Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Há um pensador grego, Aristóteles, que foi o primeiro a dizer que cidadão é aquele
que governa e é governado. Ou seja, é aquele que tem, ao mesmo tempo ...
(interrupção da fita)
... a necessidade e a liberdade. Nós estamos aqui lidando com categorias muito
próximas com as quais Lukács trabalha não só na ESTÉTICA como na
ONTOLOGIA, ou seja, com a categoria da interação entre necessidade e liberdade.
Não é que a necessidade não exista. Nós só conseguimos passar para o ético-
político, superando o econômico-corporativo, porque ele existe. G. vai falar assim
claramente na elaboração superior da estrutura em superestrutura.
Vamos lembrar aqui do texto de Marx (tirando as Teses de Feuerbach) com o qual
G mais trabalha: é o Prefácio à CONTRIBUIÇÃO PARA A CRÍTICA DA
ECONOMIA POLÍTICA escrito em 1859 (não confundir com a Introdução, que
aparentemente G não conhecia, que é um texto mais denso) . Marx diz: “ ... Em uma
certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade
entram em contradição com as relações de produção existentes ou, ...” . É um texto
pequeno que G gosta muito. E lê esse texto evitando qualquer tentação de reduzi-lo
ao economicismo . ... Mas nesse texto há uma colocação, com a qual G mais
trabalha, onde está dito: “Na consideração de tais transformações é necessário
distinguir entre a transformação material das condições econômicas de produção,
que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas
jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas
ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem
até o fim”, ou seja, os movimentos da infra-estrutura, ou seja, as contradições que se
estabelecem nesse nível, podem ser fixadas com métodos de ciência natural, eu diria,
estatisticamente (eu posso estabelecer quantos trabalhadores assalariados existem etc.
etc. ), mas a solução dessas contradições , diz Marx, se dá no nível da superestrutura,
no nível do que ele chama de formas ideológicas, ou seja, os homens só operam no
sentido de superar suas contradições ... se eles tomarem consciência dessas
contradições, seja através da arte, da religião, da filosofia, do ... política, no nível das
formas de pensamento social ou (e Marx é claro) das formas ideológicas. E aí eles
travam os seus conflitos e os levam até o fim.
Eu diria que essa frase é extremamente emblemática para mostrar que Marx não era
um economicista. A dinâmica da sociedade passa pela tomada de consciência dos
conflitos. E é nesse nível que realmente a história se move, embora, é claro, ela só se
mova porque tem um nível material. Não é pelo fato de que a política ganha, nesse
texto de Marx e na obra de G em geral, uma enorme dimensão ... Eu não hesitaria em
dizer que para G a política é criativa, como Machiavel é criativo. Lênin tem uma
expressão muito bonita: “a política é economia concentrada” . Não, a política tem a
sua autonomia, não é absoluta ..., Machiavel já tinha visto que virtud , o talento, a
habilidade do político , do Príncipe, tem um limite, que é o que Machiavel chama de
fortuna, que aquilo que ele não pode controlar. É evidente que também em G e no
marxismo em geral a política é criativa dentro de alguns limites: “ a humanidade só
se propõe problemas que pode resolver”, “uma formação social nunca perece antes
que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é
suficientemente desenvolvida” , há limites objetivo que, digamos assim, limitam a
ação humana. Mas a ação humana é criativa. Sem ela , sem a política, e mais
precisamente sem a CATARSE, as contradições se produzem ( pode-se dizer que
chegamos à barbárie, vide Rosa Luxemburgo “socialismo ou barbárie”) mas para se
chegar ao socialismo certamente os homens têm de tomar consciência.
