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Índice

Presidente da Câmara Municipal de Santa Martins da


Feira,2

Presidente da Junta de Freguesia de Arrifana,4

Nota introdutória, 6

Origens de Arrifana, 10

A terra da Feira e as Invasões Francesas, 15

Capítulo I – Tradição, 17

Capítulo II Centenário da Guerra Peninsular – Monumento


na Arrifana, 84

Capítulo III - Arrifana de Santa Maria, 90

Capítulo IV - A campanha de entre Douro e Vouga na


segunda invasão francesa, 128

Capítulo V - A chacina de Arrifana, 151

Capítulo VI - A campanha no Entre Douro e Vouga, 157

Capítulo VII - Massacre em Arrifana, Feira - Mortos de


repente pelos franceses, 186

Agradecimentos:

Notas de Fim de Página

1
Do vasto programa evocativo do bicentenário das
Invasões Francesas em Arrifana, merecem particular
referência as publicações editadas no âmbito desta
efeméride. São, de facto, importantes contributos para o
enriquecimento do espólio documental local, relativo a um
capítulo sombrio da nossa história, que continua a fazer
parte da memória colectiva das gentes do concelho de
Santa Maria da Feira e das Terras de Santa Maria.
Esta colectânea de textos “Arrifana e as Invasões
Francesas”, coordenada pelo historiador feirense Roberto
Carlos, com a colaboração do Professor Francisco Ribeiro
da Silva, é exemplificativa da diversidade de fontes
documentais relativas a esta temática. E, apesar do
exaustivo trabalho de pesquisa que exigiu, terá sido mais
difícil para os autores a selecção dos textos a publicar,
perante o volume e a riqueza de material recolhido.
Para as gerações vindouras, este livro será mais
um importante contributo para que possam conhecer,
compreender e manter vivo este trágico episódio da nossa
história, que marcou profundamente o quotidiano das
nossas populações.
2
Decorridos dois séculos sobre as Invasões
Francesas em Arrifana, o tempo já cicatrizou a dor e a
revolta dos massacres perpetrados pelos soldados de
Napoleão, mas ainda perduram os exemplos de valentia e
audácia dos nossos militares e civis, que fazemos questão
de perpetuar.
Na verdade, o Massacre de Arrifana personifica a
bravura e o espírito de independência e liberdade das
gentes das Terras de Santa Maria, herdado dos
fundadores da Nação, que destas terras e do seu Castelo
partiram em direcção a Guimarães, para apoiar o primeiro
rei de Portugal contra o domínio de Castela.

Alfredo Henriques,
Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da
Feira
3
Estes factos da vida dos povos, estes incidentes
dos grandes acontecimentos, não entravam, até há bem
pouco tempo nos anais da história. E contudo, são eles os
que muitas vezes nos apresentam o verdadeiro carácter
dum personagem que dominou determinada acção, nos
revelam a psicologia dum povo ou duma classe, nos
dissipam a nebulosidade duma época, ou nos explicam
muito facto histórico até aí mal compreendido.
Por isso em 1997, a Junta de Freguesia de Arrifana
decidiu publicar um livro que relatasse a História do que
efectivamente aconteceu há 200 anos. Com uma edição
de 5000 exemplares, o mesmo encontra-se esgotado
Os pequeninos acontecimentos da história de uma
cidade ou de um povoado são muitas vezes o facho que
vai alumiar um período da história dum povo.
Dar-se-á o caso com o facto que a Arrifana evoca,
ou não terá ele importância para a apreciação da história
geral da guerra peninsular? O futuro historiador o dirá. O
que ninguém pode, porém, contestar ou pôr em duvida é a
importância que o Massacre de Arrifana tem para a
história local e a obrigação de todos em conservar com
desvelo as tradições e consagrar com amor os feitos dos
nossos burgos.

4
Por conseguinte quando entregamos ao historiador
Roberto Carlos a responsabilidade de dirigir Comissão
para a Evocação do Bicentenário das Invasões Francesas,
sabíamos com a certeza que iríamos ter na nossa
freguesia, no nosso concelho e na nossa região um
evento notável, que dignificasse o amor Pátrio dos nossos
antepassados
No âmbito das comemorações, quando foi proposta
a publicação desta obra Arrifana e as Invasões Francesas
- Colectânea de Textos, que reúne os textos que estavam
dispersos um pouco por todo o lado, entendemos logo que
o mesmo seria um documento precioso para os vindouros.
Uma palavra de apreço a uma Personalidade
Notável da Cultura Santamariana e Portuguesa o
Professor Francisco Ribeiro da Silva, que de forma
brilhante deu o seu contributo a esta publicação e às
próprias Comemorações.

Dário Matos

Presidente da Junta de Freguesia de Arrifana


5
Nota introdutória
Em toda a Europa estão a organizar-se cerimónias
evocativas do bicentenário das campanhas napoleónicas.
A Vila de Arrifana, por razões históricas que os
Arrifanenses e os Feirenses em geral bem conhecem,
sente-se na obrigação de assinalar o triste episódio do
Massacre, evocando um dos episódios mais dramáticos
das invasões francesas.
Na preparação destas comemorações surgiu a
ideia de compilar numa única publicação uma série de
textos valiosos outrora publicados mas que se encontram
dispersos e que hoje são quase inacessíveis ou de difícil
consulta.
Quando essa ideia se converteu numa forte
possibilidade de concretização, pensou-se inicialmente
que nesse volume devia estar representada a maior parte
ou mesmo a totalidade dos textos que foram escritos
sobre Arrifana e a problemática das Invasões Francesas.
Foi obrigatório pesquisar, inventariar e localizar os textos,
tendo sido necessário trabalhar na Biblioteca Nacional de
Lisboa, na Biblioteca da Universidade de Coimbra, na
Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira, nos arquivos
de jornais Regionais etc.

6
A conclusão impôs-se: abundam, de facto, os
textos, alguns deles de 1809, impressos no calor da luta,
transformados em arma contra o invasor; pouco tempo
depois, começam os testemunhos autobiográficos nos
quais os protagonistas dizem de sua justiça, fornecendo
narrativas circunstanciadas dos eventos, mais ou menos
parciais e maculadas por um compreensível partidarismo.
Apareceram grandes histórias e pequenas histórias. Uma
literatura fértil, com poemas patrióticos e satíricos, uma
parenética empenhada e cruzadista. Mas também se nos
deparou uma iconografia valiosa, erudita ou popular, uma
cartografia esclarecedora, enfim, uma abundância
inesperada que tornou mais difícil a publicação porque
esta implica escolhas e opções que são fatalmente
subjectivas.
Encontramos muita coisa, todavia o difícil era fazer
uma selecção com base numa justiça equitativa, para não
defraudarmos os leitores.
Recorremos então aos bons ofícios do distinto
Professor Francisco Ribeiro da Silva, notável historiador
português, figura de relevo da cultura nacional, natural de
Santa Maria da Feira e que desde a primeira hora se
dispôs a colaborar nas comemorações do bicentenário das
invasões francesas em geral e nesta publicação em
7
particular. As suas recomendações, os seus sábios
conselhos e o seu conhecimento foram determinantes
para que surgisse esta colectânea de textos.
Pensamos que o resultado final se traduz numa
escolha justa e correcta, que de uma forma interessante
nos vai dar uma visão global do impacto que as invasões
francesas tiveram na nossa região. Destacamos a
publicação de parte de uma Monografia da autoria de Saul
Eduardo Rebelo Valente e um artigo do Padre Miguel de
Oliveira que, de outro modo, dificilmente chegariam às
mãos dos leitores.
Ao mesmo modo que efectuávamos esta pesquisa, facultaram-
se-nos textos inéditos de autores contemporâneos que, numa
próxima publicação, nos irão permitir um excelente ponto da
situação sobre os avanços da investigação nesta matéria.

Como ficou dito anteriormente, foi uma tarefa difícil,


mas compensadora, uma vez que esta publicação vai
permitir a fruição fácil e directa de textos que andavam
dispersos.
Outros textos poderiam figurar nesta colectânea.
Não se reuniram aqui todos por diversos motivos, uns por
serem repetitivos, outros porque pura e simplesmente não
os encontramos. Esperemos que este lançamento seja um

8
estímulo e uma semente para que outros trabalhos
semelhantes possam surgir.

Comissão para a Evocação do Bicentenário das Invasões


Francesas

Roberto Carlos

9
Origens de Arrifana1

A origem de Arrifana, tal como a de muitas outras


povoações do país, perde-se nas brumas do tempo. Os
testemunhos da tradição oral, chegados até aos nossos
dias através de gerações sem conta, bem como a
existência de documentos antigos, permitiram àqueles que
se têm debruçado sobre o tema reconstituir grande parte
do riquíssimo painel histórico desta terra.
A situação de privilégio, a fertilidade do solo e o
clima ameno atraíram a esta parte da Península Ibérica,
em tempos muito recuados, um povo oriundo do norte da
Europa que aqui se fixou. Os núcleos populacionais
constituídos progrediram sob o domínio dos romanos, e
resistiram, nos séculos seguintes, a sucessivas
assolações.
Com a invasão da península pelos árabes, no início
do século VIII, o núcleo populacional existente neste lugar
foi dominado por aquele povo aguerrido que, por qualquer
conveniência, aqui se instalou.
A mais que certa origem árabe do nome "Arrifana"
é a prova da sua permanência nestas terras em número e
por tempo significativo.

10
Durante esse período o Castelo da Feira, cuja
origem não é possível determinar, terá sido tomado e
reconstruído pelos árabes, passando a funcionar como um
importante posto militar nas Terras a norte do Vouga.
Com as lutas da reconquista e a fundação da
monarquia, as Terras de Santa Maria voltaram
definitivamente ao domínio cristão. Muitos mouros
submeteram-se às leis do Cristianismo, organizaram-se
em colónias mudejares (mouriscas) e permaneceram nos
povoados, que se robusteceram e progrediram à volta da
ermida ou do templo que a crença religiosa do povo rude
construirá.
A actual Arrifana aparece, nos escritos mais
antigos que a ela se referem, com a denominação de
"Manoci" ou "Manhonçi" (Manhouce), que era o nome da
paróquia da qual Arrifana era um lugar, denominado na
Idade Média burgo de "Rvfana". A ascensão rápida do
"burgo", que tinha situação mais elevada e de importância
sobre as povoações vizinhas, com uma população
essencialmente burguesa, inverteu esta situação e
originou a mudança de nome da paróquia primitiva, que se
extinguiu.
Uns dos pontos mais importantes da história de
Arrifana são os seus templos religiosos, uns há muito
11
tempo desaparecidos, outros ainda de pé. Estas
construções são importantes referências da vida dos
povoados.
Infelizmente, muito pouco se sabe acerca da
primitiva igreja de "Manóci" (Manhouce), predecessora da
actual de Arrifana. Para além da Igreja Matriz, que foi
totalmente reconstruída nos inícios do século XVIII,
existem actualmente as capelas de Santo Estêvão e da
Senhora do Ó, a primeira construída no século XIV e a
segunda no século XVIII. A estas veio juntar-se a capela
de S. Pedro, de construção mais recente.
À história de Arrifana estão associadas duas
lendas que o povo conservou na sua memória. A primeira
diz respeito à Rainha Santa Isabel que, em romaria a
Santiago de Compostela, terá ficado hospedada numa
casa desta terra. Durante a sua curta estadia, segundo a
lenda, deu vista a um cego e, de uma laranja azeda que
comeu, caiu uma pevide no chão, de que nasceu uma
laranjeira em cujos frutos se divisava a forma das cinco
quinas das armas de Portugal.
A outra refere-se a um religioso observante, natural
de Arrifana, que se chamava Frei João Pascoal. Segundo
a tradição, este homem regressou à sua terra numa
véspera de Natal, em meados do século XVI, e faleceu no
12
dia seguinte após ter ouvido três missas, tal qual havia
pressagiado. Junto a si deixou uma cruz de pau que,
segundo ele, manteria afastada a peste da freguesia.
A sepultura de Frei Pascoal estava na antiga Matriz
e terá desaparecido quando a igreja foi reconstruída,
numa altura em que a veneração que lhe era tida pelo
povo tinha já desaparecido.
No século XVIII Arrifana é já uma importante
povoação que se desenvolve de um e de outro lado da
principal via de ligação entre o norte e o sul. Por esse
tempo viviam aqui muitas famílias nobres e a feira dos
quatro atraía muita gente à freguesia.
A paz e o bem-estar em que viviam os arrifanenses
foram fortemente abalados durante a "Guerra Peninsular".
Na madrugada de 17 de Abril de 1809 Arrifana foi cercada
por tropas francesas comandadas pelo general Thomières,
que veio vingar um oficial do seu exército, morto em
Santiago de Riba-Ul por indivíduos de Arrifana. Muita
gente foi trucidada e um grande número de homens
fuzilados em massa no campo da Buciqueira, na fronteira
com S. João da Madeira, e incendiadas as melhores casas
de Arrifana.
Muitos anos passaram até que os arrifanenses
saíssem da grande tristeza em que estes trágicos
13
acontecimentos os mergulharam. A ânsia de renovação
das novas gerações acabaria por se fazer sentir a partir do
início do último quartel do século XIX, graças a uma
indústria caseira - chapéus, doçaria e calçado - que se
desenvolveu, contribuindo decisivamente para o progresso
e qualidade de vida que conhece hoje a Vila de Arrifana.

14
A terra da Feira e as Invasões Francesas

A terra da Feira sofreu graves consequências da


ocupação do Porto, em 19 de Março de 1809, pelo
exército do marechal Soult2. O invasor pretendeu, em
seguida, ocupar uma zona mais a Sul até o Vouga, pelo
que instalou o quartel-general em Grijó e fez seguir um
corpo de 400 cavaleiros para a Arrifana. Daqui partiram
1.500 homens de infantaria, sob o comando do general
Thomières, para ocupar, no dia 31 de Março, a Vila da
Feira3. Acções de guerrilha contra os invasores,
suscitaram da parte destes um verdadeiro morticínio nas
populações, com pilhagens nas igrejas e habitações. A
residência do Dr. Sebastião Peixoto, capelão do castelo,
foi invadida e os objectos de culto roubados. O roubo
estendeu-se às adegas da região, ainda que Soult não
houvesse podido levar para França as dezenas de pipas
que tinha confiscado4.
Desde o ano de 1808 que D. Miguel Pereira Forjaz
Coutinho Barreto de Sá e Meneses exercia as funções de
secretário de Estado no Governo da Regência deixado por
D. João VI antes de seguir para o Brasil. Nascera em
Ponte de Lima a 1de Novembro de 1769, havendo
seguido a carreira das armas, nas campanhas do

15
Rossilhão e da Catalunha. Ficou a dever-se-lhe a
reorganização do exército, após a expulsão do exército de
Massena em 1810, sendo considerado um zeloso
colaborador de marechal Beresford5. Como o condado da
Feira fora declarado vacante no tempo de D. João V e por
este atribuído à Casa do Infante na pessoa do Infante D.
Francisco, entendeu D. Miguel Pereira Forjaz solicitar o
título de 9. ° Conde. Para o efeito, invocou ser bisneto do
parente do último fidalgo que, no ano de 1720, reivindicara
a posse do título. Considerados os serviços que havia
prestado à coroa, D. João VI deferiu a pretensão por
decreto de 13 de Maio de 1820.

16
Capítulo I – Tradição6
O dia mais trágico de Arrifana7
Findara o inverno do ano calamitoso de 1809
quando Soult, marechal de França e duque da Dalmácia,
aproveitando a anarquia e a desunião que anulava a
energia e a bem preparada defesa da cidade do Porto,
fazia nela a sua entrada triunfal no dia 29 de Março
daquele ano.
Aquartelado no palácio dos Carrancas, principiou o
Marechal acariciando o sonho magnífico em que se
pavoneava sentado no trono de Afonso Henriques ele,
Nicolau I, o filho ditoso e heróico de um modesto tabelião
de Tarn.
As suas tropas iam avançando cautelosa mas
seguramente para o Sul e os seus generais curavam de
abafar os assomos patrióticos do Povo Português ao qual
a "primeira invasão tirara todas as ilusões, despertando e
atinando todas as energias.
O general Franceschi com a sua cavalaria varreu o
terreno compreendido entre o Douro e o Vouga e por
meados de Abril achava-se nas alturas de Oliveira de
Azeméis.
Entre os ajudantes de campo do Duque da
Dalmácia contara-se o tenente-coronel Lameth que uns
17
dizem era seu sobrinho e outros o dão como filho do
general Lameth que acompanharia o general Franceschi.
Problema a resolver, embora de pouca monta para
o objecto desta despretensiosa narrativa.
Por aquele tempo foi o tenente-coronel incumbido
por Soult de conduzir despachos para Franceschi, como
escreveu o Snr. Marques Gomes, ou para Lameth. Como
diziam os velhos e repete alguém.
Constou em Arrifana a passagem do estafeta, mas
parece que erradamente se entendeu que era um general
que passava e não o tenente-coronel Lameth ajudante de
campo de Soult.
José Soares Barbosa da Cunha de Figueiroa
Borges, uma das pessoas mais categorizadas da Terra de
Santa Maria, que depois foi tenente-coronel de Milícias da
Feira, governador militar de Aveiro e deputado às Cortes,
resolveu aproveitar o ensejo de vingar a morte de seu tio
paterno o Desembargador da Relação do Porto, Domingos
Manoel Marques Soares, que os franceses barbaramente
assassinaram em uma das ruas daquela cidade no dia 29
de Março do mesmo ano de 1809.
Aliciados três ou quatro companheiros (entre os
quais, segundo consta, um ascendente da família Rebelo
que reconsiderando, à ultima hora negou o seu concurso)
18
foi José Soares postar-se com eles na Devesa do Pereiro,
freguesia de São Tiago de Riba-Ul, próximo da ponte que
atravessa o ribeiro de Cavaleiros: e ali esperaram, de
madrugada, a passagem do mal-aventurado oficial,
ocultos como está escrito, por um comoro de loureiros.
Logo que o tiveram ao alcance das espingardas
desfecharam sobre ele, que imediatamente caiu morto do
cavalo em que montava.
Tratava-se do um oficial de elevada patente,
aparentado com pessoas de alta categoria no exército
francês.
Entendeu-se que a vingança deveria ser
retumbante e não se fez esperar. Ao alvorecer do dia 17
de Abril daquele ano memorável de 1809, foi invadida a
descuidada Arrifana por tropas francesas comandadas
pelo general Thomières que nesta época, pouco antes ou
depois, esteve aquartelado na casa da quinta de Ribas
junto ao Castelo da Feira e ali por suas mãos pregou na
porta do seu quarto, um prego onde costumava
dependurar a espada.
O que então se passou, não desmentiria a habitual
ferocidade deste homem que na primeira invasão deixara
de si pavorosa memória, oprimindo com vexames
insuportáveis os povos de Peniche, Nazaré, São Martinho,
19
Colares e Alcobaça, excedendo por vezes nas suas
atrocidades as praticadas em Leiria pela sinistra individua-
lidade de Margaron.
Rapidamente foram aprisionados na igreja matriz
todos os homens que foi possível haver às mãos para,
pouco depois, coagidos a sair à formiga serem quintados.
E todos aqueles a quem o fatal número cinco indi-
casse, seriam sem demora executados.
E assim se cumpriu no campo da Buciqueira, sem
que a tal obstassem os alterosos clamores, as súplicas
mais desesperadas e mais humildes e o pranto mais
doloroso das mulheres e das crianças da infeliz terra de
Santa Maria de Arrifana, nem a judiciosa consideração de
que entre tantas vítimas, bem podia acontecer nenhuma
ser culpada na morte desforçadora do tenente-coronel
Lameth!
Escreveu-se e diz-se que o número de mortos se
elevou a mais de cem e que ficaram 84 viúvas.
Parece que estes números são exagerados.
Um dos livros de nascimentos, casamentos e
óbitos da freguesia de Arrifana, acusa os nomes de 62
indivíduos, todos do sexo masculino, mortos pelos
franceses no dia 17 de Abril, incluindo neles João Leite,
solteiro, levado para o lugar de Carcavelos, freguesia de
20
Riba-Ul, onde, na expressão do pároco, existiu
dependurado, o que parece evidentemente significar que
morreu enforcado.
Mais dois nomes aparecem de vítimas dos
franceses, mas estes de indivíduos mortos na cidade do
Porto. Um, na rua como ficou dito, o Desembargador
Domingos Manuel Marques Soares em 29 de Março; o
outro no mesmo dia, mas nas trincheiras da cidade,
defendendo-a naturalmente do ataque dos franceses que
nesse dia a tomaram.
Nos mesmos assentos faz-se menção de trinta e
duas viúvas e vê-se que sete dos executados foram
sepultados em São João da Madeira e os restantes dentro
e fora da matriz de Arrifana.
O senhor Marques Gomes, no seu trabalho
Centenário da Guerra Peninsular, consigna que um só dos
condenados “que ficara caído por entre o fumo e os
mortos, conseguira escapar aproveitando-se das trevas da
noite”.
Este homem chamava-se Nazário e vivia ainda em
1869. Era filho bastardo de uma escrava do capitão João
António Gomes de Pinho, de Arrifana, e nasceu nesta
freguesia em 29 de Julho de 1783, contando pois vinte e
seis anos ao tempo do morticínio.
21
Quando se deu a primeira descarga lançou-se o
Nazário por terra e com tanta felicidade que o não atingiu
nenhuma bala, caindo-lhe mortos por cima, dois dos seus
companheiros.
Inteiriçou-se, conservou-se imóvel até à noite e
quando lhe pareceu azada a ocasião, conseguiu fugir são
e salvo.
Pouco depois, em 9 de Maio, o Marechal general
do exercito anglo-luso Arthur Wellesley mais tarde, pelos
seus talentos militares, duque da Vitória, marquês de
Torres Vedras e conde de Vimieiro, abalava de Coimbra,
atravessava o Vouga e acossando os franceses obrigava-
os a retirar, escaramuçando, pela estrada de Oliveira de
Azeméis.
Repelidos em Albergaria-a-Velha e Albergaria-a-
Nova sofreram uma bem marcada derrota em Grijó, onde
em número de 5:200 homens pretenderam defender-se.
Em 11 de Maio, Quinta-feira da Ascensão,
Franceschi com as suas tropas atravessava o Douro e
juntava-se a Soult para com ele enveredar
dificultosamente, mais fugindo que retirando, por caminhos
quase intransitáveis, galgando serras alterosas, desiludido
já do trono com que sonhara o sentindo talvez ecoar-lhe
no espírito, como se fora uma ironia da sorte, as
22
pomposas palavras de Napoleão ao arrojar na Península
os seus duzentos mil homens:
"Soldados, preciso de vós. O odioso leopardo "está
poluindo os continentes de Espanha e Portugal: quando
vos avistar fugirá espavorido…”, Levemos as nossas
águias triunfantes até às Colunas de Hércules onde temos
ultrajes a vingar. "O que tendes feito e o que fareis ainda
para felicidade do povo francês e para minha glória há-de
ficar gravado para sempre no meu coração…”
As águias regressaram ao ninho apavoradas para
segredar a seu amo que se preparasse para a queda, pois
não poderiam por longo tempo sustentá-lo.
Assim principiou a vingança das vítimas de Arrifana
e de tantas outras que mais ou menos brilhantemente se
inscreveram no martiriológio glorioso da Pátria
Portuguesa.

Vencedor Vencido8

Pairava sobre o mundo esse abutre implacável


Que foi Napoleão,
E, altivo, sobre nós a garra insaciável
Tentou lançar então.

23
A presa, que era audaz, sentindo enfraquecida,
Pra não erguer-se mais;
Mandou a Portugal, em fera arremetida,
Seus bravos generais.

Travou-se a guerra ingente; e ele, que domara


Poderosas nações.
Viu como, tão pequeno, a vida vende cara
Um povo de leões.

Sem tropas e sem rei, sem armas de combate,


Bem viu, mais de uma vez,
Como é que a tirania heroicamente abate
O povo português.

Seis anos porfiou; mas, sempre destroçado,


Daqui fugiu, enfim,
Destarte iniciando o seu tão desastrado,
Angustioso fim.

E quando, em Santa Helena, o sonhador da glória:


Morria, por seu mal,
Inscrevíamos nós em nossa altiva História
Mais um feito imemorial.
24
A Tradição9
A tradição é a alma dos Povos. Dentro dessa alma
que ora se reveste da ingenuidade tocante das lendas de
sonho, de aventura o de martírio, ora se engrandece no
resplendor imortal do heroísmo, do sacrifício, das
sagradas e belas dedicações cívicas, há sempre a
revivescência simbólica do belo, a expressão misteriosa
da poesia, a religiosidade espiritual que imprime grandeza
e o respeito à evocação do passado longínquo e glorioso,
Na comemoração tocante que hoje faz palpitar de
enternecida comoção patriótica o coração dos devotados
filhos da Arrifana, ressurge o passado onde refulge a
púrpura soberana de heróis entre os crepes lutuosos da
dor pelas vítimas do morticínio guerrilheiro da invasão
Peninsular.
Exulta de orgulho a graciosa Arrifana embelezada
pela sua alma eterna de primavera, semelhante às privile-
giadas regiões Holandesas onde a frescura do solo salpi-
cado de veios de água cristalina transforma a terra numa
ridente corbeille de verdura e dá aos caracteres docilidade
e brandura, ao espírito as tendências estéticas e elevadas,
e às linhas plásticas o encanto e a suavidade que é uma
das características das lindas mulheres Arrifanenses.

25
Ao receber no seu florido coração o belo
monumento que perpetuará o seu valor Histórico, vibra
nela o fervor patriótico que sobrevive através dos séculos
no mistério espiritualizante da transmissão como que
ajoelhando-a perante a abnegação dos supliciados que
deram o seu sangue pela defesa do torrão Natal, e
orgulhando-a por celebrar uma data memorável que é o
seu brasão de nobreza altiva e estimulante.
Mas, sendo a História, a Bíblia do passado em que
devem aprender-se as lições do futuro, essa História deve
apontar às gerações nascentes uma nova religião
Patriótica que lhes ensine a extrair da tradição somente o
que nela exista de belo no heroísmo, no brio lusitano, nas
maravilhas do saber, nos primores da arte, e de tudo
quanto é belo e grande pelo espírito, pelo sentimento. E
caminhando as sociedades novas para uma aurora de
civilização, a luz que as ilumina deve alimentar-se de mais
rasgados e cristalinos ideais. Deve essa luz retemperar os
corações de bondade e nobreza para que as sociedades
se armem por eles para a Paz em vez de se devastarem
pela guerra. Entre o passado e o presente, o progresso
deve arvorar o pendão da harmonia para evitar as
guerras, embora todas as nações amem a independência

26
e evitem a opressão e a invasão de estranhos e
usurpadores.
Porque as glórias obtidas com o sangue, deixam,
após o triunfo, os sulcos mortais da tirania, e mergulham
em tacto, miséria e dor, as terras assoladas pela fúria
sangrenta dos combates.
Provou-o bem dolorosamente, o por largos anos, a
vida moral e material da Arrifana após as tragédias hor-
ríveis da guerra Peninsular.
Os efeitos do extermínio, trucidando seres,
incendiando casas, atrasando campos e dilacerando a
alma dos sobreviventes, provocaram uma crise aguda de
decadência na linda povoação que hoje ostenta a
galhardia do seu florescimento como a antiga Fénix
renascendo das próprias cinzas
Se porém hoje o amor dos seus filhos deseja
converte-la numa águia altiva pousando sobre um ninho
flácido de vegetação fértil e luxuriante, deve o fervor
inquieto dos corações erguer na alma das crianças o culto
do Bem para que a Paz seja o fruto abençoado da guerra,
E respeitando a tradição pelo seu lado de grandeza
cívica, deve a nova consciência social expurgar a vida de
futuro de todos os princípios da violência desapropriada às
épocas que vêem surgindo da luz clarividente da ciência,
27
e que fará compreender que as armas do progresso
residem no amor e na bondade, liames benditos a estreitar
numa confraternização geral a grande e dispersa família
humana.
A guerra dos franceses10
Na guerra peninsular defendem o torrão natal o
frade e o povo, A aristocracia e o alto elevo submetem-se
ao jugo estrangeiro e fraternizam com o invasor, o frade
defende a santa religião, o povo a gleba que fecunda com
o suor do seu trabalho.
Em ambos o ódio é feroz e a vingança requinta em
crueldades.
Do alto do púlpito troveja o frade o seu rancor; em
baixo, a plebe angustiada sente cachoar no peito, o ódio
implacável. Aos prisioneiros torturam-nos; aos transviados
supliciam-nos; aos feridos acabam-nos.
De sandálias e cogula vai o frade, na frente, de
cruz erguida na mão esquerda: segurando na direita o
bacamarte; atrás segue a turba dos descalços, dos
famintos, dos desgraçados. Fazem guerra de emboscada.
Irrompem como alcateias de lobos e chacinam,
desnorteados pela raiva que lhes referve na alma
vingativa com fúrias, de epilépticos.

