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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA


FACULDADE DE LETRAS

LICENCIATURA EM LETRAS – LINGUA PORTUGUESA

RAYENNA REIS CASTRO

O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO NA VARIEDADE

FALADA NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TIPITINGA-

SANTA LUZIA DO PARÁ

BRAGANÇA-PA

2017
1

RAYENNA REIS CASTRO

O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO NA VARIEDADE FALADA NA


COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TIPITINGA-SANTA LUZIA DO
PARÁ.

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


Faculdadede Letras da Universidade Federal do Pará, do
Campus de Bragança como requisito parcial para
obtenção do grau de licenciatura em letras – língua
portuguesa.

Orientador: Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva.

BRAGANÇA-PA
2017
2

RAYENNA REIS CASTRO

O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO NA VARIEDADE FALADA NA


COMUNIDADE QUILOMBOLA DO TIPITINGA-SANTA LUZIA DO PARÁ.

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal do Pará-Campus de


Bragança (UFPA), como requisito parcial para a obtenção do grau de graduada em Letras
Língua Portuguesa.

COMISSÃO JULGADORA:

_______________________________________________________
Prof. Lorram Tyson Dos Santos Araújo
Universidade Federal do Pará - UFPA

_______________________________________________________
Prof.ª Msc. Patricia do Nascimento Costa
Universidade Federal do Pará- UFPA

_______________________________________________________
Professor orientador: Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva
Universidade Federal do Pará - UFPA

Bragança-PA
2017
3

Para minha preciosa e amada família e ao meu


namorado, que foram meu alicerce e
inspiração durante esta caminhada.
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter segurado minhas mãos e guiado meus passos
até aqui.
Agradeço infinitamente a minha família, a meus pais, Antonia Rosenilde Reis Castro e
Paulo Henrique da Silva Castro pelo apoio incomensurável e pela compreensão que tiveram
comigo durante toda a minha vida e especificamente nesse período, em especial a minha mãe,
por ter me incentivado e me inspirado a seguir por este caminho. A minha irmã Verlena
Thayelle e ao meu cunhado, Andrey Rey, que contribuíram indubitavelmente para a
realização desse sonho. Agradeço também ao meu irmão, Henrique Reis Castro pelo singelo
fato de iluminar meus dias com o seu sorriso. Obrigada por terem acreditado na minha
capacidade.
Agradeço com todo meu amor ao meu namorado, Ronald Allan Souza da Silva, pela
grandiosa ajuda desde antes dessa jornada se iniciar. Obrigada pelo estímulo, pela paciência,
pela disposição, pela contribuição, por todos os ir e vir, por está comigo em todos os
momentos, você foi e é essencial em minha vida.
Agradeço ao meu orientador Jair Cecim pelo imenso apoio, pelas horas dedicadas,
pela paciência e incentivo, por acreditar que eu era capaz. Obrigada, professor por ser tão
generoso e amigo.
Agradeço a cada professor por todo conhecimento compartilhado durante essa
trajetória. Especialmente ao professor Lorram Araújo e a professora Patricia Costa, pelas
significativas contribuições.
Agradeço aos meus amigos de vida que contribuíram para eu realizar esta conquista.
Agradeço também aos meus amigos de curso, pelo valioso apoio e parceria constante de Ayle
Ferreira, Luma Rabelo e Raiane Miranda. Em especial a Ane Caroline Monteiro e Vitor Hugo
Gomes, pela infinita ajuda e disponibilidade em todos os momentos. Agradeço a Milena de
Paula, por está sempre ao meu lado, pela troca de conhecimento, parceria e irmandade.
Agradeço também a Suellem Fernandes pela primordial contribuição neste trabalho e pela
parceria de sempre. Agradeço, sobretudo pelo laço fraternal que criamos durante esses anos.
Agradeço aos membros do projeto AFROIN, o auxílio de vocês foi fundamental.
E por último um agradecimento muito especial aos moradores da comunidade
quilombola do Tipitinga que sempre foram verdadeiramente receptivos e generosos conosco.
Agradeço imensamente a todos vocês!
5

“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos


não é senão uma gota de água no mar. Mas o
mar seria menor se lhe faltasse uma gota.”
(Madre Teresa de Calcutá).
6

RESUMO

Este trabalho analisa o comportamento do parâmetro do sujeito nulo (PSN) na comunidade


quilombola do Tipitinga, localizada em Santa Luzia do Pará. Este trabalho faz parte do
projeto de pesquisa “O Português Afro-Indígena na Amazônia Oriental” (AFROIN),
coordenado pelo Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva (UFPA/Campus de Bragança), o
qual busca investigar o sistema pronominal pessoal do Português Afro-indígena, variedade do
Português Vernacular Brasileiro utilizado em Comunidades Quilombolas da Amazônia
Oriental. A pesquisa teve embasamento teórico em Duarte (1995) e Duarte e Kato (2014). A
pesquisa utilizou o método qualitativo-quantitativa (OLIVEIRA, 2011) e a abordagem
sociolinguística (TARALLO, 1990); (MOLLICA e BRAGA, 2015). Os dados foram
recolhidos durante uma pesquisa de campo realizada na comunidade no período de 28 a 30 de
novembro de 2014, por meio de entrevista semiestruturada, (LUDKE E ANDRÉ, 1986). Dos
08 entrevistados, selecionamos 04 colaboradores, dois homens e duas mulheres, com faixa
etária entre 40 e 60 anos. Dentre as variáveis consideradas temos os fatores extralinguísticos:
idade, escolarização e gênero/sexo, e os fatores linguísticos: pessoa do discurso,
referencialidade e animacidade do sujeito. Em relação aos resultados, de 1347 ocorrências de
sujeito pronominal, 290 são casos de sujeito nulo, enquanto que 1057 são casos de sujeito
pleno. Os fatores extralinguísticos analisados revelaram uma estabilidade no percentual de
sujeito nulo e de sujeito pleno entre os grupos nas três variáveis, em relação a variável
dependente verificamos nos três fatores um alto índice de sujeito pleno. No que se refere aos
fatores linguísticos, na variável pessoa do discurso observamos a preferência evidente pelo
sujeito pleno em todas as pessoas do discurso. A respeito da animacidade, constatamos que o
sujeito pleno [+ humano] tende a ser o mais realizado na terceira pessoa do singular e plural,
já referindo-se à referencialidade do sujeito, percebemos que o sujeito pleno [+ específico] é o
mais realizado na terceira pessoa do singular, e na terceira pessoa do plural o mais realizado é
o sujeito pleno [- específico]. Destacamos que em Tipitinga está ocorrendo a preferência pelo
preenchimento do sujeito, assim como no PB analisado por Duarte (1995).

Palavras chave: Parâmetro do sujeito nulo; Português brasileiro; Português Afro-indígena;


Tipitinga.
7

ABSTRACT

This paper analyzes the behavior of the null subject parameter (PSN) in the Quilombo
community of Tipitinga, located in Santa Luzia do Pará. This work is part of the research
project "Afro-Indigenous Portuguese in the Eastern Amazon" (AFROIN), coordinated by
Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva (UFPA / Campus de Bragança), who seeks to
investigate the personal pronominal system of Afro-indigenous Portuguese, a variety of
Brazilian Vernacular Portuguese used in Quilombola Communities of Eastern Amazonia. The
research was based on Duarte (1995) and Duarte and Kato (2014). The research used the
qualitative-quantitative method (OLIVEIRA, 2011) and the sociolinguistic approach
(TARALLO, 1990); (MOLLICA and BRAGA, 2015). Data were collected during a field
survey conducted in the community from November 28 to 30, 2014, through a semi-structured
interview (LUDKE AND ANDRE, 1986). Of the 08 interviewees, we selected 04 employees,
two men and two women, with ages between 40 and 60 years. Among the variables
considered, we have the extralinguistic factors: age, schooling and gender / sex, and linguistic
factors: speech person, referentiality and subject's mood. Regarding the results, of 1347
occurrences of pronominal subject, 290 are cases of null subject, while 1057 are cases of full
subject. The extralinguistic factors analyzed revealed a stability in the percentage of null
subject and of full subject between the groups in the three variables, in relation to the
dependent variable we verified in all three factors a high index of full subject. Regarding
linguistic factors, in the variable person of the discourse we observe the preference evident by
the full subject in all the people of the discourse. Regarding the animacity, we find that the
full subject tends to be the most accomplished in the third person singular and plural, already
referring to the referentiality of the subject, we realize that the full subject [+ specific] is the
most accomplished in the third person singular, and in the third person plural the most
accomplished is the full subject [- specific]. We emphasize that in Tipitinga there is a
preference for filling the subject, as well as in PB analyzed by Duarte (1995).

Keywords: Null subject parameter; Brazilian Portuguese; African-indigenous Portuguese;


Tipitinga.
8

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01 – Número de ocorrência de SN e SP ............................................................. 52


GRÁFICO 02 – Percentual de SN e SP referente à variável idade ...................................... 54
GRÁFICO 03 – Percentual de SN e SP referente à variável sexo/gênero ........................... 55
GRÁFICO 04 – Percentual de SN e SP referente à variável escolaridade ........................... 57
GRÁFICO 05 – Ocorrências de SN e SP em cada pessoa do discurso ................................ 63
GRÁFICO 06 – Animacidade do sujeito na terceira pessoa ................................................ 66
GRÁFICO 07 – Referencialidade do sujeito na terceira pessoa .......................................... 69
9

LISTA DE TABELAS

TABELA 01 – Número de SN e SP na fala dos colaboradores ............................................ 52


TABELA 02 – Ocorrências de SN e SP referente à idade .................................................... 53
TABELA 03 – Ocorrência de SN e SP referente ao gênero/ sexo ........................................ 55
TABELA 04 – Ocorrência de SN e SP referente à escolaridade........................................... 56
TABELA 05 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaborador Antonia Ramos ............. 59
TABELA 06 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaborador Cezarina Ramos............ 60
TABELA 07 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaborador Rosalvo Farias .............. 61
TABELA 08 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaborador Severino Ramos............ 62
TABELA 09 - Ocorrência de SN e SP [+/- humano]: colaborador Antonia Ramos ............. 64
TABELA 10- Ocorrência de SN e SP [+/- humano]: colaborador Cezarina Ramos ............ 65
TABELA 11- Ocorrência de SN e SP [+/-humano]: colaborador Rosalvo Farias ................ 65
TABELA 12- Ocorrência de SN e SP [+/- humano]: colaborador Severino Ramos ............ 66
TABELA 13- Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaborador Antonia Ramos .......... 67
TABELA 14 - Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaborador Cezarina Ramos ........ 67
TABELA 15- Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaborador Rosalvo Farias............ 68
TABELA 16- Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaborador Severino Ramos ......... 68
10

LISTA DE ABREVIATURAS

NdP Núcleo do Predicado


NGB Nomenclatura Gramatical Brasileira
NS Sintagma Nominal
PB Português Brasileiro
PE Português Europeu
PSN Parâmetro do Sujeito Nulo
SN Sujeito nulo
SP Sujeito pleno
SVC Sujeito, Verbo e Complemento
11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
1. PRINCÍPIOS ACERCA DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................... 15
1.1. A HISTORIOGRAFIA E O CONTATO LINGUÍSTICO NO BRASIL ................... 15
1.2. VARIEDADES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO ................................................... 21
1.3. O SUJEITO: REVISÃO DA LITERATURA ............................................................ 26
1.3.1. O Sujeito Nulo ............................................................................................................ 29
1.4. O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO .................................................................... 30
2. A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ................................................................... 35
2.1. QUANTO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................................... 35
2.2. QUANTO À NATUREZA DA PESQUISA .............................................................. 36
2.2.1. A Pesquisa Qualitativa ................................................................................................ 36
2.2.2. Pesquisa Quantitativa .................................................................................................. 37
2.2.3. A Pesquisa Qualitativo-Quantitativa .......................................................................... 38
2.2.4. A sociolinguística ....................................................................................................... 39
2.3. QUANTO ÀS TECNICAS UTILIZADAS NOS PROCESSOS DE COLETA E DE
TRANSCRIÇÃO DOS DADOS ................................................................................ 41
2.3.1. A Pesquisa De Campo ................................................................................................ 41
2.3.2. A Entrevista ................................................................................................................ 42
2.3.3. A Entrevista Semiestruturada ..................................................................................... 42
2.3.4. Transcrição Grafemática Dos Dados .......................................................................... 44
2.4. QUANTO À ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................... 45
2.5. QUANTO À CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO ............... 47
2.6. QUANTO AOS COLABORADORES DA PESQUISA ............................................ 49
3. RESULTADO DA ANÁLISE DOS DADOS .......................................................... 51
3.1. PERGUNTAS NORTEADORAS .............................................................................. 51
3.2. ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 51
3.2.1. A variável dependente ................................................................................................ 51
3.3. VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS ..................................................................... 53
3.3.1. Idade ............................................................................................................................ 53
3.3.2. Gênero/Sexo ................................................................................................................ 54
3.3.3. Nível de Escolarização. ............................................................................................... 56
3.4. VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS .................................................................................. 57
12

3.4.1. Pessoa do discurso ...................................................................................................... 58


3.4.2. Animacidade do sujeito .............................................................................................. 64
3.4.3. Referencialidade do sujeito ......................................................................................... 67
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 70
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 75
APÊNDICE - ROTEIRO DE PERGUNTAS ..................................................................... 78
ANEXO A - TÍTULO DE RECONHECIMENTO DE DOMÍNIO COLETIVO DA
COMUNIDADE DO TIPITINGA ....................................................................................... 81
ANEXO B - RECORTE DAS TRANSCRIÇÕES .............................................................. 83
13

INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso apresenta uma investigação do parâmetro do


sujeito nulo (PSN) na variedade falada em Tipitinga, uma comunidade quilombola que fica
localizada no nordeste paraense. Buscamos colaborar com as hipóteses propostas por Duarte
(1995) e Duarte e Kato (2014) acerca deste fenômeno no português brasileiro (PB). Este
trabalho faz parte do projeto de pesquisa “O Português Afro-Indígena na Amazônia Oriental”
(AFROIN), coordenado pelo Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva (UFPA/Campus de
Bragança), o qual busca investigar o sistema pronominal pessoal do Português Afro-indígena,
variedade do Português Vernacular Brasileiro utilizado em Comunidades Quilombolas da
Amazônia Oriental.
Duarte (1995) assinala que o parâmetro do sujeito nulo (PSN) está associado ao
princípio “Evite Pronome”, que prevê a ocorrência do sujeito nulo sempre que (ele) for
plenamente licenciado e identificado, o que ocorre, por exemplo, em estruturas com sujeitos
correferentes e em todas as sentenças (principalmente na terceira pessoa) em que o referente é
esperado. Vale ressaltar que esse fenômeno é típico de línguas românicas, línguas
consideradas pro-drop, ou seja, de sujeito nulo, como era o caso do PB. Segundo Duarte
(1995) o princípio “Evite Pronome” foi afetado por conta da redução nos paradigmas
flexionais verbais no PB. Dessa forma, a não-obediência a este princípio decorrente da
redução da flexão verbal foi preliminarmente associada ao declínio da ocorrência de sujeitos
nulos no PB, gerando uma preferência cada vez mais significativa pelo pronome sujeito
pleno/realizado.
Duarte (1995) explica ainda que o expressivo preenchimento de pronomes sujeitos
sucede em contextos específicos no PB, com a intenção de especificar o sujeito da oração,
diferente do que acontece no português europeu (PE), que permanece como uma língua pro-
drop, isto é, que apresenta preferência pelo sujeito nulo. Sendo assim, a autora enfatiza que o
português brasileiro está perdendo o Princípio "Evite Pronome" e caminha, em consequência
dessa perda, na direção das línguas não pro-drop, mas esse processo seria gradativo e estaria
estável, o PB estaria, então, se tornando uma língua de sujeito nulo parcial, haja vista que o
sujeito referencial nulo se comporta de maneira restrita a determinados contextos.
Posteriormente Cyrino, Duarte e Kato (2000 apud Duarte e Kato, 2014) apontam
outras contribuições ao estudo do parâmetro do sujeito nulo no PB em paralelo com o estudo
do objeto nulo no PB em que as autoras revelam que o licenciamento seletivo do sujeito nulo
estaria sendo guiado pela hierarquia da referencialidade do sujeito.
14

No que diz respeito à composição metodológica deste trabalho, para as etapas de


coleta e análise dos dados utilizamos a análise qualitativo-quantitativa (OLIVEIRA, 2011) e a
abordagem sociolinguística (TARALLO, 1990), (MOLLICA e BRAGA, 2015), a qual
considera os aspectos sociais relacionados à língua. Além da entrevista semiestruturada
baseada na perspectiva de Ludke e André (1986). Para a análise dos dados consideramos os
seguintes fatores extralinguísticos: idade, sexo/gênero e escolaridade; e os fatores linguísticos:
a pessoa do discurso, a animacidade e a referencialidade do sujeito. A análise desses fatores
buscou contribuir com o nosso objetivo principal de verificar como se comporta o parâmetro
do sujeito nulo na variedade falada em Tipitinga e Castanhalzinho/Ariramba. Além de
colaborar com os nossos objetivos específicos que visaram observar a ocorrência de sujeito
nulo e sujeito pleno (variável dependente); observar se os fatores extralinguísticos estão
favorecendo ou inibindo a ocorrência de sujeito nulo; verificar quais pessoas do discurso
apresentam maior índice de sujeito nulo e de sujeito pleno; verificar se os dados encontrados
em Tipitinga corroboram a hipótese da hierarquia da referencialidade do sujeito (DUARTE e
KATO, 2014). É importante destacar que a variedade verificada por Duarte e Kato (2014) é a
fala culta carioca analisada por Duarte (1995), porém visando os aspectos referentes a
hierarquia referencial apresentada por Cyrino, Duarte e Kato (2000 apud Duarte e Kato,
2014).
Após apontarmos os condicionantes que foram considerados nesta pesquisa e os
nossos objetivos, passemos à estrutura deste trabalho, o qual está dividido em três seções além
desta introdução. Na primeira parte, apresentamos um percurso histórico em relação à
formação do Brasil e do contato linguístico que surgiu nesse período, falamos ainda sobre
algumas variedades do nosso PB, como o português afro-brasileiro, indígena e Afro-indígena,
além de apontarmos algumas diferenças entre o PB e o PE. Ainda nesta seção mostramos uma
revisão literária referente a várias definições do sujeito na visão de gramáticos e linguistas e
fazemos um apanhado geral acerca do estudo do parâmetro do sujeito nulo no PB. No
segundo item são expostos os métodos e as técnicas utilizadas na trajetória metodológica
desta pesquisa. No terceiro seguimento exibimos os resultados alcançados a partir da análise
dos dados, considerando os fatores extralinguísticos (idade, sexo/gênero e escolaridade) e
linguísticos (a pessoa do discurso, a animacidade e a referencialidade do sujeito). Por último
abordamos as considerações finais deste trabalho.
15

1.0 PRINCÍPIOS ACERCA DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.


No primeiro momento dessa seção, a partir das concepções de Ilari (2006) e Lucchesi,
Baxter & Ribeiro (2009) discorremos de forma lacônica a respeito da formação do Brasil e do
contato linguístico que houve nesse período, o qual originou características singulares ao
português brasileiro (PB). Além disso, são apontadas algumas diferenças entre o PB e o PE
(MAGALHÃES, 2006). Apresentamos também algumas considerações sobre o português
Afro-brasileiro, indígena e afro-indígena. Posteriormente são destacadas algumas definições
do ‘sujeito’, e adiante apresentamos, segundo Duarte (1995) e Duarte e Kato (2014) o
arcabouço teórico que embasa este trabalho, o qual mostra a trajetória do parâmetro do sujeito
nulo no PB, a fim de entendermos de que maneira esse parâmetro vem se manifestando no PB
falado.

1.1. A HISTORIOGRAFIA E O CONTATO LINGUÍSTICO NO BRASIL


Para entendermos o porquê de o português brasileiro (PB) ser tão repleto de
variedades é necessário ressaltarmos, mesmo que de maneira concisa, aspectos do contexto
histórico de formação do Brasil, os quais proporcionaram a ocorrência do contato entre
línguas no território brasileiro. Esta menção a aspectos históricos facilitará a compreensão
acerca da pluralidade linguística do PB que temos hoje.
Segundo Ilari (2006) o Brasil foi colonizado pelos portugueses, os quais tiveram
grande influência na nossa formação social e cultural, portanto na constituição da nossa língua
falada e escrita, além da influência dos indígenas que já habitavam o território brasileiro antes
mesmo da chegada dos colonizadores portugueses, assim como do povo africano de diversos
grupos étnicos, que foram trazidos em grande número ao nosso país desde o início da
colonização para serem escravizados. Lucchesi (2009, p. 41) reitera a afirmativa de Ilari
(2006) quando diz que:

[...] No Brasil, o contato dos colonizadores portugueses com milhões de aloglotas,


falantes de mais de mil línguas indígenas autóctones e de cerca de duzentas línguas
que vieram na boca de cerca de quatro milhões de africanos trazidos para o país
como escravos, é, sem sombra de dúvida, o principal parâmetro histórico para a
contextualização das mudanças linguísticas que afetaram o português brasileiro [...].

Diante do que fora exposto fica explícito que em um determinado momento existiu um
número surpreendente de falantes de diversas línguas no Brasil. Dessa forma, se existiam
tantas línguas indígenas e africanas no Brasil, por que houve o predomínio da língua
portuguesa sobre estas outras? Podemos responder este questionamento a partir dos seguintes
fatos: apesar do número significativo de negros no Brasil falantes de outras línguas, no século
16

XVIII com a exploração do ouro veio para o Brasil um grande número de portugueses, que
seguramente contribuiu para a disseminação da sua língua no país, que aumentou o acesso dos
escravizados aos modelos da língua-alvo (língua portuguesa) com grande penetração nas
regiões do interior de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, onde antes prevalecia a Língua Geral.
Segundo Lucchesi (2009) essa variedade foi utilizada pelos primeiros povoadores que
chegaram à costa do Brasil no início do século XVI, e como falavam línguas aparentadas do
tronco tupi, foram capazes de se comunicar com comunidades indígenas que habitavam
aquela região. A Língua Geral foi o meio de comunicação usado pelos portugueses para
conseguir juntar a força de trabalho indígena primeiramente na extração do pau-brasil e
depois no cultivo da cana-de-açúcar, do tabaco e do algodão. De modo paralelo ao trabalho de
submissão material do índio levado a cabo pelos colonizadores portugueses, os missionários
da Companhia de Jesus, os chamados, jesuítas, faziam o trabalho de sua submissão espiritual,
por meio da catequese. Para uma maior eficiência na conversão do índio, os jesuítas também
usavam a Língua Geral, chegando a codificá-la e registra-la por escrito, aplicando o modelo
da gramática portuguesa da época. Sendo assim, Lucchesi (2009) mostra que o termo língua
geral recobre diversas situações linguísticas, como:
a) a koiné empregada na comunicação entre as tribos de línguas do tronco tupi
da costa brasileira;
b) a sua versão como língua franca usada no intercurso dos colonizadores
portugueses e indígenas;
c) a versão nativizada predominante nos núcleos populacionais mestiços que
se estabeleceram no período inicial da colonização; e
d) a versão “gramaticalizada” pelos jesuítas sob o modelo do português e
utilizada largamente na catequese, até de tribos de língua não tupi - chamados
por estes de tapuias, que significa ‘bárbaro’, em tupi.
Ainda no que se refere a Língua Geral Lucchesi aponta que a sujeição das tribos
indígenas foi bastante praticada pelos núcleos povoadores de São Paulo, que adentraram pelos
sertões de Minas Gerais e do Centro-Oeste, preparando expedições, designadas bandeiras, que
movimentavam extensos contingentes humanos, as quais chegaram a ser definidas como
“cidades em movimento”. Desse modo, as bandeiras propagaram o uso da língua geral pelo
cerne do país até entre as tribos de língua não tupi, por isso que se define uma quinta situação
recoberta pelo termo língua geral:
e) língua franca de base tupi utilizada como língua segunda por tribos de língua
não tupi (podendo também nesses casos ocorrer a sua nativização).
17

Por esse outro acesso, a Língua Geral também chega até a Amazônia, sendo adotada
por tribos não tupi, fundamentalmente dos grupos aruaque e macro-jê, e lá se conserva em
uso, sob uma forma muito diferente (e denominada nheengatu, ou seja, ‘língua boa’), até
meados do século XX, em função da população dessa região ser vastamente composta por
índios e seus descendentes mestiços. (LUCCHESI, 2009, p. 43-44).
Por outro lado, os processos migratórios podem esclarecer bem mais o declínio no uso
da Língua Geral e o consequente avanço da língua portuguesa no território brasileiro, seja em
sua variedade nativa, difundida pelos colonos brasileiros, seja na variedade defectiva, falada
pelos africanos escravizados e seus descendentes, chamados crioulos. (LUCCHESI, 2009).
No início do século XIX ocorreu à fuga da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808,
por conta das Campanhas Napoleônicas pela Europa, esse fator contribuiu para o crescimento
da vida urbana na Colônia. Este evento colaborou também para alastrar um número
expressivo de pessoas falantes do português em todo o território colonial como destaca
Lucchesi (2009, p. 49):

[...] De imediato, deve-se destacar o impacto demográfico da fixação da Corte no


Rio de Janeiro. E esse impacto deve ser amplificado por se tratar, não de um
contingente de colonos dispersos, mas de um grupo orgânico e que constituía a elite
política e cultural da época. Além disso, a vinda da Corte desencadeia todo um
processo de mudanças políticas, econômicas e sociais que desembocará na
independência política do Brasil, em 1822, e a sua constituição enquanto um estado
autônomo. Certamente, todo esse processo teve uma série de reflexos de incremento
da urbanização e fortalecimento da cultura institucional [...].

