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Problemas teóricos que envolvem a questão da identidade coletiva e a formação de novas identidades

Problemas teóricos que envolvem a questão da identidade coletiva e a


formação de novas identidades

Theoretical problems that involve the collective identity and the new
identities formation

Claudia Wasserman1

Resumo

O artigo discute teoricamente o termo identidade e sua pertinência nos estudos de história. Relaciona o
conceito com as principais características (transitoriedade, polissemia, sentido de pertencimento
territorial, étnico e de classe) e com as implicações teóricas em relação aos conceitos de memória,
lembrança, passado e construção simbólica e imaginária da sociedade. Ao entender a nação como
identidade prioritária durante o período contemporâneo, analisa a decadência desse paradigma identitário
no final do século XX.
Palavras-chaves: Identidade Nacional, Estado e Nação, Etnia e História, Teoria de História.

Abstracts
The article discusses identity and it’s theoretically relevance in the history studies. It relates the concept
with the main characteristic (transitoriness, sense of territorial, ethnic and class belonging) as well as
with the theoretical implications concerning the concepts of memory, past, symbolic and imaginary
construction of society. As it understands the nation as the most important identity during the
contemporary period, it analyzes the decadence of that paradigm in the end of the 20th century.
Key Words: national identity, State and Nation, ethmology and history, history theory

Introdução saem as identidades de pertencimento territorial; todo


A identidade constitui-se como um termo indivíduo tem a sua “naturalidade”. Nos tempos
polissêmico; está relacionado tanto ao indivíduo num modernos, os sentimentos de pertencimento relacio-
âmbito pessoal – cujos componentes são desvenda- nados com os estados nacionais tornaram-se
dos pela psicologia – e também às relações entre o prioritários. Enquanto nas sociedades antigas e me-
indivíduo e a coletividade. As subjetividades indivi- dievais eram fundamentais as lealdades e identifica-
duais e coletivas são a matéria-prima das identida- ções regionais, municipais e religiosas, no imaginá-
des. Ao longo de sua história pessoal, cada indiví- rio contemporâneo a idéia de nacionalidade supera e
duo constrói uma série de identidades que o fazem ultrapassa as demais. A complexidade do conceito
pertencer a grupos étnicos, profissionais, de gênero, relaciona-se também aos seus significados
familiares, religiosos, afetivos, etc. Também sobres- etimológicos – o mesmo, idêntico, igual, único, etc.
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Professora Adjunta Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul. Doutora em História Social. Email: cwasserman@via-rs.net