Então, por exemplo, o conceito de CATARSE concebido nessa última frase de G ,
torna-se a fixação do momento catártico em que os homens tomam consciência da
sua inserção na realidade e atuam no sentido de superar essa realidade, esse
momento catártico torna-se assim, diz G, o ponto de partida de toda a filosofia da
práxis. Portanto a teoria do social marxista tem nesse momento central o momento
que L chamaria a passagem da causalidade à teleologia. Não é que L pense que nós
somos apenas animais teleológicos, não. A nossa teleologia parte da idéia de que há
uma causalidade . Eu não posso atuar e ser exitoso na minha ação se eu não levar
em conta que a minha ação é determinada causalmente. E mais do que isso, o ato
teleológico que eu crio, singular ou coletivamente, cria novas cadeias causais que
passam a independer da minha vontade. Eu faço uma revolução e de repente a
revolução nos desfaz, isto é, tem uma dinâmica tal que escapa ao projeto teleológico
inicial.
Eu diria que Catarse em G é o momento onde a causalidade transmuta-se em
teleologia, ou se quisermos, transmuta-se de necessidade em liberdade. Ora, essa
dimensão da práxis humana é eterna. Eu não gosto da palavra eterna, ela dá idéia de
que sempre existirá e evidentemente a humanidade nem sempre existiu ... e tudo
indica que vai desaparecer um dia. ... ( 1.Eu estava num boteco e alguém disse: a
humanidade vai acabar daqui a um milhão de anos; Aí o outro disse: Um milhão de
anos ? Só isso ? Aí o primeiro disse: Não não . Daqui a bilhão de anos. E o outro:
Ah” Bom ! Um bilhão. Quer dizer, como se isso fizesse diferença relevante para
nós). Então quando digo é eterna, é eterna no sentido de que enquanto existir social,
assim como é um momento permanente ontológico da reprodução social o
intercâmbio com a natureza, eu diria que também o momento catártico está presente,
essa tendência de ir ao particular ao universal, da necessidade à liberdade, é uma
tendência que em maior ou menor medida atravessa a história.
Então, neste sentido, neste específico conceito de política como catarse G faz da
política (vejam bem: eu aqui estou chamando de política alguma coisa que eu
poderia chamar de interação) ... O fato é que ele dá sempre exemplos, quando ele fala
de catarse, do movimento das classes sociais. Quer dizer, o que é o momento
catártico ? É o momento em que o proletariado, pensa G, supera os seus interesses
puramente corporativos e atua numa dimensão ético-política que é a dimensão
universal da hegemonia. É aquele momento em que a classe pensa não só o seu
interesse mas pensa o seu interesse articulado com o conjunto da nação. É o
momento onde uma classe se torna, na expressão de G, uma classe nacional e,
portanto , uma classe hegemônica.
Agora, esse conceito tem outras aplicações. Por exemplo: a passagem do senso-
comum para o bom senso e para o que ele chama de filosofia dos filósofos é um
momento catártico. O indivíduo tomando consciência da sua inserção na sociedade
supera o seu particularismo e se encaminha para o sentido de uma visão mais
universal, ou seja, para a noção de que os indivíduos são blocos históricos. G gosta
dessa expressão. Ele a usa para várias coisas, para a aliança de classes subalternas,
para a articulação entre superestrutura e infraestrutura. Ele chega a dizer o seguinte:
nós somos atravessados por relações sociais, a essência do homem é o conjunto das
relações sociais, quer dizer, nós somos o que somos porque estamos inseridos em
diferentes tipos de relações sociais e somos determinados pelas relações em que
...claro, cada um de nós por sua especificidade. Eu não sou igual a Fernando, mas
somos determinados igualmente, eu e Fernando por essa nossa inserção social na
sociedade .
Então G diz o seguinte: o indivíduo é um bloco histórico. Eu estou prestando mais
atenção ao indivíduo porque eu acho que tanto em Marx quanto em G a idéia não é a
constituição de uma comunidade que negue o indivíduo. O que é aliás uma
acusação permanente contra o marxismo: o coletivismo nega o indivíduo, não leva o
indivíduo em conta. Não. Há em Marx, e embora não haja com o mesmo tom em
G, há em G, a idéia de que a meta da construção de uma nova sociedade é a criação
de indivíduo social, ou seja, nós recolhemos a herança do individualismo burguês,
que dá autonomia ao indivíduo, mas ao mesmo tempo queremos que o indivíduo se
alimente e se enriqueça desse conjunto social em que ele está inserido. Mesmo o
individualista burguês está inserido, está sem consciência de que está inserido.