Após a independência do país no século XIX, o desenvolvimento urbano expressivo


agravou o desaparecimento de várias etnias indígenas, uma vez que estas foram inseridas no
meio urbano ou haviam sido chacinadas em conflitos com os colonizadores no período
colonial, ou ainda foram dizimados por doenças contagiosas, contra as quais eles não
possuíam nenhum tipo de imunidade, provocando um declínio significativo das línguas
indígenas. Pondera-se que, ao longo dos 500 anos de colonização do Brasil,
aproximadamente mil línguas se perderam, vale ressaltar que apesar do genocídio de várias
etnias indígenas, ainda existem no Brasil cerca de 180 línguas indígenas. (SEKI, 2000, p.
238).
No que se refere aos negros, embora o seu número expressivo, estes foram
escravizados até 1888 quando finalmente foi declarada a abolição da escravidão,
consequência natural do fim do tráfico negreiro, porém a bastante numerosa população de
africanos e seus descendentes continuaram trabalhando em condição sub-humana, sem
grandes oportunidades e sendo discriminados, assim como as suas línguas que foram
18

estigmatizadas pela sociedade brasileira da época. Por isso, ocorreu o alastramento


preponderante do português e posteriormente o favorecimento de suas variedades mais
normatizadas pelo território nacional. Lucchesi (2009, p. 52) afirma que o Brasil passou a ser
dividido em dois grupos de falantes:

[...] De um lado, nos restritos círculos da elite dos pequenos centros urbanos, “os
grandes” da Colônia e do Império cultivavam a língua e as boas maneiras, sob a
inspiração dos modelos importados d’além mar. Do outro lado, nas vastas regiões do
interior do país, a língua portuguesa passava por drásticas alterações, sobretudo em
função do processo de transmissão linguística irregular, desencadeado nas
situações de contato entre línguas abrupto, massivo e radical, compreendendo a
aquisição precária do português por parte dos índios e africanos, a sua socialização
entre esses segmentos e a sua nativização, a partir desses modelos defectivos, entre
os descendentes endógamos e mestiços desses índios aculturados e africanos
escravizados [...].

Em meio a essa dualidade linguística que se formou no país, houve a propagação do


contato entre línguas, através do modelo de transmissão linguística irregular, modelo este, que
para Lucchesi (2009, p. 71) contribuiu para que ocorressem mudanças no Português
vernacular,

[...] fundamentalmente pela simplificação e/ou eliminação de certas estruturas


gramaticais; ou ainda, em outras palavras, pelo aumento na frequência de uso das
formas não marcadas, bem como a sua generalização paradigmática. Seria esse
processo de transmissão linguística irregular de tipo leve que estaria na base da
formação das atuais variedades populares do português do Brasil, e a sua marca mais
evidente seria a ampla e massiva variação no emprego das regras de concordância
nominal e verbal [...].

Apesar do surgimento de variedades no PB, Lucchesi (2009) destaca em sua pesquisa


sociolinguística a visão de que o PB ainda estaria dividido em dois grupos de falantes, pois ao
pensarmos na realidade linguística do Brasil em seu conjunto, podemos dizer que temos um
sistema polarizado, constituído por dois grandes subsistemas, uma norma dita culta falada por
uma minoria, que desfruta de bens e serviços do universo da cidadania, e uma norma popular
falada pela grande maioria, que tem pouco ou nenhum acesso aos bens de consumo, aos
serviços sociais como educação, saúde e saneamento básico que todo cidadão deveria ter
direito. (LUCCHESI, 2009). Diante do que fora exposto Lucchesi; (2009, p. 42) aponta a
seguinte divisão:

A norma culta seria, então, constituída pelos padrões de comportamento linguístico


dos cidadãos brasileiros que têm formação escolar, atendimento médico hospitalar e
acesso a todos os espaços da cidadania e é tributária, enquanto norma linguística,
dos modelos transmitidos ao longo dos séculos nos meios da elite colonial e do
Império; modelos esses decalcados da língua da Metrópole portuguesa. A norma
popular, por sua vez, se define pelos padrões de comportamento linguístico da
grande maioria da população, alijada de seus direitos elementares e mantida na
exclusão e na bastardia social. Na medida em que grande parte de seus antepassados
19

eram “peças” (seres humanos reduzidos à condição de coisa, para usufruto de seus
senhores), deve-se pensar que esses falares se formaram no grande cadinho que
fundiu, na fornalha da escravidão em massa, as etnias autóctones e as etnias
africanas na forma do colonizador europeu. Dessarte, se é uma variedade da língua
do colonizador a que se impõe na fala dos segmentos sociais aí formados, não se
pode deixar de perceber as marcas de sua aquisição precária e de sua nativização
mestiça.

Podemos dizer que ainda hoje essa dualidade existe no nosso país, na verdade não
mais uma dualidade e sim uma pluralidade linguística, que se manifesta nas variedades
linguísticas existentes no PB, influenciadas por fatores sociais e culturais.
No que concerne ao português brasileiro escrito, Ilari (2006) destaca que este é
formado por um conjunto de normas linguísticas que foram desenvolvidas e estabelecidas a
partir de uma política linguística no país, pois tornou-se necessário que fosse adotadas
algumas regras e padrões que identificassem o português brasileiro, além de uma literatura
mais consistente e autêntica. O autor afirma que todo país precisa estabelecer uma língua
oficial, por questões políticas e sociais, daí a necessidade do português culto seguir uma
padronização linguística. Esta estandardização da língua contribuiu para o distanciamento
entre o português substandard, aquele que é falado por uma população não escolarizada e o
português padrão, que é composto por um conjunto de regras gramaticais falado pelas pessoas
que detêm certo nível de escolarização. É importante ressaltar que, para Ilari (2006), aquilo
que consideramos norma culta também está suscetível a uma considerável margem de
variação, uma vez que algumas capitais adotam uma norma culta específica, ou seja, a norma
culta pode variar de uma região para outra, mesmo que não seja tão evidente.
Em razão dessa realidade histórica do Brasil, mesmo que o português tenha se tornado
a língua oficial do país, este carrega relevantes influências e empréstimos lexicais oriundos de
diversas línguas e dialetos africanos, de línguas indígenas e também de línguas europeias
como o italiano, que por meio dos imigrantes que chegaram ao território brasileiro no final do
século XIX e início do século XX para trabalhar na agricultura e outras atividades,
contribuíram na formação das variedades do português brasileiro. Em virtude disso podemos
considerar que estes contatos linguísticos colaboraram de forma considerável para no Brasil
constituir-se um sistema linguístico híbrido e heterogêneo, além de fomentar para que o
português brasileiro em alguns aspectos tenha se diferenciado do PE.
Diante disso, mostramos, a seguir, algumas dessas significativas alterações que
ocorreram na gramática do PB, se comparado ao PE. Em relação ao sistema pronominal
sujeito, segundo Galves (2001 apud Magalhães, 2006) existem vários aspectos que
diferenciam a sintaxe pronominal do PE e do PB. Primeiramente, destaca-se o uso do
20

pronome ele, o qual em posição de sujeito é privilegiadamente empregado, no PB, sem que
haja um valor particular para tal uso. Por outro lado em PE, o pronome ele só é usado em
contextos em que as concordâncias de 1ª e 3ª pessoas podem causar um transtorno (1a), ou
então, como contrastivo (1b); nas relativas, o uso do pronome ele como lembrete é
devidamente gramatical em PB; em PE só é permitida uma categoria vazia em tal contexto
(1c, d) nesta ordem:
(1) a. (Eu/ ele) estava a brincar na rua.
b. Ele comeu o bolo.
c. Eu tinha uma empregada que (pronome relativo) ela (pronome lembrete) respondia ao
telefone e dizia...
d. Eu tinha uma empregada que cv1 respondia....
(GALVES, 1988, p. 33 apud MAGALHÃES, 2006, p. 11-12)
O pronome ele pode surgir duplicando o sintagma nominal (NS) sujeito em PB (2a, b).
Tal uso não se constata em PE.
(2) a. Essa competência1 ela é de natureza mental. (idem)
b. Ana Maria ela foi no supermercado para fazer compras.
(MAGALHÃES, 2000, p.83 apud MAGALHÃES, 2006, p. 12)
O pronome ele pode ainda ser usado comumente em posição de objeto em PB. Em PE só
é possível usar o clítico o/a (2 a, b):
(3) a. Levei ele ontem. (PB)
b. Levei-o ontem. (PE)
(MAGALHÃES, 2006, p. 12)
Outro ponto a evidenciar acerca dessas diferenças entre o PB e o PE na área da sintaxe
pronominal diz respeito à posição dos clíticos na sentença. Como mostram os exemplos (4a,
b) a seguir:
(4) a. Me diga uma coisa. (PB)
b. Diga-me uma coisa. (PE)
(MATEUS, 2003, p.47 apud MAGALHÃES, 2006, p. 14)
Como vimos no exemplo acima, no PB o clítico pode surgir em primeira posição na frase,
forma que não é admissível no PE.
Podemos ver ainda as seguintes diferenças entre PE e PB evidenciadas no exemplo
abaixo:
(5) a. Maria me viu (PB) (*PE)2

1
cv representa a categoria vazia sujeito, ou seja, o sujeito nulo.
21

a. Maria viu-me (PE)


b. Maria pode me encontrar hoje. (PB) (*PE)
c. Maria pode-me encontrar hoje. (PE)
d. Maria pode encontrar-me hoje. (PE)3
(PAGOTTO, 1993, p.186 apud MAGALHÃES, 2006, p. 14)
Magalhães (2006) afirma que em relação às diferenças que compreende o uso de
clíticos no PB e no PE, uma das mais acentuadas por Pagotto (1993) é a agramaticalidade que
foi exemplificada em (5), através deste exemplo podemos perceber o quanto o PE é enclítico e
o PB proclítico. O PE só permite próclise em frases finitas quando existe uma palavra atratora
(que atraia) antes do verbo. Mesmo quando ocorrem construções incluindo dois verbos, a
diferença continua (5 b, c, d). O PB usa próclise ao segundo verbo de locuções verbais,
emprego que não é admitido em PE.
Outro fator de oposição entre o PE e o PB é apontado por Duarte (1995), o qual diz
respeito à flexão verbal. O PE ainda apresenta uma base de flexão rica, diferente do PB atual,
que está com o quadro flexional bastante simplificado. Como tal mudança está relacionada ao
parâmetro do sujeito nulo (PSN), trataremos dessa relação com mais detalhes no tópico 2.4.

1.2. VARIEDADES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Como vimos o Brasil foi formado por diferentes grupos étnicos que tinham suas
línguas próprias, sendo assim, sabemos que o PB ao se constituir sofreu influências dessas
várias línguas. Neste tópico apresentamos o conceito de algumas variedades do PB dentre elas
o português afro-brasileiro, o português indígena e o português afro-indígena, esta última terá
um destaque mais significativo, pois acreditamos que a comunidade do Tipitinga, lócus de
pesquisa desse trabalho é formada por pessoas que apresentam descendência, tanto afro,
quanto indígena.
Em relação ao português afro-brasileiro, é necessário dizer que em virtude do cenário
historiográfico do Brasil, sabemos que no período da escravatura durante a formação do país,
houve várias fugas dos indivíduos escravizados, que se refugiavam no meio da mata
formando os chamados quilombos, estes espaços foram responsáveis por beneficiar um alto
grau de isolamento linguístico e cultural em que viviam as comunidades quilombolas,
clandestinas e ilegais até a abolição da escravatura. Em vista disso, Lucchesi et al. (2009)
afirma que este panorama histórico foi altamente favorável à crioulização do português, ou

2
O uso do asterisco (*) representa agramaticalidade
3
Os exemplos 3, 4, 5 foram renumerados de Magalhães (2006).
22

mesmo à manutenção, em curso, das línguas de origem desses grupos. Essa situação
provavelmente pouco se modificou até as primeiras décadas do século XX. A partir desse
momento, inicia-se o intenso processo de ocupação de vastas zonas rurais através dos
empreendimentos capitalistas de mineração, extração madeireira e produção de celulose, entre
outros. Essas ações expulsaram de suas terras essas comunidades, ou ainda integraram esse
povo no procedimento extrativo e/ou produtivo, por meio da exploração de sua força de
trabalho, transformando radicalmente o seu modo de vida e provocando mudanças também na
cultura local, assim como na fala desses grupos.
Lucchesi (2009, p. 70) afirma que os motivos que inibiram a ocorrência, na história
linguística do Brasil, de um processo de crioulização do português, em níveis socialmente
emblemático e com uma duração expressiva, foram sumarizados da seguinte forma:
a) a proporção entre a população de origem africana e branca, que proporcionou um
maior acesso à língua-alvo do que o observado nas situações típicas de crioulização;
b) a ausência de vida social e familiar entre as populações de escravos, provocada pelas
condições sub-humanas de sua exploração, pela alta taxa de mortalidade e pelos
sucessivos deslocamentos;
c) o uso de línguas francas africanas como instrumento de interação dos escravos
segregados e foragidos;
d) o incentivo à proficiência em português;
e) a maior integração social dos escravos urbanos, domésticos e das zonas mineradoras;
f) a miscigenação racial.
Em razão dessa realidade, a língua crioula foi profundamente comprometida, pois na
medida em que foi ocorrendo o contato entre línguas, este processo provocou a perda, ou
mesmo o desaparecendo de algumas peculiaridades crioulizantes da fala desses povos. Desse
modo, a intensa e violenta penetração do capitalismo no campo brasileiro pode ter eliminado
as eventuais variedades crioulizadas do português no Brasil que tenham sobrevivido até o
início do século XX.
Lucchesi et al. (2009) asseguram que os falantes do português afro-brasileiro são
aqueles que vivem em comunidades que tiveram origem em antigos quilombos ou em
populações de escravos que receberam doações de terra, depois do término dos
empreendimentos agroexportadores escravagistas. Além de ressaltar que tais comunidades se
definem pelos seguintes critérios:

[...] (a) são compostas majoritariamente por descendentes diretos de escravos


africanos que se fixaram em localidades remotas do interior do país e de difícil
23

acesso; (b) mantiveram-se em relativo isolamento até a segunda metade do século


XX; (c) sua principal atividade econômica é a agricultura de subsistência.
(LUCCHESI ET AL. 2009, p. 75).

Esses grupos que apresentam essas particularidades são os falantes do português afro-
brasileiro que é definido por Lucchesi (2009, p. 32) como:
Uma variedade constituída pelos padrões de comportamento linguístico de
comunidades rurais compostas em sua maioria por descendentes diretos de escravos
africanos que se fixaram em localidades remotas do país, praticando até os dias de
hoje a agricultura de subsistência. Muitas dessas comunidades têm a sua origem em
antigos quilombos de escravos foragidos e ainda se conservam em um grau
relativamente alto de isolamento. Dessa forma, o português afro-brasileiro guardaria
uma especificidade no universo mais amplo do português popular rural brasileiro
(ou, mais precisamente, norma popular rural do português brasileiro) [...]

A respeito do conceito de português indígena, Christino & Silva (2012 apud


OLIVEIRA et al, 2015, p. 3) destacam que,

Interessada fundamentalmente na cultura interacional dos professores indígenas


(pertencentes a nove grupos étnicos distintos) por ela observados, Maher (1996,
1998) empenhou-se em descrever o funcionamento sociopragmático do que
denominou “português índio” […] teve todo o cuidado de explicitar o seu recorte
[…] “falar de um português Índio é, de um certo modo, uma generalização: mais
correto seria falar em português Apurinã, português Kaxinawá, português
Shawãdawa, etc... Cada uma destas variedades tem, certamente, a sua
especificidade” (Maher 1996: 212). E, poderíamos acrescentar, essa especificidade
permanece via de regra desconhecida, pois não são muitos os estudos acerca do
produto das situações de contato linguístico vivenciadas por indígenas bilíngues.
Santos (2005: 153) lembra que “se pouco se tem descrito das variantes regionais do
português nacional, muito menos se sabe das variantes do português indígena”. De
outra parte, mostram-se também bastante limitadas as informações sobre o processo
de aquisição do português brasileiro como segunda língua por povos indígenas, fato
já apontado por Amado (2009: 30) e Koga, Souza e Amado (2010: 209). […]

Isto exposto, percebemos que é difícil falar de português indígena de forma unificada,
uma vez que existem várias etnias que apresentam suas especificidades culturais e
linguísticas.
Como já foram feitas as considerações em relação ao português afro-brasileiro e o
português indígena, passemos agora a conceituação do português afro-indígena. Antes, porém
é importante salientar mais uma vez os aspectos históricos da formação do Brasil, para
compreendermos como se deu a constituição dessa variedade do PB na região norte do país.
Segundo Figueiredo e Oliveira (2013), o Brasil no século XVII era formado por duas
colônias de Portugal: o Brasil, que compreendia o Nordeste e toda a parte meridional da
colônia e o Grão-Pará e Maranhão, que abrangia toda a Amazônia, o Maranhão, o Piauí e
parte do Ceará. No início do século XVII, na área que abarcava o território amazônico foi
inserido pelos ingleses um número significativo de negros, fadados ao trabalho nas lavouras
24

de espécies exportáveis como a cana-de-açúcar, o tabaco, o algodão ou o cacau. Bezerra Neto


(2001 apud Figueiredo e Oliveira, 2013, p. 111) destaca que “[...] entre os anos de 1755-1778,
foram introduzidos na Amazônia Portuguesa um número de escravos possivelmente superior
aos 25.365 africanos desembarcados nos portos de Belém e São Luís pelos navios da
Companhia.”.
Diante destes fatos, é notório o grande contingente de negros que desembarcaram na
região antes chamada de Grão-Pará e na Amazônia, os quais vinham destinados a
desempenhar as mesmas funções que eram impostas pela sociedade escravocrata da época.
Como nessas terras já habitavam inúmeras etnias indígenas, a junção desses povos contribuiu
significativamente para a formação do norte do Brasil. Por isso, assinalamos que esta extensão
do país sofreu influências linguísticas e culturais tanto dos grupos afros que foram trazidos
para trabalhar na lavoura, quanto dos indígenas que já viviam nessa região, favorecendo a
miscigenação entre esses grupos étnicos, além de acarretar a formação de comunidades com
descendência afro-indígena.
Em razão desta realidade, propomos que estas comunidades que apresentam
miscigenação afro e indígena falam uma variedade do PB chamada de Português afro-
indígena que é definido por Oliveira et al. (2015, p. 7) como:

[...] Uma variedade vernacular rural de português brasileiro L1 falada por


comunidades envoltas em miscigenação afro-indígena, mas que selecionam
politicamente o termo “afro” ou “indígena”. Exemplificam-se as comunidades de
Jurussaca/PA (autoidentificada como comunidade quilombola, logo “afro”) e
Almofala-Tremembé/CE (autoidentificada como comunidade indígena, mas não
“afro”).
Além da característica de “português L1”, o português afro-indígena atesta as
seguintes outras características: (i) festas de sincretismo religioso que se subdividem
em dois subtipos: (a) subtipo “ladainhas” (como em “Jurussaca”); (b) subtipo
“torém/torén” (como em “Almofala/Tremembé”); (ii) linguagens cerimoniais (ex.:
ladainhas; a música cantada na dança do torém/torén).
A variedade de português afro-indígena compartilha com as variedades de português
afro-brasileira e indígena a característica de localizarem-se ao extremo [+ Marcado]
do continuum dialetal de português; difere, no entanto, da variedade indígena, por
ser esta L2 por definição, e da afro-brasileira, por esta variedade não contemplar o
traço de miscigenação indígena.

