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BRAGANÇA-PA
2017
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BRAGANÇA-PA
2017
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COMISSÃO JULGADORA:
_______________________________________________________
Prof. Lorram Tyson Dos Santos Araújo
Universidade Federal do Pará - UFPA
_______________________________________________________
Prof.ª Msc. Patricia do Nascimento Costa
Universidade Federal do Pará- UFPA
_______________________________________________________
Professor orientador: Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva
Universidade Federal do Pará - UFPA
Bragança-PA
2017
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por ter segurado minhas mãos e guiado meus passos
até aqui.
Agradeço infinitamente a minha família, a meus pais, Antonia Rosenilde Reis Castro e
Paulo Henrique da Silva Castro pelo apoio incomensurável e pela compreensão que tiveram
comigo durante toda a minha vida e especificamente nesse período, em especial a minha mãe,
por ter me incentivado e me inspirado a seguir por este caminho. A minha irmã Verlena
Thayelle e ao meu cunhado, Andrey Rey, que contribuíram indubitavelmente para a
realização desse sonho. Agradeço também ao meu irmão, Henrique Reis Castro pelo singelo
fato de iluminar meus dias com o seu sorriso. Obrigada por terem acreditado na minha
capacidade.
Agradeço com todo meu amor ao meu namorado, Ronald Allan Souza da Silva, pela
grandiosa ajuda desde antes dessa jornada se iniciar. Obrigada pelo estímulo, pela paciência,
pela disposição, pela contribuição, por todos os ir e vir, por está comigo em todos os
momentos, você foi e é essencial em minha vida.
Agradeço ao meu orientador Jair Cecim pelo imenso apoio, pelas horas dedicadas,
pela paciência e incentivo, por acreditar que eu era capaz. Obrigada, professor por ser tão
generoso e amigo.
Agradeço a cada professor por todo conhecimento compartilhado durante essa
trajetória. Especialmente ao professor Lorram Araújo e a professora Patricia Costa, pelas
significativas contribuições.
Agradeço aos meus amigos de vida que contribuíram para eu realizar esta conquista.
Agradeço também aos meus amigos de curso, pelo valioso apoio e parceria constante de Ayle
Ferreira, Luma Rabelo e Raiane Miranda. Em especial a Ane Caroline Monteiro e Vitor Hugo
Gomes, pela infinita ajuda e disponibilidade em todos os momentos. Agradeço a Milena de
Paula, por está sempre ao meu lado, pela troca de conhecimento, parceria e irmandade.
Agradeço também a Suellem Fernandes pela primordial contribuição neste trabalho e pela
parceria de sempre. Agradeço, sobretudo pelo laço fraternal que criamos durante esses anos.
Agradeço aos membros do projeto AFROIN, o auxílio de vocês foi fundamental.
E por último um agradecimento muito especial aos moradores da comunidade
quilombola do Tipitinga que sempre foram verdadeiramente receptivos e generosos conosco.
Agradeço imensamente a todos vocês!
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RESUMO
ABSTRACT
This paper analyzes the behavior of the null subject parameter (PSN) in the Quilombo
community of Tipitinga, located in Santa Luzia do Pará. This work is part of the research
project "Afro-Indigenous Portuguese in the Eastern Amazon" (AFROIN), coordinated by
Prof. Dr. Jair Francisco Cecim da Silva (UFPA / Campus de Bragança), who seeks to
investigate the personal pronominal system of Afro-indigenous Portuguese, a variety of
Brazilian Vernacular Portuguese used in Quilombola Communities of Eastern Amazonia. The
research was based on Duarte (1995) and Duarte and Kato (2014). The research used the
qualitative-quantitative method (OLIVEIRA, 2011) and the sociolinguistic approach
(TARALLO, 1990); (MOLLICA and BRAGA, 2015). Data were collected during a field
survey conducted in the community from November 28 to 30, 2014, through a semi-structured
interview (LUDKE AND ANDRE, 1986). Of the 08 interviewees, we selected 04 employees,
two men and two women, with ages between 40 and 60 years. Among the variables
considered, we have the extralinguistic factors: age, schooling and gender / sex, and linguistic
factors: speech person, referentiality and subject's mood. Regarding the results, of 1347
occurrences of pronominal subject, 290 are cases of null subject, while 1057 are cases of full
subject. The extralinguistic factors analyzed revealed a stability in the percentage of null
subject and of full subject between the groups in the three variables, in relation to the
dependent variable we verified in all three factors a high index of full subject. Regarding
linguistic factors, in the variable person of the discourse we observe the preference evident by
the full subject in all the people of the discourse. Regarding the animacity, we find that the
full subject tends to be the most accomplished in the third person singular and plural, already
referring to the referentiality of the subject, we realize that the full subject [+ specific] is the
most accomplished in the third person singular, and in the third person plural the most
accomplished is the full subject [- specific]. We emphasize that in Tipitinga there is a
preference for filling the subject, as well as in PB analyzed by Duarte (1995).
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE ABREVIATURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
1. PRINCÍPIOS ACERCA DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................... 15
1.1. A HISTORIOGRAFIA E O CONTATO LINGUÍSTICO NO BRASIL ................... 15
1.2. VARIEDADES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO ................................................... 21
1.3. O SUJEITO: REVISÃO DA LITERATURA ............................................................ 26
1.3.1. O Sujeito Nulo ............................................................................................................ 29
1.4. O PARÂMETRO DO SUJEITO NULO .................................................................... 30
2. A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ................................................................... 35
2.1. QUANTO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................................... 35
2.2. QUANTO À NATUREZA DA PESQUISA .............................................................. 36
2.2.1. A Pesquisa Qualitativa ................................................................................................ 36
2.2.2. Pesquisa Quantitativa .................................................................................................. 37
2.2.3. A Pesquisa Qualitativo-Quantitativa .......................................................................... 38
2.2.4. A sociolinguística ....................................................................................................... 39
2.3. QUANTO ÀS TECNICAS UTILIZADAS NOS PROCESSOS DE COLETA E DE
TRANSCRIÇÃO DOS DADOS ................................................................................ 41
2.3.1. A Pesquisa De Campo ................................................................................................ 41
2.3.2. A Entrevista ................................................................................................................ 42
2.3.3. A Entrevista Semiestruturada ..................................................................................... 42
2.3.4. Transcrição Grafemática Dos Dados .......................................................................... 44
2.4. QUANTO À ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................... 45
2.5. QUANTO À CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO ............... 47
2.6. QUANTO AOS COLABORADORES DA PESQUISA ............................................ 49
3. RESULTADO DA ANÁLISE DOS DADOS .......................................................... 51
3.1. PERGUNTAS NORTEADORAS .............................................................................. 51
3.2. ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 51
3.2.1. A variável dependente ................................................................................................ 51
3.3. VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS ..................................................................... 53
3.3.1. Idade ............................................................................................................................ 53
3.3.2. Gênero/Sexo ................................................................................................................ 54
3.3.3. Nível de Escolarização. ............................................................................................... 56
3.4. VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS .................................................................................. 57
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INTRODUÇÃO
Diante do que fora exposto fica explícito que em um determinado momento existiu um
número surpreendente de falantes de diversas línguas no Brasil. Dessa forma, se existiam
tantas línguas indígenas e africanas no Brasil, por que houve o predomínio da língua
portuguesa sobre estas outras? Podemos responder este questionamento a partir dos seguintes
fatos: apesar do número significativo de negros no Brasil falantes de outras línguas, no século
16
XVIII com a exploração do ouro veio para o Brasil um grande número de portugueses, que
seguramente contribuiu para a disseminação da sua língua no país, que aumentou o acesso dos
escravizados aos modelos da língua-alvo (língua portuguesa) com grande penetração nas
regiões do interior de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, onde antes prevalecia a Língua Geral.
Segundo Lucchesi (2009) essa variedade foi utilizada pelos primeiros povoadores que
chegaram à costa do Brasil no início do século XVI, e como falavam línguas aparentadas do
tronco tupi, foram capazes de se comunicar com comunidades indígenas que habitavam
aquela região. A Língua Geral foi o meio de comunicação usado pelos portugueses para
conseguir juntar a força de trabalho indígena primeiramente na extração do pau-brasil e
depois no cultivo da cana-de-açúcar, do tabaco e do algodão. De modo paralelo ao trabalho de
submissão material do índio levado a cabo pelos colonizadores portugueses, os missionários
da Companhia de Jesus, os chamados, jesuítas, faziam o trabalho de sua submissão espiritual,
por meio da catequese. Para uma maior eficiência na conversão do índio, os jesuítas também
usavam a Língua Geral, chegando a codificá-la e registra-la por escrito, aplicando o modelo
da gramática portuguesa da época. Sendo assim, Lucchesi (2009) mostra que o termo língua
geral recobre diversas situações linguísticas, como:
a) a koiné empregada na comunicação entre as tribos de línguas do tronco tupi
da costa brasileira;
b) a sua versão como língua franca usada no intercurso dos colonizadores
portugueses e indígenas;
c) a versão nativizada predominante nos núcleos populacionais mestiços que
se estabeleceram no período inicial da colonização; e
d) a versão “gramaticalizada” pelos jesuítas sob o modelo do português e
utilizada largamente na catequese, até de tribos de língua não tupi - chamados
por estes de tapuias, que significa ‘bárbaro’, em tupi.
Ainda no que se refere a Língua Geral Lucchesi aponta que a sujeição das tribos
indígenas foi bastante praticada pelos núcleos povoadores de São Paulo, que adentraram pelos
sertões de Minas Gerais e do Centro-Oeste, preparando expedições, designadas bandeiras, que
movimentavam extensos contingentes humanos, as quais chegaram a ser definidas como
“cidades em movimento”. Desse modo, as bandeiras propagaram o uso da língua geral pelo
cerne do país até entre as tribos de língua não tupi, por isso que se define uma quinta situação
recoberta pelo termo língua geral:
e) língua franca de base tupi utilizada como língua segunda por tribos de língua
não tupi (podendo também nesses casos ocorrer a sua nativização).
17
Por esse outro acesso, a Língua Geral também chega até a Amazônia, sendo adotada
por tribos não tupi, fundamentalmente dos grupos aruaque e macro-jê, e lá se conserva em
uso, sob uma forma muito diferente (e denominada nheengatu, ou seja, ‘língua boa’), até
meados do século XX, em função da população dessa região ser vastamente composta por
índios e seus descendentes mestiços. (LUCCHESI, 2009, p. 43-44).
Por outro lado, os processos migratórios podem esclarecer bem mais o declínio no uso
da Língua Geral e o consequente avanço da língua portuguesa no território brasileiro, seja em
sua variedade nativa, difundida pelos colonos brasileiros, seja na variedade defectiva, falada
pelos africanos escravizados e seus descendentes, chamados crioulos. (LUCCHESI, 2009).