Então, há dois sentidos de política na obra de G. Um não é contraditório com o outro.
Política como catarse é o conceito mais amplo. Eu diria que é o conceito
propriamente ontológico de G no sentido de que ele diz que na interação social,
particularmente na política, há um movimento pelo qual os indivíduos elaboram na
consciência as suas determinações objetivas e isso gera, isso é fonte de novas
iniciativas . É quando o indivíduo realmente começa a atuar sobre o real e dominar
o real, o real social. Então, política nesse sentido, catarse, é constitutiva do ser social
...
Lukács na ONTOLOGIA, num texto em que ele não elabora muito, e a respeito do
qual Sérgio Lessa pela primeira vez se coloca contra L. (num caso em que,
interessante, eu estou com Lukács), porque LUKÁCS DIZ QUE A POLÍTICA É
UMA COMPONENTE ETERNA DO SER SOCIAL. L. diz até que o Direito é uma
componente eterna do ser social. Aí o Sérgio tem razão. Direito, não. Eu tenho a
impressão de que formas jurídicas continuarão a existir mas poderão ser dissolvidas
na própria dinâmica da sociedade. Mas a política entendida como essa esfera onde
os indivíduos interagem e se elevam ao consenso universal é um momento, diz
Lukács, eterno do ser social, ontológico. Sérgio Lessa não gosta, ele leu o texto de
Marx O REI DA PRÚSSIA, onde Marx diz que a política é uma falsa mediação, ou
seja, Marx diz que a política é alienação sempre. Eu acho que no jovem Marx está
muito presente a idéia de que a esfera da política é uma esfera alienada por si. E no
final da vida ele já estava mais cauteloso. Mas o velho Lukács diz isso com todas as
letras e eu diria que L ... no final de uma página e esse é o caroço da reflexão de G
sobre ... Política nesse sentido é um componente do ser social. Política no outro
sentido, no sentido da relação governantes/governados, da relação de poder, a política
é historicamente condicionada. Nesse sentido ela pode desaparecer porque se
desaparecer a relação governantes/governados desaparecerá o elemento fundante da
política.
Aluno: Essa questão da política não teria origem no fato de o homem não ter um
sistema de necessidades fixas. A política teria a função de desenvolver meios
intencionais de atendimento de necessidades ...
Professor: Aí é preciso ver o que é a necessidade. O Marx chega a dizer que a maior
necessidade do homem é o outro homem, naturalmente o homem genérico.
Aluno: Essa problemática do sistema não fixo de necessidades nos foi trazida pelo
Prof. José Paulo precisamente quando se discutia a questão da necessidade e da
liberdade, ou seja, a intencionalidade vai estar sempre demandada no sentido do
atendimento de necessidades sempre novas.
Professor: Isso aí é uma coisa que Rousseau já tinha visto, ou seja, que o homem é
plástico no sentido de que ele não tem uma natureza fixa. Então para Marx as
necessidades se enriquecem, ele tem a necessidade, claro, imediata, de comer, beber,
subsistir, mas ele chega a dizer isto que é muito bonito, que para o homem – o
homem é um ser social, a maior necessidade é o outro homem. Ele diz assim: o modo
pelo qual se dá a relação entre homens e mulheres numa sociedade define o grau de
civilização a que chegou essa sociedade.
Eu concordo com você. Política, enquanto catarse, é a forma de encaminhar a
liberação ?? social no sentido de superar a particularidade do indivíduo, sem anula-
la, evidentemente, e encontrar uma interação livre, consensual e comunitária.
Notem no MANIFESTO COMUNISTA há uma frase muito interessante. Marx diz
assim: o comunismo é uma livre associação de produtores na qual o livre
desenvolvimento de cada um é condição do livre desenvolvimento de todos. Vejam
bem: ele não disse ao contrário, ele não disse que o livre desenvolvimento de todos é
condição do livre desenvolvimento de cada um. Não. Cada um se desenvolvendo
livremente, sem as coerções impostas pela sociedade de classes (uma pessoa que
nasce proletário ..., ou seja, o indivíduo não consegue se desenvolver livremente, e
por isso termina sendo um indivíduo individualista) . No comunismo é o livre
desenvolvimento do indivíduo que é condição do livre desenvolvimento de todos.
