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PAN-AMAZÔNIA

Visão Histórica, Perspectivas


de Integração e Crescimento

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Osiris M. Araújo da Silva e Alfredo Kingo Oyama Homma
(Organizadores)

PAN-AMAZÔNIA
Visão Histórica, Perspectivas
de Integração e Crescimento

1ª Edição

Manaus
Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM)
2015

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Projeto gráfico e diagramação
Júlio César da Silva Delfino

Prefixo Editorial: 69887


ISBN: 978-85-69887-00-3
Os conceitos e opiniões emitidos são
de inteira responsabilidade dos autores
e não expressam o ponto de vista das
instituições vinculadas.

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Os autores
Alfredo Kingo Oyama Homma
Doutor em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa,
Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.

Antônio José Mendonça de Toledo Lobato


Major Brigadeiro do Ar, Comandante do Sétimo Comando Aéreo
Regional (VII Comar), recebeu inúmeras condecorações, incluindo
Ordem do Mérito Aeronáutico, grau “Grande-Oficial”.

Augusto César Barreto Rocha


Doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Professor da Universidade Federal do Amazonas.

Bertha K. Becker (1930-2013)


Pós-doutora pelo Massachusetts Institute of Technology, professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou como pesquisadora na
área de geopolítica do Brasil, particularmente da Amazônia.

Carlos Gilberto Zárate Botía


Doctor en Historia Comparada de América Latina, Profesor Asociado
da Universidad Nacional de Colombia e pesquisador do Instituto
Amazónico de Investigaciones.

Carlos Ariel Salazar Cardona


Máster en Desarrollo Rural, sociólogo en el Instituto Amazónico de
Investigaciones Científicas, Coordinador do Programa Dinámicas
Socioambientales.

Daniel Borges Nava


Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia
pela Universidade Federal do Amazonas. Atua em geologia
ambiental, recursos minerais e recursos hídricos.

Domingos Savio Almeida Nogueira


Vice-Almirante, Comandante do 9° Distrito Naval, comandou o
Navio-Varredor Abrolhos, o Rebocador de Alto-Mar Triunfo, o 6º
Distrito Naval e a Força de Superfície.

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Ennio Candotti
Físico ítalo-brasileiro, professor da Universidade Federal do Espírito
Santo. Presidente de Honra da SBPC desde 2001. Diretor do Museu
da Amazônia e professor voluntário da UFAM.

Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira


General-de-Exército do Exército Brasileiro, Comandante Militar da
Amazônia, Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e
Estado-Maior de Exército.

Ima Célia Guimarães Vieira


Doutora em Ecologia pela University of Stirling, pesquisadora do
Museu Paraense Emilio Goeldi, coordena o INCT Biodiversidade e
Uso da Terra na Amazônia.

José Alberto Machado da Costa


Doutor em Desenvolvimento Socioambiental, Professor da UFAM,
Coordenador de Pesquisa em Sociedade, Ambiente e Saúde, do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

José Maria Cardoso da Silva


Doutor em Biologia pela Universidade de Copenhagen, Professor
do Departamento de Geografia da Universidade de Miami e
do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da
Universidade Federal do Amapá.

Lillian Alvares
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília
e pela Université du Sud Toulon-Var, Professora da Faculdade de
Ciência da Informação da Universidade de Brasília.

Luis Campos Baca


Profesor de la Universidad Nacional de la Amazonia Peruana,
Director del Programa de Investigación en Información de la
Biodiversidad Amazónica.

Luz Marina Mantilla Cárdenas


Maestría en Gobierno y Políticas Públicas en la Universidad
Externado de Colombia. Directora General Instituto Amazónico de
Investigaciones Científicas da Colômbia.

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Márcio Souza
Escritor, com diversas obras dedicadas ao ambiente sociocultural da
Amazônia, tais como Mad Maria, Plácido de Castro contra o Bolivian
Syndicate, Zona Franca, meu amor, entre outras.

Osiris M. Araújo da Silva


Economista, especialista em desenvolvimento, ocupou vários
cargos públicos de relevo nos últimos anos. Assina a Coluna semanal
Visão Integrada publicada no Caderno de Economia do jornal
A Crítica, de Manaus.

Peter Mann de Toledo


Doutor em Geology pela University of Colorado, pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Atua em políticas públicas
em ciência e tecnologia na Amazônia e Paleontologia.

Ricardo Nogueira
Doutor pela Universidade de São Paulo, professor do Departamento
de Geografia da Universidade Federal do Amazonas e do Programa
de Pós-graduaçao em Geografia.

Roberto Araújo O. Santos Junior


Doutor em Ethnologie pela Université de Paris X, pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, atua em ocupação humana
da Amazônia, antropologia rural e mudança social.

Rogério Guedes Soares


Graduado em Administração de Empresas, diretor-geral do
Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia
(Censipam).

Rosa Oliveira de Pontes


Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba,
área de concentração em Direito Econômico. Exerceu vários cargos na
administração pública estadual do Amazonas.

Rosalía Arteaga Serrano


Ex Presidenta y Vicepresidenta del Ecuador. Ex Secretaria General de
la OTCA. Presidenta Ejecutiva Fundación Fidal do Ecuador.

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Rubem Cesar Rodrigues Souza
Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp,
Professor do Curso de Engenharia Elétrica da Ufam, Diretor do
Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico.

Salomón Jaya Quezada


Profesor Principal y Director del Centro de Excelencia en Transporte
Intermodal y Fluvial, de la Universidad Central del Ecuador.

Thiago Oliveira Neto


Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, alocado em projeto da
Universidade Federal do Amazonas.

Violeta Refkalefsky Loureiro


Doutora em Sociologia pela Universidade Paris III e professora
da Universidade Federal do Pará, onde atua nos programas de
pós-graduação em Sociologia, Antropologia e Direito.

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Epígrafe

Eu quase que nada não sei.


Mas desconfio de muita coisa.

João Guimarães Rosa (1908-1967)


(Grande Sertão: Veredas)

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DEDICATÓRIA
Dedico esta obra à minha mulher, Arabi
Amed e Silva; aos meus filhos Sérgio Augusto,
Celso Henrique e Claudia; aos genros Shan
Valério, Ana Lúcia e Claudia Pruner; aos netos
Luís Felipe, Francesca, Victoria, Guilherme, Ana
Beatriz, Clara, Carolina e Isabella; e aos meus
pais, Osvaldo Medeiros da Silva e Maria Araújo
da Silva (in memoriam).
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Agradecimentos

Agradecemos o decisivo apoio, a crença e o entusiasmo ao projeto


deste livro, demonstrados por amigos, professores, pesquisadores e
autoridades que decisivamente, mesmo nos momentos mais difíceis,
não deixaram de acreditar na obra que com tanto amor e entusiasmo
planejamos e executamos. Destacamos os seguintes:
–– Prof. Freddy Orlando Espinoza Cárdenas, da Universidade
Estadual do Amazonas (UEA), Campus de Tabatinga e da
Universidad Nacional de Colombia, Sede Letícia, conselheiro
e guia nas visitas por ele organizadas à Universidad Nacional
de Colombia e ao Instituto Amazónico de Investigaciones
Científicas SINCHI, em Letícia.
–– Prof. Alvaro Gomez, da Universidade Estadual do Amazonas
(UEA), Campus de Tabatinga.
–– Dom Alcimar Magalhães, da Diocese do Alto Solimões.
–– Ao Engenheiro Aluizio Barbosa Ferreira, diretor-presidente
da Companhia de Desenvolvimento do Estado do Amazonas
(Ciama) e ao Sr. Jaime Soares dos Santos, gerente local da
empresa pelo apoio logístico dispensado em Tabatinga (AM)
e Letícia (Colômbia).
–– Ao Sr. Alcélio Castello Branco, Secretário de Ação Social da
Prefeitura Municipal de Tabatinga (AM).
–– Professores e pesquisadores da Universidad Nacional de
Colombia, Sede Letícia, nas pessoas dos professores Carlos
Gilberto Zarate Botia e Germán Alfonso Palacio Castañeda.
–– Pesquisadores do Instituto Amazónico de Investigaciones
Científicas SINCHI (Colombia), Departamento de Letícia, e à
sua diretora geral, Dra. Luz Marina Mantilla, que com tanta
dedicação, boa vontade e cooperação nos recebeu em Bogotá.
–– Dr. José Giraldo Gallo, da Universidad Nacional de Colombia,
e ao seu filho, o jornalista Felipe Giraldo, pelo importante
apoio logístico que nos proporcionaram em Bogotá.
–– Prof. Fernando Urbina, da Universidad Nacional de Colombia.
–– Prof. Fernando Franco, da Universidad Nacional de Colombia.
–– Dra. Rosalia Arteaga Serrano e à sua irmã Claudia Arteaga
Serrano, da Fundación para la Integración y Desarrollo de
América Latina (Fidal), em Quito.

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–– Prof. Salomón Jaya Quezada, da Universidade Central de
Equador (UCE).
–– Dr. Franklin Eduardo Soria, Director General del Instituto
Eco Nómada, em Quito, por seu importante apoio logístico e a
oportunidade da visita à Amazônia Equatoriana.
–– Prof. Fernando Estensoro, do Instituto de Estudios Americanos
da Universidade de Santiago de Chile.
–– Amigos e entusiastas do projeto deste livro desde os primeiros
momentos:
–– Marcio Souza, escritor.
–– Dr. José Alberto da Costa Machado, da Universidade
Federal do Amazonas.
–– Empresário Jaime Benchimol.
–– Dra. Lillian Alvares, entusiástica coordenadora da produção
editorial do livro, autora do capítulo sobre o Prof. Samuel
Benchimol e a sua equipe (Margaret Palermo, Júlio César
Delfino, Anderson Moraes, Carmen Chaves).
–– Dra. Ima Célia Guimarães Vieira, pesquisadora titular do
Museu Paraense Emilio Goeldi.
–– Dr. Sergio Melo de Oliveira, Chefe de Gabinete Corporativo
da Fieam.
–– Dr. Paulo Pereira, diretor de Comunicação e Marketing da
Fieam.
–– Dr. Belisário Arce, presidente da Associação Pan-Amazônia,
pelo suporte propiciado à programação de viagem aos
países da Amazônia Sul-Americana.
Agradecimentos especiais à Federação das Indústrias do Estado
do Amazonas (Fieam), na pessoa do seu presidente, empresário Antônio
Carlos da Silva, que não mediu esforços, como autêntico Caio Mecenas
(68-8a.C) da época contemporânea, para a concretização deste livro.
E, com destaque, os nossos imorredouros e especiais agrade­
cimentos a cada um dos autores dos capítulos, por acreditarem desde
o primeiro momento em nosso projeto e pela qualidade dos estudos
produzidos, responsáveis máximos pela qualidade deste livro.
Osiris M. Araújo da Silva
Alfredo Kingo Oyama Homma
Organizadores

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A concretização deste livro decorreu da
força de vontade do economista Osiris M. Araújo
da Silva, que não mediu esforços em alcançar
este objetivo, com a colaboração de uma rede de
pessoas do seu relacionamento.
Alfredo Kingo Oyama Homma, Co-organizador.

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A presentação

Este livro nos traz uma excelente coletânea de 23 artigos sobre


a Amazônia, cuidadosamente escolhidos por Osiris M. Araújo da Silva
e Alfredo Kingo Oyama Homma. Os textos apresentam um quadro
atual e amplo sobre a região, abrangendo as áreas da geografia,
história, cultura, tecnologia, política, segurança nacional, logística e
meio ambiente não apenas no Brasil, mas também em outros países
amazônicos, como Colômbia, Peru e Equador.
Acredito que, ao concluir a leitura do livro, o leitor terá melhor
compreensão das transformações e impactos que as mudanças recentes
na ciência, na política e no clima estão trazendo para a Região
Amazônica. Terá aprendido, como aconteceu comigo, sobre numerosas
ações de desenvolvimento que tem sido implementadas e sobre
pesquisas científicas que têm sido realizadas por estudiosos da região
para entender nossas potencialidades.
O leitor testemunhará também as dificuldades em conceber
políticas públicas para um território tão vasto e heterogêneo. Contudo,
perceberá como o interesse e o valor da região crescem como uma das
últimas fronteiras do planeta a ser estudada e compreendida.
Faço a seguir breves comentários sobre aspectos interessantes
que me chamaram a atenção em cada um dos artigos.
Rosalía Arteaga propõe a necessidade de fortalecer as instituições
conjuntas dos oito países (Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador,
Venezuela, Guiana e Suriname) que compõem a Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) como única forma de
responder adequadamente aos grandes desafios ambientais que temos.
Osiris M. Araújo da Silva apresenta a simbiose homem-floresta
através da emocionante narrativa do poeta Thiago de Mello, que
transformou geografia em poesia no trajeto desde os Andes até
o Atlântico. Osiris faz também um completo passeio pelas nossas
potencialidades econômicas, incluindo a Zona Franca de Manaus,
petróleo e gás, turismo, biodiversidade, agricultura, produtos regionais,
transporte e precificação do meio ambiente. Lembra que, com a
dificuldade em definir políticas públicas para a região, a preservação
tem sido a única opinião comum.
Bertha Becker, em o “Futuro e a Amazônia”, aborda o imperativo
da inovação científica e lembra que o desenvolvimento sustentável

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não é um produto acabado, pois envolve um processo contínuo de
mudança e adaptação. Assim, Becker questiona aqueles que desejam
manter a floresta improdutiva e argumenta que a Amazônia já é
predominantemente verde e urbanizada, porém precisa de uma base
econômica que a mantenha assim.
Marcio Souza traz uma visão histórica das correntes migratórias
da população e da integração da região com o Brasil. Ele nos mostra
como, contrariamente à percepção comum, a Amazônia foi e é
acostumada com a modernidade.
Violeta Refkalesfsky Loureiro argumenta que o modelo econômico
de desenvolvimento adotado nas últimas décadas foi concentrador de
renda e produtor de commodities de baixo valor agregado tendo se
esquecido das populações regionais. Ela propõe cenários alternativos.
José Maria Cardoso da Silva estuda a divisão biogeográfica
da Amazônia em nove sub-regiões que se comportam como ilhas
na floresta, separadas por grandes rios e abrangendo um conjunto
único de espécies. Desenha um cenário possível que inclui florestas
produtivas, paisagens e cidades sustentáveis.
O General Guilherme Cals de Oliveira mostra a relevância
das ações do Exército Brasileiro para a defesa e proteção da região,
enfatizando os esforços logísticos realizados pelo Comando Militar da
Amazônia, que também apoia os municípios da região e contribui para
atividades de combate ao narcotráfico.
O Vice-Almirante Domingos Sávio Noqueira destaca a
característica hídrica da Amazônia e explica que é possível conciliar
o desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente.
Demonstra ainda que o transporte fluvial – subutilizado no Brasil – é
o mais apropriado meio de transporte do ponto de vista da eficiência
energética e da emissão de carbono.
O Major-Brigadeiro do Ar Antônio José Lobato apresenta a
atuação da Força Aérea Brasileira e em especial do 7º Comando Aéreo
Regional (Comar) nas ações de defesa e proteção da Amazônia, que
frequentemente incluem também apoio à saúde e combate ao tráfico
de drogas.
Rogério Guedes Soares descreve a atuação do Centro Gestor
e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) no
monitoramento climático, na hidrologia, na cartografia e no combate
ao desmatamento. Essas pesquisas e informações apoiam também

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outras importantes instituições como a Funai, o Ibama, a Polícia
Federal, a Abin etc.
Ennio Candotti escreve sobre o status da ciência e tecnologia
na Amazônia, lembrando que a despeito dos mais de R$80 bilhões
de faturamento do Polo Industrial de Manaus e dos mais de R$25
bilhões de renúncia fiscal, faltam conhecimento científico e centros de
estudo na região. Constata, por exemplo, que apenas 0,3% das patentes
nacionais são concedidas para institutos de pesquisa no Norte do Brasil.
Jose Alberto Machado e Rosa Pontes analisam as circunstâncias
econômicas e políticas que produziram o atual modelo da Zona Franca
de Manaus. Tecem considerações sobre as políticas de incentivos no
âmbito federal, estadual e municipal, e destacam os êxitos, contradições
e entraves ao nosso crescimento, dentre esses a instabilidade jurídica e
a complexidade tributária. Demonstram que, na última década, houve
perda de dinamismo no crescimento do Amazonas relativamente aos
demais estados do Norte, e propõem uma agenda de aperfeiçoamento
do modelo para os próximos 50 anos.
Alfredo Kingo Oyama Homma faz uma revisão histórica da
agricultura na região através da saga das famílias de imigrantes
japoneses, inclusive da própria família. Destaca o papel central dessa
imigração e de seus pioneiros nas culturas de juta e pimenta-do-
reino, e argumenta pela necessidade de aprimoramento genético e
domesticação de plantas extrativas que apresentam problema na oferta.
Defende maior atenção para as áreas já desmatadas da Amazônia com
atividades produtivas mais adequadas, como a solução para reduzir os
impactos ambientais e do desenvolvimento de uma agricultura mais
sustentável. Propõe maior papel para a piscicultura, que atualmente
responde pelo equivalente a apenas 10% da produção de carne bovina
e frango no país, e preocupa-se com a dificuldade de atrair jovens
para o setor agrícola. Maiores investimentos em tecnologia agrícola
e no capital social em todas as Unidades Federativas da região como
medidas importantes para o contexto geopolítico da Amazônia Legal,
que sempre é colocado numa perspectiva abstrata, prejudicando a
busca de um desenvolvimento concreto.
Rubem Cesar Souza oferece um cenário sobre a produção
de energia elétrica na região, com ênfase na hidroeletricidade,
apresentando marcos da produção, transmissão e distribuição de
energia bem como da interligação do nosso sistema com o grid
nacional. Discute os atrasos que sofremos por conta dos processos

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de licenciamento e inclui a energia solar como uma alternativa a ser
considerada no futuro.
Daniel Nava fala do potencial mineral da Amazônia, que ainda é
pouco estudado e conhecido representado juntamente com a Antártida
e o Oceano Ártico, as últimas fronteiras minerais do planeta. Discorre
sobre os conflitos a atrasos na exploração mineral pela ausência de
uma regulamentação clara para exploração nas áreas de conservação
da biodiversidade e reservas indígenas, que atualmente representam
cerca de 50% da região. Discute a necessidade de formalização dos
garimpos e o potencial de produção de potássio a partir das reservas já
prospectadas no Amazonas, nos municípios de Autazes e Nova Olinda.
Lillian Alvares apresenta o que considero ser a melhor síntese
da obra de Samuel Benchimol, segmentando-a cronologicamente de
modo a facilitar a compreensão e a contextualização histórica. Dentre
os principais conceitos de Benchimol, estão os quatro paradigmas para
um desenvolvimento sustentável; a preocupação em manter o homem
no centro da equação de nossas políticas; a necessidade de a Amazônia
ser recompensada pela renúncia que fazemos ao uso de nossos recursos
naturais; a compreensão de que a região é heterogênea e que as políticas
públicas frequentemente erram ao não considerar essas diferenças;
e finalmente os Estatutos do Amazônida, uma proposta de direitos e
deveres para os habitantes da região.
Ima Célia Guimarães Vieira, Roberto Araújo O. Santos Jr,
Peter Mann de Toledo fazem uma homenagem e uma reflexão sobre
a obra de Bertha Becker, destacando algumas de suas propostas e
contribuições para a Amazônia, dentre elas o reconhecimento da
diversidade regional, a importância das cidades, o aproveitamento
da revolução científico-tecnológica, a necessidade de resolução da
questão fundiária. Becker recomenda a associação entre a preservação
ambiental e o desenvolvimento para evitar o que chamou de “fronteira
de pobreza”, e, com relação à floresta, afirma que “o cerne do novo
padrão de desenvolvimento é superar o falso dilema entre a conservação,
entendida como preservação intocável, e a utilização, compreendida
como destruição”.
Augusto César Barreto Rocha trata dos desafios da logística de
transporte na integração da Amazônia ao Brasil. Nesse contexto destaca
as dimensões continentais de uma região com baixíssima densidade
populacional e os parcos investimentos realizados em infraestrutura
nos últimos 20 anos, que se traduzem em índices mínimos de rodovias

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por área territorial ou por habitante. Rocha convoca as futuras
gerações a corrigir os erros do passado de subinvestimento em logística
e subaproveitamento de nosso potencial econômico.
Carlos Gilberto Zárate Botía descreve os caminhos incertos
da integração fronteiriça na Amazônia e seu histórico de conflitos
envolvendo principalmente Peru, Colômbia, Equador e Bolívia. Relata
os desafios de fragmentação espacial, política e social da região, bem
como as dificuldades administrativas de monitoramento e controle das
extensas fronteiras. Explica a existência de sub-regiões transnacionais,
como, por exemplo, a que abrange Tabatinga no Brasil, Letícia na
Colômbia e Santa Rosa no Peru, e argumenta a favor da criação de
ferramentas de ação conjunta.
Luis Campos Baca apresenta estudo do impacto de possíveis
mudanças climáticas sobre as áreas inundáveis e igapós, que são a zona
de maior riqueza de espécies e que vêm sendo colonizadas há cerca de
12 mil anos. Alerta que a diferença de temperatura entre o Equador
e os polos é uma das principais forças que atuam sobre a circulação
atmosférica, e que o aquecimento global poderá alterar essa diferença.
Salomón Jaya Quezada demonstra as possibilidades de
utilizarmos logística de transporte intermodal do Pacífico equatoriano
até os portos de Manaus e Belém. A conexão seria rodoviária a partir
dos portos marítimos de Esmeralda, Manta, Guayaquil e Porto Bolívar
via Quito até Porto Itaya. A partir daí pelo Rio Napo seria possível
navegar com barcaças durante a maior parte do ano (exceto durante a
estiagem) através do Peru até Tabatinga e – seguindo o Rio Solimões/
Amazonas – até Manaus e Belém.
Luz Marina Mantilla Cárdenas e Carlos Ariel Salazar Cardona
descrevem a realidade atual das regiões noroeste e sudeste da Amazônia
colombiana, apresentando suas estruturas econômicas, geossociais e
culturais. Relatam os avanços das pastagens bovinas sobre essas regiões,
mas constatam que as plantações de coca foram reduzidas em mais de
70% como resultado das ações de combate ao narcotráfico e às FARCs,
nos últimos 15 anos. Destacam a contribuição do Instituto Amazónico
de Investigaciones Científicas SINCHI no estudo da região e propõem
que a biodiversidade seja considerada um vetor de desenvolvimento
sustentável. Citam exemplos das indústrias de cosméticos e higiene
pessoal na Colômbia, que utilizam bioativos como ingredientes e
insumos.

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Ricardo José Nogueira faz uma abordagem escalar da tríplice
fronteira entre Tabatinga no Estado do Amazonas no Brasil, Letícia
no Departamento do Amazonas na Colômbia e a Vila de Santa Rosa
no Departamento de Loreto no Peru. Essa região, acessível apenas por
via fluvial ou aérea, está situada quase no centro de um polígono que
compreende cerca de 500.000 km2 de áreas do Brasil, Peru, Colômbia
e Venezuela em que não há estradas pavimentadas. Nogueira explica
que, em razão do isolamento geográfico e político, a conexão entre
essas cidades é maior do com os seus respectivos centros nacionais.
Com esses rápidos – e incompletos – comentários sobre cada artigo
espero ter aguçado sua curiosidade em continuar a ler para conhecer o
conteúdo integral dos textos a seguir e, através deles, alcançar melhor
compreensão da Amazônia.

Jaime Benchimol
Economista e empresário

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Prefácio
A Amazônia é mais complexa do que a visão do simples desafio
imposto pelas suas características únicas, a nortear ao longo da
história políticas públicas e iniciativas empreendedoras equivocadas,
ao contrário da necessária compreensão desta região repleta de
oportunidades diferenciadas.
Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, é imperioso
conhecê-la em suas particularidades, com as diferenças de cada
macrorregião e, não menos importante, compreendermos como a
atuação humana nessas áreas tem se mostrado em equilíbrio com o
meio ambiente e, ao mesmo tempo, gerando riquezas.
A iniciativa de produção do livro Pan-Amazônia: Visão Histórica,
Perspectivas de Integração e Crescimento, de responsabilidade do
economista Osiris M. Araújo da Silva e do pesquisador da Embrapa
Alfredo Kingo Oyama Homma, que obteve apoio generalizado pela
sua importância, é louvável por abrigar as mais amplas perspectivas
sobre a Amazônia e indicar os desafios a serem enfrentados.
Há necessidade estratégica do estreitamento das alianças
institucionais, de políticas públicas adaptadas e de arranjos produtivos
possíveis de serem consolidados, a despeito das dificuldades logísticas
e de infraestrutura.
Aliada à manutenção das vantagens comparativas do projeto
de desenvolvimento da Zona Franca de Manaus, inegável pela
preservação da cobertura vegetal e da biodiversidade do Estado do
Amazonas, com a geração de renda e de empregos, a melhoria das
condições socioeconômicas se faz necessária para além das fronteiras
que abrigam os incentivos fiscais.
Além da integração e da necessária descentralização dos
investimentos, temos as enormes potencialidades minerais a se
apresentarem como primordiais para a autossuficiência do país e da
região em diversas commodities. É vital, ainda, a exploração da rica
biodiversidade e da profissionalização do entretenimento baseado em
produtos do turismo de natureza.
A exploração das potencialidades com investimentos que
proporcionem alto valor agregado e recursos humanos qualificados
são respostas que a própria história da atuação humana na Amazônia
tem nos mostrado como mais adequadas. Ou mesmo, as únicas a serem

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seguidas para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, capazes de
melhorar, com baixo impacto ambiental, a qualidade de vida de uma
população que ajudou a preservar a Amazônia para o mundo.
O livro Pan-Amazônia: Visão Histórica, Perspectivas de Inte­
gração e Crescimento, dada a respeitabilidade e idoneidade técnica de
seus organizadores e colaboradores, oferece importantes contribuições
a uma análise prospectiva das potencialidades econômicas oferecidas
pela Bacia Amazônica do ponto de vista do conjunto dos países que
a integram. A obra, portanto, constitui passo fundamental para a
ampliação das discussões em torno do alcance desse extraordinário
desafio: conhecer e integrar para poder fazer crescer de forma
harmônica uma das regiões economicamente mais importantes do
planeta, a partir da exploração sustentável das potencialidades de
sua biodiversidade, do turismo ecológico e dos serviços ambientais
avançados.

Antonio Carlos da Silva


Presidente da Federação das Indústrias
do Estado do Amazonas (Fieam)

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Por uma urgente integração da A mazÔnia

O futuro da Amazônia, o maior conjunto contínuo de florestas


tropicais do mundo, interessa a nós, habitantes dos países que têm a
sorte de compartilhá-la, mas também a toda a humanidade. Em seu
seio, ela concentra 25% de todas as espécies vivas, constituindo o espaço
máximo de diversidade biológica do planeta. Quase 20% das reservas
mundiais de água doce pertencem à região, 400 grupos indígenas
portadores de extraordinário tesouro cultural habitam a floresta.
Mas tanta riqueza nos confronta com desafios proporcionais.
Ela ainda não favoreceu aqueles que deveriam ser os primeiros
beneficiários: os povos da bacia. Sob o predomínio de uma ideia
de progresso “para” a Amazônia, foi relegada a necessidade de um
progresso “da” Amazônia, com o paradigma de desenvolvimento
sustentável como eixo. Um exame da realidade mostra que, embora
tenham sido registrados avanços nacionais em alguns aspectos, uma
visão fragmentada da bacia tem poucas oportunidades reais de atingir
o desenvolvimento que pretendemos.
Lembremos que a Amazônia é compartilhada por oito países e
um território. Ocupa mais de 40% da superfície da América do Sul,
com 7,5 milhões de quilômetros quadrados, habitados por 30 milhões
de pessoas. Sabemos que no imaginário mundial é recorrente pensar
na Amazônia como sinônimo de Brasil. Essa associação tem origem,
entre outros, no fato de que 68% da bacia amazônica e das florestas
tropicais se encontram no território brasileiro. Mas no Peru, dono de
13% da bacia, 74% do território é amazônico. Na Bolívia, conhecida
mundo afora pelas belezas andinas, 75% das terras são amazônicas,
representando 11,2% da bacia. Metade do território equatoriano é
amazônico.
Diante dessa realidade, a integração vai deixando de ser discurso
abstrato de boas intenções e vai se transformando em um eixo de
fortalecimento de nossas nações. Hoje, os governos do Brasil, Bolívia,
Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, países
que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA), trabalham com o objetivo de responder de forma conjunta
aos desafios comuns.
O fortalecimento dessa união é requisito fundamental para
alcançar condições de vida mais igualitárias para nossos povos e para

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evitar a destruição de nossas florestas. Com a vontade política dos
governos dos oito países, a bacia pode se transformar, assim, num
caminho excepcionalmente favorável para a integração regional, com
base nos ideais e nos sonhos de visionários de unidade sul-americana.
A OTCA e sua Secretaria Permanente vêm assumir essa missão.
O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), firmado pelos oito
países em 1978 com o objetivo de promover ações conjuntas para o
desenvolvimento harmônico da região, continua atual. Os preceitos do
TCA – de preservar o meio ambiente e assegurar o uso racional dos
recursos naturais – nos guiam, hoje, unidos à certeza de que há muito
trabalho pela frente, pois foi dessa consciência que a OTCA nasceu e se
estabeleceu em Brasília, em 2003.
Para implementar esses compromissos, a Secretaria Permanente
tem se empenhado em construir, junto aos países-membros, uma
agenda comum, avançando com firmeza no desafio histórico da
integração sul-americana. Pretendemos, como diriam os amazônicos
brasileiros, “amazonizar” o mundo.
A atuação conjunta é imperiosa. Eventos como a recente seca
que atingiu o Brasil, a Bolívia e o Peru e deixou milhares de pessoas
isoladas, sem comida nem medicamentos, ratificam a necessidade
de uma reflexão coletiva urgente e da adoção de medidas concretas
conjuntas. A mesma apreensão temos diante da advertência dos
pesquisadores sobre a possibilidade de “savanização” ou desertificação
da floresta pelos efeitos do desmatamento. Por isso, trabalhamos para
que a Secretaria Permanente se torne um guarda-chuva que envolva e
harmonize as iniciativas regionais e obtenha recursos para desenvolver
programas de amplo alcance.
Na cúpula de Manaus, em setembro de 2004, os chanceleres
aprovaram o plano estratégico da OTCA e tomaram uma série de
decisões inéditas, entre elas, a de convocar reuniões ministeriais
para discutir e tomar medidas de acordo com as especificidades da
Amazônia. Duas reuniões de alto nível foram organizadas sobre temas
vitais, como propriedade intelectual e industrial e ciência e tecnologia.
Em outubro, iniciamos o Programa de Gestão Integrada e Sustentável
dos Recursos Hídricos Transfronteiriços do Rio Amazonas.
A atividade tem sido intensa, e a 9º Reunião de Ministros das
Relações Exteriores dos Estados-Membros, a ser realizada hoje, em
Iquitos, no Peru, será a oportunidade para refletirmos sobre nossas
realizações e definirmos quais devem ser os próximos passos.

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Neste momento histórico, esperamos o engajamento e a
mobilização de todos os setores para responder aos desafios e
realizarmos nossos sonhos. Com a assinatura da Declaração de Iquitos
na próxima semana, em que reafirmaremos nosso compromisso com
essa tarefa comum, estaremos dando mais um passo para proteger a
Amazônia como fonte estratégica da vida.

Rosalía Arteaga Serrano


Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo,
em 25 de novembro de 2005.

