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A tirania dos filhos

Por Ilana Feldman

Resenha publicada em 451 – revista de livros,


ano dois, número dezesseis, outubro de 2018, p. 42-43

Contra os filhos, de Lina Meruane


Tradução de Paloma Vidal
Todavia, 176p, 1ed. 2018

Lina Meruane passou a infância ouvindo discussões apaixonadas de seus pais,


médicos, sobre o corpo, seus males e seus tratamentos complexos. Doença e saúde
foram a sua primeira escola, seu campo semântico mais bem exercitado, tendo sido
ela própria portadora de uma diabetes precoce aos seis anos de idade.

Mais tarde, a escritora e ensaísta chilena, radicada há dez anos nos Estados Unidos,
faria da enfermidade um de seus temas principais, como se vê em sua “trilogia
involuntária”, composta pelas novelas Fruta podrida (2007) e Sangue no olho (Cosac
Naify, 2015), protagonizadas por mulheres que dão destinos distintos a suas
doenças, e pelo ensaio Viajes virales, sobre o impacto da Aids na literatura.

Mas é com Contra os filhos: uma diatribe, ensaio de crítica cultural lançado
originalmente em 2014 na América Latina e na Espanha, e agora oportunamente
traduzido para o português, que Meruane se lança a uma análise cortante e cáustica,
sarcástica e ameaçadora sobre uma das patologias mais graves de nosso tempo: o
modelo de criação, baseado no excesso consumista, na multiplicação das exigências
e obrigações maternas e na falta de assistência estatal, que coloca o filho como
centro regular de todas as atividades, desejos e ansiedades do casal progenitor.

Clientela infantil

Meruane se posiciona ferozmente contra o que denomina de “império dos filhos”,


problematizando “o lugar que os filhos foram ocupando em nosso imaginário
coletivo desde que se retiraram ‘oficialmente’ de seus postos de trabalho na cidade
e no campo e inauguraram uma infância de século 20 vestida de inocência, mas
investida de plenos poderes no espaço doméstico”.

A autora é contra a epidemia desses filhos “superestimulados”, “superprotegidos”,


“mimados”, “malcriados”, “birrentos”, “agressivos”, “ditadores”, “tiranos” e, no
limite, “abusadores”, que desconhecem normas e responsabilidades; é contra os
filhos tratados como “clientes”, que precisam ser atendidos e têm sempre razão,
num modelo de família-empresa movida pelo alto desempenho dos pais e
rendimento dos filhos.

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Ela é contra essas mães que, para serem supermães, mães totais, em obediência a
todo tipo de exigência, renúncia e sacrifício, “jogaram a toalha”, abrindo mão de
todas as suas outras aspirações, ou aquelas que não renunciaram a nada, mas
fizeram multiplicar sobre si a exigência da performance permanente, nos âmbitos
público e privado, no limite do esgotamento e da exaustão. Enfim, ela se opõe a esse
“contragolpe” que está sendo lançado para atrair as mulheres de volta para casa,
depois de todas as suas conquistas históricas, e que atende pelo nome de... “filhos”.

Como uma anatomista do contemporâneo munida de lente de aumento, Meruane


articula crítica literária e análise sociocultural, história e sociologia, ensaio feminista
e diatribe. Com argumentos fortes, estilo visceral e provocador, sem nunca perder o
bom humor, suas duras teses deixam aturdida qualquer uma de suas leitoras (com
frequência ela interpela as mulheres).

Exemplos mordazes, os relatos de maternidade trazidos da literatura (com a forte


presença de escritoras latino-americanas), podem dar pontadas no estômago ou
ferir o brio das mais incautas. Ainda mais se forem mães ou se desejarem ser, ou
ainda se, como mães, tiverem aspirações profissionais e intelectuais, lendo o livro
entre choros, mamadas, noites interrompidas e trocas de fralda — e não contarem
com ajuda.

Meruane — que defende muito bem sua opção de não ser mãe e se contrapõe à
imposição do “lugar de fala” que tem dominado os debates culturais hoje — faz da
distância uma possibilidade de ver as coisas de maneira crítica. Tal como as
protagonistas de suas novelas, ela precisa ver de longe para ver melhor, com a
coragem de quem tem sempre uma malinha pronta na porta de saída.

Em um momento em que a histórica idealização e imposição da maternidade é


duramente criticada por mulheres que compõem o movimento NoMo (no-mothers)
ou despudoramente desconstruída por desabafos, confissões e testemunhos
compartilhados em geral por mães de primeira viagem em redes sociais, em uma
onda que responde pelo nome de “maternidade real” (em oposição a uma
maternidade ideal), Contra os filhos chega ao Brasil acompanhado por vozes
dissonantes ao tirânico mandado materno. A essas vozes são somadas também o
livro Mães arrependidas, da socióloga israelense Orna Donath (Civilização Brasileira,
2017), e o filme Tully, do diretor Jason Reitman em mais uma parceria com a
roteirista Diablo Cody, lançado neste ano.