Claro, um indivíduo articulado com os outros.
Eu diria que política como catarse em G é o modo pelo qual essas coisas são
resolvidas no sentido que os indivíduos terão seu livre desenvolvimento como
indivíduos, sociais, mas como indivíduos, e o modo pelo qual articulará essa
liberdade individual com a liberdade de todos, elevando o particular ao universal.
Está claro, portanto , que G tem dois conceitos de política. Não são contraditórios
mas, eu diria, enquanto relação de governantes e governados é o modo pelo qual a
política em geral se dá em sociedades de classe.
O Lukács por exemplo tem aquela idéia de que toda a ação humana é objetivadora,
no sentido de que ela cria uma coisa fora do sujeito e essa coisa também retroage
sobre o sujeito. Nem toda a objetivação é alienação. Há formas de objetivação que
se voltam contra o próprio sujeito que as criou, isso é o que Marx chamava e L
repetiu de ALIENAÇÃO. A expressão em alemão é ......, enquanto .... esse é o
momento em que o indivíduo se objetiva, se realiza criando objetivações fora dele
que ele reconhece ou não. Quando ele reconhece não há alienação. Eu diria, do
mesmo modo, que formas de política são alienadas. Sérgio Lessa estaria certo se
dissesse que há manifestações políticas que são falsas mediações, mas nem toda
interação de natureza política é alienada em si. ...
(A citada afirmação de Lukács sobre a política como uma componente eterna do ser
social está na ONTOLOGIA, nas 40 páginas dentro do capítulo de Ideologia).
Agora uma coisa engraçada: Lukács não falou de política e G falou pouco de
economia. Dizer que ele não falou de economia é bobagem porque o Caderno sobre
Americanismo não é um caderno escrito por um economista mas é um Caderno
escrito por um marxista que está preocupado com os fenômenos da estrutura
material, mas você pode juntar-se por exemplo a um autor que diz que G contribuiu
em todos os terrenos, menos na economia. É meio radical, ele também tem discussão
sobre marginalismo, economia crítica, mas não é o terreno, digamos, prioritário da
sua reflexão. Em grande parte, eu acho que ele deu por suposto que a crítica da
economia política já tinha sendo feita por Marx, que Lênin tinha desenvolvido com a
Teoria do Imperialismo, e ele ia trabalhar num outro nível social menos desenvolvido
que era a crítica da política.
Inversamente eu diria que L fez o mesmo com o Lênin. Lukács tinha uma adoração
pelo Lênin. Lênin era assim a figura central para L no terreno da política. Então
Lênin já tinha feito as coisas, então ele iria fazer uma ontologia, ia trabalhar com
outros níveis do ser social e não especificamente como G. Isso é tão curioso que ele
escreveu um livro que só foi publicado postumamente porque ele entregou ao Partido
e o Partido pediu dez anos para publicar e ... que se chama DEMOCRATIZAÇÃO
HOJE E AMANHÃ ... que é um livro muito interessante porque é um Gorbachov
avant la lettre; é aquela idéia : o socialismo tem que se renovar, tem que se
democratizar e tal, mas a proposta é sempre voltar a Lênin. O mal da URSS é que
descarrilou em dado momento porque abandonou-se Lênin e Stalin criou alguma
coisa fingindo que era leninismo e não era mais. Então tem que voltar a Lênin, o que,
evidentemente, é ingênuo, você imaginar que aquela zorra poderia ser consertada se
se voltasse a Lênin. Os problemas se colocavam ...
