos formadores da concepção
que o sem-terra tem o direito a um pedaço de terra que lhe foi retirado em algum momento
ou lhe prometido por alguém. A própria Sesmaria, sistema de garantia da propriedade no
período colonial, iniciada a partir de uma posse, foi elemento formador da concepção de que
o estado deseja ver suas terras ocupadas. As expropriações na fronteira nas décadas de 1940 e
1950, também seriam parte do processo de formação de uma concepção de que a terra merece
voltar às mãos do homem pobre expropriado. Contudo, o fator que dirige a ocupação das
terras, como estratégias dos movimentos sociais têm fundamentos modernos e foi constituído
nos marcos da própria formação da moderna agricultura brasileira.
2 Segundo o disposto na Constituição Federal de 1988 (art. 186), “a função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça
o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
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O mesmo ato dos movimentos sociais entendido como uma forma de garantia de
direitos legais é observado por parte da sociedade e pelo próprio judiciário como uma afronta
a um outro direito, o da propriedade privada. O ato da ocupação, organizado como um
ativismo público, gera por seu contrário uma ação judicial, que da parte do seu proponente,
costuma classificar o ato social como um simples esbulho. O ativismo público, voltado a
cobrar do estado um preceito constitucional, envolve uma terceira pessoa, que avalia o ato
do movimento social como um questionamento ao seu direito de propriedade, propondo
uma ação, classificada como ações possessórias, visando a garantia de suas prerrogativas de
proprietário e buscando classificar os sujeitos sociais envolvidos com os movimentos sociais
como esbulhadores.
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No que diz respeito aos referenciais teóricos adotados na pesquisa, partimos dos
estudos de Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 36), para quem
A escolha desse autor como uma das referências da pesquisa, justifica-se por ter muito
claro a diferença das bases civil ou agrária da propriedade, muito útil para a verificação de
como o Judiciário atua nos processos judiciais das ações possessórias, instaurados a partir das
ações dos movimentos sociais de luta pela terra vinculadas à ocupação de imóveis rurais.
Eugênio Raúl Zaffaroni (1995) também serviu de base teórica para o desenvolvimento
da proposta deste trabalho, cujos resultados sintetizamos no presente relatório final, por discutir
as estruturas judiciárias latino-americanas, inclusive a brasileira, a partir de três modelos
de análise: empírico-primitivo, técnico-burocrático e democrático- contemporâneo. A partir
desses modelos de análise poder-se-á, na pesquisa, verificar a qual modelo corresponde
preferencialmente a atuação do Poder Judiciário nos conflitos agrários, no contexto espacial
e temporal delimitado, no tópico “objeto”.
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Luiz Edson Fachin (2000), ao discutir soluções para os conflitos emergentes das
ocupações em imóveis rurais, chama a atenção para o proceder clássico do Poder Judiciário
nessas questões. Fachin é consistente ao seguir apenas o caminho do Código Civil, no qual,
em regra, os juízes inspiram-se no absolutismo do direito de propriedade expresso num
título para deferir proteção possessória, sem qualquer questionamento acerca das exigências
constitucionais. Daí, a escolha de autor como uma das referências para a pesquisa, o que se
confirmou com o levantamento dos dados.
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Grosso, Pará e Paraná), quanto aos movimentos sociais, principalmente os que lutam pela
terra pelos atos de ocupação coletiva dos imóveis rurais.
A busca dos autos dos processos nas comarcas se mostrou um processo difícil e eivado
de uma grande burocracia, impeditiva do acesso a um número considerável de processos. Nesse
momento, a pesquisa se deparou com um custoso processo de negociação com juízes e com
responsáveis pelos cartórios para obter o acesso aos processos em questão. A pesquisa contou
em muitos momentos com o apoio de juízes interessados em contribuir com a investigação,
mas esbarrou no controle dos cartórios e nos altos custos para ter acesso as peças componentes
do processo. Com a dificuldade de busca dos processos nas comarcas, foi estabelecido um
número mínimo de processos que deveria ser buscado em cada estado atendendo a um grau
variado de grupos sociais e situações de conflitos que fossem representativos da situação
encontrada em várias partes do Brasil.
A partir das dificuldades encontradas para a busca das peças processuais em cada estado,
visando à garantia de uma observação representativa do universo de conflitos pesquisados, foi
definida a busca dos casos de conflitos através das peças processuais disponíveis nos sistemas
de busca dos tribunais, para isso foram adotados como critérios de pesquisa: os números dos
autos dos processos fornecidos pelos movimentos sociais envolvidos em algum conflito, o
nome dos advogados relacionados aos movimentos sociais e uma pesquisa a partir do nome
dos movimentos sociais em conflito. A partir dos dois critérios interpostos, a busca de autos
de processos nas comarcas e a pesquisa de decisões sobre casos específicos localizados em
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sistemas de busca, chegou-se ao universo de 127 (cento e vinte e sete) autos de processos
analisados.
Após a coleta, foi feita a análise de todos os processos e das peças disponíveis
procurando identificar, em cada processo, os seguintes elementos: a qualificação das partes,
os meios de prova, revelia, tipo de posse/rito, participação do Ministério Público e órgãos do
estado de atuação junto à problemática agrária, liminares concedidas, julgamento e a análise
por parte do juiz da função social da propriedade. Em todos os itens definidos para serem
buscados, em cada processo, procurou-se identificar a problemática principal do projeto:
como o judiciário recepciona a estratégia da ocupação como uma forma de cobrança de
um direito social e sob que critérios o juiz decide sobre a fundamentação da propriedade,
observando o direito constitucional fundamentado na função social ou restringindo sua
análise ao direito civil a propriedade.
Por fim, a organização dos dados apreciados teve como produto objetivo, a construção
de gráficos e tabelas para a facilitação da compreensão. Dadas as devidas proporções, esta
opção metodológica permite aproximar da realidade dos conflitos agrários, favorecendo
uma relação diferenciada (em nível de pesquisa científica) quando nos referimos a análises,
exclusivas, de processos jurisdicionalizados. Esta perspectiva representa parcialmente a
realidade e quando analisados isoladamente perde-se a compreensão que a totalidade das
ações sociais busca demonstrar.
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2.1. Introdução
Apesar do direito social a propriedade agrária estar disseminado pelo Brasil, por meio
dos litígios5, alcançando todo o território nacional, a forma como esses se desenvolvem, o
grau de violência, as justificativas para a formação dos direitos específicos a terra e mesmo
as características peculiares dos grupos envolvidos nos conflitos, estão relacionados a
movimentos históricos específicos de formação da propriedade agrária no Brasil, passíveis
de serem compreendidos a partir da análise da formação do espaço agrícola brasileiro.
4 “A cultura jurídica é o conjunto de orientações a valores e interesses que configuram um padrão de atitudes
diante do direito e dos direitos e diante das instituições do Estado que produzem, aplicam, garantem ou violam o
direito e os direitos.” Segundo ainda os autores a Cultura jurídica reside nos cidadãos e em suas organizações, sendo
parte integrante da cultura da cidadania (SANTOS; MARQUES; PEDROSO, 2011)
5 Segundo Boaventura Santos, Marques e Pedroso “os litígios são construções sociais, na medida em que o mes-
mo padrão de comportamento pode ser considerado litigioso ou não litigioso consoante a sociedade, o grupo social
ou o contexto de interações em que ocorre.”