28
Precipitam-se como ondas de morte e destruição
num mar revolto de desesperos. Os seus gritos são uivos
de fera; os seus gestos são implacáveis, Nem misericórdia
nem piedade, a fama que precede os exércitos invasores
não os intimida. Não é a batalha regular, em campo raso,
luz do dia, que lhes apetece. A sua táctica é de guerrilhas;
o inimigo vencido, depondo as armas, não se aprisiona,
mata-se.
Quando o frade e o povo abandonam conventos e
leiras, enterram as riquezas, incendeiam as casas,
arrancam as searas, desfazem os vinhedos, arrombam os
tonéis e, atirando o bornal para as costas, somem-se no
recesso dos bosques ou dispersam-se pelo arrepio das
serras.
Atacam pelas costas, ou fuzilam com descargas
certeiras protegidos por abrigos naturais. Para as
crueldades com que maltratam os vencidos tem a
satisfação da revindicta e a paz eterna assegurada pela
absolvição do frade.
A guerra que fazem é a guerra santa; é a guerra de
Deus. Batalham contra os soldados da revolução; contra
os inimigos declarados do trono e do altar. E a luta da
tradição contra os iconoclastas, sem tréguas nem mercê.
Quem vence é o frade e o povo; mas o inimigo abriu ao
29
vento um estandarte de cores até então desconhecidas;
proclamou um lema ignorado.
Sente-se o prestígio de uma palavra que simboliza
a aspiração da humanidade escravizada. Palavra que
derrube o preconceito e abre as portas de um mundo
novo. No derradeiro suspiro do gaulês exangue ouviu-a o
povo, ouviu-a o frade.
E paradoxo estranho, a ideia da liberdade vinculou-
a no coração dos povos, a força bruta das baionetas, o
estampido sinistro dos canhões, a vontade imperial de um
César!

30
General Rodrigues da Gosta11
No formigar de uma grande cidade, que afinal não
é tão grande que se não conheçam todos mais ou menos,
há entre os conhecidos um grupo de pessoas a quem
mais encontramos e a quem quase quotidianamente
vemos: são os bairristas. O general Rodrigues da Costa,
na sua inconfundível e jovial personalidade, é meu
bairrista, mora ali para o Rato (hoje crismado em Praçado
Brasil). Quase todas as tardes fazemos juntos a travessia
da cidade no carro eléctrico de Campolide.
Quando me deram o honroso encargo de
acompanhar o seu retrato com algumas palavras, pensei
logo em abordá-lo nessa tarde ou na seguinte e pedir-lho,
captar-lhe, arrancar-lhe de qualquer maneira, as notas
indispensáveis para a sua biografia. Se não fosse nessa
tarde, seria na seguinte, ou na outra.
Qual! Nunca mais encontrei a figura aprumada do
general, com o seu olhar fulgurante por detrás dos vidros
da luneta e com a sua pêra branca a dar-lhe o tom juvenil
de um protesto vivo contra a reforma por limite de idade.
Não julguem que exagero. O general Rodrigues da
Costa tem no aspecto, e sobre tudo no cavaco, aquela
mocidade que anima e bem dispõe.

31
Pois há mais de um mês que o procurava e só
ontem o encontrei, onde menos poderia esperá-lo.
A sua modéstia reagiu. O retrato dele andava por
aí, em muito jornal, em muita publicação... até em caixas
de fósforos, mas sempre sem o seu consentimento e
contra a sua vontade. Biografias muitos lhas tinham es-
crito. A parte militar lá estava no respectivo almanaque.
Essa parte, porém, é a menos interessante da sua
biografia. Bem sabia eu que não era só de um general que
devia escrever, mas de um jornalista da têmpera do velho
Sampaio e de um literato de valor, orador fácil e fluente,
propagandista acérrimo.
Palavra puxa palavra e no decorrer da conversa:
- Quando eu fui reformado, em 1910, o Diário de
Noticias lá trouxe um boneco e um artigo...
- Obrigado, general. Muito obrigado. E até à vista.
- Já agora deixe-me contar-lhe o caso da caixa de
fósforos.
E contou.
Um dia queixava-se ele de ver de vez em quando o
seu retrato em qualquer jornal ou almanaque o um amigo
sorrindo zombeteiro disse-lhe do lado:
- E em caixas de fósforos já viste?
- Em caixa de fósforos!
32
- Olé. Tenho eu uma.
Dias depois o amigo presenteava-o com uma
caixinha tendo de um lado o retrato da gorda cantora
Sassi o do outro o retrato do general, quando era capitão
ou pouco mais.
Esta notoriedade é legítima como vão ver.
João Carlos Rodrigues da Costa nasceu em Lisboa
a 7 de Setembro de 1843 sendo seus pais Manuel Rodri-
gues e D. Joaquina Carlota Ramos.
Fez os cursos de infantaria e cavalaria o concluiu o
de artilharia em 18 de Agosto de 1860. Subiu postos e de
1868 a 1872 esteve nos Açores, onde se fez estimar o
onde se manifestou a sua tendência literária. Tornou-se
notável o discurso que pronunciou na inauguração da bi-
blioteca, popular do Club Angrense em Dezembro de
1873. Já nesse tempo fundara na Ilha Terceira o Jornal do
Grémio Literário de Angra do Heroísmo, o periódico A
Lágrima ou uma outra folha intitulada Idea Social.
De regresso a Lisboa preparou-se para entrar no
professorado sem deixar de colaborar em jornais literários,
políticos o militares, tais como Revista Militar, Galeria
Militar, Jornal do Exército Português, Diário da Exército,
Diário de Notícias e Revolução de Setembro.

33
A sua colaboração neste jornal ao lado do
inconfundível jornalista e polemista António Rodrigues
Sampaio tornou-o notável e radicou-o jornalista de
primeiro plano pelo vigor da doutrina e pela rigidez na
controvérsia, em que o grande mestre o animava e
aplaudia. À morte do Sampaio, a 13 de Setembro de 1883,
tomou Rodrigues da Costa, com o Dr. Cunha Belém, a
redacção da Revolução de Setembro.
Havia então já dez anos que entrara como
professor de ciências naturais para o Colégio Militar.
Quando se preparava o tricentenário de Camões,
esse primeiro grito da renascença nacional, foi Rodrigues
da Costa escolhido para presidente efectivo da comissão
executiva da imprensa, tendo a presidência honorária o
Visconde de Juromenha.
É que o actual general aliava então, como ainda
hoje, à justa notoriedade do seu nome e à afabilidade do
seu trato, uma enérgica actividade e um poder de trabalho
incansáveis.
Assim, também ao fundar-se a primeira Associação
dos Jornalistas Lisbonenses, Rodrigues da Costa teve a
presidência efectiva, ao passo que Rodrigues Sampaio
era presidente honorário.

34
Indo em 1878 assistir a umas manobras do exército
francês comandadas por Bourbaky, o herói de Sebastopol,
foi agraciado com a Legião de Honra.
Duas vezes foi deputado, em 1882 e 1892, tendo
proferido discursos que honram a sua vida literária pela
forma e enaltecem o seu carácter pelas ideias defendidas.
Em 1893 foi nomeado para escrever com outros
oficiais a história da artilharia em Portugal. Comandou a
escola prática de artilharia do 1893 a 1896. Governou a
praça do Elvas desde 1903 até passar, em 1906 para o
Comando do campo entrincheirado de Lisboa, onde se
distinguiu por maneira a ser algumas vezes louvado.
Em 19 de Agosto de 1908 foi nomeado presidente
da comissão para a comemoração do primeiro centenário
da guerra peninsular e neste serviço se conserva ainda,
apesar da reforma o ter atingido por limite de idade, válido,
robusto e saudável aos sessenta e sete anos.
Foi no desempenho dessa missão que o general
Rodrigues da Gosta visitou a Arrifana para ver o modesto
padrão do nefando morticínio, que hoje se inaugura res-
taurado, graças à sua boa vontade.
Eis a largos traços a biografia da simpática figura
do general Rodrigues da Costa que se tornou notável
como jornalista, como professor e como militar e que é
35
principalmente uma pessoa afável, simpática,
sinceramente liberal e altamente português, daquele belo
carácter lhano, franco e alegre que constitui a verdadeira e
genuína alma nacional.
E, se o retrato está bom, isto vê-se nas linhas da
sua fisionomia insinuante de bonomia e satisfação.
Represálias12
Foi há cem anos que passou a tempestade, que
rolou sobre o país a tormenta das invasões.
Há cem anos! E parece que foi ontem, de viva que
se conserva ainda a memória dos horrores sofridos.
"Pelo tempo dos franceses, contava meu
pai…dizem ainda os velhos, relembrando o que a tradição
de família lhes ensinara de bárbaros assassinatos, de
violações bestiais, de aflições e desassossegos
permanentes, do abandono das casas, do assolamento
dos campos, das ruínas causadas pelo fogo, das misérias,
enfim, derivadas dos roubos e latrocínios.
E um ar de tristeza e desalento os ensombra
quando, reavivada a memória pelo ódio herdado, esses
velhos recordam as calamidades, talvez maiores, que a
protecção e tutela inglesa ao mesmo tempo nos
trouxeram.

36
Contra o roubo, o assassinato, o estupro, a ruína, o
pânico e a miséria que os franceses deixavam atrás de si
havia, ao menos, a compensação da franca explosão dos
ódios ou da realização da vingança, quando a ousadia
dum bravo despertava a reacção dos bandos que
cevavam o seu rancor nas sortidas com que, à traição, iam
dizimando as colunas desprevenidas do exército que
passava.
Mas contra o mesmo rasto desolador com que os
soldados ingleses vincavam a sua passagem, não podia
haver compensação. Era mister refrear o espírito de
vingança, amortecer o ódio, agradecer o insulto, tragar
alegre o vilipêndio.
Eram os nossos fiéis aliados!
Eles, que viram, na Corunha, recusado o seu
auxílio pelos espanhóis, e que vieram aqui, tratar só de
salvar-se, procurar apenas o terreno adequado à defesa
do seu predomínio ameaçado pelas águias vencedoras do
Corso, exigiram de nós a gratidão devida a salvadores e a
aviltante submissão de escravos.
Demais, os franceses passaram e os ingleses
permaneceram; dos franceses sofremos três invasões em
quatro anos, e os ingleses aqui se conservaram, senhores

37
absolutos e altivos, dominando uma nação deprimida e
esgotada, durante doze anos.
Como devia ter custado a nossos avós o seu
domínio se ainda hoje tanto nos magoa a simples
lembrança!
Foi um desses muitos actos de bárbara mas justa
represália, exercida pelo povo português sobre os
soldados de Napoleão, que a Arrifana hoje comemora.
Não me cumpre descrevê-lo. Aos naturais pertence
o grato encargo. Com outro brilho o farão, e, sobretudo,
com outro sentimento de justificado orgulho. Apenas
desejo notar que, se os regimentos portugueses que
fizeram parte dos corpos do exército aliado, foram dignos
dos maiores elogios da parte dos Generais ingleses (tão
ciosos da glória dos seus, como parcos de louvores para
estranhos), o que bem mostra a disciplina, bravura e
heroicidade do soldado português, - é sobretudo nestes
actos isolados do nosso povo, produtos do movimento
geral de insurreição, que o terror das tropas francesas não
pôde suster, que eu vejo patenteado o brio duma raça, o
despertar da reacção dum povo, o desentorpecer da
sonolência em que tinha caído uma nação.
É um brio selvagem, sim, como o de todos os
povos ignorantes e atrasados, mas um sintoma de vida; é
38
um despertar estremunhado, com efeito, mas uma
manifestação de vitalidade; é um desentorpecimento
incoerente e brutal, sem dúvida, mas que tinha o valor
dum renascimento.
Estes pequenos factos da vida dos povos, estes
incidentes dos grandes acontecimentos, não entravam,
até há bem pouco tempo nos anais da história. E contudo,
são eles os que muitas vezes nos apresentam o
verdadeiro carácter de um personagem que dominou
determinada acção, nos revelam a psicologia de um povo
ou de uma classe, nos dissipam a nebulosidade duma
época, ou nos explicam muito facto histórico até aí mal
compreendido.
Os pequeninos acontecimentos da história de uma
cidade ou de um povoado são muitas vezes o facho que
vai alumiar um período da história de um povo.
Dar-se-á o caso com o facto que a Arrifana hoje
comemora, ou não terá ele importância para a apreciação
da história geral da guerra peninsular? O futuro historiador
o dirá.
O que ninguém pode, porém, contestar ou pôr em
duvida é a importância que ele tem para a história local e
a obrigação que a todos se refere de conservar com

39
desvelo as tradições e consagrar com amor os feitos dos
nossos burgos.
Recordação13
Os povos devem sempre conservar as suas
tradições e relembrar aos vindouros por meio de
monumentos que constantemente apontem os factos
memoráveis.
É pelos ensinamentos da Historia que as nações
devem regular os seus actos.
É assim, que no momento actual a Arrifana vai
levantar um monumento a um acontecimento trágico pas-
sado há mais de cem anos mas cuja recordação está
ainda viva nos descendentes dos mártires de um crime
hediondo.
Foi em 1809 que, na invasão francesa se deu o
triste acontecimento.
Escrevendo estas poucas linhas escuso de relatar
como se passou essa tragédia.
Filho, eu mesmo de um oficial que tomou uma
parte distinta nas grandes campanhas que expulsaram os
franceses do solo da pátria e pertencendo a uma família
que, assaz sofrera nessa calamitosa época, fiquei
fortemente impressionado com as narrações que escutara
na minha infância.
40
Sucedeu-me que, em 1855 estando eu em Paris
celebrava-se a grande exposição universal a que presidia
o imperador Napoleão III.
Era então comissário régio de Portugal o
conselheiro Antonio José de Ávila que mais tarde foi
duque de Ávila o qual me agregou ao serviço da
exposição.
Embora não estipendiado dava-me essa posição a
entrada em toda a parte onde havia actos oficiais.
Nesse tempo parecia que o sol de Austrelitz que,
se eclipsara em Waterloo, brilhava de novo em todo o seu
esplendor.
O imperador recebia a visita da rainha Vitória e os
exércitos aliados da França e Inglaterra levavam de ven-
cida o colosso da Rússia e colhiam louros em Malacoff e
Sebastopol.
Esse sol mais tarde se eclipsou de novo para
nunca mais reaparecer, nos desastres de Sedan.
Todavia no momento ninguém poderia imaginar
que tanta glória era efémera.
Aconteceu-me que uma noite fui à casa de um dos
ministros do império, aonde fui apresentado pelo
comissário régio português.

41
O ministro recebeu-me amavelmente e
entabulando conversação me disse:
- Diga-me que impressões deixou em Portugal a in-
vasão francesa e qual é o sentimento do seu país a nosso
respeito?
Respondi-lhe: quanto à segunda parte, que em
Portugal os franceses eram muito estimados, mas quanto
à primeira parte que me permitisse que não desse
resposta porquanto nem sabia faltar à verdade nem ser
descortês em um país aonde eu era tratado com tanta
benevolência.
O ministro objectou que desejava toda a franqueza
porque não havia nação nenhuma que não tivesse prati-
cado erros e que na França tantas lutas sangrentas tinha
havido entre os franceses mesmos.
Então lhe disse que a disposição de Portugal no
princípio do século era altamente desfavorável, porque o
procedimento do exército francês tinha sido cruel; que
mais tarde as desgraças do imperador Napoleão e dos
flagicios que lhe foram impostos pelo proceder da
Inglaterra quando, o maior capitão dos séculos fora
desterrado para Santa Helena cometendo-se um crime
inaudito, havia reconciliado os portugueses com a França
e atenuado até certo ponto a péssima impressão que
42
deixaram os invasores desde 1807 até que foram
expulsos completamento do país.
Então lhe toquei alguns dos factos ocorridos nas
diversas invasões e entre eles lhe lembrei os assassínios
praticados pelo exército francês no célebre morticínio na
Arrifana.
O ministro ficou espantado e disse que ignorava o
facto que realmente era uma mancha para a França.
Para atenuar um pouco a má impressão que esta
exposição lhe causou, mostrei-lhe a grande influência que
tinha em Portugal a literatura francesa e as obras
científicas que eram compêndios expositores em todas as
academias, de onde resultava que a língua francesa era
geralmente conhecida em todo o país.
Na presente ocasião que os meus conterrâneos da
Feira querem relembrar esses tristes acontecimentos não
posso deixar de acompanhá-los assim como os
acompanhei quando em 1910 se relembrou o famoso
conflito do Buçaco a que presidiu o augusto chefe do
Estado.
Nessa batalha em que os franceses foram
derrotados tomou parte a divisão em que meu pai militava
e assim tomou ele parte em todos as batalhas que se
deram sucessivamente até ao famoso conflito de Vitória
43
em que os franceses capitaneados pelo marechal Jourdan
estando no exército o próprio rei de Espanha, José
Bonaparte, foram completamente desbaratados e nessa
ocasião o major Francisco de Paula de Azeredo foi
gravemente ferido e promovido por distinção a tenente-
coronel, sendo visitado e felicitado no hospital de sangue
pelo marechal Beresford.
Cumpre pois não esquecer estes factos para honra
de Portugal e incentivo para os presentes e futuros, para
seguirem estes nobres exemplos.
Guarda-jóias14
Apesar de me faltarem os conhecimentos
suficientes para dar publicidade a este ou àquele artigo,
não quero, porque seria para mim deprimente, ficar
silenciosa em face duma obra que, sem dúvida, põe em
relevo o patriotismo do povo arrifanense.
Célebres foram Jerusalém e Babilónia e Atenas;
celebérrimas são hoje Paris e Londres, Berlim e Viena;
mas o que nos encanta e seduz pelas suas belezas e
tradições históricas, é uma pitoresca aldeia, que jaz
esquecida, como a modesta violeta vive escondida no
meio da relva.

44
Se lançássemos um olhar pela pequenina faixa de
terra banhada pelas águas do Atlântico, quedar-nos-íamos
a admirar um paraíso na terra.
Arrifana, linda Arrifana, da Feira pérola e flor!...
Neste aprazível cantinho de Portugal, tudo ó
agradável! É aqui que a majestosa lua, em noites de
Agosto, se espelha vaidosa nas cristalinas águas das
fontes; é aqui que o sol dardeja os seus raios mais belos,
decompondo-os através das gotinhas que poisam
tranquilas nas plantas cor de esperança. As flores
abundam por toda a parte: nos jardins, nos prados, nos
quintais, nas colinas e até as vamos encontrar pelas ruas,
formando um tapete esmaltado de mil variadas cores. Os
soberbos edifícios levantam-se altivos na encosta suave
dum pequeno monte, tendo por coroa um monumento que
comemora a Guerra Peninsular e que recorda aos naturais
desta localidade o que sofreram os seus antepassados
por ocasião das invasões francesas.
Realiza-se hoje, dia tão assinalado, a inauguração
dessa obra levada a cabo pelos incansáveis esforços
patrióticos dos cidadãos arrifanenses. São, sem dúvida,
dignos da admiração, da estima e até da veneração de
todos os portugueses.

45
Para esses elevados espíritos, a saudação do mais
humilde dos entes.
Arrifana.
As Invasões15
Em Novembro de 1907 a Revista Militar notável e
prestante publicação que, desde longos anos, vem
derramando no exército português as mais doutas e escla-
recidas lições sobre os variadíssimos assuntos da arte da
guerra, inaugurou uma secção sob a rubrica -
Comemoração centenária da guerra peninsular, com o fim
altamente patriótico, de se trazerem à luz elementos
importantíssimos e de inquestionável utilidade, para lição
das gerações modernas, acerca das invasões à terra
Portuguesa no princípio do 19.° Século.
Seria doloroso, evidentemente, que essas
sementes lançadas à terra, ao preço de tão acerbas
ruínas e de tão cruciantes dores, ficassem sepultadas,
com as virtudes e heroicidades dos nossos soldados, na
vala de um esquecimento imperdoável.
Mas a Revista Militar, aspirava a mais - "o carácter
festivo com que é costume revestir estas celebrações”,
mas a isso se abstinha pela natureza especial do seu es-
tatuto.

46
A ideia, felizmente, não encontrou terreno safaro;
antes pelo contrário bem adequado ao seu
desenvolvimento. A celebração festiva afirmou-se com
inexcedível brilho e patriótico entusiasmo," e, agora
mesmo, na sua modéstia, mas não menos no seu amor
pelos feitos gloriosos dos nossos antepassados, durante
esse período tormentoso da nossa história, cabe a vez à
risonha povoação de Arrifana a quem uma das abas do
terrível furacão açoutou, por igual, duramente.
Ao alvorecer do 19.° Século a França e a Espanha,
pelo tratado de Madrid de 29 de Janeiro de 1801 estipu-
lam invadir o território português, caso a nação não
acedesse às exigências entre elas concertadas; e logo a 6
de Fevereiro a Espanha declara a guerra a Portugal, em
vista do governo do nosso país não aceitar às condições
que lhe eram impostas.
Portugal, sem poder, por um esforço heróico, opor-
se aos exércitos aliados das duas grandes nações,
inerme, desprovido de aprestos guerreiros, tem que
curvar-se ao peso de uma paz desonrosa, em que a
Espanha nos levou Olivença e o território do seu termo, e
a França 20 milhões.
Seis anos após, desde 1807 a 1810, os exércitos
franceses invadem por três vezes o nosso mal-aventurado
47
país. A primeira invasão sob o comando de Junot, vem
terminar no Vimeiro; a segunda sob o comando de Soult,
vem liquidar no Porto por meio de uma audaciosa
surpresa; a terceira, finalmente, sob o comando de
Massena, vem quebrar-se nas linhas de Torres Vedras,
depois de ter recebido um duro revés no Buçaco.
Em 1801 o nosso exército em poucos dias de
campanha, sem um acto de bravura, rende-se
vergonhosamente aos inimigos; mas nas campanhas de
1807 a 1810, desde Vimeiro ao Buçaco, o espírito
guerreiro adormecido revive no coração dos nossos
destemidos-recrutas, que denodadamente fazem recuar
diante das suas baionetas, os destemidos veteranos de
Ulm e Austerlitz.
É o próprio Beresford, bem parco em elogiar, que o
diz depois da memorável batalha do Buçaco:
"Todo o amigo da sua pátria e da liberdade do
mundo, e todo o exército britânico, deverá ter observado
com o maior gosto o valor a firmeza das tropas
portuguesas… “
Qual o motivo desta, mudança, em tão pouco
tempo radicada no modo de ser do nosso soldado?
É simples a resposta.

48
Era 1801 comandava o duque de Lafões; seis anos
depois comandava Wellington;
Em 1801 o exército sem instrução, e sem
disciplina, vivendo vida miserável, perdera as lições do
Conde de Lippe; e "segundo a norma invariável, como diz
L. Coelho, observada em Portugal, é só na probabilidade
ou no prospecto de um próximo conflito, que o poder se
lembra de uma força pública toleravelmente organizada,
não é uma supérflua ostentação”.
Em 1801 ao exército sem direcção e sem
organização, faltava um comando superior que soubesse
levantar e fortalecer as virtudes heróicas do nosso
soldado; alguns anos depois à sua frente encontrava-se
esse notável organizador e disciplinador que se chamava
marechal Beresford.
Em 1801 quando os espanhóis concentravam gran-
des forças em Badajoz e suas cercanias, e a guerra se
apresentava inevitável, o governo português sem
patriotismo e sem honra, desonrava as forças defensivas
do país e deixava correr o tempo; esperando o milagre
que lhe viria de negociações, tão vergonhosas como
inúteis; e mais tarde esse patriotismo foi despertado pelo
abalo brusco dos nossos aliados, chamando-nos à
realidade.
49
Eis as lições que resultam vivas destes factos e
que convém meditar hoje como sempre:
Não deixar para a última hora a organização das
forças defensivas do país, descuidando o seu comando
superior, a sua disciplina, a sua instrução e olvidando o
seu armamento.
Não descurar a Política da guerra, antes bem a es-
tudar pelo grande Estado-maior, devendo merecer uma
atenção especial as potências rivais para reconhecer
nelas as suas forças, os seus preparativos e as suas
alianças secretas;
E ainda despertar e gravar bem vivo no coração do
povo português, o conjunto de sentimentos, de interesses
e de aspirações que constituem o que se chama
patriotismo, força moral considerável, que vale tanto ou
mais que os canhões; não deixando nunca de ter bem
presentes estas palavras de um grande espírito: une
nation ayant perdu le culte de sa patrie aurait bientôt tout
perdu»;
E finalmente educar o povo nos princípios da moral
e do bem, no respeito pela lei e pelo principio da
autoridade; por que desaparecendo todas as disciplinas
que constituem a força de uma civilização, o
desmoronamento duma sociedade vem próximo.
50
Noto ao findar estas ligeiras linhas que estamos a
29 de Março. Não posso deixar no esquecimento este dia
que recorda aos nobres portuenses uma data trágica.
Foi em 29 de Março de 1809 que a população mais
tímida da cidade - mulheres, crianças e velhos - fugindo
aos bárbaros de Soult, que por onde passavam exerciam
as maiores atrocidades, arrancando os olhos, cortando as
línguas, decepando os membros às suas vítimas - foi
nesse dia, dizíamos, que uma multidão espavorida
pretendendo passar para a margem esquerda do Douro,
para escapar á ira dos inimigos, foi de encontro a uma
morte horrorosa, precipitando-se no rio pelos alçapões da
ponte de barcas, que mão criminosa ou imprudente
destruíra.
Mas se os nossos corações ainda sangram de dor,
com a recordação de uma tão grande desventura; não é
menos certo que devem, também, orgulhar-se ao recordar
um acto heróico, entre tantos actos heróicos, praticado
nesses dolorosos momentos.
Foi aquele de 200 valorosos portugueses que,
entrincheirados no palácio do bispo, defenderam a
posição com valentia tal, que só foi tomada, quando o
último combatente caiu varado pelo ferro inimigo.

51
E, se depois de prostrados por terra, já sem vida,
esses heróicos guerreiros - descendentes duma raça
insigne que "nunca soube medir a vitória pelo número,
nem a longanimidade pelos máximos revezes - alguém
pudesse fotografar as retinas daqueles olhos para sempre
cerrados à lua, não deixaria de ver, numa ampliação
esmerada, as encostas verdejantes e encantadoras do
Candal, que era um bocado dessa terra tão amada que
lhes ficava mais perto e que eles defendiam com tanto
valor.
Que descansem em paz tantos portugueses
ilustres e valorosos que nesse dia perderam a vida em
defesa da sua Pátria.
Convenção de Sintra16
Prudentes como raposas, os ingleses cuja
esquadra velejava à vista das costas de Portugal, só se
resolveram a desembarcar, depois que viram em todo o
país acesa a revolta contra os franceses.
Sepúlveda tinha-se levantado em Trás-os-Montes,
no Porto tinha-se constituído a junta revolucionária, o
Algarve sublevava-se, e dentro em pouco todo o país se
pronunciava contra os invasores.
Ao norte o general Bacelar, que comandava um
corpo de tropas portuguesas e uma brigada espanhola,
52
operava pela Beira sobre Abrantes; ao centro o general
Bernardim Freire ocupava Coimbra com 8000 homens; ao
sul o general Leite, fazendo junção com as tropas do
Algarve, ameaçava Lisboa operando entre Évora e
Setúbal.
Foi só neste momento que a divisão Wellesley,
composta de 9000 homens, desembarcou em Lavos,
juntando-se às forças de Bernardim Freire, que em vão
quis convencer o general inglês a internar-se, de forma a
obrigar os franceses a concentrar-se em Lisboa.
Wellesley, porém, sempre prudente e cauto, não
quis afastar-se da costa, onde tinha o apoio da esquadra e
por isso decidia-se marchar sobre Leiria, indo Bernardim
mais pelo interior para proteger as forças de um ataque
pelo flanco esquerdo que se supunha ameaçado pela
divisão de Loison.
Encontraram-se em Leiria, que Bernardim ocupou,
continuando Wellesley, auxiliado com 2600 homens das
Forças de Bernardim, a marcha sobre Alcobaça, que
Delaborde lhe abandonou, recuando sobre a linha de
alturas da Roliça, onde contava deter a marcha das forças
aliadas.
Foi em 17 de Agosto de 1808 que as vanguardas
dos dois exércitos inimigos chegaram ao contacto, dando-
53
se o combate da Roliça, em que os franceses foram
derrotados, perdendo 600 homens e 3 peças de artilharia.
Já neste momento Junot, a quem se juntara
Loison, avançava sobre Torres Vedras onde se
encontrava com Delaborde.
Wellesley continuava marchando sempre à vista da
costa, no intuito agora de proteger o desembarque de
novas forças, que se efectuou em Porto Novo, acampando
no Vimieiro onde Junot se decidiu a atacá-lo.
O encontro deu-se em 21, empenhando-se nele
todas as forças de Junot que em 2 horas perdia 2000
homens e 13 canhões.
Vencido, retirando-se em desordem sobre Torres, o
seu total destroço seria seguro se Wellesley o
perseguisse, mas este deixou-o ir tranquilamente e
tranquilamente pedir o armistício a que se seguiu a
convenção de Sintra, em que a Inglaterra se entendia com
a França, por intermédio dos seus generais, sem que o
exército português e a nação fossem ouvidos.
Essa convenção é a vergonha da nação inglesa.
Por ela se permitiu aos franceses saírem
livremente do país com armas e munições e com o
produto das extorsões e roubos que nos tinham feito.