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Sumário

Introdução........................................................................................ 35
Capítulo 1 | Pan-Amazônia: cooperação e integração
para o desenvolvimento
Osiris M. Araújo da Silva.................................................................... 37
Capítulo 2 | Amazônia já é verde:
precisa é de uma base econômica que assim a mantenha
Bertha K. Becker................................................................................. 85
Capítulo 3 | Amazônia, população e modernidade
Márcio Souza..................................................................................... 93
Capítulo 4 | O novo modelo colonial amazônico:
reflexões sobre cenários possíveis
Violeta Refkalefsky Loureiro................................................................. 109
Capítulo 5 | A conservação da biodiversidade como
estratégia competitiva para a Amazônia no antropoceno
José Maria Cardoso da Silva................................................................ 139
Capítulo 6 | A logística e a defesa da Amazônia Ocidental
Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira....................................... 157
Capítulo 7 | A Marinha na Amazônia Ocidental
e sua contribuição para a defesa e desenvolvimento
sustentável da região
Domingos Savio Almeida Nogueira...................................................... 175
Capítulo 8 | A atuação da Força Aérea na Amazônia Ocidental
José Mendonça de Toledo Lobato........................................................... 199
Capítulo 9 | Sistema de proteção da Amazônia: modelo
de governança singular do território amazônico brasileiro
Rogério Guedes Soares......................................................................... 207
Capítulo 10 | Zona Franca de Manaus (ZFM):
circunstâncias históricas, cenário contemporâneo
e agenda de aperfeiçoamento
José Alberto Machado da Costa e Rosa Oliveira de Pontes....................... 221

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Capítulo 11 | Caminhos da agropecuária
amazônica como instrumento de desenvolvimento
Alfredo Kingo Oyama Homma.............................................................. 267
Capítulo 12 | Logística de transporte
na Amazônia Integrada ao Sistema Nacional
Augusto César Barreto Rocha............................................................... 307
Capítulo 13 | Energia na Amazônia: qual o nosso futuro?
Rubem Cesar Rodrigues Souza............................................................. 335
Capítulo 14 | A questão mineral na Amazônia
Daniel Borges Nava............................................................................ 363
Capítulo 15 | Ciência e tecnologia no Amazonas
Ennio Candotti................................................................................... 385
Capítulo 16 | Imensidão amazônica: ciência
e vida de Samuel Benchimol
Lillian Alvares e Jaime Benchimol........................................................ 403
Capítulo 17 | Ciência e políticas públicas para
o desenvolvimento da Amazônia: homenagem
à Bertha K. Becker
Ima Célia Guimarães Vieira, Roberto Araújo O. Santos Junior
e Peter Mann de Toledo....................................................................... 419
Capítulo 18 | Una realidad incontrastable:
lo andino-amazónico
Rosalía Arteaga Serrano...................................................................... 425
Capítulo 19 | El largo e incierto camino
de la integración fronteriza en la Amazonia
Carlos Gilberto Zárate Botía................................................................ 435
Capítulo 20 | El cambio climatico y
sus efectos en las areas inundables de la Amazonía
Luis Campos Baca.............................................................................. 449
Capítulo 21 | Logistica de transporte Ecuador-Manaos:
Red Amazónica de Información Socioambiental
Georreferenciada (RAISG-2012)
Salomón Jaya Quezada........................................................................ 459

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Capítulo 22 | Tecnología amazónica: realidad en Colombia:
Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI+-32
Luz Marina Mantilla Cárdenas e Carlos Ariel Salazar Cardona............. 481
Capítulo 23 | Abordagem escalar da tríplice fronteira
Brasil-Peru-Colombia
Ricardo Jose B. Nogueira e Thiago Oliveira Neto.................................. 501

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Introdução
O livro Pan-Amazônia: Visão Histórica, Perspectivas de
Integração e Crescimento, além de procurar mostrar a Amazônia de
um ponto de vista multifacetado em relação aos pilares fundamentais
de sua complexidade sociocultural, econômica e ambiental, procurará
responder à grande questão sobre o que Brasil e os países da
Pan-Amazônia esperam da região no futuro próximo.
Um futuro que tem de pronto enorme desafio: como alimentar
9 bilhões de pessoas, a população que o mundo terá em 2050, e que
exigirá um crescimento na produção de alimentos de no mínimo 60%
em relação aos níveis atuais. E, mais particularmente, como gerar
emprego e renda para 25 milhões de habitantes que vivem nesta região.
Uma região que é brasileira, graças, sobretudo, ao espírito forte e fiel
que os brasileiros daqui sustentam com denodo e orgulho no que tange
à integridade territorial do país.
Uma Amazônia, entretanto, que pouco recebe do governo
federal, plantado em Brasília, sem a dimensão geográfica plena do
país. Queremos discutir as assimetrias da região e deixar claro que o
Brasil não se restringe à região Centro-Sul. Precisamos discutir essa
Amazônia, procurar encontrar seus rumos de acordo com as vocações
econômicas e sua biodiversidade. E assim, demonstrar que em vez de
problema, a Amazônia é ‘a’ solução para a complexidade dos problemas
que fazem nossa economia derrapar e deixar-se prender a armadilhas
que distanciam o Brasil cada vez mais de seus principais competidores
e da Pan-Amazônia.
A questão básica proposta pelos autores em seus capítulos diz
respeito à reflexão sobre as transformações que se processarão no
século XXI e quais os caminhos, com base na experiência de cada um,
a serem trilhados pela Amazônia, tendo em vista, de acordo com suas
vocações naturais ou induzidas, promover o desenvolvimento da região.
Não se trata de mais um livro de história da Amazônia, mas
uma coletânea, editada por temas, exibindo enfoques diversos sobre a
região. Com isso, os organizadores pretendem mostrar a diversidade
de abordagens e os caminhos pensados do ângulo do observador e
do analista em relação à biodiversidade e às potencialidades de
desenvolvimento.

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O objetivo da obra é também o de colocar ao alcance de
potenciais leitores informações sobre nossa região que se encontram
dispersas e confusas no imaginário popular. Por exemplo, quantas
pessoas têm a compreensão do que seja biodiversidade, sequestro de
carbono, manejo florestal, efeito estufa, que, jogados no cotidiano das
informações, transformaram-se em adjetivo, tal como aconteceu com a
ideia do “eldorado”.
Como organizadores da obra, o Dr. Alfredo Kingo Oyama
Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, e eu, definimos como
alvo principal do livro, em grande medida, o estudante do segundo
grau e do ensino universitário, além de professores e profissionais da
imprensa, técnicos, pesquisadores e interessados outros em conhecer
aspectos básicos da Pan-Amazônia. Com efeito, a linguagem escolhida
pelos autores é acessível, acompanhada de ilustrações (fotos e gráficos
coloridos) capazes de chamar a atenção dessa classe de leitores em
relação à história e aos diversos aspectos de nossa biodiversidade.
Ou seja, trata-se de um livro de conteúdo técnico, porém exposto em
linguagem de fácil compreensão.
Cada capítulo foi desenvolvido, por conseguinte, buscando-se
uma linguagem despojada, na qual o rigor da metodologia científica e
tecnológica se mistura à linguagem do senso comum. De igual modo
são abordados os desafios permanentes encarados por aqueles que
sempre viveram neste lugar e estão relacionados com a existência da
própria vida no planeta Terra. Em síntese, o livro pretende dimensionar
a Amazônia de um ângulo multiabrangente, isto é, a partir do ponto
de vista alguns dos países que a integram: além do Brasil, Colômbia,
Equador e Peru.
O conjunto dos capítulos tem narrativa dinâmica. A obra mostra
o todo da Amazônia sob óticas variadas, especialmente em relação
às suas belezas naturais, sua história, seu ecossistema, sua economia,
suas relações políticas, sociais, educacionais, culturais e diplomáticas,
conectando-as às idiossincrasias dos diversos países que a compõem.
O livro com certeza despertará o interesse não só dos jovens e
potenciais leitores regionais, mas também dos visitantes nacionais
e estrangeiros que desejam compreender como é o presente, o passado
e o futuro desta região e dos povos que aqui vivem.

Manaus, agosto de 2015


Osiris M. Araújo da Silva

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Capítulo 1

Pan-Amazônia:
cooperação e integração
para o desenvolvimento
Osiris M. Araújo da Silva

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38 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Lendo o magnífico e emocionante livro Amazônia, pátria das águas,


do poeta amazonense Thiago de Mello (MELLO, 2007), compreendi que
falar de Amazônia, ou particularmente da Pan-Amazônia, pressupõe,
antes de mais nada, procurar manter bem de perto visão aguçada
e a sentir a mensagem ecológica do poeta sobre as particularidades
socioambientais de nossa região.
Mello (2007), em perfeita combinação de prosa e poesia, conta
a história do Rio Amazonas, enfatizando sua caudalosa extensão
geográfica e em volume d’água, e sobre o quanto nossa flora e
fauna, como também o homem da floresta, dele dependem para sua
subsistência.
A simbiose homem-floresta constitui o elo mais importante
da natureza. Nem sempre de forma pacífica, muitas vezes, porém
conflituosa decorre esta relação. Independentemente dos percalços,
contudo, vem assegurando sua subsistência, mesmo a despeito de que,
ao longo dos séculos, não haja se forjado ainda uma consciência sobre
a noção exata de uso com preservação do ecossistema. Há de se ter
plena consciência do quão fundamental se constitui esta condição
para a pavimentação da senda que haverá de conduzir o ser humano,
enquanto agente de preservação dos meios ambientais, em direção à
garantia de sua própria sobrevivência.
Mello (2007) é pródigo ao analisar esses caminhos e a mostrar
ao homem a extrema complexidade do universo amazônico, suas
idiossincrasias e os abissais desafios que se oferecem ao Brasil e ao
mundo no que pertine à necessidade da formação de elo indestrutível
que possa garantir, em última análise, o pleno desfrute e os meios de
preservação da biodiversidade amazônica.
A seguir cito alguns trechos da obra do poeta, ao instante em que
telúrica, é também profética (MELO, 2007, grifo do autor):

Da altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas,


a água se desprende, e traça trêmula um risco na pele antiga
da pedra: o Amazonas acaba de nascer. A cada instante ele
nasce. Descende devagar, para crescer no chão. Varando
verdes, faz o seu caminho e se acrescenta. Águas subterrâneas
afloram para abraçar-se com a água que desceu dos Andes.
De mais alto ainda, desce a água celeste. Reunidas elas
avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a
imensa planície cortada pela linha do Equador.

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 39

Planície que ocupa a vigésima parte da superfície terrestre.


O verde universo equatorial que abrange nove países da
América Latina e ocupa quase a metade do território brasileiro.
Aqui está a maior reserva mundial de água doce, ramificada
em milhares de caminhos de água, que atravessam milhões
de quilômetros quadrados de chão verde. É a Amazônia, a
pátria da água.

É a Grande Amazônia, toda ela no trópico úmido, com a sua


floresta compacta e atordoante, onde ainda palpita, intocada
pelo homem, a vida que se foi urdindo em verdes desde o
amanhecer do Terciário. Intocada e desconhecida em muito
de sua extensão e de sua verdade, a Amazônia ainda está sendo
descoberta. Iniciado há quatro séculos, o seu descobrimento
ainda não terminou. E, no entanto, pelo que já se conhece
da vida na Amazônia, desde que o homem a habita, ergue-se
das funduras das suas águas e dos altos centros de sua selva
um terrível temor: a de que essa vida esteja, devagarinho,
tomando o rumo do fim.

Pois então vamos remando


na água negra transparente.
Vem comigo descobrir
as fontes verdes da vida.
Mas contigo travo amor,
para com dor aprender.

Como no Gênesis flutuava a cara de Deus, hoje é a esperança


que paira sobre a face das águas do meu rio. Que ainda
paira. Apesar de tudo. Apesar da destruição, do saque de
suas riquezas, do desflorestamento impiedoso, da fauna
ameaçada, do desamparo do homem ribeirinho – a esperança
amazônica resiste. O coração do homem não se cansa. Se, de
tão malferida, a floresta se cansa, este o nosso grande temor.

Vem ver comigo o rio e suas leis.


Vem aprender a ciência dos rebojos,
vem escutar o canto dos banzeiros,
o mágico silêncio do igapó
Mar Dulce, o rio de Orellana,
Marañon. O Guieni dos índios aruaques.
Parauaçu dos tupis.
O Grande rio das Amazonas.

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40 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Rio Amazonas, que percorre mais de seis mil quilômetros,


desde o fio de água que desce do lago Lauri, Lauricocha,
na cabeça dos Andes, desce também de Vilcanota, e logo se
engrossa no Urubamba, transforma-se no Ucayali, depois
já é o caudal do Solimões na selva peruana, encontra a sua
calha principal entrando no Brasil levando o mesmo nome
até encontrar-se com o Negro e então fazer-se Amazonas
propriamente dito, impetuoso, varando profundo o Estreito
de Breves, e encontrar-se com o Atlântico e empurrar para
trás as águas do mar até enormes distâncias.

É verdade que o mar se vinga. Reúne as suas forças salgadas e


retorna com fúria, em ondas de muitos metros de altura, que
rolam grossas e com grande estrondo sobre as águas do rio,
derrubando margens, afundando batelões e até navios.

Vem ver comigo o rio e suas leis.


Vem aprender a ciência dos rebojos,
vem escutar o canto dos banzeiros,
o mágico silêncio do igapó
coberto por estrelas de esmeralda.

O saque começou pelas drogas do sertão. E continua, até os


dias de hoje, cada vez mais impiedoso. De suas essências,
a principal delas a do pau-rosa, o privilegiado fixador de
perfumes. Os seus produtos medicinais, extraídos de folhas,
raíles e cascas de árvores. A andiroba, a copaíba, o sumo
da casca de mungubeira, o curare milagroso e maligno, e a
extraordinária quina, nativa do nosso chão. Os alucinógenos:
ipadu, iagé, paricá, o caapi dos sonhos telepáticos. O guaraná
estimulante que os índios descobriram e até hoje cultivam.
O alimento generoso de suas frutas inumeráveis. O mundo
inteiro consome a chamada “castanha-do-pará”, tão rica
de proteína e gordura e sais minerais. O cacau é originário
da Amazônia. Não cabe aqui a louvação nem resumida das
virtudes da nossa floresta. Mas como não gravar aqui, mesmo
de relance, a marca funda, conquanto suja, que deixou na
vida da Amazônia as qualidades das seivas e gomas elásticas
da selva.

A borracha – a famosa Hevea brasiliensis– é o fundamento


de todo um período histórico da vida social e econômica da
região, durante o qual a Amazônia conheceu extremos de
opulência e de miséria. Milhares de homens se adentram pela

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 41

mata para extrair o leite das seringueiras. A Amazônia entre


1895 e 1909 exporta mais de 400 mil toneladas de borracha,
pagas pelos europeus a preço de ouro.

Em Manaus, Belém e Iquitos vivia-se a grande vida, erguiam-


se palácios. Sucede que em 1876, as sementes da Hevea
brasiliensis, levadas pelos ingleses em sacas escondidas, e
plantadas na Malásia, frutificaram em Singapura. Depois
em Java, e na Sumatra. Em 1911 o Amazonas produz 45 mil
toneladas, enquanto as seringueiras da Malásia apenas 8
mil. Mas em 1920, a asiática alcançava 360 mil toneladas e
a do Amazonas descia a 8 mil, vendidas a preços aviltados.
Era o fim do Ciclo da Borracha. E um saldo de milhões de
seringueiras murchas.

Introdução
Ao menos três fatos marcantes redefiniram a geopolítica mundial
no quarto final do século XX: a unificação da Europa, a emergência da
China como potência econômica e a crise mundial de 2008. A partir
desses eventos, o mundo deixou de ser unipolar e sem perspectiva de
se tornar bipolar, a partir da recusa chinesa em covalidar essa via.
O novo formato geopolítico capaz de suportar interesses econômicos,
políticos e diplomáticos a partir do século XXI é multipolar, tendência
prevalente e que aponta a necessidade irremediável de integração
dos interesses comerciais, logísticos e de intercâmbios econômicos
processados ao redor da Terra.
A América do Sul segue a tendência ao constituir blocos
econômicos sub-regionais, como Mercosul, restrito, e Aliança do
Pacífico, mais aberta pois integrada ao México, e, por extensão, aos
Estados Unidos e ao resto do mundo. Há um “sub-bloco” localizado no
coração de nosso continente que busca espaço e significância geopolítica
e econômica, a Amazônia multinacional, a Grande Amazônia ou Pan-
Amazônia, formada, como se verá adiante, por expressivas porções
territoriais de Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname, Colômbia,
Equador, Peru e Bolívia.
O que nós, sul-americanos, sabemos a respeito desse extenso
território, praticamente perdido no interior dos países que o formam e
mantêm, mas que relativamente pouco se ocupam em priorizar ações
de governo voltadas à promoção do seu desenvolvimento econômico e
social? Não o suficiente, é certo, embora esforços governamentais, da

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42 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

universidade, da pesquisa e diplomáticos venham se processando nessa


direção.
Agrupar-se em blocos econômicos foi uma resposta à unipolaridade
advinda do modelo econômico capitalista herdado de Adam Smith,
segundo o qual a mão invisível seria capaz de regular os mercados
e equilibrar economias interdependentes. Sem dúvida, o laissez faire,
laisser passez smithtoniano não cabe mais no mundo contemporâneo,
em que os países romperam isolamentos históricos e geopolíticos e
aderiram a sistemas de governo e econômicos interdependentes.
Certamente, transformações de tal magnitude afetam direta­
mente nosso continente. Daí a necessidade do aprofundamento dos
estudos e tratados que lastreiam as inter-relações de troca e a cooperação
econômica como forma de superar a pobreza e o isolamento que ainda
pairam sobre o continente sul-americano e a Amazônia em particular.
Um passo basilar deve contemplar a visão ambiental sobre a região
de sorte a refletir mais a preservação do ser humano como bem mais
importante da natureza, não o inverso. Com efeito, proporcionar
ao homem meios de sobrevivência com dignidade deve pressupor
necessariamente assegurar-lhe emprego e renda em atividades
sustentáveis, que garantam, sob qualquer condição, o equilíbrio do
bioma e a preservação do ecossistema.
Ocorre que o desenvolvimento sustentável com base no extrati­
vismo puro não oferece ao ser humano essa condição, isto é, de
manter-se e à sua família confortavelmente. Até pode, mantendo-o,
porém, ad aeternum na mesma condição. Sem meios de evoluir, crescer
e avançar em conquistas humanas fundamentais, como educação,
saúde, segurança, emprego e geração de riqueza.
Alcançar o estágio de desenvolvimento sustentável, segundo
visões mais benevolentes dos meios científicos, pressupõe, no mínimo,
satisfazer três condições: geração de atividades viáveis economicamente,
preservação do ecossistema e redução da pobreza humana. Mesmo
assim, segundo o Banco Mundial, o maior incentivador desse
modelo, garantir sustentabilidade a atividades em biomas complexos,
dificilmente venha a ser bem-sucedido. Isto, contudo, não significa que
a meta não deva ser perseguida à exaustão.
Reportagem da revista Veja, de 20 de fevereiro de 2013, página
107, informa que a conclusão do Banco Mundial baseou-se em trabalho
que realizou “para avaliar os efeitos dos US 2,6 bilhões gastos em

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 43

289 projetos em florestas de 75 países, entre 2002 e 2011. O investimento


serviu para aumentar a área de reservas ao redor do mundo, mas, de
maneira geral, não conseguiu evitar a degradação da biodiversidade e
de pouco ou nada adiantou para elevar o padrão de vida da população”.
O diagnóstico abrangeu igualmente o Brasil, onde, segundo Veja, “a
instituição financiou a demarcação de 45 milhões de hectares de terras
indígenas e outros 26 milhões em reservas ambientais”.
O Banco chegou a esses resultados não por meio de dados
estatísticos sobre “renda ou desenvolvimento humano”. As conclusões
levaram em conta levantamentos de campo efetuados por especialistas
da instituição “em visitas às comunidades que deveriam ser
beneficiadas”. Desta forma, foi possível realizar “análise muito mais
próxima da realidade, pois são raros os países com indicadores sociais
confiáveis para grupos populacionais tão pequenos quanto aqueles
formados pelos que vivem dentro ou ao redor de reservas”, destacou o
relato de Veja.
Uma das causas desse fracasso, segundo o relatório do Banco
Mundial,consistiu “na insistência de ONGs e governos em considerar
que as atividades de subsistência e extrativas são a melhor opção para
o desenvolvimento das comunidades pobres”. Os auditores do banco
observaram que “pescar o peixe que se come ou catar coquinhos para
vender a um preço simbólico não deveria ser o objeto final dos projetos,
apenas um meio para as pessoas sobreviverem enquanto se organizam
para uma atividade econômica capaz de produzir mais riqueza”.
Essas comunidades – estimadas pelos estudos do Banco Mundial
em 70 milhões de pessoas estabelecidas nas florestas e outras 735
milhões em áreas rurais próximas – não obstante obterem um mínimo
para sobreviver, não conseguem melhorar de vida, e assim livrar-se
da pobreza. Portanto, seguem dependentes de ajudas de ONGs e de
governos locais. Muitas vezes submetidas a programas populistas de
governo que induzem a manter extensas faixas populacionais carentes
de bolsas e subsídios sociais diversos, que não lhes oferecem uma saída
a essa condição de dependência de favores públicos.
E assim, o que seriam subsídios eventuais, transitórios,
perpetuam-se em nome de interesses eleitoreiros não exatamente
compatíveis com a necessidade da promoção do desenvolvimento. Este
sim, o objetivo maior a ser perseguido e alcançado, pois, no lugar de
dar o peixe, oferecer a vara e ensina a pescar. Única via de erradicar

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44 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

a pobreza e garantir dignidade, por meio de emprego e renda, às


camadas sociais carentes.
Esta uma realidade, em maior ou menor escala, comum aos pobres
da Amazônia. Uma região deficiente em políticas públicas e altamente
carente em infraestrutura de comunicação e transporte, em educação
ajustada às assimetrias locais, em mão de obra especializada, e que
não promove regularização fundiária. Há muitos outros problemas
comuns que vão desde a insegurança jurídica, a conflitos eternos com
populações indígenas, carência de assistência à saúde e previdência
social, como também, por falta de Zoneamentos Ecológicos Econômicos
(ZEE), tornando mais difícil a recuperação de terras degradadas com
vocação produtiva, e, em última instância, canalizar investimentos para
o interior da Amazônia.

Amazônia em perspectiva
A fronteira da Amazônia é muito porosa. Os povos das
fronteiras não são apenas brasileiros. Os índios do Alto
Rio Negro, por exemplo, também são colombianos. Falam
o tucano, a língua geral, falam português, e alguns falam
espanhol. Você ouve muitos reacionários dizerem: “Não tem
que dar terra para os índios, eles já têm muita terra”. Isso é uma
coisa de louco. O que não pode é proibir o Estado de entrar
em terras indígenas. E, de fato, elas são usufruto, não são
propriedade dos índios. Por isso foi decidido que eles podem
ficar na Raposa Serra do Sol, e que os arrozeiros têm que
sair. Eles invadiram terras indígenas. A presença do Estado
é importante, até mesmo para expulsar os missionários. Sou
contra a presença de evangélicos, de tudo que é missionário.
Saiam da Amazônia! Se a terra foi garantida para os índios,
que a cultura deles também seja garantida. Sou a favor de uma
ocupação das fronteiras pelo Exército e pela Marinha. É uma
questão de soberania, porque ninguém calcula a riqueza da
Amazônia. Ninguém sabe. (...), mas acredito que o manejo
florestal é totalmente possível. A Amazônia possibilita muitas
opções econômicas, de perfumes e cosméticos a plantas
medicinais e uma variedade enorme de frutas. Mas você tem
que envolver os pesquisadores que moram na região. Gente
do Museu Goeldi, do Inpa, da Embrapa, das universidades.
Infelizmente, essas pessoas não são ouvidas (MILTON
HATOUM, 2009).

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 45

Figura 1. Amazônia sul-americana, a Pan-Amazônia.


Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

A Amazônia sul-americana assume forma continental capaz de


englobar em seu território toda a Europa Ocidental. O comparativo é
válido apenas do ponto de vista geopolítico, posto que economicamente
a região distancia-se daquele continente em dimensões abissais.
Enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) amazônico não ultrapassa
US$ 100 bilhões, o europeu é da ordem de US$ 14,5 trilhões (valores
de 2010), superior ao dos Estados Unidos, a maior potência mundial.
Becker (2004) resume as dimensões da região: corresponde a 1/20
da superfície terrestre e 2/5 (40%) da América do Sul, 3/5 do Brasil;
contém um quinto da disponibilidade mundial de água doce e um
terço das florestas mundiais latifoliadas, mas somente 3,5 milésimos
da população planetária. Por esses dados, cientistas a consideram o
coração ecológico do planeta – heartland.
Nesse contexto, explica, alterou-se o significado da Amazônia,
com “uma variação ecológica de dupla face: a da sobrevivência humana
e a do capital natural, sobretudo a megadiversidade e a água”.
Em sua descrição, Becker (2004) salienta que o conceito de
heartland se aplica devido à extensão da massa terrestre e florestal –
que historicamente dificultou a ocupação -, constituindo autodefesa
que envolve hoje a Amazônia sul-americana; à posição geográfica
estratégica entre os blocos regionais e à conectividade, que atualmente
permite maior mobilidade interna acrescentando valor à biodiversidade,
base da fronteira da ciência com a biotecnologia molecular.

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46 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 2. Limites amazônicos e cobertura da terra.


Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

Souza (2009, p. 21), assim define os marcos geopolíticos da região:


A bacia do Rio Amazonas abrange as altas montanhas dos
Andes, os geologicamente mais antigos altiplanos do Brasil
Central e do Escudo Guianense, e imensas terras baixas que
formam a zona de aluvião e as terras baixas da Amazônia.
Estas zonas determinam a composição química dos afluentes

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 47

amazônicos e servem de ambiente para o processo evolutivo


dos seres vivos. Como a Cordilheira dos Andes continua
subindo, esta tem sido a parte que mais sofreu transformações
durante a recente era geológica.

Ocupando mais de 6 milhões e 800 mil quilômetros


quadrados, a bacia do Rio Amazonas é a maior bacia fluvial
do mundo, superando, em duas vezes, a segunda bacia fluvial,
a do rio Congo, na África. A bacia do rio Madeira é a maior
dentre os afluentes e se estende por mais de 1 milhão e 400
mil quilômetros quadrados, ocupando partes do território
do Brasil, da Bolívia e do Peru. As florestas cobrem a maior
parte da bacia do Rio Amazonas e os biólogos e geógrafos a
denominam floresta amazônica, embora existam savanas e
outros nichos ecológicos diversificados.

A Bacia Amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo, com


mais de 7 milhões de km², e o Rio Amazonas é o maior rio do mundo,
com 7.062 km. É reconhecido internacionalmente o rio de maior
comprimento, além do mais caudaloso, mais largo e mais profundo. Ele
nasce a 5.170m de altitude nos Andes peruanos, e depois de passar por
vasta planície, deságua no Oceano Atlântico, onde despeja o volume
de 220.000 m³ por segundo de água doce (15,47% de toda a água doce
descarregada nos oceanos por dia). Sozinho transporta mais água do
que os rios Missouri, Mississipi, Nilo e Yangtzé juntos.
Atualmente, essa imensa bacia banha os territórios de sete países:
Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela. É,
pois, classificada como uma bacia internacional, ou transfronteiriça.
Tal compartilhamento é fruto da história que levou à formação das
fronteiras políticas e que teve início com a conquista e colonização das
Américas, segundo Sant’Anna.
A área da chamada Grande Amazônia, segundo Aragon (2007),
é da ordem de 7.430.785 Km2, número esse resultando da junção dos
dados apresentados nos estudos das Amazônias nacionais. Representa
mais de 54% da área total dos países amazônicos. Prossegue Aragon
(2007):
Excetuando-se as Guianas, onde 100% do seu território
foi considerado amazônico, nos demais países a Amazônia
também representa uma parte considerável de seu território,
especialmente nos dois maiores países, Brasil e Peru, onde
a Amazônia representa cerca de 60% de seus respectivos
territórios nacionais.

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48 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 3. Bacias e sub-bacias pan-amazônicas.


Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

A proporção de ecossistema amazônico em relação à totalidade do


território de cada país é a seguinte, conforme Souza (2009) (Tabela 1):

Tabela 1. Percentual do ecossiste­


ma amazônico nos países.

País Percentual
Bolívia 70
Peru 65
Brasil 55
Equador 50
Colômbia 35
Venezuela  8
Guianas  3
Fonte: Souza, 2009.

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 49

Não obstante a imensa extensão territorial, a região é pouco


povoada. Os oito países que compõem a Grande Amazônia têm
população de cerca de 38 milhões de habitantes, dos quais 25 milhões,
65,78 %, na Amazônia brasileira.
A Grande Amazônia, como citado no estudo de Simões (2011),
estimativamente dispõe de um 1/3 do estoque genético planetário.
Resumidamente: 60.000 espécies de plantas (10% do total mundial),
2,5 milhões de artrópodes (insetos, aracnídeos, crustáceos, etc.),
2.000 de peixes (quantidade superior à encontrada em todo o Oceano
Atlântico).
O gigantismo da Amazônia sul-americana – a Pan-Amazônia
– acarreta vantagens e desvantagens. De um lado, o culto ao mítico,
ao lendário, seus encantos e belezas despertam curiosidades e desejos
de conhecê-la e senti-la de perto ao redor do planeta. De outro, a
complexidade geopolítica, da biodiversidade e ecossistemas que encerra
tornam-se gigantescos desafios no encontro de soluções econômicas e
ambientalmente sustentáveis para as mais diversas questões suscitadas
aos meios universitários, à pesquisa e ao governo.

Cooperação científica
Toda essa complexidade é ainda agravada pelo distanciamento
estabelecido entre os diversos países que compõem a Pan-Amazônia.
O nível de diálogo e cooperação técnica e diplomática é tênue,
distanciado e ineficaz. Difícil de crer, porém os diversos órgãos de
pesquisa da região, como o Instituto Amazónico de Investigaciones
Científicas SINCHI, da Colômbia, o Instituto de Investigación de la
Amazonia Peruana (IIAP) e o Instituto de Pesquisas da Amazônia
(Inpa) não mantêm vínculos explícitos e agendas compartidas em
setores da pesquisas com objetivos e metas comuns. De igual modo
ocorre em relação às universidades. Evidentemente, em muitos pontos
seria ideal estabelecer currículos comuns, possibilitando, assim, maior
troca de informações e resultados de pesquisa de interesses recíprocos.
A Universidade Nacional da Colômbia, Sede Amazônia (Letícia),
a Universidade Central do Equador ou a Universidade Federal do
Amazonas, do Acre, de Rondônia, do Pará, etc., poderiam estudar
e certamente encontrar resultados mais rápidos e eficazes para
diversos problemas da região, caso interagissem ações em áreas de

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50 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

interesses e metodologias comuns. Como as pesquisas sobre a malária


e outras doenças tropicais, a construção naval, a navegação fluvial
e o aproveitamento da madeira para produção de etanol, o estudo
de princípios ativos para a indústria de cosmético ou de produtos
medicinais.
A universidade e a pesquisa desdobram-se para superar
adversidades e, em certos casos, a indiferença de governos. Por isso,
dificilmente Letícia acompanha o Inpa, o IIAP, o Museu Goeldi, e
esses a Universidade Central do Equador. E assim por diante. Esse ciclo
perverso precisa ser quebrado em favor de uma Pan-Amazônia forte
e integrada, que, dessa forma, possa compartilhar esforços e o bem
comum da população amazônica.

Cooperação econômica
Machado (2009, p. 3), professor da Universidade Federal do
Amazonas (Ufam), escreveu:
A população que vive na parte amazônica dos diversos países
que participam do bioma é estimada em torno de 28 milhões
de pessoas. Juntando-se a população dos estados da Amazônia
brasileira com a totalidade da população dos demais países da
Amazônia Continental, essa estimativa aproxima-se de 140
milhões (ARAGÓN, 2005). Trata-se, pois, de um mercado
significativo, mas muito pouco dinamizado.

De acordo com Machado (2009), os dados de comércio exterior


desse mercado, referentes a 2008 (MDIC, 2009), indicam que:
a) os estados da Região Norte do Brasil exportaram
aproximadamente 7% (US$ 825 milhões) do total das
exportações do Brasil para os países amazônicos (US$11.825
milhões). As importações têm menor expressão ainda, pois
representaram apenas 4% (US$ 225 milhões) do total das
importações feitas pelo Brasil desses países (US$ 5.253
milhões). Além de irrisória, gera imenso déficit comercial
contra esses países, o que se converte em foco de desconforto
nas relações deles com o Brasil;

b) além de diminutos, esses fluxos comerciais concentram-


se, basicamente, entre dois estados brasileiros e três países

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 51

(Venezuela, Peru e Colômbia), cujo intercâmbio representa


mais de 90% das exportações e mais de 95% das importações.
As exportações do Amazonas representaram US$ 392 milhões
e do Pará US$ 353 milhões. As importações centradas no
Amazonas, US$ 131 milhões e no Pará, US$ 88 milhões;

c) um outro aspecto é que esse comércio centra-se em apenas


alguns itens. Das exportações, 80,4% feitas pelo Amazonas
concentram-se em celulares, concentrados de bebidas,
derivados de petróleo, televisores e motocicletas; e 96,5%
feitas pelo Pará concentram-se em bovinos vivos, manganês
e subprodutos bovinos. Das importações, 90,1% feitas
pelo Amazonas concentram-se em prata, ligas e resíduos
de alumínio, policroreto de vinila, laminados de ferro e
poliestireno; e 99,6% feitas pelo Pará concentram-se em
hulha e produtos relacionados e em coque de petróleo.

Entretanto, existe uma grande lista de produtos que a região


compra do Sul-Sudeste brasileiro ou de outras regiões do
mundo que poderia ser suprida por esses países, com preços
muito mais baixos, como é o caso de adubos e insumos para
fabricá-los, artesanatos de têxteis, de pedrase de metais,
calcário, cerâmica, cobre, zinco, derivados de petróleo,
enlatados (atum, sardinha, etc.), enxofre, flores, frutas
(morangos, uvas, etc.), frutos do mar, pedras ornamentais,
material de construção e outros. Por outro lado, esses países
compram de outras regiões do mundo produtos que poderiam
ser supridos pelo Brasil por preços certamente menores,
como é o caso de artigos de pesca, de telefonia, esportivos,
náuticos, autopeças, bebidas em geral, motocicletas e
bicicletas; exportaram apenas 7% (US$ 825 milhões) do total
das carnes e frangos, eletroeletrônicos, em geral, ferramentas,
instrumentos musicais, minérios, material elétrico, peças de
maquinas, peças de motores, sucos e concentrados, temperos
e muito mais.