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Uma das reflexões que tratou da ocupação da fronteira no Brasil foi feita por Martins
(1997), quando identificou este processo não como uma agregação linear de espaços agrários
ao processo produtivo, mas sim aos agentes da expansão; o que permite a compreensão
da historicidade da expansão sem que se reproduza uma agregação dos tempos históricos
condicionada à lógica do espaço. O deslocamento do olhar sobre a fronteira, do território
para os agentes sociais, permitiu a Martins, a identificação da presença de vários deles
na fronteira, ressaltando suas singularidades e o processo de disputa, sem que um ficasse
reduzido à perspectiva histórica do outro. Assim, o elemento que caracteriza a fronteira passa
a ser a situação de conflito, “a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade” (MARTINS,
1997, p. 150).
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da indústria açucareira, gerou no seu entorno também o processo de ocupação da terra através
da posse, mecanismo utilizado principalmente pelos pequenos proprietários impossibilitados
de cumprirem os mecanismos efetivos de afirmação legal da propriedade.
A posse de grandes extensões de terra aprofundou-se ainda mais quando foi abolido
o sistema sesmarial e nenhuma outra regulação surgiu até a aprovação da Lei de Terras de
18506. A suspensão de todas as sesmarias futuras foi ordenada através de uma resolução de
17 de julho de 1822 que, apesar de ter sido provocada pela reclamação de um posseiro do
Rio de Janeiro contra a medição de uma sesmaria que se sobrepunha a sua posse (SILVA,
1996, p. 73), demonstrava a incongruência que dominou todo período colonial entre os
interesses da Coroa e o do “senhoriato rural colonial” (SILVA, 1996, p. 75), na distribuição
de terras. A Coroa legislou sobre a questão das terras procurando estabelecer limites a sua
ocupação e incentivando a exploração econômica das mesmas. Já para os escravocratas
interessava manter as terras abertas ao seu domínio para continuidade do processo predatório
de exploração, assentado em parcos capitais, com baixa tecnologia e na submissão extra-
econômica da mão-de-obra. A suspensão da concessão de sesmarias em meio ao processo
de independência torna-se, portanto, não uma mera coincidência, mas um resultado destes
interesses divergentes.
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oeste paulista e coincidiu com a aprovação da Lei de Terras de 1850, ordenamento agrário
que modificou consideravelmente a forma legal de apropriação da terra e marcou o início do
processo de formação da propriedade absoluta da terra.
A Lei de Terras de 1850 foi editada num momento muito específico da agricultura
brasileira. Trata-se da crise do escravismo, caracterizado pelo fim do tráfico negreiro e pela
expansão da lavoura cafeeira no oeste paulista. O fenômeno essencial dessa nova fase de
expansão é o crescimento da ocupação das terras numa velocidade maior do que a expansão
da produção, o qual pode ser explicado pela nova configuração da lavoura cafeeira no oeste
paulista e pelo efeito direto das medidas de reconhecimento da propriedade implantadas com
a Lei de Terras. A lavoura do café é implantada no oeste paulista em bases diferenciadas do
Vale do Paraíba, região em que o café viveu seu auge na primeira metade do século XIX. No
oeste paulista, os fazendeiros, impulsionados pelas dificuldades de reposição da mão-de-obra
escrava africana, causada pelo fim do trafico7, foram obrigados a implantar novas formas
de trabalho, o que será feito através da introdução dos emigrantes europeus que, longe de
significar a introdução do trabalho livre nas lavouras, marcaram a continuidade de sistemas
servis de exploração do trabalho, só que em outras bases o que alterou substancialmente a
estrutura da produção cafeeira.
Uma das principais alterações que surgiu com a implantação da lavoura de café no
oeste paulista foi o deslocamento da renda capitalizada, do escravo para a terra, o que levou ao
surgimento da renda territorial capitalizada. Segundo José de Souza Martins (1996), o escravo
era o bem de maior valor na fazenda escravocrata, sendo ao mesmo tempo renda capitalizada
imobilizada e capital de custeio, já que também era utilizado como garantia de empréstimos.
O fim do tráfico teve um efeito devastador na composição do capital na fazenda. De início
parecia indicar o contrário, pois o aumento excepcional no preço do escravo, graças a raridade
do produto, melhorou a capacidade de endividamento do fazendeiro, já que aumentou o valor
de suas garantias, num momento em que havia uma maior disponibilidade de capital com a
diminuição dos investimentos no trafico. O grande problema era que a tendência, em longo
prazo, era o estrangulamento da produção, pois o encarecimento da mão-de-obra tinha como
efeito sustar as vantagens aferidas com a maior disposição de capital, pois a contrapartida
se encontrava na expansão da fazenda, ocorrendo uma maior imobilização do capital como
renda capitalizada, por causa do encarecimento do cativo (MARTINS, 1996). A saída para
a crise de mão-de-obra, contudo, não se restringia em arrumar outra fonte de trabalhadores,
mas era necessário encontrar algo que pudesse substituir o escravo como crédito hipotecário
para a garantia do capital de custeio.
7 A Lei que proibiu o tráfico no Brasil é de 1831, porém o Estado brasileiro só adotou medidas efetivas para
esse fim em 1850, quando expulsou do Brasil os maiores traficantes de escravos, em sua maioria portugueses, isso
por causa das pressões inglesas que incluíam inclusive o aprisionamento de pessoas em solo brasileiro que fosse
pego transportando escravos, sobre isto ver Prado Júnior, 1967.
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O novo papel da terra no processo produtivo do café fez surgir um novo negócio: a
produção de fazendas de café, de preferência em terras novas, que ofereciam a oportunidade
de se angariar uma renda diferencial em relação às antigas. A nova configuração do café
no oeste paulista, portanto, exercia uma forte pressão no processo de ocupação das terras
“vazias”. Esse fator, na segunda metade do século XIX, combinou-se com as restrições
impostas pela Lei de Terras para o livre acesso à propriedade rural, pois sua determinação
era muito clara “ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não
seja o de compra”8. Dessa forma, o fazendeiro para ter acesso, as desejadas novas terras,
precisava fazê-lo respeitando o que determinava a Lei n° 601 de 1850, pois devido ao
tempo de maturação de um pé de café para tornar-se produtivo, ou seja, de 4 à 6 anos, e
os investimentos necessários na formação de uma fazenda, tornava-se imprescindível que a
terra chegasse às mãos do fazendeiro legalizada e sem qualquer possibilidade da propriedade
ser questionada judicialmente. Esta nova necessidade leva ao aparecimento de uma nova
figura que agia nas regiões limítrofes da expansão cafeeira: o grileiro, que assumia a função
de limpeza das terras com a expulsão dos posseiros e tomava todas as medidas lícitas e
ilícitas para regularizar a propriedade da terra (MARTINS, 1996).
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A corrida pelos títulos nas regiões periféricas do Brasil, impulsionadas pelas ações
do estado de consolidação da integração nacional por meio de rodovias, foi um fenômeno
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que ficou conhecido como a “Nova Marcha (oligárquica) para o Oeste” (MOREIRA,
2003, p. 186). Diferentemente da conhecida Marcha para o Oeste do Governo de Getúlio
Vargas (1951-1954) caracterizada pela construção de Colônias Agrícolas no interior do
Brasil, fundamentadas na pequena propriedade, a nova Marcha para o Oeste de Kubistchek
favoreceu a ocupação latifundiária das novas terras abertas ao mercado pelas rodovias. O
avanço oligárquico na fronteira no período Kubistchek foi favorecido pelo fato do estado não
estabelecer nenhum mecanismo de proteção as propriedades das populações tradicionais,
favorecendo a um extenso processo de expropriação destes grupos de suas terras e um
crescimento significativo dos conflitos nestas novas áreas de fronteira (MAIA, 2008).