No início do século XIX ocorreu à fuga da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808,
por conta das Campanhas Napoleônicas pela Europa, esse fator contribuiu para o crescimento
da vida urbana na Colônia. Este evento colaborou também para alastrar um número
expressivo de pessoas falantes do português em todo o território colonial como destaca
Lucchesi (2009, p. 49):
[...] De um lado, nos restritos círculos da elite dos pequenos centros urbanos, “os
grandes” da Colônia e do Império cultivavam a língua e as boas maneiras, sob a
inspiração dos modelos importados d’além mar. Do outro lado, nas vastas regiões do
interior do país, a língua portuguesa passava por drásticas alterações, sobretudo em
função do processo de transmissão linguística irregular, desencadeado nas
situações de contato entre línguas abrupto, massivo e radical, compreendendo a
aquisição precária do português por parte dos índios e africanos, a sua socialização
entre esses segmentos e a sua nativização, a partir desses modelos defectivos, entre
os descendentes endógamos e mestiços desses índios aculturados e africanos
escravizados [...].
eram “peças” (seres humanos reduzidos à condição de coisa, para usufruto de seus
senhores), deve-se pensar que esses falares se formaram no grande cadinho que
fundiu, na fornalha da escravidão em massa, as etnias autóctones e as etnias
africanas na forma do colonizador europeu. Dessarte, se é uma variedade da língua
do colonizador a que se impõe na fala dos segmentos sociais aí formados, não se
pode deixar de perceber as marcas de sua aquisição precária e de sua nativização
mestiça.
Podemos dizer que ainda hoje essa dualidade existe no nosso país, na verdade não
mais uma dualidade e sim uma pluralidade linguística, que se manifesta nas variedades
linguísticas existentes no PB, influenciadas por fatores sociais e culturais.
No que concerne ao português brasileiro escrito, Ilari (2006) destaca que este é
formado por um conjunto de normas linguísticas que foram desenvolvidas e estabelecidas a
partir de uma política linguística no país, pois tornou-se necessário que fosse adotadas
algumas regras e padrões que identificassem o português brasileiro, além de uma literatura
mais consistente e autêntica. O autor afirma que todo país precisa estabelecer uma língua
oficial, por questões políticas e sociais, daí a necessidade do português culto seguir uma
padronização linguística. Esta estandardização da língua contribuiu para o distanciamento
entre o português substandard, aquele que é falado por uma população não escolarizada e o
português padrão, que é composto por um conjunto de regras gramaticais falado pelas pessoas
que detêm certo nível de escolarização. É importante ressaltar que, para Ilari (2006), aquilo
que consideramos norma culta também está suscetível a uma considerável margem de
variação, uma vez que algumas capitais adotam uma norma culta específica, ou seja, a norma
culta pode variar de uma região para outra, mesmo que não seja tão evidente.
Em razão dessa realidade histórica do Brasil, mesmo que o português tenha se tornado
a língua oficial do país, este carrega relevantes influências e empréstimos lexicais oriundos de
diversas línguas e dialetos africanos, de línguas indígenas e também de línguas europeias
como o italiano, que por meio dos imigrantes que chegaram ao território brasileiro no final do
século XIX e início do século XX para trabalhar na agricultura e outras atividades,
contribuíram na formação das variedades do português brasileiro. Em virtude disso podemos
considerar que estes contatos linguísticos colaboraram de forma considerável para no Brasil
constituir-se um sistema linguístico híbrido e heterogêneo, além de fomentar para que o
português brasileiro em alguns aspectos tenha se diferenciado do PE.
Diante disso, mostramos, a seguir, algumas dessas significativas alterações que
ocorreram na gramática do PB, se comparado ao PE. Em relação ao sistema pronominal
sujeito, segundo Galves (2001 apud Magalhães, 2006) existem vários aspectos que
diferenciam a sintaxe pronominal do PE e do PB. Primeiramente, destaca-se o uso do
20
pronome ele, o qual em posição de sujeito é privilegiadamente empregado, no PB, sem que
haja um valor particular para tal uso. Por outro lado em PE, o pronome ele só é usado em
contextos em que as concordâncias de 1ª e 3ª pessoas podem causar um transtorno (1a), ou
então, como contrastivo (1b); nas relativas, o uso do pronome ele como lembrete é
devidamente gramatical em PB; em PE só é permitida uma categoria vazia em tal contexto
(1c, d) nesta ordem:
(1) a. (Eu/ ele) estava a brincar na rua.
b. Ele comeu o bolo.
c. Eu tinha uma empregada que (pronome relativo) ela (pronome lembrete) respondia ao
telefone e dizia...
d. Eu tinha uma empregada que cv1 respondia....
(GALVES, 1988, p. 33 apud MAGALHÃES, 2006, p. 11-12)
O pronome ele pode surgir duplicando o sintagma nominal (NS) sujeito em PB (2a, b).
Tal uso não se constata em PE.
(2) a. Essa competência1 ela é de natureza mental. (idem)
b. Ana Maria ela foi no supermercado para fazer compras.
(MAGALHÃES, 2000, p.83 apud MAGALHÃES, 2006, p. 12)
O pronome ele pode ainda ser usado comumente em posição de objeto em PB. Em PE só
é possível usar o clítico o/a (2 a, b):
(3) a. Levei ele ontem. (PB)
b. Levei-o ontem. (PE)
(MAGALHÃES, 2006, p. 12)
Outro ponto a evidenciar acerca dessas diferenças entre o PB e o PE na área da sintaxe
pronominal diz respeito à posição dos clíticos na sentença. Como mostram os exemplos (4a,
b) a seguir:
(4) a. Me diga uma coisa. (PB)
b. Diga-me uma coisa. (PE)
(MATEUS, 2003, p.47 apud MAGALHÃES, 2006, p. 14)
Como vimos no exemplo acima, no PB o clítico pode surgir em primeira posição na frase,
forma que não é admissível no PE.
Podemos ver ainda as seguintes diferenças entre PE e PB evidenciadas no exemplo
abaixo:
(5) a. Maria me viu (PB) (*PE)2
1
cv representa a categoria vazia sujeito, ou seja, o sujeito nulo.
21
Como vimos o Brasil foi formado por diferentes grupos étnicos que tinham suas
línguas próprias, sendo assim, sabemos que o PB ao se constituir sofreu influências dessas
várias línguas. Neste tópico apresentamos o conceito de algumas variedades do PB dentre elas
o português afro-brasileiro, o português indígena e o português afro-indígena, esta última terá
um destaque mais significativo, pois acreditamos que a comunidade do Tipitinga, lócus de
pesquisa desse trabalho é formada por pessoas que apresentam descendência, tanto afro,
quanto indígena.
Em relação ao português afro-brasileiro, é necessário dizer que em virtude do cenário
historiográfico do Brasil, sabemos que no período da escravatura durante a formação do país,
houve várias fugas dos indivíduos escravizados, que se refugiavam no meio da mata
formando os chamados quilombos, estes espaços foram responsáveis por beneficiar um alto
grau de isolamento linguístico e cultural em que viviam as comunidades quilombolas,
clandestinas e ilegais até a abolição da escravatura. Em vista disso, Lucchesi et al. (2009)
afirma que este panorama histórico foi altamente favorável à crioulização do português, ou
2
O uso do asterisco (*) representa agramaticalidade
3
Os exemplos 3, 4, 5 foram renumerados de Magalhães (2006).
22
mesmo à manutenção, em curso, das línguas de origem desses grupos. Essa situação
provavelmente pouco se modificou até as primeiras décadas do século XX. A partir desse
momento, inicia-se o intenso processo de ocupação de vastas zonas rurais através dos
empreendimentos capitalistas de mineração, extração madeireira e produção de celulose, entre
outros. Essas ações expulsaram de suas terras essas comunidades, ou ainda integraram esse
povo no procedimento extrativo e/ou produtivo, por meio da exploração de sua força de
trabalho, transformando radicalmente o seu modo de vida e provocando mudanças também na
cultura local, assim como na fala desses grupos.
Lucchesi (2009, p. 70) afirma que os motivos que inibiram a ocorrência, na história
linguística do Brasil, de um processo de crioulização do português, em níveis socialmente
emblemático e com uma duração expressiva, foram sumarizados da seguinte forma:
a) a proporção entre a população de origem africana e branca, que proporcionou um
maior acesso à língua-alvo do que o observado nas situações típicas de crioulização;
b) a ausência de vida social e familiar entre as populações de escravos, provocada pelas
condições sub-humanas de sua exploração, pela alta taxa de mortalidade e pelos
sucessivos deslocamentos;
c) o uso de línguas francas africanas como instrumento de interação dos escravos
segregados e foragidos;
d) o incentivo à proficiência em português;
e) a maior integração social dos escravos urbanos, domésticos e das zonas mineradoras;
f) a miscigenação racial.
Em razão dessa realidade, a língua crioula foi profundamente comprometida, pois na
medida em que foi ocorrendo o contato entre línguas, este processo provocou a perda, ou
mesmo o desaparecendo de algumas peculiaridades crioulizantes da fala desses povos. Desse
modo, a intensa e violenta penetração do capitalismo no campo brasileiro pode ter eliminado
as eventuais variedades crioulizadas do português no Brasil que tenham sobrevivido até o
início do século XX.
Lucchesi et al. (2009) asseguram que os falantes do português afro-brasileiro são
aqueles que vivem em comunidades que tiveram origem em antigos quilombos ou em
populações de escravos que receberam doações de terra, depois do término dos
empreendimentos agroexportadores escravagistas. Além de ressaltar que tais comunidades se
definem pelos seguintes critérios:
Esses grupos que apresentam essas particularidades são os falantes do português afro-
brasileiro que é definido por Lucchesi (2009, p. 32) como:
Uma variedade constituída pelos padrões de comportamento linguístico de
comunidades rurais compostas em sua maioria por descendentes diretos de escravos
africanos que se fixaram em localidades remotas do país, praticando até os dias de
hoje a agricultura de subsistência. Muitas dessas comunidades têm a sua origem em
antigos quilombos de escravos foragidos e ainda se conservam em um grau
relativamente alto de isolamento. Dessa forma, o português afro-brasileiro guardaria
uma especificidade no universo mais amplo do português popular rural brasileiro
(ou, mais precisamente, norma popular rural do português brasileiro) [...]
Isto exposto, percebemos que é difícil falar de português indígena de forma unificada,
uma vez que existem várias etnias que apresentam suas especificidades culturais e
linguísticas.
Como já foram feitas as considerações em relação ao português afro-brasileiro e o
português indígena, passemos agora a conceituação do português afro-indígena. Antes, porém
é importante salientar mais uma vez os aspectos históricos da formação do Brasil, para
compreendermos como se deu a constituição dessa variedade do PB na região norte do país.