Tal acepção de Português Afro-Indígena é estabelecida à boa parte das comunidades


quilombolas do norte do Brasil. Por estas particularidades ressaltadas por Oliveira et al.
(2015) em seu conceito o português afro-indígena se diferencia do que apontam os estudos de
Lucchesi et al. (2009) em comunidades do interior da Bahia que apresentam descendência
particularmente africana, diferentemente também das comunidades indígenas apresentadas
por Christino e Silva (2012 apud OLIVEIRA et al. 2015).
25

Vale ressaltar que estas três variedades fazem parte do Continuum Dialetal do
Português Falado no Brasil, apresentado por Campos (2014 Oliveira et al. 2015), as quais são
consideradas variedades com o traço [+ Marcadas] do PB. Vejamos a seguir a estrutura deste
continuum Dialetal.
FIGURA 1- Continuum dialetal do português falado no Brasil

Fonte: Oliveira et al. (2015, p.8)

De acordo com Campos (2014 apud Oliveira et al. 2015), a sigla PB não é suficiente
para dar conta de todas as variedades faladas pelos brasileiros, pois esta acaba por ficar
restrita à modalidade escrita da língua com aproximação da que é falada por pessoas com um
grau maior de escolarização, provenientes das camadas mais altas da sociedade. A partir da
ilustração acima, podemos perceber que as três variedades compartilham o traço de
variedades [+ Marcadas] no continuum, uma vez que exibem características etnolinguísticas4
peculiares se confrontadas, por exemplo, aos “falares regionais” e aos “falares urbanos não
padrão”, situados ao centro do continuum e considerados, portanto, em relação àquelas
variedades [- marcados].
Portanto, destacamos que em relação à natureza das comunidades rurais brasileiras,
podemos dizer que a composição étnica atual tem implicações históricas. Dessa forma quanto
maior a proporção de afrodescendentes (ou indiodescendentes, consoante a região), maior será
a probabilidade de a gramática daquela comunidade de fala ter sido afetada pelo processo de
transmissão linguística irregular desencadeado em situações de contato linguístico massivo

4
Estudo da fala considerando a cultura de um povo.
26

(sendo a intensidade de tal processo, em cada caso, mediada por uma série de fatores sócio
históricos). Se considerarmos o contexto histórico de formação de todas as comunidades
rurais brasileiras, percebemos ser difícil que exista alguma que não tenha sido afetada pelo
contato entre línguas, seja em maior ou menor intensidade (LUCCHESI ET AL. 2009, p. 82).
Isto posto, acreditamos que dentro da região amazônica há uma parcela significativa de
comunidades de origem tanto indígena quanto africana como é o caso da comunidade do
Tipitinga, que é lócus de pesquisa deste trabalho.
No tópico a seguir apresentamos algumas definições a respeito do sujeito, que apontam
seus aspectos morfossintáticos e posteriormente abordamos a fundamentação teórica acerca
do parâmetro do sujeito nulo.
1.3. O SUJEITO: REVISÃO DA LITERATURA
Em português, em geral, uma oração é constituída por duas partes. Uma delas é o
SUJEITO e a outra é tudo aquilo que se diz do sujeito: o PREDICADO.
(…) Na oração, o sujeito pode aparecer antes ou depois do verbo.
Ordem direta: quando o sujeito vem ANTES do verbo.
Ordem indireta: quando o sujeito vem DEPOIS do verbo.
Características:
1- O sujeito, em geral, pode ser substituído por um dos seguintes pronomes: ele, ela,
eles, elas.
2- O sujeito faz o verbo concordar com ele. (FERREIRA, 1992 apud MARONEZE,
[s.d]).
Primeiramente se faz necessário abordarmos alguns conceitos a respeito do SUJEITO
antes de adentrarmos diretamente no tópico do parâmetro do sujeito nulo. Sendo assim,
vejamos a seguir definições diferentes de alguns autores de diversas vertentes sobre esse
termo:
O gramático Cunha (1970 apud Maroneze, [s.d]) diz que o SUJEITO é o ser sobre o
qual se faz uma declaração; o PREDICADO é tudo aquilo que se diz do SUJEITO. Enquanto
que Said Ali (1966), outro gramático, afirma que SUJEITO denota o ser a propósito do qual
se declara alguma coisa. É expresso por um substantivo ou um pronome.
Ferreira (1992 apud Maroneze, [s.d]), também gramático, assegura que SUJEITO é o
termo da oração a respeito do qual se declara alguma coisa.
Contudo Maroneze [s.d] declara que há uma problemática em torno dessas definições
apresentadas, uma vez que elas se tornam inadequadas e imprecisas. Inadequada por não se
referir a sujeito, mas, muitas vezes, a tópico, que é quando um constituinte da sentença sofre
27

um deslocamento à esquerda, e dizemos que ele foi topicalizado, isto é, se transformou no


tópico (no tema, no assunto), para o qual o falante quer chamar a atenção, provocando a
quebra na ordem direta SVC, típica do PB (BAGNO, 2011, p.472); e imprecisão por não
conseguir descrever suficientemente todos os fenômenos que ocorrem com o sujeito. Perini
(1995) apresenta uma definição mais simples, em que o sujeito seria “o termo da oração que
está em relação de concordância com o NdP (Núcleo do Predicado).”.
Mesmo o trabalho consagrado de Perini (1995) a respeito desta função, principia de
uma acepção que não mistura conceitos semânticos ou discursivos com conceitos sintáticos, a
qual exibe dois inconvenientes, que são apontados pelo próprio autor: sentenças com verbo
não flexionado, ou seja, no gerúndio e sentenças com sujeito nulo. No primeiro caso Perini,
(1995, p. 78) argumenta que o substantivo Marivânia em:

Marivânia chegando, a farra vai começar.


Precisa ser analisada como sujeito, mesmo o verbo não concordando com o sujeito
(Marivânia). Assim como o autor argumenta que sentenças do tipo:

Vendi meu jegue.


(PERINI, 1995, p. 78)
Devem ser analisadas como não tendo sujeito, o que nos parece equivocado, pois se
nos perguntado qual o sujeito nessa oração seríamos capazes de identificá-lo, mesmo ele não
estando expresso na sentença.
É necessário destacar que esta definição apontada por Perini (1995) também é
precária, por não considerar a variação linguística em que o falante muitas vezes não faz a
concordância entre o sujeito e o verbo. Como podemos ver no exemplo a seguir, retirado da
fala de um dos moradores da comunidade quilombola do Tipitinga.

Nós tava se encontrando na igreja. (Severino Ramos)

Em face disso, tomaremos como base a definição apontada pelo linguista Castilho
(2010) o qual assegura que a dificuldade de se definir o sujeito decorre da natureza tríplice de
tudo aquilo que é reconhecido como sujeito: o sujeito sintático, o sujeito discursivo e o sujeito
semântico. Sendo assim, o gramático afirma que para dar conta da complexidade dessa
categoria linguística será necessário considerarmos essas três propriedades do sujeito.
Em relação a propriedade sintática do sujeito Castilho (2010), afirma que o sujeito
seria o constituinte que apresenta as seguintes propriedades: (a) é expresso por um sintagma
28

nominal; (b) figura habilmente antes do verbo; (c) determina a concordância do verbo; (d) é
pronomizável por ele; e (e) pode ser elidido.
Uma função sintática se define através de relações sintagmáticas entre os diversos
termos da oração: ordem das palavras, concordância, regência etc., assim, a função de sujeito
se caracteriza por certas posições na oração, e por estar em relação de concordância de pessoa
e número com o verbo. (CASTILHO, 2010, p. 289).
Acerca da propriedade discursiva do sujeito, esta perspectiva considera a sentença
como o lugar da informação, nessa visão o sujeito é aquele ou aquilo de que se declara algo.
Ele é o ponto de partida da predicação, é seu tema. Segundo Castilho (2010) essa abordagem
informacional da sentença ficou conhecida como teoria da articulação tema-rema. De acordo
com ela, o tema sentencial pode ser entendido como “aquilo que vem primeiro”, como “o
ponto de partida da mensagem”. (HILLIDAY 1985, p. 39-45 apud CASTILHO, 2010, p.
295).
No que diz respeito às propriedades semânticas do sujeito, Castilho (2010) evidencia
que normalmente a mais encontrada no sujeito é a da agentividade. Essa função indica o
constituinte sentencial cujo referente é responsável pela ação expressa pelo verbo.
Castilho (2010) aponta que a percepção de agentividade nem sempre pode ser
reconhecida sem ambiguidades num enunciado. Por exemplo, em sentenças como:

O João arrancou um dente hoje.


(PONTES, 1987, p. 24 apud CASTILHO, 2010, p. 296)
Neste caso, apenas através do contexto podemos dizer se João é agente, isto é, um
dentista, ou paciente, ou seja, o paciente, realmente.
Em relação às propriedades semânticas do sujeito Castilho (2010) também aborda a
questão da determinação, animacidade e referencialidade do sujeito. Abordaremos com mais
afinco apenas os aspectos relacionados à animacidade e referencialidade do sujeito.
Segundo Castilho (2010) podemos dizer que os pronomes de primeira e segunda
pessoa são dêiticos, isto é, remetem essencialmente ao falante e ao ouvinte. Logo, eles
apontam sempre para entidades animadas. Por outro lado, os pronomes de terceira pessoa,
assim como os substantivos, podem aludir indiferentemente a referentes animados ou não
animados. De acordo com o autor o traço [+/- humano] subordina-se ao traço [+/- animado],
uma vez que um referente animado não será obrigatoriamente humano.
29

Castilho (2010) aponta que a referencialidade é uma das propriedades semânticas do


sujeito, que implica na sua definição, o sujeito pode, portanto, ter o traço definido ou [-
definido]. De acordo com Castilho (2010, p. 297),

Um sujeito /referencial/ é aquele que destaca determinado referente dentre o


conjunto dos referentes possíveis que compartilham as propriedades indicadas pelo
sintagma nominal-sujeito.
Uma questão correlata a essa é a da definitude do sujeito. Tratando da definitude,
DuBois (1980) argumenta que esse traço é identificável a partir da dinâmica do
discurso. É /definido/ o referente que ocupa um papel de relevo no texto, seja uma
personagem de narrativa, seja um objeto de importância na enunciação. Os
referentes /- definido/, em suas palavras, são aqueles para os quais o ouvinte teve de
“abrir um arquivo” em sua mente. Referentes não definidos não têm esse requisito,
por passarem fugazmente pelo texto.

Levando em consideração as propriedades sintáticas, discursivas e semânticas do


sujeito apresentadas pelos gramáticos e linguistas citados é possível chegarmos perto de
identificar uma definição mais adequada para o sujeito.

1.3.1. O Sujeito Nulo


De acordo com Maroneze (1999), atualmente é muito difícil encontrarmos definições
de sujeito nulo, porque a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) já não se refere a esta
classificação dessa maneira. Nas gramáticas antigas, como a de Pereira (1909 apud Maroneze,
[s.d]), verifica-se a seguinte definição:
“(...) oculto ou subentendido, quando não sendo enunciado, facilmente se
subentende.”.
Ferreira (1992 apud Maroneze, [s.d]) define da seguinte forma:
“O sujeito determinado oculto (ou elíptico), apesar de não estar escrito na oração, pode
ser reconhecido pela terminação do verbo ou pelo contexto em que a oração aparece.”.
Por outro lado Elia (1962 apud Maroneze, [s.d]), nas definições de sujeito, lembra que
“o sujeito subentendido é o que foi pensado, mas não foi enunciado. Pode estar somente no
espírito de quem se exprime (elíptico) ou ter sido enunciado em outra oração (zeugma).”.
Luft (1974 apud Maroneze, 1999) apresenta uma definição coerente:
(...) (falta na NGB) Elíptico, ou oculto, quando suprimido por elipse, subentendido,
recuperável na desinência verbal ou no contexto: Leio poesia, escreves cartas, enviamos
felicitações, chegaste cedo.
No que concerne à questão da essencialidade do sujeito, vimos várias definições deste
termo, as quais apontam a importância do sujeito pleno/expresso na oração, porém vimos
também acepções sobre o sujeito nulo, aquele que não se faz presente na oração. De acordo
30

com Bagno (2012) as línguas derivadas do latim apresentam a característica de omitir o


sujeito do verbo, por conta das desinências verbais que já o explicitam. Contudo o PB falado
passou a exibir uma redução considerável na flexão verbal, provocando mudanças nessa
língua, que acarretaram na expressiva ocorrência do sujeito pleno e no declínio do sujeito
nulo. Passemos ao estudo desse fenômeno.
1.4. O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO
Segundo Duarte (1995) o parâmetro do sujeito nulo foi apresentado oficialmente em
Chomsky (1981), este fenômeno se estabelecia dentro do quadro de estudos da Gramática
Gerativa uma nova etapa de busca dos princípios universais das línguas humanas a partir
justamente das possíveis variações interlinguísticas permitidas por cada um dos parâmetros.
Vale ressaltar ainda que Chomsky & Lasnik (1991 apud DUARTE, 1995) enfatizam
que a teoria de Princípios e Parâmetros é uma "abordagem particular a problemas clássicos
relativos ao estudo da linguagem". Segundo Duarte (1995) os estudos sobre mudanças
linguísticas que são realizados com base na visão paramétrica acarretaram significativas
contribuições para a definição dos princípios da Gramática Universal. Quando ocorre uma
mudança em um sistema linguístico, esta provoca uma instabilidade em relação a um
parâmetro, tornando a língua vulnerável a outras mudanças, mas é necessário ressaltar que
uma língua não muda de maneira abrupta. Duarte (1995) destaca que a língua passaria por
esse momento de instabilidade e no decorrer do tempo se essa alteração permanecer
aconteceria uma mudança paramétrica, ou seja, a refixação de um determinado parâmetro.
Isto posto, passemos a abordagem do parâmetro do sujeito nulo no PB. De acordo com
Lucchesi (2009) e Oliveira e Santos (2007), o parâmetro do sujeito nulo (PSN) é um dos mais
tratados e estudados do conjunto da Teoria dos Princípios e Parâmetros, proposta por
Chomsky (1981). Este parâmetro é típico das línguas pro-drop (de sujeito nulo), que
apresentam um paradigma de flexão verbal rico de número e pessoa, o qual permite a
possibilidade de recuperar a referência do sujeito, proporcionando o licenciamento do sujeito
nulo através deste paradigma flexional rico, enquanto que nas línguas em que a ausência de
flexão verbal não consente a recuperação da referência do sujeito, a realização do sujeito
pronominal se torna gramaticalmente obrigatória.
Diante disso, precisamos ressaltar que segundo Duarte (1995) a língua portuguesa é
reconhecida na literatura como uma língua pro-drop, pois o PB do século XIX e início do
século XX apresenta um comportamento semelhante com o das línguas românicas de sujeito
nulo, como o italiano, o espanhol e o português europeu, as quais apresentam um princípio a
que Chomsky (1981) se refere como “Evite Pronome”:
31

(O principie) pode ser considerado como uma subposição do princípio da


conversação de não dizer mais do que é exigido, ou pode estar relacionado a um
princípio de supressão - a recuperação. mas há algum motivo para acreditar que
funciona como um princípio da gramática. (tradução nossa)5

De acordo com Duarte (1995) este princípio aponta o sujeito nulo como uma opção,
mas na verdade é apresentado como uma obrigação das línguas românicas consideradas do
grupo pro-drop (de sujeito nulo), a opção parece ficar por conta do uso do pronome pleno
quando a interpretação estiver prejudicada. Entretanto no PB considerada uma língua
tipicamente de sujeito nulo, este princípio fora comprometido, uma vez que houve uma
simplificação no paradigma flexional verbal dessa variedade em que a segunda pessoa
“direta”, representada pelos pronomes (tu e vós) foi substituída pela segunda pessoa “indireta”
(você/vocês), que usa as formas verbais de terceira pessoa em quase todo território nacional,
assim como, ocorre à progressiva substituição do pronome (nós) pela expressão (a gente), que
usa igualmente a forma verbal de terceira pessoa do singular, sobretudo na fala da geração
mais jovem.
Por conta disso, ficamos com um quadro flexional reduzido em relação ao que
tínhamos antes, comprometendo a função de identificar o sujeito pronominal vazio (sujeito
nulo) desempenhada pela desinência verbal. Como podemos ver no quadro abaixo:

QUADRO 1 - Mudanças do sistema pronominal


PESSOA PRONOMES SÉCULO XIX SÉCULO XX/1 SÉCULO XX/2
1PS Eu Estudo Estudo Estudo
1PP Nós Estudamos Estudamos Estudamos
A gente ......... Estuda Estuda
2PS Tu Estudas Estudas Estuda (s)
Você Estuda Estuda Estuda
2PP Vós Estudais ........ .......
Vocês Estudam Estudam Estuda (m)
3PS Ele, ela Estuda Estuda Estuda
3PP Eles, elas Estudam Estudam Estuda (m)
Fonte: Duarte e Kato (2014, p. 3).

5
The principie) might be regarded as a subcase of conversational principie of not saying more than is required,
or might be related to a principie of deletionup-to recoverability. but there is some reason to believe that it
functions as a principie of grammar." (CHOMSKY, 1982 p. 65 apud DUARTE 1995, p. 29).
32

Devido a esse contexto, Duarte (1995) postulou que no PB o sujeito nulo referencial
definido é uma opção que se realiza cada vez menos se comparado ao sujeito pleno, cuja
ocorrência, em momento algum, compromete a aceitabilidade de uma sentença. Sendo assim,
suas análises revelam que o português falado no Brasil estaria passando por um processo de
transição de língua pro-drop para uma língua não pro-drop, ou seja, de uma língua que seguia
o princípio ‘Evite Pronome’ para uma língua que agora segue o princípio ‘Explicite
Pronome’. Em vista disso, o PB está se afastando das demais línguas românicas e se
aproximando do francês, que ao longo dos anos perdeu seus sujeitos nulos.
De fato, a julgar pelos índices apresentados em sua pesquisa, Duarte (1995) destaca
que a forma não marcada do sujeito pronominal referencial é hoje a forma plena, ficando o
sujeito nulo como a forma marcada (menos realizada), ao contrário do que mostram os
resultados para o português europeu oral. Desse modo, a não-obediência ao princípio ‘Evite
Pronome’ e a redução do paradigma flexional verbal são apontados como os principais fatores
contribuintes para que este processo se acelerasse.
Em síntese podemos destacar a equação apresentada por Bagno (2012) que
corresponde a esse processo de mudança relacionado ao parâmetro do sujeito nulo que está
ocorrendo no PB:

+ Morfologia verbal - Morfologia verbal


=
- Sujeito + Sujeito

A equação mostra que não há a necessidade de marcar duas vezes o sujeito, no


pronome e na terminação do verbo, pois como aponta o autor, seria um princípio de economia
linguística que diz ‘evite redundância’.
Apesar de Duarte (1995) assegurar que essas alterações envolvendo o declínio da
ocorrência de sujeito nulo referencial definido, inicialmente foram influenciadas pela
simplificação do sistema flexional verbal no PB, essa hipótese se torna problemática, quando
reflete-se que línguas como o chinês e o japonês, que não apresentam morfologia de
concordância, também exibem o fenômeno do sujeito nulo. Entretanto de acordo com Duarte
e Kato (2014, p. 1):

[...] o trabalho de Huang (1984, 1989) sobre categorias vazias, tanto na posição de
sujeito quanto na de objeto, oferece uma solução: enquanto em línguas como o
italiano e o português europeu o identificador do NS está em um “controlador
interno”, que é a concordância, no chinês e no japonês, o lugar do controlador está
além da sentença. No primeiro caso a identificação de pro se dá via concordância
33

pronominal, enquanto no segundo caso, a identificação do NS se dá via


correferência.

Diante disso, Duarte e Kato (2014) apresentam alguns questionamentos acerca das
mudanças ocorridas no PB em relação ao PSN: estaria o PB mudando para uma língua de
sujeito não nulo (-NS) como aconteceu com o francês? Ou estaria mudando para uma língua
como o chinês? Ou ainda, estaria se convertendo em uma língua “parcialmente pro-drop”
como proposto em Holmberg, Nayudu e Sheehan (2009)? As autoras mostram que o PB tem
características do francês, no sentido de os pronomes sujeito, quando expressos, serem
pronomes fracos, assim como apontam que quando o nulo é mantido em contexto de anáfora,
ele tem particularidades do nulo logofórico do chinês. Sendo assim, elas concluem que o PB
está se comportando como uma língua de sujeito nulo parcial, como propõem Holmberg,
Nayadu e Sheehan (2009), porém esta não corresponde a uma tipologia invariável. (DUARTE
e KATO, 2014, p. 2).
Posteriormente foram apresentados por Cyrino, Duarte e Kato (2000 apud DUARTE e
KATO, 2014) novos subsídios relacionados ao parâmetro do sujeito nulo no PB, que dizem
respeito ao licenciamento seletivo do sujeito nulo. As autoras propõem que o processo de
pronominalização no português brasileiro vernacular parece estar sendo guiado por uma
hierarquia de referencialidade. Conforme Duarte e Kato, (2014, p. 4):

[...] essa hierarquia mostra que argumentos [+N, +humano] estão no extremo mais
alto na hierarquia referencial, enquanto não-argumentos estão na posição mais baixa.
Com relação aos pronomes, o falante (eu) e o interlocutor (você), sendo
inerentemente argumentos humanos, primeira e segunda pessoas pronominais, estão
no ponto mais alto na hierarquia; a terceira pessoa se situa num ponto mais baixo,
devido à interação de traços [+/-humano] e [+/-específico]6. O sujeito que se refere a
uma proposição (o sujeito neutro) está numa posição ainda mais baixa. No ponto
mais baixo da hierarquia estão os sujeitos não referenciais:

A. Hierarquia Referencial
não-argumento proposição 3p. 2p.1p.
±humano +humano
±específico
[-ref] < ----------------------------------------------------- > [+ref.]
(CYRINO, DUARTE & KATO apud DUARTE E KATO, 2014, p.5)
A partir dessa generalização, foram apresentadas pelas autoras as seguintes hipóteses
relativas à distribuição do NS:
B. Hipótese do Mapeamento Implicacional.

6
No original: devido à interação de traços [+/-humano] e [+/específico]. [sic]
34

• Quanto mais referencial, maior a possibilidade de um pronome não-nulo.


• Uma variante nula em um ponto específico da escala implica uma variante nula
à sua esquerda, na hierarquia referencial.
Duarte e Kato (2014) analisam seus dados a partir da perspectiva apresentada em
Cyrino, Duarte & Kato (2000) considerando a hierarquia da referencialidade do sujeito e a
hipótese do mapeamento implicacional. As autoras verificaram que no PB, quanto mais
referencial é o sujeito maior a expectativa de um pronome realizado (pleno), parece que o PB
está evitando o aparecimento de expressões nulas na posição de sujeito com antecedentes [+
humano]. Assim, quando o traço for [- específico], itens não dotados do traço [+humano], a
tendência é de o sujeito ser nulo.
Dessa forma, as autoras asseguram que a restrição ao pronome expresso, postulada em
Chomsky através do princípio “Evite pronome” para línguas de sujeito nulo, como o italiano,
teria uma contraparte “Evite pronomes não-referenciais” para línguas de sujeito nulo parcial
como é o caso do PB atual.
35

2.0 A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Em um procedimento investigativo devem ser esclarecidos de forma minuciosa quais


serão as concepções metodológicas e as técnicas utilizadas. Portanto, nesta seção, englobamos
toda a elucidação e a fundamentação acerca do caminho metodológico seguido nesta pesquisa.
Nossa pesquisa investiga o comportamento do parâmetro do sujeito nulo (PSN) na
comunidade quilombola do Tipitinga. Pretendemos descobrir se os falantes da comunidade
pesquisada têm preferência pelo sujeito pleno/ realizado, assim como está acontecendo em
outras variedades do português brasileiro (PB).
Dessa forma, procuramos trilhar um caminho que seguiu pela fundamentação teórica,
as escolhas metodológicas e a seleção das técnicas utilizadas nos processos de coleta e de
análise de dados desse fenômeno. Em relação às escolhas metodológicas, abordamos noções a
respeito das seguintes categorias: classificação quanto ao objetivo da pesquisa e classificação
quanto à natureza da pesquisa. Já no que se refere às técnicas de pesquisa falamos das
categorias a seguir: classificação quanto à técnica de coleta de dados e classificação quanto à
técnica de análise de dados. Além de mostrarmos as características do campo de pesquisa e as
particularidades dos sujeitos participantes desse estudo.

2.1. QUANTO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA


Com relação à classificação quanto aos objetivos da pesquisa, Lakatos & Marconi
(2001 apud Oliveira, 2011, p. 20) avaliam a existência de três tipos de pesquisa em que os
objetivos são diferentes: pesquisa exploratória, descritiva e experimental.
Neste trabalho adotamos a pesquisa descritiva, pois como afirma Gil (1999 apud
Oliveira 2011, p. 20):

[...] as pesquisas descritivas têm como finalidade principal a descrição das


características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de
relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que pode ser classificados sob este
título e uma de suas características mais significativas aparece na utilização de
técnicas padronizadas de coleta de dados.

Para Selltiz et al. (1965 apud Oliveira 2011, p. 20), a pesquisa descritiva procura
descrever um fenômeno ou situação com minúcia, sobretudo o que está ocorrendo,
viabilizando mostrar com precisão as particularidades de um indivíduo, uma situação, ou uma
comunidade, assim como descobrir como se manifesta a relação entre os eventos.
Segundo Triviños (1987, p. 110 apud Oliveira 2011, p. 22), a pesquisa descritiva busca
descrever de forma fidedigna os fatos e fenômenos de determinada realidade. Sendo assim o
36

estudo descritivo é utilizado quando o pesquisador pretende conhecer determinada


comunidade, suas características, valores e problemas relacionados à cultura.
Em vista disso, notamos que a pesquisa descritiva foi e é a mais pertinente para
colaborar com os nossos objetivos de desenvolver uma pesquisa em uma comunidade
quilombola, uma vez que este tipo de investigação nos permitiu conhecer particularidades
acerca da origem e formação da comunidade quilombola do Tipitinga, lócus de pesquisa deste
trabalho, e também sobre os aspectos sociais e culturais desse povo. Estas particularidades
podem atuar como fatores que influenciam as variáveis extralinguísticas (idade, gênero/sexo e
escolaridade) e as variáveis linguísticas (pessoa do discurso, animacidade e referencialidade
do sujeito), que serão analisadas neste trabalho.

2.2. QUANTO À NATUREZA DA PESQUISA


De acordo com Oliveira (2011) podemos classificar as pesquisas científicas, em
relação à sua natureza, em duas categorias básicas: qualitativa e quantitativa, e ainda, uma
mescla destas duas. Neste trabalho adotaremos princípios, tanto de natureza qualitativa quanto
de quantitativa, tomando por base a abordagem sociolinguística, a qual dar subsídios para os
processos de apreensão e análise dos dados.