A fusão dos interesses das oligarquias rurais com os dos industriais acabou por se
aprofundar nesse período, com a integração da agricultura ao moderno processo de produção
industrial. A década de 1970 caracterizou-se, por consequência, pela formação do que ficou
conhecido como Complexo Agroindustrial (MULLER, 1989), no qual a produção agrícola
deixava de ser um apêndice da produção industrial e passava a integrar os próprios processos
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de valorização do capital industrial. Um novo setor industrial foi formado no Brasil no pós-
64. Ele passou a depender não só do sucesso da produção agrícola, mas também das políticas
de governo direcionadas para o campo.
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A atuação do judiciário nas questões agrárias tem uma relação com a estratégia do
ativismo público utilizada pelos movimentos sociais, que assume as formas mais variadas
de protesto popular como, marchas, petições, encontros, greves de fome, acampamentos de
protesto, acampamentos a beira de rodovias e também atos de desobediência civil como
bloqueios de estradas, piquetes e ocupações de terra e de prédios públicos. O desenvolvimento
das atividades, o alcance social e o caráter que assumem, dependem de uma equação que
envolve tanto os recursos mobilizadores disponíveis ao movimento (humanos, materiais e
de ideias) como das oportunidades políticas de ação (tolerância do regime, a capacidade do
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As ocupações de terras como forma de ativismo público são caracterizadas por escolhas
racionalmente condicionadas a interpretação que os movimentos fazem da legitimidade do
latifúndio no Brasil. As escolhas das terras ocupadas, na mostra analisada, não obedecem a
um único objetivo e plano, mas dependem, em muitos aspectos, das regiões e dos grupos
que atuam em cada estado da federação. Nas localidades analisadas, os grupos sociais que
ocuparam os imóveis usaram como justificativa para suas ações a baixa produtividade das
glebas, a estratégia da ocupação foi levada a termo como forma de pressionar o Incra para
proceder a vistoria dos imóveis, procedimento inicial para o processo de desapropriação para
fins de Reforma Agrária9. Em todos os casos analisados, a ocupação não produziu nenhuma
forma de esbulho, ficando restrita a uma estratégia de ativismo social para cobrar do Estado
uma ação efetiva na área de política agrária. A ocupação para além de chamar a atenção da
sociedade para o problema agrário ou direcionar a desapropriação de terra a ser executada pelo
estado, procurou estabelecer um diálogo com a sociedade e com o estado sobre a necessidade
da organização de outro padrão agrário no Brasil.
A eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), um crítico das medidas
provisórias do governo anterior, levou a retomada da estratégia da ocupação, principalmente
porque os movimentos sociais contavam com a revogação da medida ou a sua não aplicação.
9 Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de
rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.
10 Todos os dados utilizados nesta pesquisa, seja quanto ao número de ocupações de terras, conflitos agrários e
mortes no campo, tiveram como fonte o Caderno de Conflitos editado a cada ano pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT).
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No ano de 2003, foram registrados 394 casos, um aumento de mais de 46% de casos. Ainda
no ano de 2004, tivemos mais uma alta nesse tipo de casos, alcançando o maior patamar
dessa década, com 496 ocupações registradas em todo o país.
No Estado do Mato Grosso, o ano com maior número de casos foi o ano de 2003, com
17 ocorrências. A queda no Mato Grosso acompanhou a tendência nacional, mas se deu em
números maiores. No ano de 2006, foram registrados somente 04 casos; em 2007 e 2008,
uma ocorrência para cada ano. Já os anos de 2009, 2010 e 2011 contaram com uma ligeira
alta, sendo registrado respectivamente 03, 03 e 05 ocorrências.
Os altos índices de ocupações de terra nos estados do Paraná e Pará tem explicações
diversas se concentrarmos as análises sobre os grupos sociais envolvidos nos conflitos agrários
em cada estado. No Pará, as ocupações de terra são dirigidas em sua maioria por grupos locais
de luta pela terra. A influência dos grandes movimentos sociais, de abrangência nacional, é
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pequena. O Movimento Sem Terra (MST), no ano de 2011, quando foi registrado um total de
15 ocupações, esteve a frente somente de 03 ocorrências. Já em 2009, ano de maior número
de ocupações no Pará, com 43 casos, o MST participou ativamente de 05 casos, sendo que a
maioria, 28 ocorrências, foi dirigida pela Federação dos Trabalhadores Agrícolas do Pará e
pela Federação de Trabalhadores de Agricultura Familiar (Fetraf), sindicatos de organização
local por Estado.
No Paraná, berço de formação dos novos grupos sociais de luta pela terra, a maioria
das ocupações são dirigidas por grupos sociais de abrangência nacional. Em 2010, quando
houve 08 ocupações, 03 foram dirigidas pelo MST e 05 pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). A mesma situação foi registrada em 2009, quando
houve 21 ocupações: 05 dirigidas pela CONTAG, 08 pelo MST e 01 dirigida pelos dois
grupos em associação. A maior presença de grupos de abrangência nacional numa região de
agricultura consolidada e moderna indica a ocorrência de conflitos agrários com forte relação
com as condições da agricultura surgidas no pós-64.
Ainda analisando os grupos sociais envolvidos nos conflitos agrários, é possível fazer
a mesma análise para os casos de Goiás e Mato Grosso. A característica principal desses dois
estados foi a diminuição dos conflitos no final do período analisado, acompanhando uma
característica nacional. Já quanto aos grupos em luta pela terra, nos dois estados, é possível
identificar uma composição da situação do Paraná com o Pará, no caso, a presença tanto de
grupos nacionais como de grupos locais. Em Goiás, nos anos de 2009, 2010 e 2011, foram
registrados 15 conflitos, desses 04 foram dirigidos pelo MST, 01 pela Fetraf, 09 por uma
organização denominada Terra Livre e 01 por uma organização não identificada.
Outra análise que foi possível fazer na pesquisa diz respeito à relação entre as
ocupações de terra e a violência. Nesse caso, foram escolhidos como referencial de violência
os casos de mortes registrados nas várias regiões do Brasil, por representarem o grau
extremado da violência do campo. No Brasil, foram registrados no período em análise o total
de 333 mortes no campo, em decorrência de conflitos agrários. Desse total, 180 ocorreram
nos estados analisados nesta pesquisa, representando um percentagem de 54,05% das mortes
32 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
Universidade Federal de Goiás
ocorridas em todo o território nacional. Não existe uma relação direta entre o número de
ocupações de terra e as mortes no campo. A acusação de que a estratégia de ocupar terras
adotadas pelos movimentos provoca uma maior violência não foi comprovada pela pesquisa.
O Estado do Paraná, com o maior número de ocupações de terra registrou em todo o período
analisado 09 mortes em decorrência de conflitos agrários. Já o Estado do Mato Grosso com
uma percentagem de menos de 21% das ocupações do Paraná teve um número 166% maior
de mortes, no caso, um total de 24 pessoas. O estado campeão em mortes no campo, com um
número extremamente superior em relação aos outros estados e concentrando mais de 43%
das mortes de todo o Brasil, foi o estado do Pará com 144 mortes.