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–, aparentemente tão contraditórios, que simultanea- tui numa história pessoal, no adulto faz parte de seu
mente homogeneizam e diferenciam. Além da universo cognitivo, de sua memória, que no caso da
polissemia do termo, também salienta-se a transito- coletividade conforma a identidade social. No cam-
riedade dos processos identitários. São mutáveis, fle- po da identidade social sons, cheiros, símbolos e
xíveis e transformam-se conforme a época, o lugar e palavras remetem imediatamente o sujeito para um
mesmo conforme a idade cronológica do indivíduo significado coletivo, através da memória daqueles
ou grupo. atos, experiências e vivências cotidianas que fazem
parte de seu universo. As vivências, práticas e roti-
O problema da identidade tem sido amplamente
nas que conformam a devoção e a lealdade a um
discutido no âmbito da historiografia, principalmente
determinado universo imaginado “podem abranger
no tocante à identidade nacional. A identidade
desde rituais relativamente corriqueiros do cortejar
nacional tornou-se um axioma no processo de
e do constituir família, tal como influenciados pelas
construção das modernas nacionalidades, ou melhor,
práticas do Estado, até os relativamente raros e es-
afirma-se que todos, sem exceção, no mundo
petaculares, como a participação na guerra [...]”
moderno, identificam-se como pertencentes a uma
(VERDERY, 2000, p.239-247).
nacionalidade. Mas, a identidade nacional se
transforma através do tempo, da mesma forma que a Um brasileiro que está no exterior, por exemplo,
própria idéia da nação vai se modificando. Essas ao ouvir um samba, é imediatamente remetido aos
transformações, no campo da identidade dizem seus sentimentos de identidade nacional, indepen-
respeito principalmente à lealdade que os sujeitos dente de gênero, classe social ou religião; é como o
prestam à nacionalidade em relação às demais formas tango para um argentino. Essas músicas nasceram
de identificação coletivas. Pertencer a uma em determinadas circunstâncias, em locais específi-
comunidade mais ampla do que a comunidade local cos nesses países e eram particulares de certos gru-
tem sido a identidade prioritária nos tempos pos sociais, mas ao longo do tempo tornaram-se sím-
modernos, mas está longe de ser a única. Membro bolos sonoros da nacionalidade.
de um clube, religião, movimento social, sindicato, Para os combatentes que integraram as Brigadas
etnia, gênero, preferência sexual e profissão são Internacionais durante a Guerra Civil Espanhola, os
algumas das identificações contemporâneas, para uniformes e as línguas eram formas de identificação
falar apenas das identidades coletivas. Esse trabalho nacional, enquanto a Internacional socialista repre-
pretende dar conta dos elementos teóricos sentava simbolicamente o cosmopolitismo daquelas
fundamentais para a compreensão da formação das tropas e sua identificação com a democracia. Tem-
identidades coletivas, de como ocorrem modificações pos depois, essa mesma melodia foi identificada com
na escala de valorização dessas identidades e aqueles que, teoricamente, posicionaram-se contra
entender a formação de novas identidades coletivas. a democracia.
Segundo Hobsbawn (1998, p.19):
1 O universo simbólico e o universo prático
Mito e invenção são essenciais à política de
A identidade conforma-se a partir de experiênci- identidade pela qual grupos de pessoas ao se
as reais e significativas. Ela, identidade, enquanto definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras
sentimento de pertencimento, é simbólica e abstra- nacionais passadas ou presentes, tentam
encontrar alguma certeza em um mundo incerto
ta, mas é originária de vivências, experiências e afe- e instável, dizendo: Somos diferentes e melhores
tos concretos. Essas experiências cotidianas vão com- que os Outros.
pondo um mosaico de imagens que se vinculam sem-
pre a significados ampliados da identidade a ser Esse mosaico de significados coletivos compos-
construída. O que no universo da infância se consti- to por cores, imagens, sons, frases axiomáticas e

