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Site da ABREM – Associação Brasileira de Estudos Medievais, com
publicações e informações sobre a Idade Média: www.abrem.org.br
No mesmo site, encontra-se a revista SIGNUM especialista em artigos, traduções,
resenhas sobre a Idade Média. Basta acessar o site e clicar no ícone da revista.
AHLM – Associação Hispânica de Literatura Medieval: http://www.ahlm.es
Arquivo Português de Lendas (APL) http://www.oct.mct.pt/bds/dout2/index.jsp
Bibliografia de Textos Antigos Galegos e Portugueses: http://gahom.ehess.fr/
Cantigas medievais galego-portuguesas online (Instituto de Estudos Medievais,
Universidade Nova de Lisboa): http://cipm.fcsh.unl.pt
Cantigas de Santa Maria (Centre for the Study of the Cantigas de Santa Maria
– Universidade de Oxford). Base de dados. http://clarisel.unizar.es/
Corpus informatizado do português medieval (Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa):
http://www.fordham.edu/halsall/newadds.html
GLOSSA - Glossário da poesia medieval profana galego-portuguesa:
http://glossa.illa.udc.es
Cancioneiros medievais: www.cancioneros.org
Fonte: Este texto foi publicado no Boletim Eletrônico do SINPRO-SP (Sindicato dos Professores), texto
de Elisa Marconi e Francisco Bicudo, 3/6/2011
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Universidade de São Paulo. A professora de História Medieval da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Miriam Coser, concorda e reforça: “O primeiro
grande engano é mesmo achar que na Idade Média a sociedade era formada por padres,
guerreiros e camponeses”. Na realidade, insiste, a organização social era muito mais
complexa. Outros atores compunham aquele cenário e, para o arrepio dos que pregam
que se trata da Idade das Trevas (onde se oprimia o conhecimento, a escrita, as mulheres
e os infiéis), os mil anos medievais foram muito ricos em relação à produção humana,
artística e tecnológica.
A afirmação pode soar estranha, mas as pesquisas acadêmicas sobre a Idade
Média, desenvolvidas aqui no país e também no exterior, mostram exatamente essa
riqueza e essa diversidade que os especialistas apontam. Aliás, os estudos brasileiros
foram ganhando qualidade e relevância à medida que foram estabelecendo intercâmbios
e se afinando com grupos tradicionais de estudos medievais da Europa, sediados na
França e em Portugal, por exemplo. Curiosamente, a ebulição que sacode a academia
não é encontrada nas escolas de ensino fundamental e médio, períodos nos quais a Idade
Média é apresentada aos estudantes.
Nogueira atribui essa distância a um intervalo natural que se observa entre a
produção acadêmica e a aplicação nas escolas, um fenômeno bem comum e não
reduzido à História. O professor da USP sugere ainda que as editoras que movimentam
o mercado de livros escolares e didáticos não demonstram tanto interesse na Era
Medieval quanto aquele revelado pela História do Brasil.
Miriam ressalta que é justamente a História do Brasil a área mais bem trabalhada
no que diz respeito ao tempo que leva para as inovações nascidas na Universidade
chegarem aos colégios; à riqueza de detalhes e reflexões; à presença de bons livros e
outras obras de referência para apoiar os estudos. Para ela, a Idade Média não seduz
tanto quanto poderia os livreiros, os professores e alunos, não apenas porque o Brasil
não a atravessou da maneira mais conhecida, com os castelos, os camponeses, os
cavaleiros e a Igreja, mas principalmente “porque se pensa o período como um intervalo
entre o Feudalismo e o Capitalismo, ou seja, o importante é sair de uma fase e passar
para a outra, mas para isso, há que se passar pela Idade Média”, provoca.
Longa e Rica
Os prejuízos para o entendimento do mundo medieval e até do mundo atual
quando se sobrevoa superficialmente o período que vai do fim do Império Romano à
chegada ao Capitalismo são vários. A professora da UniRio, que já havia comentado
que a sociedade medieval era bem mais complexa que a redução mais clássica entre
padres, cavaleiros e camponeses, destaca também a questão das cidades. Ao contrário
do que se costuma estudar, as cidades também existiam na Era Medieval. Eram
assentamentos rurais, diferente das cidades modernas que conhecemos hoje, mas
existiam de forma independente dos castelos. “Tradicionalmente se relaciona o
surgimento das cidades com o nascimento do próprio Capitalismo. E não é bem assim.
Nem todo mundo vivia no castelo, existia uma economia, uma vida social e de trabalho
nas cidades”.
E esse não é um detalhe descartável. Mais adiante, quando os professores
apresentarem suas propostas para as aulas de Idade Média ficarem mais atraentes, as
cidades e o trabalho terão um lugar significativo. Nogueira vai adiante. “Me preocupa o
reducionismo com a Idade Média, porque as pessoas deixam de saber, por exemplo, que
parte da inspiração fascista e de Hitler – com a figura do herói, do povo que sai para a
conquista, da nobreza dos ideais de guerra, etc. – estão na Idade Média”. Ele lembra
que, nesse período, a Europa conseguiu feitos incríveis, como construir as primeiras
máquinas movidas à energia não humana, como o moinho d’água; com pensamento e
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tecnologia avançados para a época, os europeus medievais conseguiram também
dominar a alimentação e possibilitaram que o continente ficasse mais dinâmico e
pudesse conquistar os outros continentes. “Ou seja, até a corrida dos Descobrimentos do
século XVI e o Neocolonialismo do século XIX têm, como origem, a Idade Média. Não
dá para continuar achando que era um tempo sombrio em que o homem não se
desenvolveu”, pontua o professor da USP.