2.2.1. A Pesquisa Qualitativa


Conforme Triviños (1987 apud Oliveira 2011, p. 24), a abordagem de caráter
qualitativo trabalha os dados buscando o seu significado, baseando-se na percepção do
fenômeno dentro do seu contexto. A utilização da descrição qualitativa busca compreender,
não apenas a aparência do fenômeno, como também suas essências, procurando esclarecer sua
origem, relações e mudanças, bem como procurando intuir as consequências.
Consoante Bogdan & Biklen (2003 apud Oliveira 2011, p. 24), o conceito de pesquisa
qualitativa abrange cinco distinções principais que caracterizam este tipo de estudo, tais
como: ambiente natural, dados descritivos, preocupação com o processo, preocupação com o
significado e processo de análise indutivo.
Na pesquisa de cunho qualitativo tem-se o ambiente natural como fonte direta de
dados e o pesquisador como seu principal instrumento. De acordo com os autores, na pesquisa
qualitativa é necessário que o pesquisador mantenha um contato direto e prolongado com o
ambiente e com a situação que está sendo investigada, através do trabalho ativo de campo. Em
relação aos dados coletados, estes são preponderantemente descritivos. O material obtido
nessas pesquisas é rico em descrições de pessoas, situações, acontecimentos, fotografias,
37

desenhos, documentos, etc. Há uma preocupação com o processo muito maior do que com o
produto. O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é constatar como
este fenômeno se manifesta nas atividades, nos procedimentos e na convivência diária. A
respeito da preocupação com o significado, os autores ressaltam que, para o pesquisador há
um valor significativo no “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida, pois nestes
estudos existe sempre uma tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”, ou seja,
leva-se em consideração como os colaboradores encaram os temas que estão sendo
focalizadas. No que se refere às hipóteses da pesquisa, os pesquisadores não se preocupam em
buscar evidências que confirmem essas suposições determinadas antes do início dos estudos,
elas se formam ou se consolidam, basicamente, a partir da verificação dos dados em um
processo de baixo para cima.
Diante do que fora exposto, salientamos que iremos adotar a natureza qualitativa, para
a fase de coleta dos dados, pois esta nos permite obtê-los de forma descritiva. A apreensão
dos dados foi realizada através de visita à comunidade, na qual conseguimos manter um
contato direto entre nós pesquisadores e o ambiente estudado num período de imersão na
comunidade. Durante esse contato nos preocupamos em considerar o contexto e a fala
daqueles que estão vivenciando o fenômeno estudado. Abordaremos mais detalhes sobre a
visita à comunidade no item 2.3.1 que descreve a pesquisa de campo.

2.2.2. Pesquisa Quantitativa


Quanto à pesquisa quantitativa, Richardson (1999 apud Oliveira 2011, p. 25) diz que
esta se caracteriza pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de
informações, quanto no tratamento delas, por intermédio de técnicas estatísticas.
Fonseca (2002, p. 20 apud Gerhardt e Silveira 2009 p. 33) defende que:

Diferentemente da pesquisa qualitativa, os resultados da pesquisa quantitativa


podem ser quantificados. Como as amostras geralmente são grandes e consideradas
representativas da população, os resultados são tomados como se constituíssem um
retrato real de toda a população alvo da pesquisa. A pesquisa quantitativa se centra
na objetividade. Influenciada pelo positivismo, considera que a realidade só pode ser
compreendida com base na análise de dados brutos, recolhidos com o auxílio de
instrumentos padronizados e neutros. A pesquisa quantitativa recorre à linguagem
matemática para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre variáveis,
etc.

Em vista disso, podemos dizer que a pesquisa quantitativa se volta, principalmente,


para as questões relacionadas ao raciocínio dedutivo, às regras da lógica e a objetividade.
Portanto, iremos empregar esse tipo de pesquisa nas etapas de tratamento e análise dos dados
coletados em Tipitinga, uma vez que esta, por meio da linguagem matemática, nos
38

possibilitará quantificar a amostra dos dados, que é bastante significativa, além de ajudar a
verificar as relações entre as variáveis que influenciam o parâmetro do sujeito nulo.

2.2.3. A Pesquisa Qualitativo-Quantitativa


Segundo Oliveira (2011), alguns autores já dialogam a respeito da inconveniência de
querer se definir limites entre os estudos ditos qualitativos e quantitativos nas pesquisas.
Devemos distanciar a ideia de que somente o que é mensurável teria validade científica,
pensamento esse que favorece a concepção quantitativa. Consoante Demo (2002, p.7 apud
Oliveira 2011, p. 26), “a ciência prefere o tratamento quantitativo porque ele é mais apto aos
aperfeiçoamentos formais: a quantidade pode ser testada, verificada, experimentada,
mensurada [...]”.
Por outro lado, os adversários da perspectiva quantitativa “propõem respeitar mais o
real” (LAVILLE & DIONNE, 1999, p.43 apud OLIVEIRA 2011, p.26) e abrem espaço para a
pesquisa qualitativa, a qual busca se desprender, total ou quase totalmente, das abordagens
matemáticas no tratamento dos dados, uma vez que esta prefere trabalhar com a compreensão
das motivações, percepções, valores e interpretações das pessoas, além de procurar extrair
novos conhecimentos.
Cardoso (2013) propõe que há um possível dadaísmo metodológico em pesquisas
sociolinguísticas, o qual se caracteriza por uma inquietação, um rompimento com uma única
natureza de pesquisa, uma abertura ao novo. A autora afirma que “durante muito tempo se
preferiu os Estudos positivistas que parte do princípio da neutralidade e da objetividade de
leis e fenômenos mensurados matematicamente.”. Contudo, com o passar do tempo, alguns
cientistas passaram a equilibrar a visão objetivista com a subjetivista, obtendo resultados
satisfatórios dentro daquilo que se propuseram realizar.
Na década de 60 Labov implementou uma nova direção para os estudos da língua,
adicionando ao aspecto essencialmente estruturalista o componente da heterogeneidade
linguística. Nesta perspectiva a língua passa a ser vista como um sistema heterogêneo,
mutável, variável e dinâmico. O estudo desse sistema implica em considerar que fatores
sociais ou extralinguísticos podem afetar a estrutura linguística, além dos próprios fatores
internos ao sistema. Dessa forma, Cardoso (2013) assegura que, a partir desse momento,
surgiu a necessidade de não mais se considerar apenas a estrutura linguística, como fazia
Saussure, mas também como o falante faz uso dessa estrutura durante a interação e que, sendo
assim, à medida que a sociedade muda, a língua muda com ela.
39

Cardoso (2013) aponta que as abordagens qualitativa e quantitativa devem ser


encaradas como complementares, em vez de mutuamente concorrentes. E os pesquisadores
precisam ter em mente que a escolha de suas abordagens deve ser realizada de acordo com as
necessidades e com os objetivos da sua pesquisa. A autora destaca também que tanto a
pesquisa quantitativa quanto a pesquisa qualitativa apresentam quesitos fracos e fortes, em
que os aspectos fortes de uma complementam as fraquezas da outra, por isso a junção das
duas naturezas de pesquisa podem melhorar o desenvolvimento de pesquisas de cunho
sociolinguístico.
Portanto, visando os objetivos desta pesquisa empregaremos a natureza qualitativo-
quantitativa para os processos de apreensão e análise dos dados associada à abordagem
sociolinguística. A pesquisa sociolinguística já aponta para aspectos qualitativos, quando
passa a considerar os fatores sociais.

2.2.4. A sociolinguística
De acordo com Mollica (2015), a sociolinguística é uma das subáreas da linguística,
que estuda a língua em uso nas comunidades de fala, focalizando em um olhar atento para
uma forma de investigação que abrange aspectos linguísticos e sociais. Vale ressaltar algumas
áreas de interesse da sociolinguística, que são destacadas pela autora, como: contato entre
línguas, questões relativas ao surgimento e extinção linguística, multilinguíssimo, variação e
mudança. A autora evidencia também que os estudos de cunho sociolinguístico proporcionam
preciosa contribuição, na intenção de eliminar preconceitos linguísticos e de relativizar a
noção de erro, uma vez que este busca descrever o padrão real que a escola, muitas vezes,
desqualifica como expressão linguística natural e autentica da língua em uso.
Segundo Tarallo (1990), Willian Labov é um dos precursores na pesquisa
sociolinguística. A partir de seus estudos foi possível acrescentar novos subsídios a esse tipo
de investigação. Em sua pesquisa o estudioso chama atenção para a relevância da
heterogeneidade da língua e busca sistematizar o que ele chama de caos linguístico, ou seja, as
variações existentes na língua falada. Conforme o estudioso, a sociolinguística considera
como objeto de estudo, exatamente, a variação presente na fala de comunidades. Esse
vernáculo precisa ser o mais natural possível, pois é a partir das enunciações espontâneas que
serão coletados e analisados os dados mais exatos de determinada comunidade de fala. Vale
ressaltar também que as variantes de uma comunidade de fala estão sempre em relação de
concorrência umas com as outras.
40

Mollica (2015) evidencia que “a variação linguística constitui fenômeno universal e


pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas denominadas variantes”.
Compreendemos por variantes as diferentes formas alternativas que caracterizam um
fenômeno variável, tecnicamente chamada de variável dependente. Deve-se enfatizar que
nossa pesquisa tem como variável dependente a concorrência entre o sujeito nulo (padrão) e o
sujeito pleno (inovadora), que representam duas variantes, ou seja, duas formas alternativas
possíveis de se dizer a mesma coisa, pois são semanticamente equivalentes. Mollica (2015, p.
11) assegura que,

As variantes podem permanecer estáveis nos sistemas (as mesmas formas continuam
se alterando) durante um período curto de tempo ou até por séculos, ou podem sofrer
mudanças, quando uma das formas desaparece. Neste caso, as formas substituem
outras que deixam de ser usadas, momento em que se configura um fenômeno de
mudança em progresso.

Para a autora, uma variável é considerada dependente, uma vez que o emprego das
variantes não é aleatório, contudo é influenciado por grupos de fatores ou variáveis
independentes de caráter social ou estrutural. Dessa forma, as variáveis independentes podem
ser de natureza linguística ou extralinguística e podem exercer influência sobre os usos,
acarretando o aumento ou a diminuição de sua frequência de ocorrência.
Podemos citar como exemplos de condicionantes linguísticos as variações lexicais,
morfológica, fonológica e sintática. Eles referem-se a particularidades da língua em várias
esferas, considerando o nível de significante e significado, assim como os diversos
subsistemas de uma língua. Como exemplos de condicionantes extralinguísticos reúnem-se os
fatores inerentes ao indivíduo (como etnia e sexo), e os propriamente sociais como a faixa
etária, o nível de escolarização, a classe social dentre outros. Portanto, tanto os fatores
internos quanto os externos à língua são capazes de provocar variações no sistema linguístico.
Sendo assim, podemos dizer que toda língua apresenta variantes mais prestigiadas do que
outras, seja em uma pequena comunidade rural ou em uma grande metrópole urbana, cada
comunidade de fala apresenta variações na língua falada.
Dessa forma, consideramos que a relação entre a natureza qualitativo-quantitativa e a
abordagem sociolinguística, nos ajudaram a interpretar como se comporta o parâmetro do
sujeito nulo na fala dos moradores da comunidade quilombola do Tipitinga. Em nossas
hipóteses analisamos como possíveis condicionadores das mudanças ocorridas nesse
parâmetro, tanto os fatores linguísticos como os extralinguísticos. As variáveis que foram
consideradas nesta pesquisa estão reunidas no quadro 02 no item 2.4 desta metodologia.
41

2.3. QUANTO ÀS TECNICAS UTILIZADAS NOS PROCESSOS DE COLETA E DE


TRANSCRIÇÃO DOS DADOS
Segundo Oliveira (2009), para a realização da coleta dos dados, podem ser
empregadas diferentes técnicas, sendo que as mais utilizadas são: a entrevista, o questionário,
a observação e a pesquisa documental. Neste trabalho utilizamos a técnica de observação, por
meio da pesquisa de Campo e a entrevista, mais propriamente a entrevista semiestruturada
baseada em (LUDKE e ANDRÉ, 1986). Em relação ao procedimento de transcrição dos
dados, usamos o modelo de chave de transcrição grafemática de (LUCCHESI, 1994).

2.3.1. A Pesquisa De Campo


Primeiramente, discorremos a respeito da concepção de pesquisa de campo e em
seguida relatamos como esta ocorreu.
De acordo com Gonsalves (2001, p.67 apud PIANA, 2009, p. 169),

A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação


diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro
mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre,
ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...].

Diante do que foi destacado em relação à pesquisa de campo, podemos dizer que essa
etapa corresponde à fase de investigação da pesquisa, em que visamos obter as informações
necessárias do campo de pesquisa, neste caso, a comunidade quilombola do Tipitinga.
É importante ressaltarmos como ocorreu o nosso contato inicial com a comunidade.
Este se deu por meio de um participante do projeto “O Português Afro-Indígena na Amazônia
Oriental” (AFROIN), chamado Paulo Vitor Ramos, o qual é natural da comunidade. Através
desse acesso conseguimos iniciar em Tipitinga as atividades do projeto, efetivamente, com a
nossa primeira pesquisa de campo realizada no período de 28 a 30 de novembro de 2014.
Nesta ocasião realizamos a entrevista semiestruturada e por meio dela descobrimos algumas
informações sobre a origem da comunidade, como se deu a busca pela titulação da terra,
dentre outros aspectos sociais e culturais da comunidade.
O contato entre nós pesquisadores e os moradores do grupo, durante a visita de campo,
foi fundamental para uma compreensão geral acerca dessa comunidade, uma vez que nos
permitiu vivenciar um período junto a eles, em que ficamos cerca de 36 horas imersos no seu
cotidiano. Mesmo sendo um tempo curto, nós conseguimos acompanhar e até mesmo
desempenhar algumas atividades sociais e culturais do cotidiano dessas pessoas.
42

2.3.2. A Entrevista
Conforme Cervo & Bervian (2002 apud OLIVEIRA, 2011), a entrevista se configura
como uma das fundamentais técnicas de coleta de dados, a qual pode ser conceituada como
um diálogo realizado pelo pesquisador, junto ao entrevistado, em que ambos estejam diante
um do outro. Esta técnica é direcionada por um método que auxilie a obtenção de informações
sobre determinado assunto.
Segundo Gil (1999 apud OLIVEIRA, 2011), a entrevista é uma das técnicas de coleta
de dados mais empregadas nas pesquisas sociais. Tal técnica de coleta de dados é deveras
pertinente para a aquisição de informações, em relação ao que as pessoas sabem, creem,
esperam e desejam, assim como suas razões para cada resposta.
São destacados ainda pelo autor, alguns benefícios do uso dessa técnica, tais como,
maior abrangência, eficácia na obtenção dos dados, classificação e quantificação. Além de
que, em comparação ao questionário, a técnica de entrevista permite que tenhamos um maior
número de respostas, uma maior flexibilidade e uma possibilidade de que o entrevistador
capte outros tipos de comunicação não verbal, e a pesquisa não restringirá aspectos culturais
do entrevistado. Em contrapartida, Gil (1999 apud OLIVEIRA, 2011, p. 35) aponta alguns
inconvenientes da entrevista que precisam ser avaliados na etapa de coleta dos dados, tais
como a falta de estimulo e de compreensão do entrevistado, relato de respostas falsas, a
inabilidade de responder as indagações e a influência das opiniões pessoais do entrevistador.
Ludke e André (1986) também assinalam que a entrevista é uma das principais
técnicas de coleta de dados, pois proporciona um alto nível de interação, suscitando um
contato mais próximo entre entrevistador e entrevistado. De acordo com os autores:

[...] na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de


influência reciproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas
entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há uma imposição de uma ordem
rígida de questões, o entrevistador discorre sobre o tema proposto com base nas
informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista. Na
medida em que houver um clima de estímulo e de aceitação mútua, as informações
fluirão de maneira notável e autêntica. (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 33).

2.3.3. A Entrevista Semiestruturada


Ludke e André (1986) asseguram que a liberdade de percurso caracterizam
principalmente a entrevista não-estruturada ou não-padronizada. Por outro lado, quando o
entrevistador precisa seguir muito a risca um roteiro de perguntas a todos os entrevistados, da
mesma maneira e na mesma sequência, este contexto se assemelha ao de uma aplicação de um
questionário, diferenciando-se apenas por ter o entrevistador por perto, caso seja necessário
43

fazer algum esclarecimento, estes aspectos referem-se a uma entrevista padronizada ou


estruturada, normalmente usada quando se pretende obter resultados uniformes entre os
entrevistados. No meio desses dois extremos temos a entrevista semiestruturada, a qual se
desenvolve a partir de um esquema básico, contudo sem aplicação rígida, ou seja, permite que
o entrevistador faça adaptações sempre que houver necessidade.
Dessa forma, a entrevista semiestruturada não deixa de seguir um roteiro de perguntas,
mas também dispõe de certa liberdade para se fazer adaptações quando necessário,
encaminhando naturalmente a entrevista a uma conversa de cunho informal. Utilizamos o
modelo semiestruturado, pois este nos deu essa autonomia durante a efetivação da entrevista,
o que foi importante para a nossa pesquisa, uma vez que favoreceu coletarmos dados mais
fidedignos, proporcionando uma análise factual dos dados.
Em relação ao roteiro que guiou a nossa entrevista, utilizamos perguntas direcionadas,
a fim de alcançarmos maior homogeneidade dos discursos obtidos, já que as entrevistas foram
feitas por entrevistadores distintos. Como a nossa pesquisa adere à abordagem
sociolinguística, nós seguimos um roteiro previamente formado por perguntas abrangentes,
acerca dos aspectos sociais, culturais e econômicos da comunidade quilombola do Tipitinga
(ver apêndice), sobretudo por indagações relacionadas às suas heranças afrodescendentes e
índiodescendentes. Além de terem sido inseridos assuntos que suscitassem narrativas, temas
que poderiam gerar emoção no falante, a fim de que sua fala se tornasse menos cuidadosa,
como observa Labov (1975 apud TARALLO, 1990).
Em relação aos entrevistadores, neste caso, os participantes do Projeto AFROIN, todos
foram orientados a proceder durante a entrevista de forma espontânea e natural, usando
recursos que estimulassem a fala fluente, ainda que dirigida, falando raramente para evitar
interromper o falante. Como a técnica da entrevista semiestruturada nos permitiu maior
liberdade, o roteiro foi utilizado apenas como guia e foi passível de mudanças no decorrer da
entrevista, assim como o vocabulário que deveria ser adequado, dependendo da circunstância.
Em vista disso, em alguns momentos assumimos um teor informal de conversa espontânea,
chegando até a falarmos de assuntos pessoais dos entrevistados.
44

FIGURA 2 - Momento de uma das entrevistas

Fonte: Acervo de fotos do Projeto AFROIN.

As entrevistas foram registradas com o auxílio de smartphones dos próprios


participantes do projeto AFROIN, por conta do pouco recurso que disponibilizávamos.
Somando as oito entrevistas realizadas com os moradores mais velhos da comunidade
conseguimos cerca de 10 horas de gravações. Em seguida foram realizadas as transcrições dos
áudios, conforme o consentimento dos entrevistados, como veremos no item a seguir.

2.3.4. Transcrição Grafemática Dos Dados


Após a coleta dos dados, a fase seguinte da pesquisa atém-se em transcrevê-los.
Utilizamos uma adaptação do que propõe Lucchesi (1994), que norteia as pesquisas do
Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia. Esse modelo de chave de
transcrição grafemática prefere a transcrição ortográfica, ao invés da fonética, porque aquela
possibilita uma melhor visualização do texto, atendendo igualmente às necessidades da
análise, culminando com os objetivos deste trabalho, que visa à análise dos aspectos
morfossintáticos da língua falada em Tipitinga. Sendo assim, a transcrição foi realizada com o
proposito de transpor o discurso oralizado, para uma reprodução mais fiel, possível das
características linguísticas da fala dos colaboradores.
De acordo com Lucchesi (1994, p. 1), a chave de transcrição parte da seguinte
concepção e considerações prévias:

O critério básico é o de se registrarem os fatos linguísticos que se observam na fala


do informante e que constituem marcas específicas do seu dialeto, tanto no nível
fônico, quanto no morfossintático (ausência de concordância ou de nexos
45

gramaticais - preposições, complementizadores, etc. -, objetos nulos, quebras no


encadeamento sintático dos enunciados, etc.); serão excluídos apenas alguns fatos
que, mesmo em desacordo com a ortografia oficial, podem ser considerados gerais
no português do Brasil, com o intuito de não sobrecarregar o texto transcrito.

É fundamental lembrar que qualquer notação gráfica do oral é descontinua e


dissociativa,

Descontinua, pois tem de recorrer a elementos discretos (letras, palavras, frases)


para representar o que se manifesta como um fluxo continuo. Dissociativa, pois,
mais elaborado que seja nenhum sistema de transcrição consegue reproduzir a
conjugação dos componentes segmental e suprassegmental própria do discurso
falado. Assim as pausas, as diferenças de entonação e de altura da voz, os
alongamentos de vogais e de consoantes, a intensificação de silabas ou palavras
traduzir-se-ão em problemas particulares de notação, uma vez que jamais estão
isentos de uma avaliação subjetiva por parte daquele que transcreve e, não raro,
estão sujeitos a um processo de filtragem por parte do ouvinte. Além disso, o
discurso falado, em maior ou menor grau, a depender do seu grau de planejamento,
esta impregnado de hesitações, repetições, gaguejos, truncamentos e falsos começos
que exigem recursos especiais de notação, já que os recursos disponíveis nos
sistemas ortográficos não são suficientes para dar conta de todos esses aspectos.
(PAIVA, 2015, p. 135).

Segundo Paiva (2015), não existe transcrição de dados linguísticos perfeitos e


incontestáveis, uma vez que essa atividade envolverá impreterivelmente algum toque de
subjetividade daquele que a transcreve.
Vale evidenciar que as transcrições foram realizadas pelos participantes do Projeto
AFROIN (ver no anexo B). Durante as reuniões do projeto realizamos rodas de conversas, nas
quais foram apresentadas as normas da “chave de transcrição grafemática” de Lucchesi
(1994), nesses momentos os participantes foram orientados a seguir parcialmente as
especificidades desse texto a fim de deixar as transcrições mais compreensivas e
padronizadas.

2.4. QUANTO À ANÁLISE DOS DADOS


No que concerne à análise dos dados fizemos este procedimento a partir da visão
sociolinguística e da natureza quantitativa, mencionadas no item 2.2.
Maroneze, [s.d] chama a atenção para a importância de enfatizar que a composição do
corpus de qualquer pesquisa de cunho linguístico está sujeita a um problema metodológico,
haja vista que mesmo buscando usar um corpus extenso e diversificado, este não retratará, de
fato, a totalidade de uma língua e sim apenas um recorte desta.
Segundo Mollica (2015), os fatores linguísticos e extralinguísticos agem sempre em
um conjunto complexo de correlações que podem inibir ou favorecer o uso de formas
variantes correspondentes semanticamente. A autora cita que o nível de escolaridade alta,
46

contato com a escrita, com os meios de comunicação em massa, nível socioeconômico alto
colabora para o aumento na fala e na escrita de variantes prestigiadas.
Criamos um quadro composto pelos grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos
que serão analisados nesta pesquisa. Vejamos a seguir:
QUADRO 02- Variáveis utilizadas na análise dos dados
FATORES VARIANTES
Ausência do sujeito
Variável Dependente
Presença do sujeito
+ específico
Referencialidade do Sujeito
- específico
+ animado (+ humano)
Animacidade do Sujeito
- animado (- humano)
(1ª pessoa do sg. = eu)
(2ª pessoa do sg. = tu)
(2ª pessoa do sg. = você)
Pessoa do Discurso (3ª pessoa do sg. = ele/ela)
(1ª pessoa do pl. = nós/ a gente)
(2ª pessoa do pl. = vocês)
(3ª pessoa do pl. = eles/elas)
Feminino
Gênero/Sexo
Masculino
< 50 anos
idade
> 50 anos
Ensino superior
Escolaridade Ensino médio
Fundamental maior
47

2.5. QUANTO À CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO


Acerca da comunidade quilombola do Tipitinga, campo de pesquisa deste trabalho,
ressaltaremos informações sobre a sua origem e formação, além de alguns aspectos sociais,
culturais e econômicos.
Tipitinga é uma comunidade que fica localizada no estado do Pará, na região do
salgado, aproximadamente a 36 km do município de Santa Luzia do Pará e a 201 km da
capital do estado, Belém. A localidade se encontra à margem direita do Rio Caeté e à margem
esquerda do rio Curí. Vejamos a figura 3 a seguir.