Por essas considerações, um objetivo da política externa em


relação a esse tema seria ampliar o comércio e diminuir os
desequilíbrios da balança comercial com esses países, a partir
do estímulo à complementaridade econômica entre eles e
os estados amazônicos, através da facilitação do comércio
com redução de barreiras alfandegárias, fitossanitárias e
logísticas.

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52 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Polos alternativos
Há certamente longo caminho a percorrer em busca de efetiva
integração dos países pan-amazônicos. Benchimol (2003) acreditava
que o ponto de partida para a promoção da integração e do
crescimento econômico da região advém da necessidade de incentivar
fortemente alguns projetos e criar novos polos, alguns históricos
e outros inovadores. Considerava fundamental a necessidade de
repensar e fazer uma releitura do passado. Salienta, no documento,
que muitas das produções florestais podem ser reativadas, desde que
modernizadas com introdução de tecnologias modernas, eficientes e
autossustentáveis.
Dentre os polos considerados, ele cita, adicionalmente: o
de especiarias, de essências aromáticas, de produção de óleos de
dendê (palm oil), coco, babaçu, andiroba, patauá e outras palmáceas;
heveicultura, biotecnológico, varzeano agrícola, frutícola, floricultura
e plantas ornamentais, palmiteiro, pesca e piscicultura, pasta
química de celulose e papel, polo madeireiro e moveleiro, pecuário
e criatório.
Destaque especial ao polo gás-petroquímico a partir das
reservas do Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela e do Norte do
Brasil. Aproximadamente uma dezena de bacias sedimentares
estão situadas na Amazônia Legal brasileira, perfazendo quase 2/3
dessa área territorial. Três delas – bacias do Solimões, Amazonas e
Paranaíba – são as mais importantes, não só pelo tamanho ( juntas
ocupam aproximadamente 1,5 milhão de Km²), mas principalmente
pelo seu potencial. A Bacia do Solimões (Urucu, Coari) é a terceira
bacia sedimentar em produção de óleo no Brasil, com reserva de
132 milhões de barris de petróleo. Em segundo lugar vem o Estado
do Espírito Santo, com produção de 169 milhões barris de petróleo
e gás/dia, e do Rio de Janeiro – maior polo brasileiro de produção
petrolífera, com cerca de 1,8 milhão barris de petróleo e gás por dia
– o equivalente a pouco mais de 84% de toda a produção dos campos
nacionais.
No entanto, a principal vocação da Amazônia é o gás natural.
Informes da Petrobras indicam que o Estado do Amazonas tem a
segunda maior reserva brasileira de gás natural do país, com total de
44,5 bilhões de metros cúbicos. Nas outras duas bacias também têm
sido encontradas acumulações de gás.

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 53

Os campos são bem amplos. O principal passo a ser dado


relaciona-se à crença dos governos locais nessas potencialidades, e com
efeito realizar os investimentos que a integração da região exige.

Figura 4. Derrame do oleoduto de crudos pesados (OCP) nos rios


Santa Rosa, Quijos e Coca, na Amazônia equatoriana, 2009.
Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

Turismo
Outros campos de negócios – como se verá mais adiante – cabem
nesse raciocínio. Um dos mais importantes diz respeito à indústria do
turismo. O brasileiro comum não tem ideia do que sejam o Equador,
a Colômbia, o Peru, a Bolívia. Muitos vão a Miami ou ao Caribe sem a
noção do que estão perdendo ao não conhecer cidades extraordinárias
como Bogotá, Lima e Quito, a belíssima e civilizada Medellin e as
históricas Cartagena, Cuzco, Machu Picchu, o Lago Titicaca, Guayaquil,
Cuenca, as belas praias do Pacífico ou as Ilhas Galápagos, Caracas,
Maracaibo, e muitas outras.
Há muitas ilhas caribenhas pouco visitadas por turistas da
região. Enorme potencial à espera de um planejamento estratégico
que privilegie a implantação de infraestruturas locais, voos acessíveis

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54 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

e programas especiais que ofereçam comodidade e preços acessíveis.


Isto poderia causar uma explosão de visitantes aos belíssimos sítios
ecológicos da região. Entretanto, para chegar a Bogotá, Lima, Quito,
Caracas ou La Paz, um turista de Manaus, de Belém ou de Boa Vista
terá que viajar via Panamá, ou via Mato Grosso do Sul, Santa Cruz de
La Sierra, La Paz e assim por diante. Para Bogotá, há alternativa de
voo via Letícia, mas o custo da viagem é alto.
O turismo integra e gera emprego e renda ao redor do mundo.
Contudo, o turista de poder aquisitivo elevado opta por destinos
consolidados, como Aruba, Miami, Orlando, Cancún, República
Dominicana, Curaçao. Visitar Manaus, Belém, Rio Branco, Porto Velho
ou Boa Vista, para um peruano, um colombiano, um boliviano, um
equatoriano ou um venezuelano é muito difícil. Tornam-se destinos
praticamente inacessíveis, seja por acesso deficiente ou devido a custos
de viagens normalmente fora do alcance de um turista comum.
Quando viajei pela Amazônia sul-americana em outubro/
novembro de 2013, ao conversar com diversas pessoas, gente comum
em táxis, feiras, lanchonetes, shoppings, praças, lugares turísticos em
diferentes localidades, ao me apresentar como nativo de Manaus,
praticamente ninguém tinha a menor noção a que cidade me referia.
O inverso é verdadeiro.
O professor Ochoa (2008) afirma que o potencial da Amazônia
para implementar atividades turísticas, principalmente em relação às
modalidades baseadas no turismo ecológico, étnico ou cultural, vem
sendo estudado por diversos agentes e em múltiplos espaços.
Diversos autores consideram o turismo uma forma de aproveitar
os atributos culturais e ecossistêmicos da região, assim como uma
via de geração de renda para as populações locais. Por sua vez, essas
“poblaciones locales” buscam múltiplas maneiras de articular-se à sua
dinâmica, seja vendendo sua força de trabalho como guias, intérpretes,
empregados, organizando-se em grupos associativos, criando pequenas
empresas, adquirindo novas habilidades, gerenciando projetos para
construção de infraestrutura e buscando mais apoio institucional.
Independentemente de alguns pontos negativos, perfeitamente
contornáveis, a Amazônia se posiciona cada vez mais como produto e
destino turístico na cadeia global. Conforme salientam Ochoa e Palácio
(2008), na exploração inicial da Amazônia e em seu posicionamento
como produto turístico pesou bastante a imagem que a sociedade

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 55

ocidental formou a respeito da região. Estes, prosseguem os autores,


como as crescentes expectativas sobre o setor, tem consolidado a ideia
de que o turismo configura alternativa para o desenvolvimento da
região.
Destaco ainda na obra de Ochoa (2008) que, assim como produto
turístico amazônico pode ser proporcionado quase que em qualquer
lugar, significa que os amazônidas que se inserem em sua dinâmica
passam a competir com diversos agentes da cadeia global. A vantagem
para as populações locais poderia estar em que, ao tratar-se de um
produto inovador – selva e rio, experiências com culturas indígenas – a
mesma comunidade pode desenhar produtos mais integrados e avançar
até os setores de maior interesse em países emissores.
Não há qualquer dúvida que o segmento, conquanto ofereça
amplas perspectivas mercadológicas e culturais, demanda fortes
investimentos em infraestrutura não só voltados à atração do turista
local (sul-americano) ou estrangeiro, como no sentido de transformar
a Pan-Amazônia em destino turístico internacional. Como ocorre
com o Caribe, a Indonésia, a Namíbia, a África do Sul, a Austrália, a
Flórida, etc.

Relações de troca
O intercâmbio comercial da Pan-Amazônia é ainda incipiente,
embora vastos os campos de possibilidades. Segundo Machado (2009)
através dos estados do Pará e Amazonas e, mais recentemente, o Estado
de Rondônia, tem ampliado seu comércio com os países pan-amazônicos.
Mas ele se dá com poucos países e com uma pauta de produtos bastante
aquém do potencial. Em relação à América do Sul, esse potencial se
amplia para uma escala que propiciaria aos estados amazônicos do
Brasil um mercado de grandes dimensões, próximo territorialmente,
com similaridade cultural e com facilidades aduaneiras em construção.
Machado (2009) salienta que, com acesso aos mercados da costa
leste do Pacífico, a chegada à Ásia se torna o passo seguinte natural.
E então, esse grande e rico mercado passaria a ter conexão célere com
a Amazônia, beneficiando-a em vários aspectos. Exemplos de fluxos
comerciais capazes de trazer efeito virtuoso para a região podem ser
citados:
a) componentes eletrônicos fabricados na Ásia e importados em
grandes volumes pelo Polo Industrial de Manaus;

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56 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

b) manufaturados eletroeletrônicos, duas rodas, peças plásticas,


equipamentos médicos, computadores, celulares e outros
destinados a abastecer toda a costa leste do Pacífico, hoje
atendida pelos Estados Unidos, México ou Ásia;
c) carnes, peixes, polpa de frutos, aves e similares, óleos nativos,
extratos regionais, ervas;
d) medicinais e conexos, produtos fabricados com insumos da
biodiversidade regional, todos demandados em grandes
quantidades pela Ásia;
e) soja e seus derivados, sobretudo óleo, escoado do norte do
Mato Grosso, tanto para os países latinos do Pacífico quanto
para os países asiáticos;
f) minérios em diversos estágios de processamento oriundos
de diversos estados brasileiros e países amazônicos, inclusive
alguns estratégicos, como nióbio-tantalitax;
g) turismo massivo e integrado, pelo qual os asiáticos entrariam
no continente através de um dos muitos atrativos existentes
nos países da costa leste (Machu Picchu no Peru, Galápagos
no Equador), chegariam à selva amazônica e suas belezas
tropicais, se deslocariam para o estuário amazônico e depois
demandariam o Nordeste brasileiro.
Outras possibilidades dizem respeito à integração do Polo
Industrial da Zona Franca de Manaus (PIM) com os mercados da
Pan-Amazônia. Ocorre que, por erros grosseiros da diplomacia e
do próprio governo brasileiro, Equador, Peru, Bolívia e Colômbia,
principalmente, avançaram outras áreas de interesse com Coreia do
Sul, Japão e Rússia em setores fundamentais, como os da indústria
automobilística, cimento, armas e munições, petróleo e gás. O Brasil
perdeu espaços preciosos que talvez possam, presumivelmente, em
alguns casos, serem retomados a partir da integração social, política e
econômica da Amazônia sul-americana.

Expansão comercial
A propósito, esteve em visita a Manaus, capital do estado brasileiro
do Amazonas, no mês de maio de 2014, comitiva empresarial da
província peruana de Loreto, chefiada pelo governador Yván Vásquez
Valera, e assessores. Na oportunidade foram realizados encontros

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 57

oficiais com o governo e lideranças empresariais locais. Importantes


interesses comerciais aguardam ser explorados a partir da região
da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia. As cidades brasileiras de
Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte mantêm convivência
histórica com Iquitos e Letícia, que, no entanto, pouco evolui do ponto
de vista de negócios e da infraestrutura.
Trata-se de região muito rica, que esbarra na praticamente
impensável ausência de um sistema que permita maior fluidez cultural
e econômica entre as cidades aproveitando as vantagens comparativas
que sustentam. “Temos muitos pontos em comum, o mesmo rio e a
necessidade de abrir mercado, não só do norte do Peru para o norte
do Brasil, quanto do Pacífico. Podemos enfrentar os problemas de
eficiência dessa rota juntos. Por isso, pedimos aqui o esforço e o apoio
do governador nesse sentido. Uma via alternativa que atravessaria o
Pacífico mais rápido que a rota do Panamá”, afirmou o governador
Yván Vásquez Valera à imprensa amazonense.
No encontro, realizado na sede do Governo do Amazonas, do
qual participaram o governador José Melo e o prefeito de Manaus,
Arthur Virgílio Neto, discutiu-se a possibilidade de criação de uma
rota comercial com área aduaneira compartilhada entre as cidades
peruanas vizinhas e o Amazonas, bem como a criação futura de uma
nova rota comercial alternativa da Ásia até Manaus, via Peru usando
a Carretera Transoceânica. Somando-se à logística de transporte
fluvial, a abertura para o Pacífico, na prática, significa a integração
total da bacia amazônica aos países asiáticos. Comissão especializada
foi elaborada para formular os projetos técnicos requeridos por essa
operação.

Biodiversidade exótica
Homma (2013), pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental,
procede à extensa análise do quadro da produção agropecuária na
Amazônia e das potencialidades que podem se confirmar como
produto da biodiversidade. Suas análises levam em conta que
A despeito da ênfase na biodiversidade nativa, grande
parte da agropecuária amazônica está apoiada em plantas
e animais de outros continentes ou de outras áreas extra-
Amazônia, podendo-se destacar a soja, algodão, milho,
arroz, feijão, juta, pimenta-do-reino, bananeira, laranjeira,

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58 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

cafeeiro, coqueiro, abacaxi, dendezeiro, mamoeiro, meloeiro,


aceroleira, bovinos e bubalinos, frangos etc. Para muitas destas
culturas, a Região Amazônica tornou-se a maior produtora
nacional, concentrando um terço da produção de soja,
metade da produção de algodão, a totalidade de pimenta-
do-reino, juta e malva e do rebanho bubalino, abacaxi,
dendezeiro etc. No contexto nacional, o Brasil tornou-se um
dos maiores produtores e exportadores mundiais de carne
bovina e frango, café, suco de laranja, soja, açúcar, fumo,
álcool, milho, carne suína etc.

Perda e ocupação de mercados


A Amazônia, entretanto, prossegue Homma (2013), ao longo do
tempo, tem sido prejudicada pela perda de mercado de produtos da
sua biodiversidade, como ocorreu com a cinchona, cacau, borracha,
guaraná, pupunha, jambu, açaí, cupuaçu, que foram e estão sendo
transplantados para outras partes do país e do mundo. Outras culturas
exóticas, como o cafeeiro, mamoeiro, meloeiro, que tiveram seu
desenvolvimento inicial no Estado do Pará, perderam competitividade
para outras áreas do país.
Movimento inverso também ocorreu, como a expansão da
pecuária, soja e algodão, em que Mato Grosso é o maior produtor;
dendezeiro, em que o Pará é o maior produtor; e coqueiro, maior
plantio do país. A partir de 2003, o Estado do Pará iniciou a exportação
de boi vivo, e a extração de madeira de floresta nativa foi reduzida
drasticamente. O estado possui o maior rebanho bubalino, que se
integrou à paisagem marajoara e à Amazônia Legal, e responde por
quase um quinto das exportações brasileiras de pescado. Quanto à
questão da sustentabilidade, ele deixa muito a desejar.

É possível uma nova agricultura na Amazônia?


No mesmo estudo, Homma (2013) observa:
Defende-se a importância de desenvolver uma agricultura
mais sustentável e gerar renda e emprego na Região
Amazônica. A questão ambiental na Amazônia precisa sair
da fantasia e buscar resultados concretos ao invés do culto
ao atraso e de atender os interesses de determinadas ONGs,
de instituições internacionais e de países desenvolvidos.

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 59

Entende-se que a reduzida oferta de tecnologias agrícolas


e ambientais, associada ao baixo nível de capital social, tem
sido a causa e o efeito das atividades altamente dependentes
da depredação dos recursos naturais na Amazônia. As pragas
e doenças que afetam os cultivos na Amazônia constituem
grandes desafios atuais e futuros (HOMMA, 2010).
A despeito da exaltação da magnitude da biodiversidade
futurística, os grandes mercados e a sobrevivência da
população regional ainda vão depender dos atuais
produtos tradicionais, representados pela biodiversidade
exótica, como o rebanho bovino e bubalino, cultivos como
cafeeiro, dendezeiro, soja, milho, algodão, pimenta-do-
reino, bananeira, procurar o pragmatismo, juta, coqueiro,
laranjeira, entre os principais.
A biodiversidade nativa ainda não ocupou parte relevante
do seu potencial, que pode aliar a preservação ambiental,
renda e qualidade de vida para os agricultores da Amazônia.
A experiência da introdução das lavouras de juta e pimenta-
do-reino pela imigração japonesa na Amazônia, duas
plantas exóticas do sudeste asiático, na década de 1930, foi
rapidamente absorvida pelos agricultores brasileiros.
Essa e outras experiências indicam que os pequenos
agricultores da Amazônia não são avessos a inovações, desde
que preço e mercado sejam satisfatórios, mesmo em se tratando
de cultivos de grande complexidade e, no caso citado, numa
época em que não existia serviço de extensão rural. Por outro
lado, a valorização e o crescimento do mercado do fruto de
açaí incentivaram a conservação de açaizeiros, enquanto a
Lei no 6.576/1978, proibindo a derrubada para obtenção de
palmito, assinado pelo presidente Ernesto Geisel (1907-1996),
não teve nenhum efeito.

Infraestrutura, base da integração regional


A esta altura, cumpre questionar: qual o maior problema da
Amazônia sul-americana? Grave deficiência de infraestrutura de
transportes, portos, aeroportos, de comunicações. A integração das
bacias fluviais permanece com seus projetos paralisados há décadas.
Como destaca Machado (2009), para que esse imenso potencial
venha a ser explorado há necessidade de infraestruturas de logística,
especialmente as que possibilitam a conexão intermodal.

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60 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Nesse sentido, acrescenta, como parte do grande programa


referencial expressado pela IIRSA (Iniciativa de Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana), já há em andamento várias
iniciativas, como o Eixo Multimodal entre Manta (no Equador) e
Manaus (no Amazonas); o projeto de conexão do porto fluvial no
Rio Madeira (Porto Velho, Rondônia) com Bolívia e depois os portos
marítimos do Chile; a rodovia de conexão de porto-aeroporto na costa
pacífica do Peru (Paita-Piura) com Iquitos na região de Loreto, já na
Bacia Amazônica; e outros.
A Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia
Interoceânica, é uma estrada binacional ligando o noroeste do Brasil
ao litoral sul do Peru, através do estado brasileiro do Acre. A parte
da Estrada do Pacífico que fica dentro do território brasileiro é
identificada como BR-317, enquanto no Peru é chamada apenas de
Carretera Interoceanica.

Figura 5. Estradas na Pan-Amazônia.


Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

A Estrada do Pacífico é uma das diversas obras que fazem parte


do “Eixo Peru-Bolívia-Brasil” da Iniciativa de Integração Regional Sul-

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 61

Americana (IIRSA), que tem o objetivo de integrar a infraestrutura


dos países do continente sul-americano. Além de rodovias, o eixo tem
por objetivo construir uma infraestrutura de ferrovias e hidrovias
que integre os sistemas de transporte do Brasil, Peru e Bolívia, com
a conexão das estradas até a infraestrutura portuária peruana no
Oceano Pacífico, permitindo a expansão do comércio desses países
com a região da Ásia-Pacífico.

Figura 6. Rodovia do Pacífico (Carretera Interoceânica) desde Iñapari


(Peru) com destino final a Lima.

No Brasil, tem início na BR-364, em Porto Velho (RO). No Estado


do Acre prossegue pela rodovia BR-317, que passa por Rio Branco e
vai até a tríplice fronteira com o Peru e Bolívia, cruzando as cidades
de Assis Brasil, no Acre, e Iñapari, no Peru. No território peruano a
Estrada do Pacífico se divide inicialmente em duas, uma em direção a
oeste, que no Peru segue pela rodovia PE-030, desde Nazca, passando
por Cuzco, até o porto de San Juan de Marcona. A outra rota, em
direção ao sul, se subdivide em duas na região próxima ao Lago
Titicaca, e segue pela PE-034 até o porto de Matarani, e pela PE-036
até o porto de Ilo.

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62 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 7. Rodovia do Pacífico (Carretera Inte­


roceânica): transporte rodoviário promovendo a
integração Peru-Bolívia-Brasil.

A Carretera Interoceanica é, na realidade, a primeira etapa


de um conjunto de rodovias ligando o Brasil aos portos peruanos
do Oceano Pacífico, atravessando trechos do território peruano e
boliviano no chamado “Eixo Peru-Bolívia-Brasil” de integração. Estão
previstos ainda mais de 2.600 quilômetros de estradas, incluindo rotas
que partem dos estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre. Esse é um
dos projetos mais ambiciosos da IIRSA e irá requerer investimento
de mais de US$ 1,6 bilhão, dos quais parte significativa deverá ser
financiada pelo Brasil.

Figura 8. Trechos sinuosos da Rodovia do


Pacífico (Carretera Interoceânica) cruzando os
Andes peruanos.

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 63

Transcrevo a seguir algumas observações que, a meu pedido, o


médico amazonense Horlando Araújo da Silva escreveu a respeito do
estado da arte da “carretera del Pacifico”. Hoje aposentado, encontra-se
residindo em Lima, e, portanto, descreve com propriedade e isenção a
respeito dos pontos de estrangulamento apresentados pela rodovia que
vem prejudicando muito seu uso comercial.
Graves problemas emperram a rodovia do Pacífico

Em final de dezembro de 2014 refiz a viagem pela


Interoceânica no sentido Lima- Rio Branco (AC), que havia
empreendido 6 anos antes quando a rodovia encontrava-se ainda
em construção. Confesso que ao final da primeira jornada me enchi
de entusiasmo com a perspectiva do novo caminho na rota Brasil/
Perú.
Era um alento para nós da Região Amazônica podermos
finalmente contar com uma saída terrestre para o Pacífico, uma vez
que a Interoceânica criaria a necessidade de revitalizar nossa única
ligação rodoviária (Manaus-Porto Velho), para fora dos limites
manauenses. Além disso, seriam reabertos nossos caminhos para o
resto do Brasil e finalmente o ganho que o país teria na abertura
de Novas Fronteiras de Exportação de produtos agrícolas e demais
commodities, fugindo da rota do Canal do Panamá.
Infelizmente não foram essas realidades as que encontrei ao
longo do trajeto percorrido atualmente. A solidez que aparentava
na edificação do leito da rodovia revelou-se um somatório de
trechos danificados, apesar do pouco tempo de uso da estrada.
Verificam-se vários pontos de reconstrução das margens próximas
a abismos. O que deveria ter sido prevenido, só agora está sendo
“remendando”. Tais falhas ocasionam prolongadas interrupções
no caminho dos viajantes e o aumento do tempo do percurso em
proporções incalculáveis.
Na realidade o que se nota é que a inauguração da estrada
foi precipitada, imprudente e descabida. Deveriam ter observado
o impacto que um empreendimento de tal monta causaria ao
precário solo rochoso e frágil da Cordilheira Andina. Hoje a estrada
apresenta diversos pontos de “derrumbles” (queda de rochas), que
ocasionam interrupções na navegabilidade da rodovia.
Outro aspecto observado, após sua inauguração, foi a
“ favelização” das margens da rodovia. Ao invés de trazer progresso
à região ao longo do leito da rodovia, o que se observa é o crescimento
invasivo de favelas que estão se transformando em pequenas cidades,

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64 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

sem a menor infraestrutura para o apoio das populações que para


lá vem se deslocando. Na verdade o que se vê é a aglutinação da
miséria no interior dos núcleos populacionais em formação.
Manaus, 15 de janeiro de 2015.
Horlando Araújo da Silva, médico.

O cientista Djalma Batista, em “O Complexo da Amazônia –


Análise do Processo de Desenvolvimento”, de 1976, aponta alternativas
de ligações hidrorodoviárias capazes de contribuir fortemente para a
integração da Amazônia sul-americana, como segue:
a) com o oeste boliviano, através da rodovia Porto Velho-
Guajará Mirim, que substituiu a decadente Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, e se prolonga até Manaus, através da
BR-319, recém-construída;
b) com a Bolívia e o Peru, na fronteira acreana, através da
estrada que vai de Rio Branco a Brasileia (defronte de Cobija)
e Assis Brasil (na tríplice fronteira);
c) com o Peru, com a construção da estrada Cruzeiro do Sul-
Pucalpa, que completará a ligação rodoviária Atlântico-
Pacífico, pela Transamazônica (do lado brasileiro) e a
Transandina peruana;
d) através de via interoceânica, que deverá completar a ligação
do Equador, da cidade de Puerto San Lorenzo, no Pacífico (já
unida com a capital equatoriana por ferrocarril), até a cidade
de Puerto Putumayo, à margem do rio do mesmo nome (que
é o nosso Içá); esse projeto está aprovado, dependendo da
construção de uma rodovia partindo de Quito até Putumayo
(400 e tantos quilômetros) permitindo a ligação, pelo citado
rio, afluente do Solimões, até Manaus (onde está a Zona
Franca, aberta aos países limítrofes) e daí ao Atlântico.
Não esquecer que a Amazônia equatoriana é produtora de
petróleo que poderá ser refinado em Manaus;
e) com a Colômbia, pela Perimetral Norte, de onde partiria
um ramal até Mitu, agora suspenso, para se articular com a
projetada Bogotá- Mitu. A Perimetral Norte se acercará de
Letícia, no trecho que deverá alcançar Benjamin Constant;
f) com a República da Guiana, completando a rodovia Boa
Vista-Bonfim e de Lethem até Georgetown;

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 65

g) com o Suriname, através do prolongamento da Cuiabá-


Santarém, na margem esquerda do Amazonas, de Almeirim
até Tiriós, na fralda do Tumucumaque, e da estrada de
serviço, já em tráfego entre Oriximiná e o Alto Cuminá;
h) com a Guiana Francesa, cuja fronteira já foi alcançada pela
estrada Macapá-Oiapoque.
Batista (2007) observa que tais projetos induzem à “intensificação
dos trabalhos de aproximação diplomática, uma vez que as ligações
hidrorodoviárias estão se estabelecendo aceleradamente, e é preciso
continuar os estudos iniciados na Reunião dos Embaixadores Brasileiros
nos países amazônicos (Manaus, 1966)”, precursora, portanto, do
Tratado de Cooperação Amazônia (TCA), firmado em 1978, com o
fim de promover ações conjuntas para o desenvolvimento harmônico
da região.
As ações conjuntas e a necessidade do estabelecimento das bases
de um intercâmbio cultural e econômico, segundo Batista (2007),
teriam como objetivos centrais:
a) aproximar, da melhor maneira, os povos amazônicos;
b) criar uma política de fronteiras que supere o problema de
transferência de produtos brasileiros para os países vizinhos,
e vice-versa, quebrando o mecanismo de contrabando que
vigora intensamente e a todos prejudica;
c) estudar questões em comum, especialmente de medicina e
ecologia, para que se estabeleçam normas preservadoras da
natureza de toda a Pan-Amazônia, evitando que se repitam
os erros anteriores. Agora mesmo surgiu um problema
médico-sanitário de importância para a Venezuela e o Brasil,
a oncocercose, que se soma aos outros temas comuns;
d) estabelecer, nos diversos países, mercado livre para os
produtos próprios das várias Amazônias, estimulando,
inclusive, a substituição de produtos de outra procedência
pelos similares amazônicos;
e) apoio à navegação fluvial e aérea, uma vez que embarcações
e aviões brasileiros ligam diversas localidades fronteiriças e
são elemento decisivo de aproximação e entendimento;
f) atrair estudantes dos países vizinhos para as universidades
do norte brasileiro e enviar os nossos para as universidades
da Amazônia sul-americana;

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66 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

g) incentivar uma política de cooperação que conduza, tão


cedo quanto possível, à formação de consciência amazônica.
Extremamente importante que surja para que possamos
progredir lado a lado.
Como se pode observar, os ideais do cientista Batista, de
desenvolvimento integrado da Pan-Amazônia, expressos em sua obra
aqui analisada, de 1976, continuam vivos hoje, 2014, quase 40 anos
depois. Renan Freitas Pinto, professor da Universidade Federal do
Amazonas (Ufam), na apresentação da edição de 2007, salienta que
Batista “procura destacar a relevância da questão ambiental buscando
reunir argumentos, no passado e no presente, para demonstrar que
continuaremos a pagar caro se as experiências visando o desenvolvimento
regional não estiverem apoiadas em sólidos conhecimentos de sua
diversidade natural e sociocultural”.
Renan Freitas ressalta, a propósito,
o papel insubstituível que reconhece nas instituições
de ensino e pesquisa, em especial o papel reservado ao
desenvolvimento das universidades regionais como principais
agentes para uma mudança no modo de percebermos o papel
do conhecimento e de sua difusão e aplicação. Não é possível,
como insistia sempre Djalma Batista, modificar aquilo que
não se conhece em profundidade.

Ações estruturantes
Em seguida ao encontro da missão da província de Loreto
mantido com o governo do Estado do Amazonas, ocorreu uma rodada
de negociações com as classes empresariais na Federação das Indústrias
do Amazonas (Fieam). Na ocasião, procedeu-se a uma análise crítica
das ações comprometidas pelos países e ainda não implementadas.
Iniciativas que precisam de esforços conjuntos de peso, tendo em vista
torná-las efetivas ao esforço de integração da região.
Dentre os pontos abordados, salientam-se os seguintes:
a) ligação aérea e fluvial com Iquitos, com o estabelecimento de
condições de navegabilidade com Tabatinga;
b) modernização das instalações portuárias de Iquitos –
Implantação do Terminal Alfandegário na cidade sob
responsabilidade da iniciativa privada;
c) por meio de acordo de governo, estabelecer política de
subsídios ao custo de combustíveis de Manaus a Iquitos;

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 67

d) avançar negociações entre os governos do Peru, Equador e


Brasil com vistas às obras de implantação de uma eclusa e
assim permitir condições de navegabilidade Rio Napo/Rio
Amazonas, e a construção da Central Hidroelétrica de Mazán-
Iquitos com capacidade instalada de produção estimada em
540 MW (Iquitos consome 60 MW).

Rota Interoceânica com Marco Zero em Manaus


De acordo com Maria (2014), a rota interoceânica projetada para
interligar o Brasil ao Peru e Equador, e abrindo caminho direto para a
Europa e Ásia, voltou à pauta do dia. Empresários do setor de transportes
e logística, aliados à Federação das Indústrias do Estado do Amazonas
(Fieam) e autoridades peruanas articularam uma estratégia específica
para fortalecer o projeto de implantação dessa rota interoceânica, com
marco zero no Porto de Manaus, passando pelo Porto de Iquitos, no
Peru, até chegar ao outro extremo, Porto de Manta no Equador.
Maria (2014) destaca, por fim, que, segundo a Câmara
Interamericana de Transportes, uma comitiva de peruanos do governo
de Loreto, junto com a Fieam, mantém tratativas para abrir uma rota
internacional, ligando pelo lado brasileiro os nossos interesses pelo
Porto de Iquitos, no Peru, e de lá para a frente o transporte feito pelos
nacionais do Equador, ligando Iquitos a Manta, e do Peru ligando
Iquitos aos três portos peruanos.
A rota em referência está representada no mapa a seguir
(Figura 9):

Figura 9. Rota Interoceânica Marco Zero Manaus.


Fonte: Maria, 2014.

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68 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

De outra parte, o empresário Antonio Silva, presidente da


Federação das Indústrias do Amazonas, em editorial da revista Fieam
Notícias (maio/junho de 2014), dá conta de que a ampliação dos
laços comerciais do país é vital para o aumento da competitividade
e a consequente melhoria do ambiente produtivo em um mundo
globalizado. Para o Amazonas, que possui um parque industrial
com produção de padrão mundial, a possibilidade de atingir novos
mercados é um passo gigantesco a ser dado diante dos grandes desafios
logísticos a serem enfrentados. O interesse da Confederação Nacional
da Indústria em estabelecer um acordo entre o Mercosul e a União
Europeia é compartilhado com o governo brasileiro, de modo a abrir
novas oportunidades com a derrubada de barreiras comerciais para
facilitar o intercâmbio de produtos e serviços.
A despeito das dificuldades enfrentadas na integração do próprio
Mercosul, prossegue Silva (2014), a iniciativa é um caminho sem volta,
ainda que com a lentidão característica desses acordos internacionais.
O estreitamento do intercâmbio entre países vizinhos, como a
Venezuela, que passou a integrar o bloco econômico, além do Peru e da
Argentina, é positivo para a economia do Amazonas, especialmente a
indústria, que tem nesses países os principais destinos das exportações
das empresas do Polo Industrial de Manaus.
O editorial de Silva informa ainda que, para a indústria implantada
no Amazonas conseguir ampliar o destino dos seus produtos para além
das fronteiras brasileiras, é necessário que os projetos de infraestrutura
avancem, especialmente aqueles voltados a facilitar o escoamento dos
produtos. De fato, a Fieam tem feito esforços no sentido de abrir os
horizontes da indústria local, ao receber as missões de países com
grande potencial para os negócios. Um dos exemplos foi a visita a
Manaus de uma delegação de empresários do Peru, que resultou em
outra missão de representantes da indústria e do comércio local àquele
país, por ser importante canal de acesso a outros países da América do
Sul e uma ponte para a rota da Ásia, através do Pacífico.
A vinda de uma comitiva de empresários peruanos para a Transpo
Amazônia foi mais um passo para que as negociações bilaterais avancem
no estabelecimento da rota comercial fluvial entre Manaus e Iquitos,
com vista a ampliar a atividade econômica do Amazonas estimulada
pela indústria.
A Transpo Amazônia – Feira e Congresso Internacional de
Transporte e Logística, com 106 estandes, realizou-se em Manaus

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 69

no período de 21 a 23 de maio de 2014. Teve por objetivo discutir


alternativas aos entraves logísticos, facilitando a realização de negócios
na região pan-amazônica.
Em evento ocorrido na sexta-feira (24), a Fetramaz (Federação
das Empresas de Logística, Transporte e Agenciamento de Cargas da
Amazônia) lançou as bases da feira, que a exemplo do realizado em
2012, será voltada à cadeia de transportes e de logística: rodoviário,
aquaviário e aéreo.
Na edição 2014, a feira contou com maior participação e no
quesito transporte rodoviário, as apostas do setor recaíram sobre a
BR-163 (Santarém-Cuiabá) e o pleno funcionamento do entreposto da
ZFM na cidade paraense de Santarém. Todas as ações se processam na
direção de reduzir riscos e custos, beneficiando toda a cadeia produtiva
da região.
Em relação ao transporte aéreo, os organizadores da feira
esperam diminuir alguns entraves burocráticos, como a redução dos
custos operacionais. Embora mais caro, o transporte aéreo é mais
funcional. Os organizadores da feira consideram que o setor terá dado
importante passo rumo ao seu fortalecimento, conseguindo reduzir
custos e a burocracia.