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outros símbolos contundentes vai sendo construído ícones para cada indivíduo, também está relaciona-
ao longo de várias gerações, através de uma disputa da com as suas próprias vivências dentro dessa soci-
ferrenha em torno do monopólio político e social edade. Essa aquisição e valorização de mitos e he-
desses fragmentos da memória coletiva. São as dis- róis também se relaciona com uma árdua luta políti-
putas em torno da criação do hino, da bandeira, do ca pela construção desses símbolos, dentro dos mol-
patrono, da materialização do herói, e o modo de des dos projetos de poder construídos pelas classes
utilização desses símbolos ao longo da história que e frações de classe em disputa.
configuram os processos identitários prioritários em
Segundo Le Goff (1991, p.49), seria arriscado
uma sociedade. O sentimento de pertencimento, en-
supor “um espirito do tempo” ou um “inconsciente
quanto universo simbólico, imbricado com as expe-
coletivo” para cada época histórica, mas é, sem dú-
riências concretas da sociedade e o modo de utiliza-
vida o historiador o responsável por interpretar a
ção dos símbolos conformam a memória e o passa-
opinião coletiva e é ele que fará todo o esforço por
do como verdades inabaláveis desta sociedade.
distinguir o que deriva das idéias pessoais e o que
faz parte da mentalidade comum. O gosto particular
de algumas sociedades pelo seu passado pode ser
2 Identidade e história – memória pessoal e
atestado pelas obras dos historiadores profissionais,
memória coletiva, a formação de símbolos e
mas muito especialmente pela produção cultural não
mitos identitários
especializada: as artes plásticas, a literatura, o cine-
Freqüentemente, os depoimentos pessoais, resul- ma. O historiador pode reconhecer nessas produções,
tado de entrevistas para a apreensão de dados de his- algumas pistas importantes para a construção do
tória oral, vem impregnados de referências históri- chamado “espirito da época” e como certas socieda-
cas do tipo: “No tempo das eleições [...]”, “Na épo- des reagiam diante de seu passado, construindo sím-
ca da enchente [...]”, “Quando governava o fulano bolos, mitos e utopias. Entretanto, é importante sali-
de tal [...]”, “No tempo da revolução[...]”, etc. Os entar que a memória, assim como o passado, não
depoimentos, apesar de serem frutos da lembrança são a história dos historiadores profissionais, mas
individual, estão imbricados num tempo histórico apenas um nível elementar de elaboração histórica,
formalizado pela disciplina e disputam com a me- na verdade são instrumentos de trabalho do historia-
mória coletiva um lugar de destaque na fala dos de- dor 4. Um dos grandes progressos da história con-
poentes. A memória e não a lembrança, é matéria- temporânea foi justamente a incorporação da histó-
prima do historiador; nos depoimentos pessoais, a ria oral, das subjetividades e das auto-biografias ao
história dos povos lhe escapa e adquire sentido es- escopo fundamental dos historiadores profissionais.
pecífico na lembrança dos indivíduos, como parte A história das identidades coletivas, por exemplo,
de suas vidas, mas também como referência à sua passou a ser melhor apreendida a partir desse desen-
inserção em uma coletividade que passa por essas volvimento da ciência histórica.
fases e épocas. O indivíduo se constrói como pessoa
Somente o historiador profissional, dotado de um
relacionando a sua vida com a vida de uma comuni-
senso crítico e teórico a respeito dos objetos forne-
dade, que possui uma história coletiva, vivida por
cidos pelas sociedades, pode reconstruir a trajetória
todos, que acompanha a sua, vivida apenas por ele.
da construção de um mito, símbolo ou utopia dentro
A aquisição de mitos e heróis, ao longo da vida dos
de uma certa época e como esses elementos foram
indivíduos, depende das circunstâncias constituin-
adquirindo novos significados ao longo do tempo,
tes da memória coletiva e da própria história daque-
conforme os interesses das classes em disputa pelo
la sociedade, mas não apenas disso. A aquisição ou
monopólio das identidades coletivas. Nesta acepção,