54
Os ingleses faziam o seu jogo, sem se importarem
connosco, libertando-se de um inimigo perigoso, sem
atenção pelos nossos interesses, que deviam defender,
abandonando-lhes, além do que levavam, as tropas da
divisão portuguesa ao serviço de Napoleão, cuja
repatriação podiam e deviam ter exigido.
Ficavam assim mais desembaraçados para a
ocupação do país que iam empobrecendo e arruinando
com o seu exército permanente de 60000 homens.
E foram barcos ingleses que transportaram a
França Junot e as suas tropas!
Bem razão tem pois, Byron, quando exclama diante
do célebre palácio de Seteais em que foi assinado o
vergonhoso diploma:
Este é o solar em que se congregaram os chefes.
Oh! mansão ingrata aos olhos dum inglês! Ali mora um
espírito ruim que está a zombar perpetuamente. Coroado
com o barrete da loucura e envolto em pergaminho, traz
pendente ao lado um selo e um rolo negro de papel em
que refulgem nomes famosos nos anais da cavalaria e
que adornam também várias assinaturas, para as quais
aponta e ri, a bom rir, o maldito!
Convenção é o nome desse anão do inferno que
teve artes para os imbuir no palácio dos Marialvas; e
55
pondo-lhes os miolos a arder (se é que miolos tinham),
mudou em longo dó a vanglória de uma nação. A loucura
pisou aqui aos pés o penacho do vencedor, e a política
reconquistou o que perdera a espada! Que louros pode
haver para generais como os nossos?... Ai do vencedor,
não do vencido, desde que o triunfo, colhido por engano,
esmorece nas praias lusitanas!
E sempre, desde que se reuniu esse sínodo
marcial, a Inglaterra empalidece ao proferir-se o teu nome,
ó Sintra! Vexam-se de o ouvir os homens do poder, e,
corridos de vergonha, corariam, se podessem!... Que juízo
formará deste facto a posteridade! Como a nossa nação e
os nossos aliados não hão-de escarnecer estes capitães
defraudados da sua glória por inimigos a quem tinham
derrotado na peleja, mas que triunfaram aqui, para onde
fica o desprezo a apontar com o dedo por essas eras
além?
Reminiscências Amargas17
Calcando nosso torrão,
Em redor dessa memória,
Tende de nós compaixão
Não desperteis à História.

56
Naquele austero granito
Nosso coração ergueu
Um eterno e forte grito
E aos mártires troféu.

Esse largo solitário,


Em ladeira descarnada,
Já foi horrendo calvário
De uma geração passada!

Passai povo, passai nobres;


Mas passai devagarinho,
Por que é sangue dos pobres
Que vos tapeta o caminho…

Dai-nos força e paz.


Senhor. Coragem já sobra em nós,
Para mostrar nosso fervor
E honrar nossos avós.

57
A propósito das invasões francesas18
Poucos acontecimentos da história portuguesa
impressionaram a alma do nosso povo tão intensa o
profundamente como as invasões francesas.
Quase todas as terras de Portugal têm desse
tempo uma recordação de dor ou de orgulho, quase todas
contam na sua história dessa época: um morticínio, um
saque, uma escaramuça, uma guerrilha que se bateu, uma
batalha que se feriu...
As invasões francesas foram, na verdade, uma
dolorosa lição que nos fez sofrer amargamente, mas que
nos estimulou a reagir, contra a depressão moral e
intelectual, em que tínhamos caído.
A primeira invasão encontrara um país desarmado,
sem energia, sem direcção, sem dignidade para lhe
resistir.
O mal já vinha de longe.
"O antigo aferro à terra natal, o ódio ao jugo
estranho, o nobre e altivo carácter de homens livres, o
esforço indomável, deixámos tudo isso, diz Herculano,
pelos palmares da Índia, pelas minas auríferas da terra de
Santa Cruz, pelos empórios do nosso ilimitado comércio”.
Depois a longa educação jesuítica de mais de dois
séculos, tinha-nos quebrado a autonomia de pensamento,
58
a iniciativa da vontade, o amor da independência, e impri-
mira ao carácter nacional o estigma do servilismo, da obe-
diência passiva e humilhante.
Fazei o que o superior disser, às cegas e, sem
mais inquirir, procedei... buscai sempre razões para
defender o que o superior ordena, recomendava Loiola em
carta aos Jesuítas Portugueses.
Era a obediência, perinde ac cadaver, que
estrangulava na inteligência a liberdade de pensar, que
mutilava no carácter, a dignidade, a audácia, a
independência da vontade.
Toda a sociedade portuguesa em que o jesuíta de
alto a baixo, do paço à plebe, dominava como mestre,
como educador, como director espiritual, estava
fundamente inquinada destes princípios retrógrados e
dissolventes.
A acção grandiosa do Marquez de Pombal fora
pouco duradoura e demasiado prepotente, para os
aniquilar.
Portugal era um país de frades e de beatos, de de-
sembargadores e de peraltas, de parasitas e de mendigos.
O clero dirigia, fanatizava e explorava a nação;
anos depois, dele dizia ainda Mousinho da Silveira que, no
reino e nas ilhas absorvia mais rendimento do que o do
59
Estado e o privava de dois terços da sua faculdade
contribuinte... buscando o seu ponto de apoio no céu para
devorar a terra.
Nos salões da alta sociedade, a juventude
elegante, peraltas, bandarras ou faceiras namorava,
mexericava, dizia mal do país, afectando um desprezo
superior por tudo o que fosse patriotismo, costumes ou
tradições nacionais.
E sobre os negócios graves da administração
pública, sobre a decisão laboriosa dos pleitos judiciais,
pairava a figura hirta e balofa, pretensiosa e ignorante do
desembargador; do desembargador, personificação da
nulidade intelectual, aparatosa e inepta de uma sociedade
decadente; do desembargador escravo dócil e fiel satélite
do poder, de quem dizia o desgraçado Gomes Freire, que
preferia o exílio a cair-lhe nas garras impiedosas; do
desembargador que assinou a sentença que condenou os
Távoras e depois voltou a assinar aquela que os reabilitou,
que lisonjeou o Marquês de Pombal poderoso e o torturou
e perseguiu na desgraça, que sem provas, sem defesa,
contra a própria consciência condenou à morte infame: o
valente e honrado Gomes Freire que tanta razão tinha
para temer a sua iniquidade e o seu servilismo.

60
Mas o sintoma claro da baixeza social a que
descêramos era: a mendicidade, o parasitismo que corroía
toda a sociedade: mendigava-se nas Repartições do
Estado e pelas ruas, às portarias dos conventos e nas
ante câmaras do paço; e em todos existia o mesmo
sentimento inferior de se abdicar do próprio esforço, de
rojar dignidade e independência aos pés dos poderosos.
É magistral a descrição com que o inglês Becktord
nos pinta a entrada, em uma recepção no Paço, do muito
poderoso confessor da Rainha, arcebispo de Tessalónica:
todos ajoelhavam à sua passagem, um grande número
entregando petições e memoriais, pedinchando
promoções o empregos, outros os raros, menos exigentes,
pedindo apenas bênçãos...
O povo, sem dirigentes, abandonado a si próprio,
habituado e ensinado a resignar-se e a humilhar-se, era
profundamente inculto e ignorante. No tempo de Beresford
em cada dois mil recrutas, diz Oliveira Martins, só às
vezes dois sabiam ler!
O esforço do Marquês de Pombal em favor da ins-
trução popular não fora continuado e de 1790 a 1820, em
trinta anos, criavam-se apenas 21 escolas para o povo!
A instrução, a emancipação intelectual era temida,
porque podia conduzir à rebelião. Vivia-se numa atmosfera
61
opressiva e asfixiante de intolerância - Pina Manique, que
aliás tinha altas qualidades de administrador, isolava Por-
tugal da Europa culta, perseguia aqueles que, ainda que
só pelo trajar, se lhe afigurassem liberais ou pedreiros
livres, e obrigava as inteligências mais lúcidas e mais
audazes como: Francisco Manuel do Nascimento, Correia
da Serra e Avelar Brotero, a procurar no exílio a tolerância
e a tranquilidade que o seu país lhes negava.
Foi esta sociedade que os franceses encontraram
ao invadir Portugal: dirigentes sem carácter, sem firmeza,
sem patriotismo e um povo inerte, apático e ignorante.
O rei, digno herdeiro de reis que, como diz Oliveira
Martins, jamais souberam viver nem morrer, fugira, aban-
donara o seu povo, levando-lhe ainda num requinte gros-
seiro de egoísmo quase toda a esquadra, parte do
exército e todo o dinheiro do tesouro que a sua avareza
sórdida, pode juntar, deixando de pagar o soldo em atraso
ao exército, os ordenados aos empregados públicos, os
salários aos seus criados.
E numa manifestação suprema de indignidade, que
seria uma exibição pedante de cinismo se não fosse
apenas uma saloia esperteza da sua covardia, o rei
fugitivo ordenou ao seu povo que se recebessem como
amigos os invasores, que vinham para retalhar e dividir a
62
Pátria e distribuí-la como um bodo, pelos protegidos de
Bonaparte!
E o povo mais uma vez obedeceu, perinde ac
cadaver, humilhado, inerte, resignado.
Mas pouco a pouco começou a ver, a sentir as
afrontas e os vexames do estrangeiro. Quando Junot em
Lisboa mandava arriar a bandeira de Portugal para a
substituir pela francesa, o povo da capital protestava em
gritos de desespero que só as descargas dos soldados
fizeram emudecer. O povo acordava, a voz brutal do
sofrimento fazia-o despertar da catalepsia em que uma
educação nefasta o mergulhara - quanto mais sofria,
quanto mais era perseguido e vexado, mais ardente se
tornava o seu desejo de se emancipar e de expulsar os
invasores.
Pouco a pouco a revolta, que estalou no Porto,
comunicou-se ao país inteiro. O povo indisciplinado,
ignorante, brutal, sem comando, sem direcção, sem
unidade, era vencido, mas lutava sempre com a cegueira
e a tenacidade do desespero.
Às atrocidades do invasor respondia com a sua vin-
gança, com o seu ódio numa explosão brutal de cólera
selvagem.

63
A sexta parte do exército de Loison, mandada para
sufocar a rebelião popular, diz Pinheiro Chagas, ficou es-
tendida nas agruras da Beira, vítima da defesa desespe-
rada dos montanheses.
Com a cooperação dos ingleses foi expulso Junot e
quando veio a segunda invasão, já não encontrou o povo
na mesma abatida e humilhante resignação.
Por todo o norte se levantaram aldeias e cidades
na mesma anciã heróica e desvairada de lutar pela defesa
das suas terras e pela honra da sua Pátria.
Por toda a parte o ódio ao invasor estalava com
violência, e como encontrava um campo aberto na alma
desordenada de um povo fanatizado, inculto, habituado a
um automatismo servil, e por isso à mercê de qualquer
instigador sem escrúpulos, quase sempre prejudicava a
própria defesa.
Por vezes também a sua cegueira desvairada
levava não à luta heróica o leal, mas ao crime traiçoeiro e
repugnante, mais repugnante ainda quando vitimava os
próprios defensores da pátria, como o generoso e valente
Bernardim Freire, desobedecido, insultado, assassinado
pela plebe indisciplinada e fanática.

64
Mas o povo português não perdera o seu antigo
heroísmo cavalheiresco, faltava-lhe apenas educação
militar, direcção, disciplina.
E logo que encontrou em Beresford um
disciplinador de ferro e em Wellington um comandante
cuidadoso e sensato, o soldado português bateu-se com
brio, enérgico e valente, com a resistência e a tenacidade
do inglês e mais do que ele, com a audácia brilhante e
heróica dos meridionais.
Como em tantas outras terras, na minha aldeia tão
cheia de paz e de suave tranquilidade na verdura clara
dos seus campos e na solenidade severa dos seus pinhei-
rais sombrios, o ódio ao invasor que calcava e oprimia o
terreno sagrado da Pátria degenerou, para alguns em
fanatismo exagerado e inútil.
Foi assassinado numa espera, de emboscada, um
oficial francês do comando de Soult.
Como tantas outras terras, Arrifana pagou com os
haveres e o sangue inocente dos seus habitantes a exalta-
ção criminosa de um momento.
Possa ao menos a recordação dessas horas
sinistras de desgraça dar-nos sempre a nós os filhos desta
terra, um exaltado amor pela independência e pela

65
integridade da Pátria e a audácia para nos batermos por
ela, como os bons e antigos Portugueses
Em memória19
Ao ex.mo Sr. General João Carlos da Costa
Rodrigues
Digníssimo Presidente da Comissão Oficial
executiva do centenário da Guerra Peninsular
Para ser recitado pelo aluno da escola primária
oficial de Arrifana, Ramiro Leite Soares de Resende:
Mil oitocentos e nove, ano fatal,
De fundas amarguras assinalado,
O pátrio solo do nosso Portugal,
Nos horrores de uma guerra devastado

Tu não ouves o canhão além troar,


A voz sinistra, tremenda de pavor?!
E da bala homicida o sibilar,
Semeando a morte, o luto, a dor?!

Escutai... a pátria também a soluçar


Na ânsia de partir o jugo do grilhão,
Que no pulso português quer apertar,
O tão audaz vencedor, Napoleão!
A nódoa vil da desonra quer lavar
66
E sacudir o domínio do francês,
Que a terra portuguesa, povo sem par,
Traidores teve também alguma vez!

Dezassete de Abril, o mês das flores,


Nefasto dia de amargura tanta,
No céu rutila luz, aqui só dores,
Lamentos só, e a primavera canta.
Desponta além a doce madrugada,
nos vergéis, alegre a passarada a rir...
Clarim retine perto em alvorada!
Jesus! São os franceses! fugir!... fugir!...

E corre o povo louco em desatino,


Abandonando tudo, os filhos pela mão;
Mas quem pôde fugir ao seu destino?!
Oh! Suprema dor, suprema aflição!...

A clavina espreita no valado,


Reluz além a ponta de uma espada,
do soldado francês tão odiado
por toda a parte a mancha de uma farda!

67
E o povo inerme, exangue, angustiado,
Impotente e sem forças para lutar,
Com bruteza cruel é manietado,
e as culpas que são de outros, vai pagar.

Depois... roubo, incêndio, latrocínio,


A soldadesca infrene a escarnecer,
Sanguinário remate, o assassínio,
Tantos inocentes vão ali morrer!

Mostrar não vimos lágrimas sentidas,


Nos lábios ais e queixas doloridas;
Alegres como Abril, nossos corações
Soltam, como aves, joviais canções.

Dos mártires, porém, nós descendemos.


Por memória sua, por seu respeito,
Em romagem pia, hoje trazemos
Uma saudade, todo o nosso preito.

68
Lembrando o passado20
O coração português bate sempre alegre quando
se lembra da valentia que nasceu no peito de tantos
heróis e da lealdade que rebentou de tantos peitos; pulsa
sempre alvoroçado ao contemplar as estrelas auriluzentes
que tem fulgido nos céus de Portugal, estremece sempre
de regozijo diante das perspectivas risonhas, das
situações felizes, das cenas ditosas e belas que realçam
as venturas do estado.
Os nossos maiores, embalados pelo marulhar doce
das ondas neste torrão querido, indomáveis e valentes em
seu génio, destemidos e audazes em seus projectos,
atravessaram sempre com a lança em riste e os brios no
peito, por mares grossos e temporais desfeitos, ao fumo
requeimante das batalhas e ao troar dos canhões, esses
períodos afortunados em que a mão da história, em
páginas de ouro, tem gravado as louçanias desta nação
bem fadada. Como eu te amo, ó Portugal querido! Que tão
formoso és na fertilidade do teu solo e na verdura e
relvado de teus prados, no pitoresco dos teus montes e na
limpidez dos teus rios que silenciosamente se
espreguiçam por entre salgueirais, murmurando saudosas
endechas, carpindo saudades infindas!

69
Que belo não és, quando te contemplo, qual fada
do contos de mouros, cingido pelo cinto azul de teus
mares, jardim belo entre os mais lindos jardins da Europa!
Que prazer eu sinto ao recordar-me que tu, ancião
respeitável, abraçando a África, e reclinando a cabeça nas
montanhas da Ásia, escrevestes, aos botes gloriosos da
tua espada, as leis a todo o mundo, pacificaste
dissensões, quebrastes ceptros, mudastes dinastias,
semeastes coroas, recebestes homenagens profundas!
Bem diz o poeta:
E se mais mundo houvera, lá chegara.
Tendo por berço um campo de batalha, abatendo
as águias de Roma e prostrando o estandarte do profeta,
sacudindo o jugo de vizinhos poderosos e castigando
rivalidades insofríveis, Portugal, vendo os seus brasões de
glória prestes a serem conspurcados, num esforço
alevantado de gigante, despedaça as gargalheiras com
que as águias francesas queriam algemá-lo e com os
pulsos ainda arroxeados, brandindo o gládio da vingança
e da desforra, impele-as a esconder-se envergonhadas
nas grutas penhascosas dos Pirenéus.
"Com um punhado de portugueses conquistaria o
mundo inteiro”, dizia Napoleão. É que os duzentos mil
homens escolhidos que vieram à conquista deste reino,
70
foram vergonhosamente batidos no Buçaco, onde o brilho
coruscante da estrela de Napoleão se dissipou, para mais
tarde extinguir-se por completo na planície de Waterloo.
Triste é a herança das suas atrocidades,
arrepiadora a memória dos seus actos. Ao saque juntava-
se a violação e o extermínio. Para exemplo, a história
recolheu nas suas páginas este nome - Arrifana. Oriundo
do árabe, quer dizer, - horta, pomar. E na verdade, que é
senão um pomar, um gracioso jardim, este burgo
silencioso e morigerado de Arrifana? Que linda não é a
minha aldeia vista ao abrir de uma manhã de Primavera! -
Clareia. A bruma algodoa a terra, flutuando com um lento
ondular, fluindo em frouxeis alvíssimos, esgarçando-se em
fumo ténue. Ouve-se o lentejo lacrimoso das folhas
orvalhadas.
Num beijo casto vem o sol oscular as trepadeiras,
as madressilvas e as roseiras que abraçam as fachadas
branqueadas das vivendas.
As aves galreiam festivamente o canto da
madrugada, aliando docemente as asas no silêncio tépido
da manhã.
De entre todos os seus edifícios avulta a Igreja
matriz, gigante impávido que tem assistido ao desdobrar

71
dos anos, belo pela sua imponente construção em
simplicidade e pela alta importância histórica.
Do cemitério que confina com a estrada nacional
do Porto a Lisboa, conduz uma vereda relvosa, ladeada
de castanheiros da índia, austrálias, sobreiros, e outras
árvores e arbustos que ensombram a convidativa álea.
Perto do cemitério entrevedes um chafariz,
rodeado de bancos de pedra, onde à hora do crepúsculo o
sonhador melancólico pode desferir as cordas do alaúde
amigo, enquanto a fada dos seus sonhos, de cantarinha à
cabeça e vestes arrepanhadas, reflecte a sua imagem de
virgem na superfície serena e espalhenta das águas do
tanque. Um lento definir de água rasteja por entre pedras
e vai juntar-se a outras vertentes que no seu tento
caminhar beijam os vales alfombrados e frescos de tanta
beleza. No âmago da feira baixa, importante mercado no
dia 4 de cada mês, um pavilhão de sobreiros cujos troncos
a mão do tempo torneou e retorceu em caprichosos feitios,
espalham benéfica sombra nos dias calmosos de verão,
vendo-se onde a onde o tronco de alguns já messados.
De entre todo esse rendilhado de verdura
sobrepuja a Igreja matriz que tem assistido à derrocada
dos séculos, que o camartelo dos tempos não tem podido
diluir, e que tem visto passar por sobre o seu dorso
72
colossal a morte, com a foice de lúgubre ceifeira e a
clepsidra fatal, para arrecadar uma vida a que nos prende
a afeição. Bafejada pela aragem marítima, situada em
elevada eminência, Arrifana tem uma escola para os dois
sexos com residência para professor, legado de um
benemérito da terra. Aqui existe também a capela
histórica, denominada capela de Nossa Senhora do Ó,
visitada pela rainha Santa Mafalda, na sua viagem para
Arouca, em cujo extinto convento é venerada. D. Manuel I
mostrou sempre uma grande predilecção pelo concelho da
Feira: e assim é que no foral elaborado em Lisboa aos 10
de Fevereiro de 1514 além das 76 terras abrangidas nos
privilégios e garantias desse foral, e cujos nomes se
podem ler no arquivo da história pátria - O domingo
Ilustrado - incluiu também o burgo de Arrifana. João Pedro
Ribeiro referindo-se a Arrifana nas suas dissertações
cronológicas, apresenta-a como cidade e coeva da
fundação da monarquia nos séculos XI e XII.
Bosquejada Arrifana na parte respeitante ao seu
aspecto e importância material, historiemo-la nos seus
infortúnios.
Corria o ano de 1809. Na manhã de 17 de Abril, o
céu, dum azul transparente, ia-se aos poucos iluminando.

73
Os montes, eriçados de matos, resplandeciam
envoltos num véu de ouro As casas abriam-se; os homens
ainda estremunhados, bocejando, apunham os bois ao
carro, rinchando, ao passo moroso dos animais, seguido
pelo mazarro pastor que guiava o seu plácido rebanho. Os
pombos, em revoada arrulhante, passavam rápidos com
leve esfrolar de asas, rompendo o fumo que por entre a
palha das choças se estiava no azul casto. E o pobre
lavrador, disposto novamente a ir mourejar nos campos,
vê-se cercado por rostos tisnados, o seu peito forte
ameaçado pelas pontas aceleradas das baionetas.
A porta da Igreja rodava nos gonzos, patenteando
aos fiéis entrada franca.
Era a pira do martírio para muitos, o pedestal que
havia de receber os corpos dos mártires inocentes, para
um século mais tarde, numa apoteose de saudade
sentida, aureolar a sua memória com a palma do triunfo.
O ministro de uma religião de Amor e Paz dava
começo ao grande Sacrifício. Os reverbéros dos lumes
que ardiam no altar, iriavam os cristais das Jarras,
osculando num beijo ardente a hóstia que nesse momento
o sacerdote mostrava aos fiéis. O sino, que até agora
parecia modular uma endecha sentida, que lhe
assemelhava à voz de um ente caro vindo lá das regiões
74
do ignoto, a convidar as almas dos vivos a retemperar-se
nas águas puras da religião principia a bimbalhar em
repique de alarme. Não há tempo para procurar saber a
causa. Ouve-se o grito: "franceses na aldeia”…E a abafar
este grito da angústia, um turbilhão de soldados e
prisioneiros invade o templo. Aqueles, de espadas
desembainhadas, com um sorriso de diabólica vingança
desenhando-se nas comissuras dos lábios, rostos
prazenteiros na ânsia da carnificina e do saque,
amontoando para um canto como vil rebanho os presos
algemados, infligem-lhes os piores tratos, ultrajam-nos,
chasqueiam da sua indefesa, acoimam-os com
impropérios desbragados. Nada respeitam. O grito da
inocência não penetra nas suas almas caliginosas e
assassinas. O choro das mães e o respeito à velhice não
existem no seu credo. Calcam tudo: a inocência, o
respeito, a honra.
Todos os homens válidos de quinze anos em
diante, depois de quintados caem às balas homicidas.
Por fim lançam o incêndio dos edifícios, reduzem
Arrifana a cinzas. A própria natureza parecia associar-se a
esta sinfonia infernal. O disco solar baixava tocando a
linha do horizonte, esmaecendo a luz. Livôres de
relâmpagos cruzavam as nuvens, enquanto o trovão
75
ribombava em repercussão profunda. Bátegas de água
fustigavam as folhas das árvores, ao passo que o vento
esfuziava ateando chamas crepitantes. Ao deflagrar dos
relâmpagos o quadro emergia tétrico, desolador. E
abrangendo tudo isto como um dobre de finados, ouvia-se
o chirriar da coruja e o trinar do mocho, que nos seus
nichos, no alto da torre, choravam a morte de uma aldeia e
chasqueavam da fúria dos elementos.
Eu te saúdo, ó monumento querido, glória que
atesta os pergaminhos de uma freguesia nobre!
À semelhança do rochedo Espartano, tu podes
clamar também bem alto:
Viageiro! Vai dizer à França que nós morremos
aqui em obediência às leis da nossa Pátria!
Vai dizer à França que as cinzas dos mártires
inocentes se enchem hoje de calor e vida para apregoar
num clamor uníssono e retumbante, que é mais um acto
de selvagismo, uma nódoa infamante a empanar-lho o
brilho das suas glórias. Vai dizer-lhe que sou um livro de
granito que cantará sempre as glórias lusitanas, que em
cada uma das minhas pedras reconto o desespero de
valor e sacrifício de uma ideia, a salvaguarda de uma
honra, a inocência de um martírio, o grito de uma
iniquidade, o opróbrio de uma vingança.
76
Mães portuguesas: quando vos debruçardes sobre
o berço que acalenta o penhor do vosso afecto, quando
osculardes a fronte de vossos filhos com um beijo terno e
carinhoso que só as mães sabem dar; quando ao
vasquejar a luz do sol poente, os aconchegais ao vosso
colo, adormecendo-os ao murmúrio suave das canções
populares que tão belamente traduzem o sentir poético da
alma nacional; e quando eles já estão mais desenvolvidos,
os pondes em pé nos seus berços, e levantando-lhes as
mãozinhas lhes ensinais a pedir por todos e pela Pátria -
ah! Lembrai-vos, mães, que essa vergonha da haste da
vida que com tanto desvelo amparais, tem de ser um dia
cidadão prestimoso à sua Pátria. E quando eles mais tarde
envergarem a toga de cidadão, quando cingirem a espada
de guerreiro, dizei-lhe como essa figura admirável da
nossa história, D. Filipa de Vilhena:
«Tomai esta espada, filhos, e não vos sirvais dela
senão para defender a Pátria, a Liberdade, à
independência de Portugal».
Amemos todos a nossa querida aldeia.
Comunguemos com a mesma unção religiosa o frio e
pálido crepúsculo, quando esfumado em brumas,
baixando na tristeza da tarde silenciosa, envolve em sou
manto a nossa freguesia.
77
Vede os campos, à hora cálida em que as folhas
dormem, da farta seara, onde moças frescas juntam
gavelas, enquanto os homens vão ceifando, assustando
as cotovias dos seus ninhos, escutando o ritmo
cadenciado das águas levadias, fluindo pelos canais de
rega e as vozes soturnas dos bois soltos, errando no
campo restolhado?
Quando o luar, essa túnica diáfana lançada sobre a
terra, a lâmpada que o sol acende na sua partida, vier
pratear o cômoro piedoso da nossa sepultura, que as
nossas cinzas, como as de esses mártires, se encham do
calor e vida para exclamar:
"Fui ditoso em nascer nesta aldeia bem fadada:
sou feliz por minhas relíquias serem guardadas em seu
seio. Através da terra fria, nós, almas de mártires de uma
vindicta nefanda, lançamos este pregão que os nossos
irmãos vivos, ao ouvir, hão-de acompanhar: Eu te saúdo,
Arrifana, ditosa terra, minha amada, salvé, ó Portugal,
minha Pátria querida.