Peru oferece alternativa para


transporte de cargas na rota Amazonas-Ásia1
A perspectiva de que o Peru venha a se tornar uma das rotas
preferenciais entre a Ásia e a Zona Franca de Manaus tem-se tornado
cada dia mais viável. Estudos do Consulado Geral peruano em Manaus
indicam que, pelas rotas em teste é possível baixar o valor do frete
de um container, que custa US$ 5,9 mil para US$ 5 mil, e também
diminuir o tempo de 45 dias para 30 dias, no transporte de cargas
da China para Manaus, através de portos peruanos, com a utilização
da Carretera Interoceânica e rotas fluviais.
De acordo com o cônsul geral do Peru, Eduardo Rivoldi, a
rota permite o aprimoramento das relações comerciais bilaterais
entre o Brasil e Peru, através de uma logística eficaz pelo Pacífico,
para viabilizar as relações comerciais entre o Amazonas e a Ásia,
continente onde estão localizados os maiores fornecedores de
insumos industriais para a Zona Franca de Manaus (ZFM). A estrada
1
Matéria publicada no Jornal do Commercio, de Manaus (AM) em 17/08/2014.

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70 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

interoceânica é o primeiro eixo multimodal Atlântico-Pacífico na


América do Sul. Além de favorecer a integração sul-americana, a
circulação de pessoas, o turismo e o comércio bilateral entre o Brasil e
o Peru, garante o acesso dos produtos peruanos ao Oceano Atlântico
e o acesso dos produtos brasileiros, inclusive os produzidos no Polo
Industrial de Manaus (PIM) ao Oceano Pacífico.
Segundo Rivoldi, o intercâmbio entre Brasil e Peru caiu 10,8%
entre janeiro e abril de 2014 por conta de restrições comerciais. As
exportações peruanas para o Brasil somaram US$ 487,6 milhões
no primeiro quadrimestre, valor inferior ao registrado no mesmo
período de 2013. De acordo com a Associação Peruana de Exportadores
(Adex), por problemas criados pelo Brasil.
A Adex observou que a exportação de cobre para o
mercado brasileiro diminuiu significativamente, e ela representa 34%
do total das exportações do Peru para o Brasil. No entanto, houve
retrocesso também em setores como a pesca tradicional e não
tradicional, mineração e no setor metal-mecânico. Os peruanos
reclamam ainda que o Brasil mantém medidas paratarifárias que
freiam o livre comércio com outros países. Segundo o Trade Alert das
Nações Unidas, o Brasil adota 251 barreiras comerciais.
Alguns importantes entraves respondem pela dificuldade de
decolar o resultado comercial proporcionado pela Interoceânica.
A primeira é que não há acordos para que o cruzamento de fronteira seja
mais organizado. Transportadoras alegam que para cruzar a borderline
é necessário apresentar certificado de febre amarela, além de proceder
à imigração na fronteira Peru-Brasil e logo em seguida de novo
em Rio Branco, capital acreana, além dos registros da alfândega.
“O trâmite é complexo, oneroso e demorado. Às vezes, argumentam
razões fitossanitárias e somos impedidos de cruzar a fronteira com a
mercadoria. Aqui, o único beneficiado é o narcotráfico, que agora ficou
com a estrada expressa”, desabafou o transportador.
A segunda razão alegada é que, na teoria, fica barato levar a carga
do Brasil aos portos peruanos, mas como o veículo que leva a carga
ostuma retornar vazio, pois o país vizinho exporta bem menos, o frete
torna-se caro. A Adex informou que a balança comercial foi negativa
para o Peru em cerca de US$ 153 milhões, no primeiro quadrimestre
de 2014.
Por último, os motoristas brasileiros enfrentam dificuldades em
dirigir seus caminhões e carretas pelas estreitas estradas andinas

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 71

peruanas no trecho que vai para Juliaca, no sul do país, onde algumas


curvas são tão estreitas, que até os ônibus de passageiros enfrentam
dificuldades em passar.
Apesar da contração no primeiro quadrimestre de 2014, o Brasil
segue como sexto principal destino das exportações peruanas, depois
da China, Estados Unidos, Suíça, Canadá e Japão. O país concentra 4%
do total das exportações peruanas. No ranking de produtos exportados
para o Brasil, depois do cobre, seguem a gasolina, minérios em geral,
carburadores, azeitonas, e algodão com destaque para camisetas
T-shirts.
Para a Adex, o potencial comercial entre Brasil e Peru poderia
ultrapassar US$ 1 bilhão. A instituição acredita que ainda há muito
para se aproveitar emrelação aos subsetores químico, agropecuário,
agroindustrial, mineração não metálica, siderurgia, pesca, têxtil
e madeiras. Os produtos que o Brasil mais importa do Peru são
medicamentos, pneus para caminhões, polipropileno, preparações
alimentícias, feijão, perfumes e preparações para maquiagem.

Organização produtiva
São frágeis os laços que impulsionam as relações produtivas na
Pan-Amazônia. Por isso mesmo a região, repetindo erros e omissões
do passado, não avança, mantém-se presa a relações comerciais pouco
significativas. E assim não constrói uma agenda desenvolvimentista,
nem consegue promover a integração econômica e social plena das
nações que a integram.
Sabe-se o quanto são ricos os territórios no que pertine à
potencialidade de sua biodiversidade, como mencionado em diversos
capítulos desta obra. Riquezas essas que, contraditoriamente, não
conseguem se transformar em produtos de aceitação internacional,
avidamente demandados por mercados os mais diversos, posto que
fortemente valorizados caso viessem a aplicar em suas embalagens o
selo Amazônia.
Segundo Becker (2011), desprovida que é de cadeias produtivas
completas e de uma rede de cidades que impulsionem a economia
e a integração, nela dominam ainda os processos de expansão da
fronteira móvel destruindo a natureza. Contrapondo-se ao “modo de
uso” tradicional, que se baseia na exploração indiscriminada de seus
recursos, Becker acredita numa mudança de paradigma em substituição

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72 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

aos modos de uso do território baseado em formas de produção


e ecossistemas distintos. Um uso atual comandado por grandes
conglomerados internacionais e nacionais, baseados em poderosa
logística que visa expandir continuamente a produção reduzindo os
custos de transporte. Em sua contraposição, o uso que aponta para o
futuro, com um modelo capaz de gerar renda e trabalho sem destruir
a floresta, o que só poderá ser conseguido com o adequado uso de CT/I
e de instituições de fins ajustados a esses desafios.
Corrigir os déficits estruturais da Pan-Amazônia depende
fundamentalmente do tripé: mais pesquisas, mais cooperação,
mais conhecimento. Um dos caminhos apontados pelo embaixador
brasileiro João Clemente Baena Soares, durante o Encontro da
OTCA (novembro de 2011) em Manaus (SOARES, 2011), pressupõe
a implantação com amplas e modernas condições operacionais da
Universidade Amazônica. Teria a função primordial de promover a
governabilidade do sistema de pesquisa, desenvolvimento e inovação
(CT/I) e a integração dos trabalhos das universidades de todos os países
em operação na área.
O ex-secretário-geral da Organização dos Estados Americanos
(OEA) foi mais além ao observar que o tempo amazônico é próprio,
particular e único. Nesse sentido, precisa ser acelerado tendo em vista
que nesta região tudo é urgente, muito embora o tempo continue
passando plácida e preguiçosamente, ao que tudo leva a crer. Exemplo
expressivo desse marasmo: a navegabilidade dos rios amazônicos
que prossegue sem avanços de expressão, prejudicando fortemente
o processo de integração da região. Como solucionar o problema?
A universidade pode dar as respostas.
Enquanto não se investe seriamente no conhecimento e na
pesquisa, avultam problemas como os relacionados à baixa eficiência
do preparo de gerações para pensar e equacionar o futuro da
região. Não se tem noção precisa de qual o modelo mais apropriado
institucionalmente e exequível economicamente capaz de promover
o desenvolvimento regional. Um desafio comum a todos os países da
Amazônia sul-americana. As carências abrangem desde a fragilidade dos
sistemas políticos, que por isso mesmo mantêm frágil comprometimento
com a governança social, econômica e tecnológica dos organismos
multinacionais aqui atuantes. Exemplos citados em documentos do
Inpa: A Amazônia brasileira abriga aproximados 4.000 doutores fixados
na região, contudo, mais de 50% das pesquisas publicadas no mundo
sobre a região não são elaboradas por autores brasileiros.

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 73

A Pan-Amazônia, tendo em vista promover sua plena integração,


necessita enfim de que, paralelamente à Universidade, seja criado
órgão de cooperação para o meio ambiente nos moldes do IPCC, da
ONU, acreditam diplomatas do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil. Tal organismo se encarregaria de estudar profundamente a
questão e que, desta forma, seja capaz de prever evoluções e impactos
ao meio ambiente. Por conseguinte, a visão de Amazônia tem de ser da
unidade regional como um todo. Globalizada a partir de estudos dos
cientistas em conjunto e o estabelecimento de posições coletivas, o que
pressupõe efetivo processo de capilaridade no tocante a informações e
ações entre as entidades de ensino e pesquisa da região.

Valor econômico da Amazônia


Creio pertinente, a essa altura, ocupar-se desse aspecto, na
verdade muito pouco explorado academicamente. Mário Ramos
Ribeiro2 foi fundo na análise de qual efetivamente seria a grandeza
econômica e ambiental da região. Ele escreveu importante artigo a
respeito, no qual informa que, desde o Congresso Internacional para
a Proteção da Natureza, realizado em Paris em 1923, que a questão
de como medir o valor dos serviços ambientais tem preocupado
cientistas e autoridades públicas. Entretanto, pondera, muito pouco se
avançou política e institucionalmente no assunto desde então, “o que
deu margem para que o tema passasse a ser visto como esquisitice de
visionários ou de desocupados anarquistas” (RIBEIRO, 2013).
Ribeiro (2013) considera que a ineficiência do debate gerou
resultados científicos voltados exclusivamente para o enfrentamento
apenas das externalidades negativas de projetos poluidores (toda a
legislação brasileira e parte considerável da literatura ainda hoje utilizada
nos cursos de economia ambiental se limitam a questões como poluição
e degradação de recursos ambientais renováveis); os projetos exaustores,
basicamente aqueles que atuam no extrativismo dos recursos naturais
não renováveis, sequer foram corretamente positivados em lei ou mesmo
adequadamente contabilizados, seja social, seja corporativamente.
Com muita propriedade, Ribeiro (2013) joga no ar a questão: qual
é o Produto Interno Bruto da Amazônia Ambientalmente Ajustado,
ou simplesmente o nosso “PIB verde”? Vai mais adiante: Seria ao
2
Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), docente da Universidade da
Amazônia (Unama) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), consultor em Economia e
Finanças Empresarias.

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74 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

menos calculado? E se o for, com que periodicidade mensal, anual?


E para que serve? Alguém sabe informar qual é o melhor indicador de
desenvolvimento economicamente sustentável?
O problema é mais grave do que parece. Ribeiro (2013) é enfático
ao afirmar, em sua análise:
a) não calculamos o nosso PIB verde nem mesmo sabemos dizer
qual o melhor critério para medir o bem-estar social de uma
região dependente da extração de recursos naturais finitos:
renda (fluxo) ou riqueza (estoque);
b) qual o valor dos serviços prestados pelos nossos ecossistemas?
Aliás, quais são mesmo os nossos ecossistemas? Se já foram
mapeados, então como devemos precificá-los?
c) nossa microeconomia ambiental é razoável, mas não temos
uma macroeconomia do meio ambiente.
Mais ainda. Segundo o professor da UFPA (RIBEIRO, 2013),
Não distinguimos o particular do coletivo: contemplamos
a árvore, mas nada sabemos sobre a floresta. O exemplo
clássico vem da atividade mineradora: um projeto pode estar
aderente ao texto legal positivado, porém, como não temos
nenhum método para precificar o ativo meio ambiente, existe
sempre a possibilidade de que, uma vez exaurida a mina – ‘o’
insumo por excelência mineração – a renda da região venha a
desabar! No singular podemos até tentar falar, mas no plural,
a nossa gramática é paupérrima!

A análise de Ribeiro (2013) é ainda mais abrangente quando ele


ressalta:
A lerdeza é grande, pois o Banco Mundial, a OCDE e diversas
universidades no mundo inteiro já estão resolvendo estas três
questões desde o início dos anos 90: inicialmente através da
Contabilidade Econômica Ambiental (EEA – da sigla em inglês)
para cada país, feita em 1993; e a partir de 2003 passando a
usar uma tecnologia especial da matriz-insumo produto que
incorpora o conceito de sustentabilidade: a Contabilidade
Econômica Ambientalmente Sustentável (SEEA – da sigla em
inglês), cujo principal subproduto é justamente o cálculo do
indicador de sustentabilidade ambiental, a taxa poupança
genuína, ou poupança líquida ajustada (PLA).

Segundo Ribeiro (2013),

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 75

a PLA é o termômetro do crescimento sustentável, pois mede


e precifica o valor dos recursos não renováveis que estão sendo
exauridos. No caso da Região Amazônica, a PLA nos diria se
a exploração do nosso capital natural (digamos, uma mina)
está gerando ou não outros ativos que possam substituir, no
futuro, o capital natural consumido hoje, garantindo assim
que a renda social da economia dependente da atividade
mineradora não venha a desaparecer no amanhã, como na
fábula da cigarra e da formiga.

Ao concluir a análise desse importantíssimo aspecto da economia


amazônica, assegura Ribeiro (2013): Na questão ambiental amazônica,
precificar o ativo meio ambiente é um imperativo ético de equidade
entre gerações de hoje e do futuro, um desafio à nossa capacidade de
enfrentar um futuro pouco auspicioso e a melhor alternativa técnica –
hoje já disponível – para escapar da maldição dos recursos naturais.

Organização do Tratado
de Cooperação Amazônica (OTCA)
Segundo o embaixador Patriota (2011), ex-ministro das Relações
Exteriores do Brasil, em 1978, quase 10 anos antes de o relatório
Nosso Futuro Comum da ONU consagrar o conceito de desenvolvimento
sustentável, oito países sul-americanos reuniam-se, por iniciativa
brasileira, com o objetivo de promover o desenvolvimento harmônico da
Amazônia e de suas populações. Desse encontro, resultou a assinatura
do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Vinte anos depois, era
criada a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA),
única organização internacional multilateral sediada no Brasil,
buscando fortalecer a implementação dos propósitos do TCA.
A Amazônia é, assim,
a única região do planeta a contar com uma organização
internacional própria, formada pelos Estados que partilham
seu território (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana,
Peru, Suriname e Venezuela) e dedicada à sua conservação
e ao bem-estar de suas populações. É um exemplo de
grupo regional que, desde a origem, firmou-se como bloco
socioambiental (PATRIOTA, 2011).

A Região Amazônica, portanto,

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76 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

é peça-chave na criação de um modelo próprio de integração


e desenvolvimento na América do Sul. O gigantismo inerente
à Amazônia – a maior floresta megadiversa do mundo,
ocupando 40% do território sul-americano e habitat de 20%
de todas as espécies de fauna e flora existentes – nos coloca
diante de desafios e oportunidades que requerem renovado
sentido de responsabilidade (PATRIOTA, 2011).

Salienta Patriota (2011) que a população amazônica permanece


dispersa, cercada de recursos naturais de alto valor econômico e
ambiental, mas vivendo, ainda, em precárias condições de saúde,
educação e trabalho. Apesar de progressos na redução do desmatamento,
é necessário intensificar esforços nessa direção, bem como em relação
à proteção da biodiversidade e à repartição dos benefícios advindos de
seu uso.
Cientes de que desafios compartilhados exigem soluções
conjuntas e imbuídos do sentido de urgência de proteger o patrimônio
biogenético e social da Amazônia, os presidentes amazônicos, reunidos
em Manaus em 2009, anunciaram o relançamento da OTCA. Desde
então, foi aprovada nova agenda estratégica para a cooperação
amazônica e o aumento das contribuições anuais à organização, o que
lhe dará maior capacidade de financiar projetos em áreas como meio
ambiente, assuntos indígenas, saúde e turismo.
No dia 22 de novembro de 2011 foi realizada, novamente em
Manaus, a XI Reunião de Chanceleres da OTCA com o objetivo de dar
“mais um passo para conferir maior dinamismo e autoridade política à
organização”. E desta maneira buscar formas de contribuição ao êxito
da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(Rio+20), levada a efeito em 2012, e sobre a possibilidade de que o
Fundo Amazônia possa financiar projetos de monitoramento.
Outra proposta analisada em Manaus consistiu da “criação do
Observatório Amazônico, para fomentar a produção e o uso social do
conhecimento científico sobre a biodiversidade da região. Esse esforço
de concertação é exemplo de contribuição que a OTCA tem a oferecer
à governança ambiental global”. Motivando todas essas iniciativas,
de acordo com o ministro está a crença de que o conhecimento
compartilhado e a inclusão tecnológica e ambiental das populações
amazônicas são o caminho para a concepção de um novo padrão
regional de desenvolvimento – sustentável e inclusivo.
O compromisso com o desenvolvimento sustentável e a solida­
riedade, na visão do Itamaraty, configura as bases do relacionamento

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 77

do Brasil com os países vizinhos em relação a projetos de cooperação


amazônica. É com o fortalecimento da OTCA que será viabilizada uma
Amazônia mais desenvolvida e justa, que dará ao mundo exemplo de
sustentabilidade e de solidariedade na cooperação entre países irmãos,
conclui o embaixador Patriota (2011).
O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), segundo estudos
publicados pelo Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),
reforça o conceito de nacional e explicita a necessidade de que a
Amazônia seja integrada à economia dos países-membros. Datam dessa
época, por exemplo, políticas e programas do Brasil para incrementar
a migração interna em direção a essa região. Mas também, em certa
medida, o documento ecoa os resultados da Conferência de Estocolmo,
de 1972. A Amazônia, com efeito, já era vista, vale dizer, como uma das
regiões privilegiadas em matéria de política ambiental.
Hoje, prossegue o documento do Itamaraty, estão em execução
relevantes programas como o Sistema de Vigilância Ambiental da
Amazônia e o Programas, OTCA Biodiversidade, ambos com apoio
do BID, e o Programa Regional Amazônia com financiamento das
Agências de Fomento da Alemanha e da Holanda. Outros projetos
prioritários estão sendo elaborados, como o de Gestão de Recursos
Hídricos, com financiamento do Fundo Mundial para o Meio
Ambiente (GEF)3, e o de Monitoramento da Cobertura Florestal, que
conta com apoio da Organização Internacional de Madeiras Tropicais
(OIMT), e consiste na capacitação de técnicos de todos os países para
a implementação dos sistemas do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) de monitoramento de desmatamento, incluindo a
transferência da tecnologia brasileira, como o sistema de informática
denominado TerraAmazon.
Enfim, conforme Becker (2011), está na hora de implementar
uma revolução científico-tecnológica na Amazônia que estabeleça
cadeias tecnoprodutivas com base na biodiversidade, desde as
comunidades da floresta até os centros de tecnologia avançadas. Esse
é o desafio fundamental hoje, que será maior com a integração da
Amazônia sul-americana. Ainda de acordo com estudos da OTCA, a
verdadeira riqueza representada pela biodiversidade e pelos recursos
hídricos configura ativo estratégico para o desenvolvimento dos
países amazônicos. No entanto, essa riqueza somente será plenamente
colocada a serviço dos países da região, se souberem utilizá-la como

3
Global Environmental Facility.

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78 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

alavanca para conectar-se à economia do conhecimento, o que passa


necessariamente pelo desenvolvimento científico, tecnológico e pela
inovação.
Igualmente, segundo o perfil traçado pela OTCA no documento
anteriormente citado, a proteção dos conhecimentos tradicionais dos
povos amazônicos, o estímulo à pesquisa local e à inovação, a geração
de uma massa crítica de centros de investigação sobre biodiversidade
e seus usos em processos produtivos em diversas indústrias, melhor
sistema de incentivo no registro de patentes amazônicas e de gestão
e proteção do conhecimento gerado localmente deveriam ser foco de
atenção prioritária da cooperação no âmbito da OTCA, com efetiva e
integral participação dos países membros.

Desafios e oportunidades
para a cooperação amazônica
No período de 23 a 24 de novembro de 2011, realizou-se em
Manaus o seminário Desafios e Oportunidades da Cooperação
Amazônica, ocasião em foram discutidos assuntos de importância
central para o futuro da OTCA. Dentre os temas constantes da
agenda: o valor estratégico da Amazônia, a participação da sociedade
amazônica, a Amazônia no cenário internacional e a organização de
um modelo econômico sustentável para a região. Esteve presente a
cúpula do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MME) ligada
à OTCA, além de especialistas que se ocupam da temática Amazônia.
O seminário apresentou algumas falhas que certamente
comprometeram sua eficácia. A primeira delas, rara presença de
ministros das Relações Exteriores ou diplomatas representantes dos
países integrantes da OTCA. Igualmente, a sociedade tão-pouco tomou
conhecimento do evento, daí sua razoavelmente baixa afluência.
A concepção de um evento fechado, restrito à comunidade oficial
do Tratado, pode ser um sinal de distanciamento bastante prejudicial.
Evidentemente, não creio que esse seja a política, porém a realidade é
que pouca gente tem uma noção precisa da existência da OTCA. Ora,
como então pretender que a entidade represente anseios e expectativas
da sociedade amazônica?
Síntese do quadro ora apontado foi apresentado pela jornalista
Vieira (2011), do jornal A Crítica, de Manaus, em primoroso artigo “O
Que Quer a OTCA?” publicado em sua coluna semanal. Sua análise

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 79

parte da premissa de que a reunião de Manaus constituiu um teste


para o governo do Brasil de levar adiante compromissos firmados
em anos anteriores, mas colocados, segundo escreveu, na gaveta do
esquecimento. Uma espécie de fazer de conta “que questões sérias estão
sendo vistas, avaliadas e decisões sobre elas estão sendo tomadas pelos
governos dos oito países amazônicos”, avalia Vieira.
A matéria é complexa, pois não se tem noção exata das ações da
OTCA em cada um dos países membros (Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru,
Equador, Guiana, Suriname e Venezuela). As observações de Vieira
(2011) são procedentes quando questiona que, até agora, os ensaios
feitos na região tiveram como ênfase articulada internacionalmente
o combate ao narcotráfico, e em nome dele organizadas gigantescas
operações. O narcotráfico, pondera, é um dos dados da realidade pan-
amazônica, mas não pode ser apenas ele. A OTCA tem possibilidades
de promoção da ciência e tecnologia nesses países para ser mais um
instrumento de impulsão de uma política – ainda não percebida – nas
áreas de educação, da saúde, dos transportes, a respeito da promoção
das culturas dos povos desse imenso território.
Se o motor da criação da OTCA, observa Vieira (2011), é
o desenvolvimento sustentável da região, então é preciso valer
esse princípio. Nas diferenças e divergências que marcam os oito
países membros do tratado, um ponto em comum é a urgência do
reposicionamento geopolítico. Os números dos bolsões de miseráveis,
de mulheres e crianças exploradas é traço marcado nessa realidade
pan-amazônica. A lógica do desenvolvimento posta em prática tem se
revelado uma violação dos direitos dos povos originários e precisa ser
superada.
Esses problemas foram debatidos em profundidade. Não se
questiona o nível dos expositores e debatedores, evidentemente.
Porém, quando se constata, conforme discutido no seminário, que
um dos maiores desafios da OTCA diz respeito à criação de soluções
para o combate à pobreza e à desigualdade social, e que esses mesmos
problemas, em vez de se reduzirem recrudescem, ampliam-se,
exacerbam-se, ressalta-se, com efeito, a necessidade de questionar a
eficácia do trabalho da organização nesse campo.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil (PATRIOTA,
2011) anunciou na ocasião a realização de estudos que levem em conta
formas de financiamento de ações voltadas à inclusão social, combate
à fome e à pobreza. Igualmente, o Itamaraty defendeu a produção de

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80 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

capital intelectual nativo. Torna-se imprescindível nesse sentido que se


criem mecanismos integrados em todos os países para a produção de
conhecimento sobre a biodiversidade amazônica, com o fortalecimento
da Coordenadoria de Ciência e Tecnologia da OTCA.
Tal ação significa, na prática, promover a governança do sistema
de Ensino e de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) da região. Como
já observado no início deste estudo, é inconcebível o distanciamento
existente entre a universidade e as entidades de pesquisa da região.
Enorme e inadiável responsabilidade a ser assumida. De fato, ou os
governos trabalham nessa direção, ou a desejável integração regional
jamais passará de sonho de uma noite de verão, conduzindo ao fracasso,
com efeito, um dos pilares basilares do Tratado.
A XI Reunião de Ministros das Relações Exteriores dos países
Membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA), reunida no dia 22 de agosto de 2011, durante o seminário,
tomou uma série de decisões importantes. Assim, dentre outros,
considerando os a seguir relacionados: conscientes de que o atual
processo de cooperação entre os países da Região Amazônica e de seus
povos deve levar em conta os aspectos econômicos, sociais e ambientais
do desenvolvimento sustentável; ou o que, convencidos da necessidade
de promover maiores avanços nas áreas de ciência, tecnologia e
inovação, a fim de viabilizar a conservação e o uso sustentável da
biodiversidade amazônica; ou ainda, seguros da importância de
adotar medidas que impulsionem o papel renovado da OTCA como
instrumento de cooperação, de intercâmbio e de projeção conjunta dos
países membros, para fazer frente aos novos desafios internacionais, o
Foro dos Ministros se comprometeu a adotar um elenco de 28 medidas
operacionais.
Dada a extensão do documento, não será possível reproduzi-lo
aqui. Pode, no entanto, facilmente ser acessado na página eletrônica
da OTCA via Google.
Há outras contradições importantes no modo de operacionalização
das ações que moveram a criação da OTCA. A definição de sua sede
em Brasília é uma delas. Por que na capital federal do Brasil e não
em Manaus, Belém, Rio Branco, Porto Velho ou Boa Vista, Letícia,
Iquitos ou Quito? Certamente, esse fator geográfico dá a noção de que
a organização pode vir a ser vítima do aparato burocrático que sufoca
e aprisiona órgãos públicos. Seja no Brasil, no Peru, no Suriname ou
na Venezuela. A realidade é uma só. Sediada na Amazônia, a sociedade

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 81

local poderia dela tomar conhecimento, participar de maneira mais


próxima e efetiva e assim conhecer seus propósitos, objetivos e metas
de curto, médio e longo prazo.
Se levada a efeito pesquisa junto aos peruanos, guianenses,
equatorianos, colombianos, bolivianos, venezuelanos ou brasileiros,
mais de 95% certamente informarão não dispor da mínima noção da
existência da OTCA. A semelhante resultado provavelmente se chegará
formulando essa consulta junto à imprensa, à universidade ou aos
centros de pesquisa. É bem relevante o grau de desconhe­cimento sobre
a entidade. A realidade aponta de modo inequívoco a necessidade de
serem dados passos nessa direção como condição básica para tornar
visível, realista e eficaz a ação da OTCA. Provavelmente, todos temos
consciência de que a ausência dessa precondição vai manter a entidade
e seus propósitos rodando em círculos, impossibilitada de encontrar a
porta de saída para os problemas que mantêm na pobreza este imenso
e rico território.

Considerações finais
A Amazônia sul-americana é, sem dúvida, o desafio maior do
mundo contemporâneo. No século XXI, semelhante ao contorno
do Cabo da Boa Esperança, à consolidação da circunavegação e
ao estabelecimento de relações comerciais com o Oriente, que se
processaram no século XVI.
Diante das questões levantadas neste estudo, pode-se concluir o
seguinte:
a) A Pan-Amazônia deve aproveitar as sinergias proporcionadas
por cada país membro e promover a plena integração
cultural, social, técnico-científica, educacional e econômica.
b) Somente esse relacionamento compartido vai proporcionar
meios de cooperação e avanços nos diversos campos de
atividades.
c) O alcance desse objetivo pressupõe o desenvolvimento
de esforços máximos visando à integração do ensino, das
universidades e dos centros de pesquisa em busca de soluções
comuns que digam respeito às expectativas da região em relação
à saúde pública, biotecnologia, nanotecnologia, a produtos em
geral de nossa biodiversidade, e ao turismo ecológico.

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82 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

d) Mais ainda, conforme salienta o professor Zarate Botía


(2013), “nos últimos anos têm surgido várias propostas
para a implantação de uma Universidade Pan-Amazônica,
criando novas instituições de ensino superior na fronteira ou
a possibilidade de fortalecer as existentes”.
e) O estado brasileiro do Amazonas tem a grande
responsabilidade de cooperar mais intensamente nessa
direção por meio da reformulação curricular e implantação
de centros de pesquisa e desenvolvimento nas unidades
fronteiriças da UEA – Universidade do Estado do Amazonas
e a Ufam – Universidade Federal do Amazonas, de sorte a
fazer face às assimetrias da região de forma integrada com as
demais universidades da Pan-Amazônia.
f) Torna-se inadiável a promoção dos investimentos
governamentais e oriundos de parcerias público privadas
com vistas a solucionar a logística de transporte, e assim
promover a integração da Bacia Amazônica unindo Equador,
Peru e Brasil.
g) A comunidade pan-amazônica insta os governos dos oito
países signatários do Tratado de Cooperação Pan-Amazônica
(TCA) a dar conta dos 28 pontos do Compromisso de
Manaus, resultante da XI Reunião de Ministros das
Relações Exteriores dos países membros da OTCA realizada
em Manaus, Amazonas, em 22 de novembro de 2011,
especialmente no que concerne aos seguintes compromissos:
i. Ponto 7 – Promover a mobilidade acadêmica entre
estudantes e docentes de instituições educativas da Região
Amazônica, estabelecendo um Programa Regional de
Intercâmbio, para fortalecer a cooperação no âmbito
educacional entre os países membros. Nesse sentido
instruem a Secretaria Permanente da OTCA a elaborar,
em 2012, um Guia de Oferta Acadêmica da Região
Amazônica.
ii. Ponto 8 – Apoiar a criação da Universidade Pan-Amazônica.
iii. Ponto 9 – Intensificar ações de cooperação nas áreas
de inovação e tecnologia e, de conformidade com o
estabelecido na Reunião Regional de Puyo, Equador, em
junho de 2011, desenvolver um sistema de informação
que sobre a Amazônia realizam as instituições nacionais

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Capítulo 1 • Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento 83

e regionais; e promover a inclusão dos conhecimentos


ancestrais e as práticas comunitárias e locais dos povos
indígenas.
iv. iii.1 – Nesse contexto, instruem a Secretaria Permanente a
proceder à implementação do “Observatório Amazônico”,
foro permanente que reunirá instituições e autoridades
relacionadas ao tema, com ênfase no estudo da
biodiversidade amazônica.
v. Ponto 10 – Instruir a Secretaria Permanente a realizar ações
necessárias ao lançamento simultâneo dos três circuitos
de turismo amazônicos: “Amazon – Pacífico – Andes
Route”, “Amazon Caribbean Tourismo Trail” e “Amazon
Water Route”, que deveriam ter sido apresentados na Feira
Internacional de Turismo em Berlim e a participação na
Feira de Turismo em Santa Cruz de la Sierra, em 2012,
respectivamente, conforme aprovado na II Reunião
Regional de Países Amazônicos de Turismo, efetuada em
Zamora, Equador, em setembro de 2011.
h) Por consenso entre os países membros, transferir a sede da
OTCA de Brasília para Manaus, Amazonas.

Referências
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Capítulo 2

Amazônia já é verde:
precisa é de uma base
econômica que assim
a mantenha1
Bertha K. Becker

1
Original publicado disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/
bertha-becker-pelo-desenvolvimento-regiao-amazonica-679035.shtml>. Acesso em: 10 out.
2014.

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86 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Abordar o futuro é uma ousadia, ainda mais tratando-se da


Amazônia, o que compõe duas temáticas que são foco de grandes
controvérsias.
O futuro, assim como a Amazônia e os conceitos em geral, ganham
novos significados ao longo da história. Quais seus significados atuais?
Há que entendê-los para definir a orientação da pesquisa que se quer,
ressalvando que se trata de um significado dentre muitos que podem
existir.