Eu diria que curiosamente nós poderíamos dizer assim: porque G aceitou a crítica
da economia política de Marx e de Lenin tratou menos de economia; porque Lukács
aceitou a formulação dos bolcheviques de Lênin como a formulação adequada à
economia marxista ele descuidou, não entrou nesse terreno. Lukács até conta. Ele
fez política em algum momento da vida. Entre o momento em que ele entrou no
Partido até final dos anos 30 ele foi um dirigente político importante do PC da
Hungria, na esquerda. Há um período até em que Lênin faz uma repreensão a ele
apontando-o como esquerdista. Mas em dado momento ele escreve um texto
chamado TESES DE BLUM que era um texto politicamente muito interessante mas
ele perdeu a briga interna no Partido, não foi aceita a idéia dele. Ele então teria dito
que percebeu que não dava para a política e desistiu de fazer política, política estrito
senso. Lukács é muito racionalizador. Ele sempre encontra post festum uma
explicação para tudo o que ele fez. No PENSAMENTO VIVIDO não há nenhum
momento em que ele diga: eu errei. O erro se torna fecundo porque ele estava certo,
mas o partido não viu que ele estava certo, então ele aproveitou e largou ... Apoiou
Stalin ... Sobre as autocríticas: tirando a HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA DE
CLASSE, que eu acho que foi uma autocrítica séria, ele acreditou que estava errado,
mudou, as outras eles fazia mesmo para constar, e mais do que isso, para sobreviver.
Ele sempre justificou a sua opção pelo estalinismo, ter aceito aquilo que estava
acontecendo, porque a grande batalha era entre o socialismo e o fascismo e se ele
rompesse com aquilo ele não poderia ser combatente do fascismo. Ora, os trotskistas
não combateram o fascismo ? Leiam O PENSAMENTO VIVIDO. É uma longa
entrevista que ele deu antes de morrer, pouquíssimo antes de morrer. Ele até tentou
começar a fazer uma biografia, mas estava muito mal, aí os discípulos dele, hoje
renegados, insistiram para que ele desse uma longa entrevista que é essa que forma o
O PENSAMENTO VIVIDO . É difícil um homem de 86 anos fazer uma autocrítica
séria da sua vida. Então ele tenta ... qualquer um de nós faz isso. Nossas antigas
mulheres são sempre muito boas, não é ? Você não pode ter casado com uma mulher
que não é uma pessoa bonita. A gente racionaliza as coisas, limpa o feio que
ocorreu.Eu acho que G e Lukács foram grandes figuras humanas. ... Agora, todos
nós fazemos isso. Você quando pensa o passado não limpa um pouco passado ?
Porque a análise .... quando você chega lá a coisa é mais complicada. Ou você
engana o analista, perdendo o seu tempo e o seu dinheiro, ou é obrigada a realmente
fazer uma ... da sua vida. Mas no dia a dia a nossa tendência é ... E L não gostava de
Freud, nem G, nenhum dos dois. G dá uma quatro ou cinco porradas em Freud ao
longo da obra dele e L também. Ambos o criticam, e ao meu ver sem o conhecer
bem. G até se explica, ele estava na cadeia, Freud ainda vivo e tal, L não. Bem, isso
são nota de rodapé.
Pois bem, no sentido de política que eu chamaria estrito senso o G faz uma excelente
distinção entre o que ele chama de GRANDE POLÍTICA e PEQUENA POLÍTICA.
Notem que a grande política não é a política como catarse. Ou melhor, ela se
aproxima da política como catarse. Então ela diz respeito à esfera da relação
governantes/governados. O que é a grande política ? É a política que visa mudança
ou conservação de estruturas. Notem bem que G diz que grande política não é só
política revolucionária. Essa também é uma grande política. ... Mas a conservação da
ordem social pensada como conjunto é também para G grande política. Pequena
política, é engraçado o que ele fala (o professor busca a citação no texto entregue) é a
política do corredor, do acordinho. E vejam bem, ele diz que ela tem que ser feita.
Eu vou dar um exemplo meio doido. O PT no governo não vai deixar de fazer
pequena política, vai fazer, tem de controlar o Michel Temer, conversar com o
Sarney, ou seja, tem pequena política mesmo numa política que não é reduzida à
pequena política. A idéia do G é o seguinte: não se pode só fazer pequena política.