FIGURA 3- Mapa de localização da comunidade Tipitinga

Tipitinga

https://www.google.com.br/maps/@-1.3345814,-46.9544552,13z?hl=pt-BR

No que concerne à origem da comunidade, o próprio presidente da associação,


Severino Pinheiro Ramos, nos relatou que os primeiros moradores se instalaram naquelas
terras desde 1850 e seus antepassados vieram mais ou menos pelo ano de 1911, de uma
48

localidade próxima, chamada Calabouço. Ele destaca que houve uma miscigenação com
povos indígenas que já habitavam o espaço e lugares vizinhos. A mistura de traços indígenas
e afrodescendentes é notória na fisionomia dos moradores e também nos costumes e crenças
desses indivíduos, como a produção de artesanato (paneiros, peneiras, cestas e bijuterias), a
produção da farinha de mandioca, a cultura do boi-bumbá e a crendice em lendas folclóricas.
Pois é... então foi assim que se originou a comunidade... o meu o meu avô que já era
descendente desses outros né/ escravos negros e foi ele que fundou aqui no
(Tipitinga) disseram que ele chegou aqui em mil novecentos e onze... aqui... mas já
existia pessoas... éh… da família dele próximo ao rio naquela outra localidade... já
existia pessoas da família dele lá. (Severino Pinheiro Ramos)

Meu pai dizia que o pai dele era de africana e a vovó era de origem indígena
(Cezarina de Jesus Ramos)

Os meus pais, por exemplo, o meu pai era descendente de negro [...] e a minha mãe
já contavam que a descendência dela era de indígena entendeu ai houve essa mistura
essa mestiçagem. (Antonia Andrelina de Jesus Ramos).

Vale ressaltar que o próprio nome da comunidade (Tipitinga) pertence ao léxico


indígena. Para melhor compreender, veja a seguir o relato dos moradores, sobre a origem da
comunidade, e posteriormente, sobre o nome desta:

éh... então o senhor sabe me dizer como que veio esse nome Tipitinga?
(entrevistador)
éh... indígena... é água barrenta... água suja que o rio aí... ele quando ele desemboca
no Caeté tem uma diferença muito grande... é água mesmo tipo uma tabatinga no
Caeté... é água barrenta...(entrevistado)
Então no caso aí o nome da comunidade já vem... (entrevistador)
Já vem da parte da água... (entrevistado, Severino Ramos)

O nome da comunidade já se originou desse rio que passa logo aqui que é chama-se
de tipitinga então como tipitinga é uma palavra indígena que depois já pelo meu
conhecimento obtido um pouquinho né eu fui buscar no dicionário e já vi mesmo
que tipitinga significa agua barrenta ai nos fomos ver né o conhecimento que eles
tinham tava certo ne por isso eles colocaram o nome da comunidade de tipitinga
mesmo sem saber né que era uma palavra que significava agua barrenta não sei mas
ai eles botaram tipitinga ai ate hoje permanece tipitinga por causa dessa agua
barrenta desses rios que passam aqui atrás que realmente quando enchem a agua é
barrenta [...]. (Antonia Andrelina de Jesus Ramos).

A comunidade é composta por 27 famílias, somando aproximadamente 200 pessoas


(dados de 2014), a maioria tem algum grau de parentesco e, por conta disso, quase todos
possuem o mesmo sobrenome (Ramos), porém há indivíduos de fora da comunidade que
construíram família com pessoas naturais do local. É importante destacar que alguns
moradores, em determinado momento, saíram para trabalhar ou estudar fora deste lugar,
posteriormente voltaram e, atualmente, exercem suas profissões na comunidade. Vejamos o
49

relato da colaboradora Antonia Andrelina Ramos que é formada em pedagogia e atua como
professora titular da comunidade:

Morou fora? Se morou, quanto tempo e o que a fez sair? (entrevistador)


Morei durante dez anos, sai pra estudar, procurar conhecimento pra pode melhorar a
minha vida própria porque mesmo aqui no meio do mato naquela época que não
tinha nada disso aqui eu acreditava e sempre acreditei que a educação poderia
melhorar e como até hoje acredito no ser humano né e foi pra isso que eu sai, passei
dez anos em Bragança pra estuda e estudei e me formei no caso nessa época em
magistério, voltei por consequências da vida(risos) e permaneci aqui voltei graças a
deus pra servir a minha comunidade né que ai eu trouxe a educação de volta pra cá
ai porque logo no ano seguinte que eu cheguei eu fui ser professora e... assim foi
bom porque o conhecimento que eu obtive lá eu pude ajudar já muita... muita gente
né aqui na comunidade [] foi satisfatório nesse ponto. (entrevistado)

Vale ressaltar, que a principal fonte de renda da comunidade advém da agricultura de


subsistência, em que as famílias produzem uma parte para sua própria sobrevivência e outra
parte é vendida nas localidades próximas. Alguns dos produtos são o arroz, o feijão, o milho,
algumas frutas típicas da região e os derivados da mandioca, como a farinha d’agua, farinha
de tapioca e a goma. Outra fonte de renda de algumas pessoas da comunidade, mais
especificamente das mulheres, está na produção do artesanato de guarimã e piaçava. Há ainda,
as pessoas da comunidade que trabalham na Escola M. E. F. Mária Thiaga Ramos.
A respeito da titulação da terra, os moradores de Tipitinga sabiam da sua descendência
afro, pois cresceram ouvindo os relatos dos moradores mais velhos acerca da origem e
formação da comunidade, porém desconheciam a informação que poderiam ser reconhecidos
e receber a titulação da terra oficialmente como comunidade quilombola. Após terem esse
conhecimento, formaram a associação dos moradores quilombolas do Tipitinga
(AMORQUIT), a qual existe desde 2005 e tem como presidente seu Severino Pinheiro
Ramos. Com a formação da associação os moradores puderam dar entrada ao processo de
reconhecimento e titulação da terra. Cederam-nos os documentos sobre a titulação do
território, que apontam a outorga do título de reconhecimento no dia 13 de maio de 2008,
expedida pelo ITERPA, órgão do governo do estado do Pará, e fora atualizada em 03 de
fevereiro de 2009. (Ver anexo A).

2.6. QUANTO AOS COLABORADORES DA PESQUISA


Os falantes consultados foram os moradores da comunidade quilombola do Tipitinga,
mais especificamente as pessoas mais velhas, pois segundo Naro (2015) elas tendem a
conservar mais em sua fala os traços dos seus descendentes. Estes moradores apresentam
50

descendência, tanto de origem afro, quanto indígena, por isso consideramos que este povo fala
uma variedade do PB vernacular denominada o português afro-indígena.
A partir da entrevista realizada com oito habitantes da comunidade, conseguimos cerca
de 10h de gravação sobre o cotidiano desses indivíduos, porém, por fatores relacionados ao
tempo e condições de análise, consideramos mais viável analisar apenas a fala de quatro dos
oito colaboradores.
Os critérios utilizados na escolha dos quatro colaboradores se deram pela afinidade
durante a pesquisa de campo, uma vez que participamos diretamente da entrevista e
transcrição grafemática dos áudios da maioria desses colaboradores, por isso julgamos ter
maior controle sobre os dados, enquanto que dos outros colaboradores esses processos foram
realizados por outros participantes do projeto. Além do fato desses colaboradores serem os
que apresentam maior diferença na idade e escolaridade, tais diferenças são interessantes para
a nossa análise sociolinguística.
Vejamos em seguida mais informações a respeito dos quatro colaboradores
selecionados.

QUADRO 04- Dados dos colaboradores da comunidade do Tipitinga

NOME IDADE ESCOLARIDADE DURAÇÃO DA


ENTREVISTA
Antonia A. de Jesus Ramos 42 anos Nível Superior 59 Min e 71seg.
Cezarina de Jesus Ramos 48 anos Ensino Médio 43 Min e 55seg.
Rosalvo Ramos Farias 59 anos Ensino Médio 1 hora e 1min.
Severino Pinheiro Ramos 69 anos Fundamental Maior 56 Min
51

3.0 RESULTADO DA ANÁLISE DOS DADOS


Nesta seção mostramos os resultados da análise dos dados visando responder as
perguntas norteadoras desta pesquisa. Para esse processo consideramos os fatores
extralinguísticos: a idade, a escolaridade e o gênero/sexo, e os fatores linguísticos: a pessoa do
discurso, a animacidade e a referencialidade do sujeito. Apresentamos também algumas
hipóteses que podem ter influenciado os resultados obtidos no português afro-indígena falado
em Tipitinga.

3.1. PERGUNTAS NORTEADORAS


Antes de mostrarmos a análise dos dados apresentamos os questionamentos que
visamos responder.
1) O sujeito pleno apresenta maior ocorrência do que o sujeito nulo?

2) Quais pessoas do discurso apresentam maior índice de sujeito nulo e sujeito pleno?

3) Os dados encontrados em Tipitinga corroboram a hipótese da hierarquia da

referencialidade do sujeito (DUARTE e KATO, 2014)?

4) Os fatores extralinguísticos estão favorecendo ou inibindo a ocorrência de sujeitos

nulos?

3.2. ANÁLISE DOS DADOS


Este item será dividido em três momentos, inicialmente falaremos acerca do que
apontam a análise da variável dependente, após discutiremos sobre os resultados relacionados
aos fatores não linguísticos e em seguida mostraremos os resultados referentes aos fatores
inerentes à língua.

3.2.1. A variável dependente


O corpus deste trabalho foi composto por quatro colaboradores, sendo dois do sexo
feminino e dois do sexo masculino. Apresentamos na tabela a seguir o número de sujeitos
nulos (SN) e sujeitos plenos (SP) na fala de cada colaborador selecionado.
52

TABELA 01 – Número de SN e SP na fala dos colaboradores

Colaboradores Ocorrência Percentual


Total Total
S. nulo S. pleno S. nulo S. pleno
Antonia Ramos 100 396 496 20,2 % 79,8 % 100 %

Cezarina Ramos 99 293 392 25,3 % 74,7 % 100 %

Rosalvo Farias 25 140 165 15,2 % 84,8 % 100 %

Severino Ramos 66 228 294 22,4 % 77,6 % 100 %

Os dados da tabela revelam que todos os colaboradores selecionados apresentam em


sua fala uma tendência em expressar maior número de sujeitos plenos do que sujeito nulo.
Destacamos os dados encontrados na fala do colaborador Severino Ramos, os quais mostram
que o número de sujeitos plenos foi realizado quase seis vezes mais se comparado ao número
de sujeito nulo, com 25 (15,2%,) ocorrências e 144 (84%) ocorrências de sujeitos plenos.
O gráfico a seguir mostra a ocorrência da variável dependente encontrada na fala dos
quatro colaboradores.
GRÁFICO 01 – Número de ocorrência de SN e SP

Total de Sujeito Pronominal = 1347

290; 22%

1057; 78%

sujeito nulo sujeito pleno

De acordo com os dados apresentados em relação à variável dependente, a amostra


selecionada revela que assim como o PB verificado por Duarte (1995), Duarte e Kato (2014),
a variedade falada em Tipitinga também está apresentando preferência pelo uso do sujeito
pleno/realizado, ou seja, uma tendência a perda paulatina do sujeito nulo.
53

3.3. VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS

Como já fora mencionado neste trabalho analisamos também os fatores


extralinguísticos, que podem estar favorecendo ou inibindo as mudanças ocorridas no
parâmetro do sujeito nulo. Os que foram considerados nesta pesquisa são: a idade, o
sexo/gênero e a escolarização dos colaboradores.

3.3.1. Idade
Segundo Naro (2015) o fator idade tem papel fundamental nos estudos de fenômenos
variáveis, pois este fator pode revelar se determinado fenômeno de variação linguística está
estável ou em progresso de mudança. O autor destaca que geralmente os falantes mais jovens
costumam ser os mais inovadores e os falantes mais velhos se mostram mais conservadores.
Dessa forma, espera-se que a análise do corpus aponte que o grupo 01 expressa preferência
pelo sujeito pleno, já o grupo 02, apresente preferência pela ocorrência de sujeitos nulos.
Para realizar a análise dessa variável, foram considerados dois grupos, um composto
por duas pessoas com idade menor que 50 anos (grupo 01), e outro formado por dois
colaboradores com idade acima de 50 anos (grupo 02).

TABELA 02 – Ocorrências de SN e SP referente à idade


Idade dos Sujeito Pleno Sujeito Nulo Total de
colaboradores Ocorrência Percentual Ocorrência Percentual Ocorrência
Grupo 1: < 50 anos 689 78 % 199 22 % 888 (100%)
Grupo 2: > 50 anos 368 80 % 91 20 % 459 (100%)
Total de sujeito Pronominal 1347

Os dados mostraram que de um total de 1347 sujeitos pronominais, o grupo 01


expressou 199 casos de sujeitos nulos e 689 casos de sujeitos plenos. Já no grupo 02
encontramos 91 casos de sujeitos nulos e 368 casos de sujeitos plenos. Nota-se que os dois
grupos apresentam um número mais elevado de casos de sujeitos plenos se comparado ao
número de sujeitos nulos.
54

GRÁFICO 02 – Percentual de SN e SP referente à variável idade

Grupo 1: < 50 Anos Grupo 2: > 50 Anos

78% 80 %

22% 20%

SUJ E ITO PLE NO SUJ E ITO NULO

Verificamos que o grupo 01, dos colaboradores com idade menor que 50 anos,
apresentou o maior percentual de sujeito nulo com 22% e o grupo 02 dos colaboradores mais
velhos apresentou 20%. Percentualmente, entre os dois grupos não houve uma diferença
expressiva, apenas de 2%.

3.3.2. Gênero/Sexo
A variável gênero/sexo também é importante para os estudos sociolinguísticos, uma
vez que homens e mulheres estão expostos a situações distintas, pois desempenham funções
diferentes em sociedade. Sendo assim, esse fator pode influenciar a escolha de uma ou outra
forma linguística desses dois grupos. Duarte (1995) e Paiva (2015) assinalam que,
normalmente, quando se trata de implementar na língua uma forma socialmente prestigiada,
as mulheres tendem a liderar os processos de manutenção/conservação. Por outro lado,
quando se trata de implementar uma forma estigmatizada os homens tomam o comando do
processo de mudança na língua. Portanto, como a presença ou ausência do pronome sujeito
não são vistas como variantes estigmatizadas socialmente esperava-se que as mulheres se
mantivessem conservadoras.
A tabela a seguir mostra a distribuição de ocorrência de sujeitos nulos e plenos
relacionada ao gênero/sexo dos quatro colaboradores selecionados, que ficaram divididos em
dois grupos, sendo o primeiro formado por duas mulheres e o segundo formado por dois
homens.
55

TABELA 03 – Ocorrência de SN e SP referente ao gênero/ sexo


Gênero/Sexo dos Sujeito Pleno Sujeito Nulo Total de
Colaboradores Ocorrência Percentual Ocorrência Percentual Ocorrência
Feminino 689 78 % 199 22 % 888 (100%)
Masculino 368 80 % 91 20 % 459 (100%)

Total de sujeito Pronominal 1347

Primeiramente, é importante destacar que o fato dos colaboradores selecionados


participarem de todos os fatores considerados nessa pesquisa, contribuiu para que
coincidentemente os colaboradores dos grupos de fator idade fossem os mesmos dos grupos
de fator gênero/sexo, por isso a ocorrência e a porcentagem dos dados nessas duas variáveis
também coincidiu.
Como a tabela mostra, o grupo feminino expressou 199 casos de sujeitos nulos e 689
casos de sujeitos plenos, já o grupo masculino apresentou 91 casos de sujeitos nulos e 368
casos de sujeitos plenos. Os dois grupos apresentaram maior índices de sujeito pleno.

GRÁFICO 03 – Percentual de SN e SP referente à variável sexo/gênero

Feminino Masculino

78% 80%

22% 20%

SUJ E ITO PLE NO SUJ E ITO NULO

O gráfico 03 aponta que o percentual de sujeitos nulos no grupo feminino corresponde


a 22% e no grupo masculino, corresponde a 20%, uma diferença pouco expressiva, somente
de 2%, tanto no percentual de sujeito nulo quanto de sujeito pleno.
56

3.3.3. Nível de Escolarização.

Segundo Votre (2015) a escola provoca mudanças na fala e na escrita das pessoas que
frequentam esse local quase que diariamente. O autor afirma que esse ambiente é propício a
conservação das formas prestigiadas, uma vez que na escola é veiculada a literatura nacional,
formada por padrões estéticos e morais que são cobrados na fala e na escrita. Alguns
fenômenos são alvo do ensino escolar, pois são rotulados como “erros” ou “vícios de
linguagem”. Diante desse contexto, a escolaridade pode condicionar o falante ao uso de
determinada forma linguística, funcionando como um dispositivo de elevação ou de
resistência à mudança.
Para a análise desse fator criamos três grupos referentes ao nível de escolaridade dos
quatro colaboradores, sendo eles: ensino superior, ensino médio e fundamental maior. Faz
parte do grupo ensino superior a colaboradora Antonia, já no grupo ensino médio estão
inclusos os colaboradores Rosalvo e Cezarina, e no grupo fundamental maior, está inserido o
colaborador Severino. A tabela a seguir mostra a ocorrência do número de sujeitos plenos e
sujeitos nulos de acordo com cada grupo de escolarização.

TABELA 04 – Ocorrência de SN e SP referente à escolaridade

Escolaridade dos Sujeito Pleno Sujeito Nulo Total de


Colaboradores Ocorrência Percentual Ocorrência Percentual Ocorrência
Ensino Superior 396 80 % 100 20 % 496
Ensino Médio 433 78 % 124 22 % 557
Fundamental Maior 228 78 % 66 22 % 294
Total de sujeito Pronominal 1347

No que se refere ao sujeito pleno, este se mantem mais produtivo que em todos os
grupos, no Ensino Superior de 496 ocorrências de sujeito pronominal, 100 correspondem ao
número de sujeitos nulos e 396 são casos de sujeito pleno, no grupo Ensino Médio observa-se
557 ocorrências de sujeito pronominal, deste total, 124 são casos de sujeito nulo e 433 são
casos de sujeito pleno. Já o grupo Fundamental Maior apresentou 294 ocorrências de sujeito
pronominal, em que 66 correspondem ao número de sujeito nulo e 228 são casos de sujeitos
plenos.
57

GRÁFICO 04 – Percentual de SN e SP referente à variável escolaridade

FUNDAMENTAL FUNDAMENTAL
MAIOR; SN; 22% MAIOR; SP; 78%

ENSINO MEDIO; ENSINO MEDIO;


SN; 22% SP; 78%

ENSINO SUPERIOR; ENSINO SUPERIOR;


SN; 20% SP; 80%

O gráfico 04 revela um padrão correspondente ao percentual de sujeitos nulos e


sujeitos plenos nos grupos Ensino Médio e Fundamental Maior, que apresentam igualmente
78% de casos de sujeito nulo e 22% de casos de sujeito nulo, já o grupo Ensino Superior
mostrou uma pequena diferença (2%) no percentual de sujeito pleno com 80% e o percentual
de 20% de sujeito nulo.

3.4. VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS

Após analisarmos os fatores extralinguísticos, neste tópico iremos verificar os fatores


linguísticos.
Referente aos fatores discursivos, optamos por observar a pessoa do discurso.
Avaliaremos quais apresentarão maior e menor índice de sujeitos nulos e sujeitos plenos.
Em relação aos fatores semânticos, observaremos a animacidade do sujeito (+/-
humano ou +/- animado). Obviamente, como os pronomes de primeira e segunda pessoa
sempre se referirão a seres animados, somente os sujeitos de terceira pessoa foram
considerados na análise deste fator.
Outra variável semântica que verificaremos diz respeito à referencialidade do sujeito
(+/- especifico), da mesma forma, neste condicionante, a primeira e segunda pessoas não
serão consideradas, pois, estas apresentam inerentemente o traço (+ específico). Estes dois
aspectos contribuirão para a análise acerca da hipótese em relação à hierarquia da
referencialidade do sujeito e o mapeamento implicacional; ver item 1.4.
58

3.4.1. Pessoa do discurso

Antes de mostrarmos a análise dos dados a respeito desse fator, apresentamos os


pronomes na posição de sujeito no PB, que correspondem a todas as pessoas do discurso que
serão consideradas na análise dessa variável.

QUADRO 05: Pronomes na posição de sujeito no PB


PESSOA FORMAS
1 sg Eu
2 sg Você –Tu
3 sg Ele – Ela
1 pl Nós - A gente
2 pl Vocês
3 pl Eles - Elas7

Vale ressaltar que o resultado da pesquisa de Duarte (1995) mostra que no PB a


segunda pessoa apresentou os índices mais baixos de sujeito nulo. A autora sugere que a
segunda pessoa foi a que liderou a mudança e a que mais aceleradamente incorporou seus
efeitos, manifestando adiantadamente o processo de variação, devido a sua substituição pelos
pronomes de tratamento você(s), o(s) senhor(es), os quais se combinam com formas verbais
de terceira pessoa. Em seguida vêm as formas de primeira pessoa (singular e plural), com o
segundo menor índice de casos de sujeitos nulos e por último temos a terceira pessoa (singular
e plural), a qual foi a que apresentou os índices mais altos de sujeitos nulos, ou seja, a que
demostrou maior resistência pela preferência em expressar o sujeito pleno.
Desse modo, iremos realizar nossa análise em comparação com esses precedentes,
destacando especialmente as formas mais produtivas e menos produtivas de sujeito nulo e
sujeitos plenos.
A seguir mostraremos os números de sujeitos nulos e sujeitos plenos encontrados em
cada pessoa do discurso na fala dos quatro colaboradores.

7
Visando os interesses deste trabalho fizemos uma adaptação do quadro de Castilho (2010).
59

TABELA 05 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaboradora Antonia Ramos


Pessoa do discurso Ocorrência Percentual
Pessoa Formas Sujeito pleno Sujeito nulo Sujeito pleno Sujeito nulo
1 sg Eu 111 55 22,4 % 11,1 %
2 sg Você 22 2 4,4 % 0,4 %
2 sg Tu 3 0 0,6 % 0,0 %
3 sg Ele – Ela 51 8 10,3 % 1,6 %
1 pl Nós 17 8 3,4 % 1,6 %
1 pl A gente 88 10 17,7 % 2,0 %
2 pl Vocês 4 0 0,8 % 0,0 %
3 pl Eles – Elas 100 17 20,2 % 3,4 %

Total 396 100 79,8 % 20,2 %


Total de Sujeitos Pronominais 496 100 %

Na tabela 05 encontramos um total de 496 sujeitos pronominais, do qual 100 (20%)


correspondem ao número de sujeitos nulos, enquanto que 396 (79%) correspondem ao
número de sujeitos plenos. Salientamos que as formas de segunda pessoa (tu, você, vocês)
apresentaram os índices mais baixos de sujeito nulo (0%, 0,4% e 0% respectivamente),
seguida das formas de terceira pessoa (ele/ela, eles/elas) que correspondem a (1,6% e 3,4%).
Destacamos ainda que na fala dessa colaboradora o número mais elevado de sujeitos nulos
encontra-se na primeira pessoa do singular (eu) em que se verifica 11,1% dos casos, seguida
da terceira pessoa do plural (eles/elas) com 3,4% de ocorrências. Referente ao número de
sujeitos plenos, a primeira pessoa do singular (eu) seguida da terceira pessoa do plural
(eles/elas), são as mais produtivas, com, respectivamente, 24,4% e 20,2% de ocorrências.
Vejam os exemplos abaixo:
“...agora sim se eu sou uma professora e eu vou conversar com outra pessoa que
eu sei que tem um conhecimento melhor que o meu eu tenho que me esforçar...”