Lente de aumento

No entanto, se a “máquina reprodutora” estimulada pela religião, pelo sistema


capitalista, pelos interesses de Estado e pelos porta-vozes de ideologias reacionárias
— sempre presentes no momento de impedir que as mulheres possam decidir não
ter filhos, mas totalmente ausentes quando se trata de preveni-los ou ajudar a criá-
los — é implacavelmente posta em questão, falta ao livro em alguns momentos uma
argumentação menos simplista, que deixe a lente de aumento de lado para tratar da
dimensão singular e transformadora da experiência da maternidade.

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Afinal, se o matrimônio não é mais um contrato de propriedade, e ter filhos, apesar
da pressão social, não é mais um destino compulsório, por que as mulheres —
esclarecidas, cultas, urbanas — continuariam desejando essa experiência e
projetando nela uma forma, talvez a mais forte, de realização? Não seria muito
redutor encarar a maternidade como uma “via-crúcis” marcada unicamente por
exaustão, culpa, autoexigência, solidão, sacrifício, renúncia, ansiedade e depressão?
Serão mesmo os filhos os responsáveis por esse empurrão das mulheres de volta
para o lar, um retrocesso depois da histórica conquista do espaço público?

Meruane salienta em diversos momentos que parte do problema se deve ao fato de


que a gestão e a gestação dos filhos vem sendo cada vez mais privatizada, reduzida
a uma rede de serviços e especialistas e gerida em função de uma série de cálculos,
situação em que a mulher se vê completamente desassistida e desemparada,
enquanto o Estado dá sinais de colapso. À falência ou ausência do Estado de bem-
estar social, sobretudo nos EUA e na América Latina, contexto geopolítico que
deveria estar mais nítido no livro, temos a responsabilização das mães por tudo
aquilo que o Estado não oferece mais, cabendo a elas, exclusivamente a elas, instadas
a serem perfeccionistas e controladoras, carregadas de autoexigência e, quando
conseguem trabalhar, extremamente culpadas por suas prolongadas ausências,
“oferecer a seus filhos vantagens comparativas num mundo cada vez mais
competitivo”.

Mas, ainda que defenda que se a “máquina de fazer filhos” obedece a interesses
reprodutores do Estado, cabendo a ele garantir condições para que as mulheres
possam criá-los, em nenhum momento Meruane menciona, por exemplo, a
necessidade de uma creche pública e universal (como se vê, ao menos ainda, em um
país como a França) como uma bandeira que deveria ser prioritária nos países
democráticos.

Só com o direito à creche, o retorno das mulheres ao espaço doméstico poderia ser
fruto de uma opção e não o resultado daquele cálculo perverso em que a mulher
sabe que, saindo para trabalhar, não ganhará o suficiente para pagar por berçários,
babás e escolinhas privadas. O papel da creche pública na França, como instância de
equiparação social e delegação parcial para o Estado, é mencionado no best-
seller Crianças francesas não fazem manha (Fontanar, 2013), no qual a jornalista
americana Pamela Druckerman faz uma diferenciação interessante entre os modos
norte-americano e francês de criação das crianças, marcados pela culpa e pelo
consumismo no caso dos pais americanos e pela ideia de limite e autonomia no caso
dos franceses. À luz de Contra os filhos, o livro de Druckerman poderia se
chamar Crianças francesas não tiranizam seus pais.

Contra os pais

Sobre participação e colaboração paterna, Meruane minimiza a ajuda dos


progenitores, valendo-se de pesquisas norte-americanas que confirmam que,
mesmo em casais colaboradores, o grau de exigência, obrigações e infelicidade só
aumenta. No entanto, sabemos bem que por mais numericamente insuficientes
sejam esses pais, é comum, sobretudo em países latino-americanos conservadores,
como o Chile e o Brasil, que aqueles que queiram partilhar efetivamente a criação de

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seus filhos se sintam desautorizados e deslegitimados, principalmente por
mulheres.

No Brasil, um pai que sai com seu bebê sozinho corre sérios riscos de ser atacado
por mães em tempo integral e de prontidão: ele, certamente um negligente, estará
deixando seu bebê com frio ou com calor, desprotegido ou muito exposto, apertado
no canguru ou com o pescoço frouxo.