Vejam, claro que ele não disso isso mas vamos pensar uma coisa curiosa aqui. O que
é que caracteriza o neoliberalismo ? É a redução da política à pequena política. Você
deixa de discutir as grandes questões. O mercado é eterno, é nervoso, nós temos que
nos adequar, isto é, em vez que a gente adequar o mercado à gente, a gente é que tem
que se adequa ao mercado, e vamos fazer política pequena. Eleger um presidente,
mudar de presidente, sim, mas sem colocar em discussão as grandes estruturas. Meu
grande temor é que o PT não passe da pequena política. Se não passar, como diria
Chico de Oliveira, será mais um momento da era FHC (Vocês leram o artigo do
Chico Oliveira na Folha ? Muito bom. Achei pessimista de mais até. Ou o PT muda
ou não será uma nova era pós FHC ou será mais um momento da era aberta por
FHC).
Então, essa distinção entre grande e pequena política é muito interessante . ... Eu
diria que a pequena política não faz catarse. A catarse só ocorre efetivamente, se
catarse é passar do particular para o universal, no nível da grande política. A
pequena política exatamente manipula o real, e não o coloca em discussão.
Dito isso tudo eu acho que é importante observar o seguinte: embora com centros de
interesses na esfera da política, na política como catarse, e na política como relação
governantes/governados , G , em nenhum momento, nega o fato de que a base, o
momento determinante da vida social é o que ele chama de relações sociais de
produção ...É bom eu lembrar isso porque a partir de Bobbio ... criou-se uma leitura
de G muito complicada. G tem um conceito de sociedade civil diferente de Marx
(vamos ver isso mais adiante). Marx reduz a sociedade civil ao mundo das relações
econômicas. G, ao contrário, faz da sociedade civil o mundo das organizações, que
ele chama de aparelhos privados de hegemonia. Ora, como a sociedade civil em
Marx era o teatro da história (a expressão é de Marx), ou seja, o local onde as coisas
ocorriam ... o Bobbio leu G como se G estivesse transferindo o papel de teatro da
história da sociedade civil entendida como mundo da economia para a sociedade civil
enquanto momento da superestrutura. Eu não se você leram aquele livrinho dele –
CONCEITO DA SOCIEDADE CIVIL EM GRAMSCI.... É uma leitura interessante.
Ele faz um belo retrospecto dos conceitos de sociedade civil, até recomendo para
quem está interessado em saber o que é sociedade civil em Marx e em G. Mas o fato
é que tudo isso o leva a uma interpretação extremamente equivocada do movimento
de reflexão de G.
O que é que G faz? G enriquece a superestrutura. Mas a superestrutura não apenas o
momento coercitivo mas na superestrutura também se incluem os momentos de
organizações voluntárias, sindicatos, partidos, faz parte da esfera do poder, faz parte
do Estado. Isso é uma descoberta de G (nós vamos ver isso mais adiante). Ou seja,
as pessoas viram que existia uma coisa acontecendo por aí, mas ter dado um nome a
essa nova esfera do ser social, que não existe por exemplo plenamente desenvolvida
no século XVIII nem no início do século XIX, é uma coisa que cresce realmente
quando os sindicatos operários se organizam fortemente, quando surgem partidos de
massa, quando há uma socialização da política surgiu uma sociedade civil com uma
autonomia relativa e G foi o primeiro a ... uma coisa nova. Usou um termo velho
para designar uma coisa nova. Mas ele mesmo diz nos Cadernos que sempre
acontece assim . Em geral chama-se uma coisa nova com um nome antigo, o que
freqüentemente atrapalha a compreensão plena de alguns pensadores. No caso de G
dá essa problema.
Então, dizia eu: não é verdade que G afaste esse caroço do marxismo quando o
marxismo diz que em última instância os fenômenos sociais são determinados pelo
nível econômico. Eu até diria que não é bem assim. Essa é uma leitura equivocada.