Premissas: sobre o futuro e sobre a Amazônia


Assume-se aqui a definição de futuro proposta por David
Harvey em seu livro “A Condição Pós-Moderna” (1980). Futuro é uma
construção humana baseada em um poderoso recurso estratégico que é
a imaginação; imaginação que permite entrelaçar a rigidez do racional-
estratégico com a flexibilidade do emocional-aleatório; imaginação que
não se reduz a exercícios de devaneio mas, sim, constitui uma forma de
consciência espacial.
Pensar o futuro é tomar consciência da delicada e complexa
relação entre o espaço, o tempo, e a sensibilidade humana. No caso,
a Amazônia e seu futuro são filtrados, incorporados, concebidos por
meio de nossa consciência espacial (BECKER; STENNER, 2008).
Nesse contexto, vale lembrar que o espaço geográfico é produto
e condicionante das relações sociais de tal sorte que o modo pelo qual
o espaço é apropriado e gerido, e o conhecimento desse processo são
expressão e condição das relações de poder.
Torna-se patente que não se trata aqui de uma C&T positivista,
neutra e reificadora da técnica, mas sim de avançar no conhecimento
integrado da região visando alcançar melhores condições de vida para
a sociedade, aí incluindo o bem-estar da natureza e do meio ambiente.
Nessa ótica, as ciências humanas e sociais têm papel tão importante
quanto as ciências exatas e naturais. E tal C&T inclui mas não se resume
a P&D; é mais ampla envolvendo nexos com toda a população, suas
atividades e prática do cotidiano e seus territórios, enfim, capturando
e disseminando suas técnicas.
É com esses filtros que se encara o significado atual da Amazônia.
Historicamente, e até hoje, a Amazônia tem sido parte do
imaginário sobre o qual inúmeros mitos foram construídos. E sempre,

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Capítulo 2 • Amazônia já é verde: precisa é de uma base econômica que assim a mantenha 87

paralelamente, a região tem sido também foco de intensa exploração


de seus recursos naturais desde o processo de colonização.
Atualmente, o significado da região está condicionado à
centralidade que assumiu a sustentabilidade da Terra, manifestando-se
mais uma vez com sua dupla face. Por um lado, Gaia, salvação do
planeta, espaço privilegiado para o “desenvolvimento sustentável”; por
outro lado fronteira do capital natural, precioso ante a percepção de
que a natureza torna-se um recurso escasso.

Que revelações são trazidas por


nossa consciência espacial?
A Amazônia é extensa e ainda muito pouco povoada –
apenas 25 milhões de habitantes e 70% concentrados em núcleos
urbanos. No novo Atlas do IBGE, é patente o reduzido número de
estabelecimentos agropecuários na Região Norte, contrastando com
a grande e despro­porcional expansão do desmatamento. São poucas
as cadeias produtivas e geralmente incompletas, pois que a agregação
de valor se dá fora da região; enfim, não há uma base econômica
organizada, mas sim uma destruição dos recursos naturais sem trazer
benefícios para a população.
Para o futuro é, portanto, lícito reconhecer que a Amazônia já é
verde – o que ela necessita é de uma base econômica organizada capaz
de assim mantê-la.

Com que pesquisa se conta?


Através dos séculos, tem sido rica a pesquisa na Amazônia, mas
sempre atrelada a olhares e interesses externos e jamais tratando a
região com respeito às demandas de suas populações.
As ciências naturais dominaram. Foram o deleite dos naturalistas
muitas vezes enviados pela realeza europeia, bem demonstrando seus
interesses econômicos. Caracterizou-se, assim, a ciência na Amazônia
por uma cultura de inventário, em que se pesquisa espécie por espécie
e se efetua sua classificação taxonômica. Inventários da flora, da fauna
e também de grupos indígenas foram se realizando com crescente
detalhe à medida que a ciência avançava nos grandes centros europeus
e depois norte-americanos. Inventários, diga-se, que contribuíram
para a formação de importantes acervos na região, bem como para

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88 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

a presença de pouco numerosas mas de boa qualidade instituições


de pesquisa. Inventários que são imprescindíveis ante o ainda amplo
desconhecimento sobre a região.
Um intenso choque na cultura científica vem abalando a região
nas últimas décadas: trata-se do desafio de passar da cultura de
inventário para a cultura de pesquisa e desenvolvimento (P&D).
O governo vem tentando introduzir a nova cultura científica na
região a partir de meados da década de 1990, diante da importância
assumida pela Amazônia no cenário internacional e da pressão por sua
preservação.
A estratégia para modernização da pesquisa tem duas âncoras
principais que causaram grande impacto na região: (i) estímulo à
formação de redes de pesquisadores regionais, nacionais, internacionais
através da criação de grandes projetos científicos, tais como o Programa
Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG7) e sobretudo aqueles
implementados pelo MCTI através de sua Secretaria de Políticas e
Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped): LBA, Geoma e
PPBIO; (ii) criação de grande centro para pesquisa e aproveitamento
industrial da biodiversidade, o Centro de Biodiversidade da Amazônia
(CBA), fruto de parcerias e disputas entre o MDIC, o MI e o MMA.
A biodiversidade torna-se a menina dos olhos da ciência por
codificar a vida abrindo novas fronteiras na biologia. Por sua vez,
ciência e tecnologia abrem amplas possibilidade para aproveitamento
da biodiversidade em novos patamares atendendo à multiplicação das
demandas sociais nos últimos 25 anos. É o caso dos fármacos, essenciais
à saúde pública, que têm no mercado internacional forte demanda para
seu desenvolvimento: é o caso dos fitoterápicos, da dermocosmética,
e da nutracêutica que utiliza elementos naturais para gerar bem-
estar e hoje vem se expandindo notavelmente com as terapias para
a longevidade. Mais recentemente a bioenergia tem sua produção
estimulada nas áreas alteradas tanto do cerrado como da floresta ante
a demanda por energias renováveis. O intenso potencial em água
exige sua utilização responsável. A associação da biodiversidade com
a indústria eletrônica rumo à nanotecnologia já não é mais futuro no
mundo. E a economia da floresta, correspondendo ao aproveitamento
de todo o espectro dos elementos do ecossistema é hoje possível com
um mínimo de destruição.
Lamentavelmente, contudo, tais potencialidades não se
desenvolveram com expressão na Amazônia. Os projetos da Secretaria

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Capítulo 2 • Amazônia já é verde: precisa é de uma base econômica que assim a mantenha 89

de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento-Seped/MCTI


constituem significativo avanço para o conhecimento sobre a região,
mas o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) até hoje não
deslanchou e são poucas as pequenas e médias empresas locais voltadas
à utilização industrial da biodiversidade.
A cultura de P&D não chegou ainda a se desenvolver, sobretudo
em sua aplicabilidade, e parece já estar passando por transformação –
um novo choque?
Diante das duas crises – energética/climática e econômica –
maior importância assumem as florestas tropicais, pois que estão
visceralmente ligadas ao clima, podendo influir no aquecimento global.
A ciência busca aprofundar o conhecimento da natureza, agora com
foco na dinâmica da biomassa, na lógica da natureza, ou seja, no seu
funcionamento – como crescem, como são impactadas pelo clima, etc.
Procura-se conhecer a dinâmica espacializada dos diferentes tipos
de vegetação – florestas de terra firme, florestas de várzea, mangues
– verdadeiro zoneamento que pode alterar a política de conservação.
Por exemplo, os mangues vêm tendo sua importância reconhecida por
sua resistência, tanto a variações climáticas como à erosão marinha.
A partir desse conhecimento espacializado, visa-se construir cenários
para a gestão territorial.
Avança também a face econômica quanto à utilização do capital
natural da Amazônia. Se há séculos os homens mercantilizam os
elementos das funções dos ecossistemas, a novidade histórica é a
mercantilização das funções dos ecossistemas, como serviços ambientais
(BECKER, 2001; 2009a; 2009b). Mercantilização expressa sobretudo
no mercado do carbono, que se tornou o principal instrumento das
políticas ambientais, ultrapassando largamente o âmbito da mudança
climática.
Ou seja, articula-se a floresta ao clima e passa-se dos recursos
genéticos aos serviços ambientais.

Pesquisa para o desenvolvimento


sustentável responsável
A incrível aceitação e difusão do “desenvolvimento sustentável”
deve-se ao fato de que a expressão não tem até hoje um conceito
claro. É importante, assim, esclarecer dois pontos no que se entende
por desenvolvimento sustentável: (i) um desenvolvimento que inclui

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90 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

a dimensão ambiental, junto com a social, a econômica e a política;


(ii) como desenvolvimento que é, não constitui uma situação acabada,
é um processo contínuo de mudança, e um processo que pode
seguir caminhos diferenciados segundo as sociedades histórica e
geograficamente forjadas.
Segundo essa concepção, o desenvolvimento da Amazônia requer
inovação. Grosso modo, é possível distinguir duas grandes abordagens
inovadoras em estratégias para o desenvolvimento regional. Uma delas
corresponde às estratégias preservacionistas com foco nos biomas.
A mais difundida delas é a Redução de Emissões por Desflorestamento
e Degradação (REDD), em que um pagamento é feito para não desmatar
a floresta em troca da possibilidade de continuar emitindo em outro
lugar. A proposta é extremamente sedutora tanto para quem recebe
o pagamento como para quem paga (pode manter suas emissões) e
ademais, ainda permite usufruir do mercado do carbono. Trata-se
de manter as florestas, mas florestas improdutivas; reduz a imensa
potencialidade da floresta ao mercado do carbono; não se sabe quem
se beneficia do pagamento – os habitantes da floresta? O proprietário
das terras? O governo federal ou estadual? Sobretudo, a proposta do
REDD não envolve as causas do desflorestamento e sua contenção, que
é o principal desafio a enfrentar na região (BECKER, 2010).
Propostas para o Cerrado enfatizam a contenção do agronegócio,
o reflorestamento, maior produtividade da pecuária, e alguns apontam
também para a necessidade de apoiar os produtores familiares.
O Macrozoneamento Ecológico-Econômico para a Amazônia Legal,
aprovado pelo MMA em 2010 após intensa consulta pública, lembra
muito oportunamente a necessidade de pressionar o agronegócio rumo
à formação de uma efetiva agroindústria, com a agregação de valor à
produção localmente.
Outra abordagem de desenvolvimento propõe uma estratégia
produtiva e com foco em regiões. Os biomas são muito importantes e
precisam ser profundamente pesquisados. O mesmo deve ser entendido
quanto às regiões; sobretudo quando se trata de desenvolvimento,
a região é a unidade básica de análise e atuação. Por várias razões:
(i) porque nela se reconhecem as formas de organização – ou
desorganização – do espaço estabelecidas pelas populações com base
em suas culturas e equipamentos, bem como o resultado das relações
sociais e da interação sociedade-natureza; (ii) porque os biomas estão
articulados. Há muito a geopolítica já reconhecera essa articulação
ao planejar a “ocupação” da Amazônia a partir do Planalto Central;

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Capítulo 2 • Amazônia já é verde: precisa é de uma base econômica que assim a mantenha 91

(iii) e, importante, porque a região permite identificar espaços para


atividades complementares.
A proposta nessa abordagem parte assim da Amazônia Legal
que, como região de planejamento que é, constitui a escala estratégica
para ações (BECKER, 2009b).
A estratégia proposta é produtiva e não apenas a de conservação.
Alguns princípios orientam essa estratégia. O primeiro deles é atribuir
valor econômico à floresta em pé para que ela possa competir com
as commodities e permanecer em pé. Segue-se a organização da base
econômica regional mediante o reconhecimento do zoneamento da
própria natureza que dispõe de norte a sul diferentes tipos de florestas
e cerrado, a recuperação das cidades como nós logísticos das redes
tangíveis e intangíveis e a criação de cadeias produtivas completas.
Finalmente, para cada uma dessas “zonas” que, segundo
suas formas de apropriação e uso transformam-se em sub-regiões,
definem-se atividades e práticas a elas adequadas com apoio da C&T&I,
sempre tendo em vista a sua complementaridade. Redes de cidades
localizadas no contato dessas sub-regiões devem ser equipadas para
processar e agregar valor aos produtos, sediar laboratórios de pesquisa
e assegurar a convergência das redes e de cadeias produtivas.
Eis uma reflexão para uma revolução científico-tecnológica
que não exclui modalidade alguma de pesquisa – pelo contrário as
integra – das inovações nos grandes centros às inovações locais e ao
conhecimento tradicional, do inventário de biodiversidade às mais
complexas interações moleculares, pesquisas que sejam capazes de,
enfim, permitir o desenvolvimento da Amazônia.

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Capítulo 3

Amazônia, população
e modernidade
Márcio Souza

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94 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Certamente a Amazônia, como prova sua própria história, é uma


região acostumada com a modernidade. Nos 500 anos de presença
da cultura europeia, experimentou os métodos mais modernos
de exploração. Cada uma das fases da história regional mostra a
modernidade das experiências que foram se sucedendo: agricultura
capitalista de pequenos proprietários em 1760 com o Marquês de
Pombal, economia extrativista exportadora em 1890 com a borracha,
e estrutura industrial eletroeletrônica em 1970 com a Zona Franca
de Manaus. Os habitantes da Amazônia, portanto, não se assustam
facilmente com problemas de modernidade. O que vem provar que a
região é bem mais surpreendente, complexa e senhora de um perfil
civilizatório que o falatório internacional faz crer. Não é por outro
motivo que a Amazônia continua um conveniente mistério para os
brasileiros.
Afastando-se os entulhos promocionais, as falácias da publicidade
e a manipulação dos noticiários de acordo com os interesses
econômicos, nota-se que a Amazônia vem sendo quase sempre vítima,
repetidamente abatida pelas simplificações, pela esterilização de suas
lutas e neutralização das vozes regionais. Sem a necessária serenidade e
visão crítica da questão a partir de um projeto de sociedade nacional, os
brasileiros deixam-se levar pela perplexidade, quando não sucumbem
definitivamente à propaganda.
A questão da Região Amazônica é sem dúvida fundamental para
entendermos bem a diversidade do Brasil. Mas nem sempre foi possível
o acesso ao passado da grande planície. Por isso, chamo a atenção para
o trabalho de reestruturação dos arquivos públicos brasileiros. Como
o que foi feito em Belém, permitindo que os pesquisadores tivessem
acesso a informações até então inéditas, o que foi muito importante
para o estudo da formação do Brasil e da integração da Amazônia ao
Estado brasileiro.
O Brasil é fruto de um conjunto de paradoxos, entre pobreza
e riqueza, modernidade e arcaísmo. É necessário analisá-los para
entender a formação do país. É preciso levar em conta também as
particularidades do modelo colonial português.
Não podemos esquecer que, na origem, a Amazônia não
pertencia ao Brasil. Na verdade, os portugueses tinham duas colônias
na América do Sul, uma descoberta por Cabral em 1.500, governada
pelo vice-rei do Brasil, a outra, o Grão-Pará e Rio Negro, descoberto
por Vicente Iañes Pinzon em 1498, logo após a terceira viagem de

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 95

Colombo à América, quando batizou o Rio Amazonas de Mar Dulce,


mas efetivamente ocupada pelos portugueses a partir de 1630. Esses
dois Estados se desenvolveram distintamente até 1823, data em que
o Império do Brasil começou a anexar o seu vizinho. A violência era
naquela altura a única via possível, tão diferentes eram as estratégias,
a cultura e a economia dessas duas colônias. A Amazônia então não
era uma fronteira: é um conceito que foi inventando pelo Império e
retomado pela República.
No Grão-Pará e Rio Negro, a economia era fundada na produção
manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria
florescente, produzindo objetos de fama mundial, como sapatos e
galochas, capas impermeáveis, molas e instrumentos cirúrgicos,
destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também
na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários.
O marquês de Pombal nomeara seu próprio irmão para dirigir o país,
com o intento de reter o processo de decadência do Império Português,
que dava mostras de ser incapaz de acompanhar o desenvolvimento
capitalista. Nesse contexto, os escravos tinham uma importância menor
do que nos outros lugares. O país desfruta, além disso, de uma cultura
urbana bastante desenvolvida, com Belém, construída para ser a capital
administrativa. Ou a sede da Capitania do Rio Negro, Barcelos, que
conheceu importante desenvolvimento antes de Manaus, e para a qual
recorrera-se ao arquiteto e urbanista de Bolonha Antônio José Landi.
Em compensação, a colônia chamada Brasil dependia amplamente da
agricultura e da agroindústria, tendo, portanto, forte proporção de mão
de obra escrava. Em meados do século XVIII, tanto o Grão-Pará quanto
o Brasil conseguem criar forte classe de comerciantes, bastante ligados
à importação e exportação, senhores de grandes fortunas e bastantes
autônomos em relação à Metrópole. Mas enquanto os comerciantes
do Rio de Janeiro deliberadamente optaram pela agricultura de
trabalho intensivo, como o café, baseando-se no regime da escravidão,
os empresários do Grão-Pará intensificaram seus investimentos na
indústria naval e nas primeiras fábricas de beneficiamento de produtos
extrativos, especialmente o tabaco e a castanha-do-pará.
A anexação da Amazônia marcou o começo de novo processo e
provavelmente, aos olhos das elites do Rio de Janeiro, só poderia ser
à força. Para as elites do Grão-Pará, o incidente das Cortes, liberais
internamente, mas recolonizadoras para fora, e a intimidade com
as ideias da Revolução Francesa adquirida na tomada e ocupação
de Caiena, fez perceber que a via da república era mais adaptada

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96 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

à América que um regime monárquico. Os ministros do jovem e


impetuoso imperador brasileiro não podiam admitir tal coisa. E entre
1823 e 1840, o que vai se ver é um processo de provocação deliberada,
seguida por severa convulsão social e a consequente repressão. Se me
permitem a comparação um tanto audaciosa, foi de certa modo como
se o Sul tivesse ganhado a Guerra de Secessão nos Estados Unidos.
Com a repressão, a Amazônia perdeu 40% dos seus habitantes.
A anexação destruiu todos os focos de modernidade. Entre o Império
e as oligarquias locais, nenhum diálogo era então possível.
Com o Ciclo da Borracha, a face da Amazônia se transformou
completamente. A economia do látex quebrou o isolamento e buscou
integrar a região ao mercado internacional. Um dos principais fatores
desta transformação foi a mudança do perfil populacional, provocado
pelas inúmeras levas de imigrantes que chegaram atraídos pelas
riquezas do látex e pela necessidade de mão de obra.
Em 1870, quando a borracha começa a dar sinais de valorização,
a Amazônia era quase um deserto demográfico, com suas populações
tradicionais dizimadas por séculos de escravização, práticas predatórias
e pela política repressiva do Império no combate à Cabanagem.
A conjugação de períodos de seca e depressão econômica levaram
o Nordeste brasileiro, especialmente o Estado do Ceará, a participar com
o maior número de imigrantes, que a partir de 1877 foram chegando em
levas desordenadas, para a seguir se transformar numa rotina perversa,
resultando num quadro terrível de exploração humana. Milhares de
lavradores pobres, iludidos por contratadores, deixaram suas terras
áridas pelas selvas do alto Purus, Madeira e Acre, vivendo sob o domínio
do sistema de aviamento. Alem do choque cultural, do isolamento e dos
perigos da selva tropical, os nordestinos trabalhavam sob os regime da
coerção, típico do sistema do aviamento, que só podia existir baseado no
débito permanente do seringueiro. De qualquer modo, os nordestinos
mostraram sua tenacidade e capacidade de sobreviver, se mesclaram
com as populações tradicionais e enriqueceram a cultura regional,
interpretando o grande vale através de seu colorido folclore, da música,
da culinária e da literatura de cordel.
Um pouco antes do Ciclo da Borracha, empurrados pelas
perseguições, fome e discriminação, judeus sefaraditas-marroquinos,
bem como de outros grupos culturais da Europa e do Oriente Médio,
aportam na Amazônia a partir de 1810, a maioria procedente de
Tanger, Tetuan, Fez, Rabat, Sale e Marrakesh. Em Belém, fundam em

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 97

1824 a sinagoga Essel Abraham, a primeira do Brasil depois de mais de


200 anos. Era uma imigração bem preparada, com homens e mulheres
educados para o trabalho, que logo ocupariam importantes nichos
empresariais, especialmente no comércio, na exportação e importação,
na indústria e na cultura.
Outra corrente migratória importante foi a dos sírios-libaneses.
No final do século XIX, com o crescimento da economia do látex,
levas inteiras de homens e mulheres deixaram suas cidades e aldeias,
como Baalbeck, Ghazir, Dimen, Beirute, no Líbano, e Ayo, Hamma
e Damasco, na Síria, para reconstruir sua existência na Amazônia.
Gente persistente, apegada ao sentido de família, sóbria e inteligente,
logo estava concorrendo com os outros imigrantes, superando as
barreiras do preconceito, formando novos costumes e introduzindo
novos valores culturais. Foram os sírios-libaneses que trouxeram para
a região o sistema do crediário, trazendo para um mercado elitista a
população pobre.
Outros grupos étnicos e culturais também vieram contribuir
para a formação da Amazônia moderna. Em 1867, com a derrota da
Guerra da Secessão, centenas de confederados, sob a liderança do major
Warren Lansford Hasting, deslocam-se para a cidade de Santarém,
ocupando depois outras localidades do Baixo Amazonas. Da construção
da estrada de ferro Madeira-Mamoré, restou o extraordinário legado
dos trabalhadores de Barbados e Jamaica, que ficaram em Rondônia
e ali imprimiram fortes sinais de sua presença. Dos europeus, além
da constante e ininterrupta imigração portuguesa, há que se destacar
a presença dos italianos. Oriundos em sua maioria de cidades e vilas
do sul da Itália, especialmente das empobrecidas províncias do Mezzo
Giorno, Potenza e da Sicília, os italianos se destacaram na Amazônia
nos campos da educação, arquitetura, música, comércio e indústria,
artes cênicas e na introdução, junto com os espanhóis, dos primeiros
movimentos operários organizados.
Os últimos grupos de migrantes estrangeiros a chegar à região
foram os japoneses, que a partir de 1928 começaram a se instalar
nos municípios de Monte Alegre, Marabá, Bragança e Conceição do
Araguaia, Estado do Pará. Até o final da década de 30 do século passado,
quase 500 famílias chegaram à região, com o intuito de introduzir o
cultivo da pimenta-do-reino e da juta, mas tiveram importante papel
na introdução de novas variedades de plantas e hortaliças, além da
difusão de técnicas avançadas de produção agrícola. Com a crise e o fim
da economia da juta, muitas famílias japonesas decidiram mudar para

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98 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

as cidades de Manaus e Belém, onde se integraram e contribuíram com


seus valores culturais, seu cultivo pela cortesia, respeito à hierarquia e
sensibilidade estética.
Com os projetos econômicos do regime militar de 1964, e a
abertura de faixas de terra para a colonização, levas de trabalhadores
sem terra, vindos do Paraná e Rio Grande do Sul, entraram na
Amazônia, trazendo seus costumes e tradições. Todos esses contingentes
humanos, tangidos pela miséria e armados do desejo de sobreviver,
vieram reconstruir suas vidas atribuladas – e alguns tiveram sucesso,
numa prova de que a Amazônia era um território das Américas,
território de esperanças.
Tomemos um período redondo: 1965 – 2000. Nesses 35 anos
a Amazônia foi aberta à expansão do capitalismo, de acordo com
as diretrizes de uma economia política elaborada por uma série
de governos militares, seguida fielmente pelos governos civis da
Nova República e posteriores, que pretendiam promover na região
um modelo de desenvolvimento modernizante. O predomínio de
investimentos e a presença do governo federal na região se tornaram
cada vez mais extravagantes na proporção de seus resultados. Meio
milênio de distintas economias extrativistas apenas enriqueceram
brevemente uma parcela das oligarquias locais, deixando para trás
uma terra mais empobrecida. Se a História da Amazônia tem sido
um permanente desafio às noções de progresso, natureza e homem,
tão caros ao pensamento europeu e que serviram para sustentar
conceitos como os de desenvolvimento e subdesenvolvimento, os 35
anos que fecharam o milênio representaram grande teste para esse
desafio. Infelizmente o que se vê é o autodenominado moderno Estado
brasileiro demonstrando diariamente sua incapacidade de dar um
basta em tantos absurdos, em impedir a deterioração do meio ambiente
e barrar os projetos econômicos que tornam a vida dos camponeses,
índios e trabalhadores um exercício de horror.
Em 1966, seguindo a lógica de argumentos geopolíticos, os
militares e seus tecnocratas decidiram ocupar e integrar a Região
Amazônica através de nova estratégia de desenvolvimento regional,
instituindo a «Operação Amazônia». Para os militares, a Amazônia era
um vazio demográfico, perigoso de ser controlado e alvo da cobiça
de outras nações, se não fosse urgentemente ocupado pelo Brasil.
Além da cobiça internacional, a Amazônia era um cenário ideal para
movimentos subversivos, como indicavam alguns exemplos bem visíveis
do outro lado da fronteira colombiana.

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 99

Para evitar qualquer reação das forças tradicionais da Amazônia,


esse modelo de desenvolvimento autoritário retalhou politicamente a
região, pondo as novas instituições para fazer essa divisão na prática.
Além de usurpar a autoridade dos estados regionais sobre os seus
territórios, a ponto de o governo do Pará exercer seus poderes apenas
sobre 20% do estado, órgãos como a Sudam, por exemplo, exercitando
a política financeira de incentivos fiscais, canalizaram os grandes
projetos agropecuários, minerais e energéticos para a Amazônia
Oriental, enquanto a Suframa, usando os incentivos fiscais para instalar
um enclave exportador, fez de Manaus e da Amazônia Ocidental um
nicho de projetos industriais eletroeletrônicos e projetos agropecuários
de menor porte.
Nos primeiros anos da «Operação Amazônia», o governo de
Brasília tentou atrair investidores para projetos agropecuários através
de doações financeiras e renúncia fiscal. A partir do presidente
Médici, o governo passou a investir diretamente em megaprojetos,
criando novas fontes de recursos através de orgãos como o PIN,
Proterra e Polamazônia. No início da década de 70, em plena época
do chamado Milagre Econômico, a Amazônia era então não mais
uma região de economia extrativa, mas basicamente uma área de
agropecuária, mineração, metalurgia e siderurgia. Já no final de
1966, mais de mil investidores tinham instalado projetos de criação
de gado ao longo da estrada Belém-Brasília. A agropecuária seria, no
início, o principal atrativo.
A partir de 1967, um decreto presidencial transformou Manaus
em Zona Franca, imediatamente instalando uma série de indústrias
e anunciando uma oferta de 40 mil empregos. No que toca à divisão
do trabalho, as indústrias da Zona Franca operavam as fases finais de
montagem e acabamento do produto. Fases que exigiam um número
maior de mão de obra.
Aproveitando a legislação, essas indústrias se estabeleceram
numa área da cidade de Manaus, no chamado Distrito Industrial, onde
receberam terrenos a preços irrisórios, totalmente urbanizados, como
nenhum conjunto habitacional supostamente para pessoas de baixa
renda recebeu. E, assim, entrou em atividade um parque industrial
de «beneficiamento» produzindo em toda sua capacidade e operando
numa área onde as facilidades eram, na verdade, uma conjuntura
favorável.
Para completar, como extensões de grandes complexos, as
indústrias da Zona Franca são administradas de maneira direta e seu

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100 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

capital pouco é afetado pela disponibilidade local. A participação de


capital oriundo do tradicional extrativismo foi mínima e era possível
notar, por volta do final da década de 70, grandes comerciantes do
extrativismo, de outrora, hoje atrelados como sócios minoritários,
com cargos simbólicos nas empresas altamente subsidiadas instaladas
em Manaus.
Eram indústrias que tudo trouxeram de fora, da tecnologia ao
capital majoritário, e que do Amazonas somente aproveitaram a mão
de obra barata e os privilégios institucionais. Com estrutura industrial
altamente artificial, a Amazônia Ocidental teve o seu quinhão da
política de integração nacional. A promessa de 40 mil empregos não
se cumpriu, mas ajudou a provocar uma explosão demográfica em
Manaus. De cerca de 150 mil habitantes em 1968, a cidade pulou para
600 mil em 1975.
As transformações sociais e culturais da Zona Franca em Manaus
são bastante distintas daquelas que aconteceram durante o Ciclo da
Borracha. Enquanto a cidade era a capital mundial da borracha,
Manaus rapidamente se consolidou como centro urbano, e desenvolveu
os primeiros sistemas de serviços públicos, como eletricidade,
distribuição de água e esgotos. Naquele período a cidade teve suas
ruas pavimentadas, o seu crescimento planejado, viu crescer o número
de hospitais e abriu-se para as influências culturais cosmopolitas.
Criou uma universidade e construiu uma casa de óperas. É claro que
todas aquelas vantagens eram direcionadas aos ricos, àqueles que
lucravam com o comércio do látex. No entanto, o desenvolvimento
de Manaus durante o ciclo acompanhou o crescimento populacional,
sem degradação dos serviços. O oposto ocorreu com a Zona Franca de
Manaus.
O aceno de 50 mil empregos atraiu uma população de migrantes
que nunca mais cessou de aportar em Manaus. A rápida instalação de
empresas comerciais, as lojas de artigos importados que pululavam pelo
centro histórico da cidade, a chegada de empresas multinacionais no
distrito industrial, as firmas de consultoria, os institutos de pesquisas,
as novas sucursais de instituições públicas, a horda de turistas em
busca de aparelhos eletrônicos baratos e a vaga de migrantes em
busca de novas oportunidades transformaram a cidade num inferno.
Especialmente porque tal demanda chegava num momento em que a
estrutura urbana estava decadente. Em 1960 ainda conseguia acomodar
seus 200 mil habitantes, embora tudo estivesse à beira do colapso.
As telecomunicações era impraticáveis, a distribuição de luz e água

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 101

precária, e os prédios públicos estavam quase em ruínas. Em 1984, a


cidade continuava com a mesma infraestrutura apodrecida e começava
a inchar, com inúmeras favelas surgindo por todos os lados.
O fenômeno do crescimento desordenado de Manaus faz parte
dos problemas gerados pelos programas de desenvolvimento postos em
práticas pelo governo federal, desde 1964. Um dos problemas óbvios é
o aumento da população urbana na Amazônia, configurando uma das
maiores fronteiras urbanas do mundo. O censo de 1980 mostrava que
metade da população amazônica vivia em cidades. Dez anos depois,
58% da população estava urbanizada. Capitais como Manaus, Belém e
Porto Velho sofreram declínios de importância regional, à medida que
certos aglomerados urbanos espalhados pelo interior se organizaram
e estabeleceram ligações diretas com os centros econômicos nacionais
e internacionais. Mas as capitais tradicionais da região continuam a
desempenhar seu papel local, por sediarem as sucursais das agências
federais, controlarem os orçamentos públicos estaduais e manterem as
máquinas administrativas e burocráticas. No entanto, enfrentam novos
desafios, como as massivas imigrações, criação de favelas e crescimento
do setor informal na periferia urbana.
A partir dos anos 90 a região assistiu a uma mudança urbana
bastante dramática, que foi o declínio da cidade de Belém em relação
a Manaus. A cidade de Belém, que representava 43,9% da população
regional em 1950, caiu para 23,0% em 1990, enquanto Manaus
experimentava verdadeira explosão demográfica. A vitória da capital
amazonense na velha competição entre as duas cidades foi apenas
aparente. Mesmo com todo o capital nacional e internacional chegando
em Manaus, enquanto as elites de Belém não conseguiam reverter o
processo, a capital do Amazonas saiu perdendo como centro urbano.
Belém pôde se dar ao luxo de preservar seu patrimônio urbano, sua
arquitetura eclética, seus parques neoclássicos e suas avenidas sobreadas
pelas mangueiras, enquanto Manaus se deixou atacar pela especulação
imobiliária e viu muitos de seus marcos arquitetônicos desaparecerem,
em troca de uma arquitetura medíocre. Enquanto a capital paraense
soube impor sua cultura e as tradições de sua civilização, a cidade de
Manaus foi culturalmente colonizada pela massa de imigrantes, oriunda
das partes mais atrasadas do país, pessoas originárias do mundo rural,
onde não havia nenhuma mobilidade social, nenhuma escola, nenhuma
esperança. É impossível prever o que vai ser culturalmente a cidade de
Manaus no futuro, depois que o processo da Zona Franca passar.