valorização de certos mitos e heróis, símbolos e
a identidade de um grupo passa a ser compreendida
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como um pressuposto metodológico, sem o qual se- exemplo, podem ter uma história comum de coloni-
ria impossível classificar e entender os dados histó- zação, exploração, dependência econômica, mas ti-
ricos. veram também antecedentes históricos que tornaram
os dois países diferentes entre si, fazendo com que
uma pessoa nascida em Rivera sinta-se uruguaio e
2.1 As identidades coletivas mudam confor- uma pessoa nascida em Livramento, brasileiro. A
me as circunstâncias espaciais e temporais consideração de uma identidade comum à ambos
As identidades tem um vínculo estreito com a (uruguaios e brasileiros), a latino-americanidade,
questão temporal e espacial. Para a construção da deve-se também às atribuições de semelhança entre
identidade é fundamental relacionar os espaços: re- um grupo de países, localizados territorialmente no
conhecer a existência de territórios de pertencimento: sul do continente americano e que tiveram raízes
sujeito é de tal bairro, de tal estado, de tal país, de tal históricas comuns. Entretanto, a valorização dos
continente, do mundo ocidental – aí está uma noção âmbitos identitários jamais é equivalente em termos
identitária mais valorativa do que concreta -, ou até territoriais, ou melhor, há sempre uma hierarquia nos
mesmo, pertence ao planeta Terra. Dependendo da sentimentos identitários do sujeito.
relação que se queira estabelecer, uma ou outra iden- A identidade, relacionada ao passado, atua como
tidade espacial irá prevalecer. Neste ponto já entra o motor da história, freio ou estímulo para a tomada
problema temporal; em certos momentos da história de atitudes. O judeu na colônia de Quatro Irmãos
brasileira, por exemplo, a afirmação da identidade sentia-se ameaçado com as requisições da guerra
regional prevaleceu sobre a própria identidade naci- entre chimangos e maragatos porque, enquanto gru-
onal. Assim como a valorização da latino- po identitário, entendia essas invasões como atos
americanidade tem uma estreita relação com a con- anti-semitas. Era o passado do grupo que lhe priva-
juntura e as circunstâncias políticas e ideológicas va de entender os acontecimentos presentes e
historicamente determinadas, o que significa dizer, vivenciá-los da mesma forma que outros grupos o
temporalmente localizados. faziam. Também temos o exemplo do movimento
A temporalidade também adquire especial signi- indígena mexicano que recorre ao passado revoluci-
ficado porque a conformação das identidades coleti- onário, mais especificamente ao zapatismo, como
vas estão estreitamente relacionadas com a questão forma de recuperação e revisão de uma identidade
do passado, de como os valores adquiridos como sím- perdida ou esquecida na história.
bolos da identidade formaram-se num passado co- Neste sentido, as principais ferramentas do his-
mum a todos os membros daquela comunidade. A toriador estão presentes no entendimento do concei-
idéia que todos os conterrâneos já compartilharam, to de identidade: o tempo e o lugar, relacionados entre
mesmo num passado longínquo, aquelas experiên- si; a identidade do sujeito se eqüivale à própria his-
cias é muito importante para a conformação da iden- tória do grupo ao qual esse presta lealdade.
tidade social. Os judeus, por exemplo, vítimas da
perseguição e da diáspora; os índios mexicanos, ví-
timas da expropriação; ou os norte-americanos, vi- 2.2 A comparação na construção de identidades
toriosos na construção de uma potência mundial.
Dominada pela mania da comparação, pela idéia
A identidade coletiva do sujeito conforma-se, fixa em procurar as diferenças, a constituição das
portanto, a partir de sua localização geográfica e dos identidades sempre depende de um paradigma de
antecedentes, que atribuíram a essa localização es- valores, de forma a colocar o sujeito numa relação
pacial um significado diverso dos demais territóri- de subordinação ou orgulho, conforme o caso. O
os. Assim, dois países, como Brasil e Uruguai, por pensamento comparativo a respeito da identidade