O fato é que, enquanto não houver uma licença paternidade efetiva promovida pelo
Estado ou praticada por empresas privadas (qualquer pessoa que sobreviva ao
primeiro mês de vida de um recém-nascido sabe o quão ridículo são os cinco dias de
licença garantidos por lei), a criação de vínculo entre pais e filhos e o
comprometimento entre o casal estarão seriamente prejudicados, se não
inviabilizados. Se alguns pais, com direito a vinte dias de licença, muitas vezes não
fazem uso desse tempo, como informa Meruane com desdém, é porque, na ordem
do cálculo material, eles têm medo de pagar as consequências com seu próprio
emprego, na volta ao trabalho, como aliás já acontece com grande parte mulheres
em estatísticas estarrecedoras.

Mas o trecho mais polêmico do livro se encontra no mordaz capítulo intitulado


“Tipos de mãe”, no qual Meruane critica o atual imperativo moral da amamentação
prolongada como parte de um pacote que envolve o retorno ao parto sem anestesia,
a volta das fraldas de pano, a rejeição às vacinas, o descarte da chupeta, a renúncia
da mamadeira e a comidinha orgânica a preços abusivos, vistos por ela como uma
guinada essencialista e moralizadora de um “feminismo ecológico” que, celebrando
a diferença dos gêneros, identifica a mulher procriadora ao reino da natureza.

Podemos incluir nesse pacote (de fibras, é claro, recicláveis) a ideologia da livre
demanda; a cama compartilhada; a teoria do apego levada ao extremo; a perspectiva
do bebê como um “mamífero”, ou, para as mais modernas, como um “piercing” no
bico do peito da mãe; ou ainda, para as empreendedoras, como um cliente que
nascerá nas mãos de doulas-consultoras e estudará em escolas-parque-empresa,
destinadas a formar membros de uma elite transnacional hiperconectada e
descontraída.

É difícil não concordar com os persuasivos argumentos de Meruane, que identifica


nessas “feministas da diferença”, “mães totais” ou “mães-de-profissão” (que
estudam os infinitos manuais da criação e pagam por todo tipo de consultoria, do
sono ao desmame) um retrocesso em relação às conquistas e ao descanso que as
“feministas igualitárias” conseguiram no passado. Para a autora, ela própria
identificada a esse feminismo igualitário que tem como pilar uma Simone de
Beauvoir, a mamadeira e o leite em pó seriam, por exemplo, signos da emancipação
das mães à “servidão exaustiva” do “totalitarismo da lactação”.

Bem, até aqui podemos acompanhar e compreender as transformações históricas


desse debate, lembrando que cabe a cada mãe decidir, em função das circunstâncias,
do seu prazer e da relação com seu bebê, o quanto e até quando quer e pode
amamentar. Mas daí a afirmar, apressadamente e sem a apresentação de qualquer
fonte de pesquisa, como faz Meruane, que “a única coisa que os estudos puderam

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demonstrar em décadas é que os anticorpos presentes no leite humano são os que
protegem as crianças da indigestão” e que, portanto, “não está medicamente
justificada a extensão da lactação” é um grave equívoco.

Neste ponto, a ensaísta, apesar de se intitular “igualitária”, reduz a importância e o


impacto do aleitamento, eliminando fatores essenciais à questão como os interesses
de indústrias alimentícias multinacionais, o alto custo das latas de leite artificiais e
o fato de que a maior parte das mães do planeta, além de viver abaixo da linha da
pobreza, não possui segurança alimentar no que diz respeito ao acesso à agua
potável.

A recomendação da amamentação prolongada pela Organização Mundial de Saúde,


por mais que possa ser discutida, visa em primeira instância a sobrevivência de
milhares de recém-nascidos e o combate à desnutrição infantil. Nada disso passa
pelo radar da autora, mais preocupada que está com aquelas mães burguesas para
as quais os filhos são tornados verdadeiras commodities no interior de uma série de
cálculos e investimentos.

Maternidade possível

Para não jogar fora o bebê com a água da bacia, o inspirado e absolutamente
necessário ensaio de Lina Meruane poderia ao final se abrir para outras perspectivas
que não aqueles discursos ameaçadores típicos de quem vê à distância de um
satélite.

A autora está coberta de razão quando diagnostica e denuncia que o império dos
filhos tiranos, nossos carcereiros e futuros patrões para os quais nem o céu é o
limite, será a nossa condenação. Mas seria preciso ainda acrescentar que cabe a nós,
mães e mulheres, experimentar e lutar por outro tipo de maternidade, cujo amor e
doação não sejam vividos solitariamente como renúncia, sacrifício, culpa e
autocobrança.

No lugar de uma “maternidade real”, muitas vezes queixosa, seria preciso pensar
numa “maternidade possível” — no dizer da psicanalista Vera Iaconelli — como
abertura à contingência e à alteridade de um filho, sempre um outro, cujo amor
gratuito e gratificante, lúdico e radicalmente transformador, pode também
estabelecer vínculos coletivos e ser, justamente, um antídoto aos cálculos privados
de nosso tempo.

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