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102 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Belém ainda tem sua importância regional, embora não mais


exerça liderança e tenha perdido o posto de portão da Amazônia.
É em Belém que ainda estão algumas das agências governamentais
importantes, enquanto a cidade de Manaus tende a se transformar
num polo tecnológico, num centro de biodiversidade de alta tecnologia.
Para que isto aconteça, a capital do Amazonas deve superar a tentação
populista, oferecer rápida integração das massas de migrantes através
de processos educacionais e culturais, acumulando ao lado do capital
financeiro um capital intelectual com massa suficiente para fazer de
sua população mais do que reserva de mão de obra e energia humana
escravizada à expansão global do capitalismo.
O modelo de desenvolvimento regional baseado em grandes
projetos, imposto por um regime autoritário, acabou por trazer graves
consequências para a Amazônia e seu povo. As principais distorções
hoje são bastante óbvias, mas o cerceamento da liberdade de expressão,
a repressão e o sistemático assassinato de lideranças populares
impediram que fossem denunciadas e combatidas na época.
O problema mais em evidência hoje, produzido diretamente por
tal modelo imposto pelo regime militar, é o da degradação ambiental
em processo acelerado. Segundo os mais conservadores levantamentos,
aproximadamente 11% da cobertura vegetal da região foi destruída
irremediavelmente até o ano de 2001, apenas na Amazônia brasileira.
A pecuária e o uso do solo predominam nessas áreas por toda a região.
Entre 1990 e 2003, o rebanho bovino na Amazônia cresceu de 26 milhões
e 600 mil cabeças para 64 milhões de cabeças, um aumento de 140%,
segundo fontes do IBGE. Mas as sociedades nacionais que possuem a
Amazônia ainda não se deram conta dos conflitos de interesses que
se desenvolvem na região, e os danos irreversíveis que foram causados
ao meio ambiente. Entre 1965 e 1970, a Amazônia foi a rota final de
milhares de imigrantes do sul do Brasil. O governo militar tratava
de resolver o problema agrário que crescia no extremo sul do Brasil,
num momento em que as tradicionais fronteiras de São Paulo e Paraná
estavam esgotadas. O sistema agrário do Sul passava por um processo
de modernização das práticas agrícolas acompanhadas de créditos e
incentivos fiscais, levando grande número de pequenos proprietários
rurais a venderem suas terras. No começo dos anos 60, o Sul estava
expelindo mais gente do que podia absorver. O Pará, o Maranhão e
Rondônia foram os estados que receberam grande número de colonos.
Numa única década a fronteira deslocou e ampurrou para a Amazônia
10 milhões de pessoas.

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 103

Sobre essa questão deve-se ter uma visão correta, evitando cair
no catastrofismo de certos defensores de nossa integridade, que não
foram convidados por nós a fazer nossa defesa, mas que insistem em
soluções salvacionistas, sem nenhuma base científica que reduzem a
Amazônia, da mesma forma que os militares o fizeram, a um território
sem tradição cultural ou história, que precisa ser ocupado por suas
boas intenções. O ambientalista Fatheuer (1993, p. 233) observa que:
a ecologização total da Amazônia esvazia a região de suas
características sociais. É fácil de compreender porque,
no modelo de equilíbrio ecológico todas as intervenções
humanas são classificadas como prejudiciais. Exagerando:
o homem aparece, a não ser que seja índio, como destruidor,
como predador. Ele nem poderia deixar de sê-lo. A crítica
ao desenvolvimento da Amazônia se volta assim não contra
um modelo histórico, econômico e socialmente determinado
de apropriação, mas contra todo e qualquer aproveitamento
humano.

Mas a pressão humana está totalmente estabelecida e consolidada


pelos projetos de colonização e as investidas dos grupos agropecuários.
Os impactos ambientais nessas áreas são mais intensos que nas
fronteiras de ocupação por causa da maior fragmentação da floresta e
das atividades industriais urbanas.
No final dos anos 70, a fronteira amazônica já se encontrava
fechada, com as melhores terras ocupadas, extensos latifúndios em
mãos de especuladores e grupos agropecuários gozando dos incentivos
fiscais. Com o fim da ditadura, o governo da Nova República poderia
ter realizado a Reforma Agrária, expropriando as terras das mãos
dos especuladores, na maioria sem titulação legal ou até mesmo
falsa. Mantém-se a velha omissão e o oportunismo do poder público
brasileiro, que não cuidou de evitar o caráter destrutivo da expansão
agrícola, se absteve de realizar efetivo controle social permitindo que
os desmatamentos prosseguissem. Provavelmente a mais séria das
omissões foi a falta de controle sobre o processo de ocupação. Já no
começo dos anos 80 as melhores terras estavam registradas em nome
dos latifundiários e dos especuladores. Para as terras restantes, os
colonos precisavam ter à disposição novas tecnologias que impactassem
menos o meio ambiente, porém o governo brasileiro não apenas foi
negligente, quanto em muitos casos, foi contrário às novas medidas.
Se o Brasil é geralmente dado no exterior como um país de
emoções, de irracionalidade, um país primitivo ou até folclórico,

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104 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

não podemos esquecer, no entanto, que ele herdou da colonização


portuguesa grande capacidade de organização e de planejamento, assim
como uma preocupação afirmada com os detalhes. Os portugueses
sempre fixaram objetivos para si mesmos. Previam cada um de seus
passos no continente latino-americano. Não consta na crônica da
conquista a existência de portugueses em busca da fonte da juventude,
tampouco puseram um pé na água para declarar, como fizeram os
espanhóis, que se tinham apossado do Oceano Atlântico inteiro.
Se o Império não tivesse tido que se haver com a Amazônia, ou, como
disse José Honório Rodrigues, se não tivesse passado o tempo inteiro
reprimindo revoltas populares, podemos estar certos de que o processo
de expansão territorial do Brasil teria atingido as margens do Pacífico.
A Amazônia passou, portanto a ser uma fronteira entre uma zona
de cultura brasileira predominante e um subcontinente onde se fala
francês, holandês, espanhol, português. Além disso, 32 idiomas são
praticados no Rio Negro, idiomas esses que são verdadeiras línguas e
não dialetos. Temos de um lado dessa fronteira uma cultura brasileira
em plena expansão, e do outro, culturas originais, pré-colombianas,
vivas até hoje, culturas essas que, vale lembrar, estiveram muito tempo
na frente das outras, em particular do ponto de vista da técnica, antes
de serem submersas pelo processo de integração.
Mas a tragédia da região não poderá ser também a sua redenção?
A oposição arcaísmo-modernidade não estaria sendo vista ao avesso?
A experiência da modernidade já foi feita na região. Mas os tecnocratas
e o governo central foram incapazes de favorecer a aceitação de
experiências locais no processo de integrarão econômica. Isso aparece
claramente com o exemplo da criação de gado: a chegada do boi só foi
uma tal catástrofe para a Amazônia porque o modelo agropecuário foi
imposto a um estado, o Acre, onde não havia tradição de criação de
gado, e que por causa disso perdeu sua cobertura florestal tradicional.
Por que não usaram em vez disso as zonas tradicionais de pasto, como
as existentes no Baixo Amazonas, na região de Óbidos, Alemquer
e Oriximiná, ou em Roraima, cuia superfície é superior à de todos
os pastos europeus reunidos? Esse é exatamente um caso em que a
integração econômica foi feita em detrimento da história e da tradição
locais. E, no entanto, a arrogância não ficou apenas com os tecnocratas
do governo militar, um contingente imenso de salvadores da Amazônia
estabeleceu suas agendas baseadas em conclusões apressadas.
Por exemplo, as soluções de neoextrativismo propostas por
Chico Mendes destinavam-se apenas a dois ou três municípios. Alguns

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 105

quilômetros além, não serviam mais. Era portanto absurdo focalizar-se


nelas e apresentá-las como soluções de uso geral na região, como
fizeram alguns ecologistas e certos movimentos de defesa da região.
Nos parâmetros políticos de 1985, quando a ideia foi gerada, a luta por
tais reservas extrativistas estava perfeitamente explicada. No entanto,
esse é um conceito que foi muito foi alargado desde então, a ponto de
se tornar uma das mais usadas medidas “de preservação” do governo
Sarney e, em termos políticos amplos, como espécie de proposta
geral para a região, pois o “futuro” da Amazônia estaria em sua total
regressão à economia extrativista.
Se o extrativismo imprimiu a face econômica da Amazônia,
ele foi capaz de formar uma sociedade peculiar e uma cultura,
determinando uma estrutura social com interesses bem definidos.
Estou convencido de que Chico Mendes, meditando sobre o caráter
desta sociedade, especialmente sobre a decadência do proprietário
extrativista, desenvolveu as primeiras ideias sobre o projeto tático das
reservas extrativistas. Era uma forma de mobilizar os seringueiros para
a defesa da propriedade extrativista, já que os proprietários estavam
enfraquecidos, postos à margem pelo modelo econômico agropecuário
e especulador.
Os proprietários extrativistas, entre eles os seringalistas,
raramente se preocupavam com a terra. Eles controlavam a produção
extrativa, financiavam a safra. Não eram exatamente senhores da
terra, ou fazendeiros, mas apenas “dominadores” das áreas de matéria-
prima, como a castanha, a piaçava, madeira, a balata, a sorva e a
borracha. Era, por certo, uma classe com características rurais no trato
das relações de trabalho, mas a sua criatividade estava na capacidade
de dinamizar a produção extrativa. Esta classe estabeleceu o controle
da terra, abrangendo grandes áreas produtivas. O seu controle dos
meios de produção limitava-se, basicamente, ao controle das áreas
extrativas, já que no relacionamento com a natureza o proprietário
extrativista não avançava o seu controle, não havia a preocupação do
cultivo, da pesquisa, e a mão de obra era apenas considerada força de
trabalho. Esta característica especial do proprietário extrativista deu
ao trabalhador da frente extrativista algumas peculiaridades que o
fizeram, por exemplo, diferente do camponês do latifúndio nordestino,
ainda que este tenha sido a matriz humana daquele.
No extrativismo a produção assumia um interesse vital, não
durava o ano todo, e ao trabalhador era exigido não apenas uma massa
de produto produzido, mas era necessário arrancar esse produto pelo

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106 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

trabalho. É que no extrativismo, como forma arcaica de produção, o


valor de troca estava muito próximo do valor de uso. O cálculo do
salário, portanto, estava intimamente ligado à quantidade da produção
do trabalhador. Era uma força de trabalho que valia quanto pesava,
determinada inclusive pela necessidade de ser mantida na produção
à custa de abusos sociais, como a obrigatoriedade do consumo no
comércio do proprietário e a sistemática estrutura policialesca do
patrão impedindo o trabalhador de abandonar a produção.
Uma economia como a extrativista, que sequer formou uma
oligarquia firme em seus propósitos, não poderia servir de modelo
de restauração salvadora. Os proprietários extrativistas foram saindo
de cena, consumindo o melhor de sua energia e capacidade criadora
no exercício de sobreviver a qualquer custo. Durante o tempo em
que estiveram parasitando a natureza da região, os extrativistas
relacionaram-se com os grupos hegemônicos do país através de
lamentável sublimação política. Fingiam que tinham o poder,
encenavam os seus desejos e, no final, acabavam por conciliar, seguindo
a reboque com a sensação do dever cumprido.
Chico Mendes não estava fazendo nenhum tipo de apologia
restauradora de uma página negra da história regional, ao propor a
luta pela transformação dos seringais acreanos em reservas. Ele sabia
que tais reservas eram soluções muito localizadas, que não respondiam
sequer ao problema do Acre, quanto mais de uma área continental,
diversificada, como a Amazônia brasileira. Tratava-se, como era de se
esperar, de um objeto tático, que visava barrar a invasão da economia
especulativa e promover um alerta para a destruição de uma região
cujos recursos biológicos sequer estão plenamente conhecidos.
Falar, portanto, que o destino da Amazônia é a regressão ao
extrativismo, mesmo a um extrativismo idílico, socializado e místico,
é mais uma vez atropelar a própria Amazônia. De qualquer modo,
vamos supor que fosse possível fazer da Amazônia uma imensa reserva
extrativista, um enorme playground para todos os diversos pirados
da terra. Bem, este é o sonho nada pirado da poderosa indústria
farmacêutica internacional, dos grupos econômicos que trabalham com
a biotecnologia, com a engenharia genética e a etnobiologia. Assim,
mais uma vez deseja-se que a Amazônia ofereça o que tem, mas que
fique em seu lugar, como território primitivo, de gente primitiva, que
não deve jamais ter acesso a essas tecnologias e ao controle econômico
de seus produtos.

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Capítulo 3 • Amazônia, população e modernidade 107

O certo é que se o extrativismo na Amazônia não está morto,


deve ser definitivamente erradicado por qualquer plano que respeite
o processo histórico e a vontade regional. Mesmo porque a Amazônia
não deve ser reserva de nada, nem celeiro, nem estoque genético ou
espaço do rústico para deleite dos turistas pós-industriais.
Se o modelo econômico brasileiro insiste em destruir riquezas que
sequer foram computadas movido por puro imediatismo econômico,
não se deve agravar mais a região impondo-se soluções aparentemente
ditadas pelo espírito da solidariedade. Especialmente porque contra os
abusos é possível resistir, mas não há nada que se possa fazer contra a
solidariedade.
Na realidade, a Amazônia foi reinventada pelo Brasil, que propôs
para ela a sua própria imagem. Os moradores da Amazônia sempre
se espantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la e explorá-la,
ainda apresentam sua região como habitada essencialmente por
tribos indígenas, enquanto existem há muito tempo cidades, uma
verdadeira vida urbana, e uma população erudita que teceu laços
estreitos com a Europa desde o século XIX. Aliás, nisso residem as
maiores possibilidades de resistência e de sobrevivência dessa região.
Com efeito, os povos indígenas da Amazônia nada conseguirão se não
se apoiarem nessa população urbana, que é a única que se expressa nas
eleições e exerce pressão sobre a cena política. É pelo jogo das forças
democráticas que o problema da exploração econômica da Amazônia
poderá encontrar uma solução. Portanto é preciso reforçar as estruturas
políticas regionais. A Amazônia conta com população de 20 milhões de
pessoas e com nove milhões de eleitores, o que não é pouca coisa.
Embora o Brasil se orgulhe de ter ‹absorvido› a Amazônia, não
aniquilou suas peculiaridades. Continua havendo uma cozinha, uma
literatura, uma música da Amazônia. As trocas entre ambas as culturas
são muitas, e isso é bom. A exploração da Amazônia pode esclarecer
com proveito o projeto de modernidade do Brasil. As favelas, a má
distribuição de renda e a desigualdade social decorrem menos da
pobreza de certas regiões que obriga seus moradores a emigrar, do
que das opções políticas adotadas pelos grandes latifundiários e pelos
donos das grandes empresas, ou seja, por aqueles que detêm o capital,
os donos do império brasileiro.
Em mais de um século de existência, a revista Punch jamais se
dignou a falar do Brasil. Somente o tremendo alarido em torno dos
problemas ambientais na Região Amazônica seria capaz de atrair

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108 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

a atenção deste bastião de sarcasmo britânico. Na única citação


brasileira, uma espécie de editorial deliciosamente desabusado, a
revista congratulava-se com o cinismo dos ambientalistas europeus e
norte-americanos por finalmente terem encontrado o Brasil, bizarro
país tropical em acelerado processo de autodestruição, mestiço e pobre,
um perfeito substituto em termos de saco de pancadas para o Japão,
o país que mais sistematicamente tem agredido o meio ambiente, mas
que por ser rico e tecnologicamente avançado, não pode ficar na alça
de mira dos bem-pensantes.
O texto de Punch é mais que um sintoma, é um claro reflexo do
grande fenômeno promocional em que se transformou o ecologismo, um
típico produto das aceleradas mudanças políticas que estão ocorrendo
no mundo. Os agressivos efeitos de um modelo econômico imposto à
Amazônia nos anos 60, com resultados desastrosos especialmente para
as populações tradicionais, ganharam sons exacerbados nos últimos
anos, produzindo uma multiplicidade de vozes, de denúncias, de
ameaças, de propostas, sempre envergando o escudo da solidariedade,
que acabou por obscurecer ainda mais o problema brasileiro da
Amazônia.

Referências
FATHEUER, T. W. Wer zerstoert, wersttet Amazonien? Lateinamerika
Nachricthen, p. 233, 1993.

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Capítulo 4

O novo modelo colonial


amazônico: reflexões
sobre cenários possíveis
Violeta Refkalefsky Loureiro

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110 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
Este texto tem por objetivo resumir algumas reflexões sobre
a Amazônia que tenho desenvolvido mais aprofundadamente em
trabalhos de pesquisa nas últimas décadas.
O primeiro ponto que desejo frisar é que o modelo primário-
exportador que vinha marcando a Amazônia desde o período colonial
mudou recentemente seu perfil, e converteu-se numa forma de
neocolonialismo em que a região se vê hoje tão enredada quanto esteve
no passado.
O segundo é que, apesar de outras regiões brasileiras que tiveram
um passado similar terem conseguido combinar o modelo primário-
exportador com modelos mais avançados de organização da economia
e da vida social, tal não aconteceu com a Amazônia. Ao contrário
disso, tem havido uma reestruturação e aprofundamento do modelo
primário-exportador que, de agroexportador baseado em produtos
florestais que vinha sendo desde o período colonial, tem agora suas
bases fincadas no subsolo da região – na mineração e na siderurgia.
O terceiro ponto é que até os anos 70 a região representava a
última fronteira de expansão do extrativismo e do campesinato;
entretanto, em apenas duas décadas (80/90) converteu-se numa fronteira
de commodities. Sobre a nova fase – como fronteira de commodities -, em
que a hidrelétrica de Tucuruí se apresenta como ato inaugural, pelo
menos duas considerações parecem se fazer necessárias:
a) diferentemente do que ocorria no período colonial, em que
a Metrópole decidia a forma de ocupação e exploração da
região, a nova fase da região como fronteira de commodities
tem tido o governo federal como importante estimulador; ou
seja, apesar de o mundo estar hoje muito mais globalizado do
que em qualquer momento da história, tanto a estruturação
dos componentes da nova fase quanto sua vinculação com o
mercado mundial têm dependido mais de decisões internas
do país do que das condições externas, como ocorria no
passado;
b) o papel do Estado brasileiro como estimulador e indutor do
aprofundamento do modelo primário-exportador é algo
paradoxal porque o modelo somente tem aumentado as
desigualdades regionais, em desfavor da região; e porque
coloca a região numa tripla dependência – do mercado

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 111

global e suas oscilações, das definições políticas do centro


nacional de poder e das necessidades do Centro-Sul mais
desenvolvido.
O quarto ponto é que na nova fase os chamados grandes
projetos, que nos anos 70/80 foram amplamente estudados como fatos
novos no cenário amazônico, tornaram-se atualmente tão frequentes
que perderam a consistência como objeto privilegiado de estudo de
que gozavam até recentemente e deixaram de surpreender, pela
habitualidade como agora polvilham o espaço amazônico em todos os
pontos cardeais.
O quinto ponto que desejo marcar, e que venho frisando há alguns
anos, é que a forma como vem sendo tentado o “desenvolvimento” da
Amazônia, por ser centralizadora de renda e voltada prioritariamente
para o mercado externo, virou as costas para as populações regionais,
desinteressada de seu destino; e não distribui com elas os frutos das
novas atividades econômicas implantadas, nem melhora o padrão de
vida dessas populações. Trata-se, portanto, de uma modernização às
avessas.
Embora seja indiscutível que o presente de qualquer sociedade
tem suas bases fincadas no passado, o caso amazônico é singular
porque o conjunto dessas condições torna o futuro da Amazônia mais
incerto e inquietante que o de outras regiões brasileiras. Diante disso,
é inevitável se inquirir se estaria a região natural mais rica do planeta
presa nas malhas de sua história e fadada a um destino desigual e
inferior ao das demais regiões?
Não me parece ser este o caso, e é disso que este artigo trata.
Iniciativas e experiências recentes vêm indicando que há outros cenários
possíveis para a região, capazes de proporcionar o engajamento de
suas populações, distribuir melhor a renda, elevar o padrão de vida
local – enfim, proporcionar condições para promover uma sociedade
mais igualitária, que goze de maior justiça social.

A Amazônia enredada no neocolonialismo


e numa tripla dependência
Dos tempos coloniais aos dias atuais a Amazônia brasileira tem
sido um locus de exploração de matérias-primas de toda a ordem.
No passado remoto foi o lugar de onde os colonos portugueses e
exploradores capturavam índios para transformar em escravos,

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112 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

pondo-os para trabalhar como guias, mateiros, remeiros, para construir


casas, fortificações, engenhos de açúcar ou para trabalhos na caça ou
na pesca. Posteriormente, começaram a ser exploradas as chamadas
“drogas do sertão” (matérias-primas extraídas de árvores da floresta
nativa, usadas como tempero, material para fazer remédios, alimentos
ou tinturas). Os portugueses e bandeirantes não encontraram ouro na
Amazônia, mas as drogas do sertão acabaram sendo um equivalente
dele. Em meados do século XIX, as drogas do sertão perdem
importância e inicia-se o Ciclo da Borracha1. A borracha robustecia
os cofres do governo federal, os bancos estrangeiros e uma parte do
reduzidíssimo contingente da elite regional, enquanto milhares de
nordestinos se embrenhavam na mata na expectativa de melhorar de
vida; mas, o que lá encontravam era a exploração, a doença e, não
poucas vezes, a morte.
Naquela fase o governo brasileiro ignorou e abandonou a nascente
e ainda frágil fabricação de artefatos de borracha que começava a surgir
na região e que poderia ter-se desenvolvido, se estimulada. Em vez
disso, concentrou seus incentivos e ações na produção de bolas de látex
para exportação. Fazendo esta opção, deixou de aproveitar o impulso
para instalar, desde aquela época, uma economia relativamente estável,
que exportaria produtos industrializados de valor comercial mais alto
que aquele obtido com o simples comércio de bolas de látex. O governo
central privilegiou a fácil acumulação de capital com uma atividade
produtiva rudimentar, que beneficiava reduzida elite e os cofres da
União. Desestruturados o artesanato de borracha e a indústria, a região
retrocedeu e assumiu plenamente, pela ação do governo federal, sua
antiga e persistente condição de exportadora de produtos extrativos,
da qual ensaiava sair.
Os livros de história registram a exploração das drogas do sertão
como um exemplo da economia própria do antigo sistema colonial e
o chamado Ciclo da Borracha como um acontecimento passageiro na
vida amazônica. No entanto, a formação social e a vida econômica da
região demonstram que a exploração das drogas do sertão está longe
de ter ficado cristalizada na história passada do Brasil Colônia ou o
Ciclo da Borracha como breve acontecimento preso entre dois séculos.
Na verdade, ambos os casos são apenas exemplos de um meio de
exploração que se tornou modelar e que persiste até os dias atuais com

1
Embora já não fossem chamadas de drogas do sertão e sim de produtos extrativos ou do
extrativismo, boa parte dos produtos consistia, tal como antes, de óleos vegetais, sementes,
temperos, etc.

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 113

vigor crescente. Trata-se de nova forma de colonialismo na qual a região


foi engajada, tendo o governo federal como principal estimulador do
processo. Mesmo no caso da Zona Franca de Manaus – que poderia
ser analisada como uma ruptura no modelo primário-exportador
predominante na região, não é a sociedade amazonense que mais se
beneficia; a ela foram destinados os empregos manuais e os cargos
de menor importância. Nem mesmo a elite local usufrui de ganhos
consideráveis, e sim as montadoras multinacionais que lá se instalaram
(parte delas com sede no Sul do Brasil) (CARVALHO, 2013).
O modelo primário-exportador da Amazônia apresenta
características bastante claras: é persistente, concentrador de renda,
voltado para fora (o mercado externo e do Centro-Sul do Brasil), de
costas para as populações regionais, e tem tido desde fins do século
XIX o governo federal e as grandes corporações como orquestradores
do processo.
Disso resultam algumas consequências graves: a Amazônia tem
servido mais a outros países e a outras regiões do que às suas próprias
populações, sejam elas seus povos originais, sejam os que para ela
se dirigiram escolhendo-a como lugar de destino. E, à medida que
a indústria mundial e as corporações econômicas se desenvolvem e
se articulam, têm ficado cada vez mais restritas as possibilidades da
região se valer de sua própria riqueza para a melhoria das condições de
vida de suas populações. Tornou-se difícil para a Amazônia brasileira
construir sua própria história, que tem sido definida a partir de fatores
externos à sua natureza e à sua gente.

O início das transformações recentes


Discutir as possibilidades futuras da Amazônia e suas
implicações sobre as populações locais impõe, necessariamente, uma
retrospectiva envolvendo alguns elementos importantes ocorridos nas
últimas décadas. As transformações pelas quais a Região Amazônica
vem passando nos anos recentes podem ser mais bem entendidas se
analisadas sob dois momentos, como os que a seguir proponho: o
primeiro, abrangendo os anos 70 e 80, e o segundo dos anos 90 aos
dias atuais. Cada um deles apresenta determinadas características que
se destacam sobre as demais, embora algumas delas persistam com
maior ou menor ênfase em uma das duas fases, embora ainda subsista
na outra; ou seja, as fases e suas caraterísticas se interpenetram mas,

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114 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

de toda a forma, não é possível escapar do estabelecimento de alguns


marcos temporais minimamente balizadores.
A partir dos anos 70, a Amazônia como fronteira tornou-se
um tema importante e constante na pauta de estudos e debates
acadêmicos e políticos do país. As frentes humanas que desde os anos
60 se dirigiam para a região eram formadas, predominantemente,
por pequenos produtores rurais que nela desenvolviam seu trabalho
com base na agricultura familiar. A fronteira era, assim, o lugar onde
tradicionalmente a existência de condições concretas de terra e
trabalho possibilitava a permanente expansão do campesinato no país.
Dessa forma, o campesinato e o capital avançavam sobre as fronteiras
alargando-as incessantemente, enquanto houvesse caminhos para
alcançar novas terras. Na Amazônia, o processo vinha acontecendo
desde os anos 60 e, mais acentuadamente, a partir dos anos 70.
Nos anos 60/70/80, a Amazônia desempenhava algumas funções
muito peculiares: era o lugar para onde o governo federal procurava
desviar (pela via da migração estimulada) as tensões sociais decorrentes
da falta de emprego, da insatisfação social, das crises regionais, como
a seca e da ausência de políticas de distribuição de renda; para o
mercado nacional e internacional, atuava como fora desde o período
colonial – uma das muitas regiões de economia primário-exportadora.
Para os migrantes que para a região se dirigiam, era o lugar onde
se processava a tentativa utópica de construção ou reconstrução da
história familiar, sob condições melhores que nos lugares de onde se
originavam, embora para eles fosse também o lugar de conflito – o
lugar da luta entre a terra como lugar de trabalho e a terra como lugar
de negócios e reserva de capital.
Os conflitos de terra nas décadas de 60/70/80, quando os grandes
projetos e as grandes estradas estreavam na região decorreram, no meu
entendimento, da incapacidade histórica do Estado, quando acionado,
de se posicionar eticamente ante os interesses antagônicos dos distintos
grupos sociais, em especial quando na fronteira, zona distante do
poder central e mesmo dos governos estaduais. E de dar conta, através
de seus sistemas institucionalizados, de questões que colocam frente à
frente os interesses das camadas pobres e das populações tradicionais
(índios, caboclos, quilombolas e outras) e os privilégios de que o capital
e seus detentores usufruem historicamente. E, embora poucos autores
tenham feito um registro explícito sobre este ponto, parece ter havido
sempre um consenso entre os estudiosos de que a Amazônia era a
última fronteira de expansão do capital do país.

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 115

Entre 1950 e 1980 as condições da economia global não afetavam


a região da forma como passam a impactar a partir dos anos 80.
Isto porque, depois da falência da economia da borracha, a inserção
da região no mundo globalizado tornou-se mais fraca e a articulação
externa menos intensa. Isto porque os produtos que compunham a
pauta de exportação eram de menor valor e em menor quantidade, de
modo que as oscilações do mercado externo não afetavam a economia
regional como antes.

As opções desastradas do governo brasileiro e o


aprofundamento do modelo primário-exportador
As grandes alterações que se registram na região a partir dos
anos 80 estavam sendo gestadas desde o início da década de 70, em
nível mundial. Em 1973 deu-se a primeira crise do petróleo, quando os
países árabes decidiram aumentar o preço do barril em quase 400%.
Naquela primeira crise, o Brasil encontrava-se na fase mais pesada
da ditadura militar – eram os chamados “anos de chumbo”. Assim,
o governo resolveu manter inalterado o projeto de criar um “Brasil
Grande”, líder da América Latina.
A falta de recursos para investimentos levou o governo da ditadura
a tomar empréstimos para a implantação de obras gigantescas, que
demonstrassem a solidez do modelo econômico, o arrojo do poder
militar e o alcance do projeto “Brasil Potência”, como país hegemônico
na América Latina. Na expectativa de que a crise de 1973 fosse
passageira, o governo brasileiro não contava com a possibilidade de
uma 2ª crise do petróleo (1979), mais grave que a primeira e depois da
qual o petróleo não mais voltou aos preços originais.
As políticas públicas que na década foram desencadeadas na
região, gerando o ciclo das estradas, da colonização, da pecuária
estimulada por incentivos fiscais, da concessão de grandes lotes de terra,
e com elas, dos conflitos de terra que caracterizaram a década, não
apenas se revelaram desastradas na maneira como foram conduzidas,
mas também apresentaram poucos resultados econômicos e sociais.
Nesse caso, tratou-se de uma opção interna, que não teve origem
em pressões ou conjunturas internacionais. Ainda internamente,
outras opções igualmente desastradas foram assumidas, tais como
uma reforma do ensino (LDB/Lei Nº 5.692/71), que colocou o país
pelo menos duas décadas em atraso em relação à educação básica dos
países centrais, a migração desordenada que apenas agravou a questão

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116 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

regional amazônica, sem equacionar os problemas de outras regiões


das quais a população migrante havia saído2.
Os empréstimos tomados nos anos 70 geraram a crise da
dívida nos anos 80 resultaram em crescimento do PIB igual a zero
ou próximo disso, acompanhado de inflação acelerada durante toda
a década de 80, que se estendeu até a metade da década seguinte3.
Devido às duas crises do petróleo, os países centrais imprimiram
mudanças profundas em suas economias, reorganizando-as com o
objetivo imediato de poupar petróleo e energia elétrica. Não bastava
mais importar matéria-prima e semielaborados para processar
internamente e revender nos mercados interno e internacional, como
faziam desde o período colonial. Era preciso retirar de seus territórios,
o mais rapidamente possível, indústrias altamente consumidoras de
petróleo e outras formas de geração de energia, para dedicarem-se à
indústria de ponta, baseada na avançada tecnologia microeletrônica.
Apesar do quadro social e econômico nacional já por si só ser bastante
negativo, o governo brasileiro optou por aceitar a transferência dessas
empresas para a Amazônia, tendo conhecimento que se implantariam
sob a forma de enclaves. Para os países centrais a Amazônia afigurou-se
como um locus privilegiado: dotada de enorme potencial hidrológico,
com uma floresta densa altamente produtora de biomassa, mão de
obra pobre e por isto facilmente mobilizável a baixos salários, e de uma
sociedade cuja cultura pouco valorizava a floresta, sendo por isto, um
bem facilmente aproveitável como insumo na produção siderúrgica.
Além desses erros e equívocos do governo central, há aqueles de
fundo cultural que vêm de longa data, como a ideia de que a natureza
amazônica é superabundante, resistente, inesgotável e autorregenerável;
por isto, empresários e aventureiros de toda ordem, desprezando o fato
ou ignorando que a Amazônia é o maior banco genético do mundo,
separam a floresta (que exploram exaustivamente), da biodiversidade
(tomada como um tema exclusivo e restrito aos estudos científicos);
entendem que índios e caboclos (especialmente os extrativistas) vivem

2
O crescimento populacional dos estados da Região Norte (englobando os 7 estados totalmente
amazônicos: Amapá, Acre, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins) entre os anos
1960 /2010 foi o mais vertiginoso do país, passando de apenas 2,5 milhões de habitantes em
1960 para quase 16 milhões em apenas 50 anos: 1960 – 2.579.442; 1970 – 3.603.860; 1980
– 5.880.268 ; 1991 – 10.030.556; 2000 – 12.911.170; 2010 – 15.864.402. Fonte: IBGE (1960;
1970;1980; 1991; 2000; 2010).
3
Entre 1981 e 1990 o crescimento máximo do PIB foi de 1,6%, enquanto a população crescia
num ritmo veloz. A inflação em 1984 foi de 224% e, apesar dos diversos planos econômicos,
ela persitiu durante o regime democrático que teve início em 1985. A inflação seguiu
descontrolada até 1994, quando foi implantado o Plano Real (GUEDES FILHO, 2007).