78
Recordação - À memória de Américo de
Resende21
Um monumento... livro cujas páginas sem letras fo-
lheamos com interesse, lendo avidamente frases pal-
pitantes de vida, que sentimos latejar junto de nós, em-
bora pronunciadas lá muito ao longe, muito!...
Quer paremos atónitos ante os gigantes tumulares
egípcios, cuja origem se esbate nas brumas de um
passado quase misterioso; nos assombremos olhando os
colossos de arte da hora presente; alonguemos nosso
pensamento para o horizonte infindável da ciência; ou nos
deleitemos mirando linhas e traços geniais; quantos
nomes soletramos! Quantas datas! Algo falta, porém,
vezes muitas - a ideia - espiritual emanação que teve um
invólucro, invólucro que se chamou homem, homem que
teve um nome, e esse nome falta,... o primeiro.
Aqui não falta; eis a ideia, Américo de Resende; e
essas letras, esse nome, ficarão profundamente vincados
na primeira página em branco daquele livro de granito,
com a inapagável e sempre rediviva tinta, que é a suave e
amorosa união de duas cores tão doces – Gratidão, Sau-
dade!

79
Américo de Resende22
Foi o autor destas linhas íntimo amigo de Américo
de Resende.
Injustiça fora, pois, que ao surgir o tristíssimo acon-
tecimento que para sempre o arrebatou ao seu convívio
privando a querida e linda Arrifana, nosso berço comum,
de continuar a receber os benefícios que Américo de
Resende tão generosamente lhe prestou sempre, não
fosse o primeiro a dar vulto à ideia de, por algum modo, se
perpetuar a memória daquele que, na sua curta jornada
pelo mundo, com tantos e tão relevantes serviços
engrandeceu a terra que o viu nascer.
Ao iniciador desta subscrição, foi espontaneamente
oferecida por um amigo que também conheceu Américo
de Resende e os seus serviços, uma quantia,
relativamente avultada, para que, junta com outras, se
possa marcar, de maneira duradoura, ainda que sem
pompa o nome honrado do querido extinto.
Perdoem, pois, Srs. e amigos, eu ter de apelar para
a vossa generosidade e sacrifício, a fim de levar a cabo a
obra de gratidão que me impus.
E assim, com este pequeno esforço, mostraremos,
ainda que modestamente, que a amizade que nos ligou
em vida, se transformou em respeito pela sua memória.
80
De pessoa amiga, 30$000; Adão Rodrigues,
5$000; José Tristão de Souza Leal, 500; D. Rosina Aguiar,
5$000;Alfredo Rebelo Valente, 2$500;José de Figueiredo,
3$000; Alfredo Gomes de Pinho, 1$500;José de Rezende
Lima, 1$000; D. R. A., 1$000;José T. de Souza, 1$000;
Francisco Gomes de Pinho, 1$500;Deolinda Gomes de
Pinho, 1$500;Gracinda Gomes de Pinho, 1$000;
Margarida Gomes de Pinho,500; Conde de Campo Belo,
5$000; Augusto de Souza Ribeiro da Fonte, 1$500;
Menina Bertha Chambers de Souza, 1$000; M.J.C.(D.),
500; Francisco José Pinto de M. Tavares, 500; António
José Torquato Pereira, 2$000;João Ferreira, 2$500;
Viscondessa de Bettencourt, 1$000; Ana Margarida
Torquato, 1$000;Conde de S. Tiago de Lobão, 10$000;
P.e Manoel d Oliveira Costa, 2$000; Arnaldo A. P. de
Miranda, 1$500;Ricardo Garcia e Gomez, 5$000; Dr. José
Beleza dos Santos, 1$500; Dr. Crispim T. Borges de
Castro, 5$000; Joaquim Alves Moreira, 10$000; João
Alves Moreira, 10$000; Bernardo Alves Moreira, 5$000;
José António de Pinho, 5$000; Manoel Antonio de Pinho,
5$000; Manoel José de Pinho, 5$000; António José Pinto
de Oliveira, 5$000; Dr. Eduardo Vaz Oliveira, 5$000;
Ramiro de Magalhães, 10$000; José Soares de Sá,
1$000, D. Fernando Tavares e Távora, 2$000; Dr. António
81
Toscano Júnior, 2$000; Manoel Maria Corrêa de Sá,
2$000; Joaquim Pinto de Araujo, 1$000; Antonio
Bernardo Coimbra, 2$000; Domingos Augusto de Souza,
1$000; Benjamim Gama de Andrade, 2$500; Antonio
Soares Vila Nova, 1$000; Hermenegildo Corrêa de Sá,
3$000; Dr. Gaspar Alves Moreira, 5$000; Alfredo Maria da
Costa, 1$500;Dr. Victorino de Sá, 2$000; Dr. João de
Magalhães, 2$000; Alcides Machado, 1$500; Aquiles José
Gonçalves, 1$500; Comendador Luiz Canedo, 10$000;
Alvaro Lambertini de Magalhães, 2$000; Alfredo Nunes de
Matos, 1$000; José Tasso de Souza Lima, 2$000; José
Henrique Bastos, 2$000; Arthur Alves de Amorim, 1$500;
Antonio Caetano d'Oliveira, 3$000; Antonio Joaquim
Alberto d'Almeida, 10$000; Dr. Elísio de Castro, 5$000;
P.e Crispim G. Leite, 1$000.
N. R.23 - Temos conhecimento de que com o
produto desta subscrição, que representa uma indelével
gratidão do seu autor e de quantos o coadjuvaram pelo
amigo querido que a morte tão cedo arrebatou, será
estabelecido um prémio com o nome do Américo de
Resende na escola masculina de Arrifana.
Serão também colocadas duas lapides com o
nome do mesmo chorado morto, em uma rua daquela

82
terra que lhe foi berço e á qual tanto se dedicou tendo-lhe
prestado importantes serviços.
Ficará assim perpetuada a memória do infeliz
amigo.

83
Capítulo II Centenário da Guerra Peninsular –
Monumento na Arrifana24

Dos quadros trágicos que a invasão napoleónica


deixou memoráveis, em terras portuguesas, vincados a
traços de sangue e de terror, nota-se aquele que teve por
cenário, uma das mais lindas povoações do Douro,
Arrifana de Santa Maria.
Na segunda invasão de 1809, Soult com o seu
exército havia-se apoderado da cidade do Porto, enquanto
o general Franceschi com a sua cavalaria varria as
povoações e campos entre o Douro e o Vouga, levando o
terror e a morte a povos inermes e desalentados por
verem suas casas e terras devastadas.
Nas ruas do Porto fora assassinado, no dia 29 de
Março de 1809, pela soldadesca francesa, o desem-
bargador da Relação daquela cidade, Domingos Manuel
Marques Soares, natural da Arrifana e tio de José Barbosa
da Cunha e Figueiroa Borges, também daquela povoação,
e que era pessoa muito considerada, depois feito tenente-
coronel de milícias, governador militar de Aveiro e
deputado às Cortes25.
Para vingar o assassinato do desembargador
Soares, aproveitou seu sobrinho o seguinte ensejo que se
lhe deparou:
84
Soult tinha por um dos seus ajudantes de campo, o
tenente-coronel Lameth, que uns dizem era seu sobrinho,
outros seu filho. Lameth fora incumbido de levar
despachos de Soult para Franceschi, e, constando na
Arrifana que ali próximo passaria um general francês, foi
José Soares e mais três companheiros emboscar-se num
louriçal da Deveza de Pereiro, freguesia de S. Tiago de
Riba-UI, próximo da ponte do ribeiro de Cavaleiros, e
assim ocultos desfecharam sobre o mal-aventurado oficial
logo que o colheram ao alcance das suas espingardas,
derrubando-o morto do cavalo em que montava.
A vingança desta morte não se fez esperar e foi tão
cruel, quanto terrível, pagando os justos pelos pecadores.
Ao amanhecer do dia 17 de Abril de 1809, a
Arrifana foi invadida por uma Força do exército francês,
sob o comando do general Thomières, o qual deixara
fama de sua ferocidade aquando da primeira invasão,
pelas opressões e vexame que exerceu sobre os povos de
Peniche, Alcobaça, Nazaré, S. Martinho, Colares, etc.
Thomières mandou aprisionar pelos seus soldados
a quantos homens podessem deitar a mão e mete-los na
igreja matriz, donde os obrigaram depois a sair pouco a
pouco, para os quintarem, isto é, de cada cinco homens
que safam, fuzilarem o quinto!
85
Isto se fez sem nenhum inquérito ou espécie de
processo, entre os clamores, suplicas e lágrimas das
mulheres e crianças da Arrifana, sendo certo que a
maioria dos executados eram inocentes.
Não está bem apurado o número das vítimas desta
feroz vingança, pois os livros de assentos da freguesia só
acusam a morte de 62 homens, naquele fatal dia, deixan-
do 32 viúvas; de quantos, porém, não seria a morte
registada nos ditos livros?...
O Sr. Marques Gomes refere, nos seus escritos
Centenário da Guerra Peninsular, o curioso caso de ter es-
capado à morte, no meio da confusão e do fumo da
pólvora, um homem chamado Nazário, o qual, deixando-
se cair para a frente sem que as balas o tivessem atingido,
se conservou assim, entre os cadáveres dos executados,
donde se levantou altas horas da noite e fugiu!
Este Nazário, filho de uma escrava do capitão João
António Gomes de Pinho, de Arrifana, contava então 26
anos e era ainda vivo em 1869.
Eis o trágico acontecimento ocorrido na Arrifana e
que a piedade de alguém fez reproduzir numa ingénua
pintura, em madeira a qual se conserva na Igreja da
Arrifana, dentro dum nicho com a sua caixa de esmolas

86
destinadas a missas por alma dos fuzilados, que em todos
os aniversários ali são rezadas.
Este quadro foi cuidadosamente restaurado, em
1910, pelo professor da Academia de Belas-Artes de
Lisboa e proficiente restaurador Sr. Luciano Freire, e
figurou na Exposição do Museu de Artilharia, donde
depois foi enviado para a junta de paróquia de Arrifana.
O belo e significativo obelisco que hoje se levanta
na Arrifana é devido à iniciativa da junta de paróquia desta
freguesia, que para o efeito abriu subscrição entre os seus
conterrâneos e pediu auxílio também à Comissão do
Centenário da Guerra Peninsular, que lho concedeu.
Um benemérito arrifanense se interessou viva-
mente pela erecção deste monumento; foi Américo de
Resende, presidente da comissão do monumento. A morte
prematura veio, porém, surpreendê-lo antes de o ver
concluído. Este lutuoso acontecimento atrasou os
trabalhos, até que o Sr. Saul Rebelo Valente, outro
arrifanense também muito dedicado à terra em que
nasceu e vice-presidente da Câmara Municipal da Feira,
assumiu a presidência da comissão e cooperou
activamente com a junta de paróquia para que o
monumento se concluísse e fosse inaugurado com toda a
solenidade.
87
A cerimónia da inauguração realizou-se no dia 19
de Abril, que foi de festa para a Arrifana onde concorreu
muita gente da Vila da Feira e outras povoações vizinhas,
autoridades do concelho, escolas da freguesia, fazendo-se
representar a Comissão do Centenário da Guerra
Peninsular pelo Sr. Dr. João de Magalhães.
Representando o Sr. Ministro da Guerra, com-
pareceu o Sr. Major José Pires, sendo a guarda de honra
feita por uma força do regimento 24 de infantaria. Algumas
bandas de música tornaram mais festivo o acto que
decorreu alegre e fica memorável naquele povo, que
assim glorificou a memória dos seus mártires.
O monumento singelo, mas elegante, ergueu-se na
praça denominada agora da Guerra Peninsular.
Na mesma praça foi armado um estrado, com
mesa para assinatura do auto de inauguração, e onde o
Sr. Saul Rebelo Valente pronunciou um patriótico discurso
à chegada do Sr. Major Pires representante do Sr. Ministro
da Guerra, o qual depois procedeu ao descerramento das
lápides comemorativas que se lêem no monumento e
pronunciou discurso apropriado, dirigindo-se às crianças
das escolas, que estavam presentes, com palavras de
incitamento a amarem a pátria.

88
Para solenizar a inauguração do monumento foi
editado, no Porto, pelo Sr. José Adão Rodrigues Pinhal,
um opúsculo, A Tradição, com várias ilustrações, artigos e
poesias muito apreciáveis, relativas ao facto que
comemora.

89
Capítulo III - Arrifana de Santa Maria26
O fio intérmino da vida transpõe mais uma fronteira
secular e o século XIX continua a contagem que se fixou
no advento cristão. Mal diriam os pacíficos arrifanenses a
terrível fatalidade que se avizinhava, e que, ceifando
muitas vidas preciosas no vigor da idade, aniquilaria
também parcos haveres amealhados pelo rude e
constante trabalho em longos anos e sucessivas
gerações.
A guerra, monstro destruidor apocalíptico, dila-
cerava a Europa em suas garras ferinas, e o nosso país
não escapou à deflagração, sendo invadido por exércitos
franceses.
Dessa invasão resultou para Arrifana o trágico
acontecimento de 17 de Abril de 1809, que o padrão
erguido na Praça da Guerra Peninsular comemora.
Tem sido descrito esse acontecimento em várias
publicações, com algumas variantes, que não alteram o
ponto principal - o sacrifício cruel de muitos inocentes.
Publicações que conheço, que o descreveram:
Dicionário Portugal Antigo e Moderno-vol. 1.°, pág.
238; Primeiro de Janeiro - 10 de Maio de 1903, artigo do
Visconde de Santa Maria de Arrifana; Comércio do Porto -

90
12 de Maio de 1909, artigo do Padre Francisco José
Patrício;
A Tradição - número único publicado no dia da
inauguração do monumento em 17 de Abril de 1914, artigo
de D. Fernando de Tavares e Távora; O Ocidente - n.º
1276 de 10 de Junho de 1914; Enciclopédia das Famílias
(Revista) - n.º 531 de Junho de 1914; Jornal da Europa -
de 2 de Novembro de 1925. Estes dois últimos são
firmados por mim.
O Sr. Marques Gomes, escrevendo sobre o
Centenário Peninsular, também se refere a este episódio
de Arrifana.
Estou convencido que foram esgotadas todas as
fontes de informação, mas, para que fique arquivada neste
meu trabalho, vou descrever mais uma vez, em traços
rápidos, a terrível fatalidade.
Sofria Portugal, pela segunda vez, o jugo usur-
pador de Napoleão I, cujo exército de invasão do comando
em chefe do Marechal Soult, Duque da Dalmácia, depois
de tentar em vão a passagem do rio Minho, tinha
atravessado a fronteira pela província de Trás-os-Montes,
seguindo em marcha mais ou menos dificultosa, vencendo
resistências de tropas pouco numerosas e porventura mal
organizadas e que o povo auxiliava o melhor que podia,
91
impulsionado pelo amor à pátria espezinhada. Percorridos
o Douro e Minho, chega o exército francês ao Porto, que é
tomado após dois dias de cerco e luta renhida, a 29 de
Março de 1809, data da tétrica memoria para a nobre
cidade, onde Soult estabelece o seu quartel-general.
Firmado o seu domínio, manda logo Soult forças de
cavalaria sobre a estrada para o sul, no intuito de
estabelecer comunicações na região entre Douro e Vouga
com núcleos bivacando em povoações mais importantes
como Oliveira de Azeméis e Albergaria.
Passava com despachos em Santiago de Riba-Ul
um oficial superior emissário do Marechal, e ali foi morto,
com outros militares da sua escolta, numa espera que lhe
fizeram indivíduos de Arrifana.
A represália crudelíssima chegou breve e Arrifana
foi cercada por tropas francesas, comandadas pelo feroz
general Thomières, na madrugada de 17 de Abril de 1809.
Muita gente foi trucidada e um grande número de
homens fuzilados em massa no campo da Buciqueira,
limites de S. João da Madeira, e incendiados os melhores
prédios da freguesia.
Durante muitos anos uma enorme apatia dominou
os infelizes arrifanenses, num luto que se não desvanecia,
num viver precário. Mas vieram para a vida novas
92
gerações que não tinham na retina o pavor das cenas de
tragédia, nos ouvidos o eco dolorido dos gritos de
angústia, e uma ânsia de renovação foi surgindo, indecisa
e lenta, que só nos primórdios do último quartel do século
passado se acentuou em justa aspiração de progresso.
Dei em largos traços os tópicos do trágico acon-
tecimento, mas referirei ainda circunstâncias e porme-
nores de muito interesse.
Lugar de ataque: - O Dr. António Correia Ferreira
Alves, de Santiago de Riba-UI, ilustre médico e delegado
de saúde, escreveu, em nota, que há anos
obsequiosamente me enviou: «passando num sítio
denominado a Quebrada, entre a ponte de Cavaleiros e o
lugar de Carcavelos, alguns oficiais foram atingidos por
balas saídas do arvoredo que marginava o caminho
naquele ponto, e deste modo assassinados por uma
guerrilha que mais tarde se descobriu não pertencer a
esta localidade, mas sim à de Arrifana. Neste ponto o
caminho que aqui chamamos estrada velha, cava-se em
profunda trincheira, o que certamente facilitou a tarefa dos
guerrilheiros. Os militares que escaparam desta em-
boscada desviaram-se do rumo que levavam e dirigiram-
se na direcção de oeste, onde, depois de atravessarem
uma ponte que ainda hoje existe e que certamente é a
93
mesma que presenciou este facto, foram ter à Casa da
Ribeira, do lugar do Salgueiros desta freguesia de S.
Tiago de Riba-UI e ali recolhidos e hospedados pelo P.e
Manuel Ribeiro, irmão de Antonio José Ribeiro, trisavô de
quem escreve estas linhas. Este facto teve como
consequência libertar-se esta freguesia do morticínio que
teve de sofrer Arrifana, por se provar, aí esforços do dito
P.e Manuel, que tinham sido pessoas dali que tinham
preparado a dita emboscada aos militares franceses.
Consta que alguns dos mortos no campo da Buciqueira
foram arrastados até ao lugar da Quebrada onde
estiveram expostos alguns dias. Ainda existem no lugar
restos de umas alminhas, e algumas pessoas recordam-se
também de lá existirem algumas cruzes comemorativas
daquele lúgubre acontecimento.»
Com referência ao nome e patente do oficial
comandante da força, que passou em S. Tiago e foi morto
na emboscada, encontra-se divergência no relato das
notícias citadas.
O visconde de Santa Maria de Arrifana escreve que
esse oficial se chamava Lameth e era sobrinho do
Marechal Soult; o P.e Patrício atribui-lhe o posto de
General e não lhe consigna parentesco com Soult.

94
Eu sou levado a crer que seria efectivamente
sobrinho do Marechal, e seu nome Lameth, como está
fixado na tradição. A violência da represália induz que à
indignação do chefe se juntava um sentimento particular
de revindita.
O Padre Patrício escreveu que a emboscada foi
praticada por guerrilheiros de S. João da Madeira e
Arrifana.
Esta notícia de guerrilha organizada não tem
fundamento seguro; no entanto este pormenor, que o
Padre Patrício algures colheria, aproxima-se um pouco da
verdade, como vamos ver, verificando-se também que o
oficial que foi morto era sobrinho de Soult e bem assim
que o instigador da espera em Santiago não foi José
Soares Barbosa da Cunha de Figueiroa Borges, como
escreveu D. Fernando de Távora, mas sim o seu parente
Bernardo.
Sobre isto escreveu o meu excelente amigo Dr.
António Augusto de Aguiar Cardoso, ilustre médico e
ilustre feirense, um interessante artigo no Correio da Feira
em Fevereiro de 1925 que fielmente transcrevo:
«Esclarecimentos sobre o episódio da Guerra Peninsular,
que determinou a conhecida tragédia de Arrifana. Colhem-
se estes esclarecimentos nuns autos de justificação
95
arquivados no cartório do 3.º ofício desta Comarca da
Feira, esclarecimentos que vêm corrigir a versão um tanto
errada que corria sobre aquele episódio. Numa publicação
promovida por um dos mais devotados bairristas de
Arrifana, o meu amigo Sr. J. Adão Rodrigues, publicação a
que ele deu a forma de um jornal, número único
denominado - A Tradição - com o intuito de comemorar o
centenário da histórica tragédia, que o elegante monu-
mento inaugurado pela mesma ocasião perpetua - nessa
publicação, vinha eu dizendo, lê-se um artigo do meu
ilustre amigo e patrício D. Fernando de Távora, em que se
atribui a José Soares Barbosa da Cunha de Figueiroa
Borges a autoria da emboscada feita ao oficial do exército
francês, que nela pereceu, determinando esse facto o
conhecido morticínio dos infelizes arrifanenses, para
vingar a morte do referido oficial. Ora nesses autos de
justificação verifica-se que não foi aquele o autor da
emboscada e da morte do oficial francês, mas sim
Bernardo António Soares Barbosa da Cunha, filho do
bacharel Fernando Marques Soares e natural de Arrifana.
Este Bernardo (bem decerto parente daquele José
Soares) é o próprio requerente da justificação que é feita
em Oliveira de Azeméis e casas de aposentadoria em
1817, isto é, oito anos depois do trágico sucesso daquela
96
freguesia. E como o documento em questão, além de
corrigir aquela inexactidão do artigo do Sr. D. Fernando de
Távora nos fornece outros esclarecimentos, merece bem
que dele se faça, ao menos um resumido extracto.
No seu requerimento, o justificante Bernardo
António Soares Barbosa da Cunha diz, que para certos
requerimentos precisa justificar o seguinte:
1.° - Que logo que o Marechal Soult com seu
exército invadiu a Galiza, assim como as províncias do
norte deste Reino em 1809, cuidou o suplicante de ajuntar
os mancebos do seu distrito e vizinhos, instruindo-os no
exercício e união, e animando os contra o próximo inimigo
com o maior valor e entusiasmo.
2.° - Que depois de invadida a cidade do Porto o
suplicante com sua família se retirou para as serras e
constando-lhe aí que pela estrada real passavam várias
divisões e destacamentos de tropas inimigas para as
margens do Vouga que tentavam passar, o suplicante
fazendo reunir aqueles mancebos, lhes fez várias
emboscadas sobre a mesma estrada e felizmente em uma
delas, passando o sobrinho do Marechal Soult com um
piquete de cavalaria para o comando daquelas que se
achavam sobre o Vouga, foi morto a tiro de espingarda
pelo próprio suplicante, e, pelos seus companheiros,
97
feridos e dispersos os mais soldados que o
acompanhavam, por cuja morte não foi avante o que
premeditavam.
3.° - Que por aquele acontecimento, exasperado, o
Marechal Soult pôs a preço a cabeça do suplicante com
promessa de prémio, e que por isso foi muito perseguido e
procurado e juntamente tida a sua família, tanto que se viu
o suplicante na necessidade de passar as margens do
Vouga e reunir-se ao General Trant, que se achava em
Águeda.
4.° - Que, sabendo o dito General os excessos que
faziam os inimigos para conseguir o suplicante, e por
insinuação do mesmo, foi obrigado a retirar-se dali para
Coimbra onde se juntou e reuniu ao Exército Anglo-Luso,
acompanhando-o e pelejando justamente como voluntário,
com honra e brio nas acções de Albergaria, Grijó e Porto.
Foram quatro as testemunhas depoentes, a saber: João
Ribeiro Leite, alferes de granadeiros do Regimento de
Milícias de Oliveira de Azeméis e morador na Rua da
freguesia de Arrifana, de 31 anos; João Gomes de
Rezende, filho de Manuel Gomes de Rezende da mesma
freguesia e lugar, de 31 anos, não vindo mencionada a
sua profissão; Atanázio Ribeiro Leite, músico, da mesma
freguesia e lugar, de 30 anos; José Ribeiro Leite,
98
cirurgião, da mesma freguesia e lugar, de 32 anos. Todos
se declaram companheiros de Bernardo na emboscada,
ou camaradas da guerrilha que este adestrava e chefiava.
A primeira testemunha diz que a emboscada foi feita sobre
a estrada real, no sítio da Costa de S. Tiago, quando
passava o sobrinho do Marechal; o Bernardo tentou
aprisioná-lo, e porque lhe resistisse desfechou a sua
espingarda sobre o oficial, matando-o. A segunda teste-
munha diz que, quando o Bernardo com a sua gente saiu
ao encontro do sobrinho do Marechal Soult e seu piquete,
com intuito de aprisioná-lo, os franceses resistiram,
encarando-lhe as suas pistolas (querendo certamente
dizer que lhe meteram as pistolas à cara), desfechando
então o Bernardo sobre o comandante do piquete, que
logo ficou morto. A terceira testemunha indica também,
como a primeira, o sítio da Costa de S. Tiago, dizendo que
tentando o Bernardo aprisionar os franceses e lançando
os inimigos as mãos às suas pistolas, ele com presteza e
coragem, encarando com o dito sobrinho de Soult e
desfechando um tiro de espingarda, o matou rapidamente.
É igual o depoimento do cirurgião, quarta testemunha.»
Não se diz nos depoimentos das quatro testemu-
nhas se a emboscada foi feita só pelos cinco ou se
tomaram nela parte mais camaradas. O que é certo é que
99
estes cinco escaparam, apesar de serem moradores todos
na Rua de Arrifana, ao morticínio ordenado pelo Marechal
Soult em revindita do seu feito.
Seria porque não lhes coube a sorte ao serem
quintados pelos franceses? Ou porque se haviam posto
em lugar seguro, como as serras de Cambra, escapando à
irritação do seu chefe?
E o que não se sabe, mas é bem possível que eles
não ignorassem os ameaçadores dizeres do primeiro
edital de Junot na primeira invasão que tem a data de 17
de Novembro de 1807.
Faz este edital parte da Colecção de Decretos
Editais etc. desde 17 de Novembro de 1807 até 11 de
Abril de 1808 editada nesse último ano de 1808 em
Lisboa, na Tipografia Rolandiana, nas duas línguas
francesa e portuguesa, colecção que é muito interessante,
e que possuo, donde extraio o referido primeiro edital do
invasor.
«O Governador de Paris, Primeiro ajudante de
Campo de S. M. o Imperador e Rei, General em chefe,
Gran Cruz da Ordem de Christo de Portugal:
Habitantes do Reino de Portugal
Um Exército francês vai entrar no vosso território.
Ele vem para vos tirar do domínio inglês e faz marchas
100
forçadas para livrar a vossa bela cidade de Lisboa da
sorte de Copenhague, mas será desta vez iludida a
esperança do pérfido Governador Inglês. Napoleão que
fitou seus olhos na sorte do continente viu a preza que os
tiranos dos mares antecipadamente devoravam em seu
coração e não sofrerá que ela caia em seu poder. O vosso
Príncipe declarou a guerra à Inglaterra. Nós pois fazemos
causa comum. Habitantes pacíficos dos campos nada
receeis. O meu Exercito é tão bem disciplinado como
valeroso. Eu respondo sobre a minha honra pelo seu bom
comportamento. Ache ele por toda a parte o agazalho que
é devido como a soldados de Napoleão o Grande. Ache
ele, como tem direito a esperar, os viveres de que tiver
precisão, mas sobretudo o habitante dos campos fique
socegado em sua casa.
Eis o que vos prometo. Guardar-vos-hei minha
palavra.
Todo o soldado do Exército Francês, que fôr
encontrado roubando será punido com o mais rigoroso
castigo. Todo o indivíduo, de qualquer ordem que seja,
será conduzido perante um Conselho de Guerra para ser
julgado segundo todo o rigor das Leis.
Todo o indivíduo do Reino de Portugal, sendo
soldado de tropa de linha, que se apanhar fazendo parte
101
de qualquer ajuntamento armado será arcabuzado. Toda a
cidade, vila ou aldeia em que se derem tiros de
espingarda contra a tropa francesa será queimada.
Toda a cidade, vila ou aldeia em cujo território for
assassinado um indivíduo pertencente ao Exercito
Francês pagará uma contribuição que não poderá ser
menor que trêz vezes o seu rendimento anual. Os quatro
habitantes principais servirão de reféns para o pagamento
da soma e para que a Justiça seja exemplar, a primeira
cidade vila ou aldeia onde fôr um francês assassinado
será queimada e arrasada inteiramente.
Mas eu quero persuadir-me que os Portugueses
hão de conhecer os seus verdadeiros interesses, que
auxiliando as vistas pacíficas do seu Príncipe, nos
receberão como amigos, e que particularmente a bela
Cidade de Lisboa me verá com prazer entrar em seus
muros à frente de um Exercito que só a pode preservar de
ser presa dos eternos inimigos do Continente.
Dada no meu Quartel-general de Alcântara ao
dezassete de Novembro de 1807.
JUNOT.»
Ora eis aí taxada nesta espécie de lei de funil a
sorte de Arrifana e dos autores daquele feito, seus
naturais, embora ele fosse praticado em freguesia
102
distante, Santiago de Riba-Ul, não se sabe para
desnortear as investigações dos franceses ou se por
terem os guerrilheiros achado mais conveniente ao seu
desígnio aquele stio da Costa de Santiago.
O chefe do bando, que atacou à tropa francesa,
Bernardo António Soares Barbosa da Cunha, tinha um
irmão coronel de nome José Soares Barbosa da Cunha,
avô do último representante desta família em Arrifana, não
há muitos anos falecido, e que usava o mesmo nome de
seu avô.
Senti uma íntima satisfação ao ler a transcrição dos
autos arquivados no 3.° Ofício da Comarca e dos quais,
por um feliz acaso, o Sr. Dr. Aguiar Cardoso teve
conhecimento.
As declarações contidas nesses autos vêm desas-
sombrar o acto da espera em Santiago. Sinto com-
preensíveis e quase justificada todas as violências nos
calamitosos tempos de guerra, quando praticadas pelos
naturais de um país invadido e espezinhado, a quem o
amor pátrio exaltado desvaira.
A ideia de uma emboscada punge sempre o sentir
recto e humanitário; mas a empresa, segundo é declarado,
tinha o fito de aprisionar o sobrinho do Marechal, acto
irreflectido, sem dúvida, pela quase impossibilidade de
103
realização. Como então em excepcionais e trágicos
momentos, quem não mata morre, foi o militar francês a
vítima do destino.
Mais justificada está a erecção do monumento
comemorativo do 17 de Abril, mais nobre é o seu
significado, maior estima e respeito lhe devem dedicar os
arrifanenses.
O sobrevivente do fuzilamento, que se deixou cair
entre os mortos, alvejados pelas balas dos executores,
chamava-se Gaspar, chapeleiro, era avô do cantoneiro
Manuel Alves de Amorim, há anos falecido, que me contou
o que a tradição transmitira na memória de sua família,
sobre este seu ascendente - que, chegada a noite, se
levantara de entre o montão de cadáveres de seus
desgraçados companheiros, quando julgou azada a
ocasião, e fugiu, ainda com as mãos amarradas atrás das
costas, para os lados da Azenha, lugar desta freguesia, a
poente, e aí encontrou quem lhas desamarrasse. O
Visconde de Santa Maria de Arrifana diz que este
sobrevivente era tambor de milícias de Oliveira de
Azeméis e que ainda o conhecera; no entanto o
cantoneiro Amorim ignorava esta situação de seu avô.
Um homem de nome Nazário, que D. Fernando de
Távora diz ter-se salvado do fuzilamento, escapou, sim,
104
mas não neste transe. Quando as casas foram assaltadas
fugiu para o telhado da habitação de seu patrão e pai
presuntivo, o capitão João António Gomes de Pinho,
situada na Rua, e ali, sendo descoberto, foi alvejado por
uma bala que lhe perfurou a maxila inferior, e que só
passados anos caiu, quando estava comendo. Este
homem, que tinha a dificuldade na articulação em
consequência do corpo estranho enquistado sob a língua,
foi depois criado do professor de latim, das Eiras da Vila
da Feira, Vitorino Joaquim da Fonseca, genro do capitão
Gomes de Pinho, e nessa casa faleceu.
Chego agora a um ponto primordial. É o que se
refere ao número das vítimas do morticínio.
Muitas tem sido as versões, porque a investigação
nos registos paroquiais depara com lacunas muito naturais
numa época de constante sobressalto, agravada nestes
sítios pelo pânico e terror que a todos dominava, depois
de tal calamidade.
O Visconde de Santa Maria de Arrifana escreveu:
«Cento e tantos foram estes infelizes, deixando
oitenta e quatro viúvas; alguns foram esquartejados, seus
membros suspensos nas árvores para servirem de terrível
exemplo. Por último, fundas valas abertas no adro da
matriz receberam os cadáveres aos montões. Seguiu-se o
105
incêndio da maior parte das habitações, com tudo o que
elas continham; e Arrifana, de opulenta e formosa que
fora, ficou reduzida a escombros e ruínas. Acerca destes
cometimentos, sinistramente memoráveis, temos lido
várias versões, todas inexactas. A verdade pura é o que
deixamos escrito, relatado por pessoas coevas, e quase
testemunhas daqueles factos».
O Padre Patrício precisando o número diz:
«No adro da freguesia da Arrifana foram inumados
107 cadáveres e 10 na freguesia de S. João da Madeira.
No registo paroquial destas duas freguesias estão os
termos de óbito de tantas vítimas da vingança dos
franceses».
O Padre Patrício escreveu por informações que jul-
gou fidedignas; não viu os registos paroquiais, que não lhe
podiam dar o número que menciona.
D. Fernando de Távora, reduz o número a 62,
apoiando-se, como diz; no registo paroquial.
Em vista das diferenças que se notam nos relatos
que acabo de mencionar, resolvi repetir a investigação,
que necessariamente se deveria ter feito quando se deram
os primeiros passos para a erecção do padrão
comemorativo, belíssima e patriótica ideia que - nunca é
demais repetir - se deve a Américo de Resende. Levei
106
essa investigação a todas as freguesias circunvizinhas,
pois não era de estranhar que algumas pessoas delas
naturais, mas que, por acaso, na ocasião aqui estivessem,
fossem vitimadas, e os cadáveres levados pelas famílias,
sendo sepultados nos respectivos adros ou Igreja e ali
feito o competente registo. Verifiquei, pelo resultado, que
não houve a meticulosidade necessária em tão delicado e
importante assunto. Dos registos paroquiais, alguns já no
Arquivo da diocese, apurei o número que a seguir noto:
Arrifana - 64
Mosteirô - 2
S. João da Madeira - 4
Vila da Feira - 1
Total - 71
Procurei ainda nos registos de Milheirós de
Poiares, Sanfins, Escapães, Fornos e Couto de Cucujães.
Em algumas destas freguesias encontrei nomes da lista de
Arrifana e portanto repetidos.
Seriam mais?... É muito provável.
É sabido que alguns foram mortos pelos caminhos,
e outros talvez, feridos pelas balas dos soldados que
fizeram o cerco, teriam ido morrer longe.
Sabemos também que alguns cadáveres foram
arrastados até ao lugar da emboscada em Santiago, e ali
107
erguidos em postes para exemplo. Não teria o povo, num
gesto natural de piedade, sepultado ali mesmo esses
corpos torturados, erguendo sobre a campa singelas
cruzes?...
Transportemos por um instante a nossa ima-
ginação ao momento horrível; o pavor, a quase demência
em que ficariam os sobreviventes em Arrifana, os que
assistiram ao martírio de tantos entes queridos, ao
aniquilamento de parcos bens tão fadigosamente
amealhados e em largos anos conseguidos! A todos sem
excepção, incluindo o pároco, faltaria a calma, e aos
registos paroquiais faltaria também o rigor necessário.
E a propósito: diz o Padre Patrício, que o pároco
Inácio José Puga conseguiu que o Governo isentasse a
freguesia de dar recrutas para o exército durante dez
anos. Enorme já tinha sido o tributo de sangue e maior
seria ainda se algumas famílias de posição e meios se não
tivessem retirado, tendo conhecimento que o comando
francês fazia indagações, suspeitando de Arrifana. Uma
dessas famílias foi a de meu bisavô, que se acolheu a
uma propriedade que possuía em S. Martinho de Ossela,
do concelho de Oliveira de Azeméis.
Quando o cerco se foi apertando, o povo, aferrado,
correu para a Igreja e, no entanto, iria caindo aqui e além,
108
atravessado pelas balas ou rasgado pelas baionetas e
sabres dos assaltantes, algum desgarrado que tentaria
salvar-se, fugindo, através dos campos e pinheirais.
Da Igreja, que serviu de prisão nesse lance, foram
retirados em fila todos os mancebos e homens válidos em
contagem, e aquele que perfazia o número cinco, era
apartado, recomeçando a lúgubre contagem.
Esses desgraçados, que o fatal número indicava,
depois de manietados, foram arrastados para o campo da
Buciqueira e ali fuzilados.
Pequenas lutas parciais também teriam ocorrido,
algum mais insofrido e justamente alucinado de
indignação, tentaria uma resistência inútil, pois seria logo
imolado. Foi o que se deu com Manuel de Azevedo
Garcia, solteiro, de vinte e um anos, morto por uma
coronhada dum soldado francês, quando lançava as mãos
à arma de outro soldado. Passou-se esta cena trágica no
largo onde está erecto o monumento da Guerra
Peninsular, e foi representada em tosca pintura a óleo
sobre madeira, mandada fazer por Pedro Garcia de
Azevedo, irmão do assassinado, rememorando a sua
morte e de mais dois cunhados, igualmente vítimas do
morticínio.

