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A morte é o fenómeno terminal da vida. Complexa e variada nas suas consequências morais, éticas, religiosas,
filosóficas, socioculturais, médico-biológicas e legais, eia cabe em escassos modelos médico-legais: a morte natural
(súbita precedida de agonia), a morte do próprio (suicídio), a morte do próximo (no homicídio, na execução judiciária
e na morte pela guerra ironicamente incluindo como crimes de pena algumas das mortes) e a eutanásia como novo
modelo de morte cometida no próximo. Ela surge à liça com a enganosa prefixação de bondade implícita no eu ligado
à mitológica evocação do deus grego Thauatos, divindade mortal.
Em que consiste a eutanásia?
Talvez o ponto de partida semântico seja a maneira mais fácil de abordar a questão de forma a finalmente encontrar
resposta, se não para todas, pelo menos para algumas das dúvidas mais importantes que sobre o tema assolara no
pensamento humano. Eutanásia é uma palavra que provém do grego. O prefixo "eu" (bom) ligado a tánatos (morte)
indica, à boa maneira simplista, um conteúdo de boa morte. Direito à vida e direito sobre a vida hão são exatamente
a mesma coisa. Paradoxalmente, às múltiplas declarações sobre os direitos à vida, culminando na declaração
universal dos direitos humanos, contrapõe-se a licitude de manipulação de um direito sobre a vida das pessoas,
dando-lhes a morte.
A procura da imortalidade fez-se, far-se-á sempre, no plano mágico-religioso, para vencer a angústia vital caraterística
comum da inaceitação de acabar, finar, desaparecer, inexistir. A medicina nunca buscou a imortalidade mas tão-
somente um prolongamento, um aumento da probabilidade de vida. Mercê de aturada investigação científica foi
dilatado para a média de 70 anos o que há dois mil anos rondava os 30.
A diferença dos conceitos de vida e de morte aplicados à pessoa humana atual, cujos valores referidos são
inegavelmente alheios ao passado recente de, pelo menos, cem anos, ilumina a eutanásia, evidenciando esconderijos
e encantos jamais adivinhados, A mistura de fenómenos relacionados com o fim da vida na moderna concetualidade
de prolongamento artificial daquela engloba a reanimação cardiorrespiratória, a ressuscitação e a morte com
dignidade.
A ressuscitação limitou-se durante séculos na civilização ocidental de influência judaico-cristã, à ressurreição de
Lázaro, que Cristo fez retornar à vida.
A argumentação de que é despersonalizante, desumano, degradante, ver uma pessoa ligada a muitos tubos e
máquinas, cai pela base porquanto ninguém considera despersonalizante um doente ligado aos mesmos tubos e
máquinas durante uma intervenção cirúrgica irrealizável sem o recurso a tais técnicas sofisticadamente contrariando
a natureza. A diferença está no limite. Enquanto no doente o acontecimento dá-se em vida e a probabilidade de
continuar em vida é máxima, no doente terminal, moribundo, fatalmente condenado pela morbilidade que o afeta, a
probabilidade é mínima ou até nem sequer existe. Embora o direito de morrer dignamente seja algo muito
controverso, nada tem que ver com a eutanásia no sentido da legitimidade da intervenção de terceiros. Quando
muito haverá a questão da despenalização de homicídio em determinadas circunstâncias ou ainda deixar de ser crime
a eutanásia de definição clarificada.
A Bioética progrediu depressa demais, tão rapidamente que às vezes nem dá tempo para pensar. O povo tem um
ditado que bem se lhe aplica, traduzindo a dificuldade de opção. “É areia a mais para a minha camioneta!"
Platão, no terceiro livro da "República", sugeria o estabelecimento de uma disciplina e jurisprudência no Estado para
proteger os cidadãos sãos de corpo e alma enquanto se devia deixar morrer os que não eram sãos de corpo.
Escreveu: 'Estabelecerás no Estado uma disciplina e uma jurisprudência que se limite a cuidar dos cidadãos sãos de
corpo e alma; deixar-se-ão morrer aqueles que não sejam sãos de corpo".