Além das mortes no campo não terem relações direta com o número de ocupações de
terra encontrados em cada estado, elas não tem relação também com os períodos de maior
número de ocupações no próprio estado de registro das mortes. O maior número de mortes
no estado do Pará foi no ano de 2003 quando foram registradas 33 mortes, mas por outro
lado, este mesmo ano registrou 20 ocupações, sendo somente o quinto ano em número de
ocupações de terra. O ano de maior número de ocupações no Pará, foi o de 2009. Contudo,
nesse ano ocorreram 08 mortes no estado, um índice que só não foi menor do que o do ano de
2007 que registrou 05 mortes no estado. O Estado do Pará foi também o único que registrou
mortes em todos os anos analisados, enquanto o Estado do Paraná registrou mortes somente
nos anos de 2003, 2004, 2007 e 2008.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
33
Observatório da Justiça Brasileira
Nesse sentido, a discussão do tema pressupõe a análise das decisões judiciais colegiadas
e monocráticas proferidas nos processos judiciais desencadeados nos âmbitos de espaço
e tempo acima especificados, levantando-se como elas são construídas e que concepções
jurídicas sobre a posse e a propriedade veiculam. Apurar se ancoram-se num discurso liberal
propretivo do direito individual de propriedade ou num discurso social de acesso amplo à
propriedade, inclusive via ocupações pelos movimentos sociais de luta pela terra.
Deve-se notar que, como já referido, no âmbito deste projeto de pesquisa, não se
incluem a ação de usucapião, a de nunciação de obra nova, os embargos de terceiro, a ação de
dano infecto, que, ademais envolverem discussão sobre posse, não são de utilização corrente
nos conflitos coletivos pela posse e propriedade da terra.
Também não é o caso da imissão na posse, embora não mais regulada no Código
de Processo Civil, recebe normatização no Decreto-Lei n.º 70/66, pertinente à execução
extrajudicial de imóveis vinculados ao sistema nacional de habitação, sendo aplicada nesse
campo.
Assim, delimitadas as ações possessórias que serão objeto de análise, passa-se a breve
explicitação de notas conceituais delas.
Note-se que a concepção teórica dos elementos da ação de interdito proibitório acolhe
uma perspectiva preventiva (cautelar, podia-se dizer) de tutela da posse. O uso da ação está
disponível para os casos de “ameaça injusta”, “justo receio” e “iminência da agressão” à
posse. Para limitar possibilidades interpretativas extremamente dotadas de subjetividades,
o critério para a caracterização do justo receito não fica ao alvedrio de cada sujeito na sua
individualidade, mas pressupõe a prática de atos concretos que importem na ameaça de
turbação ou esbulho à posse.
Quanto à manutenção de posse, seu objeto remete à turbação, que, segundo Nascimento
34 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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(1986, p. 122), prejudica “[...] o exercício pacífico da posse, sobrepondo ao senhorio de fato
outro senhorio que lhe é prejudicial [...]”, além de ser “... mais que o esbulho – porque nesse
o exercício da posse está impossibilitado [...]”.
A definição jurídica do termo “turbação” remete a todo ato que embaraça o livre
exercício da posse, haja, ou não, dano, tenha o turbador, ou não, melhor direito sobre a coisa
(GOMES, 1998, p. 90). A construção teórica da turbação é ampla o bastante para permitir
interpretações extensivas do que, no plano fático, qualifica-se ou não como turbativo.
Quanto à reintegração de posse, ao destacar que tem por objeto afastar o esbulho, o
qual “[...] desfaz o corpus, descaracterizando o elemento material...” (NASCIMENTO, 1986,
p. 123) da posse, restando essa apenas com o animus. Não se pode esquecer que “reintegrar”
“[...] é reintegrar quem já estava nessa situação, anteriormente [...]”. Assim, não merece
reintegração quem não se integrava na posse anteriormente.
Um dos pontos mais polêmicos, nessa ação, é sobre sua caracterização ou com “força
nova espoliativa” (posse nova) ou “força velha espoliativa” (posse velha), o que justifica sua
caracterização como sendo de natureza dúplice.
Enquanto a posse nova é de menos de ano e dia, a velha é de ano e dia em diante.
Essa distinção é fundamental para se definir o rito (especial ou ordinário) a ser imprimido
na condução dos processos instaurados a partir do ajuizamento das ações possessórias. É
que, em sendo nova a posse, torna-se possível o pedido e deferimento de medida liminar de
proteção possessória. Entretanto, em sendo velha, não se admite tal providência.
Essas explicitações conceituais básicas são imprescindíveis à pesquisa, haja vista que
permite diferenciar, e, portanto, evitar confusões terminológicas comumente notáveis. Um
exemplo é ter por esbulhado um imóvel rural, em caso de ocupação coletiva de terra que
não alcança sequer 5 % da área total do mesmo. Os efeitos de uma liminar, deferida com
base no juízo de ocorrência de esbulho, sem haver de fato, podem ser mortíferos, ou, ao
menos, lesivos a direitos fundamentais dos ocupantes, principalmente, se utilizada de forma
excessiva e abusiva, a força pública, no cumprimento de decisões provisórias.
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Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
35
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Nessas ações, várias questões polêmicas podem ser postas, pertinente à qualificação
dos réus, da citação pessoal, da concessão da liminar, da audiência de justificação prévia, do
cumprimento da função social da posse e da propriedade e, sobretudo, quanto à referência
à reforma agrária nesses processos e à leitura pelos atores jurídicos em cena nessas ações,
notadamente o juiz.
Interessa saber como ele vê o ato de ocupar ou ameaça de ocupação por movimentos
sociais de luta pela terra. Se como esbulho, turbação ou exercício da cidadania. Se atende ou
não a legislação processual, no tocante, por exemplo, a exigência de qualificação e citação
pessoal do(s) réu(s).
36 FORDFOUNDATION
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Ainda que o processo seja pertinente à resolução de caso penal, envolvendo figuras
notórias com José Rainha Júnior, o julgado é emblemático por permitir a visualização das
possibilidades de atuação do judiciário em conflitos agrários.
Vê-se que, nessas questões, pode haver duas percepções: aquela criminalizante,
que enxerga na ocupação ou na sua tentativa, um crime (geralmente esbulho possessório),
na linha da “colonização do problema agrário pelo controle penal”, como anota Andrade
(2003, p. 125), e a outra, concretizante, que a vê como exercício de direito de cidadania, para
implantação da reforma agrária e efetivação e direitos fundamentais e humanos (moradia,
trabalho, alimentação etc).
Ainda que Amilton não tenha dito se concebe a produtividade como traduzindo o
cumprimento integral da função social da propriedade, a perspectiva é útil à pesquisa, porque
assume posição clara, pela legitimidade do que chama de “invasões” e, aqui, chama-se
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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ocupações. Apresenta como fundamentos jurídicos da legitimidade das “invasões”, nos termos
colocados, nos princípios da “vida com dignidade” e da “função social da propriedade”.
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A riqueza desse julgado é evidente. Várias questões são colocadas, entre elas a
definição do órgão jurisdicional competente para processar e julgar ações possessórias,
colisão de direitos, cumprimento da função social e papel do Poder Judiciário para resolver
conflitos sociais.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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Antes de ter sido proferido o Acórdão, no caso (na ação possessória, tinha sido
deferida liminar para reintegração na posse de imóvel rural), cuja ementa foi referida acima,
a questão tinha sido apreciada no plantão do dia 17 de setembro de 1998, pelo desembargador
Rui Portanova. Na ocasião, o mesmo agregou efeito suspensivo, liminarmente, ao agravo
interposto pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, para “[...] suspender a execução
do despejo até decisão final deste recurso [...]”, sob o fundamento de que “[...] a decisão
agravada não levou em conta a função social. O despacho agravado não disse palavra a
respeito [...]”.