Segundo Figueiredo e Oliveira (2013), o Brasil no século XVII era formado por duas
colônias de Portugal: o Brasil, que compreendia o Nordeste e toda a parte meridional da
colônia e o Grão-Pará e Maranhão, que abrangia toda a Amazônia, o Maranhão, o Piauí e
parte do Ceará. No início do século XVII, na área que abarcava o território amazônico foi
inserido pelos ingleses um número significativo de negros, fadados ao trabalho nas lavouras
24
Vale ressaltar que estas três variedades fazem parte do Continuum Dialetal do
Português Falado no Brasil, apresentado por Campos (2014 Oliveira et al. 2015), as quais são
consideradas variedades com o traço [+ Marcadas] do PB. Vejamos a seguir a estrutura deste
continuum Dialetal.
FIGURA 1- Continuum dialetal do português falado no Brasil
De acordo com Campos (2014 apud Oliveira et al. 2015), a sigla PB não é suficiente
para dar conta de todas as variedades faladas pelos brasileiros, pois esta acaba por ficar
restrita à modalidade escrita da língua com aproximação da que é falada por pessoas com um
grau maior de escolarização, provenientes das camadas mais altas da sociedade. A partir da
ilustração acima, podemos perceber que as três variedades compartilham o traço de
variedades [+ Marcadas] no continuum, uma vez que exibem características etnolinguísticas4
peculiares se confrontadas, por exemplo, aos “falares regionais” e aos “falares urbanos não
padrão”, situados ao centro do continuum e considerados, portanto, em relação àquelas
variedades [- marcados].
Portanto, destacamos que em relação à natureza das comunidades rurais brasileiras,
podemos dizer que a composição étnica atual tem implicações históricas. Dessa forma quanto
maior a proporção de afrodescendentes (ou indiodescendentes, consoante a região), maior será
a probabilidade de a gramática daquela comunidade de fala ter sido afetada pelo processo de
transmissão linguística irregular desencadeado em situações de contato linguístico massivo
4
Estudo da fala considerando a cultura de um povo.
26
(sendo a intensidade de tal processo, em cada caso, mediada por uma série de fatores sócio
históricos). Se considerarmos o contexto histórico de formação de todas as comunidades
rurais brasileiras, percebemos ser difícil que exista alguma que não tenha sido afetada pelo
contato entre línguas, seja em maior ou menor intensidade (LUCCHESI ET AL. 2009, p. 82).
Isto posto, acreditamos que dentro da região amazônica há uma parcela significativa de
comunidades de origem tanto indígena quanto africana como é o caso da comunidade do
Tipitinga, que é lócus de pesquisa deste trabalho.
No tópico a seguir apresentamos algumas definições a respeito do sujeito, que apontam
seus aspectos morfossintáticos e posteriormente abordamos a fundamentação teórica acerca
do parâmetro do sujeito nulo.
1.3. O SUJEITO: REVISÃO DA LITERATURA
Em português, em geral, uma oração é constituída por duas partes. Uma delas é o
SUJEITO e a outra é tudo aquilo que se diz do sujeito: o PREDICADO.
(…) Na oração, o sujeito pode aparecer antes ou depois do verbo.
Ordem direta: quando o sujeito vem ANTES do verbo.
Ordem indireta: quando o sujeito vem DEPOIS do verbo.
Características:
1- O sujeito, em geral, pode ser substituído por um dos seguintes pronomes: ele, ela,
eles, elas.
2- O sujeito faz o verbo concordar com ele. (FERREIRA, 1992 apud MARONEZE,
[s.d]).
Primeiramente se faz necessário abordarmos alguns conceitos a respeito do SUJEITO
antes de adentrarmos diretamente no tópico do parâmetro do sujeito nulo. Sendo assim,
vejamos a seguir definições diferentes de alguns autores de diversas vertentes sobre esse
termo:
O gramático Cunha (1970 apud Maroneze, [s.d]) diz que o SUJEITO é o ser sobre o
qual se faz uma declaração; o PREDICADO é tudo aquilo que se diz do SUJEITO. Enquanto
que Said Ali (1966), outro gramático, afirma que SUJEITO denota o ser a propósito do qual
se declara alguma coisa. É expresso por um substantivo ou um pronome.
Ferreira (1992 apud Maroneze, [s.d]), também gramático, assegura que SUJEITO é o
termo da oração a respeito do qual se declara alguma coisa.
Contudo Maroneze [s.d] declara que há uma problemática em torno dessas definições
apresentadas, uma vez que elas se tornam inadequadas e imprecisas. Inadequada por não se
referir a sujeito, mas, muitas vezes, a tópico, que é quando um constituinte da sentença sofre
27
Em face disso, tomaremos como base a definição apontada pelo linguista Castilho
(2010) o qual assegura que a dificuldade de se definir o sujeito decorre da natureza tríplice de
tudo aquilo que é reconhecido como sujeito: o sujeito sintático, o sujeito discursivo e o sujeito
semântico. Sendo assim, o gramático afirma que para dar conta da complexidade dessa
categoria linguística será necessário considerarmos essas três propriedades do sujeito.
Em relação a propriedade sintática do sujeito Castilho (2010), afirma que o sujeito
seria o constituinte que apresenta as seguintes propriedades: (a) é expresso por um sintagma
28
nominal; (b) figura habilmente antes do verbo; (c) determina a concordância do verbo; (d) é
pronomizável por ele; e (e) pode ser elidido.
Uma função sintática se define através de relações sintagmáticas entre os diversos
termos da oração: ordem das palavras, concordância, regência etc., assim, a função de sujeito
se caracteriza por certas posições na oração, e por estar em relação de concordância de pessoa
e número com o verbo. (CASTILHO, 2010, p. 289).
Acerca da propriedade discursiva do sujeito, esta perspectiva considera a sentença
como o lugar da informação, nessa visão o sujeito é aquele ou aquilo de que se declara algo.
Ele é o ponto de partida da predicação, é seu tema. Segundo Castilho (2010) essa abordagem
informacional da sentença ficou conhecida como teoria da articulação tema-rema. De acordo
com ela, o tema sentencial pode ser entendido como “aquilo que vem primeiro”, como “o
ponto de partida da mensagem”. (HILLIDAY 1985, p. 39-45 apud CASTILHO, 2010, p.
295).
No que diz respeito às propriedades semânticas do sujeito, Castilho (2010) evidencia
que normalmente a mais encontrada no sujeito é a da agentividade. Essa função indica o
constituinte sentencial cujo referente é responsável pela ação expressa pelo verbo.
Castilho (2010) aponta que a percepção de agentividade nem sempre pode ser
reconhecida sem ambiguidades num enunciado. Por exemplo, em sentenças como:
De acordo com Duarte (1995) este princípio aponta o sujeito nulo como uma opção,
mas na verdade é apresentado como uma obrigação das línguas românicas consideradas do
grupo pro-drop (de sujeito nulo), a opção parece ficar por conta do uso do pronome pleno
quando a interpretação estiver prejudicada. Entretanto no PB considerada uma língua
tipicamente de sujeito nulo, este princípio fora comprometido, uma vez que houve uma
simplificação no paradigma flexional verbal dessa variedade em que a segunda pessoa
“direta”, representada pelos pronomes (tu e vós) foi substituída pela segunda pessoa “indireta”
(você/vocês), que usa as formas verbais de terceira pessoa em quase todo território nacional,
assim como, ocorre à progressiva substituição do pronome (nós) pela expressão (a gente), que
usa igualmente a forma verbal de terceira pessoa do singular, sobretudo na fala da geração
mais jovem.
Por conta disso, ficamos com um quadro flexional reduzido em relação ao que
tínhamos antes, comprometendo a função de identificar o sujeito pronominal vazio (sujeito
nulo) desempenhada pela desinência verbal. Como podemos ver no quadro abaixo:
5
The principie) might be regarded as a subcase of conversational principie of not saying more than is required,
or might be related to a principie of deletionup-to recoverability. but there is some reason to believe that it
functions as a principie of grammar." (CHOMSKY, 1982 p. 65 apud DUARTE 1995, p. 29).
32
Devido a esse contexto, Duarte (1995) postulou que no PB o sujeito nulo referencial
definido é uma opção que se realiza cada vez menos se comparado ao sujeito pleno, cuja
ocorrência, em momento algum, compromete a aceitabilidade de uma sentença. Sendo assim,
suas análises revelam que o português falado no Brasil estaria passando por um processo de
transição de língua pro-drop para uma língua não pro-drop, ou seja, de uma língua que seguia
o princípio ‘Evite Pronome’ para uma língua que agora segue o princípio ‘Explicite
Pronome’. Em vista disso, o PB está se afastando das demais línguas românicas e se
aproximando do francês, que ao longo dos anos perdeu seus sujeitos nulos.
De fato, a julgar pelos índices apresentados em sua pesquisa, Duarte (1995) destaca
que a forma não marcada do sujeito pronominal referencial é hoje a forma plena, ficando o
sujeito nulo como a forma marcada (menos realizada), ao contrário do que mostram os
resultados para o português europeu oral. Desse modo, a não-obediência ao princípio ‘Evite
Pronome’ e a redução do paradigma flexional verbal são apontados como os principais fatores
contribuintes para que este processo se acelerasse.
Em síntese podemos destacar a equação apresentada por Bagno (2012) que
corresponde a esse processo de mudança relacionado ao parâmetro do sujeito nulo que está
ocorrendo no PB:
[...] o trabalho de Huang (1984, 1989) sobre categorias vazias, tanto na posição de
sujeito quanto na de objeto, oferece uma solução: enquanto em línguas como o
italiano e o português europeu o identificador do NS está em um “controlador
interno”, que é a concordância, no chinês e no japonês, o lugar do controlador está
além da sentença. No primeiro caso a identificação de pro se dá via concordância
33
Diante disso, Duarte e Kato (2014) apresentam alguns questionamentos acerca das
mudanças ocorridas no PB em relação ao PSN: estaria o PB mudando para uma língua de
sujeito não nulo (-NS) como aconteceu com o francês? Ou estaria mudando para uma língua
como o chinês? Ou ainda, estaria se convertendo em uma língua “parcialmente pro-drop”
como proposto em Holmberg, Nayudu e Sheehan (2009)? As autoras mostram que o PB tem
características do francês, no sentido de os pronomes sujeito, quando expressos, serem
pronomes fracos, assim como apontam que quando o nulo é mantido em contexto de anáfora,
ele tem particularidades do nulo logofórico do chinês. Sendo assim, elas concluem que o PB
está se comportando como uma língua de sujeito nulo parcial, como propõem Holmberg,
Nayadu e Sheehan (2009), porém esta não corresponde a uma tipologia invariável. (DUARTE
e KATO, 2014, p. 2).