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 117

em terras excessivamente vastas e que as ocupam em atividades pouco


rentáveis para o Estado e de modo incompatível com a economia e a
sociedade contemporâneas; suas atividades produtivas – o extrativismo
vegetal em especial – são consideradas como primitivas, arcaicas,
antieconômicas e não merecedoras de apoio e aperfeiçoamento.
Daí porque as políticas públicas não estimulam o enriquecimento da
floresta para um aproveitamento mais vantajoso, apesar de milhares
de pessoas na região viverem de atividades extrativas. E apesar de tais
enclaves serem tão extrativistas quanto os tradicionais da região, eles
rejeitam tal designação e, assim, acabaram impondo-se nacionalmente
como se fossem “indústrias”, de fato.
Entendo, como Santos (2003, p. 18), que a forma atual e predo­
minante como se estabeleceu nos últimos séculos o contrato social
nas sociedades ocidentais, imposto pelo sistema democrático-liberal,
visando apenas a reprodução do capital, gerou grave crise no sistema-
mundo4. A crise reside no fato de que predominam cada vez mais
fortemente os processos de exclusão social sobre os processos de
inclusão. Na Amazônia, o impacto maior dessa exclusão e repulsa ao
modo de vida recai sobre as populações regionais, as tradicionais e os
índios. São concebidos como povos atrasados, primitivos, portadores
de uma cultura inferior, que criam obstáculos ao desenvolvimento e
que só têm a ganhar integrando-se à sociedade urbana e “civilizada”,
devendo por isto desocupar suas terras para destiná-las a atividades
ditas “modernas”. Sob a ótica integracionista, as terras indígenas seriam
situações provisórias que tenderiam a desaparecer à medida que os
índios fossem sendo assimilados – pelas mais diversas vias – à sociedade
nacional, desaparecendo dentro dela, diluindo assim, “o atraso” e
o “primitivismo” que os tornam diferentes e os afastam dos padrões
civilizados da sociedade moderna; daí porque boa parte das elites e
segmentos dos governos consideram “natural” e inevitável incorporar
terras de índios e caboclos ao processo econômico em curso. Esses
grupos sociais são concebidos como negadores do desenvolvimento e da
modernidade (mas, os enclaves não são considerados da mesma forma!).

A nova fase: a Amazônia como


fronteira de commodities
A chamada “decada perdida” (anos 80) resultou, em nível nacional,
de opções internas impulsionadas pelo projeto do “Brasil Potência”; e
4
A expressão sistema-mundo ficou amplamente conhecida após seu uso por Wallerstein (1980).

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118 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

no que concerne à Amazônia, de decisões tomadas voluntariamente


pelo governo central em desfavor da região – a opção por aprofundar
o modelo primário-exportador, ao estimular a transferência de
enclaves mineradores e siderúrgicos para a região, como a siderurgia
do ferro, alumínio, celulose, cobre e outros minérios. Curiosamente, o
governo brasileiro aceitou de bom grado que essas usinas siderúrgicas
se instalassem na Amazônia; e ainda fez mais – comprometeu-se a
construir as infraestruturas necessárias para que elas pudessem se
instalar na região (aeroportos, estradas de rodagem e de ferro, vilas
para funcionários, hospitais etc).
Uma grave lacuna interpretativa nas ciências sociais que se
dedicam à região é a ausência de estudos capazes de esclarecer
porque o Brasil aceitou negócio tão desvantajoso. Qualquer estudante
de economia, ao iniciar sua graduação, aprende que esse tipo de
empreendimento faz crescer o Produto Interno Bruto (PIB), mas não
internaliza benefícios, por várias razões combinadas: em primeiro lugar
porque são enclaves econômicos e, portanto, empresas não enraizadas na
economia local, que não formam uma cadeia produtiva até a produção
de bens finais (HIRSCHMAN, 1976); por isto, geram parcos empregos
e não internalizam riqueza. Em segundo lugar, como todos os enclaves,
produzem apenas matérias-primas e semielaborados e portanto, bens
que apresentam baixo valor no mercado (somente grandes quantidades
produzidas tornam-se vantajosas para as empresas). Em terceiro lugar,
porque os produtos minerais são exportados com isenção do imposto
sobre a exportação, em virtude da chamada Lei Kandir, que desde
os anos 90 tem trazido tantos prejuízos para a região. Assim, para os
estados produtores de matérias-primas e semielaborados, ter um PIB
elevado não representa riqueza, já que ela não é internalizada nem
distribuída socialmente, indo os valores gerados diretamente para os
conglomerados econômicos aos quais as empresas pertencem.
Os casos mais graves na Amazônia Legal são o do Pará e do
Maranhão, estados mineradores do complexo Carajás. A Vale produziu
em 2012 somente no primeiro trimestre 83,9 mil toneladas, o que
multiplicado por 4 trimestres/ano resulta numa média de 340 mil
toneladas/ano, tendo exportado 1,5 bilhão de reais em 2012 somente
com o ferro. Além do ferro, a Vale é a maior produtora de ouro na
América Latina, com 18 toneladas/ ano. Apesar de sua riqueza mineral
o Pará apresenta-se entre os estados de piores PIBs per capita do país,
com um valor que representa menos da metade do PIB per capita
brasileiro. Dos 144 municípios do Pará, apenas 5 têm PIB per capita

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 119

superior à média brasileira (IBGE, 2011a). Tanto no Maranhão quanto


no Pará, a pobreza é visível por toda a parte. A concentração da renda
do modelo primário-exportador, em especial dos novos enclaves e
o mecanismo extorsivo do governo federal (imposto pela já referida
Lei Kandir), estão entre os mais graves impedimentos à melhoria da
qualidade de vida das populações regionais.
As teorias que explicam a condição de economias primário-
exportadoras são altamente repetitivas no argumento simplista de
que a divisão internacional do trabalho relegou os países periféricos
à condição de exportadores de matérias-primas e semielaborados.
No caso amazônico, mesmo depois das experiências malsucedidas com
a borracha, o manganês, as madeiras e outros produtos, o governo
federal insistiu em impor à região o modelo exportador de produção
“in natura” ou semielaborada. Omitem-se, neste tipo de análise, as
condições, injunções e decisões das políticas públicas internas dos
países, dentre as quais os interesses de grupos nacionais e suas alianças
com corporações estrangeiras e a corrupção são alguns dos fatores
explicativos, mas não os únicos. No Brasil, a cultura da corrupção e a
má utilização de recursos públicos enraizadas na tecnoburocracia são
elementos que exaurem a vitalidade das políticas públicas minimizando
seus possíveis efeitos positivos.
A opção pela consolidação e pelo aprofundamento do modelo
primário-exportador (pelo menos em sua forma recente), foi tomada
voluntariamente pelo governo brasileiro – que chegou a financiar
sozinho a construção da hidrelétrica de Tucuruí, dispensando o
governo japonês desse ônus. Ora, em contrato assinado anteriormente
pelas partes interessadas, o Japão arcaria com parte dos custos das
infraestruturas. A dispensa é ainda mais absurda, uma vez que o fato se
deu numa década (a dos anos 80), em que a situação econômica nacional
era crítica diante da elevada inflação, da estagnação econômica e do
alto endividamento público, o que levou os economistas a designá-la
“a década perdida”; a inserção da região como secundária, periférica e
primário-exportadora no contexto global intensificou sua dependência
aos mercados externos e enfraqueceu a já frágil margem de autonomia
de que a região gozava.
É esta a maneira como analiso a segunda fase de expansão do
capital na região – a Amazônia torna-se uma fronteira de commodities
(que a inclui como exportadora de energia elétrica para o sistema
nacional). Esta fase, que vinha sendo gestada desde os anos 70 em nível
mundial, começa a se estruturar na Amazônia a partir de 1985 com a

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120 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

hidrelétrica de Tucuruí – marco fundador, monumento inaugural da


segunda fase de expansão recente do capital e das novas transformações
que se dão entre as duas fases (na passagem da Amazônia de fronteira
do campesinato para fronteira de commodities), uma vez que os
empreendimentos mineradores foram a principal motivação para sua
implantação. Após sua instalação, 50% da energia gerada destinava-se
(altamente subsidiada) às empresas mineradoras do Pará e Maranhão;
somente após a expansão da capacidade de geração da usina, a
distribuição começou a se dar de modo diferente: agora 1/3 se destina
às mineradoras, 1/3 é integrado ao sistema nacional e abastece outras
regiões brasileiras e 1/3 destina-se à região, especialmente ao Pará.
Porém, enquanto a energia gerada era menor, a prioridade era das
siderúrgicas e não das populações locais.
Na fase atual, não mais as estradas definem a entrada de capitais
ou de migrantes no espaço amazônico, mas sim, a prospecção mineral,
as obras governamentais de suporte ao modelo primário-exportador
(como as hidrovias para transporte da soja e outros) e as oportunidades
que se apresentam para os capitais de grande porte. Também as
atividades econômicas se alteraram e todas elas, sejam as das primeiras
fases (anos 70/80) – a extração da madeira, a pecuária, a colonização e
a pesca “industrial”, seja as da segunda – a mineração, a siderurgia, os
grãos e os óleos (como o de palma), todas elas apresentam características
comuns: nada têm a ver com as populações locais, envolvem grandes
volumes de capital e têm irrestrito apoio governamental. Além do
que, a ruptura no bojo da qual se desenha o novo perfil da Amazônia
tem elementos propulsores de caráter interno – as políticas públicas
internas que vêm consolidando e aprofundando sua condição de região
dependente primário-exportadora.

Os novos grandes projetos tornaram-se


frequentes e rotineiros na paisagem amazônica
No novo contexto em que a Amazônia se encontra, destaca-se
não apenas o ângulo econômico – ele se revela como um modelo que
vira as costas para as populações amazônicas, indiferente à melhoria
das formas de vida das populações regionais, aos seus saberes e suas
culturas. A natureza em geral, e em especial a floresta, são tomadas
como expressão de primitivismo e de atraso, por contrastar com o
plantio de culturas ditas “racionais” – porque organizadas sob o formato
de monoculturas, homogêneas e “modernas”, que caracterizam a

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 121

agricultura dos países centrais, e são imitadas pelos países periféricos,


num processo de “mimetismo colonial”, no dizer de Bhabha (2009).
Consolida-se o parque siderúrgico com novos empreendimentos:
a produção de grãos e óleos adentra nos espaços amazônicos por
cima de florestas densas e, geralmente, de modo irregular. Por sua
vez, a chamada “economia verde” que se instala em áreas que foram
desmatadas nas décadas passadas volta-se para a produção sob a forma
de monoculturas onde predominam diversas espécies de eucalipto; são
florestas comerciais que descaracterizam a biodiversidade regional, em
vez de recuperá-la com culturas economicamente rentáveis, endógenas
à região e respeitando minimamente uma diversidade de espécies,
tal como se espera que seja a recuperação de áreas degradadas do
espaço amazônico. Os chamados “municípios verdes” de que hoje
alguns prefeitos se orgulham, violentam uma das características
fundamentais da natureza da região – ser um precioso e abundante
sistema natural biodiverso. Os novos espaços alterados pelo plantio de
florestas comerciais de eucalipto esvaziam a Amazônia de um dos seus
elementos naturais mais importantes – a biodiversidade. E a região
vai deixando, paulatinamente, de ser o que se conhece mundialmente
como Amazônia – o sistema natural flúvio-florestal5 mais biodiverso do
planeta (VIEIRA, 2001). A indiferença ou a incompreensão da dimensão
do desastre persiste em segmentos da área técnica e da pesquisa, o
que se constata quando em 2015 a Embrapa sugere a plantação de
eucalipto e soja em áreas já degradadas pelas pastagens como forma de
recuperá-las (BRAGA, 2015).
Outra característica visível nas transformações recentes é que os
antigos “grandes projetos” são hoje bastante numerosos mas, excetuando
o complexo Carajás (no sudeste do Pará) e o de alumínio, próximo a
Belém/Pará, todos os demais empreendimentos acham-se encravados,
situados isoladamente, em meio ao espaço amazônico – indicando,
visivelmente, sua desarticulação com a economia e a sociedade regionais.
Ao todo, as mineradoras vão investir cerca de US$ 24 bilhões entre
2012 e 2016 para aumentar a produção de minério de ferro, bauxita e
outros metais encontrados na Bacia do Amazonas, segundo o Instituto
Brasileiro de Mineração. O Brasil já recebe hoje um quinto dos
investimentos em mineração no mundo, e a Amazônia representa para
muitos o maior potencial ainda inexplorado do país. “A Amazônia será a
nossa Califórnia” (COURA, apud LYONS; KIERNAN, 2012).
5
Definição não escrita, formulada oralmente pelo geógrafo Orlando Valverde e registrada pela
autora.

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122 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A ruptura se completa com o despovoamento crescente das


populações interioranas que têm na migração sua principal causa.
Os Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010
(Tabela 1) exibem claramente esse despovoamento e explicam, em
grande parte, porque as periferias urbanas das cidades da região
apresentam indicadores sociais dos mais baixos do Brasil, em alguns
casos mesmo em relação à Região Nordeste, que sempre apresentou
problemas crônicos como a seca, o que por si só já explica em grande
parte a pobreza e a migração campo-cidade daquela região.

Tabela 1. Crescimento da população urbana da Região Norte/1960-2010.

Situação 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Urbana 1.041.213 1.784.223 3.398.897 5.931.567 9.002.962 11.664.509

Rural 1.888.792 2.404.090 3.368.352 4.325.699 3.890.599 4.199.945

Total 2.930.005 4.188.313 6.767.249 10.257.266 12.893.561 15.864.454

Fonte: IBGE (1960; 1970; 1980; 1991; 2000; 2010).

Uma consequência inevitável:


o aumento das desigualdades
Com esse cenário não é de espantar que o Atlas do Desenvolvi­
mento Humano (PNUD, 2013) aponte que, dos 48 municípios
brasileiros com os mais baixos padrões de vida, apenas 13 estão fora da
Amazônia (são da Região Nordeste) e mesmo, que o município com o
pior padrão de vida entre os 5.565 municípios brasileiros investigados
esteja justamente no Pará.
Tal situação já era muito grave em 1990, quando o Atlas do
Desenvolvimento Humano (PNUD, 1990) mostrava que os estados
amazônicos integravam o grupo de menor renda per capita no país.
Somando-se os percentuais da população vivendo na faixa da extrema
pobreza (renda mensal abaixo de ¼ de salário mínimo) com os da faixa
de pobreza (renda mensal per capita entre ¼ e ½ salário mínimo), o que
se tem é que em 1990 eram pobres ou muito pobres 45% da população
da região; em 2002 eram 44%. Em 2009 a situação permanecia,
praticamente, idêntica: os estados da Amazônia Legal apresentavam
elevadíssimos índices de pessoas vivendo na pobreza e em extrema

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 123

pobreza. As duas categorias – pobreza e extrema pobreza – somavam


53% das pessoas no Maranhão, 40% no Acre, 45% no Pará, 40% no
Amapá, 42% no Amazonas, 37% no Tocantins, 39% em Roraima, 30%
em Rondônia e 24% em Mato Grosso; a média de pessoas vivendo na
pobreza e extrema pobreza na Amazônia Legal era de 42%, enquanto
no Brasil a média era de 29% (IBGE, 2011b).
Portanto, nas três situações observadas (2000, 2002, 2009)
quase metade da população tinha renda mensal de menos de metade
do salário mínimo! Se em 20 anos (1990/2009) o padrão de vida da
população melhorou apenas 3%, estando muitíssimo abaixo da média
nacional, quanto tempo levará para melhorar ao menos 50%? Os dados
a seguir indicam, claramente, as precárias condições de vida das
populações regionais amazônicas, em quase todos os itens piores que
as do Brasil e do Nordeste.

Tabela 2. Algumas características dos domicílios permanentes, segundo


Grandes Regiões 2011.
Percentual de domicílios particulares permanentes
Algumas características
Grandes Regiões
existentes Brasil
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Abastecimento de água
pela rede geral 84,6 55,9 79,9 91,1 86,8 86,0
Rede de esgoto 54,9 13,0 35,1 82,4 35,7 43,1
Iluminação elétrica 99,3 96,2 98,8 99,9 99,8 99,7
Telefone fixo 89,9 81,6 81,8 94,0 93,8 93,6
Tel. móvel celular 49,7 63,6 61,6 38,5 51,3 57,4
Filtro de água 53,2 29,3 52,1 66,3 24,0 62,4
Geladeira 95,8 86,8 91,0 98,6 98,8 98,2
Rádio 83,4 65,0 78,1 87,7 90,7 80,1
Televisão 96,9 91,7 95,4 98,3 97,8 96,9
Microcomputador 42,9 26,7 25,5 52,8 50,8 45,8
Com acesso à Internet 36,5 20,2 21,3 46,1 42,0 38,6
Carro 40,9 20,3 20,4 49,0 59,3 47,8

Fonte: IBGE (2011).

Do ponto de vista da educação e da cultura, a situação dos


estados da Região Norte é a mais grave do Brasil. O Pará, estado

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124 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

onde têm sido feitos os maiores investimentos privados em mineração


e hidreletricidade, por exemplo, no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica 2013 (IDEB/INEP/MEC), teve o pior desempenho do
Brasil no ensino médio (2,9) de todo o Brasil e o segundo pior no ensino
fundamental (2,7), o que demonstra que os grandes empreendimentos
econômicos não vêm se traduzindo em benefícios sociais; embora os
demais estados amazônicos apresentassem indicadores ligeiramente
melhores que os do Pará, ainda assim situavam-se entre os mais baixos
indicadores do Brasil, ao lado de alguns dos estados do Nordeste (na
média, esta região apresentava desempenho melhor que o da Região
Norte). Com esse nível de renda, não é de espantar que no questionário
da Prova Brasil 2011, os professores das redes de ensino fundamental e
médio de Belém, ao responderem à pergunta: – lê livros em seu tempo
livre? – as respostas tenham sido: nunca lêem ou quase nunca – 83%;
eventualmente – 16%; sempre ou quase sempre – apenas 1% (INEP/
MEC/Prova Brasil6 2011/Perfil do Professor/Pergunta 34).

Uma modernização às avessas7


Vale a pena ter empreendimentos desse tipo na Amazônia? Mais
que uma resposta, a pergunta pede uma reflexão.
Em primeiro lugar, é inegável que o governo federal fez pesados
investimentos na região durante quase cinco décadas. Contudo,
a forma equivocada como eles foram aplicados – afrontando as
culturas, rejeitando os conhecimentos locais, destruindo a natureza
e fazendo opções equivocadas – foram anulando os efeitos positivos
dos investimentos e potencializando os negativos. Em consequência, os
resultados não corresponderam e continuam não correspondendo às
expectativas esperadas.
Em segundo lugar, não houve uma modernização, no sentido
de melhoria das condições de vida das populações. Isto se deu por
um conjunto de razões encadeadas, algumas das quais já referidas
mais de uma vez neste texto. A produção e exportação dos produtos
gerados pelas grandes empresas é feita com os produtos in natura ou
semielaborados (minérios, gado, grãos, energia); não há diversificação
de produtos e apenas algumas dezenas de grandes empresas,

6
A Prova Brasil é um exame nacional aplicado a estudantes da 5º e 9º séries (antigas 4ª e 8ª
séries) do Ensino Fundamental de escolas da rede pública; objetiva avaliar o domínio dos
alunos em língua portuguesa e matemática.
7
Loureiro (1993), Loureiro (2001).

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 125

constituídas sob a forma de “modernos enclaves” controlam toda a


produção e a comercialização. São tidos como modernos porque se
utilizam de máquinas e equipamentos eficientes e sofisticados, que
elevam a produção e a produtividade; mas não beneficiam os ganhos do
trabalho. Como essas empresas não processam internamente os produtos
nem fazem sua finalização in loco, não desencadeiam o surgimento de
médios e pequenos negócios decorrentes dos grandes empreedimentos
e assim, não desenvolvem a economia regional; nem distribuem renda,
ao contrário, aumentam sua concentração. A geração de emprego tem
sido irrisória e os salários pagos são baixos. E finalmente, os governos
continuam a investir os recursos disponíveis no sentido de reforçar esse
modelo visivelmente perverso.
A “modernização às avessas” não eliminou o trabalho árduo,
degradante e escravo; ao contrário, o desmatamento para o plantio ou a
formação de pastos e a produção de carvão vegetal da mata nativa para
as indústrias siderúrgicas e outras atividades novas na região reviveram
formas duras e arcaicas de trabalho (GUIMARÃES, 2005). No ano
de 2004, em face das insistentes denúncias de trabalho escravo pela
mídia e por instituições de defesa dos trabalhadores nas siderúrgicas
do Pará e do Maranhão, o Ministério Público Federal e o Ministério
do Trabalho reuniram-se com as empresas e instituições representantes
dos trabalhadores para firmar um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) pelo qual as siderúrgicas se comprometiam a não manter trabalho
escravo na produção de carvão vegetal. Mas, em 2012 a situação pouco
havia se alterado. A revista Época (CALIXTO, 2012) publicava uma
reportagem sobre as práticas ilegais das siderúrgicas do Pará e do
Maranhão, com base em levantamento feito pelo Instituto Observatório
Social. Na ocasião ainda foram identificadas várias siderúrgicas usando
carvão vegetal, valendo-se do trabalho escravo e estimulando colonos
pobres a desmatarem seus pequenos lotes para garantir a elas o
fornecimento barato do carvão vegetal de que precisam.
Em terceiro lugar, os programas nacionais para a Amazônia têm
demonstrado a incapacidade do Estado brasileiro de compreender,
articular e desenvolver as potencialidades da região. A complexidade
da Amazônia foi subestimada durante o período autoritário e, em
muitos casos, continua sendo. E sempre que a região é olhada de modo
simplista, ela afoga a capacidade governativa do Estado brasileiro.
Um dos maiores sociólogos do Brasil, o professor Octávio Ianni, em
conversa informal sobre a região disse, certa vez, para esta autora:
A Amazônia é para os brasileiros um enigma que ainda precisa ser decifrado.

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126 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Em quarto lugar, os governos e as elites econômicas têm


encarado historicamente as populações regionais, que há séculos vêm
cuidando da região, conservando-a e protegendo-a, como entraves
ao desenvolvimento. Interpretam os interesses dessas populações
unicamente com base numa lógica de mercado, o que cria frequentes
conflitos; mas o mesmo não acontece quando projetos gigantescos
dilapidam recursos nacionais e bens coletivos, como a natureza
amazônica.
Em quinto lugar, o projeto modernizador do governo federal para
a Amazônia (no período autoritário e mesmo em fase posterior a ele até
os dias atuais), padeceu de uma fratura interna que rompeu o elo entre a
modernização e a generalização social dos benefícios, que caracterizou
a modernização nos países centrais. Daí porque a democracia real e
a justiça social, no caso amazônico, convertem-se apenas em ideias
difusas e abstratas de democracia, que jazem confinadas nos programas
e projetos, mas permanecem distantes ou ausentes da vida de suas
populações. E reforçam um paradoxo bem conhecido da sociedade
regional – de que o governo federal vem há décadas propondo uma
modernização que não materializa, no cotidiano, uma justiça social
mais inclusiva e plural, capaz de realizar os anseios dos pobres, dos
excluídos sociais e dos culturalmente diferentes.
Em sexto lugar, é preciso mostrar que os fundamentos nos
quais o modelo de desenvolvimento vigente na Amazônia se ancora
– entre os quais se destaca a busca incessante do progresso e da
modernização – revela as contradições do Estado brasileiro diante da
questão amazônica. Ela ultrapassou há muito tempo a condição de
simples questão regional; converteu-se em questão nacional e mesmo
internacional. Além do que, trata-se de falsa modernização ou, como
tenho mencionado desde os anos 90 em vários trabalhos, como uma
“modernização às avessas”.
Vários programas recentes consolidam, voluntariamente, a
“pseudovocação” da região como primário-exportadora. Quando
me refiro à questão, mencionando a opção voluntária dos grupos no
poder, não desconheço a existência de um mercado global altamente
competitivo em que as economias centrais operam com tecnologias
de ponta e as periféricas com exportação de produtos primários.
O que desejo frisar é que, embora seja este o contexto mundial, há
opções internas que são completamente ignoradas e desprezadas pelos
governos, seja o central, sejam os regionais. Em cinco décadas as ações
governamentais têm dado clara demonstração de que o potencial

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 127

amazônico não tem sido aproveitado de forma verdadeiramente


moderna e racional. Os governos fizeram opções equivocadas em
muitos casos; noutros, simplesmente, houve cooptação pelo capital
internacional visando vantagens de grupos. E nos últimos anos o
processo de exploração da região tem sido intensificado. Além dos
minérios a União decidiu explorar a energia hidráulica nos rios
amazônicos, sem levar em consideração que, correndo sobre planície
é preciso construir grandes lagos para reter a água necessária para a
produção de energia para o resto do país. E aí também, a produção/
exportação se faz sem ganhos financeiros para a região e com enormes
problemas sociais e ambientais. A produção de energia elétrica para o
restante do país foi definida desde o Plano Nacional de Energia Elétrica
1987/2010, mais conhecido como Plano Energético-2010, depois
reajustado pelo Plano Energético-2015, sem grandes alterações em
relação ao primeiro, ambos conhecidos como Plano-2010 (Ministério
de Minas e Energia/ Eletrobras). Várias usinas já foram construídas e
outras seis estão em execução.
O Plano 2010 partiu de um princípio básico – a opção preferencial
pela energia hidráulica para o país; e um pressuposto (equivocado) – o
Brasil somente poderá se desenvolver se contar com a energia gerada na
Amazônia. Esta é a razão pela qual o governo central planejou executar
68 hidrelétricas (sem prazos de execução definidos), nos caudalosos
rios amazônicos, com a finalidade de gerar energia suficiente para
as mineradoras e siderúrgicas instaladas ou planejadas na região, e
para garantir a necessidade crescente de energia pelo Centro-Sul mais
desenvolvido do país.
A partir dessa decisão, a Amazônia deixou de ser uma razão em
si mesma, para se converter em capital mobilizável em favor do país;
sua bacia hidrográfica e sua natureza em geral saíram dos livros de
geografia e da paisagem humana para se converter em matéria-prima,
com preço e valor em bolsas internacionais.
Assim, os novos grandes projetos em curso na região destinam-se,
tais como os anteriores, à sustentação do desenvolvimento de outras
regiões (o que seria ótimo, caso não fossem executados em detrimento
da Região Amazônica), ou a assegurar as bases infraestruturais da
produção de outras regiões. É este o objetivo dos portos e de hidrovias
que pretendem escoar pelo Rio Amazonas a produção de grãos
do Centro-Oeste, das rodovias de integração em execução e com o
mesmo objetivo; ou das 23 hidrelétricas das quais seis em construção
que integrarão o sistema energético nacional. Em todos esses casos, as

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128 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

populações locais não foram ouvidas, apesar da legislação obrigando


a fazê-lo, ou manifestaram-se aberta e clamorosamente contra. Mas
a surdez das elites econômicas e no poder em quase nada alterou
os projetos originais para atendê-las em seus justos pleitos. Não há
dúvidas quanto à posição neocolonial imposta à Amazônia no contexto
nacional.
Hoje os grandes projetos tornaram-se rotineiros na paisagem
amazônica e perderam essa designação, que lhes havia sido dada por
se apresentarem como eventos novos em uma região que primava antes
pelos pequenos e médios negócios.
Dar-se um voto de confiança aos planejadores e governantes
dos anos 70, 80, justificando-os pelo desconhecimento científico
da fragilidade dos ecossistemas amazônicos, é ser excessivamente
condescendente. O menosprezo pelo valor intrínseco da natureza não
dependia de qualquer conhecimento científico, seja econômico, seja
relativo às ciências naturais. A atribuição de valor zero à mais rica e
biodiversa floresta do mundo (como foram as práticas da Sudam, Incra
e dos órgãos estaduais quando da concessão de terras e incentivos fiscais
federais e estaduais), deveu-se a um elemento cultural das elites – o
preconceito das elites contra “a mata” – selvagem, indomável, prova
inconteste de nossa condição como sociedade primitiva! O que dizer
daqueles que os sucederam nas demais décadas?
A racionalidade de mercado e a ideologia do progresso
produziram uma maneira de visualizar as populações regionais como
estando na contramão da história. A suposta racionalidade de mercado
e a ideologia do progresso forjaram um modo de ver como opostos e
inconciliáveis – o crescimento econômico, o “desenvolvimento” ou o
“progresso”, de um lado; e do outro lado – as minorias, os pobres, os sem-
voz na sociedade, todos aqueles considerados inferiores, indesejáveis,
inexpressivos ou “obstaculizantes”. Nos últimos anos, as violações de
direitos e os efeitos danosos do modelo sobre as populações locais têm
ficado secundarizados pela questão ambiental.
Curiosamente, se é evidente e consensual que o sistema colonial
clássico era ultrapassado e “antigo”, estranhamente, o atual é tido como
“moderno”, embora em sua essência seja idêntico ao primeiro: tal como
o primeiro, trata-se agora de um tipo de colonialismo. Um aspecto
importante diferencia o colonialismo histórico e o neocolonialismo
atual: enquanto o antigo sistema colonial era impositivo, no modelo
neocolonial atual descobre-se, estranhamente, uma boa dose de

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 129

opção voluntária dos governos pelo mesmo modelo primário-


exportador, tão criticado nos compêndios de história e economia de
escolas e universidades. Essa opção voluntária pode ser patenteada
pelos numerosos incentivos, atrativos, facilitações, consorciamento e
compartilhamento nos empreendimentos do governo e outras ações
visando atrair novos empreendimentos primário-exportadores para a
região.

Cenários possíveis: duas considerações


Cenário 1: Permanência do modelo “de desenvolvimento”
primário-exportador8
A primeira possibilidade, embora indesejável, é prosseguir na
via que estimula a produção de commodities com vistas ao equilíbrio das
contas nacionais, mas à custa do sacrifício das populações e da natureza
da região, processo que só vem aumentando a desigualdade regional.
Isto significa que o modelo de exclusão social que sempre caracterizou
a sociedade brasileira se aprofunda no coração da Amazônia, com a
violência e o caráter predatório que a desimportância da região tem para
o país, que a considera, tal como no passado, apenas fonte de recursos e
como via de superação de déficits das contas nacionais. Diante da questão,
tanto o Executivo quanto o Legislativo não têm buscado novos caminhos
de harmonia social. Embora exista atualmente ampla e inconfundível
legislação de proteção às minorias e à natureza, ela entra choque com
as políticas nacionais que se materializam no cotidiano quando se trata
de realizar grandes obras, como hidrelétricas, estradas nacionais ou a
concessões de exploração mineral sob a forma de enclaves.
Nesse processo, a União usufrui de benefícios quando consegue
equilibrar suas contas pela contribuição superavitária que os estados
amazônicos possibilitam. Mas, isto se dá à custa do empobrecimento
da região (que perde expressivos recursos), e do consequente aumento
das desigualdades entre as diversas regiões brasileiras.
O que vem ocorrendo na Amazônia nada mais é do que uma
“modernização às avessas”. Numa única atividade dita “moderna” – a
siderurgia, por exemplo – não se encontra qualquer traço da moderna
cultura ocidental civilizada. Ao contrário, o que se pode registrar nela
é trabalho-escravo, carvão de floresta nativa, degradação do meio

8
Loureiro (2009).

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130 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

ambiente, desobediência à legislação vigente, indiferença em relação


ao bem-estar coletivo, evasão de riqueza.
Portanto, trata-se do velho modelo econômico travestido no novo;
continuam sendo enclaves econômicos, mas são tidos como “modernos”
porque se utilizam de máquinas e equipamentos eficientes e sofisticados
que elevam a produção e a produtividade, mas que mantêm as velhas
formas de exploração do trabalhador e de desrespeito à natureza.
Quando se analisa a pauta de exportações da Amazônia, cons­
tata-se que a condição originária como produtora de matérias-primas
permanece inalterada. Dados de exportação do final dos anos 50
permitem apreender a persistência do traço fundamental da economia
da região – a condição histórica de produtora de semielaborados e
produtos in natura para o mercado internacional. Nos anos 50, dois
únicos produtos constituíam-se nos grandes destaques da pauta de
exportação – o manganês (do Amapá) e a castanha-do-brasil (castanha-
do-pará) somavam 89,8% da pauta de exportação (BRASIL, 1959 apud
BASA; UFPa, 1967, p. 233). Dos demais produtos (madeira serrada,
pimenta-do-reino, borracha, pescado, óleo de pau-rosa, couros e
peles, resinas e outros) nenhum alcançava, sequer, 3% do valor da
pauta. Era, portanto, uma economia baseada em produtos in natura e
semielaborados, e pouco variada.
A pauta de exportações do estado da Amazônia mais rentável
e superavitário da região– o Pará/2013, mostra a necessidade de
profunda mudança em sua estrutura produtiva e na dos demais
estados amazônicos, já que, nos 50 anos que separam as duas situações,
o quadro praticamente não se alterou. Os minerais semielaborados
ou in natura (ferro-gusa, hematita, alumínio, alumina, bauxita, ouro,
manganês, caulim e silício) constituem 77,38 % dos recursos gerados;
a madeira (igualmente semielaborada) corresponde a 14,57 %; assim,
dois produtos apenas já somam 91,95% da pauta. Portanto, em 60 anos
a pauta de exportação revela a persistência da condição de exportadora
de matérias-primas e semielaborados, o que é incompatível com a busca
de um desenvolvimento estável e sustentado; e, por ser representada
por enclaves, é um modelo excludente das populações regionais.
Quando os governos e as empresas apontam as políticas de
desenvolvimento, os financiamentos e as obras gigantescas como
símbolos do progresso, da modernização da região e da melhoria futura
da vida na região, omitem esses elementos econômicos de fundo – que
o aumento do PIB vem ocorrendo por meio de enclaves econômicos e

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 131

de relações degradantes do trabalho. Um ponto a ser questionado é


o que se refere à finalidade do desenvolvimento. Embora os ganhos
materiais estejam implícitos no conceito de desenvolvimento, ele não
pode se reduzir a resultados econômicos que, quando traduzidos em
números, são tomados como ícones e únicas expressões de progresso e
modernização.
É ressaltando apenas o valor das exportações ou apontando
uma crise futura de energia elétrica que os governos mobilizam o
sentimento nacional em nome do progresso e da melhoria futura das
condições de vida das populações do país. Trata-se de estranha política
pública que não computa os danos ambientais nem as demais práticas
ilegais, como a violação aos direitos humanos das pessoas pobres que
são obrigadas a se sujeitar a condições de vida degradantes. O presente
tem, teimosamente, desmentido a promessa de melhoria dos padrões de
vida das populações da região; e o faz no cotidiano dessas populações,
registrando as más condições de vida em dados estatísticos. Portanto,
no meu entendimento, não se pode falar em desenvolvimento ou
modernização nos moldes como os órgãos oficiais costumam tratar
a questão: apresentando apenas os resultados numéricos positivos
da exportação, que resultam de um modelo econômico socialmente
perverso. O primeiro cenário está, portanto, desenhado – é o presente
se projetando no futuro, sem alterações.