Outro ponto referido na decisão liminar, no caso, foi a referência à inspeção judicial.
Como esse tipo de diligência envolva a disponibilidade do juiz para ir ao local do conflito, para,
por exemplo, verificar sobre o que alegado. Pode ser instrumento valioso de convencimento,
por permitir o contato direto do juiz com o objeto do litígio, qual seja, a posse do imóvel rural.
Se alegado, por exemplo, na inicial, que a fazenda protege o meio ambiente e, na inspeção,
for constatado algum dano ambiental de monta, não seria o caso de deferimento de tutela
possessória liminar, ao menos nos casos que se entenda necessária a prova do cumprimento
da função social para deferir tal forma protetiva.
Outro ponto é saber qual a concepção do judiciário sobre o que seja função social.
Se ela se confunde ou não com a mera produtividade da terra, evidenciada por cabeças de
gado ou lavouras na área em disputa judicial, expressos nos graus de utilização da terra e
de eficácia da exploração dela. E, sobretudo, saber como opera a lógica da função social da
propriedade no direito agrário e no direito civil, como referem Franco e Leite Filho (2011,
p. 210):
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Ihering, idealizador da Teoria Objetiva da Posse, concebe esta como um direito, cuja
caracterização independe do animus. Basta o corpus.
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41
Observatório da Justiça Brasileira
Segundo as professoras Miracy Gustin e Maria Tereza Dias, o estudo de caso objetiva
“uma construção detalhada de grupos, instituições, programas sociais ou sociojurídicos, entre
outros” (GUSTIN; DIAS, 2006, p. 104), utilizando dados quantitativos e qualitativos.
Tal estudo perpassa por quatro momentos: primeiro, pela delimitação do objeto de
estudo; no segundo momento, pela definição dos procedimentos quantitativos e qualitativos
que serão utilizados; depois, no terceiro momento, passa-se à definição dos métodos de
registro dos dados levantados,
42 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
Universidade Federal de Goiás
Nessa perspectiva, foram analisados 127 (cento e vinte e sete) processos, nos estados
de Goiás (13 processos), Paraná (36 processos), Mato Grosso (46 processos) e Pará (32
processos). Tais estados foram dispostos, na respectiva ordem, intencionalmente, em
função de, nos últimos, existirem Varas Especializadas em Direito Agrário, com algumas
peculiaridades, analisadas, ao longo da presente síntese.
82;65%
Quanto ao tipo de posse, prevaleceu a “Posse Nova”, que corresponde à ocupação que
se deu em menos de “ano e dia” da propositura da ação.
Tipo de Posse
Goiás - Mato Grosso - Paraná - Pará
7%
Nova
Velha
93%
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
43
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3.1Estado de Goiás
Nesse ponto, o art. 282, II, do Código de Processo Civil, que exige para a petição
inicial a nomeação e qualificação das partes, não foi atendido na maioria dos casos analisados
no Estado de Goiás.
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mencionado 1 (um) nome de pessoa natural, sem qualificação, bem como de “outros do
Movimento Democrático Independente – MTL-DI”, cuja identificação não fora realizada.
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Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
45
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de determinar a emenda da inicial, para completa qualificação dos réus, tendo em vista a
imprescindibilidade do dado, seja para individualização das partes em conflito – necessária
para definição dos efeitos dos atos decisórios -, seja para viabilizar os atos de comunicação
processual.
46 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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Nesse caso, em particular, as provas foram pouco exploradas: na petição inicial, não
se pediu inspeção judicial, tampouco a juíza objetivou realizá-la; a realização de perícia,
apesar de requerida, não foi ordenada. Houve, apenas, em despacho de 3 (três) linhas, a
ordem para que o oficial de justiça diligenciasse ao local e verificasse “o que foi alegado na
inicial”, numa clara inversão da lógica probatória, consistente no juiz arvorar-se na iniciativa
probatória, e não a parte autora, cujo ônus lhe cabia.
Ademais, no caso, a juíza não exigiu prova da função social, nem do proprietário,
nem do arrendatário. O discurso decisório acolhe a leitura civilista tradicional individualista,
recorrendo ao linguajar do “esbulho”, para qualificar a presença de pessoas, que não o
proprietário, o arrendatário ou empregados, no imóvel rural em disputa. Houve, no mínimo,
carência de compreensão do texto constitucional, que positivou a função social da propriedade
(art. 5º, XXIII e art. 186) e que não encontra eco nas decisões judiciais analisadas.
Ficou evidente, pelos casos examinados, que não é praxe, em Goiás, a realização da
inspeção judicial, a designação de audiência de justificação prévia, além de prevalecer o uso
de documentos, sem debate em contraditório.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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3.1.3 Revelia
Em regra, dos processos analisados, não há informação suficiente para dizer se ocorreu
ou não revelia (entendida como a omissão do demandado em defender-se da ação que lhe é
dirigida), à exceção do processo n.º 200804525352, da Comarca de Varjão-GO.
Ainda que o magistrado tenha reconhecido que “regularmente citada, a parte ré não
contestou o feito”, a decisão de procedência decorreu de valoração da prova produzida nos
autos, e não da presunção de veracidade dos fatos alegados.
Dos casos analisados em Goiás, apenas, 1 (um) não envolve situação possessória nova
(Processo n.º 200904299524, da Comarca de Paraúna). Nesse caso, a posse que se buscava
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proteger era datada de mais de ano e dia, conhecida como “posse velha”, impeditiva de
concessão de medida liminar, por esse motivo, o juiz indeferiu o pedido, além de imprimir,
ao feito, o rito ordinário.
Tipo de Posse
Goiás
8%
Nova
Velha
92%
Nos demais casos, o rito foi o especial, presente a situação possessória nova, com
consequente deferimento liminar da proteção possessória.
O curioso que o autor é um espólio, figura ficcional criada pelo direito para dar conta
da situação da destinação dos bens deixados pelo falecimento de uma pessoa proprietária,
representado por uma inventariante que tem residência na capital do Estado de Goiás, fato
declarado na própria inicial. Assim, induvidoso, carecer a inventariante de posse efetiva
pessoal, imprescindível que é à posse agrária. O Judiciário trabalhou com a concepção
civilista de posse indireta, não admitida no direito agrário.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
49
Observatório da Justiça Brasileira
Percebe-se que o referido órgão federal fora intimado em, apenas, 15% dos processos
analisados:
Intimação INCRA
Goiás
15%
Sim
85% Não
Assim, nos casos analisados, não houve uma etapa preliminar de mediação nos
conflitos agrários, restando afastada uma possibilidade concreta de solução consensual do
conflito, construída pelas próprias partes, nos casos em que foi possível. A opção primeira
dos proprietários, em regra, é valer-se das ações possessórias, úteis que lhes são na resposta
rápida de proteção possessória.