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nacional, por exemplo, só é possível em termos glo- ação de novas identidades sociais. Manteve-se, as-
bais, porque deve confrontar-se a identidade parti- sim, a lealdade terminal ao Estado, e as múltiplas
cular de um povo com outros, localizados em outros lealdades alternativas foram reduzidas à essa. Natu-
territórios e que falam outras línguas. Assim, a “ma- ralizou-se a hegemonia do Estado-nação: as neces-
nia da comparação” é uma forma de confrontar as sidades do desenvolvimento capitalista e cientistas
particularidades de uma identidade com as caracte- sociais como Max Weber, por exemplo, contribuí-
rísticas gerais de outras identidades, tidas como di- ram para tal acepção teórica e política.
ferentes. Na Alemanha nazista, por exemplo, o or-
gulho de pertencer à raça branca e ariana confronta-
va-se com o outro, distinto, diferente, que era a exa- 2.3 A nacionalidade, as classes sociais e as
ta negação daquela identidade. No caso dos intelec- etnias – identidades excludentes e/ou simul-
tuais latino-americanos, a sensação de subordinação tâneas
e a percepção das carências criou uma identidade Para transformar a nacionalidade em identidade
própria, também somente comparável ao paradigma prioritária do mundo moderno, algumas cadeias sub-
europeu ou norte-americano. Nessa obsessão pela jetivas tiveram que ser superadas. Quais as formas
comparação, as identidades são construídas conver- de socialização que permitem que um gaúcho da fron-
tendo a carência em mérito, a subordinação em alti- teira do Rio Grande do Sul e um nortista, embrenhado
vez e o orgulho em valor absoluto. Ao analisar o na selva amazônica, sintam-se brasileiros, tanto um
levantamento do Exército Zapatista de Libertação como o outro? Comecemos por entender a impor-
Nacional, em Chiapas, 1994, Sergio Zermeño (1996), tância do desenvolvimento dos meios de comunica-
observa um traço distintivo na conformação da iden- ção para construir alguns conceitos inexistentes nas
tidade dos rebeldes, relacionado à comparação: “En sociedades pré-capitalistas. Esses permitem que os
nuestra sociedad no es la semejanza en la identidad homens pensem na existência de uma simultaneida-
de los alzados lo que los mantiene juntos sino el de de ações, dentro de um mesmo espaço geográfi-
compartir un mismo adversário [...]”. A identifica- co, bem como que entendam a possibilidade de ex-
ção de inimigos e adversários foi extremamente efi- tensão limitada desse espaço. Ou seja, a imprensa
ciente no processo de afirmação de identidades. escrita, primeiro, depois o rádio e, finalmente, a te-
Ao longo da história, a negação ou a afirmação levisão, permitem uma comunicação imediata entre
peremptória de subjetividades legitimou de forma os habitantes de um mesmo Estado nacional. Além
mais ou menos violenta as identidades hegemônicas de permitirem essa comunicação e o entendimento
no mundo moderno. Por exemplo, a negação da cul- dos limites desse espaço, também sobressai a possi-
tura muçulmana pelos cristãos ou a afirmação da bilidade de existência de um patrimônio público, bens
cultura européia sobre o mundo colonial, com a ne- comuns aos gaúchos, amazonenses, cariocas e
gação dos valores autóctones daqueles povos, foram baianos, enfim coisas dos brasileiros, independente
formas de “pilhagem política ou religiosa” que ins- de classe social ou raça.
tauraram as identidades sociais hegemônicas do A instauração da prioridade da nacionalidade
mundo moderno, onde o vínculo indivíduo-Estado sobre as demais formas de identidade social não sig-
tornou-se inextricável. Embora o romantismo, por nifica a exclusão dos demais sentimentos identitários.
um lado, e o marxismo, por outro, tenham represen- A chamada “era dos nacionalismos”, onde as bur-
tado formas evidentes de contestação à essa guesias cobravam adesão incondicional aos estados
hegemonia da nação e da ação reguladora do Estado nacionais foi confrontada com o debate da Interna-
contra a tendência de emancipação social da huma- cional Socialistas, cujos preceitos afirmavam justa-
nidade, essas propostas não configuraram-se na cri- mente o internacionalismo operário e a necessidade