Posteriormente foram apresentados por Cyrino, Duarte e Kato (2000 apud DUARTE e
KATO, 2014) novos subsídios relacionados ao parâmetro do sujeito nulo no PB, que dizem
respeito ao licenciamento seletivo do sujeito nulo. As autoras propõem que o processo de
pronominalização no português brasileiro vernacular parece estar sendo guiado por uma
hierarquia de referencialidade. Conforme Duarte e Kato, (2014, p. 4):
[...] essa hierarquia mostra que argumentos [+N, +humano] estão no extremo mais
alto na hierarquia referencial, enquanto não-argumentos estão na posição mais baixa.
Com relação aos pronomes, o falante (eu) e o interlocutor (você), sendo
inerentemente argumentos humanos, primeira e segunda pessoas pronominais, estão
no ponto mais alto na hierarquia; a terceira pessoa se situa num ponto mais baixo,
devido à interação de traços [+/-humano] e [+/-específico]6. O sujeito que se refere a
uma proposição (o sujeito neutro) está numa posição ainda mais baixa. No ponto
mais baixo da hierarquia estão os sujeitos não referenciais:
A. Hierarquia Referencial
não-argumento proposição 3p. 2p.1p.
±humano +humano
±específico
[-ref] < ----------------------------------------------------- > [+ref.]
(CYRINO, DUARTE & KATO apud DUARTE E KATO, 2014, p.5)
A partir dessa generalização, foram apresentadas pelas autoras as seguintes hipóteses
relativas à distribuição do NS:
B. Hipótese do Mapeamento Implicacional.
6
No original: devido à interação de traços [+/-humano] e [+/específico]. [sic]
34
Para Selltiz et al. (1965 apud Oliveira 2011, p. 20), a pesquisa descritiva procura
descrever um fenômeno ou situação com minúcia, sobretudo o que está ocorrendo,
viabilizando mostrar com precisão as particularidades de um indivíduo, uma situação, ou uma
comunidade, assim como descobrir como se manifesta a relação entre os eventos.
Segundo Triviños (1987, p. 110 apud Oliveira 2011, p. 22), a pesquisa descritiva busca
descrever de forma fidedigna os fatos e fenômenos de determinada realidade. Sendo assim o
36
desenhos, documentos, etc. Há uma preocupação com o processo muito maior do que com o
produto. O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é constatar como
este fenômeno se manifesta nas atividades, nos procedimentos e na convivência diária. A
respeito da preocupação com o significado, os autores ressaltam que, para o pesquisador há
um valor significativo no “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida, pois nestes
estudos existe sempre uma tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”, ou seja,
leva-se em consideração como os colaboradores encaram os temas que estão sendo
focalizadas. No que se refere às hipóteses da pesquisa, os pesquisadores não se preocupam em
buscar evidências que confirmem essas suposições determinadas antes do início dos estudos,
elas se formam ou se consolidam, basicamente, a partir da verificação dos dados em um
processo de baixo para cima.
Diante do que fora exposto, salientamos que iremos adotar a natureza qualitativa, para
a fase de coleta dos dados, pois esta nos permite obtê-los de forma descritiva. A apreensão
dos dados foi realizada através de visita à comunidade, na qual conseguimos manter um
contato direto entre nós pesquisadores e o ambiente estudado num período de imersão na
comunidade. Durante esse contato nos preocupamos em considerar o contexto e a fala
daqueles que estão vivenciando o fenômeno estudado. Abordaremos mais detalhes sobre a
visita à comunidade no item 2.3.1 que descreve a pesquisa de campo.
possibilitará quantificar a amostra dos dados, que é bastante significativa, além de ajudar a
verificar as relações entre as variáveis que influenciam o parâmetro do sujeito nulo.
2.2.4. A sociolinguística
De acordo com Mollica (2015), a sociolinguística é uma das subáreas da linguística,
que estuda a língua em uso nas comunidades de fala, focalizando em um olhar atento para
uma forma de investigação que abrange aspectos linguísticos e sociais. Vale ressaltar algumas
áreas de interesse da sociolinguística, que são destacadas pela autora, como: contato entre
línguas, questões relativas ao surgimento e extinção linguística, multilinguíssimo, variação e
mudança. A autora evidencia também que os estudos de cunho sociolinguístico proporcionam
preciosa contribuição, na intenção de eliminar preconceitos linguísticos e de relativizar a
noção de erro, uma vez que este busca descrever o padrão real que a escola, muitas vezes,
desqualifica como expressão linguística natural e autentica da língua em uso.
Segundo Tarallo (1990), Willian Labov é um dos precursores na pesquisa
sociolinguística. A partir de seus estudos foi possível acrescentar novos subsídios a esse tipo
de investigação. Em sua pesquisa o estudioso chama atenção para a relevância da
heterogeneidade da língua e busca sistematizar o que ele chama de caos linguístico, ou seja, as
variações existentes na língua falada. Conforme o estudioso, a sociolinguística considera
como objeto de estudo, exatamente, a variação presente na fala de comunidades. Esse
vernáculo precisa ser o mais natural possível, pois é a partir das enunciações espontâneas que
serão coletados e analisados os dados mais exatos de determinada comunidade de fala. Vale
ressaltar também que as variantes de uma comunidade de fala estão sempre em relação de
concorrência umas com as outras.
40
As variantes podem permanecer estáveis nos sistemas (as mesmas formas continuam
se alterando) durante um período curto de tempo ou até por séculos, ou podem sofrer
mudanças, quando uma das formas desaparece. Neste caso, as formas substituem
outras que deixam de ser usadas, momento em que se configura um fenômeno de
mudança em progresso.
Para a autora, uma variável é considerada dependente, uma vez que o emprego das
variantes não é aleatório, contudo é influenciado por grupos de fatores ou variáveis
independentes de caráter social ou estrutural. Dessa forma, as variáveis independentes podem
ser de natureza linguística ou extralinguística e podem exercer influência sobre os usos,
acarretando o aumento ou a diminuição de sua frequência de ocorrência.
Podemos citar como exemplos de condicionantes linguísticos as variações lexicais,
morfológica, fonológica e sintática. Eles referem-se a particularidades da língua em várias
esferas, considerando o nível de significante e significado, assim como os diversos
subsistemas de uma língua. Como exemplos de condicionantes extralinguísticos reúnem-se os
fatores inerentes ao indivíduo (como etnia e sexo), e os propriamente sociais como a faixa
etária, o nível de escolarização, a classe social dentre outros. Portanto, tanto os fatores
internos quanto os externos à língua são capazes de provocar variações no sistema linguístico.
Sendo assim, podemos dizer que toda língua apresenta variantes mais prestigiadas do que
outras, seja em uma pequena comunidade rural ou em uma grande metrópole urbana, cada
comunidade de fala apresenta variações na língua falada.
Dessa forma, consideramos que a relação entre a natureza qualitativo-quantitativa e a
abordagem sociolinguística, nos ajudaram a interpretar como se comporta o parâmetro do
sujeito nulo na fala dos moradores da comunidade quilombola do Tipitinga. Em nossas
hipóteses analisamos como possíveis condicionadores das mudanças ocorridas nesse
parâmetro, tanto os fatores linguísticos como os extralinguísticos. As variáveis que foram
consideradas nesta pesquisa estão reunidas no quadro 02 no item 2.4 desta metodologia.
41
Diante do que foi destacado em relação à pesquisa de campo, podemos dizer que essa
etapa corresponde à fase de investigação da pesquisa, em que visamos obter as informações
necessárias do campo de pesquisa, neste caso, a comunidade quilombola do Tipitinga.
É importante ressaltarmos como ocorreu o nosso contato inicial com a comunidade.
Este se deu por meio de um participante do projeto “O Português Afro-Indígena na Amazônia
Oriental” (AFROIN), chamado Paulo Vitor Ramos, o qual é natural da comunidade. Através
desse acesso conseguimos iniciar em Tipitinga as atividades do projeto, efetivamente, com a
nossa primeira pesquisa de campo realizada no período de 28 a 30 de novembro de 2014.
Nesta ocasião realizamos a entrevista semiestruturada e por meio dela descobrimos algumas
informações sobre a origem da comunidade, como se deu a busca pela titulação da terra,
dentre outros aspectos sociais e culturais da comunidade.
O contato entre nós pesquisadores e os moradores do grupo, durante a visita de campo,
foi fundamental para uma compreensão geral acerca dessa comunidade, uma vez que nos
permitiu vivenciar um período junto a eles, em que ficamos cerca de 36 horas imersos no seu
cotidiano. Mesmo sendo um tempo curto, nós conseguimos acompanhar e até mesmo
desempenhar algumas atividades sociais e culturais do cotidiano dessas pessoas.
42
2.3.2. A Entrevista
Conforme Cervo & Bervian (2002 apud OLIVEIRA, 2011), a entrevista se configura
como uma das fundamentais técnicas de coleta de dados, a qual pode ser conceituada como
um diálogo realizado pelo pesquisador, junto ao entrevistado, em que ambos estejam diante
um do outro. Esta técnica é direcionada por um método que auxilie a obtenção de informações
sobre determinado assunto.
Segundo Gil (1999 apud OLIVEIRA, 2011), a entrevista é uma das técnicas de coleta
de dados mais empregadas nas pesquisas sociais. Tal técnica de coleta de dados é deveras
pertinente para a aquisição de informações, em relação ao que as pessoas sabem, creem,
esperam e desejam, assim como suas razões para cada resposta.
São destacados ainda pelo autor, alguns benefícios do uso dessa técnica, tais como,
maior abrangência, eficácia na obtenção dos dados, classificação e quantificação. Além de
que, em comparação ao questionário, a técnica de entrevista permite que tenhamos um maior
número de respostas, uma maior flexibilidade e uma possibilidade de que o entrevistador
capte outros tipos de comunicação não verbal, e a pesquisa não restringirá aspectos culturais
do entrevistado. Em contrapartida, Gil (1999 apud OLIVEIRA, 2011, p. 35) aponta alguns
inconvenientes da entrevista que precisam ser avaliados na etapa de coleta dos dados, tais
como a falta de estimulo e de compreensão do entrevistado, relato de respostas falsas, a
inabilidade de responder as indagações e a influência das opiniões pessoais do entrevistador.
Ludke e André (1986) também assinalam que a entrevista é uma das principais
técnicas de coleta de dados, pois proporciona um alto nível de interação, suscitando um
contato mais próximo entre entrevistador e entrevistado. De acordo com os autores:
contato com a escrita, com os meios de comunicação em massa, nível socioeconômico alto
colabora para o aumento na fala e na escrita de variantes prestigiadas.