“... (SN) morei durante dez anos, (SN) sai pra estudar, procurar conhecimento pra
(SN) poder melhorar a minha vida própria.”

“…não são poucas as dificuldades que eles enfrentam né eles saem daqui meio dia
e (SN) chega em casa oito da noite nem todos eles têm uma família estruturada
né...
60

TABELA 06 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaboradora Cezarina Ramos

Pessoa do discurso Ocorrência Percentual


Pessoa Formas Sujeito pleno Sujeito nulo Sujeito pleno Sujeito nulo
1 sg Eu 67 39 17,1 % 9,9 %
2 sg Você 0 0 0% 0%
2 sg Tu 0 0 0% 0%
3 sg Ele – Ela 43 5 11 % 1,3 %
1 pl Nós 16 6 4,1 % 1,5 %
1 pl A gente 131 35 33,4 % 8,9 %
2 pl Vocês 5 0 1,3 % 0%
3 pl Eles – Elas 31 14 7,9 % 3,6 %

Total 293 99 74,7 % 25,3 %


Total de Sujeitos Pronominais 392 100 %

A tabela 06 nos mostra um total de 392 ocorrências de sujeitos pronominais, deste


total, 99 (25%) são caos de sujeitos nulos e 293 (74%) são casos de sujeitos plenos.
Evidenciamos que as formas de segunda pessoa (tu, você, vocês), não tiveram ocorrência de
sujeito nulo, e as formas (tu e você) não marcam ocorrência de sujeito pleno e nem de nulo.
Ressaltamos também que os índices mais altos de sujeitos nulos, manifestaram-se nas formas
de primeira pessoa (eu e a gente), as quais, respectivamente, apresentam 9,9% e 8,9 % dos
casos de sujeito nulo. Em relação ao número de sujeitos plenos as formas de primeira pessoa
(eu e a gente) são também as mais produtivas com, respectivamente, 17,1% e 34,4% de
ocorrências. Observem os exemplos a seguir:
“…se eu posso ter o meu canto como eu quero né como eu desejo foi assim...”

“… quem podia explicar isso era os nossos antigo e a gente não teve assim
parece que (SN) vivia no outro mundo que (SN) não teve essa ideia de perguntar
de ficar esclarecido...”.

“…a gente ficou um pouco perdido porque a gente não tinha assim noção de que
um dia a gente ia passar a ser quilombola né...”
61

TABELA 07 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaborador Rosalvo Farias

Pessoa do discurso Ocorrência Percentual


Pessoa Formas Sujeito pleno Sujeito nulo Sujeito pleno Sujeito nulo
1 sg Eu 81 20 49,1 % 12,1 %
2 sg Você 1 0 0,6 % 0%
2 sg Tu 0 0 0% 0%
3 sg Ele – Ela 9 0 5,5 % 0%
1 pl Nós 5 1 3% 0,6 %
1 pl A gente 17 0 10,3 % 0%
2 pl Vocês 2 0 1,2 % 0%
3 pl Eles – Elas 25 4 15,2 % 2,4 %

Total 140 25 84,8 % 15,2 %


Total de Sujeitos Pronominais 165 100 %

Como aponta a tabela 07 conferimos um total de 165 ocorrências de sujeitos


pronominais, deste total, 25 (15%) são casos de sujeitos nulos e 140 (84%) correspondem ao
número de sujeitos plenos. Os índices mais altos de sujeitos nulos estão na primeira pessoa do
singular (eu) e na terceira pessoa do plural (eles/elas), as quais, respectivamente, apresentam
12,1% e 2,4 % dos casos de sujeito nulo. É importante destacar que todas as formas de
segunda pessoa (tu, você e vocês) não tiveram ocorrências de sujeito nulo, assim como a
forma de primeira pessoa do plural (a gente) e a terceira pessoa do singular (ele/ela). Em
relação ao número de sujeitos plenos a primeira pessoa do singular (eu) e a terceira pessoa do
plural foram as mais produtivas com, respectivamente, 49,1% e 15,2 % de ocorrências.
Vejamos os exemplos abaixo:
“...eu não fui atrás você sabe como é que é ... aí eu lembro de um dos versos que
eu fiz que levou que eu coloquei na redação que (SN) fiz foi tudo envesado só que
eu perdi...”

“...eu tentei um tempo escrever um livro ... um pessoal tentaram me ajudar aí eu


peguei os originais, né, e aí eu não sei o que aconteceu…”
62

TABELA 08 – Ocorrências nas pessoas do discurso: colaborador Severino Ramos

Pessoa do discurso Ocorrência Percentual


Pessoa Formas Sujeito pleno Sujeito nulo Sujeito pleno Sujeito nulo
1 sg Eu 42 14 14,3 % 4,8 %
2 sg Você 0 0 0% 0%
2 sg Tu 0 0 0% 0%
3 sg Ele – Ela 46 11 15,6 % 3,7 %
1 pl Nós 19 2 6,5 % 0,7 %
1 pl A gente 54 8 18,4 % 2,7 %
2 pl Vocês 6 1 2% 0,3 %
3 pl Eles – Elas 61 30 20,7 % 10,2 %

Total 228 66 77,6 % 22,4 %


Total de Sujeitos Pronominais 294 100 %

Na tabela 08 verificamos um total de 294 ocorrências de sujeitos pronominais, deste


total, 66 (22%) são casos de sujeitos nulos e 228 (77%) correspondem ao número de sujeitos
plenos. Ressaltamos que os índices mais altos de sujeitos nulos manifestaram-se na terceira
pessoa do plural (eles/elas) e na primeira pessoa do singular (eu), as quais apresentam,
respectivamente, 10,2% e 4,8% dos casos. Destacamos que as formas de segunda pessoa (tu e
você) não apresentam ocorrência de sujeito nulo nem de sujeito pleno e a forma (vocês)
apresentou apenas 0,3% de ocorrência de sujeito nulo. A terceira pessoa do plural (eles/elas) é
a que apresenta maior produtividade de sujeitos pronominais, sendo 61 (20%) casos de
sujeitos plenos e 30 (10%) casos de sujeitos nulos. Observem os exemplos a seguir:
“... eles faziam muitas coisas de barro até a/ até as colheres eles faziam de barro
prato de barro as xícaras de barro... tudo eles faziam...”

“…foi de perdendo a cultura... eles faziam aqueles panelão… aquele panelão de


barro que eles faziam as festanças deles... e (SN) cozinhavam era (SN) faziam
avoado e (SN) colocavam os panelão em cima do fogo e era quatro... cinco
panelão daqueles de de comida...”
63

O gráfico a seguir mostra o percentual de sujeitos nulos e sujeitos plenos em cada


pessoa do discurso, considerando a fala dos quatro colaboradores.

GRÁFICO 05 – Ocorrências de SN e SP em cada pessoa do discurso

SUJEITO PLENO SUJEITO NULO

301
290

217

149
128

65
57 53

23 24
17 17
2 3 0 1
EU VOCÊ TU ELE/ELA NÓS A GEN TE VOCÊS ELES/ELA S

PESSOAS DO DISCURSO

No que concerne ao número de sujeito nulo e de sujeito pleno, ao analisar de forma


geral o fator pessoa do discurso, percebemos um padrão que ocorreu na fala dos quatro
colaboradores. Como o gráfico mostra, as formas de segunda pessoa (tu, você e vocês)
seguem apresentando as menores ocorrências de sujeito nulo, muitas vezes nem chegam a ser
realizadas. As formas que apresentam maior produtividade de sujeito nulo estão na primeira
pessoa do singular (eu) e do plural (a gente) com 128 e 56 ocorrências, respectivamente e na
terceira pessoa do plural (eles/elas) com 65 ocorrências, na fala dos colaboradores Antonia,
Cezarina e Rosalvo, já na fala do colaborador Severino o índice mais elevado encontra-se na
terceira pessoa do plural (eles/elas). Vale chamar a atenção para o fato de que,
64

coincidentemente ou não, as pessoas do discurso que apresentaram maior produtividade de


sujeito nulo são também as que manifestam maior produtividade de sujeitos plenos.
Outro ponto a evidenciar é que na fala de todos os colaboradores o número de sujeitos
plenos apresenta ocorrência superior aos casos de sujeitos nulos em todas as pessoas do
discurso.

3.4.2. Animacidade do sujeito


Chamamos a atenção para o fato de que somente a terceira pessoa (ele/ela e eles/elas)
será considerada na análise desta variável, pois a primeira e segunda pessoa são dotadas
inerentemente do traço [+ animado]. Iremos observar a animacidade do sujeito, considerando
o traço [+/- humano] como é apresentado na hierarquia da referencialidade do sujeito e no
mapeamento implicacional indicados por Duarte e Kato (2014).

TABELA 09 - Ocorrência de SN e SP [+/- humano]: colaboradora Antonia Ramos

Colaboradora: Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Total
Antônia Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + Humano - Humano + Humano - Humano
Ele/Ela 38; 64,4 % 13; 22 % 7; 11,9 % 1; 1,7% 59
Eles/Elas 100; 85,5 % 0; 0% 17; 14,5 % 0; 0% 117

Total 138 13 24 1 176

A tabela 09 mostra que na terceira pessoa do singular (ele/ela) a maior produtividade


foi verificada nos casos de sujeito pleno [+ humano] com 38 ocorrências e a menor
produtividade foi encontrada no sujeito nulo [- humano] com apenas 1 ocorrência. Na terceira
pessoa do plural (eles/elas) o sujeito pleno [+humano] foi o mais produtivo com 100
ocorrências, já o sujeito pleno [- humano] e o sujeito nulo [-humano] não tiveram ocorrências.
65

TABELA 10- Ocorrência de SN e SP [+/- humano]: colaboradora Cezarina Ramos

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaboradora: Cezarina Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + Humano - Humano + Humano - Humano
Ele/Ela 14; 29,2% 29; 60,4% 3; 6,3% 2, 4,2% 48

Eles/Elas 28; 62,2% 3; 6,7% 14; 31,1% 0; 0% 45

Total 42 32 17 2 93

Na tabela 10 verificamos que na terceira pessoa do singular (ele/ela) a maior


produtividade foi encontrada nos casos de sujeito pleno [- humano] com 29 ocorrências e a
menor produtividade foi constatada no sujeito nulo [+ humano] com apenas 3 ocorrências. Na
terceira pessoa do plural (eles/elas) o sujeito pleno [+ humano] foi o mais produtivo com 28
ocorrências, já o sujeito nulo [- humano] não teve ocorrência.

TABELA 11- Ocorrência de SN e SP [+/-humano]: colaborador Rosalvo Farias

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaborador: Rosalvo Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + Humano - Humano + Humano - Humano
Ele/Ela 8; 88,9% 1; 11% 0; 0% 0, 0% 9
Eles/Elas 25; 86,2% 0; 0% 4; 13,8% 0; 0% 29

Total 33 1 4 0 38

A tabela 11 revela que na terceira pessoa do singular (ele/ela) a maior produtividade


foi encontrada nos casos de sujeito pleno [+ humano] com 8 ocorrências e o sujeito nulo
[+humano] e [- humano] não tiveram ocorrência. Na terceira pessoa do plural (eles/elas) o
sujeito pleno [+ humano] foi o mais produtivo com 25 ocorrências, o sujeito pleno [- humano]
e o sujeito nulo [- humano] não tiveram ocorrências.
66

TABELA 12- Ocorrência de SN e SP [+/- humano]: colaborador Severino Ramos

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaborador: Severino Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + Humano - Humano + Humano - Humano
Ele/Ela 38; 66,7% 8; 14% 6; 10% 5, 8,8% 57
Eles/Elas 58; 63,7% 3; 3,3% 29; 31,9% 1;1,1% 91
Total 96 11 35 6 148

A tabela 12 mostra que na terceira pessoa do singular (ele/ela) a maior produtividade


foi verificada nos casos de sujeito pleno [+ humano] com 38 ocorrências e a menor
produtividade foi constatada no sujeito nulo [- humano] com 5 ocorrências. Na terceira pessoa
do plural (eles/elas) o sujeito pleno [+ humano] foi o mais produtivo com 58 ocorrências, já o
sujeito nulo [- humano] foi o menos produtivo com 1 ocorrência.

GRÁFICO 06 – Animacidade do sujeito na terceira pessoa

ANIMACIDADE
250
211
200

150

98
100
64
51
50
16 8
6 1
0
SP + H SP - H SN + H SN - H
ele/ela eles/elas

Como neste fator consideramos apenas a terceira pessoa do discurso (ele/ela e


eles/elas), os dados mostram, como esperado, que o sujeito pleno [+ humano] tende a ser o
que apresenta maior produtividade na fala de todos os colaboradores e o sujeito nulo [-
humano] apresenta menor produtividade.
67

3.4.3. Referencialidade do sujeito


Castilho (2010) destaca a referencialidade como uma das propriedades semânticas do
sujeito, que implica na sua definição, sendo assim o sujeito pode ter o traço definido ou [-
definido]. Aqui chamaremos de [+/- específico], pois é como está presente na hierarquia da
referencialidade do sujeito proposta por Duarte e Kato (2014). Vale ressaltar que levamos em
consideração para esta análise apenas as formas de terceira pessoa.
Adiante apresentamos os dados encontrados na fala dos quatro colaboradores acerca
desse fator, que estão distribuídos nas tabelas e no gráfico.

TABELA 13- Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaboradora Antonia Ramos

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaboradora: Antonia Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + específico - específico + específico - específico
Ele/Ela 48; 81,4% 3; 5,1% 8; 13,6 % 0; 0% 59
Eles/Elas 36; 30,8% 64; 54,7% 10; 8,5 % 7; 6% 117

Total 84 67 18 7 178

Como mostra a tabela 13, a terceira pessoa do singular (ele/ela) apresentou maior
produtividade nos casos de sujeito pleno [+ específico] com 48 ocorrências e a menor
produtividade foi verificada no sujeito nulo [- específico] que não apresentou ocorrência. Na
terceira pessoa do plural (eles/elas) a maior realização foi de casos de sujeito pleno [-
específico], com 64 casos e a menor realização foi de sujeito nulo [- específico] com 7
ocorrências.
TABELA 14 - Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaboradora Cezarina Ramos

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaboradora: Cezarina Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + específico - específico + específico - específico
Ele/Ela 38; 79,2% 5; 10,4% 4; 8,3% 1; 2,1% 48
Eles/Elas 15; 33,3% 16; 35,6% 8; 17,8% 6; 13,3% 45

Total 53 21 12 7 93
68

A tabela 14 mostra que a terceira pessoa do singular (ele/ela) apresentou maior


produtividade nos casos de sujeito pleno [+ específico] com 38 ocorrências e a menor
produtividade foi encontrada no sujeito nulo [- específico] que apresentou somente 1
ocorrência. A terceira pessoa do plural (eles/elas) teve maior realização nos casos de sujeito
pleno [- específico], com 16 casos e a menor realização foi de sujeito nulo [- específico] com
6 ocorrências.

TABELA 15- Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaborador Rosalvo Farias

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaborador: Rosalvo Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + específico - específico + específico - específico
Ele/Ela 7; 77,8% 2; 22,2% 0; 0% 0; 0% 9
Eles/Elas 19; 65,5% 6; 20,7% 4; 13,8% 0; 0% 29

Total 26 8 4 0 38

A tabela 15 revela que a terceira pessoa do singular (ele/ela) apresentou que os casos
mais produtivos foram os de sujeito pleno [+ específico] com 7 ocorrências e a menor
produtividade foi verificada nos casos de sujeito nulo [+ específico] e [- específico] que não
apresentaram ocorrências. Na terceira pessoa do plural (eles/elas) a maior realização foi de
casos de sujeito pleno [+ específico], com 19 casos e a menor realização foi de sujeito nulo [-
específico] que não apresentou ocorrência.

TABELA 16- ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaborador Severino Ramos

Sujeito Pleno Sujeito Nulo


Colaborador: Severino Total
Ocorrência/Percentual Ocorrência/Percentual
Pessoa do Discurso: + específico - específico + específico - específico
Ele/Ela 42; 73,7% 4; 7% 11; 19,3% 0; 0% 57
Eles/Elas 29, 31,9 % 32; 35,2% 3; 3,3% 27; 29,7% 91
Total 71 36 14 27 148
69

A tabela 16 mostra que na terceira pessoa do singular (ele/ela) os casos mais


produtivos foram os de sujeito pleno [+ específico] com 42 ocorrências e a menor
produtividade foi verificada nos casos de sujeito nulo [- específico] que não apresentou
ocorrência. Na terceira pessoa do plural (eles/elas) a maior realização foi de casos de sujeito
pleno [- específico] com 32 casos e a menor realização foi de sujeito nulo [+ específico] que
apresentou 3 ocorrências.

GRÁFICO 07 – Referencialidade do sujeito na terceira pessoa

REFERENCIALIDADE
ele/ela eles/elas
160
140 135
117
120
99
100
80
60
39
40
23 25
20 11
1
0
SP + E SP - E SN + E SN - E

Em relação à fala de todos os colaboradores este fator revelou que na terceira pessoa
do singular (ele/ela) o sujeito pleno [+ específico] tende a apresentar maior realização e o
sujeito nulo [- específico] a menor realização. Já na terceira pessoa do plural (eles/elas) o
sujeito pleno [- específico] tende a apresentar a maior produtividade e o sujeito nulo [-
específico] a menor produtividade.
70

4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou colaborar com os estudos já desenvolvidos a respeito do


parâmetro do sujeito nulo no PB (DUARTE, 1995, DUARTE e KATO 2014), a partir da
observação do comportamento desse fenômeno na variedade falada na comunidade
quilombola do Tipitinga. Vale ressaltar que essa investigação possivelmente é uma das
primeiras realizadas sobre esse fenômeno em comunidades quilombolas da região amazônica.
Este trabalho foi dividido em três partes principais: primeiro apresentamos um trajeto
histórico relacionado à constituição do Brasil e ao contato linguístico, que implicaram na
formação de algumas variedades do PB, como o português afro-brasileiro, o indígena e o afro-
indígena. Mostramos também algumas diferenças entre o PB e o PE. Falamos ainda acerca do
estudo do parâmetro do sujeito nulo no PB. Em seguida exibimos os métodos e as técnicas
utilizadas nas fases de coleta e de análise dos dados. Posteriormente mostramos os resultados
alcançados a partir dos dados analisados, considerando os fatores extralinguísticos e
linguísticos.
Segundo Mollica (2015), as variáveis linguísticas e extralinguísticas agem sempre em
um conjunto complexo de correlações que podem inibir ou favorecer o uso de formas
variantes correspondentes semanticamente.
A respeito dos fatores extralinguísticos começamos falando da variável idade. Duarte
(1995) comparou o número de sujeitos nulos entre três faixas etárias (grupo 01: de 59 a 74
anos, grupo 02: entre 45 e 53 anos e o grupo 03: entre 25 e 32 anos), os dados mostraram
maior índice de sujeitos nulos concentrado no primeiro grupo, ou seja, na fala dos
colaboradores mais velhos. Nossa análise se deu a partir da comparação entre dois grupos, um
formado por colaboradores com idade menor que 50 anos e o outro formado por
colaboradores com idade superior a 50 anos. Verificamos que, diferentemente do que Duarte
(1995) encontrou na fala culta carioca, em Tipitinga os colaboradores mais velhos, o grupo 02
na nossa pesquisa, apresentaram menor índice de sujeito nulo.
Em relação a variável gênero/sexo como já mencionado (item 3.3.2) coincidentemente
os colaboradores do grupo de fator idade são os mesmos do grupo de fator gênero/sexo, por
isso a ocorrência e a porcentagem dos dados nessas duas variáveis foram as mesmas.
Ressaltamos que o resultado encontrado em Tipitinga pode confirmar o que Duarte (1995) e
Paiva (2015) afirmam que as mulheres costumam se comportar como conservadoras (item
3.3.2), uma vez que na fala delas é em que temos o maior número de sujeitos nulos, embora
71

os homens apresentem uma proximidade em relação ao número de sujeitos nulos e não tenha
uma diferença tão evidente.
A variável escolaridade mostrou que os grupos Ensino médio e Fundamental Menor
apresentaram percentuais iguais para o sujeito nulo e sujeito pleno, respectivamente, 22% e
78%, já o grupo do Ensino Superior foi o que apresentou menor índice de sujeitos nulos, 20%
das ocorrências, comparando com os outros grupos de escolaridade essa diferença não é tão
acentuada.
Em vista disso podemos dizer que os fatores extralinguísticos analisados não estão
atuando como variáveis influenciadoras da competitividade entre a ausência e presença do
sujeito, uma vez que os grupos das três variáveis não apresentaram expressiva diferença no
percentual de sujeito nulo e sujeito pleno. Os resultados demostraram que aparentemente o
parâmetro do sujeito nulo em Tipitinga estaria estável entre os grupos. Por outro lado, em
relação a variável dependente, observamos que a ocorrência de sujeitos plenos apresenta um
índice bastante superior ao de sujeito nulo.
No que concerne as variáveis linguísticas, analisamos os seguintes fatores: pessoa do
discurso e a animacidade e referencialidade do sujeito. Referente à pessoa discurso, os dados
analisados por Duarte (1995) deixam claro que os efeitos da erosão do paradigma flexional na
perda do uso do sujeito nulo se fazem sentir de maneira gradual e não atuam uniformemente
sobre todas as pessoas gramaticais (ver 3.4.1). Em Tipitinga os dados revelaram que a
primeira pessoa do singular (eu) foi a mais produtiva, seguida da terceira pessoa do plural
(eles/elas). Já as menos produtivas foram as formas de segunda pessoa (tu, você e vocês) ver
gráfico 05. Por ora podemos apenas afirmar que como esperávamos a variável dependente
(ausência e presença do sujeito) revelou que os casos de sujeito pleno foram mais expressivos
(78%) se comparado ao percentual de casos de sujeito nulo (22%). Verificamos também que o
número de sujeito pleno já é superior ao número de sujeito nulo em todas as pessoas do
discurso consideradas.
Como aponta a análise acerca do parâmetro do sujeito nulo realizada por Duarte e
Kato (2014), o PB não estaria se tornando uma língua não pro-drop e sim estaria em um
momento estável, como língua de sujeito nulo parcial, uma vez que o licenciamento do sujeito
pleno é seletivo, ou seja, só é permitido em determinados contextos. As autoras assinalam
como principal hipótese do licenciamento seletivo do sujeito à hierarquia da referencialidade.
Esta conjectura prevê que no PB, quanto mais referencial (específico) é o sujeito, maior seria
a expectativa de um pronome pleno/realizado, isto é, parece que o PB está evitando o
aparecimento de expressões nulas na posição de sujeito com antecedentes [+ humano]. Já
72

quando o sujeito for dotado do traço [- específico], tende a ser expresso um sujeito nulo.
Ressaltamos que somente a terceira pessoa (ele/ela e eles/elas) foi considerada na análise
desta variável, pois a primeira e segunda pessoa são dotadas inerentemente do traço [+
animado] (ver 1.4).
Em relação à animacidade observamos em Tipitinga que assim como aponta a
hierarquia da referencialidade os sujeitos que apresentam o traço [+ humano] foram
expressivamente os mais produtivos, se comportando como favorecedor do preenchimento do
sujeito nas formas de terceira pessoa. Já na análise da variável referencialidade verificamos
que na terceira pessoa do singular o sujeito pleno [+ específico] foi o mais realizado, diferente
do que ocorreu na terceira pessoa do plural (eles/elas) em que o sujeito pleno [- específico]
apresentou maior produtividade, quando deveria apresentar os menores índices já que está
situado na parte mais baixa da hierarquia da referencialidade por ser dotado do traço [-
específico]. Propomos que este resultado se deu por conta das perguntas utilizadas no roteiro
durante a entrevista semiestruturada, as quais abordavam temáticas sobre a formação e origem
da comunidade, uma vez que tínhamos interesse em descobrir como ocorreu o processo de
formação desse lugar. Por isso acreditamos que as perguntas instigaram os colaboradores a
falar demasiadamente a respeito das memórias relacionadas aos primeiros moradores da
comunidade, ou seja, aos seus antepassados, provocando a repetição significativa do sujeito
pleno [- específico] na terceira pessoa do plural (eles), referindo-se aos antepassados dos
colaboradores.
Concluímos que os resultados encontrados em Tipitinga assemelham-se aos
verificados por Duarte (1995), e Duarte e Kato (2014). Isto pode ser atribuído ao fato de que a
variedade falada em Tipitinga não se diferencia de outras variedades do PB vernacular, como
a própria variedade carioca culta, analisada por Duarte (2015), uma vez que a fala dos
moradores de Tipitinga sofrem influências dos meios de comunicação e digitais atuais.
Lucchesi (2009) afirma que as influências culturais e linguísticas mostram uma disposição de
mudança em relação ao português popular em direção aos modelos da norma urbana culta,
que influenciam as camadas mais baixas da população através da massificação dos meios de
comunicação como a televisão, o rádio, ou pelo contato direto desses indivíduos com os
centros urbanos, pois está cada vez mais fácil o acesso a esses locais por meio dos transportes
atuais, ou ainda por meio do sistema de ensino público. Podemos acrescentar o uso da
internet. Por este motivo, as marcas próprias dessas comunidades produzidas pelo amplo
contato entre línguas estariam sendo apagadas, devido ao seu baixo grau de isolamento.
73