Tudo isso vem temperado com o requinte da longevidade. Em tempos de
produtos, valores e culturas descartáveis, as heranças que vêm da Idade Média ainda
manifestam forte relevância no mundo atual. A primeira que merece atenção é a duração
física do que foi construído entre os séculos V e XV. Pontes, castelos, igrejas, muros,
universidades e cidades inteiras seguem firmes, de pé, desafiando o tempo e a
intempérie.
De natureza mais sutil, a representação do feminino ideal também tem o berço
naquela fase. “A figura da mulher perfeita, espelhada em Maria – o chamado modelo
mariano –, devotada ao marido, submissa, que aguenta as dores sem fazer alarde, nasceu
lá na Idade Média. A gente precisa se perguntar por que a Igreja tentou impor com tanta
força esse modelo e demonizar as mulheres que desgarrassem dele”, provoca Miriam.
Nasceram na Idade Média também, e perduram até hoje, ideais de
comportamentos e de posturas frente a vida e a sociedade. O certo e o errado em relação
à sexualidade, ao aborto, ao casamento e às relações entre homens e mulheres seguem
pautados pelo que a igreja já dizia em tempos medievais. O assunto, lembra Miriam, é
tão atual que virou pano de fundo na última eleição presidencial. Se a isso o professor
somar que muitos dos estudantes em breve serão – ou já são – eleitores, o período
medieval fica inegavelmente atual.
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A origem do mundo feudal
Durante séculos, o Império Romano dominou grande parte da Europa. Uma
poderosa estrutura administrativa, com exércitos e estradas que interligavam todo o
território, possibilitou aos romanos impor às populações dessa parte do continente seu
domínio, seu modo de vida e seus costumes.
A partir do século III, esse cenário começaria a se alterar. Com dificuldades para
proteger as fronteiras, o Império Romano passou a ser invadido por diversos povos,
sobretudo os de origem germânica, como os anglos, os saxões, os francos, os
lombardos, os suevos, os burgúndios, os vândalos e os ostrogodos.
No século IV, os hunos, que habitavam a Ásia central, invadiram a Europa e
tornaram essa situação mais grave. Esses guerreiros passaram a percorrer os territórios
ocupados pelos povos germânicos, obrigando-os a procurar refúgio dentro das fronteiras
romanas.
As invasões e os saques a cidades tornaram-se então constantes. Muitas famílias
passaram a procurar o campo, considerado mais seguro. Com isso teve início um
processo de ruralização em toda a Europa ocidental.
Com o passar dos anos, as propriedades rurais tornaram-se mais protegidas.
Transformadas em núcleos fortificados, elas estavam sob a administração de um
proprietário com poderes quase absolutos sobre as terras e seus habitantes.
O poder centralizado do Império Romano começava, assim, a se fragmentar. Em
476, os hérulos, povo de origem germânica, invadiram Roma e, comandados por
Odoacro, depuseram o imperador Rômulo Augústulo. Foi o passo final para a
desagregação do Império Romano do Ocidente.
Em seu lugar, com o tempo, surgiram diversos reinos independentes. No interior
deles, iria se formar a sociedade feudal, a partir da mistura de valores e costumes
romanos com os dos povos invasores. As principais características dessa nova sociedade
seriam a ruralização, o poder fragmentado e a forte religiosidade.
Dividindo o mundo feudal
Muitos estudiosos costumam dividir a história da sociedade feudal em dois
momentos distintos: a Alta Idade Média e a Baixa Idade Média. O primeiro momento,
entre o século V e o IX, é o de consolidação do mundo feudal, quando se formam os
reinos e se cristaliza a organização social. No momento seguinte, entre os séculos X e
XV, a sociedade feudal começa a dar sinais de mudanças, com o fortalecimento das
cidades e do comércio.
O feudo
A palavra ”feudo” é de origem germânica e seu significado está associado ao
direito que alguém possui sobre um bem, geralmente sobre a terra.
O feudo era a unidade de produção do mundo medieval e onde acontecia a maior
parte das relações sociais. O senhor do feudo possuía, além da terra, riquezas em
espécie e tinha direito de cobrar impostos e taxas em seu território.
O feudo era cedido por um poderoso senhor a um nobre em troca de obrigações
e serviços. Quem concedia a terra era o suserano e quem a recebia era o vassalo. O
vassalo, por sua vez, podia ceder parte das terras recebidas a outro nobre, passando a
ser, ao mesmo tempo, vassalo do primeiro senhor e suserano do segundo.
O vassalo, ao receber a terra, jurava fidelidade a seu senhor. Esse juramento era
uma espécie de ritual que envolvia honra e poder: o vassalo se ajoelhava diante do
suserano, colocava sua mão na dele e prometia ser-lhe leal e servi-lo na guerra.