Quanto ao Ministério Público, cuja participação é imposta por lei (artigo 82, III,
do CPC) para casos de conflitos coletivos pela posse da terra – cuja ausência pode ensejar
nulidade processual –, em regra, seu representante, na Comarca respectiva, não é ouvido antes
da apreciação do pedido liminar. Quando chamado a manifestar-se, limitou-se, numa atitude
passiva, a manifestar-se sobre alguns aspectos formais do processo (citação de réus incertos e
em lugar não sabido; produção de prova, etc.). Nada manifestou por uma efetiva investigação
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Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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sobre o cumprimento da função social da posse e/ou propriedade do imóvel em disputa. Não
requereu, nem mesmo, a expedição de ofícios ao INCRA, IBAMA, Procuradoria-Geral do
Estado, etc., para amealhar dados concretos sobre o uso econômico do bem.
Desde esse marco normativo, no referido processo, o Ministério Público deveria ter
sido intimado, ainda que após a apreciação do pedido de liminar, tendo em vista que, dentro do
universo de 150 famílias, estimado pelo próprio autor na petição inicial, certamente, haveria
crianças e adolescentes (incapazes) que, por si só, justificaria a intervenção do Ministério
Público.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
51
Observatório da Justiça Brasileira
3.1.6 Liminar
Em nenhum dos casos, foi ela precedida de inspeção judicial e, em apenas, um deles,
houve determinação de audiência de justificação prévia, atos instrutórios fundamentais para
obter dados sobre titularidade e uso do imóvel rural em disputa e, mesmo, sobre os resultados
almejados pelos movimentos sociais, quando se valem de estratégias de ocupação de terras
rurais.
Sim
92% Não
A própria ausência de busca pela contextualização do ato de ocupar, seja pela audiência
ou pela inspeção, denota despreocupação da magistratura goiana com a estruturação agrária
nesse Estado, atitude a contribuir para que a mesma seja mantida como está, concentrada.
Em outros 4 (quatro) casos, não houve a concessão de liminar inaudita altera pars,
ou seja, sem ouvir a parte contrária, representando 38% das decisões de medida liminar,
conforme se apreende do seguinte gráfico:
52 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
Universidade Federal de Goiás
38%
Sim
62%
Não
Nesse caso da Cidade de Goiás, a leitura também partiu de premissas do direito civil
e processual civil. A ocupação foi lida como invasão – esbulho –, e não como exercício do
direito à cidadania. Muito embora, o Juiz tenha reconhecido, ainda na liminar, “[...] que
os réus parecem defender legítimo direito de estatura constitucional (reforma agrária), mas
até ele, a despeito de seu relevantíssimo valor social, deve estar assentado em regras e sem
dúvida nenhuma deve-se curvar ao estado de direito [...]”, isso não obstou o deferimento
da liminar, para ordenar a desocupação da área em 72 horas, sob pena de multa diária e
responsabilização penal por desobediência. Ao final, foi julgado o mérito, confirmando a
liminar e julgando procedente a ação.
Assim, na definição judicial do uso e gozo da coisa (imóvel rural), a opção judicial
tem sido a de mantê-la com quem, historicamente, a titulariza, em detrimento daqueles que,
não a tendo, buscam tê-la.
3.1.7 Julgamento
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
53
Observatório da Justiça Brasileira
Julgamento de Mérito
Goiás
46%
54%
Sim
Não
67%
54 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
Universidade Federal de Goiás
Um fundamento interessante referido pelo juiz, no caso, foi o de que “o imóvel estaria
insuscetível de reforma agrária porquanto laudo e decisão do próprio INCRA [...] atesta que
o imóvel rural em tela foi considerado grande propriedade rural produtiva”.
Nos casos observados, não houve manejo de recurso apelatório contra a sentença, à
exceção do caso de Santa Helena de Goiás.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
55
Observatório da Justiça Brasileira
Os magistrados sequer fizeram uma análise dogmática criteriosa dos casos, para
verificar se estava presente o elemento subjetivo a caracterizar o esbulho possessório, qual
seja, a intenção de causar dano à propriedade alheia.
Assim é que o discurso decisório goiano, pelo que se extrai dos casos analisados, é
silente sobre a função social da propriedade. Ou os juízes não conhecem, com profundidade,
direito constitucional ou, por escolha ideológica, optaram por não perceber que a terra
tem funções sociais (SOUZA FILHO, 2003), que não se resumem a satisfazer os desejos
particulares do titular da propriedade da terra.
O único caso em que a função social foi aventada se deu no caso do Processo nº
200804525352, da Comarca de Varjão. Ainda que a juíza, na liminar, não tenha exigido
prova da função social nem do proprietário nem do arrendatário, tecendo, por consequência,
um discurso acolhedor da leitura civilista tradicional individualista, recorrendo ao linguajar
do “esbulho”, para qualificar a presença de pessoas que não o proprietário, o arrendatário ou
empregados, no imóvel rural em disputa, na defesa, os réus colocaram em debate a função
social do imóvel rural.
Alegaram que o imóvel não a cumpria, o que foi rebatido pelos autores, por ocasião
da impugnação à contestação, os quais sustentaram que o imóvel a cumpria, em todos os
seus aspectos, já que nele se criava gado, se praticava agricultura e não havia exploração
madeireira.
Quanto à natureza das ações possessórias que predominam diante do contexto das
ocupações, pode-se constatar a prevalência das ações de Reintegração de Posse (22), as
ações de Interdito Proibitório (13) e, apenas uma ação de Manutenção de Posse, conforme o
gráfico:
56 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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3%
Conforme dispõe o artigo 282 do Código de Processo Civil, a parte autora deve
qualificar a parte requerida, sob pena de ocorrer a inépcia da petição inicial.
O que ocorre é que a parte requerida, os integrantes dos movimentos sociais, não é
qualificada de forma correta sob a alegação de que se nega a fornecer documentos ou talvez
seja qualificado de “invasores”, mas mesmo assim o processo se desenvolve.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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Ocorrência de Audiência de
Justificação Prévia
Paraná
8%
Sim
Não
92%
58 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
Universidade Federal de Goiás
3.2.3 Revelia
Dos 36 (trinta e seis) processos analisados, pode-se depreender que em 8 (oito) casos,
ela foi decretada.
Nos 16 (dezesseis) processos remanescentes, não se pode afirmar que esse instituto
ocorreu, tendo em vista alguns fatores, como: quando da análise, o prazo para manifestação
dos réus, ainda, estava transcorrendo; mesmo com a não manifestação dos réus e o pedido de
decretação da revelia feito pela parte autora, o juiz não se manifestou sobre a situação.
Dos processos analisados, todos são do tipo “posse nova”, ou seja, é aquela que se
estende por menos de ano e dia, a contar da data da ocupação.
O rito que predomina, portanto, é o especial, que se diferencia do rito ordinário pelo
fato de admitir o pedido para concessão da liminar. Isso justifica a inclusão do referido pedido
entre os pleitos iniciais, dos processos em questão.
Dessa forma, ou o juiz não os intima ou os mesmos não tem interesse em atuar na
causa.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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Intimação MP
Paraná
29%
71% Sim
Não
O INCRA, por sua vez, não fora intimado a se manifestar em nenhum processo
analisado do estado do Paraná.
3.2.6 Liminar
60 FORDFOUNDATION
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14%
Sim
86% Não
Nesse contexto, a ocupação de terras, no Estado do Paraná, é tida como crime, como
se pode depreender de passagem do acórdão nº 561142-5: “Ademais, como já exposto na
decisão monocrática que indeferiu o pedido de efeito suspensivo, ‘a invasão de terras é crime
capitulado no artigo 162, §1º, inciso II, do Código Penal’ (fl. 188)”.