Criamos um quadro composto pelos grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos
que serão analisados nesta pesquisa. Vejamos a seguir:
QUADRO 02- Variáveis utilizadas na análise dos dados
FATORES VARIANTES
Ausência do sujeito
Variável Dependente
Presença do sujeito
+ específico
Referencialidade do Sujeito
- específico
+ animado (+ humano)
Animacidade do Sujeito
- animado (- humano)
(1ª pessoa do sg. = eu)
(2ª pessoa do sg. = tu)
(2ª pessoa do sg. = você)
Pessoa do Discurso (3ª pessoa do sg. = ele/ela)
(1ª pessoa do pl. = nós/ a gente)
(2ª pessoa do pl. = vocês)
(3ª pessoa do pl. = eles/elas)
Feminino
Gênero/Sexo
Masculino
< 50 anos
idade
> 50 anos
Ensino superior
Escolaridade Ensino médio
Fundamental maior
47
Tipitinga
https://www.google.com.br/maps/@-1.3345814,-46.9544552,13z?hl=pt-BR
localidade próxima, chamada Calabouço. Ele destaca que houve uma miscigenação com
povos indígenas que já habitavam o espaço e lugares vizinhos. A mistura de traços indígenas
e afrodescendentes é notória na fisionomia dos moradores e também nos costumes e crenças
desses indivíduos, como a produção de artesanato (paneiros, peneiras, cestas e bijuterias), a
produção da farinha de mandioca, a cultura do boi-bumbá e a crendice em lendas folclóricas.
Pois é... então foi assim que se originou a comunidade... o meu o meu avô que já era
descendente desses outros né/ escravos negros e foi ele que fundou aqui no
(Tipitinga) disseram que ele chegou aqui em mil novecentos e onze... aqui... mas já
existia pessoas... éh… da família dele próximo ao rio naquela outra localidade... já
existia pessoas da família dele lá. (Severino Pinheiro Ramos)
Meu pai dizia que o pai dele era de africana e a vovó era de origem indígena
(Cezarina de Jesus Ramos)
Os meus pais, por exemplo, o meu pai era descendente de negro [...] e a minha mãe
já contavam que a descendência dela era de indígena entendeu ai houve essa mistura
essa mestiçagem. (Antonia Andrelina de Jesus Ramos).
éh... então o senhor sabe me dizer como que veio esse nome Tipitinga?
(entrevistador)
éh... indígena... é água barrenta... água suja que o rio aí... ele quando ele desemboca
no Caeté tem uma diferença muito grande... é água mesmo tipo uma tabatinga no
Caeté... é água barrenta...(entrevistado)
Então no caso aí o nome da comunidade já vem... (entrevistador)
Já vem da parte da água... (entrevistado, Severino Ramos)
O nome da comunidade já se originou desse rio que passa logo aqui que é chama-se
de tipitinga então como tipitinga é uma palavra indígena que depois já pelo meu
conhecimento obtido um pouquinho né eu fui buscar no dicionário e já vi mesmo
que tipitinga significa agua barrenta ai nos fomos ver né o conhecimento que eles
tinham tava certo ne por isso eles colocaram o nome da comunidade de tipitinga
mesmo sem saber né que era uma palavra que significava agua barrenta não sei mas
ai eles botaram tipitinga ai ate hoje permanece tipitinga por causa dessa agua
barrenta desses rios que passam aqui atrás que realmente quando enchem a agua é
barrenta [...]. (Antonia Andrelina de Jesus Ramos).
relato da colaboradora Antonia Andrelina Ramos que é formada em pedagogia e atua como
professora titular da comunidade:
descendência, tanto de origem afro, quanto indígena, por isso consideramos que este povo fala
uma variedade do PB vernacular denominada o português afro-indígena.
A partir da entrevista realizada com oito habitantes da comunidade, conseguimos cerca
de 10h de gravação sobre o cotidiano desses indivíduos, porém, por fatores relacionados ao
tempo e condições de análise, consideramos mais viável analisar apenas a fala de quatro dos
oito colaboradores.
Os critérios utilizados na escolha dos quatro colaboradores se deram pela afinidade
durante a pesquisa de campo, uma vez que participamos diretamente da entrevista e
transcrição grafemática dos áudios da maioria desses colaboradores, por isso julgamos ter
maior controle sobre os dados, enquanto que dos outros colaboradores esses processos foram
realizados por outros participantes do projeto. Além do fato desses colaboradores serem os
que apresentam maior diferença na idade e escolaridade, tais diferenças são interessantes para
a nossa análise sociolinguística.
Vejamos em seguida mais informações a respeito dos quatro colaboradores
selecionados.
2) Quais pessoas do discurso apresentam maior índice de sujeito nulo e sujeito pleno?
nulos?
290; 22%
1057; 78%
3.3.1. Idade
Segundo Naro (2015) o fator idade tem papel fundamental nos estudos de fenômenos
variáveis, pois este fator pode revelar se determinado fenômeno de variação linguística está
estável ou em progresso de mudança. O autor destaca que geralmente os falantes mais jovens
costumam ser os mais inovadores e os falantes mais velhos se mostram mais conservadores.
Dessa forma, espera-se que a análise do corpus aponte que o grupo 01 expressa preferência
pelo sujeito pleno, já o grupo 02, apresente preferência pela ocorrência de sujeitos nulos.
Para realizar a análise dessa variável, foram considerados dois grupos, um composto
por duas pessoas com idade menor que 50 anos (grupo 01), e outro formado por dois
colaboradores com idade acima de 50 anos (grupo 02).
78% 80 %
22% 20%
Verificamos que o grupo 01, dos colaboradores com idade menor que 50 anos,
apresentou o maior percentual de sujeito nulo com 22% e o grupo 02 dos colaboradores mais
velhos apresentou 20%. Percentualmente, entre os dois grupos não houve uma diferença
expressiva, apenas de 2%.
3.3.2. Gênero/Sexo
A variável gênero/sexo também é importante para os estudos sociolinguísticos, uma
vez que homens e mulheres estão expostos a situações distintas, pois desempenham funções
diferentes em sociedade. Sendo assim, esse fator pode influenciar a escolha de uma ou outra
forma linguística desses dois grupos. Duarte (1995) e Paiva (2015) assinalam que,
normalmente, quando se trata de implementar na língua uma forma socialmente prestigiada,
as mulheres tendem a liderar os processos de manutenção/conservação. Por outro lado,
quando se trata de implementar uma forma estigmatizada os homens tomam o comando do
processo de mudança na língua. Portanto, como a presença ou ausência do pronome sujeito
não são vistas como variantes estigmatizadas socialmente esperava-se que as mulheres se
mantivessem conservadoras.
A tabela a seguir mostra a distribuição de ocorrência de sujeitos nulos e plenos
relacionada ao gênero/sexo dos quatro colaboradores selecionados, que ficaram divididos em
dois grupos, sendo o primeiro formado por duas mulheres e o segundo formado por dois
homens.
55
Feminino Masculino
78% 80%
22% 20%
Segundo Votre (2015) a escola provoca mudanças na fala e na escrita das pessoas que
frequentam esse local quase que diariamente. O autor afirma que esse ambiente é propício a
conservação das formas prestigiadas, uma vez que na escola é veiculada a literatura nacional,
formada por padrões estéticos e morais que são cobrados na fala e na escrita. Alguns
fenômenos são alvo do ensino escolar, pois são rotulados como “erros” ou “vícios de
linguagem”. Diante desse contexto, a escolaridade pode condicionar o falante ao uso de
determinada forma linguística, funcionando como um dispositivo de elevação ou de
resistência à mudança.
Para a análise desse fator criamos três grupos referentes ao nível de escolaridade dos
quatro colaboradores, sendo eles: ensino superior, ensino médio e fundamental maior. Faz
parte do grupo ensino superior a colaboradora Antonia, já no grupo ensino médio estão
inclusos os colaboradores Rosalvo e Cezarina, e no grupo fundamental maior, está inserido o
colaborador Severino. A tabela a seguir mostra a ocorrência do número de sujeitos plenos e
sujeitos nulos de acordo com cada grupo de escolarização.
No que se refere ao sujeito pleno, este se mantem mais produtivo que em todos os
grupos, no Ensino Superior de 496 ocorrências de sujeito pronominal, 100 correspondem ao
número de sujeitos nulos e 396 são casos de sujeito pleno, no grupo Ensino Médio observa-se
557 ocorrências de sujeito pronominal, deste total, 124 são casos de sujeito nulo e 433 são
casos de sujeito pleno. Já o grupo Fundamental Maior apresentou 294 ocorrências de sujeito
pronominal, em que 66 correspondem ao número de sujeito nulo e 228 são casos de sujeitos
plenos.
57
FUNDAMENTAL FUNDAMENTAL
MAIOR; SN; 22% MAIOR; SP; 78%
7
Visando os interesses deste trabalho fizemos uma adaptação do quadro de Castilho (2010).
59
“... (SN) morei durante dez anos, (SN) sai pra estudar, procurar conhecimento pra
(SN) poder melhorar a minha vida própria.”
“…não são poucas as dificuldades que eles enfrentam né eles saem daqui meio dia
e (SN) chega em casa oito da noite nem todos eles têm uma família estruturada
né...
60
“… quem podia explicar isso era os nossos antigo e a gente não teve assim
parece que (SN) vivia no outro mundo que (SN) não teve essa ideia de perguntar
de ficar esclarecido...”.
“…a gente ficou um pouco perdido porque a gente não tinha assim noção de que
um dia a gente ia passar a ser quilombola né...”
61
301
290
217
149
128
65
57 53
23 24
17 17
2 3 0 1
EU VOCÊ TU ELE/ELA NÓS A GEN TE VOCÊS ELES/ELA S
PESSOAS DO DISCURSO
Total 42 32 17 2 93
Total 33 1 4 0 38
ANIMACIDADE
250
211
200
150
98
100
64
51
50
16 8
6 1
0
SP + H SP - H SN + H SN - H
ele/ela eles/elas
Total 84 67 18 7 178
Como mostra a tabela 13, a terceira pessoa do singular (ele/ela) apresentou maior
produtividade nos casos de sujeito pleno [+ específico] com 48 ocorrências e a menor
produtividade foi verificada no sujeito nulo [- específico] que não apresentou ocorrência. Na
terceira pessoa do plural (eles/elas) a maior realização foi de casos de sujeito pleno [-
específico], com 64 casos e a menor realização foi de sujeito nulo [- específico] com 7
ocorrências.