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Os suseranos e os vassalos estavam ligados por diversas obrigações: o vassalo
devia serviço militar a seu suserano, e este, proteção a seu vassalo. Pode-se dizer que
não havia quem não fosse vassalo de outro.
Na sociedade medieval, o rei não cumpria a função de chefe de Estado. Apesar
de seu papel simbólico, ele tinha poderes apenas em seu próprio feudo. Sua vantagem
era não dever obrigações de vassalo, dentro de seu reino, a outro senhor.
A organização do feudo
A organização dos feudos baseou-se em duas tradições: uma de origem
germânica, o comitatus, e a outra de origem romana, o colonato. Pelo comitatus , os
senhores da terra, unidos pelos laços de vassalagem, comprometiam-se a ser fiéis e a
honrar uns aos outros. No colonato, o proprietário de terras dava proteção e trabalho aos
colonos que, em troca, entregavam ao senhor parte de sua produção.
Não é possível avaliar o tamanho dos feudos, mas estima-se que os menores
tinham pelo menos 120 ou 150 hectares. Cada feudo compreendia uma ou mais aldeias,
as terras cultivadas pelos camponeses, as florestas e as pastagens comuns, a terra
pertencente à igreja paroquial e a casa senhorial, que ficava na melhor terra cultivável.
Pastos, prados e bosques eram usados em comum. A terra arável era divida em
duas partes. Uma, em geral a terça parte do todo, pertencia ao senhor; a outra ficava em
poder dos camponeses.
Nos feudos plantavam-se principalmente cereais (cevada, trigo, centeio e aveia).
Cultivavam-se também favas, ervilhas e uvas.
Os instrumentos mais comuns usados no cultivo eram a charrua ou o arado, a
enxada, a pá, a foice, a grade e o podão. Nos campos criavam-se carneiros que
forneciam a lã; bovinos, que forneciam leite e eram utilizados para puxar carroças e
arados; e cavalos, que eram utilizados na guerra e transporte.
A economia feudal
A economia feudal baseava-se principalmente na agricultura. Existiam moedas
na Idade Média, porém eram pouco utilizadas. As trocas de produtos e mercadorias
eram comuns na economia feudal. O feudo era a base econômica deste período, pois
quem tinha a terra possuía mais poder. O artesanato também era praticado na Idade
Média. A produção era baixa, pois as técnicas de trabalho agrícola eram extremamente
rudimentares. O arado puxado por bois era muito utilizado na agricultura.
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Monge copista (séc. XV)
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A POESIA MEDIEVAL – PROVENÇA
De lai don plus m'es bon e bel Dali onde está o que para mim existe de
non vei mesager ni sagel, melhor e mais belo, não vejo [vir]
per que mos cors non dorm ni ri, mensagem nem carta; por isso não
ni no m'aus traire adenan, durmo nem rio, tampouco me atrevo a
tro que sacha ben de la fi prosseguir, enquanto não venha a saber
s'el es aissi com eu deman. se tudo haverá de resultar como desejo.
Qu'eu non ai soing de lor lati Não receio que estranha linguagem me
que.m parta de mon Bon Vezi, afaste de meu Bom Vizinho, pois bem
qu'eu sai de paraulas com van, sei o efeito das palavras que se
ab un breu sermon que s'espel, espalham num breve discurso;
que tal se van d'amor gaban, envaideçam-se os outros do amor que
nos n'avem la pessa e.l coutel. possuem: a nós não falta o necessário.
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feminarum faz o balanço da sua vida passada, mostrando-se arrependido das dissipações
da mocidade. Renunciando aos seus grandes ideais de outrora – a cavalaria e a vanglória
–, só lhe resta agora morrer honradamente ao pé dos seus amigos a trilhar o caminho
que o conduz ao Senhor.
Além da invocação primaveril, outro tópico que Guilherme IX põe a circular
pela poesia trovadoresca refere-se à sintomatologia passional, possivelmente uma
derivação ovidiana: não durmo nem rio, que penetrou terras galego-portuguesas, como
se pode ver nesta cantiga d’amor de D. Afonso Sanchez, filho do rei D. Dinis:
Bom Vezi (Bom Vizinho), pseudônimo (senhal) com que o trovador oculta o nome da
mulher, um dos cânones do amor cortes, ligado ao segredo com que essas relações
sentimentais se realizavam.