Escolhemos estudar a fala das comunidades do norte do país que trazem consigo os
resquícios dos seus antepassados (negros e índios), pois acreditamos que seja fundamental
investigar a fala desses povos, os quais foram silenciados por muito tempo e precisaram se
esconder em busca da tão sonhada liberdade. Dessa forma, acreditamos que o estudo da fala
dessas comunidades pode colaborar expressivamente com a história do povo brasileiro e ainda
para ampliar o entendimento de uma variedade vernacular do norte do país, o Português Afro-
indígena, assim como também estamos ajudando a alargar o escopo de investigação em
relação ao que sabemos sobre o PB, em busca de encontrar influências das línguas faladas por
esses povos.
Sabemos que o rico contato linguístico que se deu em todo território brasileiro,
sobretudo na região norte a partir das línguas africanas faladas pelas pessoas escravizadas
trazidas para a Amazônia e das línguas indígenas faladas por povos que já se encontravam em
terras amazônicas no período da colonização, provocou um distanciamento entre o PE, ainda
hoje considerado uma língua típica de sujeito nulo, e o PB atual, que vem apresentando
índices mais elevados de sujeito pleno, como apontam e Duarte (1995) e Duarte e Kato
(2014). Associado a esse fator Duarte (1995) evidencia a flexão verbal, que levaria o PB a
expressar índices elevados de sujeito pleno na intenção de especificar o sujeito de orações
com verbos não flexionados adequadamente. É importante destacar que não analisamos a
redução da flexão verbal, que a princípio era um dos nossos focos, mas por conta da extensão
do trabalho optamos por nos debruçar sobre a hierarquia da referencialidade, a qual demostra
que o PB está em um momento estável de língua de sujeito nulo parcial.
Como já evidenciado apesar de a comunidade quilombola do Tipitinga ficar localizada
no interior da Amazônia oriental e ser composta por descendentes de africanos e indígenas, a
variedade falada nessa comunidade não difere de outras variedades faladas da região e do PB
vernacular. Em relação ao nível morfossintático, objetivo principal dos estudos do projeto
AFROIN, ainda não encontramos evidências de caráter interétnico que pudessem contribuir
com a nossa pesquisa.
A elaboração deste trabalho de conclusão de curso foi uma experiência enriquecedora,
uma vez que consideramos ter alcançado nossos objetivos, contribuindo para ampliar o
escopo de investigação sobre o parâmetro do sujeito nulo, em relação ao português afro-
indígena. Além de gratificante, pois essa prática nos permitiu manter uma relação com o
povo quilombola, em que pudemos conhecer, vivenciar e imaginar o mundo desse povo que
viveu e vive ainda hoje na penumbra dos seus sonhos, os quais lutam para conquistar seus
direitos plenos de cidadania.
74

Diante do número expressivo de comunidades indígenas e quilombolas na Amazônia,


acreditamos ter um leque extenso de estudo. Por isso, esperamos que este trabalho seja base
para o desenvolvimento de uma pesquisa futura, em nível de pós-graduação, a qual nos
proporcionará tratar de aspectos sobre os quais não pudemos nos debruçar nesta pesquisa por
conta da extensão e do tempo para a elaboração do trabalho.
75

REFERÊNCIAS

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CARDOSO, Caroline Rodrigues. Pesquisa Quantitativa e Qualitativa em Sociolinguística:


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Contexto, 2015. 51-57.
78

APÊNDICE – ROTEIRO DE PERGUNTAS

ROTEIRO UTILIZADO DURANTE A ENTREVISTA SEMEESTRUTURADA

Perguntas sobre dados pessoais dos colaboradores.


1. Nome
2. Sexo
3. Idade
4. Morou fora? Se morou, quanto tempo? O que o/a fez sair?
5. Formação (escolarização)?
6. Grau de engajamento na comunidade: é associado? Cargo/função que ocupa?

Perguntas acerca da origem e formação da comunidade


7. Como se originou a comunidade? E como se formou a comunidade? Quem foi os
primeiros habitantes? Esses primeiros moradores eram negros escravizados ou
indígenas? Dos seus antepassados quem é de origem africana e quem é de origem
indígena? Atualmente, há mais traços indígenas ou africanos na comunidade?
8. Ouvimos falar que existiu uma casa grande na Comunidade. Tem alguma memória
disso? Ela existiu realmente? Como era?
9. O nome da comunidade de onde veio? De onde se originou?
10. Há alguma prática na comunidade que remeta às práticas indígenas ou africanas?
11. Quantas pessoas há na comunidade? Quantas famílias há? Como é a relação entre as
famílias?
12. Como vocês se veem em relação à comunidade?
13. Como vocês mantêm a cultura da comunidade?
14. Há casamento entre parentes? Entre pessoas da comunidade e de fora?
15. Como é a relação com as pessoas de outras comunidades?
16. Tem alguma relação de parentesco entre a comunidade de Tipitinga e a comunidade de
Tentugal? E a comunidade de três voltas?
17. Como se organizam as casas no espaço da comunidade?
18. Quais mudanças na organização territorial a comunidade vem sofrendo?
19. Quais as comidas típicas da comunidade?
20. Quais as frutas mais produtivas da comunidade? Elas são usadas para a
comercialização? Onde?
21. Com relação ao preconceito? Já sentiram vítima de algum preconceito com relação a
cor da pele? Ou pelo fato de morarem em uma comunidade rural?
79

22. Pretende algum dia sair da comunidade ou tem alguém que pretende sair ou já saiu? Se
sim, o que o(a) motiva/motivou a saída?

Perguntas a respeito do reconhecimento e titulação da comunidade


23. O que motivou os moradores a buscar o reconhecimento e a titulação como
afrodescendentes? A cor da pele foi tido como um problema na auto identificação?
24. Como se dá o uso coletivo da terra? De que maneira todos utilizam a terra?

Perguntas em relação à economia da comunidade


25. Quais os meios de sobrevivência da comunidade? Que atividades a comunidade
desenvolve?
26. Que artesanatos a comunidade produz? De que são feitos? De onde se extrai? Onde se
comercializa? São apenas mulheres? Ou também os homens que produzem esse
artesanato? Vocês comercializam para o exterior? Como vocês se sentem? Qual a
importância?
27. A partir da mandioca que outros subprodutos se produzem na comunidade?

Perguntas referente à Saúde


28. Observamos que não tem nenhum posto médico na Comunidade. Como fazem quando
alguém precisa de atendimento médico? Vocês já reivindicaram algum tipo de
assistência médica para a Comunidade?
29. Vocês utilizam as ervas medicinais / remédios caseiros para curar enfermidade? Quais
são? Podem fornecer as receitas?
30. Tem alguma benzedeira/rezadeira/parteira na comunidade? Se sim, como elas
trabalham?

Perguntas sobre as práticas culturais e religiosas


31. Qual a religião da comunidade? Há/houve alguma atividade religiosa indígena ou
africana na comunidade? Se sim, quais são? E quanto a atividades denominadas
evangélicas? Conhecem relatos de que já houve a participação de pessoas de outras
religiões nas festas religiosas da comunidade?
32. Quais são os santos homenageados da comunidade? Tem alguma festa em homenagem
a eles? Que visão vocês tem sobre essas festas? Católica ou africana? Tem cantos e
ladainhas nessas festas? como é que essas festas acontecem na prática? que período
acontece essas festas?

Perguntas relacionadas à educação


80

33. Até que série do fundamental há na comunidade? E o ensino médio onde os alunos
podem concluir? Como que frequência os jovens continuam os estudos após o ensino
médio? a escola supre a demanda da comunidade? Qual outra atividade profissional os
jovens exercem após o término do ensino médio?

Perguntas sobre as práticas linguísticas e as narrativas orais.


34. O que vocês pensam sobre o jeito próprio de falar?
35. Os nomes dos rios, locais, árvores, frutas e etc. tem alguma relação com as expedições
que supostamente passavam pela comunidade?
36. Já enfrentaram alguma situação envolvendo os protetores das matas e dos rios, como
por exemplo, se perder na mata provocado pelo Curupira ou se já foi alguém
“batizado” pela mãe d’água? Já viram alguma visagem? Ou assombração?
81

ANEXO A – TÍTULO DE RECONHECIMENTO DE DOMÍNIO COLETIVO DA


COMUNIDADE DO TIPITINGA.
82

Fonte: Acervo de fotos do Projeto AFROIN.


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ANEXO B- RECORTE DAS TRANSCRIÇÕES

PROJETO AFROIN

TRANSCRIÇÃO DA COLABORADORA 01

NOME: Antonia Andrelina de Jesus Ramos SEXO: feminino IDADE: 43


NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Ensino Superior
VIAGENS PARA FORA: sim, morou 10 anos fora.

DOC 01: Rayenna Reis Castro


DOC 02: Vitor Hugo de Souza Gomes

DOC1: nome?
INF: (risos) Antonia Andrelina de Jesus Ramos
DOC1: idade?
INF: 42 anos amanhã irei compretar...completar 43 se deus quiser
DOC1: morou fora? Se morou, quanto tempo e o que a fez sair?
INF: morei durante dez anos, sai pra estudar, procurar conhecimento pra pode melhorar a
minha vida própria porque mesmo aqui no meio do mato naquela época que não tinha nada
disso aqui eu acreditava e sempre acreditei que a educação poderia melhorar e como até hoje
acredito no ser humano né e foi pra isso que eu sai, passei dez anos em Bragança pra estuda e
estudei e me formei no caso nessa época em magistério, voltei por consequências da
vida(risos) e permaneci aqui voltei graças a deus pra servir a minha comunidade né que ai eu
trouxe a educação de volta pra cá ai porque logo no ano seguinte que eu cheguei eu fui ser
professora e... assim foi bom porque o conhecimento que eu obtive lá eu pude ajudar já
muita... muita gente né aqui na comunidade [] foi satisfatório nesse ponto
DOC1: qual sua formação, escolarização?
INF: eu tenho curso de licenciatura em pedagogia ensino superior graças a deus depois né que
eu comecei a estuda e fiz uma licenciatura em pedagogia,
DOC1: qual o grau de engajamento na comunidade? É associado? Qual o cargo ou função que
a senhora ocupa?
INF: hummm, eu sou que nem Bombril mil e uma utilidades.
DOC1: (risos)
INF: eu sou coordenadora da comunidade pela igreja católica, sou profissora faço parte da
associação e assim eu ajudo a comunidade em tudo que eu posso né, as pessoas [] faço tudo
que eu posso pra ajudar e ver as pessoas buscar mais dignidade né pra cada família de dentro
da nossa comunidade
DOC1: como se originou a comunidade e como se formou a comunidade, quem foram os
primeiros habitantes, esses primeiros habitantes eram moradores eram negros escravizados ou
eram indígenas?
INF: olha os primeiros moradores foram os meus bisavós no caso eu não tenho conhecimento
assim, mais dizem que uma senhora chamada Silvana que era minha bisavo era parece
Crescencio Vitorino ramos o nome dos primeiros moradores que eram meus no caso meus
bisavos, e conta-se né numa pequena historia que porque também a gente não tem assim tanto
conhecimento, a gente num ate porque a gente não a um tempo atrás ninguém se interessou né
de documentar esse histórico então conta-se que eles vieram de um lugar aqui município de
Bragança chamado calabouço né, eles trabalhavam num engenho né de cana de açúcar de lá
84

eles saíram e vieram pra cá né que naquela época as terras eram só e nu pará sempre teve
muito e eles se localizaram aqui, e aqui permaneceram né e ai da i já veio meu avó pai do meu
pai no caso não da minha mãe pai do meu pai que ficou permaneceu só a família dele tanto é
que até hoje né que a maioria das pessoas aqui só são em família né só é ramos se você sair
você vai descobrir que são poucas as pessoas que não se assinam por ramos e eles ficaram né i
i ai eu acredito que foi dai que se originou a comunidade né e quando eu éh: me entendi
vamos disser assim são poucas as famílias so era a família do meu pai no caso alguns tio que
tinham família porque a maioria deles ficaram no caritó como dizia né que eles ficaram
solteiros e meu avo não conheci meu avo nem a minha avo mas a historia conta que foi assim
eles vieram de lá então lá e parece que assim os mais talvez os meus tataravós ainda foram
escravizados né e de lá já o meu bisavô quando veio pra cá eu acho que eu não sei mas o meu
pai contava que esses tataravós eles eram descendentes de africanos mesmo né de negros que
vieram da África trazidos aquela historia toda que a gente já sabe e assim foi se originou-se a
comunidade e a quase mais de duzentos anos né que ela já existe e estamos aqui né
permanecemos com essa descendência né que eu acho que vai por muitos anos né acredito
que a gente ta formando por que ficou perdido né a questão da identidade do fatos de não ter
ido acredito que profundamente buscar essa raiz ficou um pouco que perdido mas o pouco que
a gente sabe a gente ta tentando resgatar
DOC1: ai dos seus antepassados quem é de origem africana e quem de origem indígena e
atualmente tem mais traços indígenas ou africanos na comunidade?
INF: olha na minha os meus pais por exemplo o meu pai era descendente de negro que é essa
historia que eu conto, e a minha mãe já contavam que a descendência dela era de indígena
entendeu ai houve essa mistura essa mestiçagem e eu acredito que hoje e... mais traços de
negro ainda é porque que nem a gente tava conversando ontem com o professor ate os
bebezinhos que eu tava contando a historia que a filha o filho do seu Severino é bem branco já
e a esposa dele já é bem branquinha só que nasceu uma bebe bem branquinha so que os
cabelinho bem encaracoladinho então é mais traços de negros indígena é quase que não
permanece muito não
DOC1: ouvimos falar que existiu uma casa grande na comunidade a senhora tem alguma
lembrança alguma memoria disso ela existiu realmente como ela era?
INF: era uma casa grande logo atrás daquela escola eu lembro assim eu lembro quando eu me
entendi com oito dez anos ela ainda existia né e eu acredito assim que eles fizeram aquela
casa grande tipo porque eles queriam né como eles já tavam vamos dizer livres né entre aspas
mas eles já se achavam livres eles queriam tipo acho que um modelo de casa por que eles
achavam bonito né eu penso assim né então essa casa era toda feita de taipa né toda de taipa
muito bem feita acho que eles passavam a mão e ficava tudo bem feitinho bem alto eu não sei
como mas eles fizeram aterro que ela ficava assim numa altura como e fosse dessa arvore pra
baixo tinha uma escadinha na qual subia-se pra lá e atrás tinha um quintal grande que quando
eu me entendi que era criança eu gostava de brincar muito nesse quintal e algumas daqueles
coqueiros por exemplo acho que ainda é lembrança desse quintal aquele coqueiro bem alto lá
atrás e é isso que eu lembro e quando eu comecei a estudar minhas primeira aulas foi em uma
sala grandona que tinha dessa casa grande que eles chamavam de casa grande todo mundo
di..zia se entendeu meu pai minha mãe dizendo que a gente num morava bem aqui né a gente
morava mas pra cá na época eles diziam vamos lá pra casa grande tudo se referia a casa
grande que era justamente essa casa quem morava nessa casa era meu tios esses um que eu
tava falando que ficaram no caritó né que eram vários tios acho que quatro ou cinco tios que
não casaram e eles moravam nessa casa grande e eles muito que assim tipo que adotavam
outras pessoas pra morar com eles acho que umas três pessoas.
DOC1: que também eram solteiros?
85

INF: isso, e ficavam ai nessa casa grande e é essa lembrança que eu tenho e achava
interessante e até hoje eu tenho na memória porque achava interessante né e hoje eu peso
assim que eu acho que eles queriam mostra assim que como eles já tavam eles também
podiam ter uma casa grande sei lá não sei algo assim referente aquele tipo daquela casa
grande dos senhores né
DOC1: o nome da comunidade de onde veio, de onde se originou?
INF: o nome da comunidade já se originou desse rio que passa logo aqui que é chama-se de
tipitinga então como tipitinga é uma palavra indígena que depois já pelo meu conhecimento
obtido um pouquinho né eu fui buscar no dicionário e já vi mesmo que tipitinga significa agua
barrenta ai nos fomos ver né o conhecimento que eles tinham tava certo ne por isso eles
colocaram o nome da comunidade de tipitinga mesmo sem saber né que era uma palavra que
significava agua barrenta não sei mas ai eles botaram tipitinga ai ate hoje permanece tipitinga
por causa dessa agua barrenta desses rios que passam aqui atrás que realmente quando
enchem a agua é barrenta e deixa essa tuiragem que falam né aquele coisa na pele da gente.
DOC1: há alguma pratica na comunidade que se remeta as práticas indígenas ou africanas?
INF: atividade tinha uma mas assim ficou um pouco esquecida que é a questão do boi bumba
né, a parteira né a benzedeira né que ainda tem umas pessoas por ai mesmo que hoje ainda
queram eles se inibem se esconde um pouco mas ainda tem e a questão da religiosidade né
que essa religiosidade ficou forte eu acredito assim que a parte que mais ficou pra gente foi a
questão da religiosidade não e... eu não sei como porque eu acho que eles herdaram mais dos
senhores das pessoas que foi a questão da católica e não da religiosidade que coiso que eles
tinham no caso o candomblé ou nunca teve que a gente sabe que da origem negra são essas
coisas né o candomblé a umbanda mas assim nessa parte ai ficou a questão de parteira alguns
mitos que eles contavam né essas coisas assim historias é isso que eu vejo assim dos
benzedores benzedeiras
DOC: quantas pessoas há na comunidade, quantas famílias há, qual a relação entre as
famílias?
INF: olha eu acredito que já tá quase que atingindo duzentas pessoas, ate uns dois anos atrás
nos fizemos um levantamento e deu cento e setenta e cinco pessoas mas eu acredito que agora
rata atingindo duzentas pessoas né ao todo e assim as famílias são umas trinta e sete famílias
porque assim já tem por exemplo é famílias de filhos que arrumam é a sua parceira e fica com
os pais então já tem esses casos eai por isso eu digo que já são só casas mesmo se você for
conferir se eu não me engano na minha mente são trinta e quatro ou trinta e cinco mais []
acredito que uns trinta e sete famílias mais ou menos isso
DOC1: como vocês se veem em relação a comunidade?
INF: eu no caso eu
DOC1: isso
INF: olha eu me vejo hoje assim eu me vejo uma pessoa que tenho orgulho né que um dia
talvez ter sido descriminada éh::: sofrido preconceito né e a gente sabe que esses preconceitos
são grandes no::: eu acredito ate que está difícil de ter vamos dizer acabar né a questão do
preconceito com o negro porque por mas que você diga que você não tem preconceito mas em
algum ponto você tem, ate mesmo as pessoas as vezes de dentro da comunidade não consegue
mas mesmo assim eu me vejo assim uma pessoa que contribui com a comunidade pra que
esse povo tenha dignidade a melhor dignidade e eu me sinto feliz sou uma pessoa feliz por
fazer parte daqui desse pedacinho de lugar que fica tão escondidinho mas que é muito bom eu
não me arrependo nem um pouquinho de viver e nem tenho vontade de sair daqui de jeito
nenhum e me sinto orgulhosa das pessoas da minha família assim embora tenham seus altos e
baixos dos preconceitos e as descriminações mais me sinto bem na minha comunidade.
86

PROJETO AFROIN

TRANSCRIÇÃO DA COLABORADORA 02
NOME: Cezarina de Jesus Ramos
NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Magistério SEXO: Feminino IDADE: 48
NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
JÁ MOROU FORA: Sim, mais de 10 anos.

DOC 01: Rayenna Reis Castro


DOC 02: Vitor Hugo de Souza Gomes

DOC1: Já? Seu nome?