3.2.7 Julgamento
Julgamento de Mérito
Paraná
22%
Sim
78% Não
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
61
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Dos processos que tiveram o mérito julgado, apenas em 1 (um) deles o pedido foi
julgado improcedente, o que representa 13% dos casos, conforme o gráfico:
Procedência
87% Improcedência
De acordo com o teor dos autos analisados, pode-se depreender que o judiciário, nos
casos em questão, não analisa os aspectos do artigo 186 da Constituição Federal de 1988,
conforme se infere do gráfico:
Sim
94% Não
62 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
Universidade Federal de Goiás
A análise dos dados permite afirmar que, geralmente, a ação dos movimentos sociais
é desconsiderada pelo poder judiciário, quando não criminalizada, como se infere do caso
supracitado, em que o magistrado considerou a ação do movimento social crime tipificado
no Código Penal.
FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
63
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O que ocorre é que a parte requerida, os integrantes dos movimentos sociais, não é
qualificada de forma adequada sob a alegação de que se nega a fornecer os documentos e/ou
informações necessárias, durante a confecção do Auto de Constatação, realizado por Oficial
de Justiça, determinado pelo Juiz da Vara Especializada em Direito Agrário, cuja Jurisdição
se dá em todo o Estado do Mato Grosso.
64 FORDFOUNDATION
Na Linha de Frente das Mudanças Sociais
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Domingues Rodrigues; Regina, Peti e Giovani; João Cortesano; João de Tal e Antonio de
Tal; e Nilo da Silva, respectivamente)
c) 1 (um) processo (nº 85/2011) qualificou a parte requerida como Reinaldo José
Evaristo, Mateus Lucas de Carvalho, Saul do Nascimento, Gilberto Rodrigues Soares e
Outros, sem identificar quem seriam esses “outros”.
Em, apenas, 1 (um) processo (nº 74/2009), cuja resolução se deu por acordo extrajudicial,
em audiência de conciliação, o tratamento dado à parte requerida foi de “ocupantes”.
A análise do tratamento dado aos requeridos, nos demais processos, restou prejudicada
por vários fatores, como: revelia dos requeridos, cujos atos do juiz não citaram nenhuma das
categorias de tratamento; declínio de competência para a Justiça Federal, sem citar nenhuma
das categorias de tratamento; homologação de acordo extrajudicial.
Destarte, o tratamento dado aos requeridos evidencia que, mesmo com uma Vara
Especializada em Direito Agrário, a ocupação da terra, quanto à qualificação da parte
requerida, é vista como esbulho ou turbação.
Assim, em 20 (vinte) processos, o meio de prova utilizado pelo autor foi, exclusivamente,
documental.
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A análise dos demais 13 (treze) processos restou prejudicada por alguns motivos,
principalmente, em função de tais ações não chegarem à fase de instrução e julgamento,
momento crucial para a produção de provas.
44%
56% Sim
Não
Assim, os documentos de prova da posse se dão, nas ações do Estado do Mato Grosso,
essencialmente, por: Copia da Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel; Matrícula
do Imóvel; Comprovante de pagamento do ITR; Planta e memorial descritivo do imóvel;
Cópias de notas fiscais de compra de produtos veterinários e bovinos; Notas fiscais de
comercialização de gado bovino; Fotografias.
3.3.3 Revelia
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Nos demais processos, a análise restou prejudicada, em função de o juiz não discutir
o instituto da revelia.
Nos casos em questão, verifica-se que o tipo de posse prevalecente é a posse nova, ou
seja, aquela que se estende por menos de ano e dia, a contar da data da ocupação.
Nesse sentido, do universo analisado, apenas, 4 (quatro) são do tipo posse velha, isto
é, cuja ocupação se deu há mais de ano e dia, representando 9% dos casos.
Tipo de Posse
Mato Grosso
9%
Nova
Velha
91%
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Portanto, o rito que predomina é o especial, que se diferencia do rito ordinário pelo
fato de admitir o pedido para concessão da liminar. Isso justifica a inclusão do referido pedido
nos pedidos iniciais dos processos em questão.
É necessário destacar que o Estado do Mato Grosso possui uma peculiaridade, qual
seja, conta-se, para determinar o tipo de posse, o intervalo entre a data da ocupação e a data
da distribuição do processo para a Vara Especializada em Direito Agrário, criada em 2008.
Assim, alguns processos podem ser considerados do tipo posse velha, para que não haja o
periculum in mora inverso, impeditivo de concessão de medidas liminares dessa natureza,
conforme se vê na Decisão Interlocutória do processo nº 25/2009:
Ademais, quanto à natureza da ação, percebe-se que 32 (trinta e dois) processos são
de reintegração de posse (quando se considera esbulho); 11 (onze) processos são de interdito
proibitório (quando há turbação); 3 (três) processos são de manutenção de posse (quando há
turbação), conforme ilustra o seguinte gráfico:
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24%
Reintegração de Posse
6% Manutenção de Posse
70% Interdito Proibitório
Conforme dispõe o artigo 82, III, do Código de Processo Civil, a atuação do Ministério
Público nos conflitos que envolvem a disputa de áreas rurais improdutivas é imprescindível,
ainda que seja como custos legis, e não como parte.
Em 26 (vinte e seis) casos, o INCRA foi intimado para manifestar o interesse sobre a
área em litígio, correspondendo a 62% dos processos:
Intimação do INCRA
Mato Grosso
21%
Sim
Não
79%
Isso demonstra que há certa preocupação do referido órgão agrário com a atuação dos
movimentos sociais que lutam pela terra.
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3.3.6 Liminar
Dos 46 (quarenta e seis) processos analisados, em apenas 2 (dois), não houve o pedido
de concessão de liminar.
Sim
Não
98%
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22%
Sim
78% Não
Como se percebe, na maior parte dos casos, o órgão judicante entendeu necessária
a realização de audiência de justificação prévia e/ou inspeção judicial, ouvindo igualmente
os litigantes, para a formação de convencimento, não concedendo, de imediato, a medida
liminar.
Ocorrência de Audiência de
Justificação Prévia
Mato Grosso
37%
Sim
Não
63%
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3.3.7 Julgamento
Julgamento de Mérito
Mato Grosso
22%
Sim
78% Não
Nesse sentido, dos processos analisados, um, em especial, merece destaque: processo
nº 125/2009, que, mesmo com uma discussão mais acurada sobre a função social da posse, no
âmbito da Vara Especializada em Direito Agrário, o juiz competente converteu em definitiva
a decisão interlocutória proferida pela juíza Edleuza Zorgetti Monteiro da Silva, em 2008,
cujo trecho mais significativo é:
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47%
Sim
53% Não
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Não é essa a solução ideal, notadamente, pelo fato de que em demandas dessa espécie,
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Sem dúvida, expressões como essas revelam, de imediato, uma maneira preconceituosa
de conceituar um Movimento Social legítimo, cuja intenção não é “invadir” propriedades,
mas sim pleitear a redistribuição, por meio de reforma agrária, de terras que não cumprem
sua função social.
Assim, predominantemente, são trazidas aos autos: a escritura pública do imóvel, bem
como seu registro, memorial descritivo da área, comprovação da cadeia dominial, comprovante
de pagamento do Imposto Territorial Rural, certidão de cadastro rural do imóvel.
Todos esses documentos, entretanto, não são aptos a comprovar a posse do imóvel,
sendo, assim, pouco significativos, nesse tipo de ação. Antevendo essa constatação, os
autores colacionam aos autos outros documentos, na tentativa de provar a posse da área e sua
utilização econômica.