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para uso do neto D. Dinis. Carolina Michaëlis de Vasconcelos apresentou edição crítica
com comentários em 1904. CA contém apenas cantigas de amor e não inclui poemas de
Afonso X, nem de D. Dinis e de seus poetas contemporâneos. (310 composições)
O Cancioneiro da Vaticana, descoberto na Biblioteca do Vaticano, publicado em
1875, por Ernesto Monacci, foi copiado nos fins do XV ou começo do XVI por Ângelo
Colocci. Cantigas de amor, de amigo, de escárnio e maldizer, inclusive as de autoria de
D. Afonso e de D. Dinis. (1205 cantigas)
O Cancioneiro da Biblioteca Nacional copiado no séc. XVI. foi conhecido como
Cancioneiro Colocci-Brancuti, pois foi anotado por A. Colocci. É o mais completo, com
maior número de cantigas mais fragmentos da Arte de Trovar. (1647 cantigas)
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Possíveis origens das cantigas de amigo=
a) tese arábica (superioridade dessa cultura e a facilidade como ela teria se comunicado
com a cultura cristã. Talvez as carjas moçárabes sejam a origem das cantigas de amigo.
b) tese popular= porque a poesia popular é espontânea, anônima e primitiva, por ser
objetiva, natural e independente da cultura dominante. Ligadas a festividades pagãs
românicas (festas de maio, as maias, p. ex.)
c) litúrgica= não existiria algo puramente popular, mas sim uma estilização de formas
da cultura dominante.
Quanto às rimas, elas eram muitas vezes assonantes= rimavam as últimas vogais
tônicas, independentemente das consoantes. Na continuação do poema, o recurso
paralelístico pode apresentar nova maneira (numa sequência de oito versos, dispostos
em pares, ou seja quatro dísticos, apenas três versos introduzem novidade no poema).
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Vi remar o navio
I vai o meu amigo,
E sabor hei da ribeira (refrão)
Vi remar o barco
I vai o meu amado
E sabor hei da ribeira (refrão)
E pode continuar:
Função do refrão= mnemônica; relacionado à musica; eram cantados por dois coros,
seguidas por uma parte cantada em comum. O paralelismo, no entanto, não é
exclusividade das cantigas de amigo. Algumas destas não o usam e algumas de escárnio
e maldizer o usam, mas isso é incidente.
Como se observa, os versos 2 e 5 (os segundos das duas primeiras estrofes) repetem-se
como primeiros da 3ª e 4ª estrofes, respectivamente.
Ateúda atá finda – cantiga ateúda até à finda (ou seja, onde o processo de ligação
estrófica se estende à finda).
Cantiga de loor – cantiga de louvor a alguém.
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Cantiga de seguir – cantiga que “segue” (toma como base) uma cantiga anterior. A
Arte de Trovar distingue três modalidades de seguir: 1) mantendo apenas a música da
cantiga primitiva, à qual se adaptam novos versos; 2) mantendo a música e também as
rimas da cantiga primitiva; 3) mantendo a música, algumas das rimas e ainda alguns
versos ou mesmo o refrão da cantiga primitiva, mas dando a estes versos ou ao refrão,
pelo novo enquadramento, um outro sentido.
Cobras doblas – estrofes com séries de rimas que se repetem a cada duas estrofes.
Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo
esquema rimático).
Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as
estrofes (ou seja, além do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos são as
mesmas em todas as estrofes).
Descordo – cantiga cujas estrofes não obedecem à norma da isometria.
Dobre – processo pelo qual se repetem palavras na mesma estrofe, em pontos que são
fixos em todas as estrofes (ou seja, exemplificando: se na 1ª estrofe se repete a mesma
palavra em dois pontos, nas estrofes seguintes deverá repetir-se uma outra palavra na
mesma posição).
Finda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais (em casos
raros, quatro). As cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.
Mozdobre/mordobre – processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da
palavra (exemplo: amar/amei).
Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas
podendo ou não rimar com os versos correspondentes das estrofes seguintes).
Palavra-rima: palavra repetida em rima no mesmo verso de todas as estrofes.
Sirventês moral – cantiga crítica de tema moral e genérico.
Tenção – cantiga em que intervêm dois trovadores, que discutem, em estrofes
alternadas, um tema ou uma questão entre si. O primeiro a intervir é considerado, nos
manuscritos, o autor da cantiga. O seu interlocutor tem de manter, na sua resposta, o
esquema formal proposto na 1ª estrofe (métrico, rimático, etc.); a cada interveniente
cabe o mesmo número de estrofes (ou ainda de findas, se a composição as tiver).
1
Essa cantiga-descordo de Nuneannes Cerzeo também aparece no Cancioneiro da Biblioteca Nacional.
(Org.) Elza Paxeco Machado e José Pedro Machado. Lisboa: Edição da Revista de Portugal, 1949, vol. I,
p. 192-195.
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O descordo já era conhecido pelos trovadores provençais e “se caracteriza, como su nombre indica, por
ser una composición en la que cada una de las estrofas tienen una fórmula métrica distinta, y por lo tanto
también una melodía individual, lo que va en contra del rígido princípio de isometría a que obedecen los
demás géneros. Ello supone una gran variedad y riqueza de metros, rimas y melodías.” (RIQUER, op. cit.,
I, p. 49).
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Agora me quer’eu ja espedir (despedir-se)
da terra, e das gentes que i son,
u mi Deus tanto de pesar mostrou, (onde)
e esforçar mui ben meu coraçon,
e ar pensar de m’ir alhur guarir.]
(e pensar de novo em ir viver para outra terra)
E a Deus gradesco porque m’én vou.
Ca sei de mi
quanto sofri
e encobri
en esta terra de pesar.
Como perdi
e despendi, (gastei)
vivend’aqui,
meus dias, posso-m’én queixar. (disso)
E cuidarei,
e pensarei
quant’aguardei
o ben que nunca pud’achar.