109
É desconhecido o autor desta pintura. Se algum
nome teve é ilegível, assim como a data; mas é de crer
que fosse pintado em 1822, porque estes algarismos
estão abertos no nicho de pedra em cuja cavidade foi
colocado, e encravado em propriedade particular, no largo
onde caiu morto Manuel de Azevedo Garcia - Praça da
Guerra Peninsular.
Sabe-se apenas que a pintura foi retocada há mais
de setenta anos por um curioso, professor em S. João da
Madeira, que Pedro Garcia sempre cuidou do nicho onde
estava a pintura recordativa da morte afrontosa de seu
irmão, que todas as noites fazia ali acender uma lamparina
de azeite e que durante a quaresma mandava rezar, às
segundas-feiras, missa de sufrágio.
Ainda vivem em provecta idade duas senhoras,
netas de Pedro Garcia, que me deram estas informações,
e que conservam veneração pela memória do seu
antepassado.
Quando se pensou na erecção do monumento em
Arrifana, a inaugurar no centenário da Guerra Peninsular,
que se comemorava em Portugal por iniciativa do Estado,
foi encarregado de fazer a planta a submeter à apreciação
da comissão oficial, Domingos dos Reis Maia, artista
amador que aqui residia. O autor do projecto ou planta foi
110
feliz no desenho e delineamento geral do padrão, em
forma de obelisco; o velho retábulo da pintura a óleo nele
embutido e em exposição a modo de alminhas é que
inteiramente destoou da gravidade que tal padrão
requeria, além de ser inestético e impróprio.
À comissão oficial de Lisboa não agradou, como
era natural, tal ideia, mas como na ocasião, não era ainda
monumento militar o padrão de Arrifana, mas apenas
local, e erigido por iniciativa e expensas da freguesia, não
quis contrariar o projecto que desta partia.
A manifestação patriótica de Arrifana teve o melhor
acolhimento e aprovação da comissão oficial do
centenário, composta de ilustres oficiais de alta patente e
à qual presidia o general reformado João Carlos
Rodrigues da Costa, um ilustrado, dedicadíssimo e
simpático militar, com quem tive ocasião de falar aqui em
Arrifana, onde veio ver o monumento e honrar-me com a
sua visita, tempos depois da inauguração, à qual não
assistiu por motivo imperioso. A vista do efeito que o
retábulo fazia no aspecto geral do monumento, mais se
radicou no espírito do general Rodrigues da Costa a
opinião de que essa pintura em madeira não tinha ali lugar
e devia ser retirada, tendo prometido promover a sua
substituição por uma peça em bronze adequada.
111
Mas sobreveio a grande guerra e para esse prélio
tremendo convergiram todas as atenções da governação
pública, principalmente do Ministério da Guerra pela
participação de Portugal numa aliança de nações contra o
despotismo teutónico.
Em Maio de 1917 falece em Lisboa o ilustre militar
general João Carlos Rodrigues da Costa, e o monumento
de Arrifana perde o seu protector de alto valimento.
São suspensas as obras do grande monumento da
Guerra Peninsular em Lisboa, de que são autores os
irmãos Francisco de Oliveira Ferreira e José de Oliveira
Ferreira, de Vila Nova de Gaia, o primeiro como arquitecto,
e o segundo, escultor estatuário.
Longos anos decorreram, e eu via com mágoa que
seria irrealizável o projecto de reforma no monumento de
Arrifana e lamentava que o retábulo se perdesse.
E assim sucederia se Francisco de Oliveira Fer-
reira, meu particular amigo, não procurasse levá-la a
efeito.
Pelos seus trabalhos no monumento de Lisboa
estava em convivência e amistosas relações com militares
de alta patente.
Com persistência e tenacidade excepcionais,
advoga perante as autoridades competentes a justiça da
112
pretensão de Arrifana, a conveniência da modificação no
monumento, e consegue afinal que a Primeira Região
Militar, pela Inspecção dos Monumentos, incluísse no seu
orçamento a verba que julgou necessária para esse
trabalho, de que ficou encarregado seu irmão José.
A comissão oficial do centenário concorreu logo de
princípio com a quantia de cem escudos para as obras do
monumento de Arrifana, e mais tarde, a meu pedido, com
igual quantia para conclusão, prestando-se também a
fazer retocar levemente a pintura, pelo conhecido e já
falecido professor da Academia de Belas Artes em Lisboa,
Luciano Freire, que mandou encaixilhar o retábulo com
especial cuidado.
E lá ficou embutida no monumento, e sujeita à fatal
deterioração, apesar dos resguardos que se empregaram,
a curiosa pintura recordativa, respeitável e comovedora
manifestação de amor familial, até que pelo imperioso
motivo de a salvar de ruína total que rapidamente se
aproximava, e a conselho de opinião autorizada, foi
retirada em Maio de 1931 e colocada numa das sacristias
da Igreja, e em melhor lugar, onde, resguardada, pode ser
vista e lida a legenda explicativa que lhe está anexa.
Trata-se como já disse, de a substituir no monu-
mento por uma peça em bronze fornecida pelo Ministério
113
da Guerra, e modelada pelo escultor José de Oliveira
Ferreira, e que esperamos fique colocada no seu lugar no
próximo ano de 1935
Foi o monumento de Arrifana solene e festivamente
inaugurado em 19 de Abril de 1914, na presença das
autoridades da comarca e concelho, e representantes do
Ministro da Guerra e da comissão oficial do centenário, e
com guarda de honra de comando de tenente, do
regimento de Infantaria 24 de Aveiro.
Não vou aqui descrever essa solenidade, a im-
ponência e brilho de que se revestiu, quanto possível, em
terra como Arrifana, de modestos recursos. Foi relatada
pelos jornais da época e estará ainda na memória de
muitos arrifanenses que a ela assistiram com viva
satisfação.
No dia 24 de Junho seguinte, a requerimento da
Junta da freguesia, favoravelmente informado pela
comissão oficial do centenário e patrocínio pessoal do seu
presidente, o saudoso general João Carlos Rodrigues da
Costa, foi o monumento de Arrifana entregue ao Ministério
da Guerra, representado pelo general Jaime Leitão de
Castro, comandante da Sétima Divisão Militar, com sede
em Tomar, que aqui veio expressamente para esse acto
oficial.
114
No capítulo segundo deste trabalho «Velhos
tempos» fiz notar a situação de relevância em que estava
a Rua do velho Burgo de Rifana, mas prerrogativas
especiais e curiosas ainda gozava que merecem
referência.
Em tempos afastados, todos os carros que vinham
de fora, percorriam a Rua, e para fora seguiam, pagavam
o tributo ou portagem de vinte réis, há muitos anos
abolida, porque o Código de posturas camarárias
promulgado em 29 de Maio de 1883 já não menciona tal
tributo.
Nesse código, que por muitos anos vigorou, e
pelos artigos 6.°, 17.°, 29.° 32.º 54.°, 55.º e 190.° a Rua de
Arrifana é equiparada às ruas da vila e povoação das
Caldas de S. Jorge, na proibição de certos actos
prejudiciais para o pavimento e inconvenientes para os
transeuntes e habitantes, sob a pena de multa aos
transgressores.
Como já foi dito viveram em Arrifana famílias
ilustres e brasonadas, umas extintas, outras que se terão
dispersado, para o que contribuiria a tremenda fatalidade
de 17 de Abril de 1809.
Como curiosidade, menciono algumas dessas
famílias com brasão conhecido: Varela, cujo brasão muito
115
bem trabalhado se vê na frontaria de um prédio na Rua:
Carvalho e Sousa e Mascarenhas Figueiroa, cujos
brasões se mostram em lajes tumulares no cemitério; e
Rebelos, ramo da casa brasonada em Santiago de Riba-
Ul, cujo primitivo solar teve origem em Roriz de Riba
Paiva, Minho.
Na casa de Santiago e na posse de parentes, seus
proprietários, há uma carta de brasão de armas,
concedida em Abril de 1804, pelo Príncipe Regente D.
João ao Padre António Rebelo Santiago, bacharel em
Cânones e Filosofia, e comissário do Santo Ofício, em
termos muito curiosos e linguagem própria, pela qual se
mostra a remota linhagem fidalga dos Rebelos.
O primeiro que usou este apelido foi um cavaleiro
que se achou com D. Afonso Henriques na tomada de
Lisboa.
Além das famílias mencionadas com brasão
conhecido, outras distintas aqui tiveram solar e membros
de representação: Toscanos, Leais, Rezendes. De todas,
a mais presa ao torrão natal foi a de Gomes Leite Rebelo
cujos membros que viveram no século dezanove e até aos
primórdios do vigésimo, deixaram bem vincada a prova de
amor à sua terra.

116
Não me compete salientar nomes e relembrar
serviços; os velhos e gerações em idade madura bem os
conheceram. Um apenas vou citar, pela situação de
evidência, e consideração que mereceu em sua longa
vida, na próxima Vila de Oliveira de Azeméis. Foi ele José
António Gomes Leite Rebelo - Visconde de Santa Maria
de Arrifana. Logo na primeira infância foi para casa de
seus tios e padrinhos um casal sem filhos daquela vila.
Desde muito novo mostrou especial predilecção pelas
letras, sendo os clássicos a sua leitura preferida.
Não seguiu qualquer curso superior, mas pelo
apego aos livros, adquiriu uma instrução, que, a par da
integridade de carácter, o elevou no conceito de seus
concidadãos.
Exerceu por várias vezes os cargos de presidente
da Câmara Municipal e membro da Junta Geral do Distrito,
e também de substituto do Juiz de Direito, nas ocasiões
em que o lugar vagava temporariamente.
Além do título, possuía também as veneras de
Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e Cavaleiro da Ordem de
Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.
Deixou vários artigos em jornais e são dele estas
palavras no artigo que publicou no Primeiro de Janeiro a
que já me referi:
117
«Arrifana, minha pátria, aqui foi onde a Providência
colocou o meu berço, onde os meus olhos gozaram da
primeira luz do dia, onde se ouviram os meus primeiros
vagidos, e se deslizaram os inconscientes dias da minha
infância, e posto que o viver de ti ausente foi o meu
destino, no último quartel da existência, eu ainda te amo e
saúdo».
Expressões de uma espontaneidade quase ingé-
nua, mas onde estua a ternura de um novo amor pátrio.
Também versejou com vocação e facilidade, e, de
entre as variadas produções, quero aqui deixar arquivado
o que escreveu em 1857, carpindo a triste sorte da sua
ferra pelo morticínio de Abri) de 1809, e cujo original, por
ele escrito e assinado, possuo e guardo com apreço.

A minha terra natal27


Arrifana, ó pátria minha
Quem desde a infância te viu
Tão formosa, ora mesquinha
Como nunca alguém carpiu.
Foi bem deshumana a sorte
Que mudou teu nobre porte,
Fazendo pairar a morte
Onde a vida já sorriu.
118
Arrifana, fama de ouro28
Dos avós nos diz memória,
Foi teu nome; aí tens teu louro
Que tanto te exalça a história:
Foste grande noutra idade,
Mas se o foste hoje quem há-de
Afastar agra saudade
Ao narrar passada glória?

Alça Henrique a nobre espada


No berço da monarquia
Mostra a Cruz de França herdada
Foge aos mouros a ousadia,
Já cidade, ergues a frente29
Tendo um nome que é potente,
Nome de Santa Maria.

É bem de ver-te as grandezas


Dessas eras que lá vão,
Ruídos, festas e riquezas
Dos que viviam então;

119
Como foste nessas guerras,
Primavas entre as mais terras,
Posto que hoje só encerras
Um nome por galardão.

Já não digo o que brilhaste.


Nesses ciclos de ventura,
Não sei, não, como baixaste
De tamanha formosura.
Nem pra formar-se juízo
Do que foste eu mais preciso
Que dizer sem prejuízo
O que diz verdade pura.

Lentes dois em Coimbra leram


Direito e Teologia,
Desembargadores eram
Quatro a quem tu deste o dia,
Bacharéis e Magistrados,
Todos nessa terra nados,
Com justiça são contados
Homens de grande valia.

120
Monges e Freires me aponta
Lá também a tradição,
Capitães de grande monta
Servidores da Nação
Deputados que a seus Reis
Em todo o tempo fiéis
Os ajudaram nas Leis,
Honrar o pátrio brasão.

Dos bardos da minha terra


As canções em vida escuto,
Pois que a pátria minha encerra
Da poesia o doce fruto.
Oh, que tivesse um peito
Alguém às musas afeito
Que falando a teu respeito
Te acompanhasse em teu luto.

Luto e dor, mágoa e pranto


Eis chegados, cobre o rosto
Destinados a sofrer tanto,
Nova Tróia em teu desgosto.

121
Imprudência foi nociva
Aquela que ora motiva
Essa dor, que ainda tão viva
Vai tornar triste o meu canto.

Águias de Napoleão
Te esvoaçaram por diante,
Dos lusos nobre nação
Suporta jugo humilhante.
Reage o peito dos lusos
Contra senhores intrusos
Por toda a parte difusos
Que o Reino talando vão.

Eis que filhos de Arrifana


Cheios de um vivo rancor
Cometem empresa insana
Que lhes inspira o furor.
Esperam em seu caminho
De um general o sobrinho,
Cravam na Mãe um espinho,
Imolando o usurpador.

122
Mas que importa o sacrifício
De uma vida, se a vingança
Traz consigo atroz exício
Em desagravo da França?
Eis de soldadesca armada
Vê-se Arrifana cercada
É-lhe a saída vedada,
A morte a todos alcança.

Nessa noite, noite horrível,


Que de prantos são vertidos!,
Descrever não é possível
Quantas mágoas e ais sentidos
De tantos filhos e esposas
Que extintos viram seus gozos
Curvando-se lacrimosos
Ante algozes nunca ouvidos.

Em seus leitos apanhados,


Descuidosos da traição,
Cento e tantos desgraçados
Jazem postos em montão.

123
Sem haver quem os proteja
Encerrados são na Igreja.
Já perto a morte lhe adeja
Do martírio a expectação.

Nos campos da Buciqueira


Troa o rufo dos tambores.
Postos em longa fileira
Ei-Ios alvo aos opressores.
Como Cristo entre os judeus
Seus olhos volvem aos Céus
Bradam invocando a Deus
Adeus pátria adeus amores.

Fogo, brada o chefe... um só


De entre tantos escapou
Envolto em fumo e pó.
Foi milagre que o salvou,
Jorros de sangue inocente
Cadáveres de tanta gente
Nódoa foi que bem patente
Teu pendão, França, manchou!

124
Mas dos bárbaros sanhuda
Raiva um novo crime inventa, ,
Da tragédia a cena muda
A qual delas mais cruenta,
Em quartos feitos retalhos
Nos caminhos nos atalhos
Pendurados em carvalhos.
Eis o quadro que ela ostenta.

Que espectáculo se divisa


Em ti Arrifana agora?...
Fumo espesso nos avisa
De um incêndio que a devora,
Estalam os vigamentos
Sorve o fogo os aposentos
Cinzas tudo ei-las aos ventos
Ri-se o inferno, ela em vão chora

Desde então, terra infeliz


Já garbosa não campeias,
Nem com estado teu condiz
O nome com que te arreias.

125
Vítima de estrago fero
Tua assolação pondero
Qual Roma em tempo de Nero
Qual Tróia em tempo de Enéas.

Saúda-a o viandante
Hoje em ruínas quási só,
Raro vê-se-lhe o habitante,
Trilhando tão nobre pó.
Ferida da sorte dura.
Triste e muda e sem ventura
Um espectro me afigura
Causa mágoa e inspira dó

Se te um filho desenrola
Nestas linhas teu sudário
Oh! perdão que ele te esmola
A saudade ou teu calvário
Mãos dos homens, mãos de anos,
Prepotência dos tiranos,
São lições, são desenganos
Num painel que desconsola.

126
Oh! se um dia a Deus prouvera
Que findasse o teu carpir
E qual flor na primavera
Eu te visse inda sorrir.
Contente deixava a vida.
Pois na extrema despedida
Versos dando à pátria querida
A festejar-lhe o porvir.

Pátria, ó pátria onde eu nasci,


Quem tão linda já te viu
Pondo os olhos hoje em ti
Dentro d'alma te carpiu.
Foi bem desumana a sorte,
Que mudou teu nobre porte
Fazendo pairar a morte
Onde a vida já sorriu.

127
Capítulo IV - A campanha de entre Douro e
Vouga na segunda invasão francesa30
Ainda hoje o «tempo dos franceses» marca época
no espírito do nosso povo.
Recordam-se atrocidades e vinganças, cenas de
pavor e rasgos de heroísmo, daqueles dias em que
Portugal, como diz Camilo, era “tão façanhoso contra
franceses e tão roupa deles”. Quando, porém, se pretende
concretizar algum episódio referido pela tradição, tudo
aparece vago e confuso31.
Vamos dar sumária notícia do que se passou entre
Douro e Vouga, para mais facilmente se poderem situar no
quadro histórico quaisquer memórias, documentos ou
tradições, com que os leitores desejem contiguar para o
esclarecimento dessa campanha. Os aspectos
propriamente militares, deixamo-los ao estudo dos
competentes, que nas obras de Napier e Charles Oman
encontrarão valiosas informações, sobretudo acerca aos
combates de Albergaria e Grijó32 .
A invasão dos franceses
As tropas do marechal Soult, duque da Dalmácia,
entraram no Porto às 6 horas da manhã do dia 29 de
Marco de 1809, Quarta-feira de Trevas. Foi-lhes fácil
empresa a conquista da cidade, porque não chegaram a
128
encontrar-se com forças verdadeiramente organizadas.
Tudo se improvisara, homens e armas. Dos preparativos
de defesa do Porto, ficou como nota cómica o seguinte
esclarecimento que o brigadeiro Bernardim Freire de
Andrade, Governador das Armas, apôs a uma ordem que
recebera da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra
e Marinha:
«Fique V. S.ª na inteligência que pela palavra -
Cavallo - que vem no Avizo para as ordenanças
montadas, também se deve entender as egoas e os que
tiverem cavallos ou egoas devem ser reputados
cavalleiros».
Diante das tropas francesas, os habitantes da
cidade, tomados de pânico, só pensaram em fugir, apesar
da chuva e mau tempo que persistiam, após uma noite de
medonha tempestade. Grande multidão acorreu à margem
do Douro, no intento de passar para Gaia. Deu-se então o
conhecido desastre da ponte de barcas, que tão viva
impressão deixou33 .
Nesse mesmo dia, o bispo D. António de S. José
de Castro, que na noite anterior se havia retirado para o
convento da Serra do Pilar, pôs-se a caminho de Lisboa,
levando a bom recato o cofre militar, «que hera muito
importante». Chegado à vila de Ovar, «ali se embarcou
129
tendo a precaução de levar todos os barcos comsigo, para
evitar algum embarque do inimigo, deregindosse a Aveiro
salvando tudo»34. Nesta cidade, o prelado entregou ao
reitor de Avanca, Francisco de Paula Farinha, uma carta
para o Cabido com instruções a respeito do governo da
Diocese.
Senhor da cidade, Soult ordenou aos generais
Franceschi, Mermet e Thomières que passassem o Douro
e avançassem para Sul, apenas se restabelecesse a
ponte de barcas. Passou primeiro a divisão de cavalaria
do general Franceschi, composta de seis regimentos.
No dia 30, Quinta-feira Santa, começaram as
tropas francesas a descer pela estrada real, vindo uma
guarda avançada de cavalaria até Oliveira de Azeméis,
onde ficaram cerca de 280 cavalos. Daqui adiantaram-se
algumas forças para o Pinheiro da Bemposta, e delas se
destacaram patrulhas para Angeja e Albergaria-a-Velha. O
grosso da cavalaria, no efectivo de 400 cavalos, ficou na
Arrifana. Para o lado do mar, a infantaria ocupou a Vila da
Feira com 1500 homens e Ovar com 1200. O quartel-
general de todos estes destacamentos era em Grijó.
Com o decorrer das operações, modificou-se
naturalmente a distribuição das tropas e o seu
contingente. A avançada francesa estendeu-se até ao
130
Vouga, mas sem acção importante junto a costa e a
margem da ria.
“Por toda a parte, diz Soriano, o inimigo achou as
povoações desertas. Os habitantes, retirando-se para os
montes, deles desciam diariamente para perseguirem os
franceses”. O mesmo afirma nas suas memórias um oficial
francês: «L'avant-garde avait trouve les villages
abandonnés; les habitants, retires dans les montagnes, ne
cessaient de harceler nos troupes et de leur causer des
pertes. On fut force d'agir contre ces insurges dont on tua
un assez grand nombre»35. Parece, todavia, que, embora
se generalizasse o terror, tal êxodo apenas se verificou
nas povoações próximas da estrada real.
Deve dizer-se que nesta região o inimigo não
logrou encontrar colaboracionistas. O memorialista
registava, com certa mágoa, o contraste que oferecia a
natureza, sorridente, acolhedora, em plena primavera,
com o carácter do povo, agressivo, absolutamente
intratável. Era preciso procurar subsistências por muito
longe e com todas as cautelas, porque a população
escondia ou destruía quanto pudesse servir aos invasores.