TABELA 14 - Ocorrência de SN e SP [+/- específico]: colaboradora Cezarina Ramos
Total 53 21 12 7 93
68
Total 26 8 4 0 38
A tabela 15 revela que a terceira pessoa do singular (ele/ela) apresentou que os casos
mais produtivos foram os de sujeito pleno [+ específico] com 7 ocorrências e a menor
produtividade foi verificada nos casos de sujeito nulo [+ específico] e [- específico] que não
apresentaram ocorrências. Na terceira pessoa do plural (eles/elas) a maior realização foi de
casos de sujeito pleno [+ específico], com 19 casos e a menor realização foi de sujeito nulo [-
específico] que não apresentou ocorrência.
REFERENCIALIDADE
ele/ela eles/elas
160
140 135
117
120
99
100
80
60
39
40
23 25
20 11
1
0
SP + E SP - E SN + E SN - E
Em relação à fala de todos os colaboradores este fator revelou que na terceira pessoa
do singular (ele/ela) o sujeito pleno [+ específico] tende a apresentar maior realização e o
sujeito nulo [- específico] a menor realização. Já na terceira pessoa do plural (eles/elas) o
sujeito pleno [- específico] tende a apresentar a maior produtividade e o sujeito nulo [-
específico] a menor produtividade.
70
os homens apresentem uma proximidade em relação ao número de sujeitos nulos e não tenha
uma diferença tão evidente.
A variável escolaridade mostrou que os grupos Ensino médio e Fundamental Menor
apresentaram percentuais iguais para o sujeito nulo e sujeito pleno, respectivamente, 22% e
78%, já o grupo do Ensino Superior foi o que apresentou menor índice de sujeitos nulos, 20%
das ocorrências, comparando com os outros grupos de escolaridade essa diferença não é tão
acentuada.
Em vista disso podemos dizer que os fatores extralinguísticos analisados não estão
atuando como variáveis influenciadoras da competitividade entre a ausência e presença do
sujeito, uma vez que os grupos das três variáveis não apresentaram expressiva diferença no
percentual de sujeito nulo e sujeito pleno. Os resultados demostraram que aparentemente o
parâmetro do sujeito nulo em Tipitinga estaria estável entre os grupos. Por outro lado, em
relação a variável dependente, observamos que a ocorrência de sujeitos plenos apresenta um
índice bastante superior ao de sujeito nulo.
No que concerne as variáveis linguísticas, analisamos os seguintes fatores: pessoa do
discurso e a animacidade e referencialidade do sujeito. Referente à pessoa discurso, os dados
analisados por Duarte (1995) deixam claro que os efeitos da erosão do paradigma flexional na
perda do uso do sujeito nulo se fazem sentir de maneira gradual e não atuam uniformemente
sobre todas as pessoas gramaticais (ver 3.4.1). Em Tipitinga os dados revelaram que a
primeira pessoa do singular (eu) foi a mais produtiva, seguida da terceira pessoa do plural
(eles/elas). Já as menos produtivas foram as formas de segunda pessoa (tu, você e vocês) ver
gráfico 05. Por ora podemos apenas afirmar que como esperávamos a variável dependente
(ausência e presença do sujeito) revelou que os casos de sujeito pleno foram mais expressivos
(78%) se comparado ao percentual de casos de sujeito nulo (22%). Verificamos também que o
número de sujeito pleno já é superior ao número de sujeito nulo em todas as pessoas do
discurso consideradas.
Como aponta a análise acerca do parâmetro do sujeito nulo realizada por Duarte e
Kato (2014), o PB não estaria se tornando uma língua não pro-drop e sim estaria em um
momento estável, como língua de sujeito nulo parcial, uma vez que o licenciamento do sujeito
pleno é seletivo, ou seja, só é permitido em determinados contextos. As autoras assinalam
como principal hipótese do licenciamento seletivo do sujeito à hierarquia da referencialidade.
Esta conjectura prevê que no PB, quanto mais referencial (específico) é o sujeito, maior seria
a expectativa de um pronome pleno/realizado, isto é, parece que o PB está evitando o
aparecimento de expressões nulas na posição de sujeito com antecedentes [+ humano]. Já
72
quando o sujeito for dotado do traço [- específico], tende a ser expresso um sujeito nulo.
Ressaltamos que somente a terceira pessoa (ele/ela e eles/elas) foi considerada na análise
desta variável, pois a primeira e segunda pessoa são dotadas inerentemente do traço [+
animado] (ver 1.4).
Em relação à animacidade observamos em Tipitinga que assim como aponta a
hierarquia da referencialidade os sujeitos que apresentam o traço [+ humano] foram
expressivamente os mais produtivos, se comportando como favorecedor do preenchimento do
sujeito nas formas de terceira pessoa. Já na análise da variável referencialidade verificamos
que na terceira pessoa do singular o sujeito pleno [+ específico] foi o mais realizado, diferente
do que ocorreu na terceira pessoa do plural (eles/elas) em que o sujeito pleno [- específico]
apresentou maior produtividade, quando deveria apresentar os menores índices já que está
situado na parte mais baixa da hierarquia da referencialidade por ser dotado do traço [-
específico]. Propomos que este resultado se deu por conta das perguntas utilizadas no roteiro
durante a entrevista semiestruturada, as quais abordavam temáticas sobre a formação e origem
da comunidade, uma vez que tínhamos interesse em descobrir como ocorreu o processo de
formação desse lugar. Por isso acreditamos que as perguntas instigaram os colaboradores a
falar demasiadamente a respeito das memórias relacionadas aos primeiros moradores da
comunidade, ou seja, aos seus antepassados, provocando a repetição significativa do sujeito
pleno [- específico] na terceira pessoa do plural (eles), referindo-se aos antepassados dos
colaboradores.
Concluímos que os resultados encontrados em Tipitinga assemelham-se aos
verificados por Duarte (1995), e Duarte e Kato (2014). Isto pode ser atribuído ao fato de que a
variedade falada em Tipitinga não se diferencia de outras variedades do PB vernacular, como
a própria variedade carioca culta, analisada por Duarte (2015), uma vez que a fala dos
moradores de Tipitinga sofrem influências dos meios de comunicação e digitais atuais.
Lucchesi (2009) afirma que as influências culturais e linguísticas mostram uma disposição de
mudança em relação ao português popular em direção aos modelos da norma urbana culta,
que influenciam as camadas mais baixas da população através da massificação dos meios de
comunicação como a televisão, o rádio, ou pelo contato direto desses indivíduos com os
centros urbanos, pois está cada vez mais fácil o acesso a esses locais por meio dos transportes
atuais, ou ainda por meio do sistema de ensino público. Podemos acrescentar o uso da
internet. Por este motivo, as marcas próprias dessas comunidades produzidas pelo amplo
contato entre línguas estariam sendo apagadas, devido ao seu baixo grau de isolamento.
73
Escolhemos estudar a fala das comunidades do norte do país que trazem consigo os
resquícios dos seus antepassados (negros e índios), pois acreditamos que seja fundamental
investigar a fala desses povos, os quais foram silenciados por muito tempo e precisaram se
esconder em busca da tão sonhada liberdade. Dessa forma, acreditamos que o estudo da fala
dessas comunidades pode colaborar expressivamente com a história do povo brasileiro e ainda
para ampliar o entendimento de uma variedade vernacular do norte do país, o Português Afro-
indígena, assim como também estamos ajudando a alargar o escopo de investigação em
relação ao que sabemos sobre o PB, em busca de encontrar influências das línguas faladas por
esses povos.
Sabemos que o rico contato linguístico que se deu em todo território brasileiro,
sobretudo na região norte a partir das línguas africanas faladas pelas pessoas escravizadas
trazidas para a Amazônia e das línguas indígenas faladas por povos que já se encontravam em
terras amazônicas no período da colonização, provocou um distanciamento entre o PE, ainda
hoje considerado uma língua típica de sujeito nulo, e o PB atual, que vem apresentando
índices mais elevados de sujeito pleno, como apontam e Duarte (1995) e Duarte e Kato
(2014). Associado a esse fator Duarte (1995) evidencia a flexão verbal, que levaria o PB a
expressar índices elevados de sujeito pleno na intenção de especificar o sujeito de orações
com verbos não flexionados adequadamente. É importante destacar que não analisamos a
redução da flexão verbal, que a princípio era um dos nossos focos, mas por conta da extensão
do trabalho optamos por nos debruçar sobre a hierarquia da referencialidade, a qual demostra
que o PB está em um momento estável de língua de sujeito nulo parcial.
Como já evidenciado apesar de a comunidade quilombola do Tipitinga ficar localizada
no interior da Amazônia oriental e ser composta por descendentes de africanos e indígenas, a
variedade falada nessa comunidade não difere de outras variedades faladas da região e do PB
vernacular. Em relação ao nível morfossintático, objetivo principal dos estudos do projeto
AFROIN, ainda não encontramos evidências de caráter interétnico que pudessem contribuir
com a nossa pesquisa.
A elaboração deste trabalho de conclusão de curso foi uma experiência enriquecedora,
uma vez que consideramos ter alcançado nossos objetivos, contribuindo para ampliar o
escopo de investigação sobre o parâmetro do sujeito nulo, em relação ao português afro-
indígena. Além de gratificante, pois essa prática nos permitiu manter uma relação com o
povo quilombola, em que pudemos conhecer, vivenciar e imaginar o mundo desse povo que
viveu e vive ainda hoje na penumbra dos seus sonhos, os quais lutam para conquistar seus
direitos plenos de cidadania.
74
REFERÊNCIAS
CASTILHO, Ataliba T. de. Nova Gramatica do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto.
2010.
GERHARDT, Tatiana Engel. SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de Pesquisa. Porto Alegre.
UFRGS Editora. 2009.
ILARI, Rodolfo. BASSO, Renato. O Português da gente: A língua que estudamos a língua
que falamos. São Paulo: Contexto, 2006.
LUCCHESI, Dante. História do contato entre línguas no Brasil. In: LUCCHESI, D.;
BAXTER, A.; RIBEIRO, I. (Orgs.). O português afro-brasileiro. Salvador, Bahia:
EDUFBA. 2009. p. 41-74.
MOLLICA, Maria Cecilia. Relevância das variáveis não linguísticas. In: MOLLICA, M. C.;
BRAGA, M. L. Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo:
Contexto, 2015. p. 27-31.
NARO, Anthony Julius. O Dinamismo das línguas. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L.
Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2015. p. 43-
50.
SEKI, Lucy. Línguas Indígenas do Brasil no Limiar do Século XXI. Impulso. Piracicaba, SP.
v.12. n. 27. p. 233-256. 2000.
22. Pretende algum dia sair da comunidade ou tem alguém que pretende sair ou já saiu? Se
sim, o que o(a) motiva/motivou a saída?
33. Até que série do fundamental há na comunidade? E o ensino médio onde os alunos
podem concluir? Como que frequência os jovens continuam os estudos após o ensino
médio? a escola supre a demanda da comunidade? Qual outra atividade profissional os
jovens exercem após o término do ensino médio?