E[s]forçar-m’ei,
e prenderei]
como guarrei]
conselh’agor’, a meu cuidar.]
(e saberei o que fazer agora, creio, para me salvar)
Pesar
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d’achar
logar
provar
quer’eu, veer se poderei.
O sen
d’alguen,
ou ren
de ben
me valha, se o en mi ei!
Valer
poder,
saber
dizer
ben me possa, que eu d’ir ei.
D’aver
poder,
prazer
prender
poss’eu, pois esto cobrarei.
(Poder saber dizer me possa bem valer, que tenho de ir-me; de ter
poder para tomar prazer possa eu, pois isso recuperarei)
3
In: Cancioneiro da Ajuda. [s.l.]: INCM, 1990. v. I, p. 764-767.
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(alargamento/afunilamento) com a de Marcabru, contudo, há maior extensão de número
de versos, destacando-se a irregularidade. No conteúdo, há igualmente certa identidade
de fundo: ambos aludem à partida: uma em busca da amada, outra, em fuga da terra
querida. Acrescente-se que, além da irregularidade própria deste subgênero poético,
essa partida é condensada no último verso que fecha com a palavra “descordo”,
denominação do tipo de poesia que criou para expressar seu sentimento. Se esse tema –
o da partida – não é novo, aliás, é recorrente na literatura medieval4, o exemplo desse
poema serve para destacar como, numa forma assimétrica em estrutura e ritmo, um
espírito poético inquietante se serve de recursos diferenciadores para destacar sua
individualidade poética.
Também Dom Dinis, num poema encontrado no Cancioneiro da Biblioteca
Nacional, compõe uma interessante peça, a de número 496, “Assi me Trax coytado”. O
uso de enjambements parecia ser do agrado do monarca, haja vista a proficuidade de seu
emprego em diversas peças, o que demonstra, parece, destreza e visão lúdica do poetar
próprios de Dom Dinis. Nessa, entretanto, o procedimento conjuga-se com a
visualidade, se se tomar como parâmetro a lição dos organizadores. Veja-se a
transcrição do poema, como editado nesse último Cancioneiro:
4
O tema não é evocado somente na literatura medieval, é óbvio; mas é no medievo mais intensamente
explorado.
5
In: Cancioneiro da Biblioteca Nacional, op. cit., III, p. 122-123. Os destaques são grifos meus.
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À parte o tema recorrente, o poeta-monarca alterna versos hexassílabos com
octossílabos e acentua seu sofrimento – e o resultado que espera dele – no jogo entre os
termos “morte”, “forte” e “conorte”, encadeando as últimas sílabas entre um e outro
verso. Desse modo, como que condensa na forma e no conteúdo o seu morrer de amor.
(...)
POESIA TROVADORESCA
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As coisas ficaram mal para mim,
E vós, filha de Dom Paio
Moniz, tendes a impressão de
Que eu possuo roupa luxuosa para vós,
Pois, eu, minha senhora, de presente
Nunca tive de vós nem terei
O mimo de uma correia.
Padrão 1
Estrofe 1 linha 1 Eno sagrado, en Vigo
Estrofe 2 linha 1 En Vigo, (e) no sagrado,
Estrofe 4 linha 2 no sagrado, en Vigo
Estrofe 5 linha 2 en Vigo no sagrado,
Padrão 2a:
Estrofe 1 linha 2 bailava corpo velido
Estrofe 2 linha 2 bailava corpo delgado
Estrofe 3 linha 1 bailava corpo delgado
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Padrão 2b:
Estrofe 3 linha 2 que nunca ouver’ amado
Estrofe 4 linha 1 que nunca ouver’ amigo
Estrofe 5 linha 1 que nunca ouver’ amado
Padrão 3
Estrofe 4 linha 2 ergas no sagrad’, en Vigo:
Estrofe 5 linha 2 ergue’en Vigo, no sagrado
Padrão 2:
Padrão 3: nas estrofes 4 e 5 — ergas no sagrad’, en Vigo: & ergue’en Vigo, no sagrado:
onde se manifestam o paralelismo verbal ergas/ergue; o paralelismo simétrico no
sagrado & en Vigo.
19
Ai mia senhor, assim moir'eu!
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Eu atendend'o meu amigo! (esperando)
Eu atendend'o meu amigo!
Estando na ermida ant'o altar,
(Leixa-pren) cercarom-mi as ondas grandes do mar.
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!
E cercarom-mi as ondas, que grandes som,
(Leixa-pren) nom ei [i] barqueiro, nem remador. (palavra perduda)
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!
(Leixa-pren) E cercarom-mi as ondas do alto mar, (paralelismo não perfeito)
(Leixa-pren) nom ei [i] barqueiro, nem sei remar.
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!
(Leixa-pren) Nom ei [i] barqueiro, nem remador,
morrerei eu fremosa no mar maior:
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!
Esta é uma cantiga de amigo, mais precisamente uma barcarola, onde a jovem
que narra afirma estar na capela de Sam Simion. Apesar da presença do tema religioso,
o poema se volta muito mais para o mar, onde a jovem espera seu namorado que
demora a chegar, diz ela que morrerá nas ondas do mar.