131
A ofensiva luso-britânica
As notícias do Porto causaram alarme em Coimbra.
O coronel Nicolau Trant, que ali havia chegado como
governador militar, preparou logo um corpo expedicionário
que em 31 de Março se pôs em marcha para o norte. Dele
fazia parte um aguerrido batalhão académico. Outros
elementos se lhe foram agregando pelo caminho. A 9 de
Abril, chegavam essas tropas à margem do Vouga, onde
se mantiveram a fim de impedir aos franceses a passagem
do rio, já que não dispunham de efectivos para
empreender acção ofensiva36 .
Um mês depois, a 9 de Maio, vieram juntar-se-lhes
as tropas de Wellesley, destinadas a avançar para o Porto.
Em Mogofores, separou-se destas uma divisão
comandada pelo major general Rowland Hill, que na tarde
desse mesmo dia chegou a Aveiro e seguiu
imediatamente pela ria até Ovar, onde desembarcou no
dia 10, «au lever du soleil», como diz Napier.
À meia-noite de 9 para 10 de Maio, atravessaram o
Vouga e arrancaram contra os franceses as forças de
Wellesley, divididas em dois corpos principais, um
comandado pelo tenente general Paget e outro pelo
tenente general Sherbrooke. Às 2 horas da madrugada, a
divisão de Trant, que já estava na Vila de Serém, seguiu-
132
lhes pela esquerda. Reunidas todas essas forças,
defrontaram o inimigo na gandra entre Albergaria-a-Velha
e Albergaria-a-Nova.
O combate principiou às 4 horas e meia da manhã
e estava concluído às 10. Os franceses, batidos,
recuaram, primeiro para o Pinheiro da Bemposta, depois
para Oliveira de Azeméis e enfim para Grijó.
Indo-lhes no encalço, o exército luso-britânico, em
que se salientava a cavalaria comandada por Cotton,
entrou em Oliveira nesse mesmo dia 10, pelas 4 horas da
tarde, e ali ficou uma noite o quartel-general de Wellesley.
A divisão de Trant, em que seguia o corpo académico,
teve ordem de ladear para a esquerda, quando chegou ao
rio-Ul, e tomou a estrada de Madail, em cujos pinhais
acampou.
No dia 11, pela manhã, todo o exército aliado
prosseguiu o avanço. As forças mais numerosas
continuaram pela estrada real. A divisão de Trant seguiu
de Madail para a Vila da Feira, onde chegou às 11 horas e
meia. Já ali foi encontrar a divisão de Hill, que devia ir pela
beira-mar, mas se dirigira também à Feira, ou por erro na
transmissão de ordens, ou por se ter lançado na
perseguição de inimigos que fugiam de Ovar para essa
vila.
133
O novo recontro com os franceses travou-se pelas
alturas de Grijó, onde eles tinham concentrado a sua força
na totalidade de 5200 homens, sendo 1000 de cavalaria,
protegidos por artilharia postada no cabeço do Picôto.
Wellesley, em manobra bem conduzida, obrigou-os a
deixar as suas posições e a prosseguir na retirada.
Sabe-se que os generais Mermet, Thomières, De
Laborde e Franceschi almoçaram nesse dia no convento
de Grijó, onde se tinham instalado. Quanto ao jantar, diz
uma testemunha presencial: «os Francezes fugirao tao
precipitadamente que no dia 11 deixarao o jantar em Grijó,
que servio para os Inglezes»37. Soriano, porém, assevera
que retiraram «em boa ordem e defendendo-se sempre
como puderam. E acrescenta: «Os ingleses pararam
durante a noite, ao passo que os franceses, continuando a
retirar-se, passaram o Douro e entraram no Porto».
No dia 12, pela manhã, todas as forcas luso-
britânicas se reuniram em Grijó e, à tarde, em operação
audaciosa, reconquistaram o Porto. A acção dos
franceses, nesta zona de entre Douro e Vouga, tinha
durado 43 dias, desde a Quinta-feira Santa a Quinta-feira
da Ascensão (30 de Março a 11 de Maio de 1809.

134
O morticínio da Arrifana
À margem destas operações sumariamente
descritas, houve episódios que gravaram na memória do
povo o terror dos franceses. O mais dramático deu-se na
Arrifana.
Um dia, o tenente-coronel francês de cavalaria
Lameth, ajudante de campo do marechal Soult, tendo ido
ao Porto levar informações, voltava de lá para a
vanguarda com diminuta escolta, quando foi surpreendido
por uma emboscada, junto à ponte de Cavaleiros, em
Santiago de Riba-UI. Lameth e dois dragões da sua
escolta caíram mortos aos primeiros tiros. O tenente
Choiseul, ajudante de campo do general. Franceschi, que
ia com eles, apesar de aprisionado e despojado do que
levava, logrou escapar-se.
A morte de Lameth foi muito sentida, porque se
tratava de um militar digno de apreço. A. d. Illens faz-lhe
este elogio: «Les rares qualités de cet intéressant officier,
et sa bravoure a toute épreuve, semblaient devoir lui
mériter une mort plus glorieuse».
Soult mandou imediatamente o general Thomières
a Arrifana, com uma brigada, para castigar os assaltantes.
Constituíam estes uma guerrilha, chefiada por Bernardo
António Soares Barbosa da Cunha, natural da Arrifana,
135
que tratou de se por a salvo, correndo para Águeda a
juntar-se às forças de Trant. Não conseguindo haver à
mão os verdadeiros culpados, mas sabendo que eles
eram da Arrifana, Thomières cercou a povoação na
madrugada de 17 de Abril. Quando o cerco se foi
apertando, o povo acudiu à igreja, que ficou a servir-lhe de
prisão. Dali foram retirados em fila todos os mancebos e
homens válidos, para efeito de contagem, e o que perfazia
o número de cinco era apartado. Coube o número fatídico
a uns 71 homens, que Thomières mandou arrastar para o
campo da Buciqueira, onde nesse dia foram fuzilados.
Seguiu-se o incêndio dos melhores prédios da freguesia.
O caso vem brevemente noticiado e comentado na
Gaseta de Lisboa (Supl. extraord. ao n.º 19, 9 de Maio),
que diz transcrever a informação dos «actuais Diarios do
Porto »:
S. João da Madeira e Arrifana
«Oito moradores, ou antes facinorosos destes
lugares, depois de legalmente convencidos de haverem
indigna e atraiçoadamente assassinado hum Official
Francez de merecimento (he o que se diz ser Sobrinho do
mesmo Soult), e cuja perda tem sido sobremaneira
sensível a todo o Exército, forao prezos. sem perda de
tempo enforcados, e as suas casas queimadas.» Este
136
Official foi morto em huma emboscada, sempre licitas, em
tempo de guerra: os infelizes justiçados pertencião ao
lugar, mas não forão os da emboscada. Trata-se de fazer
sangue para metter medo, e nada mais».
A notícia, como se vê, dissimulava a extensão e
realidade da tragédia. À vista dos registos paroquiais, um
investigador local apurou o seguinte quanto ao número e
naturalidade dos assassinados: 64 da Arrifana, 4 de S.
João da Madeira, 2 de Mosteirô, 1 da Vila da Feira. Houve,
porém, actos isolados de represália, que tornam mais
elevado o número das vítimas38.
E que não faltavam francos-atiradores. A. D'Illens,
depois de referir que os habitantes da Arrifana receberam
«un châtiment exemplaire», informa que foi preciso
reprimir nessa ocasião outros insurrectos: «Au même
moment le general Franceschi marche contre un
rassemblement de huit mille insurges postés à
Albergharia-Velha, les mit en déroute complete et leur tua
beaucoup de monde. II se porta sur un autre
rassemblement, à l'embouchure de la Vouga, et le
dispersa entièrement»39.
Na próxima freguesia de Cucujães, um indivíduo
chamado Francisco Dias assassinou, a 15 de Abril, no
lugar das Cavadas, «um francês que levava de Oliveira de
137
Azeméis para Arrifana um saco com dinheiro para
pagamento aos soldados franceses do seu vencimento
pecuniário». Escapou este à justiça de Soult, mas, volvido
algum tempo, enlouqueceu.
O mosteiro de Cucujães nada sofreu; os monges,
porém, transidos de medo, «fugiram desordenadamente,
chegando a escalar o muro da cerca pelo lado sul, por
onde passaram e fizeram passar mulas carregadas de
bastante dinheiro, muitas alfaias do culto e outros objectos
de valor e estimação»40 .
Próximo de Pinheiro da Bemposta, segundo se diz,
os franceses bivacaram no sitio chamado Olho Marinho,
«partindo daí à pilhagem pelos lugares circunvizinhos. Na
passagem por esta vila, assassinaram, violaram,
destruíram; a vingança, porém, não se fez esperar, pois
que, sendo atraídos à quinta de Fontechas, aí pagaram,
com a vida, as suas proezas»41.
O Pinheiro das Sete Cruzes
Na freguesia de Mozelos, o velho Pinheiro das
Sete Cruzes é testemunha, ainda viva, de outra vindicta
sangrenta, a última que os franceses praticaram na
retirada. Eis um relato do acontecimento:

138
“Vagueava por esta região um indivíduo de má
fama e piores acções, chamado Catafula. Era de Olivães,
freguesia de Nogueira da Regedoura.
Um dia, num desforço patriótico, matou três
soldados franceses, dos muitos que passavam pela
estrada real. Foi preso com outros, acusados de
cumplicidade, sendo todos condenados à morte pelas
autoridades militares francesas.
O Catafula quis confessar-se, e foi chamado o P.e
João de Sá Rocha, capelão do convento de Monchique
(Porto), que se encontrava em Anta, sua terra natal.
Os franceses obrigaram o Padre a revelar a
confissão do Catafula, para virem ao conhecimento de
todos os seus cúmplices.
O venerável Padre Rocha cumpriu nobremente o
seu dever: não revelou uma só palavra da confissão do
Catafula. Por isso, foi arcabuzado e pendurado no
histórico “Pinheiro das Sete Cruzes” juntamente com seu
irmão Manuel, com o Catafula e mais quatro condenados.
Manuel de Sá Rocha fora morto pelos franceses no sítio
das Barrancas e depois arrastado até juntos dos
cadáveres do irmão Padre e companheiros executados.
Passados anos, uma sobrinha do virtuoso Padre
Rocha, de nome Francisca Alves de Sá, da Idanha (Anta),
139
mandou construir, junto ao Pinheiro, uma Capelinha em
cujo retábulo mandou gravar estes dizeres:
«Aqui foram mortos pelos franceses a 11 de Maio
de 1809, o venerando Padre João de Sá Rocha, seu irmão
Manuel e outros, nascidos no lugar de Esmojães,
freguesia de Anta.
Vós que tendes sentimentos
Lembrai-vos dos nossos tormentos.
Vós que por aqui passais
Lembrai-vos de nós cada vez mais.»42
Há também notícia de que os franceses mataram
dois homens nas Airas (S. João de Ver) e desceram para
Arcozelo onde praticaram roubos e outras violências.
Aliás, em carta dirigida ao nosso ministro da
guerra, sobre as operações no Minho, dizia Artur
Wellesley: «Tenho visto muitas pessoas pendentes,
enforcadas em árvores ao longo das estradas, executadas
por nenhuma outra razão que eu possa saber, senão
porque não eram amigas da invasão dos Franceses, nem
da usurpação do seu país, e podia traçar-se a rota da sua
retirada pelo fumo das aldeias a que eles lançam o
fogo»43.

140
Operações na beira-mar
Nas povoações afastadas da estrada real, não
houve acções de relevo, além da já mencionada
passagem da divisão do general Hill pela ria de Aveiro.
Dentro do plano geral, segundo diz Oman, esta divisão
destinava-se a interceptar a retirada as tropas de
Franceschi.
Conta o historiador que as autoridades de Aveiro a
receberam com a melhor simpatia e tinham reunido os
barcos suficientes para o transporte de 1.500 homens.
Coube esta missão ao oficial da Marinha de Guerra,
Isidoro Francisco Guimarães, que no entanto lamentava
ter apenas conseguido aprontar 130 barcos, «quando a
Ria tem 3 mil»44.
A viagem fez-se durante a noite de 9 para 10 de
Maio. «Era ainda de madrugada, continua Oman, quando
a brigada chegou a terra, e se Franceschi lá se tivesse
dirigido uma hora mais cedo iria encontrar Hill na mais
ameaçadora posição do seu flanco. Mas a cavalaria
francesa estava ainda afastada umas dez ou doze milhas,
empenhada em incruenta demonstração contra a brigada
de Cotton.
Sabendo pela gente do campo que a cavalaria
francesa estava acampada muito próximo dele, na Feira, e
141
que a principal coluna inglesa vinha ainda longe, Hill
concentrou os seus homens dentro dos muros (!) de Ovar,
em vez de os ocupar na tentativa de interceptarem a
retirada de Franceschi. Tinha decerto muita razão, pois
seria arriscado repelir três batalhões, sem cavalaria nem
artilharia, entre as tropas de Mermet na Feira e as colunas
de cavaleiros franceses que retiravam. Hill reenviou, por
isso, os seus barcos a Aveiro para transportarem a
brigada de Cameron, e ficou em descanso toda a manhã.
À tarde, os seus piquetes foram atacados pela infantaria
francesa: Mermet tivera conhecimento da chegada e
enviara da Feira os três batalhões do 31.º Léger para o
conter e proteger o flanco de Franceschi. As companhias
voltigeur desta força fizeram pressão sobre Hill, mas não
puderam aventurar-se demasiadamente. Gastou-se a
tarde em fúteis escaramuças, mas por último a cavalaria
francesa retirou a galope, e os Dragões Ingleses,
perseguindo-a em fogoso ataque, aproximaram-se do 31.º
Léger. Hill, vendo-se mais uma vez em contacto com os
seus amigos. Arrancou então de Ovar, fez pressão sobre
as companhias voltigeur francesas, que retiravam
apressadamente, atacou pelas costas o regimento e, por
último, foi alcançar o principal corpo de Mermet nas alturas
que dominam Grijó. As escaramuças deram-se quase sem
142
derramamento de sangue - Hill não perdeu um único
homem, e a infantaria francesa teve apenas meia dúzia de
feridos»45.
Notícias do tempo dizem que a divisão de Hill,
quando chegou a Ovar, "surpreendeo alguns Francezes
que la estavão, e depois rechaçou os que vierão da Feira
em seu socorro, e resgatarão mais de 1.000 bois que
tinhão roubado»46. As bagagens tinham ficado em Aveiro e
chegaram, pouco depois, com a segunda brigada,
parecendo que não houve necessidade de voltarem lá os
barcos.
Quanto ao local do desembarque, não
encontramos informação precisa. Há quem afirme que foi
o cais do Puxadouro, em Válega47. Afigura-se, no entanto,
mais provável que tosse o cais da Ribeira, em Ovar.
João Frederico Teixeira de Pinho, nas suas
Memórias e Datas para a História da Vila de Ovar, conta
apenas o seguinte:
«O General Thomières ficou estacionado na Vila da
Feira, de onde mandava quotidianamente os seus
Caçadores aqui à descoberta, comandados pelo Capitão
Guarin. Uma noite vieram os ardentes patriotas de Aveiro
a combater os Franceses, e aí levantaram uma barricada
na Ponte de José de Pinho, com sua peça montada. No
143
dia seguinte Guarin encontrou o inimigo em posição
defensiva e, apesar do sucesso inesperado, deu rijamente
sobre eles, pondo-os logo em vergonhosa fuga, valendo-
se da Ria, por onde escaparam à morte... Foi então que
esta Vila esteve inocentemente a ponto de ser levada a
espada e posta a saque, sendo salva pela prudência e
magnanimidade daquele bravo oficial e perfeito cavalheiro.
«Em 11 de Maio desse ano entraram aqui 3000
Ingleses e tiveram recontro com o inimigo na Ponte Nova,
levando-o diante de si até à Feira, e dali ao Porto. Porém,
a retirada precipitada dos Franceses deve-se, primeiro que
tudo, à presença do Exército Anglo-Luso, que nesse
mesmo dia tinha atravessado o Vouga».
Há erro na data do desembarque, mas o episódio
da Ponte Nova é autêntico. Refere-o um testemunho do
tempo: - A coluna «que veio a Aveiro, se deregio ao Ovar,
estando ali a comer lhe chegou a noticia de que os,
Francezes estavão na Ponte Nova, que fica ao sahir da
Vila, o Comandante Inglez mandou sem homens, que os
atacaram fazendo-lhe algum estrago, se pozerão em
retirada»48.
O recontro com o capitão Guarin ainda há anos
corria na tradição. Deu-se perto dos moinhos dos
Pelames. Como era dia de mercado, a praça de Ovar
144
estava cheia de gente, que largou em correria louca. «As
estradas da Ribeira, da Mata e do Casal regorgitavam de
fugitivos. Procuravam uns a Ria para se salvarem nos
barcos, outros os pinhais e a Arruela para se
esconderem». «Foi tal o receio que o acontecimento
produziu em toda a vila que muitos dos pacatos
moradores da Arruela e S. Miguel se refugiaram nas
Matas dos Ilhotes, Portinhos e Cruzeiro da Virgem
[Válega] e por lá se deixaram ficar algumas horas a ver em
que paravam as coisas»49.
Ovar ufana-se de ter dado a Guerra Peninsular
pelo menos três heróis, que mais tarde se notabilizaram
também nas hostes liberais: Bernardo António Zagalo,
António da Costa e Silva e António Pereira Zagalo. O
primeiro, sendo estudante em Coimbra e sargento de
artilharia, comandou um grupo que libertou o forte da
Figueira da Foz em Junho de 1808. António da Costa e
Silva, mais tarde agraciado com o título de Visconde de
Ovar, fez toda a campanha de 1808 e andou por Espanha
e França em perseguição das tropas napoleónicas até
1814. António Pereira Zagalo, sendo estudante
universitário, militou no batalhão académico em 1809, com
o posto de alferes de artilharia. Cantou este os próprios

145
feitos em poema que intitulou História da minha vida, no
qual se lêem estes inspirados versos:
“Alistam-se estudantes novamente
Em forma de Legião organizada
Das armas todas; oitocentos homens
Era o total, que juntos a milícias
E a outros corpos, deram um composto
Já respeitável; tudo comandado
Era por Trant, um general valente.
A esta expedição que sobre o Porto
Se dirigiu, também eu pertencia”.
A seguir, conta que adoeceu nesta campanha e só
nao tomou parte na terceira, contra Massena, por causa
da moléstia, “que de todo vencida não estava”50.
Diz-se, não sabemos com que fundamento, que a
Filarmónica Ovarense começou a organizar-se em 1809,
«com o auxílio de alguns soldados franceses que por aqui
ficaram e constituíram familia»51.
Espinho, Ovar, Aveiro e outras "terras de
pescarias» foram convidadas pelo governo de Soult a
contribuir para que na cidade do Porto houvesse
"abundância de pescados”. Talvez não correspondessem
“imediatamente e prontíssimamente com todo o zelo de
patriotismo” que ele desejava. O certo é que as vilas de
146
Ovar e da Feira mereceram ser contempladas no último
decreto que o Marechal Duque da Dalmácia assinou no
Porto, já com o pé no estribo, a 12 de Maio de 1809. Não
podendo levar na bagagem 3.700 pipas de vinho
apreendidas em barcos sobre o Douro, deixou-as ele em
testamento às «cidades do Porto, Braga, Barcelos, Vila do
Conde, Povoa, Viana, Vila da Feira, Valongo e Ovar». A
Feira receberia 100 pipas, e Ovar outras 10052.
Na Vila da Feira, as tropas de Thomières tinham
entrado no dia 31 de Março, pelas duas horas da tarde.
«Algumas violências e pilhagens assinalaram, de começo,
a sua presença. Foram assaltadas a capela do Castelo e a
residência do respectivo capelão, Dr. Sebastião Peixoto,
que pôde fugir a tempo com as valiosas pratas da capela.
Deixando estas em Souto, sob a guarda do capitão Sousa
Bastos, do Salgueiral, refugiou-se em S. Vicente, onde
permaneceu hóspede de João Pereira Gomes, do Casal,
até à definitiva expulsão do invasor».
«Em Souto, o pânico da primeira hora foi
grande...Muita gente se escondeu no vale da Gesteira e S.
Silvestre.»
«Diz a tradição que…as donzelas de S. Vicente
fizeram um voto a Nossa Senhora da Boa-Nova, se ela
preservasse a freguesia dos horrores da invasão. Estando
147
os franceses em Arrifana e informando-se das povoações
dos arredores, citaram-lhes S. Vicente, acrescentando
logo: «Mas ia não entram vocês, porque ha lá uma santa
de muitos milagres e o povo apegou-se com ela para os
livrar dos invasores». Um magote de soldados, querendo
demonstrar que nem os poderes do céu resistiriam às
armas de Napoleão, resolveu uma incursão a S. Vicente.
Chegando, porém, ao Marco dos Arais, seguiram pela
congosta do Mouquinho, tomando o rumo de Pintim e
Válega, onde foram parar. O povo tomou o engano como
providência), e o voto cumpriu-se»53.
Em Válega, há a tradição de que esses franceses
foram avançando até perto da ria e se perderam no sítio
chamado de Cabedelo, onde uns heróis locais, refeitos do
primeiro susto, facilmente deram cabo deles. Sabe-se, por
documentos, que andaram na guerra, além de outros
desta freguesia, José da Silva Soares Laranjeira, alferes
do regimento de milícias de Oliveira de Azeméis, e
Domingos da Silva Graça, tenente do mesmo regimento.
Ambos foram condecorados com as medalhas da
campanha e depois mereceram ser demitidos em 1828 por
terem dado em fervorosos liberais; em 1834, o primeiro
era comissário da polícia em Válega e o segundo estava
na câmara de Pereira Jusã como presidente interino. Num
148
lugar do extremo norte da freguesia, junto a Ovar, ficou
abandonada uma pequena peça de artilharia, que se diz
ser dos franceses e que em 1941 foi removida para o Adro
Velho, onde se colocou junto de outras antigualhas, a fim
de se não perder.
Como alguns párocos costumavam anotar
ocorrências várias nos livros do registo, é possível que
ainda apareçam mais notícias curiosas. Por agora,
mencione-se a festa que os moradores da vila de Angeja
celebraram, a 6 de Agosto de 1809, em honra de N.
Senhora das Neves, “reconhecidos ao benefício, que
havião recebido do Ceo, que prodigiosamente os salvara
dos estragos inimigos”. Na véspera houve iluminações,
música e fogo-de-artifício por um hábil «fogueteiro de S. A.
R.», e no dia missa cantada, sermão, Te-Deum e
procissão - tudo patrocinado pelo Juiz de Fora, que dali
tinha fugido para Águeda, onde esteve com o exército de
Trant enquanto lhe cheirou a franceses. A Gazeta de
Lisboa, tão parca em notícias, consagra à festa uma
página inteira do seu n.º 78, em 31 de Agosto. Vale a pena
transcrever o que ela diz dos pregadores: «foi hum Fr.
Manoel da Rainha dos Anjos, Religioso da Provincia da
Conceição, aggregado ao Corpo dos militares
Academicos, que com os livros na esquerda, e as armas
149
na direita, acabando de dar com seus Camaradas
irrefragaveis testemunhos da sua coragem, continua a
ostentar com louvor o seu grande engenho; foi outro o
Reverendo Fr. Joao Nuno, da Ordem dos Pregadores,
natural da Villa de Vagos, Bispado e Comarca de Aveiro,
na Literatura profundo, em ideas sublime, de pensamento
rico, na sã eloquencia raro, genio na verdade grande».
Onde abundavam heroísmos como o do Juiz de Fora, bem
era que não minguassem oradores de tal «engenho e
arte».

150
Capítulo V - A chacina de Arrifana54
É bem conhecido o caso tétrico de Arrifana, que lá
tem um monumento das guerras peninsulares a memoriá-
lo.
Durante a segunda invasão francesa uma guerrilha
atacou, no sítio da Quebrada, entre a ponte de Cavaleiros
e o lugar de Carcavelos da freguesia de Riba-Ul, um
destacamento da cavalaria francesa, sendo morto o
tenente-coronel Lameth.
Os soldados franceses fugiram e foram acolher-se
a residência do abade Pe. Manuel Ribeiro. Este correu
logo a prevenir as autoridades de serem os guerrilheiros
de Arrifana, para defender de imputações e represálias os
seus fregueses.
Como sabia isso o abade?
Ninguém o diz.
Em consequência, porém, dessa denúncia foi a
povoação de Arrifana cercada e invadida na manhã de 17
de Abril de 1809 pelas tropas francesas e todos os
homens encontrados foram metidos na igreja de onde os
faziam sair um a um, soltando quatro e prendendo e
algemando cada quinto. Levaram depois os quintados
para o campo da Buciqueira, onde os fuzilaram.