Eu diria que Marx disse, está na Introdução da CONTRIBUIÇÃO ... que nas
totalidades sociais há um momento predominante (em alemão .... moment). Na
totalidade social o momento predominante , o momento que arrasta é o momento da
economia, mas não é que existe uma economia fora da sociedade, ... A economia é
fator determinante (fator é até um termo rui). É um conjunto de relações que é
determinante na medida em que ele estabelece a pré-condição eterna da reprodução
social, o metabolismo do homem com a natureza. Isso até Santo Agostinho sabia:
primeiro come-se, depois filosofa-se. Então, é condição básica de reprodução. E
mais: é aí nessa esfera onde surgem as classes sociais. É no terreno das relações de
produção, que é o modo pelo qual os homens se organizam entre si para dominar a
natureza - forças produtivas, é no terreno das relações de produção que surgem as
classes sociais que são, o Marx disse isso várias vezes, o motor da história. Mas
vimos também ao falar de G que evidentemente a história se resolve no terreno da
política ou mais precisamente da ideologia, ideologia no sentido que vimos antes.
Há um momento interessante que ele diz, criticando Boukharin, porque este último
reduz as forças produtivas ao que ele chama “instrumento técnico”, que é uma leitura
errada do marxismo. Forças produtivas é não só a técnica mas é também a
capacidade que o homem elabora não só de criar o instrumento técnico mas de usar o
instrumento técnico . Força produtiva não é apenas o computador mas o conjunto de
conhecimentos que leva você a criar o computador, os programas de computador.
Então ciência é uma força produtiva. ... Então a ciência é neutra, não tem ciência
física burguesa e ciência física proletária. ... É um atraso, um besteirol. Quando
apareceu a cibernética foi tida como ciência burguesa. Então eles demoraram muito
tempo para desenvolver as tecnologias que levavam ao computador porque eles
achavam que aquilo era maluquice . Então vejam bem: combatendo essa posição do
Boukharin G diz assim: “a concepção do instrumento técnico é inteiramente errônea
no ENSAIO POPULAR de Boukharin. Parece que foi precisamente Loria , um
italiano, o primeiro a substituir arbitrariamente a expressão forças materiais de
produção e conjunto das relações sociais pela expressão “instrumento técnico”. Ou
seja, a economia é o momento predominante”. Vamos entender o que é economia.
Economia não é técnica, economia não é forças produtivas apenas, é conjunto das
relações sociais e portanto implica as forças produtivas e conjunto das relações
sociais de produção. Mais adiante ele diz o seguinte: “a estrutura e a superestrutura
formam um bloco histórico, ou seja, o conjunto complexo contraditório da
superestrutura é um reflexo do conjunto das relações sociais de produção” . Eu acho
que mais claro do que isso é impossível. Então chamar G de idealista depois de ler
isso aqui ...
O que é que ele está percebendo ? Primeiro: que as superestruturas se
complexificaram muito. Tanto mais se desenvolve o capitalismo, tanto mais
complexas são as superestruturas. Mas isso não anula o fato de que elas, em última
instância, são determinadas pelo .... Ou seja, infraestrutura e superestrutura foram um
bloco histórico, ou seja, uma totalidade. BLOCO HISTÓRICO em G é uma
expressão que pode ser lida certamente como totalidade.
Porque ele sabe que a superestrutura não é um mero epifenômeno, alguma coisa que
não tem ... no real, fica claro na teoria dele de que a ideologia é uma verdade prática
(como vimos antes), ou seja, universalmente intersubjetiva, vira objetivo no terreno
social. Então ele não está evidentemente reduzindo a infraestrutura a alguma coisa
que não tem um peso ontológico. Tem um peso ontológico, mas o momento
determinante é o momento das relações sociais de produção.
Um outro ponto extremamente importante ... o lugar onde G aplica com grande
competência suas teorias sobre a política é a análise da CORRELAÇÃO DE
FORÇAS. A realidade social para G é em grande parte é Correlação de forças. Há
um critério interessante ... qual é o conceito mais importante da ontologia social
política de G. Vários são importantes : política como catarse ... Mas há um muito
importante de que a sociedade é relação de forças. É outra maneira de dizer LUTA
DE CLASSES. Mas eu acho que ao dizer relação de forças eu acho que ele mostra ...