INF: Cezarina de Jesus Ramos
DOC1: Idade?
INF: 48
DOC1: A senhora já morou fora?
INF: já!
DOC1: Quanto tempo?
INF: Passei... a minha infância todinha eu fiquei fora e voltei com 16 e depois voltei de novo
e voltei .. em dois mil.. em noventa e dois voltei pra cá e não sai mas.
DOC1: por que que a senhora saiu?
INF: Sai pra estudar
DOC1: estudar.. é.. a sua formação? Até que ano a senhora cursou?
INF: Eu cursei o... Magistério... tenho o segundo grau né? Que antigamente era assim que
chamavam
DOC1: é grau de engajamento na comunidade...
INF: Hum
DOC1: é associada? É associada? Qual seu cargo/função que a senhora ocupa na
comunidade?
INF: na comunidade assim público? Ou geral?
DOC1: pode ser tanto na..
INF: é na.. público eu sou servente na escola Maria Thiaga há quatoze anos já né... e no geral
assim eu sou catequista faço parte da codernação como secretária da comunidade.. eu sou um
pouco de faz tudo né.. me envolvo de um modo geral na comunidade assim na associação na
escola na igreja.
DOC1: tá, agora sobre a origem e a formação... como se originou a comunidade? E como se
formou a comunidade?
INF: a gente tem né as histórias que nos passaram foi qui é eles vieram assim aqui que a gente
ficou um pouco perdido porque a gente não tinha assim noção de que um dia a gente ia passar
a ser quilombola né? ai a gente deixou passar eles conta que eles vieram ai do calabouço...
DOC1: que era os primeiros habitantes?
INF: sim ai vieram moraram lá na primeira casa que tem, ai de lá vieram pra cá aqui assim daí
que foram formado uma família né, a gente já conheceu mais a partir dos nossos avós
DOC1: a partir dos seus avós né
INF: é que a gente já tem mais uma...
DOC: ai esses primeiros habitantes eles eram negros escravizados ou indígenas?
INF: ai é que eu acho que era misturado né indígena e negro, só que era já assim mais, já eram
escravizados mais acho que livre né, ninguém tem essa como é mermo realmente né..
DOC1: exatamente né assim?
87

DOC1: e dos seus antepassados? Quem era de origem africana e quem era de origem
indígena?
INF: meu pai dizia que o pai dele era de africana e a vovó era de origem indígena.
DOC1: então tem as duas misturas?
INF: é.. a gente acredita nisso né porque eles eram diferentes
DOC1: ai atualmente há mais traços indígenas ou africanos na comunidade?
INF: mais africano né a gente vê que não tem quase assim feição indígena
DOC1: ouvimos falar que existia uma casa grande na comunidade a senhora tem alguma
memória disso? Ela existiu realmente? Como era?
INF: existiu! A casa grande era grande mesmo sabe? A sala era enorme assim que nem
aqueles salão de baile de antigamente né tinha um.. dois.. três quartos, um corredor grande e
uma varanda assim que por trás assim varandava tudinho junto com cozinha
DOC1: e a localização dessa casa a senhora lembra?
INF: ela era localizada bem assim por trás dali do cento comunitário ela era bem alta
construído assim tipo no alto tinha uma escadinha que a gente subia era tudo feito de pau-a-
pique mas então era bem...
DOC1: a senhora mesmo tem lembrança disso? Não foi o que lhe contaram?
INF: Não eu lembro mermo porque a gente vinha / eu sempre sonho com essa casa parece
assim eu me lembro é uma coisa que nunca se apagou da minha... minha mente é a casa
grande como a gente chamava ...
DOC1: e porque ela se destruiu a senhora lembra assim?
INF: Por causa que foi né, depois que o vovô morreu né ai foram ficando só os filhos os filhos
...
DOC1: não cuidaram assim dela
INF: não, não cuidaram ela foi distiorando né como a gente chama i ai ela foi findou sendo
acabada mermo destruída
DOC1: e lá onde é tem alguma outra coisa no lugar onde era?
INF: agora só tem planta só plantação é mangueira que tem..
DOC1: e o nome da comunidade? De onde veio? De onde se originou?
INF: a comuni... o nome acho que seja origem indígena né porque tipitinga né tem origem
indígena ...
DOC1: mas a senhora assim sabe o significado? Do tipintinga
INF: Tipitinga eu sei é significa tipi é água né e tinga barrenta água suja ..
DOC1: há alguma prática na comunidade que remeta as praticas indígenas ou africanas ?
INF: africana... como eu já falei né a gente quase não tem assim prática africana a única coisa
que a gente ainda tem mermo assim que ficou forte foi a questão da religiosidade que foi bem
passado pelos nossos... é ente queridos né... mas assim né ...
DOC1: e indígena?
INF: Indígena só os nome mesmo né que a gente ainda alguma coisa... assim a questão da
comida também ainda tem ainda alguns traços
DOC1: quantas pessoas há na comunidade? Quantas famílias? E como é a relação entre as
famílias?
INF: pessoa assim eu não sei exatamente mas acho que é mais de cem..
a família, família mesmo parece que são... não sei se são vinte duas ou trinta e duas né que... a
gente conta assim por casa porque eu... minha mente ta meia ruim ultimamente não to muito
gravando mas a gente tem exatamente o tanto só não to lembrada... e a questão assim da
relação com a família, a gente não tem muito conflito não aqui, tem algumas (...) geralmente
nós mesmo da nossa família aqui de irmão a gente não procura, logo uma que a mamãe
ensinou desde pequeno pra gente não viver com negócio de fuxico né, que o fuxico que trás
toda a desavença pra dentro das família, e ai nos não fumo acostumado com essa prática, tanto
88

é que lá em casa poucos vão por causa disso porque eu não sou muito de ta dando ouvido e
conversando
DOC1: então vocês são bem unidos?
INF: é a gente pode dizer assim que somos né, nos não temos assim de dizer assim, a fulano
não suporta ver outro né, se tem mas já não faz parte assim mermo da nossa família mermo de
sangue , tem outros que já entram pelo meio que faz as confusões
DOC: como vocês se veem em relação à comunidade?
INF: Como assim?
DOC1: também não entendi, entendeu Vitor?
DOC2: como a senhora se ver assim é o seu papel em relação a comunidade? Como a senhora
se ver ajudando a comunidade?
INF: a eu vejo assim que é um...assim.. é ... que nem a história do beija flor né, a gente faz a
parte da gente, eu pelo menos tudo que eu faço é em razão assim do bem viver, bem querer,
do melhorar cada vez mais as relações assim o modo de vida das pessoas e eu sempre gostei
de ajudar assim os outros né com, é... com orientação, é com coisa assim eu gosto muito essa
questão assim, acho que é isso.
DOC1: como vocês mantém a cultura da comunidade?
INF: a cultura... a cultura assim em relação, agente tem mais a cultura em relação a
festividade né a gente tem a gente ainda faz a festividade dos padroeros que é Santa Ana e
agora São Joaquim que antes era só Santa Ana e nós achamos porque é o casal ai botamos
junto (risos)
DOC1: há quanto tempo é.. é de São Joaquim ?
INF: acho que desde, acho que desde 45 parece se eu não me engano é porque essas datas
assim eu não tenho muito mas é desde o inicio mesmo
DOC1: faz tempo.
INF: ela é padroera, antes tinha são Sebastião né mais já era outro morado que fazia a festa
mas aqui mesmo sempre foi Santa Ana desde que eu me entendi é Santa Ana.
DOC1: há casamento entre parentes? Entre as pessoas da comunidade e os de fora?
INF: há! Parentes assim... Entre primos mermo não tem né mas assim já de segundo grau já
tem, já teve vários
DOC1: e entre pessoas de comunidade de fora?
INF: já! Tem, é no meu caso José é lá de Bragança, lá do Cururutuia, o Carlinho da Andréia é
lá de Bragança também né, tem outras pessoas que também já vieram pro nosso meio de
outras comunidade.
DOC1: e como é essa relação entre pessoas de outras comunidades?
INF: é boa! É a gente não tem assim, coisa de dizer fulano não entra aqui porque é de outra,
não a gente sempre... é como é que a gente pode dizer assim, agente sempre foi amável em
receber as pessoas né, tanto é que quando as pessoas vem aqui né ele se sentem assim bem
acolhidos porque agente tem esse, essa coisa assim de receber bem as pessoas né, de tratar, e
todos em modo geral independente de raça, cor, religião, tudo né, agente não tem, essas coisas
de tá assim discriminando pode dizer assim .
89

PROJETO AFROIN

TRANSCRIÇÃO DO COLABORADOR 03
NOME: Rosalvo Ramos Farias SEXO: Masculino IDADE: 59
NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Ensino Fundamental Menor (1° ao 5° ano)
VIAGENS PARA FORA: SIM, 4 anos.

DOC 01: Idaiane Corrêa da Cruz;


DOC 02: Keila de Paula
CIRC 01: irmã do professor
CIRC 02: esposa do seu Rosalvo
CIRC 03: filha do seu Rosalvo

DOC O1: A gente vai falar do projeto que o senhor participou


DOC 02: A gente pode gravar? Não tem problema não?
INF 01: Não sei se vai ter alguma coisa que ...
CIRC 01: Não, mas ai ela vai perguntar e aí o senhor responde tá?
DOC 01: Qual é o seu nome completo?
INF 01: Rosalvo Ramos Farias
DOC 02: Qual é a sua idade?
INF 01: Cinquenta e nove anos
DOC 01: O senhor é daqui da comunidade? O senhor morou algum tempo fora?
INF 01: Eu passei uns tempos porque a vida da gente sabe como é? A gente procura...
DOC 01: Mas faz tempo?
INF 01: ... No caso faz um tempinho já
DOC 01: O senhor passou quanto tempo fora?
INF 01: Eu passei uns quatro anos
DOC 02: Seguido?
INF 01: Seguido
DOC 01: Mas já faz tempo já?
INF 01: Faz tempo já ... foi mais ou menos pelos anos 60 70 por aí assim eu morei fora ... aí
depois eu voltei pra cá novamente e (SN) sai daqui em outra que podia fazer por aqui
próximo terminando o período de escola mesmo que não tinha transporte na época aí eu tive
que sair pra elas continuarem o estudo ... aí quando passou a ter transporte fizeram a estrada
pra cá e que arranjaram transporte pra carregar os alunos e aí nós voltamos
CIRC 01: O senhor é remanescente de quilombolas também?
INF 01: Também
DOC 02: Até que serie o senhor estudou?
INF 01: Eu estudei? Eu nunca é ... entrei numa escola ... pra dizer
DOC 02: mas o senhor sabe ler assim o básico?
INF 01: sei a primeira aula que eu tive foi no tempo que a é a rádio Educadora de Bragança é
formalizou no rádio a aula
CIRC 01: Tipo supletivo?
INF 01: é aí nessa época eu tive até o terceiro ano a terceira serie agora né? aí depois veio pra
cá uma Alfabetização solidária na época aí eu perguntei se eu podia participar já sabendo de
alguma coisa né? Aí a professora ... eles concordaram que sim tanto eu melhoraria alguma
coisa né? Quanto recordaria e aí eu entrei como se eu fosse analfabeto aí eu fiz a
Alfabetização solidária depois teve uma outra etapa o supletivo que corresponderia a quinta
serie
90

DOC 02: E em relação as suas poesias o senhor já escreve há algum tempo?


INF 01: Não na verdade surgiu na época da Alfabetização solidária
DOC 02: tinha alguma coisa assim que lhe inspirava?
INF 01: eu ... fazia assim um certo tipo de brincadeira com os amigos né?
CIRC 01:
INF 01: de vez enquanto às vezes eu envesava ... aí a colá eu pegava assim
CIRC 01: tipo um repente né?
INF 01: isso aí só que n tempo da Alfabetização solidária teve uma ... eu participei de uma ..
CIRC 01: um concurso
INF 01: de um concurso de redação do qual me levou até São Paulo né? Eu fiquei em terceiro
lugar
CIRC 01: foi que legal
INF 01: aí eu fui a São Paulo e ganhei esse prêmio né? ... era pra ter vindo uma biblioteca ... o
prêmio era uma viagem dois dias em São Paulo hotel tudo pago por conta e a biblioteca só
que aí
CIRC 01: Era pelo governo?
INF 01: É programa do governo o projeto Alfabetização Solidária só que essa biblioteca eu
não sei o que aconteceu que nunca chegou ... no caso eu teria uma e a professora teria outra
CIRC 01: mas o senhor não correu atrás não?
INF 01: eu não fui atrás você sabe como é que é ... aí eu lembro de um dos versos que eu fiz
que levou que eu coloquei na redação que fiz foi tudo envesado só que eu perdi ... eu tentei
um tempo escrever um livro ... um pessoal tentaram me ajudar aí eu peguei os originais né? E
aí eu não sei o que aconteceu fizeram um folhetinho eu fiz tipo uma biografia da minha vida e
esse folheto depois o pessoal que produziram acharam que não estava ... a ilustração não
estava muito bacana pegaram pra ajeitar e dessa ajeitada não voltou mais
DOC 01: desapareceram
DOC 02: eles vieram de onde?
INF 01: de Santa Luzia mesmo aí um dos versos foi quando eu ia saindo de casa pra ir pra
escola boca da noite aí me veio na mente assim né? Aí eu escrevi no meu caderno “Queria
saber explicar tudo o que sinto agora parecendo uma criança no caminho da escola” e assim
eu fui formando aí quando eu estava antigamente fazendo alguma coisa né? Qualquer evento
que eu participava eu lá formava uma ... (SN) cansei de fazer de fazer alguma reunião em
Santa Luzia eu participava de alguma oficina sempre vinha pela associação aí com tempinho
conforme com que ia se passando lá dentro eu ia versando aí quando chegava aquela hora eles
passam pra pessoa fazer uma palestra a minha palestra era a folha que eu tinha feito ... tinha
um rapaz lá que tentou me ajudou escrever um livro ele patrocinava através da prefeitura ...
sempre aquela coisa né a gente tem o nosso serviço da roça né? O cara chega cansado o tempo
que tem
CIRC 01: A mente já não trabalha mais né? mas quando o senhor está em uma rodada assim
aí sai o negócio?
INF 01: de um certo tempo pra cá deu um apagão sei lá..
CIRC 01: foi?
INF 01: foi não sei se é... com o passar do tempo a idade aí eu ... nessa época o rapaz tentou
me ajudar tinha dia que eu sentava num canto e pelejava mas parecia sei lá foi embora
DOC 01: a inspiração tinha fugido
INF 01: ... não surgia aquelas ideias ele tentou uma pouca de vezes com o que eu podia
conseguir era com essas originais as cópias que eu tinha feito né? Mas aí eu não sei como foi
foi desfacelando .... aí eu perdir a chance
DOC 01: porque no caso o senhor conseguir produzir sem tá lhe pedindo a partir do momento
que estão pressionando o senhor pra fazer o senhor tem um bloqueio
91

INF 01: (SN) não consigo me concentrar


CIRC 01: interessante né?
DOC 02: ele tem que ter inspiração
CIRC 01: como ele disse né? Ele foi pelo caminho ali ele já recitou né?
DOC 02: tinha que ser feito na hora
INF: o pessoal gostava né? Toda vez eu participava ai eles colocavam até um apelido
DOC 02: Qual foi seu apelido?
INF 01: aonde me viam era o poeta, poeta
DOC 02: foi o seu Severino quem falou que o senhor era poeta
CIRC 01: ele disse nós temos um poeta aqui aí as meninas .... ... porque pro estudo delas é
bom
INF: tem umas cópias guardada por aí pelas pastas
DOC 01: mas o senhor pode procurar antes da gente ir embora depois a gente vem pegar e
depois a gente devolve pro senhor? tira uma cópia e manda pelo Paulo Vitor né? A gente está
com esse livro e vai mandar pelo Paulo Vitor o professor é de todo mundo é do mesmo
projeto aí ele vem final do ano ele traz de volta a gente não pode ficar
INF 01: eu vou ver o que é eu consigo e depois eu dou uma passadinha por lá
DOC 01: não quando a gente vier do igarapé a gente desce aqui a gente vem de lá que horas
mais ou menos?
CIRC 01: não sei uma e meia...duas horas eu acho que horas é isso meio dia?
INF 01: falta dez para o meio dia
DOC 02: uma e meia para as duas horas
DOC 01: aqui na comunidade o senhor tem alguma função? O senhor é da associação dos
quilombolas?
INF 01: eu sou sócio desde quando foi formado e na diretoria eu exerço o papel de fiscal eu
sou da equipe de fiscalização
DOC 01: tirando disso na comunidade participa de outra coisa? Na Igreja? O senhor não
participa?
INF 01: eu participo .... eu só faço é praticar mas eu nasci e (SN) me criei o catolicismo num
tempo eu participei...... mas pelo fato da gente não ser casado com a minha companheira aí a
gente não pode participar né? Da diretoria fazer leitura essas coisas aí minha participação é só
mesmo
DOC 02: fazem casamento? O senhor ainda não quis casar?
INF 01: fazem, mas no meio caso é complicado ela é casada
DOC 02: ah ela é casada
INF 01: ...... graças a Deus a gente se dar bem
DOC 01: quantos filhos o senhor teve?
CIRC 02: mas ajudou a criar vários
INF: meu mesmo nenhum, mas ajudei a criar muitos .... esses dois ai me chamam de pai
DOC 02: os outros filhos foram embora para estudar?
INF 01: já concluíram o terceiro ano estão tocando a vida já são casados
DOC 01: Eles continuam morando aqui?
INF 01: uma mora numa casinha aí na frente a outra mora no Município de Tracuateua pro
outro lado.
92

PROJETO AFROIN

TRANSCRIÇÃO DO COLABORADOR 04
NOME: SEXO: Severino Pinheiro Ramos SEXO: masculino IDADE: 69
NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Ensino Médio
TEMPO FORA DACOMUNIDADE: 10 anos.

INF1: Severino
INF2: mulher do Severino
DOC1: Ane Caroline
DOC2: Singrid
DOC3: Paulo Vitor

INF1: vocês estão fazendo um trabalho... éh: universidade... nas comunidades é?


DOC1: não... é... nessa comunidade...
DOC2: nessa comunidade...
INF1: é nessa aqui né?
DOC1: porque é um trabalho numa comunidade quilombola né?
INF1: humhum...
DOC1: a gente vai também trabalhar em outra... mas primeiro a gente tá aqui por causa que o
Paulo é daqui né?
INF1: certo...
DOC1: aí é do projeto a fica/ a gente tem mais... mais conhecimento né? ( )
INF1: tá bom...
DOC1: no burro a gente conhece mais ( )
DOC 3: é daquele um que o professor Jair veio naquele dia...
DOC 1: professor Jair... aí no caso a gente veio aqui fazer umas perguntas pro senhor... aqui o
questionário... pode?
INF1: se eu souber responder... né? ((risos))
DOC1: então... qual seu nome completo?
INF1: Severino Pinheiro Ramos...
DOC 1: quantos anos o senhor tem?
INF1: sessenta e nove anos
DOC 1: sessenta e nove anos... o senhor já morou fora daqui?
INF1: (SN) Já...morei alguns tempos fora daqui...
DOC1: morou onde?
INF1: Bragança... Belém...
DOC1: mas foi muitos anos? passou muito tempo pra lá?
INF1: uns dez anos...
DOC1: uns dez anos que o senhor passou longe daqui... mas foi seguido? ( )
INF1: foi seguido...
DOC1: ah...tá... por que o senhor saiu daqui?
INF1: eu sai porque a dificuldade aqui pra gente estudar aqui era muito grande... sabe? não
tinha ( ) não tinha onde a gente éh: melhorasse mais a educação e aí as minhas tias e mãe de
criação estudaram no Santa Teresinha... no colégio Santa Teresinha em Bragança... então eles
eram muito conhecido lá do/ das diretoras do/ e arrumaram uma vaga lá pra mim estudar lá...
DOC1: então... o senhor saiu pra estudar... né?
INF1: foi...
DOC1: o senhor estudou até que/ sua formação é até que série?
93

INF1: até quarta série... nesse tempo era ginásio...


DOC1: até a quarta série... na época era o máximo... né?
INF1: era...
DOC1: então... aqui na comunidade o senhor tem algum grau de engajamento? o senhor é
associado a algum cargo? alguma função?
INF1: éh:... aqui a gente é uma comunidade quilombola... e tem uma associação desde dois
mil e cinco... e eu sou/ atualmente eu sou/ estou como presidente sabe? eu fui o primeiro
presidente... depois...
INF2: primeiro... segundo e terceiro... ((risos))
INF1: Não... houve um um presidente nesse nesse intermediário... teve um outro presidente...
e agora eu estou já no terceiro ano novamente... na presidência da associação...
DOC1: aqui eu vou ( ) perguntando sobre a origem e formação do do lugar... tá? Se o senhor
souber responder...
INF1: hunhum...
DOC1: que a gente tá tentando procurar como se formou a comunidade... é como se originou
a comunidade...
INF1: a comunidade se originou éh... com os nossos antepassados que eram descendentes de
de escravo... sabe? aí eles vinham subindo de de rio acima... a gente sabe que eles eles... ou já
estavam livres ou refugiados em canoa de rio acima... e onde eles encontravam um local que
eles se agradavam... que tinha muito/ aonde eles ficassem que tivesse uma terra bonita... uma
mata bonita... muita caça... muito peixe... lá eles se eles se localizavam...
DOC1: é porque... ficava melhor pra sobreviver...
INF1: é... a sobrevivência deles...
DOC1: aí no caso aqui... são são/ o início foi formado pelo o negro que o senhor não sabe se
foi/se eles eram libertos ou fugiam...
INF1: é... ninguém tem uma uma certeza assim se eles já fossem libertos né? mas eu acho que
a maior parte já/ era/ tinha uma liberdade mas não tinha assim uma liberdade que eles vivesse
como... [
DOC2: eles estavam se escondendo... então...
INF1: é... se escondendo... porque... a gente a gente pelos estudos sabe que: depois que a
princesa Isabel ela assinou a lei áurea... então ela não ela não determinou um trabalho pra
eles... não determinou uma área pra eles pra eles ficarem morando... (SN) deixou (SN) só fez
assinar mesmo e daqui pra frente vocês quiserem... e foi/ eu acho que foi isso que aconteceu
com eles né?
DOC1: o senhor não sabe mais ou menos pela/ a data que eles chegaram aqui?
INF1: eu acho que foi pelo mais ou menos vieram pelo ano de mil oitocentos e cinquenta eles
já... já tinha gente da da da/ do tronco do...
DOC2: seus pais... seus avós eles não são dessa época no caso?
INF1: não... eles não são mais dessa época... ((a entrevista é interrompida com a chegada do
professor Jair)) boa tarde professor... tudo bom?
Professor: e aí mestre? tudo bom com o senhor? vim trazer um abraço da sua irmã... dona
Conceição...
INF1: passou uns dois dias eu fui em Bragança... aí eu falei com o Mauro “rapaz o professor
Jair... nós tava se encontrando na igreja... o professor Jair me disse eu fui na casa do
(Tipitinga)”... tá bom... seja bem vindo...
Professor: obrigado...
DOC1: ((o informante dá continuidade a entrevista)) pois é... então foi assim que se originou
a comunidade... o meu o meu avô que já era descendente desses outros ne/ escravos negros e
foi ele que fundou aqui no (Tipitinga) disseram que ele chegou aqui em mil novecentos e
94

onze... aqui... mas já existia pessoas... éh da família dele próximo ao rio naquela outra
localidade... já existia pessoas da família dele lá...
DOC2: e hoje em dia a gente foi lá e não tem mais casa né?
INF1: é...
DOC2: beira do rio...
INF1: hunhum... e eles vinham vindo de rio acima... quanto mais vinha apertando o cerco pra
eles alguém... (SN) acho que procurando... que nesse tempo que tinha os capitães/ capitão do
mato né? vinha procurando e eles vinham se chegando cada vez mais subindo... eles vieram
de uma localidade que é do rumo do calabouço que é mais umas quatro ou cinco léguas daqui
pra baixo... mais ou menos...
DOC1: aí no caso essa descendência tem descendência indígena ou só é mesmo de: você não
sabe?
INF1: éh... da minha parte tem descendência indígena porque... os meus tataravós também já
eram... já existiam lá naquela al/ no bairro da Aldeia nesse tempo sabe? e: dizem que... éh
alguns brancos já tinham casado com índios... por sinal que a mi/ os meus avós/ a minha avó
por parte de de pai ela era bem branca... ela não era mais negra não...
DOC1: então no caso a sua avó por parte de:...
INF1: de pai... eu penso que ela fosse descendente de índio com com branco...
DOC1: e no caso a parte do seu pai e seu avô...
INF1: do meu pai e meu avô era de negro... de negro...
DOC1: de negro... ah... tá...
professor: eu vou ali e depois eu volto... depois eu volto aí pra conversar com o senhor... tá?
INF1: tá bom... passou um amigo aí o seu? ((risos))
DOC1: então assim na comunidade em si não/ vieram refugiados os índios...
INF1: não... índios não... só os negros mesmo...
DOC1: só os negros...
INF1: já depois que eles se/ que teve o cruzamento com os com os brancos lá de Bragança...
DOC1: mas fora daqui da comunidade... no caso a sua... a mãe da sua avó ela de lá veio pra
cá... aí casou com seu avô e se formou... então no caso tem essa miscigenação...
INF1: com certeza...
DOC1: aqui... o senhor julga que a comunidade hoje agora tem mais traço indígena ou a
questão dos negros assim tá misturado?
INF1: tá misturado...
DOC1: não consegue mais...
INF1: não consegue mais definir quem é o índio nem quem é... o negro tem... ainda tem
muitas pessoas da cor morena... o cabelo bem...
DOC2: porque o senhor é é bem claro... né?
INF1: éh... mas o cabelo era bem... agora não... já tá mais... mas o cabelo era bem... ((risos))
INF2: nós temos uma netinha que ela é bem branquinha... o cabelinho bem...
INF1: é bem enroladinho...
DOC2: já é os traços...
INF1: é negro com branco... né?
DOC2: aqui no caso como a gente perguntou a sua esposa sobre a: casa grande... aí no caso ...
INF1: não... mas ela era da mesma família... só que ela não se criou aqui sabe? porque as
comunidades quilombolas elas são quilombolas mas são todas diferenciadas umas das outras
sabe? cada um vem de um costume... outro já vem de outro né? mas ela: ela pertencia a mes/
ao mesmo sangue da da/ dos primeiros...
DOC2: essa essa casa branca/ essa casa grande... quando o senhor nasceu... ela já existia?
INF1: já exis/ já existia já...

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