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de negar-se os sentimentos locais e nacionais. Esse Ainda que mesclado com idéias racistas, o pensa-
sentimento de pertencer a uma comunhão mais am- mento predominante no Brasil, por exemplo, era de
pla e fraterna do que a nacionalidade, atraiu milha- que a identidade nacional do brasileiro era produto
res de pessoas no mundo inteiro, embora não tenha do cruzamento de três raças, a negra, a branca e a
sido suficiente para romper os nexos já existentes indígena. Entre os intelectuais responsáveis por essa
entre indivíduo e pátria. tendência, destaca-se José Vasconcelos (1948), no
México, que escreveu em 1929, o clássico “Raça
Na realidade, em oposição às proposições
Cósmica”, considerando que no continente ameri-
internacionalistas das vanguardas socialistas, o na-
cano iria surgir uma “quinta raça”, resultado do cru-
cionalismo foi construindo uma identidade também
zamento entre brancos, negros, índios e asiáticos, e
globalizante: a própria “paixão pela nação”, apare-
que essa seria a raça definitiva, melhorada, livre de
cia como uma ideologia internacional. Apregoados
vícios e problemas, etc.
como reacionários ou contra-revolucionários, os sen-
timentos nacionalistas acabaram prevalecendo. O Tanto em relação ao problema da identidade ra-
marxismo subestimara os nexos entre proletariado e cial, como também em relação ao pertencimento de
nação e o impacto das ideologias nacionalistas so- classe dos indivíduos, tratou-se de minimizar as di-
bre a classe operária. Essa atitude era fruto de um ferenças e transformar a identidade nacional em sen-
cosmopolitismo ingênuo que acabou afastando os timento prioritário, sem o prejuízo dos demais, sem
socialistas de problemas locais e específicos premen- antagonizar com as demais subjetividades do sujei-
tes das classes operárias. Aplicaram de modo infan- to. Essa simultaneidade de sentimentos identitários
til a teoria à prática, proclamando, por exemplo, os confere à nacionalidade um ar sublime: é a
proletários alemães a não se incorporarem no esfor- homogeneidade dentro da heterogeneidade; entre
ço da I Guerra Mundial. O insucesso deveu-se so- tantos seres diferentes, em termos de extração soci-
bretudo ao fato de que aderir à guerra pareceu al, raça, religião é a nacionalidade que confere sen-
infindavelmente mais cômodo a um proletariado em tido a uma suposta fraternidade entre eles.
formação do que negar-se e incorporar as fileiras do
socialismo.
2.4 O problema das territorialidades – o lo-
Se a identidade nacional, em geral, ultrapassou
cal, o regional, o nacional e o continental; as
as barreiras impostas pela consciência de classe, no
identidades sem território
caso da questão étnica essa “superação” não teria o
mesmo tratamento. Como “criar” consciência naci- As divisões territoriais econômicas, políticas e
onal e identidade entre membros de uma nacionali- administrativas foram responsáveis pela construção
dade, onde a cor da pele havia segregado a maioria de identidades associadas a um determinado território
da população? Como inventar a identidade nacional ao longo de toda a história da humanidade. Estar
em países onde a segregação racial havia imperado vinculado, por laços de dependência pessoais, ao
por séculos? Uma das atitudes mais comuns às clas- feudo de um nobre era identificar-se socialmente em
ses dominantes latino-americanas foi a tentativa de vários aspectos, onde a questão territorial tinha
branqueamento da população através de políticas grande importância. A modernidade trouxe consigo
imigratórias. A verdadeira impossibilidade de “bran- as divisões administrativas dos estados nacionais, que
quear” essas populações levou os intelectuais à exal- respondem, de certa forma, à antigas divisões de
tar a assimilação racial: a incorporação do homem atividade produtiva, religiosas, raciais e outras. Da
do povo à cultura nacional dava origem ao mito do lealdade prestada à nobreza feudal transitou-se à
“melting pot”, a idéia de que a miscigenação resul- lealdade prestada aos soberanos, supostamente
tava num tipo social particular e especial, o mestiço. também localizados territorialmente. Embora a