PROJETO AFROIN
TRANSCRIÇÃO DA COLABORADORA 01
DOC1: nome?
INF: (risos) Antonia Andrelina de Jesus Ramos
DOC1: idade?
INF: 42 anos amanhã irei compretar...completar 43 se deus quiser
DOC1: morou fora? Se morou, quanto tempo e o que a fez sair?
INF: morei durante dez anos, sai pra estudar, procurar conhecimento pra pode melhorar a
minha vida própria porque mesmo aqui no meio do mato naquela época que não tinha nada
disso aqui eu acreditava e sempre acreditei que a educação poderia melhorar e como até hoje
acredito no ser humano né e foi pra isso que eu sai, passei dez anos em Bragança pra estuda e
estudei e me formei no caso nessa época em magistério, voltei por consequências da
vida(risos) e permaneci aqui voltei graças a deus pra servir a minha comunidade né que ai eu
trouxe a educação de volta pra cá ai porque logo no ano seguinte que eu cheguei eu fui ser
professora e... assim foi bom porque o conhecimento que eu obtive lá eu pude ajudar já
muita... muita gente né aqui na comunidade [] foi satisfatório nesse ponto
DOC1: qual sua formação, escolarização?
INF: eu tenho curso de licenciatura em pedagogia ensino superior graças a deus depois né que
eu comecei a estuda e fiz uma licenciatura em pedagogia,
DOC1: qual o grau de engajamento na comunidade? É associado? Qual o cargo ou função que
a senhora ocupa?
INF: hummm, eu sou que nem Bombril mil e uma utilidades.
DOC1: (risos)
INF: eu sou coordenadora da comunidade pela igreja católica, sou profissora faço parte da
associação e assim eu ajudo a comunidade em tudo que eu posso né, as pessoas [] faço tudo
que eu posso pra ajudar e ver as pessoas buscar mais dignidade né pra cada família de dentro
da nossa comunidade
DOC1: como se originou a comunidade e como se formou a comunidade, quem foram os
primeiros habitantes, esses primeiros habitantes eram moradores eram negros escravizados ou
eram indígenas?
INF: olha os primeiros moradores foram os meus bisavós no caso eu não tenho conhecimento
assim, mais dizem que uma senhora chamada Silvana que era minha bisavo era parece
Crescencio Vitorino ramos o nome dos primeiros moradores que eram meus no caso meus
bisavos, e conta-se né numa pequena historia que porque também a gente não tem assim tanto
conhecimento, a gente num ate porque a gente não a um tempo atrás ninguém se interessou né
de documentar esse histórico então conta-se que eles vieram de um lugar aqui município de
Bragança chamado calabouço né, eles trabalhavam num engenho né de cana de açúcar de lá
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eles saíram e vieram pra cá né que naquela época as terras eram só e nu pará sempre teve
muito e eles se localizaram aqui, e aqui permaneceram né e ai da i já veio meu avó pai do meu
pai no caso não da minha mãe pai do meu pai que ficou permaneceu só a família dele tanto é
que até hoje né que a maioria das pessoas aqui só são em família né só é ramos se você sair
você vai descobrir que são poucas as pessoas que não se assinam por ramos e eles ficaram né i
i ai eu acredito que foi dai que se originou a comunidade né e quando eu éh: me entendi
vamos disser assim são poucas as famílias so era a família do meu pai no caso alguns tio que
tinham família porque a maioria deles ficaram no caritó como dizia né que eles ficaram
solteiros e meu avo não conheci meu avo nem a minha avo mas a historia conta que foi assim
eles vieram de lá então lá e parece que assim os mais talvez os meus tataravós ainda foram
escravizados né e de lá já o meu bisavô quando veio pra cá eu acho que eu não sei mas o meu
pai contava que esses tataravós eles eram descendentes de africanos mesmo né de negros que
vieram da África trazidos aquela historia toda que a gente já sabe e assim foi se originou-se a
comunidade e a quase mais de duzentos anos né que ela já existe e estamos aqui né
permanecemos com essa descendência né que eu acho que vai por muitos anos né acredito
que a gente ta formando por que ficou perdido né a questão da identidade do fatos de não ter
ido acredito que profundamente buscar essa raiz ficou um pouco que perdido mas o pouco que
a gente sabe a gente ta tentando resgatar
DOC1: ai dos seus antepassados quem é de origem africana e quem de origem indígena e
atualmente tem mais traços indígenas ou africanos na comunidade?
INF: olha na minha os meus pais por exemplo o meu pai era descendente de negro que é essa
historia que eu conto, e a minha mãe já contavam que a descendência dela era de indígena
entendeu ai houve essa mistura essa mestiçagem e eu acredito que hoje e... mais traços de
negro ainda é porque que nem a gente tava conversando ontem com o professor ate os
bebezinhos que eu tava contando a historia que a filha o filho do seu Severino é bem branco já
e a esposa dele já é bem branquinha só que nasceu uma bebe bem branquinha so que os
cabelinho bem encaracoladinho então é mais traços de negros indígena é quase que não
permanece muito não
DOC1: ouvimos falar que existiu uma casa grande na comunidade a senhora tem alguma
lembrança alguma memoria disso ela existiu realmente como ela era?
INF: era uma casa grande logo atrás daquela escola eu lembro assim eu lembro quando eu me
entendi com oito dez anos ela ainda existia né e eu acredito assim que eles fizeram aquela
casa grande tipo porque eles queriam né como eles já tavam vamos dizer livres né entre aspas
mas eles já se achavam livres eles queriam tipo acho que um modelo de casa por que eles
achavam bonito né eu penso assim né então essa casa era toda feita de taipa né toda de taipa
muito bem feita acho que eles passavam a mão e ficava tudo bem feitinho bem alto eu não sei
como mas eles fizeram aterro que ela ficava assim numa altura como e fosse dessa arvore pra
baixo tinha uma escadinha na qual subia-se pra lá e atrás tinha um quintal grande que quando
eu me entendi que era criança eu gostava de brincar muito nesse quintal e algumas daqueles
coqueiros por exemplo acho que ainda é lembrança desse quintal aquele coqueiro bem alto lá
atrás e é isso que eu lembro e quando eu comecei a estudar minhas primeira aulas foi em uma
sala grandona que tinha dessa casa grande que eles chamavam de casa grande todo mundo
di..zia se entendeu meu pai minha mãe dizendo que a gente num morava bem aqui né a gente
morava mas pra cá na época eles diziam vamos lá pra casa grande tudo se referia a casa
grande que era justamente essa casa quem morava nessa casa era meu tios esses um que eu
tava falando que ficaram no caritó né que eram vários tios acho que quatro ou cinco tios que
não casaram e eles moravam nessa casa grande e eles muito que assim tipo que adotavam
outras pessoas pra morar com eles acho que umas três pessoas.
DOC1: que também eram solteiros?
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INF: isso, e ficavam ai nessa casa grande e é essa lembrança que eu tenho e achava
interessante e até hoje eu tenho na memória porque achava interessante né e hoje eu peso
assim que eu acho que eles queriam mostra assim que como eles já tavam eles também
podiam ter uma casa grande sei lá não sei algo assim referente aquele tipo daquela casa
grande dos senhores né
DOC1: o nome da comunidade de onde veio, de onde se originou?
INF: o nome da comunidade já se originou desse rio que passa logo aqui que é chama-se de
tipitinga então como tipitinga é uma palavra indígena que depois já pelo meu conhecimento
obtido um pouquinho né eu fui buscar no dicionário e já vi mesmo que tipitinga significa agua
barrenta ai nos fomos ver né o conhecimento que eles tinham tava certo ne por isso eles
colocaram o nome da comunidade de tipitinga mesmo sem saber né que era uma palavra que
significava agua barrenta não sei mas ai eles botaram tipitinga ai ate hoje permanece tipitinga
por causa dessa agua barrenta desses rios que passam aqui atrás que realmente quando
enchem a agua é barrenta e deixa essa tuiragem que falam né aquele coisa na pele da gente.
DOC1: há alguma pratica na comunidade que se remeta as práticas indígenas ou africanas?
INF: atividade tinha uma mas assim ficou um pouco esquecida que é a questão do boi bumba
né, a parteira né a benzedeira né que ainda tem umas pessoas por ai mesmo que hoje ainda
queram eles se inibem se esconde um pouco mas ainda tem e a questão da religiosidade né
que essa religiosidade ficou forte eu acredito assim que a parte que mais ficou pra gente foi a
questão da religiosidade não e... eu não sei como porque eu acho que eles herdaram mais dos
senhores das pessoas que foi a questão da católica e não da religiosidade que coiso que eles
tinham no caso o candomblé ou nunca teve que a gente sabe que da origem negra são essas
coisas né o candomblé a umbanda mas assim nessa parte ai ficou a questão de parteira alguns
mitos que eles contavam né essas coisas assim historias é isso que eu vejo assim dos
benzedores benzedeiras
DOC: quantas pessoas há na comunidade, quantas famílias há, qual a relação entre as
famílias?
INF: olha eu acredito que já tá quase que atingindo duzentas pessoas, ate uns dois anos atrás
nos fizemos um levantamento e deu cento e setenta e cinco pessoas mas eu acredito que agora
rata atingindo duzentas pessoas né ao todo e assim as famílias são umas trinta e sete famílias
porque assim já tem por exemplo é famílias de filhos que arrumam é a sua parceira e fica com
os pais então já tem esses casos eai por isso eu digo que já são só casas mesmo se você for
conferir se eu não me engano na minha mente são trinta e quatro ou trinta e cinco mais []
acredito que uns trinta e sete famílias mais ou menos isso
DOC1: como vocês se veem em relação a comunidade?
INF: eu no caso eu
DOC1: isso
INF: olha eu me vejo hoje assim eu me vejo uma pessoa que tenho orgulho né que um dia
talvez ter sido descriminada éh::: sofrido preconceito né e a gente sabe que esses preconceitos
são grandes no::: eu acredito ate que está difícil de ter vamos dizer acabar né a questão do
preconceito com o negro porque por mas que você diga que você não tem preconceito mas em
algum ponto você tem, ate mesmo as pessoas as vezes de dentro da comunidade não consegue
mas mesmo assim eu me vejo assim uma pessoa que contribui com a comunidade pra que
esse povo tenha dignidade a melhor dignidade e eu me sinto feliz sou uma pessoa feliz por
fazer parte daqui desse pedacinho de lugar que fica tão escondidinho mas que é muito bom eu
não me arrependo nem um pouquinho de viver e nem tenho vontade de sair daqui de jeito
nenhum e me sinto orgulhosa das pessoas da minha família assim embora tenham seus altos e
baixos dos preconceitos e as descriminações mais me sinto bem na minha comunidade.