Podemos pensar nestas ondas a tomá-la como a falta de seu namorado que saiu
nas navegações, e ela o espera na igreja, onde talvez tenham firmado algum
compromisso. Por isso ela se sente sufocada pelo mar. Ela afirma ainda que morrerá no
alto mar, podemos julgar esta afirmação como se ela ameaçasse se lançar ao mar em
busca do namorado, e morreria pois não tem barqueiro, nem sabe remar.
O refrão se repete duas vezes “Eu atendend'o meu amigo!/Eu atendend'o meu
amigo!” esta repetição pode indicar que há muito ela o espera, e que a espera já se torna
cansativa.
Esta cantiga é formada por seis estrofes de quatro versos. É paralelística e de
refrão. Composta de versos decassílabos, e o refrão de versos de sete sílabas métricas.
Todo o texto é paralelístico verificando-se principalmente a existência de leixa-pren,
por exemplo, no segundo verso da terceira estrofe: “non ei [i] barqueiro nem remador”
este verso é retomado na quinta estrofe, e este é apenas um exemplo, o fenômeno ocorre
em todo o texto.
No refrão: “Eu atendend'o meu amigo!/Eu atendend'o meu amigo!” devemos
encarar este “atendend'o” como “esperando”.
O segundo verso da terceira estrofe caracteriza uma palavra-perduda, visto que
não rima com o outro verso da estrofe: “e cercarom-mi as ondas que grandes som, / nom
ei [i] barqueiro nem remador.”
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SE EU PUDESSE DESAMAR – DE AMOR
Pero da Ponte
Fonte: http://www.filologia.org.br/anais/anais_022.html
Se eu pudesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
Se eu podesse coita dar, (sofrimento)
A quem me sempre coita deu.
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O refrão se repete ao fim de cada estrofe através de paralelismo, e se alterna em:
“se eu podesse coita dar, a quem me sempre coita deu” na primeira e na terceira
estrofes, e “porque nom poss'eu coita dar, a quem me sempre coita deu” na segunda e na
quarta estrofes. Verificamos um exemplo de leixa-pren, nesta poesia, na retomada na
terceira estrofe do termo “dormiria” que foi retomado a partir do termo “dormio” que
pertence à segunda estrofe. O texto é composto de muitos mordobres, que são
justamente o elemento que vai trazer a rima para o texto. Podemos indicar, por exemplo:
“mais sol nom posso eu enganar / meu coraçom que m'enganou” versos da segunda
estrofe. Versos compostos de oito sílabas métricas.
U lh’eu dizi: “con graça, mia senhor”! (quando lhe disse: “com licença, senhora”)
catou-me um pouqu’ e teve-mi en desden; (olhou-me, ponderou)
e porque me non disso mal nen ben,
fiquei coitad(o), e con tan gran pavor
que, se mil vezes podesse morrer,
mĕor coita me fora de soffrer!
Cantiga de refrão, 3 cobras singulares. a10 b10, a10 C10 C10 (160:141)
23
Ainda garantida a coesão entre refrães e estrofes está a derivatio etimológica
coita / coitado, criando estreita relação, em termos de causalidade, entre sofrimento e
morte. Note-se que o destaque dado a fiquei coitad(o) (v. 10) se deve à estrutura
anastrófica do período, antepondo a oração subordinada (porque me non disso mal nen
ben, v. 9) à principal, em início de verso.
A fala do amante em discurso direto, no v. 7, confere vivacidade à cena de
aproximação frustrada.
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Sodoma, mas à inversão de papéis que os “fodidos” impõem em seu assalto erótico6,
dando a entender que se os “putos” mantivessem o papel de “fadimalho” para o
trovador...
Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 247-248
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Como se sabe, essa naturalidade com o que seria escandaloso se deve à carnavalização medieval,
teorizada por Mikhail Bakhtin.
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Maria Pérez se maenfestou (confessou-se)
n’outro dia, ca por [mui] pecador
se sentiu, e log'a nostro Senhor
pormeteu, pelo mal en que andou,
que tevess' un clérig' a seu poder
polus pecadus que lhi faz fazer (pelos)
o demo, com que x'ela sempr' andou.
Esta é outra das numerosas sátiras contra a soldadeira Maria Pérez, a Balteira,
tendo por tema seu arrependimento – assim o sugere a confissão (vv. 1-3) – agora na
velhice, pela vida desregrada que levou. A singularidade irreverente da cantiga está no
pacto que Maria mantém com o Demônio e no fato de colocar-se entre ele e Deus,
relação autorizada pelo paralelismo em que a Idade Média costuma conceber as duas
entidades ou o sagrado e o profano.