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localização geográfica tivesse ainda menor nas de fronteiras entre dois territórios permitem uma
importância do que as famílias e as lealdades pessoais, análise interessante a respeito do tipo de lealdade
a questão territorial era naturalizada pela noção de que os habitantes dessas regiões prestam aos limites
propriedade do território pela nobreza. A mobilidade territoriais. Neste âmbito, o problema territorial ad-
social, introduzida pelo iluminismo e pela Revolução quire um significado especial: atravessar uma rua,
Francesa, seguiu-se uma ideologização dos uma ponte, cruzar um rio, correr pelos campos, po-
sentimentos identitários. Se na sociedade rural era dem não ser atos tão simples como em lugares não
considerado “natural” prestar lealdade aos nobres e, fronteiriços. Freqüentemente, neste âmbito, também
em vista disso, fixar-se a determinados territórios, a aparece o problema da língua, contornado pela mis-
partir do desenvolvimento do capitalismo, isso não tura de idiomas e/ou habilidade desenvolvida pelos
estaria tão evidente. O surgimento do nacionalismo habitantes dessas áreas.
conferiu novo significado aos territórios antes
As identidades coletivas construídas com base em
pertencentes à nobreza feudal. Como observa Gellner
pretensões territoriais milenares são extremamente
(1993, p.88), “a fusão da vontade, da cultura e da
comuns na história moderna. Cabe ao historiador
organização política transforma-se na norma, uma
pesquisar, com base em evidências, a existência con-
norma rara ou dificilmente desafiada”. Gellner fala
creta de indícios de que determinados povos estive-
da nação como uma invenção da era industrial, que
ram naqueles espaços de modo regular há milênios.
permite que os seres humanos transfiram suas
Não significa dizer que é dado ao historiador profis-
fidelidades pessoais a uma lealdade coletiva,
sional o direito de julgar pretensões territoriais, mas
territorialmente determinada. A questão geo-territorial
é ele que pode demonstrar como, ao longo do tem-
assume tal importância na modernidade que inclusive
po, uma construção mental e ideológica terminou
algumas unidades, culturalmente semelhantes, com o
assumindo uma concretude antes inexistente e apa-
mesmo idioma, religião e hábitos cotidianos, tenham
recer materialmente na música, no folclore, na lite-
sido separadas apenas pela distância. É o caso da Grã-
ratura, em relíquias sagradas, nos rituais religiosos,
Bretanha e da Nova Zelândia, que provavelmente
nos compêndios escolares, nas comemorações cívi-
nunca teriam administrações separadas se fossem
cas e outros instrumentos que levam a crer que aque-
geograficamente contínuas. Mas, anos depois da
les argumentos em favor daquelas pretensões
separação administrativa, já existe uma fraternidade
territoriais sempre existiram.
entre neo-zelandeses que é própria, específica e excluí
inclusive os ingleses, embora a separação não tenha
provocado qualquer ressentimento. A questão do 4 Antigos e novos sentimentos identitários
território, como algo palpável e concreto, que confere contestam a hegemonia da nação
uma existência real às múltiplas identidades, é tão
O final dos anos 1960 foram decisivos na
importante que mesmo os povos muçulmanos, que
reconfiguração de muitas identidades sociais consa-
vivem em territórios distintos, necessitam de uma
gradas histórica e socialmente. O poder paterno, a
territorialidade, simbolizada pela cidade de Meca.
sexualidade, a escola, a família nuclear foram pro-
Também os judeus, espalhados pelo mundo pelas
fundamente questionados e, com esse questionamento,
sucessivas perseguições, se sentem mais confortáveis,
e as lutas que dele resultaram levaram a construção
em termos identitários, com a existência do Estado de
de identidades sociais novas e a reestruturação de an-
Israel. São apenas dois exemplos do que pode-se
tigas posições no âmbito das identidades.
chamar de “identidades sem território”, que em
verdade dependem de uma certa localização espacial. A década de 1990 passou a assistir ao
questionamento da hegemonia da identidade nacio-
A identidade social construída ao longo das zo-
nal sobre às demais formas de identificação social.
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Houve uma verdadeira revisão no processo históri- do em 2001 e composto por pesquisadores que pre-
co de descontextualização ao qual haviam sido sub- tendem entender empiricamente alguns desses pro-
metidas as múltiplas identidades étnicas, sociais, re- cessos, como por exemplo, a formação de uma nova
ligiosas, familiares e sexuais existentes no mesmo identidade judaica a partir da imigração para o RS
Estado nacional. A partir do final do século XX, as- no começo do século XX, a reformulação da identi-
siste-se à emergência de movimentos indígenas, an- dade nacional mexicana a partir do discurso e práti-
tigos e novos regionalismos, afirmação de direitos ca do movimento neozapatista, o problema da iden-
ancestrais, feminismo, fundamentalismo religioso e tidade religiosa cristã no processo de formulação da
outros; enfim, a contradição entre universalismo e Teologia da Libertação, a recomposição das identi-
particularismo volta a aparecer com toda a força. No dades locais municipais ao longo dos governos do
mundo cada vez mais globalizado e homogêneo do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre, desde
ponto de vista político, econômico, comercial e fi- 1990, a problemática formação de uma identidade
nanceiro, a cultura e a sociedade devolvem amplas antifascista nas Brigadas Internacionais na Guerra
doses de particularismos e “excentricidades”. Civil Espanhola, a questão contraditória entre o sio-
nismo e as identidades nacionais e a identidade na-
cional formulada em torno da imagem de Getúlio
Notas conclusivas Vargas no período do Estado Novo.
Os últimos acontecimentos mundiais ressaltam Esse grupo de pesquisa, coordenado pela profes-
inclusive uma tendência ao incremento das identi- sora Claudia Wasserman, tem apoio do programa
dades fundadas sobre bases religiosas e/ou étnicas. especial de elaboração de material didático da Pró
Considerados fanáticos e irracionais, esses grupos, Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio
cada vez mais numerosos, tem características pró- Grande do Sul.
prias, mas assumem cada vez mais as identidades
que lhes são atribuídas pelos seus detratores: bárba-
ros. Essa consideração, da existência de um territó- Referências
rio mundial civilizado e um mundo bárbaro é recor- GELLNER, Ernest. Nações e nacionalismo: Trajectos.
rente na modernidade. Desde a formação dos Esta- Lisboa: Gradiva, 1993.
dos Nacionais europeus, o bárbaro foi identificado HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Cia das
como o atraso e o subdesenvolvimento, enquanto a Letras, 1998.
civilização era representada pelo progresso, a ciên- LE GOFF, Jacques. Pensar la historia: Modernidad, pre-
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