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PROJETO AFROIN
TRANSCRIÇÃO DA COLABORADORA 02
NOME: Cezarina de Jesus Ramos
NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Magistério SEXO: Feminino IDADE: 48
NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
JÁ MOROU FORA: Sim, mais de 10 anos.
DOC1: e dos seus antepassados? Quem era de origem africana e quem era de origem
indígena?
INF: meu pai dizia que o pai dele era de africana e a vovó era de origem indígena.
DOC1: então tem as duas misturas?
INF: é.. a gente acredita nisso né porque eles eram diferentes
DOC1: ai atualmente há mais traços indígenas ou africanos na comunidade?
INF: mais africano né a gente vê que não tem quase assim feição indígena
DOC1: ouvimos falar que existia uma casa grande na comunidade a senhora tem alguma
memória disso? Ela existiu realmente? Como era?
INF: existiu! A casa grande era grande mesmo sabe? A sala era enorme assim que nem
aqueles salão de baile de antigamente né tinha um.. dois.. três quartos, um corredor grande e
uma varanda assim que por trás assim varandava tudinho junto com cozinha
DOC1: e a localização dessa casa a senhora lembra?
INF: ela era localizada bem assim por trás dali do cento comunitário ela era bem alta
construído assim tipo no alto tinha uma escadinha que a gente subia era tudo feito de pau-a-
pique mas então era bem...
DOC1: a senhora mesmo tem lembrança disso? Não foi o que lhe contaram?
INF: Não eu lembro mermo porque a gente vinha / eu sempre sonho com essa casa parece
assim eu me lembro é uma coisa que nunca se apagou da minha... minha mente é a casa
grande como a gente chamava ...
DOC1: e porque ela se destruiu a senhora lembra assim?
INF: Por causa que foi né, depois que o vovô morreu né ai foram ficando só os filhos os filhos
...
DOC1: não cuidaram assim dela
INF: não, não cuidaram ela foi distiorando né como a gente chama i ai ela foi findou sendo
acabada mermo destruída
DOC1: e lá onde é tem alguma outra coisa no lugar onde era?
INF: agora só tem planta só plantação é mangueira que tem..
DOC1: e o nome da comunidade? De onde veio? De onde se originou?
INF: a comuni... o nome acho que seja origem indígena né porque tipitinga né tem origem
indígena ...
DOC1: mas a senhora assim sabe o significado? Do tipintinga
INF: Tipitinga eu sei é significa tipi é água né e tinga barrenta água suja ..
DOC1: há alguma prática na comunidade que remeta as praticas indígenas ou africanas ?
INF: africana... como eu já falei né a gente quase não tem assim prática africana a única coisa
que a gente ainda tem mermo assim que ficou forte foi a questão da religiosidade que foi bem
passado pelos nossos... é ente queridos né... mas assim né ...
DOC1: e indígena?
INF: Indígena só os nome mesmo né que a gente ainda alguma coisa... assim a questão da
comida também ainda tem ainda alguns traços
DOC1: quantas pessoas há na comunidade? Quantas famílias? E como é a relação entre as
famílias?
INF: pessoa assim eu não sei exatamente mas acho que é mais de cem..
a família, família mesmo parece que são... não sei se são vinte duas ou trinta e duas né que... a
gente conta assim por casa porque eu... minha mente ta meia ruim ultimamente não to muito
gravando mas a gente tem exatamente o tanto só não to lembrada... e a questão assim da
relação com a família, a gente não tem muito conflito não aqui, tem algumas (...) geralmente
nós mesmo da nossa família aqui de irmão a gente não procura, logo uma que a mamãe
ensinou desde pequeno pra gente não viver com negócio de fuxico né, que o fuxico que trás
toda a desavença pra dentro das família, e ai nos não fumo acostumado com essa prática, tanto
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é que lá em casa poucos vão por causa disso porque eu não sou muito de ta dando ouvido e
conversando
DOC1: então vocês são bem unidos?
INF: é a gente pode dizer assim que somos né, nos não temos assim de dizer assim, a fulano
não suporta ver outro né, se tem mas já não faz parte assim mermo da nossa família mermo de
sangue , tem outros que já entram pelo meio que faz as confusões
DOC: como vocês se veem em relação à comunidade?
INF: Como assim?
DOC1: também não entendi, entendeu Vitor?
DOC2: como a senhora se ver assim é o seu papel em relação a comunidade? Como a senhora
se ver ajudando a comunidade?
INF: a eu vejo assim que é um...assim.. é ... que nem a história do beija flor né, a gente faz a
parte da gente, eu pelo menos tudo que eu faço é em razão assim do bem viver, bem querer,
do melhorar cada vez mais as relações assim o modo de vida das pessoas e eu sempre gostei
de ajudar assim os outros né com, é... com orientação, é com coisa assim eu gosto muito essa
questão assim, acho que é isso.
DOC1: como vocês mantém a cultura da comunidade?
INF: a cultura... a cultura assim em relação, agente tem mais a cultura em relação a
festividade né a gente tem a gente ainda faz a festividade dos padroeros que é Santa Ana e
agora São Joaquim que antes era só Santa Ana e nós achamos porque é o casal ai botamos
junto (risos)
DOC1: há quanto tempo é.. é de São Joaquim ?
INF: acho que desde, acho que desde 45 parece se eu não me engano é porque essas datas
assim eu não tenho muito mas é desde o inicio mesmo
DOC1: faz tempo.
INF: ela é padroera, antes tinha são Sebastião né mais já era outro morado que fazia a festa
mas aqui mesmo sempre foi Santa Ana desde que eu me entendi é Santa Ana.
DOC1: há casamento entre parentes? Entre as pessoas da comunidade e os de fora?
INF: há! Parentes assim... Entre primos mermo não tem né mas assim já de segundo grau já
tem, já teve vários
DOC1: e entre pessoas de comunidade de fora?
INF: já! Tem, é no meu caso José é lá de Bragança, lá do Cururutuia, o Carlinho da Andréia é
lá de Bragança também né, tem outras pessoas que também já vieram pro nosso meio de
outras comunidade.
DOC1: e como é essa relação entre pessoas de outras comunidades?
INF: é boa! É a gente não tem assim, coisa de dizer fulano não entra aqui porque é de outra,
não a gente sempre... é como é que a gente pode dizer assim, agente sempre foi amável em
receber as pessoas né, tanto é que quando as pessoas vem aqui né ele se sentem assim bem
acolhidos porque agente tem esse, essa coisa assim de receber bem as pessoas né, de tratar, e
todos em modo geral independente de raça, cor, religião, tudo né, agente não tem, essas coisas
de tá assim discriminando pode dizer assim .
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PROJETO AFROIN
TRANSCRIÇÃO DO COLABORADOR 03
NOME: Rosalvo Ramos Farias SEXO: Masculino IDADE: 59
NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Ensino Fundamental Menor (1° ao 5° ano)
VIAGENS PARA FORA: SIM, 4 anos.
PROJETO AFROIN
TRANSCRIÇÃO DO COLABORADOR 04
NOME: SEXO: Severino Pinheiro Ramos SEXO: masculino IDADE: 69
NASCIMENTO: Tipitinga País: Brasil
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Ensino Médio
TEMPO FORA DACOMUNIDADE: 10 anos.
INF1: Severino
INF2: mulher do Severino
DOC1: Ane Caroline
DOC2: Singrid
DOC3: Paulo Vitor
onze... aqui... mas já existia pessoas... éh da família dele próximo ao rio naquela outra
localidade... já existia pessoas da família dele lá...
DOC2: e hoje em dia a gente foi lá e não tem mais casa né?
INF1: é...
DOC2: beira do rio...
INF1: hunhum... e eles vinham vindo de rio acima... quanto mais vinha apertando o cerco pra
eles alguém... (SN) acho que procurando... que nesse tempo que tinha os capitães/ capitão do
mato né? vinha procurando e eles vinham se chegando cada vez mais subindo... eles vieram
de uma localidade que é do rumo do calabouço que é mais umas quatro ou cinco léguas daqui
pra baixo... mais ou menos...
DOC1: aí no caso essa descendência tem descendência indígena ou só é mesmo de: você não
sabe?
INF1: éh... da minha parte tem descendência indígena porque... os meus tataravós também já
eram... já existiam lá naquela al/ no bairro da Aldeia nesse tempo sabe? e: dizem que... éh
alguns brancos já tinham casado com índios... por sinal que a mi/ os meus avós/ a minha avó
por parte de de pai ela era bem branca... ela não era mais negra não...
DOC1: então no caso a sua avó por parte de:...
INF1: de pai... eu penso que ela fosse descendente de índio com com branco...
DOC1: e no caso a parte do seu pai e seu avô...
INF1: do meu pai e meu avô era de negro... de negro...
DOC1: de negro... ah... tá...
professor: eu vou ali e depois eu volto... depois eu volto aí pra conversar com o senhor... tá?
INF1: tá bom... passou um amigo aí o seu? ((risos))
DOC1: então assim na comunidade em si não/ vieram refugiados os índios...
INF1: não... índios não... só os negros mesmo...
DOC1: só os negros...
INF1: já depois que eles se/ que teve o cruzamento com os com os brancos lá de Bragança...
DOC1: mas fora daqui da comunidade... no caso a sua... a mãe da sua avó ela de lá veio pra
cá... aí casou com seu avô e se formou... então no caso tem essa miscigenação...
INF1: com certeza...
DOC1: aqui... o senhor julga que a comunidade hoje agora tem mais traço indígena ou a
questão dos negros assim tá misturado?
INF1: tá misturado...
DOC1: não consegue mais...
INF1: não consegue mais definir quem é o índio nem quem é... o negro tem... ainda tem
muitas pessoas da cor morena... o cabelo bem...
DOC2: porque o senhor é é bem claro... né?
INF1: éh... mas o cabelo era bem... agora não... já tá mais... mas o cabelo era bem... ((risos))
INF2: nós temos uma netinha que ela é bem branquinha... o cabelinho bem...
INF1: é bem enroladinho...
DOC2: já é os traços...
INF1: é negro com branco... né?
DOC2: aqui no caso como a gente perguntou a sua esposa sobre a: casa grande... aí no caso ...
INF1: não... mas ela era da mesma família... só que ela não se criou aqui sabe? porque as
comunidades quilombolas elas são quilombolas mas são todas diferenciadas umas das outras
sabe? cada um vem de um costume... outro já vem de outro né? mas ela: ela pertencia a mes/
ao mesmo sangue da da/ dos primeiros...
DOC2: essa essa casa branca/ essa casa grande... quando o senhor nasceu... ela já existia?
INF1: já exis/ já existia já...