Daí o emprego como meio de prova dos seguintes instrumentos: cópia de relação de
empregados devidamente registrados, guia da previdência dos funcionários, ficha cadastral e
vacinal dos bovinos, nota fiscal de produtos agrários supostamente adquiridos para utilização
na propriedade.
Sem dúvida, na comprovação da posse, o autor da ação deve demonstrar sua relação
cotidiana com a propriedade e mais especificamente deve atestar de modo significativo a
utilização social da propriedade.
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Assim, é possível concluir que os meios de prova utilizados revelam uma dificuldade
inerente a esse tipo de demanda. A despeito disso, alguns autores conseguem demonstrar
de forma mais significativa a sua posse, colacionando aos autos, por exemplo, fotos da
propriedade e de suas atividades cotidianas na mesma e uso de prova testemunhal.
3.3.3 Revelia
A maioria dos processos pesquisadores trata de posse nova por parte dos demandados.
A posse nova é aquela que se estende por menos de ano e dia, contados a partir da data da
turbação ou esbulho, conforme se percebe, no seguinte gráfico:
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Tipo de Posse
Pará
11%
Nova
Velha
89%
Reintegração de Posse
41% 53% Manutenção de Posse
Interdito Proibitório
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Esse fato é ainda mais agravado pela demora do Judiciário em dar uma resposta
definitiva nesse tipo de litígio, persistindo a situação instável por longos anos. Antevendo
essa constatação, e até mesmo para evitar reações agressivas das partes, o INCRA realiza
conciliações, como intuito de atingir a solução pacífica do conflito.
Esse tipo de acordo extrajudicial não impede o acesso ao Judiciário, mas pode ser
uma alternativa mais célere para evitar possíveis conflitos. Alguns dos processos analisados,
inclusive, apresentam essa tentativa de conciliação orientada pela autarquia, apenas a título
exemplificativo, é o que consta no processo nº 93248024589.
Outro órgão agrário cuja atuação consta em alguns processos, embora em menor
número, é a Federação de Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), representando o
interesse de possíveis beneficiados da Reforma Agrária.
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3.4.6 Liminar
31%
Sim
Não
69%
Ocorrência de Audiência de
Justificação Prévia
Pará
19%
Sim
Não
81%
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3.4.7 Julgamento
Previamente, é válido ressaltar que, na maior parte dos processos pesquisados, houve
a realização de audiência de justificação prévia, permitindo ao magistrado formar de forma
mais subsistente suas convicções.
No que tange ao julgamento, é interessante notar que no maior número delas não se
deu julgamento do mérito, extinguindo-se o feito com sentença terminativa.
As razões mais recorrentes para esse tipo de sentença, nos processos analisados, é o
abandono processual da causa por inércia processual das partes, notadamente do autor.
Assim, nesses casos, não é possível afirmar se a situação conflituosa foi superada, uma
vez que sem a sentença definitiva, mesmo com o fim formal do processo, pode subsistir na
realidade o conflito possessório, o que, por sua vez, pode ensejar práticas violentas de ambas
as partes.
É válido ressaltar que esse tipo de acordo pacifica a questão possessória, mas não
atinge aspectos mais amplos como a verificação da função social da propriedade e a possível
destinação da terra à reforma agrária.
Julgamento de Mérito
Pará
28%
Sim
72%
Não
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19%
Sim
81% Não
Tais critérios são vagos, mas a lei deve fornecer detalhamento mais objetivo para a
concretização dessas diretrizes na prática, mas resta claro que segundo o texto constitucional,
a função social da propriedade ultrapassa a ideia de mera utilização econômica da mesma.
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66;53%
58;47% Sim
Não
58;46%
68;54% Sim
Não
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Julgamento de Mérito
Goiás-Mato Grosso-Paraná-Pará
33;26%
94;74% Sim
Não
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XXIII e art. 186) e que não encontra eco nas decisões judiciais analisadas.
4) À exceção das Varas Especializadas em Direito Agrário, nada foi perquirido sobre
as diferentes apreensões do termo “posse” no direito. As decisões optaram por uma posse de
cunho civil e não aquela agrária. Não foi feita essa diferenciação, melhor dito, não se podendo
dizer se por desconhecimento total da matéria agrária ou por opção político-ideológica dos
membros da magistratura. Enfim, leram-se os conflitos agrários a partir de categorias do
direito civil e do processo civil tradicional. Sequer foi feita uma oxigenação constitucional
(ROSA, 2010) das categorias de posse civil, ações possessórias, da turbação, do esbulho, da
função social etc.
5) Uma inferência importante que se pode fazer, a partir dos casos analisados, é que
o judiciário não se deu conta de que está sendo instrumentalizado na proteção de direitos
individuais. Notoriamente, o direito de propriedade privada da terra (SOUZA FILHO, 2003),
em detrimento de direitos coletivos dos movimentos sociais organizados na luta pelo acesso à
terra, em demandas inadequadas a tanto, que são as possessórias. Essas foram concebidas para
resolução de conflitos interindividuais baseados em disputa de posse e não em conflitos que
envolvem coletividades e cuja base é a propriedade. É que prepondera, nas fundamentações
jurídicas das iniciais dessas ações, a alegação do direito de propriedade. Assim, as ações
adequadas seriam as reivindicatórias e não as possessórias.
6) Percebe-se, dessa forma, que inexiste decisão, pois essa já é previamente conhecida,
confirmando a assertiva de Fachin (2000, p. 281), de que “o judiciário recebe o pleito e o teor
da decisão também é de antemão conhecido. O decisum, em regra geral, defere a liminar sem
ouvir a parte contrária”.
7) Ao se tentar uma síntese dos julgamentos nos conflitos agrários, a constatação que
emerge é de que são pouco criteriosos em termos probatórios, restringindo-se, quase sempre,
o material probatório a documentos não expostos a contraditório prévio; são assentados
na perspectiva dedutiva, em que se faz subsunção dos fatos narrados a termos jurídicos de
extração civil e processual civil (posse, esbulho, data do esbulho, perda da posse, v.g.); são
totalmente alheios os critérios substanciais constitucionais pertinentes à função social da
propriedade (art. 186, da CF/88); ignoram completamente a estratégia, de que lançam mão
os movimentos sociais de luta pela terra, de ocupação organizada da terra como forma de
ativismo público (CARTER, 2010).
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das Varas Especializadas em Direito Agrário, nos Estados do Mato Grosso e Pará, houve a
concentração dos processos e maior participação dos órgãos agrários, além do refinamento
nas fundamentações teóricas das decisões, mas, essas, ainda, se mostram extremamente,
patrimonialistas, individualistas, civilistas e excludentes.
9) E mais, quanto às ações dos movimentos sociais que lutam por acesso à terra, o
magistrado da Vara Especializada em Direito Agrário do Estado do Mato Grosso sintetiza a
recepção dada pelo Judiciário, em relação ao ativismo público:
Em outra decisão:
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______. STJ. Habeas Corpus n. 5.574/SP, 6ª Turma, rel. p / acórdão min. Luiz Vicente
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PARÁ PARANÁ
ANO NÚMERO DE OCUPAÇÕES ANO NÚMERO DE OCUPAÇÕES
2003 20 2003 51
2004 19 2004 45
2005 40 2005 36
2006 35 2006 25
2007 29 2007 17
2008 17 2008 14
2009 43 2009 21
2010 7 2010 8
2011 15 2011 1
TOTAL: 225 TOTAL: 218
Fonte: DATACPT
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