Por essa óptica, o texto mantém lado a lado dois campos semânticos, cujo jogo
de proximidade, entrecruzamento e recuo cria a equivocatio própria da burla: 1)
maenfestou, pecador, pormeteu a nosto Senhor, rogador foy a Deus, gran pavor de as
mort[e], gran sabor d’ esmolnar, hun clérigo filhou, afam por Deus – são todas
expressões que culminam na penitência a que a Balteira parece disposta a se entregar
para purificação das culpas; 2) o demo lhi faz fazer, com que x’ ela sempr’ andou, Ca o
que aguardou [o demo], o grand’ amor antr’ ela e o demo mayor, ouvi-a perder o demo
– são referências ao Demônio com quem a Balteira se dá muito bem (sempre, v. 14) e a
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quem atribui as reincidências no vício. Entre os dois, Deus e o Diabo, e a interseccioná-
los, está a figura ambígua do clérigo, filhado para garantia de proteção contra as
tentações (vv. 13-14); contudo, os vv. 18-20 revelam outra realidade: deu-lh’ a cama en
que sol jazer, o que suscita o comentário sarcástico do trovador (v. 21). Desse ângulo, a
estrofe IV, cheia de subentendidos na gradatio do poema, opõe demo mayor a demo,
duas personalidades fundidas no gosto resistente da Balteira por pecar.
As cobras uníssonas, de rimas oxítonas, colaboram para manter a harmonia da
polaridade, e os dobres utilizam verbos de ambos espaços sêmicos: andou / aguardou /
filhou e, na última estrofe, confessou.
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Tant’é Santa Maria de ben mui comprida,
que pera a loar tempo nos fal e vida.
NOVELAS DE CAVALARIA
Fonte: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2008.
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Circulava entre a nobreza e, traduzidas do francês, era natural que na tradução e
cópia sofressem voluntárias e involuntárias alterações com o objetivo de adaptá-las à
realidade histórico-cultural de Portugal. A cavalaria, na literatura, apresenta-se em três
ciclos:
1) ciclo bretão ou arturiano, tendo o Rei Artur e seus cavaleiros como
protagonistas;
2) ciclo carolíngio, em torno de Carlos Magno e os doze pares de França;
3) ciclo clássico, referente a novelas de temas greco-latinos.
As novelas de cavalaria têm uma forte conotação religiosa e eram permeadas por
ensinamentos cristãos implícitos no enredo das histórias, refletiam o culto à vida
espiritual, a busca pela perfeição moral, e a valorização de qualidades como a honra, a
bravura, a castidade, a lealdade, a generosidade, a justiça entre outras. Chegaram aos
nossos dias as seguintes novelas: Amadis de Gaula, História de Merlim, José de
Arimateia e A Demanda do Santo Graal.
Amadis de Gaula marca com relevância a ficção da época, através do enredo
amoroso e guerreiro, bem ao gosto do gênero, do cavaleiro perfeito, destruidor de
monstros, tímido e heroico, apaixonado e fiel a sua amada Oriana, seguindo o modelo
dos cantares de amor. A novela surpreende, sobretudo, pela atmosfera de sensualidade
que une o par amoroso, em especial pelo fato de a amada ter-se oferecido, gentilmente,
antes do casamento.
A Demanda do Santo Graal é uma novela mística, tem começo numa visão
celestial de José de Arimateia e no recebimento dum pequeno livro (A Demanda do
Santo Graal). José parte para Jerusalém; convive com Cristo, acompanha-lhe o martírio
da Cruz, e recolhe-lhe o sangue no Santo Vaso. Deus ordena-lhe que o esconda. Tendo-
o feito, morre em Sarras. O relato termina com a morte de Lancelote: seu filho, Galaaz,
irá em busca do Santo Graal.
Conforme Moisés “(...) A Demanda do Santo Graal contém o seguinte: em torno
da "távola redonda", em Camelot, reino do Rei Artur, reúnem-se dezenas de cavaleiros.
É véspera de Pentecostes. Chega uma donzela à Corte e procura por Lancelote do Lago.
Saem ambos e vão a uma igreja, onde Lancelote arma Galaaz cavaleiro e regressa com
Boorz a Camelot. Um escudeiro anuncia o encontro de maravilhosa espada fincada
numa pedra de mármore boiando na água. Lancelote e os outros tentam arrancá-la
debalde. Nisto, Galaaz chega sem se fazer anunciar e ocupa a seeda perigosa (= cadeira
perigosa) que estava reservada para o cavaleiro "escolhido": das 150 cadeiras, apenas
faltava preencher uma, destinada a Tristão. Galaaz vai ao rio e arranca a espada do
pedrão. A seguir, entregam-se ao torneio. Surge Tristão para ocupar o último assento
vazio. Em meio ao repasto, os cavaleiros são alvoroçados e extasiados com a aérea
aparição do Graal (= cálice), cuja luminosidade sobrenatural os transfigura e alimenta,
posto que dure só um breve momento. Galvão sugere que todos saiam à demanda (= à
procura) do Santo Graal. No dia seguinte, após ouvirem missa, partem todos, cada qual
por seu lado. Daí para frente, a narração se entrelaça, se emaranha, a fim de acompanhar
as desencontradas aventuras dos cavaleiros do Rei Artur, até que, ao cabo, por
perecimento ou exaustão, ficam reduzidos a um pequeno número. E Galaaz, em Sarras,
na plenitude do ofício religioso, tem o privilégio exclusivo de receber a presença do
Santo Vaso, símbolo da Eucaristia, e, portanto, da consagração de uma vida inteira
dedicada ao culto das virtudes morais, espirituais e físicas. A novela ainda continua por
algumas páginas, com a narrativa do adulterino caso amoroso de Lancelote, pai de
Galaaz, e de D. Ginebra, esposa do Rei Artur. Tudo termina com a morte deste último.