151
Um dos cadáveres foi exposto num alto poste no
lugar da Quebrada, onde se dera a façanha da guerrilha.
É assim que contam o caso a voz do povo, o nosso
amigo D. Fernando de Tavares e Távora, no número único
da Tradição e o saudoso arrifanense Saul Rebelo no seu
livro "Terras da Feira".
Na História da Guerra Civil, tomo V, o Luz Soriano
simplifica o caso. O ataque foi por "um partido das forças
portuguesas que, debaixo das ordens do coronel Trant, se
achavam em Albergaria". Mortos o Lameth e "dois dragões
do respectivo destacamento", o tenente Choiseul
consegue fugir depois de aprisionado. Soult encarrega
Thomières de castigar os culpados e este dirige-se a
Arrifana com um magistrado encarregado da devassa.
Porque a Arrifana, se tratava de forças de
Albergaria? Aqui fica a lógica ou o Soriano.
Como remate simples do "desastrado fim" dum
oficial francês "foram fuzilados cinco ou seis indivíduos,
indiciados de terem cometido o crime", fugindo o
verdadeiro culpado, major de milícias, para além do Vouga
a apresentar-se ao Trant que o mandou ao Beresford.
Perde neste conto toda a importância o morticínio
da Buciqueira, reduzido ao cinco indiciados. Neste relato
vinca o Soriano.
152
Remexendo a minha papelada velha encontrei,
porém, a nota duma versão diferente do remate do trágico
acontecimento.
No Serões de Novembro de 1905, dirigidos então
pelo conceituado escritor Henrique Lopes de Mendonça,
vem um artigo, sem assinatura, sob o título "Episódio da
segunda invasão francesa", onde, relatados os
fuzilamentos da Buciqueira, se lê:
"Levaram alguns que haviam ficado da matança,
cinco, segundo traficado, junto do local onde havia sido
morto o francês, infligindo-lhe, pela via dolorosa de alguns
quilómetros, os suplícios mais atrozes, de modo que dois
só, arrastados, é que atingiram o lugar do sacrifício. E este
não podia ser mais bárbaro. Colocaram-nos, pendurados,
de cabeça para o solo, em uns carvalhos, e neles foram
sacrificados aos manes da pátria livre. E lá estiveram, com
a boca desmedidamente aberta por um pau que Ihes
afastava as maxilas, durante alguns dias, estes mártires
da pátria, expostos aos olhares compungidos dos
transeuntes. Mãos piedosas houve que gravaram, em
cada uma das árvores prepriciatórias, uma cruz, que
muitas pessoas vivas se recordam de ser em cinco
árvores, que tantas foram os mártires que ali exalaram o
derradeiro alento. E o povo olhava para elas com tanta
153
devoção e respeito como para os altares de Deus, pois,
que representavam aos seus olhos, um sacrifício
sanguinolento, consumado em holocausto da pátria que
gemia escrava. Mas a picareta do progresso arrancou
estes símbolos augustos, sem respeito pelo drama que
neles teve o epílogo, com o fim único de rasgar uma
estrada - a real número dois”.
Este artigo é evidentemente escrito por um
sacerdote, talvez um sucessor do abade Manuel Ribeiro.
Custa por isso a crer que a tradição referida seja
inventada.
É certo que não encontro outros vestígios dela em
qualquer dos que sobre este assunto tem escrito.
Demais a narração enferma de confusões
suspeitas.
Vejamos: segundo a tradição, diz o artigo, foram
cinco os restantes de matança na Arrifana, anteriormente
descrita com esta totalidade.
"Arrebataram todos os homens que não
conseguiram fugir... E quando os algozes haviam
completado a caçada, transportaram as vítimas da igreja
para um campo vasto, onde os enfileiraram. Algumas
dezenas de espingardas apontadas sobre aquele alvo

154
inerme, completaram a obra. Ressoou uma descarga, que
teve por repercussão um grito único, uníssono".
Não fala na quintagem. Segundo esta narrativa
foram todos os arrifanenses, que não fugiram,
espingardeados, não foi só uma quinta parte deles. Mas
depois de todos fuzilados, escaparam ao grito único e
uníssono uns cinco ainda vivos. Foram levados pelo
caminho com tais atrocidades que só dois chegaram ao
lugar do sacrifício; mas acabaram por ser martirizados
cinco em cinco árvores. De maneira que vieram a sofrer o
martírio na Quebrada não só os dois que lá chegaram
como também os três que ficaram pelo caminho vítimas de
suplícios atrozes.
Pelo visto o autor do artigo não soube contar ou
não soube repetir o que ouviu dizer.
Será esta versão, assim emaranhada, um reflexo
deslocado e confuso do outro drama de Lourosa atestado
pelo Pinheiro das Sete Cruzes?
E um problema que indico as investigações de
qualquer curioso de assuntos históricos.
Pela minha parte só me dei a averiguar
sucintamente a identidade do oficial francês morto pelo
chefe da guerrilha da Arrifana.

155
Dizem-no muitos, e até os guerrilheiros que o
assaltaram, sobrinho do marechal Soult. Era isso o que
constava na ocasião; mas não havia tal parentesco.
O marechal Nicolau João de Deus Soult, duque da
Dalmácia desde 1807, era filho dum notário e casado com
uma alemã, não tendo ligação nenhuma com a família
Lameth da velha aristocracia picarda.
O oficial morto na Quebrada era ajudante de
campo do marechal, mas sobrinho do general Carlos
Francisco Lameth, que talvez viesse no exército de Soult e
foi governador de Santona, na Espanha, de 1812 a 1814.
Era filho do marquês Agostinho Luiz Carlos de Lameth, a
quem morreram nas guerras napoleónicas dois filhos
ainda novos, e que tinha três irmãos condes de Lameth:
Teodoro que se retirou da politica no começo do
consulado, Carlos o general referido e Alexandre prefeito
de vários departamentos e par de Franca nos Cem Dias.
Facilmente se explica a confusão do parentesco
pelo valimento em que o marechal teria o seu ajudante
sobrinho dum dos seus generais.

156
Capítulo VI - A campanha no Entre Douro e
Vouga55
A abertura desta frente foi levada a cabo pelos
generais Franceschi, Mamet e Thomières, logo após a
tomada do Porto e as reparações executadas na Ponte
das Barcas. A vanguarda desta força era composta por
seis regimentos de cavalaria sob o comando de
Franceschi que devia avançar pela estrada real para
Lisboa.
Um destacamento de cavalaria de 280 homens
avançou rapidamente até Oliveira de Azeméis e, a partir
dai, realizaram-se reconhecimentos a Pinheiro da
Bemposta, Angeja e Albergaria-a-velha. O grosso da
cavalaria permaneceu porém na Arrifana. O litoral foi
ocupado pela infantaria, que guarneceu a Vila da Feira
com 1.500 homens e Ovar com 1.200. O quartel-general
francês foi colocado em Grijó de onde partiam instruções
para a movimentação de tropas ao longo do Vouga. Tal
como a Norte do rio Douro, os franceses depararam com
numerosas povoações desertas e também rapidamente se
aperceberam da crescente resistência popular, que se
traduzia nas constantes emboscadas, como a verificada
em Santiago de Riba-UI e que deu origem às tristemente
célebres "quintanadas" ou fuzilamentos da Arrifana.
157
O deslocamento de tropas francesas para Sul do
Douro e a sua tomada de posições ao longo do Vouga
colocou a guarnição anglo-lusa de Coimbra em estado de
alerta. O governador militar Nicholas Trant fez preparar um
corpo expedicionário que a 31 de Março avançou para
Norte em marcha forçada (OLIVEIRA; 1945, 163).
Este contingente foi aumentando pelo caminho,
juntando-se-lhes tropas de milícias e ordenanças,
acabando por se reunir com os resistentes aveirenses que
defendiam a margem sul do Vouga. O dispositivo luso-
britânico rondava os 4.500 homens, com mil soldados
regulares. Assim se esperava pelo menos impedir a
travessia e o avanço das tropas de Soult, embora não
houvesse capacidade para iniciar uma ofensiva que
empurrasse os franceses de volta para Norte. Contudo, as
tropas de Trant resistiram um mês, até que o exército
anglo-luso de Wellesley se Ihes juntou a fim de abrir
caminho para o Porto, começando entretanto a preparar o
avanço ordenado através das zonas da ria de Aveiro. Uma
divisão sob o comando de Rowland Hill desceu a ria, e foi
posicionar-se em Ovar, reforçando os flancos do grosso
do exército. Este começou a atravessar o Vouga a partir
do início da madrugada de 10 de Abril. As forças de
Wellesley dividiram-se em dois corpos principais: o
158
primeiro era comandado pelo tenente-general Paget e o
segundo pelo tenente-general Sheerbrooke. A esquerda
deste dispositivo era reforçada pelo contingente de Trant
que avançou da Vila de Serém às duas da manhã.
A junção destas forças deu-se na área entre
Albergaria-a-Nova e Albergaria-a-Velha e, já organizados,
chegam ao contacto com o inimigo, iniciando-se o
combate as quatro da manhã e durando até às 10 horas
da mesma. Os franceses, não podendo segurar as suas
posições, começam a recuar escalonadamente para
Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis e finalmente
Grijó, aonde vão acumular todas as suas forças, num total
de 5200 homens entre infantaria e cavalaria, cobertos por
artilharia de campanha postada nos altos do Picoto.
Contudo foram desalojados pelos ataques bem dirigidos
de Wellesley. Foi a partir de Grijó que as tropas francesas
se viram obrigadas a voltar para o Porto tendo assim
comprometido o verdadeiro objectivo de Soult em
Portugal, que era ocupar Lisboa (idem, 1945, 164).
Entretanto, enquanto todo o fulcro da acção se
passava à volta da estrada real, o general Hill posicionado
em Ovar criava uma posição que permitia enfrentar a
brigada de cavalaria de Franceshi, embora contasse
apenas com forcas de infantaria sem o devido
159
enquadramento da artilharia e cavalaria, o que o poderia
colocar em desvantagem. Optou por se colocar na
defensiva dentro daquela povoação, em vez de interceptar
em campo aberto as forças francesas, o que foi uma
medida sensata, já que para além da cavalaria de
Franceschi poderia ser atacado pela infantaria de Mermet
que se encontrava acantonada na Vila da Feira. Para se
precaver de desagradáveis surpresas, Hill fez-se reforçar
pela brigada de Cameron .
De facto, Mermet já havia feito sair da Feira três
batalhões do 31º Leger (infantaria ligeira) para o bloquear
e cobrir o flanco da cavalaria francesa que avançava para
Ovar. Contudo o dispositivo luso-britânico conteve o
ataque francês e passou ao contra-ataque, iniciado com
uma carga dos dragões ingleses e secundado pela
infantaria. Os "voltigeurs" (caçadores) franceses
começavam a retirar, juntando-se à cavalaria de
Franceschi que também recua, acabando todos por se
deterem em Grijó, onde já estava Mermet sob ataque de
Wellesley. Pela manhã de 11 de Maio de 1809, os
generais Mermet, Thomieres, De Laborde e Franceschi
haviam contido o avanço do exército luso-britânico, mas
pela tarde o dispositivo francês rompeu-se e houve que
retirar em direcção ao Porto (idem,169).
160
A 12 de Maio, Wellesley concentrou todas as
tropas. Num golpe de mão audacioso, o general inglês fez
atravessar todo o seu exército de Gaia para o Porto
cruzando o rio Douro.
Inexplicadamente as tropas de ocupação francesas
quase não reagiram ao ataque, acabando por desocupar a
cidade. Fechou-se aqui o teatro de operações de Entre
Douro e Vouga após 43 dias de campanha, de 30 de
Março a 11 de Maio de 1809, terminando assim a
ocupação francesa do Porto e obrigando Soult a
movimentar-se em retirada para Norte. Era o começo do
fim da 2.ª Invasão Francesa de Portugal.
O ataque da guerrilha na Costa de Santiago de
Riba-UI
Numa manhã de Abril desse ano de 1809, o
tenente-coronel de cavalaria Lameth, ajudante de campo
do general Soult acompanhado de alguns cavaleiros
franceses, partiu do Porto pela estrada de Coimbra para a
linha de tropas do Vouga, levando consigo algumas
ordens do comandante da segunda invasão francesa.
Quando passavam no lugar da Quebrada ou da
Costa, entre a ponte de Cavaleiros e Carcavelos, na
freguesia de Santiago de Riba-UI, Oliveira de Azeméis
caíram na emboscada de paisanos chefiados por
161
Bernardo Antonio Soares Barbosa da Cunha, major de
milícias natural de Arrifana.
O seu objectivo era aprisionar os militares
franceses para obter os documentos de Soult. Porém
estes resistiram e quando Lameth ia a tirar as pistolas dos
coldres foi abatido a tiro de espingarda pelo chefe dos
guerrilheiros. Com ele morreram também dois dragões da
sua escolta, logrando os restantes escapar, entre eles o
tenente Choiseul, mesmo depois de aprisionado e
despojado do que levava.
Enquanto a guerrilha retira para Águeda, os
franceses em fuga dirigiram-se para Oeste até à Casa da
Ribeira em Salgueiros, ainda naquela freguesia sendo ali
recolhidos pelo padre Manuel Ribeiro, pároco da
freguesia. Conseguiram aí saber que, para além do chefe
da guerrilha, havia no bando atacante mais quatro
mancebos do lugar da Rua de Arrifana que, desde então,
ficaram com a cabeça a prémio e foram imediatamente
procurados. Eram eles João Ribeiro, alferes de
granadeiros do Regimento de Milícias de Oliveira de
Azeméis; João Gomes de Resende; Atanazio Ribeiro
Leite, músico e José Ribeiro Leite, cirurgião, que no
entanto lograram escapar à perseguição que lhes foi
movida.
162
No dia 17 de Abril, logo pela madrugada, as tropas
napoleónicas comandadas pelo general Thomières e
levando consigo um magistrado português encarregado da
devassa, cercaram a povoação de Arrifana e assaltaram
as casas, matando a tiro, à baioneta ou à sabrada os que
tentavam salvar-se fugindo através dos campos e
pinheirais. Como a maior parte do povo se tivesse
refugiado na igreja, ou nela tivesse sido obrigado a
concentrar-se, passando esta a servir-lhe de prismas, os
franceses mandaram depois sair todos os homens válidos
e destes, de cada cinco, apartam um. O grupo dos
quintados foi conduzido ao campo da Buciqueira, nos
limites de Arrifana com S. João da Madeira, onde foram
fuzilados.
Da descarga de tiros nem todos morreram logo.
Cinco sobreviventes foram levados para o lugar da Costa,
onde fora abatido o tenente-coronel Lameth, tendo três
morrido pelo caminho. De qualquer modo foram todos
pendurados de cabeça para baixo em cinco carvalhos que
ali existiam e onde permaneceram durante dias. Um outro
sobrevivente do fuzilamento, de seu nome Gaspar e de
profissão chapeleiro, tambor de milícias de Oliveira de
Azeméis, deixou-se cair entre os mortos e, chegada a

163
noite, levantou-se e fugiu, com as mãos amarradas atrás
das costas, para os lados do lugar da Azenha.
Outros arrifanenses foram mortos ou feridos pelos
caminhos, indo morrer longe, sendo portanto enterrados
noutras freguesias.
Mas o morticínio ocorreu também dentro da
povoação, como foi o caso de Manuel de Azevedo, morto
à coronhada por um soldado quando tentava apoderar-se
da arma de um outro no largo de Arrifana. Na ocasião
foram mortos igualmente dois cunhados seus. Seu irmão
Pedro, para memória destes trágicos acontecimentos,
mandou erigir em 1822 umas alminhas no largo onde tal
teve lugar. Um outro habitante, de seu nome Nazário,
criado e possível filho do capitão João António Gomes de
Pinho, do lugar da Rua, quando a casa de seu amo foi
assaltada fugiu para o telhado e, tendo sido descoberto e
alvejado, foi ferido no maxilar inferior, ficando marcado
para o resto da vida.
Quando os franceses retiraram, a povoação ardia.
Muitos dos Mártires de Arrifana foram depois sepultados
em vala comum no adro da Igreja. No da igreja de S. João
da Madeira foram enterrados mais 10. Artur Wellesley
registou numa carta: "Tenho visto muitas pessoas
pendentes, enforcadas em árvores ao longo das estradas,
164
executadas por nenhuma razão que eu possa saber, se
não porque não eram amigas da invasão dos franceses,
nem da usurpação do seu país, e podia traçar-se a rota da
sua retirada, pelo fumo das aldeias a que eles lançam
fogo" (citado por OLIVEIRA; 1945, 168).
Durante anos Arrifana não se recompôs destas
desgraças que vitimaram tantos dos seus filhos e demorou
a reerguer-se das mágoas do desgosto. Quando o fez e
se tornou de novo uma ridente povoação, não pôde e não
quis esquecer aqueles que morreram na sua terra às
mãos do estrangeiro invasor.
Bernardo António Soares Barbosa da Cunha.
Chefe da guerrilha de Arrifana
Face à ocupação da sua terra e da região pelas
tropas estrangeiras: face à vergonha quotidiana das
exigências, dos saques, dos condicionalismos da guerra:
face às incertezas da resistência da tropa organizada ou
do apoio inglês: face à ausência do poder real lá no
longínquo Brasil, as populações desenferrujam a velha
clavina e escondiam-se nos matos para matar os
franceses.
Aos morgados mais animosos competia-lhes por
tradição dirigir os seus criados e, de modo geral, os
paisanos vizinhos. Em Santa Maria de Arrifana tal missão
165
coube a António Soares Barbosa da Cunha, major de
milícias, natural desta terra, filho do bacharel Fernando
Marques Soares e irmão do coronel João Soares João
Soares Barbosa da Cunha Figueiroa Borges. Logo que se
deu a segunda invasão francesa, juntou os mancebos
vizinhos e deu-lhes instrução militar para resistirem aos
invasores, permanecendo nas imediações da sua casa,
pois entretanto a sua família pôs-se a salvo para as
serras. Desde então passou a emboscar, com os seus
companheiros de armas, todas as divisões e
destacamentos de tropas inimigas que passavam para a
frente do Vouga, ou dela regressavam ao Porto. Até que
numa dessas emboscadas, na Costa de Santiago de Riba-
UI, matou o tenente-coronel Lameth, dando assim azo ao
morticínio de Arrifana. Tendo escapado com os seus
guerrilheiros, ao cerco da povoação, mas com a cabeça a
prémio, passou o Vouga e juntou-se ao general Trant, que
então se achava em Águeda. Face à perseguição que Ihe
era movida, passou daí a Coimbra onde se incorporou
como voluntário no exército anglo-luso, vindo a tomar
parte nos combates de Albergaria, Grijó e na tomada do
Porto a 12 de Maio de 1809.

166
Os Quintados de Arrifana
Numa breve análise dos assentos de óbito relativos
aos Mártires de Arrifana verificamos que o formulário se
repete quase invariavelmente do seguinte modo: na
margem esquerda é aposto o lugar de residência e o
nome do falecido e, por baixo destas indicações é
garatujada a indicação, quando existe, de terem sido feitos
os ofícios pela sua alma. No corpo da página, o assento
começa pela data a que se segue a expressão "morto
pelos franceses de repente", fulano, às vezes a
paternidade, o local de residência, a idade, o estado civil,
onde foi enterrado e quem fica encarregado do seu
sufrágio. Segue-se a assinatura do abade Inácio José
Lopes de Puga. Na realidade um relato não muito
diferente dos habituais, não fora aquele "morto de repente
pelos franceses" que substitui o habitual "faleceu da vida
presente" dos restantes assentos. Note-se que entre
Outubro de 1808 e 17 de Abril de 1809 não tinha morrido
ninguém na freguesia de Arrifana mas que, depois da
passagem dos franceses, logo a 30 de Abril, volta a haver
outro óbito, no caso o de uma viúva da Carvalhosa. Pelo
meio ficaram os 63 fuzilados daquele fatídico dia, a que se
juntaram, devido à demora das informações motivadas
pelas distâncias e pelas condições de guerra que se
167
viviam, os óbitos de António, morto no dia 29 de Marco
nas trincheiras do Porto e natural de Barbeito,
provavelmente Oliveira de Azeméis A.D.A., L° 8 Arrifana,
fl.233 v., ass.3); o de António José Correia, que faleceu
repentinamente a 1 de Maio no Outeiro de Cima, portanto
já depois dos episódios de 17 de Abril (idem, fl.233 v.,
ass.7); o do desembargador Antonio Luís de Sousa Leal,
da Rua, morto a 20 de Marco num tumulto do povo em Stº.
Ovídio, portanto antes da tomada do Porto pelos
franceses (idem, fl.235, ass.3); e, finalmente o do
desembargador Domingos Manuel Marques Soares,
também da Rua, morto pelos franceses no Porto a 29 de
Marco, tendo ali sido enterrado (idem, fl.235. ass.4).
São estes os quatro óbitos que aparecem no meio
dos assentos dos Mártires de Arrifana, de pessoas que
não foram fuziladas a 17 de Abril, o que desde já
demonstra que os assentos foram sendo escritos depois
dos acontecimentos e sem qualquer ordem sequer
cronológica, mas talvez apenas à medida que ao abade
ou ao seu coadjutor iam chegando notícias das mortes.
Posteriormente foi acrescentada a nota dos ofícios divinos
e respectivo pagamento feito pelos encarregados dos
bens d'alma dos falecidos. De notar que dos fuzilados

168
apenas Antonio da Silva, de Guilhadães, tinha feito
testamento fechado (idem, fl.231, ass. 2).
Não há igualmente uma uniformidade da escrita em
todas as páginas, o que nos poderá levar a supor que
alguns assentos terão sido feitos pelo coadjutor do abade,
limitando-se nestes casos este a assinar. Os assentos das
folhas 230 e 230 verso são feitos com pena rombuda e a
escrita muito borratada. A partir da folha 231 a escrita é
mais fina, mais limpa, aparecendo aí o último assento com
letra diferente, a que se seguem mais três no verso,
intercalados com um outro do punho do abade e dois
outros iguais aos três primeiros. Este tipo de letra vai
manter-se em todos os assentos até à folha 235, voltando
no verso a aparecer a letra do abade. Mas não é apenas
uma diferença de letra : a própria ortografia também muda
de um relator para outro.
No livro do registo paroquial n.º 8 da Freguesia de
Arrifana, entre as folhas 230 e 235 v. estão pois registados
67 óbitos relacionados directamente com a 2.ª Invasão
napoleónica, dos quais 63 "mortos de repente pelos
franceses" o que não quer dizer exactamente que tenham
sido todos fuzilados. É o caso de Manuel de Azevedo, que
já referimos e que foi morto à coronhada. Confirmamos
assim, ainda que por aproximação, o número dos mortos
169
publicado por Saul Eduardo Rebelo Valente na sua obra
Terras da Feira - Notícias e Memórias da Freguesia da
Arrifana de Santa Maria (VALENTE, 1937, 33) onde dá
conta que terão morrido 64 homens de Arrifana, 2 de
Mosteirô, 4 de S. João da Madeira e 1 de Vila da Feira,
num total de 71. Este autor, embora não identificando nem
publicando as fontes que consultou indica que, além do
registo de Arrifana, procurou vítimas dos franceses nos de
Milheirós de Poiares, Sanfins, Escapães, Torres e Couto
de Cucujães, tendo encontrado alguns assentos que
igualmente constam no livro de Arrifana e, portanto,
repetidos.
Compreende-se o desnorte dos párocos e das
famílias das vítimas nos dias que se seguiram à matança.
Quanto à sua residência, a grande maioria era
moradora no lugar do Outeiro (17 mortos), sendo 15 do
Outeiro de Cima e 2 do Outeiro de Baixo; segue-se
Manhouce com 11 mortos, sendo 4 de Manhouce, 4 do
Cruzeiro de Manhouce e 3 do Outeiro de Manhouce; da
Rua, a principal zona residencial da freguesia foram
mortos 9 homens; Guilhadães e o Cruzeiro, com 5 cada;
Carvalhosa com 4; segue-se Laceiras com 3, a residência
paroquial com 2, e ainda um cidadão com residência no
Porto, mas natural da Carvalhosa. Para além destes
170
naturais ou residentes em Arrifana, morreram igualmente 4
homens do restante concelho da Feira (Escapães,
Mosteirô, Guisande e Fornos), 1 de Oliveira de Azeméis
(Cucujães) e um outro de S. João da Madeira.
Quanto à origem dos não naturais mas residentes,
havia desde nascidos em Braga (1), e nos arredores de
Guimarães (1), até naturais de Mosteirô (Feira, 1),
Escapães (1) e Cesar (1). Raramente são indicadas as
profissões, podendo deduzir-se que se tratava na maioria
de grandes, médios e pequenos proprietários. São no
entanto referidos 1 serralheiro, 1 criado do abade mais
cinco criados em casas diversas e ainda um "assistente"
em casa de um Capitão = (anspeçada ?).
As idades dos fuzilados nem sempre são indicadas
e, quando o são, variam entre os 18 anos, 2 com 19 anos
e 1 com 20. O estado civil também não é sempre indicado,
podendo essa ausência entender-se por viúvos ou
situação desconhecida do padre da freguesia, no que diz
que diz respeito aos naturais de outras terras. Sempre que
a mulher é indicada como responsável pelos bens d'alma,
entendemos tratar-se de indivíduos casados. E obtivemos
os seguintes: 32 homens casados, 19 solteiros e 12 viúvos
ou situação desconhecida.

171
Quanto aos bens d'alma, ficaram a ser feitos em 31
dos casos pela mulher, em 8 casos pelos herdeiros, em 2
casos pela mãe, 1 caso pelo pai ou mãe, 1 caso pelo pai,
um caso pelo Revº. Bernardo Joaquim e em 19 casos não
são indicados.
Quanto ao local de enterramento dos fuzilados
pelos franceses o registo paroquial informa-nos do
seguinte: 23 corpos foram enterrados dentro da igreja, 31
fora da igreja, incluindo nesta designação os 7 que foram
enterrados no adro e 8 foram enterrados na vizinha
freguesia de S. João da Madeira. O registo apenas
assinala um cadáver dependurado no local de ataque da
guerrilha aos franceses, ou seja, no lugar de Carcavelos,
Santiago de Riba-UI. Terão os restantes quatro, que
alguns autores referem, sido rapidamente retirados e
sepultados sem essa indicação?
É provável que perante tal avalanche de mortos,
muito superior ao normal, tenha havido alguma dificuldade
em manter a hierarquia social nos enterramentos. Mas os
criados, por exemplo, foram todos enterrados fora da
igreja. Famílias haveria que por tradição eram enterradas
dentro do templo e outras teriam os seus carneiros em S.
João da Madeira, devido aos casamentos entre parentes
de ambas as freguesias.
172
No rol dos mortos registam-se casos em que
morreram pai e filho, como João Ferreira Paciência e seu
filho Antonio, ou dois irmãos, como Francisco e José ;
filhos de Domingos Nunes, levando-nos outros apelidos a
suspeitar de quintados com parentesco muito chegado, o
que teria de ser confirmado pelas respectivas árvores
genealógicas.
O luto da freguesia tornou-se assim numa dor de
família para a totalidade dos seus habitantes, dos quais
ainda hoje ali existem descendentes, que em 1917, por
sugestão de Américo de Resende, mandaram erguer o
Monumento a memória dos seus antepassados.
“... atropa Franceza despersada, asolando e
fazendo mil dezatinos. ape de S.º Ant.º de Arrifana alguns
Paizanos matarao tres Offeciaes, eentre elles hera hu
sobr.º de Soult, este Povo foi logo atacado, metendo as
molheres criancas eVelhos na Igreja, eespingardiaraõ
sento etantos homens, espetando-os em varas, os
deixaraõ0 ficar, nao sendo os matadores daquele logar,
onosso Exercito, q.d° ali chegou, ainda achou aquele
horroroso espectaculo, eentre elles hu clerigo, os Inglezes
Se em cherao de Orror...”56