Como é que a história se move ? Através da mudança da correlação de forças. Uma
grande preocupação dele é exatamente como é que as classes subalternas operarão no
sentido de mudar a correlação de forças e tornar essa correlação mais favorável.
Mas no parágrafo 17 do Caderno 13 (volume 3) que se chama precisamente
ANÁLISE DAS SITUAÇÕES COMO CORRELAÇÃO DE FORÇAS ele vai dizer
como analisar uma correlação de forças. Até o Betinho escreveu um artigo pequeno
inspirado nisso. Então ele vai falar de 3 níveis de análise de correlação de forças . O
1° é o nível é um nível objetivo, e ele volta a falar naquela coisa de Marx de mera
ciência natural, ou seja, como é a estrutura econômica do país, como é que as classes
são distribuídas na população economicamente ativa, qual é a relação entre
população urbana e população rural. Vejam bem: a análise dessa conjuntura
econômica é fundamental para desenvolver uma análise da correlação de forças. Eu
não posso propor que o proletariado faça uma revolução se eu chego à conclusão de
que o proletariado na população economicamente ativa do país corresponde a 1%.
Eu não posso propor a ação central da política de esquerda a reforma agrária num
país onde só 18% da população vive no campo (caso brasileiro) . É importantíssima a
reforma agrária, mas ela não é o centro, hoje, não é mais, embora tenha sido no
passado.
Então, essa análise objetiva é condição para o segundo e terceiro momentos da
análise que são especificamente políticos. Primeiro é ... da correlação de forças
política que eu farei como ? – diz G. Vendo por exemplo o nível de consciência que
os grupos sociais obtiveram. Eles já chegaram ao ético-político ? Já operaram a
catarse ? Ou ainda estão no econômico-corporativo ? Estão se organizando
adequadamente ? Como é que se distribuem nessa sociedade a organização social ?
Eu diria que é a análise mais precisamente da sociedade civil. Se a primeira análise é
a análise ... sociedade econômica, ou seja, o mundo das relações sociais de
produção, o segundo momento é uma análise de como essas forças estão alinhadas
nisso que ele chamou de sociedade civil.
Então vejam: sociedade civil (voltaremos a isso posteriormente) é terreno de conflito.
Não é essa coisa boazinha de terceiro setor, do voluntariado, que está para além do
Estado e do mercado. ...é expressão da luta de classes (portanto tem um vínculo
com o mercado) e é o momento do Estado, não é um terceiro setor. E a análise da
correlação de forças no quadro da sociedade civil vai mostrar isso: como está a
correlação de forças ?
E, finalmente, um terceiro nível, que é o que ele chama de CORRELAÇÃO DE
FORÇAS POLÍTICO-MILITAR. Onde conta já a análise do embate de classe em
torno do estado e os momentos de ruptura militar que isso provoca. Claro que G vê a
possibilidade do uso de violência no processo político, embora ele proponha uma
transformação ... ou seja de uma conquista, ...., ele não nega a possibilidade de um
enfrentamento de tipo militar. Aqui ele insiste claramente que o militar está
subordinado ao político e não o político ao militar. O uso dos recursos militares é
determinado por uma análise política da situação e não ao contrário. Recomendo a
vocês porque é um texto muito rico, e que eu não vou conseguir resumi-lo com toda
a riqueza de G. Chamo a atenção para o seguinte: 1°) é um dos momentos mais
fundamentais dos Cadernos do Cárcere , um dos momentos mais brilhantes; 2º) o
conceito de correlação de forças é um conceito que atravessa os Cadernos, é o modo
com o qual G trabalha com a idéia de luta de classes. Como é que isso se expressa ?
Através da correlação de forças. O texto está na velha edição está em MACHIAVEL
– ANÁLISE DA SITUAÇÃO DA CORRELAÇÃO DE FORÇAS. Na nova edição
(Record) ele é o parágrafo 17 do Caderno 13.
(interrupção da fita)