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Além da poesia e das novelas de cavalaria no Trovadorismo, ainda foram
cultivadas outras manifestações literárias: os cronicões, as hagiografias e os nobiliários
ou livros de linhagem.
Os cronicões, de pouco valor literário, deram origem à historiografia portuguesa
e serviram de material de suporte para Alexandre Herculano compor sua Portugaliae
Monumenta Historica. Outros cornicões: Crônicas Breves do Mosteiro de Santa Cruz
de Coimbra, Crónica Geral de Espanha (1344), provavelmente elaborada por D. Pedro,
Conde de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis.
As hagiografias (= vidas de santos), escritas em Latim, possuem ainda menos
significado literário.
Os livros de linhagens eram relações de nomes, especialmente de nobres, com o
objetivo de estabelecer graus de parentesco que serviam para dirimir dúvidas em caso
de herança, filiação ou de casamento em pecado (= casamento entre parentes até o
sétimo). Ao lado de informações tipicamente genealógicas revelam veleidades literárias:
nas referências às ligações genealógicas se intercalam, com realismo, colorido e
naturalidade, narrativas breves, mas de especial interesse, como a da Batalha do Salado.
A DAMA PÉ DE CABRA
Dom Diego Lopez era mui bõo monteiro e, estando üu dia en sa armada e
atendendo quando vêrria o porco, ouviu cantar muito alta voz üu molher en cima deüu
pena e el foi pêra lá e viu-a seer mui fermosa e mui ben vistida e namorou-se logo dela
mui fortemente e préguntou-lhe quen era e ela lhe disse que era üu molher de muito alto
linhagen, e el lhe disse que, pois era molher d’alto linhagen, que casaria con ela, se ela
quisesse, ca el era senhor daquela terra toda, e ela lhe disse que o faria, se lhe
prometesse que nunca se santificasse, e ele lho outorgou e ela foi-se logo con ele. E esta
dona era mui fermosa e mui ben feita en todo seu corpo, salvando que avia un pee
forcado, como pee de cabra. E viveron gran tempo e ouveron dous filhos e un ouve
nome Enheguez Guerra e a outra foi molher e ouve nome dona…
E, quando comian de suun don Diego Lopez e sa molher, asseentava el apar de si
o filho e ela asseentava apar de si a filha, da outra parte. E üu dia foi ele a seu monte e
matou un porco mui grande e trouxe-o pera sa casa e pose-o ante si, u sia comendo con
sa molher e con seus filhos, e lançaron un osso da mesa e vëeron a pelejar üu alão e üa
podenga sobr’ele, en tal maneira que a podenga travou ao alão ena garganta e matou-o.
E don Diego Lopez, quando esto viu, teve-o por milagre sinou-se e disse:
— Santa Maria, vai! quen viu nunca tal cousa. E sa molher, quando o viu
assisinar, lança mão na filha e no filho, e don Diego Lopez travo do filho e non lho quis
leixar filhar, e ela recudi con a filha por üu fresta do paaço e foi-se pera a montanha en
guisa que a non viron mais nen a filha.
Depois, a cabo de tempo, foi este don Diego Lopez a fazer mal aos mouros e
prenderon-no e levaran-no para Toledo preso. E a seu filho Enheguez Guerra pesava
muito de sa prison e vêo falar con os da terra, per que maneira o poderia aver fora da
prison. E eles disseron que non sabian maneira por que o podesse aver, salvando se
fosse aas montanhas e achasse sa madre e que ela lhe diria como o tirasse. E el foi alá
soo, en cima de seu cavalo, e achou-a en cima de üu pena, e ela lhe disse:
— Filho Enheguez Guerra, ven a min, ca ben sei eu ao que veens.
E el foi pera ela e ela lhe disse:
— Veens a preguntar como tirarás teu padre da prison.
Enton chamou o cavalo que andava solto pelo monte, que avia nome Pardalo, e
chamou-o per seu nome, e ela meteu üu freo ao cavalo que tiinha e disse-lhe que non
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fezesse força polo desselar nen polo desenfrear, nen por lhe dar de comer nen de bever,
nen de ferrar, e disse-lhe que este cavalo lhe duraria en toda sa vida e que nunca entraria
en lide que non vencesse dele. E disse-lhe que cavaigasse en ele e que o poria en
Toledo, ante a porta a jazia seu padre logo en esse dia e que, ante a porta u o cavalo o
posesse, que ali decesse, e que achairia seu padre estar en üu curral e que o ficasse pela
mão e fezesse que queria falar con ele, que o fosse tirando contra a porta u estava o
cavalo e que, des que ali fosse, que cavalgasse eno cavalo e que posesse Seu padre ante
si e que ante noite seria en sa terra con seu padre e assi foi. E depois, a cabo de tempo,
morreu dou Diego Lopez e ficou a terra a seu filho don Enheguez Guerra
Fonte: http://www.consciencia.org/a-dama-pe-de-cabra-conto-popular-medieval-portugues
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