173
O Retábulo das Alminhas de Arrifana57
Para além dos arrifanenses quintados na Igreja,
muitos outros cidadãos foram molestados ou mortos pelos
franceses. Foi o caso de "... Manuel de Azevedo Garcia.
Solteiro, de vinte e um anos, morto por uma coronhada de
um soldado francês, quando lançava as mãos à arma de
outro soldado" (VALENTE;1937, 84) no largo do Outeiro.
Seu irmão Pedro em memória da sua morte e da de mais
dois cunhados, estes talvez fuzilados na Buciqueira.
manda levantar em 1822, naquele local um nicho de pedra
esculpido na parede da propriedade do lado poente, com
cerca de 2 metros de altura, tendo ao centro como que
uma pedra saliente a servir de supedáneo a uma cavidade
com tecto abaulado, fechada por grade de ferro forjado
com fechadura e caixa de esmola no interior. O singelo
monumento é rematado por um frontão rectangular que
sobressai do muro, também abaulado na parte cimeira , o
qual tem relevada uma cruz de pontas trilobadas (Cruz de
S.Tomé) ao centro e dois pináculos laterais. Do lado
esquerdo do observador, entre o pináculo e a cruz central,
apresenta-se legível a data de 1822.
Nessa mesma altura deve ter mandado pintar a
óleo um retábulo que elucida os viandantes da morte do
seu irmão e do massacre dos homens de Arrifana em 17
174
de Abril de 1809 no qual, para salvação das suas almas,
sé pede as orações de quem passa. Um gancho na
parede serve para suspender a lanterna ou lamparina de
azeite que ali devia conservar-se sempre acesa, o que
ainda hoje se verifica, embora colocada na base do nicho
ou na base do monumento.
O retábulo ostenta a legenda " PELAS ALMAS
DOS NOSSOS IRMÃOS PATRICIOS Q(UE) /
MORRERÃO NESTE CÍTIO ARCABUSADOS PELOS
FRANCESES NO ANNO DE 1809 P.N. A.M." pintada na
base sobre um letreiro branco.
A parte central da pintura é ocupada pela cena do
fuzilamento dos quintados, tendo ao centro uma árvore,
alusão aos pinheiros onde alguns dos mártires foram
pendurados e que contrasta vivamente com o chão
juncado de cadáveres. Sobre a esquerda do observador,
um pelotão de cinco soldados alinhados, o último dos
quais ataca à coronhada um civil.
Em primeiro plano, da esquerda para a direita, um
oficial a cavalo e um tambor a que se seguem quatro
soldados que cercam a cena principal pela direita.
Ao fundo, dentro de um muro que corre de fora a
fora, uma casa grande incendiada, provavelmente um
edifício que ainda hoje existe ali no alto do largo,
175
acompanhado da representação de outros edifícios
também em chamas. No terço superior do retábulo
representa-se uma paisagem composta por montes, mar e
céu, talvez a própria paisagem que de Arrifana se avista
para poente. No plano central, sobre um monte, abre-se
uma cena do Purgatório onde quatro penitentes ardem
nas chamas, talvez uma alusão aos três parentes mortos
pelos franceses e àquele que, tendo sobrevivido, mandou
fazer as " alminhas " e o seu retábulo. Sobre o monte e no
plano central, Jesus Cristo crucificado. Dos lados, sobre
nuvens, tem à sua direita Santo António e à sua esquerda
o Arcanjo S. Miguel, entidades celestiais ligadas às vitórias
militares. O primeiro, embora tendo vivido no século XIII
"assentou praça" como soldado raso no 2.º Regimento de
Infantaria de Lagos por alvará de D.Pedro II de 24 de
Janeiro de 1668. A 12 de Setembro de 1683 foi promovido
a capitão. A 25 de Março de 1777 D. Maria I promove-o a
major e em 1780 já era tenente-general. Porém a 26 de
Junho de 1814 D. João VI, esquecido da patente que o
santo já tinha em Portugal, gradua-o no Brasil em tenente-
coronel. A imagem pintada no retábulo de Arrifana tem
alguma analogia com a imagem de vulto de Santo António
que existe no Regimento de Infantaria de Cascais, de
quem foi protector durante a Guerra Peninsular,
176
acompanhando as andanças das suas tropas durante as
acções militares. Chegou por isso a ser implicitamente
considerado patrono do Exército, em vez do esquecido S.
Jorge. O próprio Wellington parece ter tido devoção por
este santo português, pois em 1815 ofereceu ao Cabido
de Sevilha uma enorme quantia para lhe venderem o
Santo António de Murillo que existe na capela baptismal
da catedral, o que foi recusado.
Mas se o santo não está no retábulo por razões
militares, estará com certeza por ser padroeiro das almas
do purgatório na tradição popular.
S. Miguel, que se apresenta numa mão com a
balança de pesar as almas que querem entrar no céu, e
uma espada na outra, é o príncipe das milícias celestes.
O facto de no mesmo painel se ter representado a
morte à coronhada de Manuel de Azevedo, acto individual
na ocupação de Arrifana e, ao mesmo tempo, se
representar um pelotão de fuzilamento com o campo
juncado de cadáveres, acto eminentemente colectivo, é
uma liberdade artística que não ocorre apenas na pintura
dita popular, embora sendo nela bastante comum, ou seja,
a representação numa mesma cena de acontecimentos
distanciados no lugar, no tempo e no modo. Assim se
sintetizou num só momento os vários dramas daqueles
177
dias. A falta de análise destes aspectos artísticos e
históricos tem levado a interpretações erradas dos
acontecimentos de 17 de Abril de 1809 e que andam por
aí impressas.
Não se sabe quem foi o autor da pintura, mas esta
não é nem tão ingénua nem tão vulgar como os habituais
retábulos de "alminhas" populares. Denota alguma escola
e alguma preocupação historicista.
Ao longo dos anos foi várias vezes retocada,
conforme é bem visível na última linha da legenda, onde
as palavras (FRANCEZES NO ANNO foram cobertas por
uma anacrónico DEZEMBRO, sendo visível o que resta de
uma assinatura de que adiante falaremos. Segundo o
autor das Notícias e Memórias da Freguesia de Arrifana
de Santa Maria (op. cit.,85) o painel teria sido retocado por
volta de 1867 por um professor de S. João da Madeira.
Quando em 1908 a Comissão do Centenário da
Guerra Peninsular começa a recolher notícias sobre a
existência de documentos e memórias alusivas às
invasões napoleónicas tomou conhecimento deste
retábulo-padrão, tendo solicitado o seu empréstimo para
figurar na Exposição Histórica que estava em preparação
no Museu de Artilharia em Lisboa e, ao mesmo tempo,
comprometeu-se a mandar restaurá-lo por carta de 16 de
178
Junho de 1909. A Junta de Freguesia delibera permitir a
saída da pintura para a capital ao cuidado da Comissão e
a 22 de Outubro desse ano já se encontrava a mesma
restaurada por "generosa e particular dedicação do ilustre
artista, secretário da Academia das Bellas Artes de Lisboa,
o Sr. Luciano Freire".
Terminada a Exposição, ficou então depositada
naquele Museu na Sala da Guerra Peninsular, enquanto a
Junta deliberava o que lhe havia de fazer quando voltasse
a Arrifana, tendo em 1912 decidido mandar erguer o
Monumento onde o retábulo haveria de ficar mais visível
do que no nicho de 1822. A Comissão nacional atribuía-
lhe particular importância, chegando mesmo a afirmar, em
ofício de 6 de Maio de 1914 que, "se não existisse o
retábulo, talvez se houvesse perdido a tradição, que
originou o monumento!". E por isso tinha sugerido à Junta
que arranjasse para o painel "uma instalação conveniente
...tanto para que ele fique, quanto possível protegido da
acção do tempo, como para que a sua exposição e culto
público se achem apropriadamente atendidos "(ofício de
12 de Abril de 1910). A 19 de Dezembro de 1910 ainda
sugeria"... que aquele retábulo teria adequada colocação
no exterior de qualquer das paredes laterais da Igreja
paroquial em apropriada disposição para ficar
179
resguardado das injúrias do tempo, e para ser visto e
permitir os actos piedosos, que sempre teem honrado o
dito padrão, e comvêm que continue ".
Quando a Junta delibera mandar erguer o
Monumento é portanto com a intenção de colocar a
pintura numa das suas faces, sugestão essa que poderá
ter vindo do próprio "artista amador" que desenhou o
projecto, o que desde logo suscitou algumas críticas, pois
o painel acabaria por ficar desabrigado e os seus
pormenores pouco visíveis: "o velho retábulo da pintura a
óleo nele imbutido e em exposição a modo de alminhas é
que inteiramente destoou da gravidade que tal padrão
requeria, além de ser inestético e impróprio" (idem, 85).
Como essa era igualmente a opinião do general
Rodrigues da Costa, que presidia à Comissão, logo que o
Monumento foi entregue às autoridades militares em 24 de
Junho de 1914, já tudo estava encaminhado para
substituir o velho retábulo por uma escultura em bronze
com o mesmo motivo. Porém, a Guerra de 1914-1918 fez
atrasar a questão e a pintura sofre os tratos das
intempéries entre 1914 e 1931, "... até que pelo imperioso
motivo de a salvar da ruina total que rapidamente se
aproximava, e a conselho de opinião autorizada, foi

180
retirado em Maio de 1931 e colocada numa das sacristias
da Igreja..." (idem, 87).
Sobre este, entretanto, algumas questões nos
ocorrem: tendo hoje o nicho das "alminhas" um outro
retábulo, muito mais recente e muito mais naïf na sua
tentativa de cópia do primeiro, quem o pintou e quando foi
ali colocado ?
Sabendo do profundo significado que as "alminhas"
tinham para os arrifanenses, até porque não havia na terra
outra memória do massacre, compreende-se a demora da
Junta de Freguesia em deixar ir o retábulo para Lisboa.
Mas também se compreendem os motivos de não querer
perder a oportunidade para mostrar ao mundo erudito da
capital que também Arrifana se sacrificou - e de que
maneira - pela independência de Portugal.
A solução estava em mandar pintar um outro
retábulo e colocá-lo no nicho, enquanto o antigo ia até à
capital. Que pôr então no nicho de 1822, senão uma
réplica, que não defraudasse a piedade dos que
continuavam a venerar a memória dos fuzilados naquele
local?
Outra questão que se põe é quem terá pintado este
segundo retábulo. Foi bom certeza um pintor amador, que
aligeirou a carga pictórica e simbólica do primeiro.
181
Desaparecem as figuras celestes, substituídas por uma
cruz com uma coroa de espinhos, de onde brota sangue.
A cena com os soldados franceses domina agora todo o
painel, havendo um nítido aumento da paisagem,
pontuada por uma grande árvore à direita e as casas ao
fundo, nas quais só a da esquerda está em chamas. A
cena da morte à coronhada quase desaparece,
apresentando-se os cinco soldados do pelotão com as
armas em riste. O cavalo lusitano do oficial do retábulo
antigo foi substituído por uma mula e até o tambor do 1.º
soldado do 1.º plano foi transformado em caixa-de-guerra.
A legenda da base é praticamente igual, sem o erro do tal
DEZEMBRO, o que quer dizer que este novo painel foi
pintado antes deste "restauro".
Deve pois ter sido pintado pelo tal "artista amador
"que foi autor do projecto do Monumento, que assim terá
resolvido o problema da ausência do retábulo antigo em
Lisboa, e o problema da sua mudança de lugar no
regresso.
Esta atribuição é ainda corroborada pelo facto de
na última linha da legenda existirem umas letras mais
recentes sobre a pintura do retábulo e que foram
posteriormente raspadas, mas onde ainda se lê o que
resta de Domingos Reis Maia, talvez uma alusão ao facto
182
de este ter copiado o primitivo retábulo e a respectiva
data.
Esta abusiva sobrecarga não explica o
espúrio"DEZEMBRO", que não existe na "cópia" e que
portanto não é contemporâneo dela. Deve ter sido pintado
num " restauro " mais recente por qualquer amador, pois
um profissional não faria tal coisa, que na realidade ignora
totalmente a data do massacre.
Colocado o painel em segurança na sacristia da
Igreja, já então existia na fachada do templo uma lápide
em mármore com a seguinte inscrição: ARRIFANA/ - / EM
1809 INVADINDO OS FRANCESES / ESTA FREGUEZIA
E REFUGIANDO-SE / O POVO N'ESTA EGREJA AQUI
FOI / MORTO EM GRANDE NUMERO, o que não é
exactamente verdade, pois não consta que os franceses
tivessem morto alguém dentro da igreja ou mesmo no
adro. O aqui refere-se obviamente à freguesia de Arrifana
e não àquele local, que serviu, isso sim, de cemitério aos
fuzilados. A inscrição, atendendo à ortografia, deve ser do
princípio do século XX, quando os acontecimentos de
1809 já tinham entrado no domínio da lenda que levou,
por exemplo, Pinho Leal a escrever que "morreram (entre
homens, mulheres e crianças) perto de 330 pessoas, pois
apenas escaparam algumas por baixo dos mortos!"
183
(PINHO LEAL; 1875, l. 238). Ora nem o retábulo mostra
que os franceses matassem mulheres e crianças, nem tal
prática era corrente em quaisquer exércitos, muito menos
no napoleónico. Pinho Leal era miguelista e não gostava
de jacobinos; daí que tivesse transcrito estas e outras
fantasias que a investigação histórica não abona, mas que
ainda hoje são citadas!.
Em 1956 o retábulo volta a sair de Arrifana, desta
vez para figurar na Exposição Histórico-Militar em
Homenagem a Mouzinho de Albuquerque, organizada
pelo Gabinete de História da Cidade do Porto no Quartel
de Santo Ovídio desta cidade, depois Quartel-general da
Região Militar do Norte. No respectivo Roteiro, com o n.º
149 indica-se um "Ex-voto em memória de Manuel
d'Azevedo Garcia morto pela coronhada dum soldado
francês na Arrifana. Óleo. Igreja Paroquial de Arrifana".
Datará desta data o "DEZEMBRO" anacrónico ?
Regressado de novo "... muito recentemente, esse
painel deixou a sacristia norte da igreja de Arrifana, para
ficar exposto na biblioteca dos Bombeiros Voluntários de
Arrifana, em lugar digno e acessível" conforme publicou
em nota a um trabalho de 1983 o Pe. José Alves de Pinho
da freguesia de Fornos (PINHO; 1983, 59, (9)).

184
O retábulo-réplica, esse lá continua nas "alminhas"
de 1822 a sufragar a alma de Manuel de Azevedo e seus
dois parentes mortos pelos soldados de Napoleão.

185
Capítulo VII - Massacre em Arrifana, Feira -
Mortos de repente pelos franceses58
Na madrugada de 17 de Abril de 1809 o exército
francês cerca e toma de assalto a pacata povoação de
Arrifana. Quem oferece resistência ou ensaia a fuga é
morto a tiro, à coronhada ou trespassado pelos sabres e
baionetas dos soldados de Napoleão. Grande parte da
população procura refúgio no interior da igreja que, no
entanto, acaba por se revelar uma verdadeira ratoeira: os
franceses obrigaram todos os homens válidos a saírem do
templo, seleccionando em seguida um em cada cinco. Os
“quintados” (assim ficaram conhecidos) são de seguida
fuzilados pelos invasores. Quando estes partem deixam
atrás de si a povoação em chamas e, empilhados no local
do massacre, e pendurados de cabeça para baixo em
várias árvores, cerca de 70 mortos.
A forte resistência popular ao exército francês
invasor foi um dos factores mais característicos da Guerra
Peninsular. As populações portuguesas e espanholas
foram, com efeito, responsáveis por constantes e hostis
acções em relação às tropas napoleónicas. E se essa
oposição foi muitas das vezes “passiva” e materializada no
abandono das povoações e propriedades e na destruição
dos bens que, de algum modo, pudessem servir ao
186
inimigo, não é menos verdade que esta resistência
assumiu crescente e correntemente facetas bélicas.
Multiplicavam-se, na realidade, as emboscadas e
pequenas acções militares que, tanto ou mais do que
fragilizar o ocupante pelas baixas que provocavam, o
desmoralizavam dado o constante clima de medo pelo
inesperado em que as tropas viviam. De resto, vários
estudiosos têm defendido que foi com a Guerra Peninsular
que a expressão “guerrilla” (pequena guerra) adquiriu o
significado de resistência popular contra um invasor ou
inimigo do povo pelo qual é hoje universalmente
reconhecida.
Muitas vezes, contudo, as emboscadas sobre o
exército francês acabaram por o motivar para duras
acções punitivas de vingança sobre as populações. Foi o
que aconteceu em Arrifana, durante a 2ª Invasão
Francesa, em 17 de Abril de 1809.
Tudo começou poucos dias antes quando o
tenente-coronel Lameth, ajudante de campo do General
Soult que comandava esta invasão e desde 29 de Março
ocupara o Porto, parte desta cidade, acompanhado por
outros cavaleiros franceses, levando consigo ordens de
Soult para as tropas estacionadas junto ao Vouga.

187
Não obstante a sua reconhecida competência, em
Riba-Ul, Oliveira de Azeméis, este oficial francês e os seus
companheiros caíram numa emboscada de paisanos
encabeçada pelo chefe da guerrilha de Arrifana Bernardo
António Barbosa da Cunha, um dos mais importantes
morgados da região que, na sequência da invasão
francesa, havia juntado os seus criados e os mancebos
vizinhos, dera-lhes instrução militar, e organizara assim
um grupo de guerrilheiros que repetidamente emboscava
as tropas inimigas que aqui passavam para a frente do
Vouga ou regressavam ao Porto.
Face à resistência oferecida por Lameth é o próprio
Barbosa da Cunha que o mata a tiro de espingarda. Dois
outros franceses morrem também na sequência deste
embate, mas os restantes conseguem escapar e, com
eles, segue a denúncia dos autores da emboscada.
A vingança do general Soult não se fará esperar. E
assim, na madrugada de 17 de Abril, as tropas
napoleónicas, comandadas pelo general Thomières,
escreverão mais uma página negra da história das
invasões francesas. Cercada e tomada de assalto a
pacata povoação de Arrifana, local de origem da maioria
dos elementos da guerrilha de Barbosa da Cunha (que
consegue, no entanto escapar, juntamente com a maioria
188
dos seus homens), assistir-se-á em seguida a uma
bárbara carnificina. Quem resiste ou procura fugir é morto
a tiro, à coronhada ou trespassado pelos sabres e pelas
baionetas dos invasores. São poucos, no entanto, estes
mortos, se comparados com o número de homens que
morreriam poucas horas depois. O cenário do que se
passou é dantesco mas narra-se em poucas palavras:
porque para aí foram empurrados pelas tropas ou porque
aí procuraram refúgio, grande parte da população
concentra-se no interior da igreja que, rapidamente, se
transforma numa verdadeira prisão, de onde é impossível
fugir. Os franceses obrigarão então todos os homens
válidos a saírem do templo, seleccionando em seguida um
em cada cinco. Os “quintados” (assim ficaram conhecidos)
são levados para o campo da Buciqueira, entre a Arrifana
e S. João da Madeira, e de seguida fuzilados. Lado a lado
tombam pais e filhos, irmãos e, pelo menos, 32 homens
casados e 12 viúvos. E porque cinco dos infelizes
sobreviveram ao fuzilamento, foram mortos posteriormente
no lugar onde a guerrilha havia abatido o oficial francês
Lameth e deixados, durante vários dias, pendurados de
cabeça para baixo em cinco carvalhos que aí existiam.
Foram pois, muito poucos, os que tiveram a sorte
do chapeleiro Gaspar que, embora fizesse parte dos
189
“quintados”, não foi atingido no fuzilamento deixando-se,
no entanto, cair entre os mortos ensanguentados e, com
as mãos atadas, esperar pacientemente pela noite para
fugir.
Não se sabe correctamente quantas pessoas
morreram nesse dia. Um estudo recente (GUIMARÃES e
outros 1997) indica de uma forma clara que só na
freguesia da Arrifana os Registos Paroquiais referem 67
óbitos na sequência da intervenção francesa. A estes
haverá, no entanto, que acrescentar outros que, feridos de
morte, acabam por se refugiar e falecer noutras paróquias
ou o caso de algumas vítimas que, por serem de outras
povoações vizinhas, foram transportadas pelos seus
familiares para as suas terras onde foram sepultadas e
registado o seu óbito. Embora reconheça que, em
resultado do desnorte que terá atingido as populações e
os seus párocos durante os dias seguintes, se detectem
alguns registos de óbito repetidos, Saúl Valente havia
salientado já em 1937 que entre as vítimas do fuzilamento
se encontram, além dos homens da Arrifana, 2 de
Mosteirô, 1 da Vila da Feira e 4 de S. João da Madeira. De
resto, sabe-se que oito das vítimas foram enterradas nesta
última localidade.

190
Curiosa é a expressão utilizada pelo pároco de
Arrifana nos seus registos. Querendo deixar bem marcada
a memória da matança substituiu, nos já referidos 67
óbitos desse dia, o corrente “faleceu da vida presente” por
um repetido “morto de repente pelos franceses”, que o
mesmo é dizer fuzilados ou, como poucos anos depois
(1822) lembraria umas alminhas ainda existentes no
centro da Arrifana: “arcabusados pelos franceses”.
Os mártires da Arrifana são, ainda hoje, uma
referência bem viva na localidade. São três, no entanto, os
monumentos que sugerimos ao leitor que deseje contactar
mais de perto com a memória deste episódio sangrento.
Desde logo a igreja paroquial, no centro da vila, que
através de uma já antiga inscrição colocada na sua
fachada lembra que “(...) refugiando-se o povo n’esta
egreja aqui foi morto em grande numero.”
Saindo pelas traseiras da igreja e subindo até ao
Largo da Guerra Peninsular, aí encontrará o Monumento
aos Mártires de Arrifana: um obelisco granítico, com mais
de oito metros de altura, inaugurado em 1914 e da autoria
de Domingos Maia, um artista local. O escultor José de
Oliveira Ferreira, autor do famoso monumento dedicado à
Guerra Peninsular no Campo Grande, em Lisboa, é o
autor do painel em bronze que representa o fuzilamento
191
de 17 de Abril de 1809, visível numa das faces do
monumento, e aí colocado em 1935.
A poucas dezenas de metros do obelisco,
classificado como “Monumento Militar” poucos meses
depois da sua inauguração, poderemos contemplar aquela
que é a mais antiga referência evocativa e monumental
dos acontecimentos que narramos, mas também a mais
popular e, ainda hoje, a mais acarinhada: as alminhas da
Arrifana, datadas de 1822. No seu interior um retábulo naif
retrata a cena do fuzilamento e ostenta a seguinte
legenda: “PELAS ALMAS DOS NOSSOS IRMÃOS
PATRICIOS/ QUE MORRERAM NESTE SITIO
ARCABUSADOS PELOS FRAN/ CESES NO ANO DE
1809 P.N.A. M.”. Trata-se de um segundo retábulo, feito já
no século XX, que substituiu e procurou copiar o original
que, bastante degradado pelo passar dos anos, se
encontra na Biblioteca dos Bombeiros Voluntários da
Arrifana.

192
Agradecimentos: Sr. Nelson pela cedência das
imagens do registo de Óbitos L.º n.º 8 da Freguesia da
Arrifana existente no Arquivo Distrital de Aveiro; Centro de
Cópias da Feira; Biblioteca Nacional de Portugal;
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra; Hemeroteca
de Lisboa; Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira;
Empresa Municipal Feira Viva, na pessoa do seu
Administrador Paulo Sérgio Pais; Junta de Freguesia de
Arrifana, na pessoa do seu presidente Dário Matos, do
tesoureiro Delfim Ferreira e secretário, David Ferreira;
Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, nas pessoas
do seu Presidente Alfredo Henriques e do Vereador
Amadeu Albergaria. Ao Exército de Portugal nas pessoas
do General Mascarenhas, Coronel Luís Nobre, Coronel
Hermínio Maio e Coronel Pereira Carvalho.

1 Revista Labor, Fevereiro de 1995, págs 4-5.

193
2 BASTO, A. de Magalhães, O Porto sob a segunda Invasão

Francesa, Lisboa, 1926.

3 OLIVEIRA, Padre Miguel de, A Campanha de Entre Douro e Minho

na segunda Invasão Francesa, Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XI, 1945.

4 Gazeta de Lisboa. Suplemento extraordinário ao n.º 19, de 19 de

Março de 1809.

5 Nobreza de Portugal, vol. II, Lisboa, 1960, pág.. 586 e SERRÃO,

Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. VII (1807-1832), p. 143.

6 Este é um conjunto de textos publicados no Jornal a Tradição,

número único editado por Adão Rodrigues em 17 de Abril de 1914, no âmbito

comemorativo da inauguração do Monumento da Guerra Peninsular em Arrifana.

7 TÁVORA, D. Fernando Tavares e. Feira, 27 de Março de 1914.

8 RICCA, Maximiano. Porto, Março de 1914.

9 FEYO, Maria.

10 PIMENTA, Eduardo Pimenta.24-3-1914.

11 FERREIRA, Vaz. Lisboa, Março de 1914.

12 AZEREDO, Álvaro.

13 AZEREDO, Francisco de, Conde de Samodães.

14 ALBUQUERQUE, Maria da Luz. Arrifana.

15 VICENTE, Júlio, Porto, 29 de Março de 1914.

16 CASTELÕES, Álvaro de, Porto,. 28-3-1914.

194
17 HOMEM, Primo, Arrifana, Abril 1914.

18 SANTOS, José Beleza dos, Arrifana, 17 de Abril de 1917.

19 VALENTE, Saul Eduardo Rebelo, Arrifana.

20 REIS, Vicente R. Sousa.

21 VALENTE, Saul Rebelo, Arrifana, 17 de Abril de 1914.

22 RODRIGUES, Adão, Porto 12 de Outubro de 1913.

23 Correio da Feira, de 12 de Abril de 1914.

24 Occidente Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro,10 de

Junho de 1914.

25 Estas e outras notas foram extraídas de um artigo do Sr. D.

Fernando de Tavares e Távora, publicado no número único, A Tradição,

comemorativo da inauguração do monumento e editado, no Porto, pelo Sr. Adão

Rodrigues

26 VALENTE, Saul Eduardo Rebelo, Terras da Feira: notícias e

memórias da freguesia da Arrifana de Santa Maria, Coimbra, Coimbra Editora,

1937 pp. 69 a 95.

27 REBELO, José António Gomes Leite, Oliveira de Azeméis, 29 de

Dezembro de 1857.

28 Alusão à lenda de que a palavra «Arrifana» era derivada de aureu

flamma- chama de ouro.

29 Idem, de que Arrifana fora cidade nos séculos X ou XI.

195
30 OLIVEIRA, Miguel de, A Campanha de Entre-Douro-e-Vouga na

Segunda Invasão Francesa, Arquivo Distrital de Aveiro, Volume XI, 1945.

31 Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 43

32 Principal bibliografia utilizada: Gazeta de Lisboa, ano de 1809;

Souvenirs d’un militaire des armés francaises, dites de Portugal, por A. d'Illens

(Paris.1827); W. F. Napier, na versão francesa de Mathieu Dumas, Historie de la

Guerre dans la Peninsule (tomo 3.°, Paris, 1828); História da Guerra Civil, de

Luz Soriano (2.ª época, tomo 11, Lisboa, 1871); Estudo Histórico sobre a

Campanha do Marechal Soult, de A. P. Taveira (Lisboa, 1898); A History of the

Peninsular War, de Charles Oman (vol. 11, Oxford, 1903).

33 A respeito dos acontecimentos do Porto, veja-se especialmente:

1809 - O Porto sob a segunda invasão francesa, por Artur de Magalhães Basto,

Lisboa. 1926.

34 Conde de Campo Belo, D. Henrique, Os Franceses no Porto em

1809, transcrevendo O testemunho de António Mateus Freire de Andrade, no

«Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto», vol. VII, pags. 26g e seg.

35 ILLENS, A. d', o.c.., pag. 187.

36 MARTINS, Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins,

Coimbra e a Guerra Peninsular, 2 vol., Coimbra, 1944.

37 Gazeta de Lisboa, supl. ext. ao n.º 21, de 23 de Maio.

196
38 VALENTE, Saúl Eduardo Rebelo, Terras da Feira - Notícias e

Memórias da Freguesia da Arrifana de Santa Maria, págs. 71 e seg., Coimbra,

Coimbra Editora,1937.

39 O. c. pág. 199.

40 ARÊDE, P.e João Domingues, Cucujães, pág». 114 e115; Porto,

1914.

41 PEREIRA, Esteves e RODRIGUES, Guilherme, Portugal,

Diccionario Histórico, artistico, chorografico, biographico, bibliographico,

heraldico, numismatico e artistico, v. Pinheiro da Bemposta.

42 SÁ, P.e Manuel F. de, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira, pág.

93; Porto, 1939-1940.

43 TAVEIRA, A. P. o. c. doc. 97.

44 PIMENTA, Belisário, A Barra de Aveiro em 1809, Arquivo do

Distrito de Aveiro, vol. VIII, pp. 161 e seg.

45 OMAN, Charles, o. c., pp. 326-327

46 Gaz. de Lisboa, supl. ext. ao n° 20, 16 de Maio 1809

47 Guia de Portugal, 3.º vol, págs. 565-560.

48 Conde de Campo Belo, o.c.

49 Almanaque ilustrado de Ovar para 1917 (6.º ano), pág. 125.

50 SIMÕES, A. Dias, Ovar – Biografias, pp. 48,63 e 82, Ovar, 1917.

51 Almanaque cit., pág. 291.

197
52 BASTO A. de Magalhães. o, c., pág. 215.

53 Informações extraídas da Resenha Histórica das Freguesias de

Souto, S. Vicente de Pereira e S. Martinho da Gandra, publicada pelo P.e

Augusto de Oliveira Pinto em folhetins da «Tradição», da Vila da Feira, desde

Maio de 1935; pp. 159 e seg.

54 FERREIRA, Vaz, Feira, 22 de Outubro de 1942.

55 GUIMARÃES, Gonçalves; COELHO, Sérgio Veludo , FERREIRA,

Felicidade, Os Mártires de Arrifana. Memória da Guerra Peninsular, Arrifana:

Junta de Freguesia, 1997, pp. 57-65.

56 CAMPO BELO, Conde, Os Franceses no Porto em 1809,

transcrevendo O testemunho de António Mateus Freire de Andrade, Boletim

Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. VII, pp.. 85/86

57 GUIMARÃES, Gonçalves; COELHO, Sérgio Veludo , FERREIRA,

Felicidade ,Os Mártires de Arrifana. Memória da Guerra Peninsular, Arrifana:

Junta de Freguesia, 1997, pp. 91-95.

58 CLETO, Joel e FARO, Suzana, Massacre em Arrifana, Feira -

Mortos de repente pelos franceses, O Comércio do Porto - Revista Domingo,

Porto, 23 de Janeiro 2000, pp.21-22.

198

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