Cenário 2: Alternativas mais democráticas e mais


equitativas poderiam se instalar, ao lado do modelo
hegemônico em curso?9
Diferentemente dos autores que entendem que o poder
das corporações econômicas e das multinacionais inviabilizou a
possibilidade de os países periféricos construírem um projeto nacional
de desenvolvimento, entendo que, mais do que nunca é preciso projetar
e executar um projeto próprio, decorrente de novo pacto social.
É evidente que hoje não se cogita mais, como pensavam os
teóricos dos anos 50 (que formularam o nacional desenvolvimentismo),
de construir um projeto de um capitalismo autônomo para o Brasil,
e muito menos para uma região; não foi possível naquele momento e
menos ainda hoje, dada expansão e a densidade da globalização em
todos os campos; mas, é possível construir um modelo que caminhe

9
Loureiro (2009).

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132 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

paralelamente ao hegemônico. Paralelamente a ele os governos podem


se empenhar em corrigir os efeitos danosos do modelo hegemônico
(já bastante conhecidos), minorar seus efeitos negativos e tentar
potencializar os ângulos positivos deles. Além disso, não se pode
imaginar nos dias atuais, que o desenvolvimento de que trato aqui
seja idêntico àquele que os países desenvolvidos alcançaram ao longo
de uma trajetória de vários séculos. Não é possível refazer o mesmo
caminho deles, porque nosso trajeto histórico foi diferente; e porque as
circunstâncias atuais do mundo são outras.
E, ainda que isto fosse possível, tampouco seria desejável
fazê-lo. E não apenas porque a história não se repete, ou porque a
conjuntura mundial é outra; e sim porque os valores que norteiam as
relações entre os países do mundo ocidental se alteraram para melhor.
Os países centrais construíram a maior parte de suas riquezas a partir
de alguns mecanismos hoje rejeitados mundialmente, – o saque, as
guerras, a escravidão e o sistema colonial. Portanto, quando trato de
desenvolvimento não me refiro propriamente ao modelo euro-norte-
americano, e sim a um modelo próprio, que se implante paralelamente
ao hegemônico (a ser corrigido, pelo menos em seus pontos críticos).
Apesar das condições adversas, a Amazônia apresenta
possibilidades concretas de estruturar formas de organização da
produção que resultem na melhoria das condições de vida de suas
populações, de construir um desenvolvimento mais equitativo, no que
concerne à justiça social e menos predatório. Não se trata de declarar
um combate fanático ao modelo hegemônico. O novo modelo pode
se estruturar paralelamente a ele porque – nunca é demais relembrar
– a Amazônia constitui a região natural mais rica em biodiversidade
e o maior banco genético do planeta, o que lhe confere infinitas
possibilidades; e o modelo hegemônico pode ser alterado, tal como ele
se apresenta nos muitos países em que a sociedade civil e os governos se
empenham, juntos e firmemente, na promoção de mais justiça social.
Citarei algumas ações que poderiam materializar um cenário futuro
bem mais justo e democrático.
a) Promover a mudança da base produtiva regional (hoje
apoiada na exportação de produtos semielaborados) num
extremo ; e no outro extremo atividades tradicionais
extrativas e agrícolas de baixa produtividade, por meio de
políticas que visem completar as cadeias produtivas, através
do setor industrial, até chegar a produtos finais capazes
de gerar emprego e renda; esta iniciativa depende de

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 133

articulações políticas dos governos federal e locais, incluindo


a fiscalização do cumprimento da legislação existente e a
criação de leis que estimulem a complementação das cadeias
produtivas, tanto no caso de produtos tradicionais, como
a criação de gado, quanto nos mais novos, como aqueles
vinculados à siderurgia.
b) Intensificar a implantação de incubadoras de empresas por
universidades e institutos. Os resultados havidos até agora
são tímidos pela falta de articulação dessas instituições
com bancos de desenvolvimento, federações de indústria e
comércio; além disso, tem havido raros estudos de mercado
para os produtos novos criados; como também não há estudos
de conservação, embalagem dos produtos, identificação de
mercados possíveis e a formação de gestores para os pequenos
negócios.
c) Intensificar, por meio da pesquisa, o estudo do aproveitamento
de espécies florestais e animais da Amazônia, reforçando
as equipes de pesquisa e os laboratórios de universidades
e institutos da região, especialmente nas áreas de estudos
florestais, da química e da biotecnologia, integrando-os com
equipes e laboratórios dos centros mais desenvolvidos do
país. Assim se poderá desenvolver um modelo econômico que
propicie real aproveitamento do patrimônio natural, em favor
da sociedade brasileira. A pesquisa beneficiará a economia,
já que ela permite aumentar a produção de espécies nativas
atualmente com baixa rentabilidade, encurtar o ciclo de
cultivos de longa duração, adensar e enriquecer a floresta
com as espécies mais demandadas pelo mercado, etc.
d) Disseminar, por meio de políticas tecnicamente bem
orientadas e financeiramente viáveis, viveiros de espécies
florestais, desenvolver bancos de células de espécies em risco
de extinção e o criatório de espécies animais naturais da
região – sempre respeitando certa biodiversidade, já que,
como se tem constatado historicamente, os ecossistemas
amazônicos não toleram a homogeneidade que o mercado
quer exigir deles.
e) Desenvolver a parceria de empreendimentos locais com os
governos estaduais, federais ou entidades estrangeiras para
a criação de novos produtos derivados da biodiversidade e

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134 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

explorando o marketing “made in Amazônia” para os produtos


gerados. As experiências desse tipo têm sido numerosas em
todo o espaço amazônico, mas ao mesmo tempo têm sido
modestas pela falta de apoio governamental, o que reduz suas
chances de sucesso; delas, apenas a produção e a exportação
do açaí vem sendo totalmente exitosa.
f) A recuperação do desgaste ambiental causado pelo emprego
de práticas danosas à natureza oferece grandes possibilidades;
o reflorestamento é não só desejável mas, imperativo, já que
o descumprimento da Reserva Legal na região é de 80% e
de 50% para propriedades que não desmataram mais desde
2001.
g) Melhor aproveitamento dos pastos existentes. Na região a
média é de 1 ou menos cabeça de gado por hectare; noutras
regiões são duas cabeças; com a adubação do pasto pode-se
chegar a duas cabeças na Amazônia; com a rotação de
pastagens pode-se ter seis cabeças por hectare noutras regiões,
liberando parte das terras amazônicas para melhor uso.
h) Revogação da Lei Kandir (que isenta da cobrança do imposto
estadual na exportação de semielaborados e matérias-primas
de estados exportadores), medida que vem provocando
enormes perdas para os estados da Amazônia e aumentando a
desigualdade regional, quando a Constitutição/88 estabelece
como uma das obrigações do Estado brasileiro justamente o
oposto – o empenho na redução das desigualdades regionais.
i) A criação de novas oportunidades sob a forma de pequenos
empreendimentos ancorados nos saberes locais não dispensa
o incentivo do Estado e as redes de apoio, seja com a
finalidade de oferecer assessoria financeira, administrativa
ou técnico-científica aos produtores por meio de suas várias
instituições. É preciso, entretanto, passar de um apoio
assistencialista do Estado a uma política pública ampla
e duradoura. Destacam-se aqui as assessorias relativas à
garantia de qualidade dos produtos (inclusive sanitária),
durabilidade, formas de conservação e armazenamento,
embalagens, tipos de beneficiamento mais apropriados e
outros itens que, se não são complexos e onerosos, requerem,
entretanto, assistência e assessoramento especializado, pelos
menos em suas fases iniciais. Tais experiências inovadoras

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Capítulo 4 • O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis 135

se desenvolvem aproveitando os saberes populares e as


potencialidades que esses produtores enxergam como
acessíveis e viáveis. São modestas na sua maioria, mas geram
emprego e renda; incluem socialmente as pessoas e elevam a
autoestima dos que nelas se envolvem, tiram-nas das margens
da sociedade, engajando-as ativamente na reprodução da
vida social. Mas, são também experiências que, se de um
lado apontam caminhos, de outro exibem fragilidades
de diversos tipos. Daí porque não dispensam o apoio do
Estado e de segmentos mais estruturados da sociedade,
como universidades, institutos, fundações e outros, sob
pena de sucumbirem. E o Estado não precisa inventar novos
processos; basta ajustar a eles os apoios e facilidades que
concedeu sempre aos empreendimentos convencionais e
para os quais os sistemas econômico e financeiro estiveram
sempre voltados.
j) Além dos pequenos empreendimentos experimentais
mencionados, o incentivo por meio de políticas públicas a
empresas que mesmo tendo perfil convencional, pelo simples
fato de lançarem no mercado produtos novos, inaugurando
linhas de aproveitamento e valorização da biodiversidade e
por não serem simples exportadoras de produtos primários,
já contribuem com inserção social maior de pessoas e
internalização maior de benefícios nas localidades onde se
instalam. E em relação à natureza, elas não só estabelecem
uma articulação mais saudável, porque se interessam por sua
sobrevivência, como revertem o jogo perverso da destruição,
substituindo-o pelo da valorização e da conservação.

Considerações finais
O passado deve servir de reflexão e aprendizado, e não como
sina ou destino futuro. É preciso considerar que o futuro é construído
sobre utopias formuladas no presente e não, necessariamente, como
uma continuidade do passado. E que, entre o passado e o futuro, há
um presente que nos chama à razão e nos incita a uma ruptura com o
passado e à projeção de um futuro melhor e mais solidário.
Estabelecer uma ruptura com o passado significa experimentar
novos caminhos, testar possibilidades e aproveitar oportunidades com
base nas riquezas regionais e nos saberes locais mas, fazê-lo com o

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136 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

apoio conferido por suportes técnicos e científicos. A ruptura exige a


coragem de inventar formas de produção e de convivência social menos
excludentes e mais solidárias. Trata-se, sem dúvida, de um risco, como
é arriscado tudo o que é novo. Mas, perpetuar o passado e projetá-lo
para o futuro significa cumprir um destino de desigualdade e violência
crescentes que conhecemos e rejeitamos, sem contudo esforçar-nos
suficientemente em mudá-lo. Nenhuma utopia, seja a do progresso ou
do desenvolvimento, justifica a violação aos direitos dos pobres e das
minorias étnicas, que são grupos sociais sabidamente hipossuficientes
ante aos grupos econômicos e o Estado. Um Estado moderno é tanto
mais democrático quanto mais serve ao interesse público, quando
protege os pobres e as minorias contra a violência social, resguarda a
natureza contra a predação desmedida (como a que ocorre na região),
e quando concilia o real desenvolvimento com o respeito aos direitos
humanos.
Projetar outro futuro requer o reconhecimento de que, ao lado
dos saberes científicos e das ideologias que se consagraram como únicas
(que prometem o progresso, o desenvolvimento e a modernização) e que
se impuseram pela força da dominação econômica, há os saberes locais,
que foram validados por séculos de convívio com a natureza. E como
se trata de uma natureza ímpar, não é conhecida pelos cientistas dos
países centrais como o é pelas sociedades locais; e assim, não podem
ser aplicados a ela, pelo menos mecanicamente, os conhecimentos e
os modelos formulados para outras naturezas, menos ricas, menos
complexas e, por isto mesmo, mais conhecidas dos países centrais. Há,
portanto, que conjugar saberes e esforços, aliar vontades e, respeitando
as diferenças, construir um futuro comum, onde haja lugar para todos,
seja melhor para todos e não para alguns apenas. Este é o cenário a
que aspiramos!

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Capítulo 5

A conservação da
biodiversidade como
estratégia competitiva para
a Amazônia no antropoceno
José Maria Cardoso da Silva

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140 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Biodiversidade é toda a variação de espécies e ecossistemas que


existe no planeta. Ela inclui a variedade dentro das espécies, entre as
espécies, dentro de ecossistemas e entre os ecossistemas. É esta enorme
variação, resultado de bilhões de anos de evolução, que permite a
nossa sobrevivência. Sem ela, não seríamos o que somos e sem ela não
poderemos realizar todo o nosso potencial. A conexão homem-natureza
é muito fácil de entender, pois basta um pouco de senso comum
para compreender que o ar puro que ainda respiramos, a água que
bebemos, parte da energia que consumimos e o alimento que comemos
dependem inteiramente dos ecossistemas naturais que nos cercam. Em
síntese, não é possível haver humanidade sem biodiversidade.
Apesar de nossa dependência em relação à biodiversidade ser
tão grande, continuamos a destruí-la a uma taxa nunca antes vista na
história do planeta. A história da vida sobre a Terra é marcada por
períodos de grande diversificação seguidos por períodos de extinção
em massa. O estudo dos fósseis registra pelo menos cinco grandes
períodos de extinção em massa (JABLONSKI, 1994). O último ocorreu
há cerca de 65 milhões de anos, possivelmente causado pela queda de
enorme meteoro, que afetou, entre outros, os grandes dinossauros que
então povoavam o nosso planeta. Infelizmente, há fortes evidências
que estamos promovendo a sexta grande onda de extinção, muito
mais rápida e destrutiva que todas as outras (BARNOSKY et al., 2011).
Nunca antes na história do planeta uma espécie sozinha conseguiu
influenciar negativamente tantas espécies de uma vez só. Desta vez, o
meteoro somos nós!
Diariamente, extensas áreas de ecossistemas naturais são
convertidas em áreas antropizadas. Atualmente, cerca de 38% da
superfície terrestre está ocupada por paisagens agrícolas (FOLEY
et al., 2011) e o processo de antropização parece não ter fim. Entre
2000 e 2012 foram convertidos mais de 2 milhões de km2 de florestas
ao redor do planeta, sendo que 48% na região tropical (HANSEN et
al., 2013). Uma das consequências mais visíveis da transformação na
paisagem é a extinção de espécies. Contando com o apoio de cientistas
de vários lugares do mundo, a União Internacional para a Conservação
da Natureza avaliou a situação de 74.106 espécies de vários tipos de
organismos. Destas, 30% podem ser consideradas como ameaçadas
de extinção. As espécies ameaçadas têm os seus valores intrínsecos e
do ponto de vista moral nunca deveriam ser perdidas. Do ponto de
vista puramente utilitário, representam os nossos canários na mina,
sinalizando que algo precisa ser feito urgentemente para recuperar a
saúde do planeta.

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 141

Já estamos em uma nova era geológica -- Antropoceno -- marcada


pelo impacto significativo das atividades humanas sobre todos os
processos biofísicos do planeta (CRUTZEN; STOERMER, 2000).
A nossa espécie se tornou uma força de tal magnitude, que as mudanças
causadas por nós já começaram a ser escritas no registro fóssil. Desde a
Revolução Industrial do final do século XVIII até agora, a humanidade
conseguiu mudar de forma irreversível o ciclo do carbono, o ciclo do
nitrogênio e a taxa da extinção de espécies (STEFFEN et al., 2011).
O avanço tecnológico possibilitou a criação de novas substâncias que
podem persistir por milhões de anos. A facilidade de transporte
permitiu que deslocássemos – de modo intencional ou não – várias
espécies ao redor do mundo. Estamos freneticamente criando novos
tipos de ecossistemas – antromas – em todos os lugares. Infelizmente,
os antromas são ecossistemas simples, biologicamente empobrecidos e
pouco resilientes para proteger a humanidade dos eventos climáticos
extremos que estão por vir (ELLIS, 2011).
Em um mundo dominado por antromas, qual será o papel da
biodiversidade e dos serviços ambientais das últimas grandes áreas
naturais? Deveriam elas seguir a trajetória de uso e simplificação ocorrida
em outras regiões? Deveriam ser elas conservadas integralmente? Neste
capítulo, o papel da Amazônia – a maior região de florestas tropicais
do planeta – no Antropoceno é discutido. Primeiro, descreve-se a
biodiversidade da região e os seus serviços ambientais globais. Depois,
defende-se a noção de que a população amazônica deveria optar por
um desenvolvimento social e econômico baseado na conservação e no
uso sustentável da biodiversidade. Por fim, são descritos três grandes
programas regionais que podem ajudar a posicionar a região como o
epicentro global do desenvolvimento sustentável.

O que é a Amazônia?
A Amazônia estende-se por uma área de cerca de sete milhões de
quilômetros quadrados. Comparado com os outros dois maiores blocos
de floresta tropical do planeta, a Amazônia é três vezes maior do que as
florestas do Congo, na região central da África, e oito vezes maior do
que as florestas da ilha de Nova Guiné. Como único e contínuo bloco
de floresta, somente as florestas boreais da Rússia são maiores, mas são
muito mais pobres do que a Amazônia em termos de biodiversidade
(MITTERMEIER et al., 2002). Atualmente, a Amazônia representa
53% do que resta das florestas tropicais existentes no planeta
(MITTERMEIER et al., 2003).

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142 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Apesar da sua natureza florestal, a Amazônia não é somente


floresta. Vários outros ecossistemas únicos existem na região, desde
imensos campos sazonalmente alagados, até os mais bem protegidos
manguezais do planeta. A região também abriga o maior e mais
volumoso rio da terra. O Amazonas possui entre 6.500 e 6.800 km de
extensão, drena cerca de 38% da América do Sul e é responsável por
15 a 16% da água doce que chega aos oceanos do mundo. A descarga
média do Amazonas é estimada em 214 milhões de litros por segundo,
ou seja, cinco vezes mais que a do Congo e 12 vezes mais que a do
Mississipi (GOULDING, 1980).

Figura 1. Do ponto de vista biogeográfico.


Fonte: Borges e Silva (2012).

Independentemente do ponto de vista que se adote, a Amazônia


não é uma, mas várias. Por exemplo, do ponto de vista político, a
Amazônia inclui territórios de nove países: Brasil, Peru, Colômbia,
Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname, França (representada pela
Guiana Francesa) e Equador. Do ponto de vista biogeográfico, a
Amazônia é composta de nove sub-regiões, ou áreas de endemismo,

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 143

muito distantas: Guiana, Imeri, Jaú, Napo, Inambari, Rondônia,


Tapajós, Xingu e Belém (BORGES; SILVA, 2012). As sub-regiões são
como enormes “ilhas” de floresta separadas pelos grandes rios da
região, cada qual abrigando um conjunto único de espécies (SILVA;
RYLANDS; FONSECA, 2005; WALLACE, 1852).
Do ponto de vista biogeográfico, a Amazônia não é uma região
só, mas um mosaico de áreas cada qual com um conjunto único de
espécies endêmicas, ou seja, não encontradas em nenhum outro lugar
do planeta. Para aves, são reconhecidas nove áreas de endemismo
(BORGES; SILVA, 2012)
Cerca de 34 milhões de pessoas vivem na Amazônia, ou seja, 10%
da população da América do Sul (ARA, 2011). A maioria (65%) habita
núcleos urbanos, por isso Becker (2005) denomina a Amazônia “a floresta
urbanizada”. A Amazônia é muito diversa culturalmente, com mistura
das influências indígenas, africanas e europeias. A cultura indígena
é a mais forte na Amazônia rural. Cerca de 375 povos indígenas, que
falam 240 línguas, vivem na região. A densidade demográfica média
da região é baixa, com 4,5 habitantes por km2. A população abaixo da
linha da pobreza na região varia de 27%, na Guiana Francesa, até 60%,
na Bolívia (ARA, 2011).

A biodiversidade amazônica e seus benefícios


A Amazônia apresenta forte diversidade tanto dentro e entre
espécies, como dentro e entre ecossistemas. A vasta heterogeneidade
ambiental existente sob a aparente uniforme cobertura florestal ainda
surpreende os cientistas. É esta grande variação em solo, topografia
e clima que permite a manutenção de tantas espécies e ecossistemas.
A heterogeneidade ambiental não é e nunca foi estática, mas varia
ao longo do tempo, ao sabor das inúmeras mudanças geológicas que
ocorreram e que ainda ocorrem no planeta. É o permanente estado
de fluxo que fez com que a Amazônia se tornasse uma das mais
poderosas fábricas de espécies e novidades evolutivas já existentes na
história da Terra.
O mecanismo mais comum de formação de espécies na região é
muito simples. Espécies ancestrais amplamente distribuídas têm suas
populações separadas pelo aparecimento de barreiras geográficas,
tal como rios, devido à dinâmica geomorfológica da região. Em
isolamento, as populações se diferenciam geneticamente ao longo do
tempo, dando origem a espécies distintas. Após alguns milhares ou

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144 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

milhões de anos, as barreiras tendem a desaparecer e as espécies-irmãs


formadas durante o isolamento geográfico se dispersam pela região,
passando a conviver lado a lado.O repetido processo de isolamento
geográfico devido à formação de barreiras seguido por dispersão
gerou e continua gerando o alto número de espécies encontradas na
região (GARDA; SILVA; BAIÃO, 2010).
Não temos certeza de quantas espécies vivem na região. Há ainda
extensas áreas não exploradas por cientistas. Mesmo se cobríssemos
toda a região com amostragens adequadas, o número de cientistas
existentes hoje para processar e identificar todas as amostragens
seria insuficiente. Para complicar mais, análises moleculares recentes
demonstram que mesmo as espécies que pensávamos conhecer tão
bem são, na verdade, formadas por duas ou mais espécies. Apesar de
todas as limitações, sempre é possível fazer uma estimativa modesta da
riqueza de espécies na região. Para isto um cálculo bem simples pode
ser útil. Para os grupos mais conhecidos de vertebrados, sabemos que
a Amazônia abriga ao redor de 10% das espécies existentes. Se esta
proporção for extrapolada para outros grupos de animais e plantas
e se assumirmos que o número de espécies não-marinhas do planeta
é de 6,5 milhões (MORA et al., 2011), então podemos predizer que
a Amazônia pode abrigar pelo menos 650.000 espécies. Nenhuma
região do planeta acumula tanta biodiversidade.
A biodiversidade amazônica contribui com serviços ambientais
críticos para a região, para o continente e para o planeta. Oferta
abundante de água, alimentação, madeira, transporte, energia,
turismo e inspiração para novos produtos são alguns dos serviços
mais facilmente reconhecidos pela população da região. Do ponto de
vista global, além da importância da Amazônia para a proteção de
parcela significativa da biodiversidade do planeta, a região também é
importante para dois serviços essenciais: carbono e água.
Os ecossistemas amazônicos estocam grande quantidade de
carbono, o elemento que compõe 50% do peso seco das árvores.
O carbono também é estocado no solo sob as florestas. Estima-se
que a Amazônia tenha estoque entre 100-120 bilhões de toneladas de
carbono. Quando a floresta é desmatada, muito do carbono estocado é
emitido para a atmosfera. As emissões de carbono geradas pelo homem
são consideradas a principal causa das mudanças climáticas no planeta.
Enquanto a maioria (cerca de 70%) do carbono emitido globalmente é
proveniente dos combustíveis fósseis, os 30% restantes são provenientes
das mudanças de uso da terra, incluindo aí o desmatamento. Portanto,

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 145

manter o carbono existente nas florestas amazônicas estocado é de


interesse estratégico global, pois já há consenso que precisamos reduzir
significativamente as emissões de carbono para a atmosfera.
A Amazônia também é uma complexa máquina que recicla e
exporta água para outras regiões da América do Sul. Devido à rotação
da terra, os ventos entram na região a partir do Nordeste, trazendo
água do Oceano Atlântico. A água cai em forma de chuvas. Uma porção
da água da chuva é reciclada pelas árvores via evapotranspiração e
volta para a atmosfera. A água pode cair na região em forma de chuvas
ou pode ser carregada para outras regiões (SALATI, 2001). Sabe-se
hoje que parte importante desta água alimenta, com chuvas, o Centro-
Sul do Brasil e os países platinos, onde grande parte da população e
da produção agrícola e industrial da América do Sul está concentrada.
Se a floresta amazônica for convertida em pastagens, essa complexa
máquina produtora de chuvas pode reduzir significativamente sua
produção e causar, entre outras coisas, graves crises na oferta de água
para consumo e produção de energia em megacidades como Rio de
Janeiro e São Paulo (FEARNSIDE, 2004).

A Amazônia no Antropoceno
A Amazônia já perdeu cerca de 20% de sua vegetação original.
Importante parte da conversão da floresta está concentrada no
Brasil, principalmente nos Estados do Pará, Tocantins, Mato Grosso,
Rondônia e Acre. Os 80% restantes estão divididos em dois grandes
grupos: (a) as áreas protegidas (cerca de 50%) que incluem todas as
unidades de conservação de uso direto e indireto, terras indígenas
e outros espaços legalmente dedicados à conservação; (b) as áreas
florestais não protegidas (cerca de 30%), que são as áreas de floresta,
geralmente públicas, cujo destino ainda não foi estabelecido pelos
governos nacionais.
Assumindo um cenário muito otimista no qual as áreas protegidas
serão efetivamente implementadas e as populações tradicionais da região
receberão apoio para manejar e manter a integridade de suas extensas
terras, então o futuro da Amazônia como gigantesco sistema ecológico
funcional será decidido pela alocação dos 30% de florestas ainda não
protegidas. Se os 30% forem mantidos como florestas intactas ou sob
algum tipo de manejo sustentável, então a Amazônia poderá continuar
prestando os serviços ambientais que todos nós estamos acostumados
a ver. Se os 30% forem convertidos em ecossistemas simplificados,

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146 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

corre-se o risco de que a região entre em colapso por meio das sinergias
criadas entre mudanças climáticas globais, desmatamento e incêndios
florestais, com consequências desastrosas para bilhões de pessoas ao
redor do planeta (VERGARA; SCHOLZ, 2011). A América do Sul e o
mundo precisam que entre 70 e 80% da Amazônia continuem sendo
floresta (SAMPAIO ET AL., 2007).
No Antropoceno, extensas áreas de florestas serão a exceção.
Elas serão oásis de recursos naturais abundantes e disponíveis que
sustentarão amplo conjunto de bens e serviços de alto valor agregado
e indispensáveis para a porção da humanidade que viverá distante
de tais áreas. Como qualquer recurso escasso, o valor destas áreas
naturais intactas para a humanidade aumentará significativamente
(BECKER, 2005). Assumindo que as tendências de uso dos recursos
naturais ao redor do mundo não mudem significativamente nos
próximos 50-100 anos, então é possível predizer que a melhor opção
para os países amazônicos é fazer um esforço concreto para promover
o desenvolvimento socioeconômico da população atual mantendo seus
estoques atuais de recursos naturais renováveis intactos. Se fizerem
isso, estes países terão uma vantagem competitiva enorme no futuro.
Eles poderão se tornar as próximas lideranças globais.

Amazônia: o epicentro do
desenvolvimento sustentável global
O conceito de proteger a Amazônia agora para garantir
uma liderança global no futuro não é novo (BECKER, 2005). Ele já
faz parte das políticas nacionais de vários países sul-americanos.
países como Colômbia e Peru já adotam como política nacional a
conservação total dos seus setores amazônicos. Países como Guiana,
por exemplo, estão adotando políticas de desenvolvimento de baixo
carbono. A França continua mantendo os altos subsídios econômicos
para garantir a integridade florestal da sua Guiana. Apesar dos
avanços nas suas políticas nacionais para conter o desmatamento, os
maiores vilões regionais do desmatamento continuam sendo Brasil e
Bolívia. Na Bolívia, grande parte do desmatamento é gerada a partir
da expansão da agricultura brasileira rumo ao país vizinho. No caso
do Brasil, o desmatamento é causado pela expansão da pecuária e da
agricultura, seguindo o estabelecimento de estradas e outras obras de
infraestrutura. Mesmo que não haja nenhuma justificativa racional
para continuar substituindo a floresta amazônica por ecossistemas

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 147

antrópicos de baixa diversidade e baixa resiliência ecológica (VIEIRA;


SILVA; TOLEDO, 2005), a falta de incentivos e governança na escala
local limita o alcance das boas políticas públicas nacionais.
Para posicionar a Amazônia como epicentro do desenvolvimento
sustentável global, os governos dos nove países da região precisam
desenvolver uma política integrada de desenvolvimento baseada em
três programas básicos, que correspondem aos maiores tipos de uso
de terra da região: (a) florestas produtivas, (b) paisagens antrópicas
sustentáveis; (c) cidades sustentáveis.

Floresta produtiva
O programa floresta produtiva é um programa moderno de
desenvolvimento rural para áreas florestais, cujos objetivos principais
de curto prazo são reduzir o desmatamento bruto a quase zero e retirar
da miséria extrema todas as populações rurais vivendo dentro ou fora
de áreas protegidas. O programa deve ter três amplos subprogramas:
(a) criação e consolidação de áreas protegidas; (b) programa de
transferência de renda e (c) planos locais de desenvolvimento sustentável.
O componente de áreas protegidas tem como objetivo principal
proteger 80% da Amazônia com a criação de unidades de conservação,
sejam elas públicas ou privadas, terras indígenas e outros mecanismos
de conservação, tais como reservas de água ou reservas de carbono.
A fundamentação lógica para esse argumento é a evidência histórica
de que as áreas protegidas são ainda a forma mais efetiva de conter o
desmatamento na região (VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005; RAISG,
2012). A criação de áreas protegidas retira terra pública do mercado
e diminui significativamente as expectativas de ganhos futuros pelos
atores sociais que vivem da especulação fundiária. Além disso, ela
transfere para as populações locais os direitos de uso de seus territórios
tradicionais, diminuindo assim a concentração de poder nas mãos de
poucos. Assim, as áreas protegidas ajudam também a reduzir conflitos
e trazer paz à região. Já que a maioria das áreas cobertas por floresta
ainda são públicas, a criação formal de áreas protegidas permitiria
também maior controle público sobre seu manejo e a criação de
mecanismos de parceria público-privadas para mantê-las dentro
dos melhores critérios globais de sustentabilidade. Como a moderna
ecologia sugere, as áreas protegidas não devem ser manejadas de
maneira isolada, mas sim gerenciadas como partes de extensos
corredores de biodiversidade, visando garantir a conectividade de

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148 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

parcelas significativas dos ecossistemas regionais, aumentar sinergias e


reduzir os custos de gestão (GARDA; SILVA; BAIÃO, 2010).
O componente de transferência de renda é essencial para que
as populações rurais tenham apoio para sair da pobreza extrema e
recebam incentivos para continuar ajudando a manter a floresta em pé.
Programas socioambientais financiados pelo orçamento público, tais
como o Bolsa-Floresta (Amazonas), Bolsa-Verde (Governo do Brasil), e
Socio-Bosque (Ecuador), são bons modelos que podem ser adaptados
e replicados na região. Esses programas não custam muito, produzem
resultados sociais rápidos e são politicamente aceitáveis. Há duas
fortes críticas aos programas de transferência de renda. O primeiro
é que eles podem ser usados como instrumentos de manipulação
política visando à preservação de grupos políticos atualmente no
poder. O segundo é que eles podem aumentar a dependência das
populações rurais em relação aos governos centrais, ao reduzir suas
capacidades intrínsecas de empreendedorismo e inovação. Para
contornar a primeira crítica é preciso que todos os partidos políticos
concordem que este é um mecanismo de redistribuição de renda que
gera resultados socioambientais concretos e que as ações devem ser
vistas como programas de Estado, e não de governos. Para responder
à segunda crítica, é necessário criar planos locais de desenvolvimento
sustentável para os municípios com extensa cobertura florestal e altos
índices de pobreza extrema.
O componente dos planos locais de desenvolvimento sustentável
é o primeiro passo essencial para garantir a boa governança dos
municípios amazônicos. Os governos locais da Amazônia têm capacidade
muito limitada de prover serviços para seus cidadãos e capacidade
praticamente nula de planejar o uso sustentável dos territórios e de
fazer pressão junto aos governos centrais para atrair mais recursos.
Como consequência, os municípios que possuem a maior cobertura
florestal na região são também os mais pobres e estão em permanente
crise de governança. Historicamente, os municípios amazônicos são
alvos de projetos setoriais dos governos centrais, que são geralmente
concebidos bem distantes da realidade. Muitas vezes os projetos não
conversam entre si, possuem objetivos conflitantes e são, portanto,
propensos ao fracasso. Os municípios são vistos como agentes passivos
da boa vontade dos governos centrais. Para resolver isso, é preciso
voltar ao básico. O desenvolvimento deve ser compreendido como um
fenômeno local e é nessa escala que a capacidade de planejamento e
execução deve estar. Nesta ótica, os governos centrais deveriam atuar

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 149

como facilitadores e apoiadores dos governos municipais em sua busca


por um desenvolvimento justo e sustentável. Um mecanismo de se fazer
isso é com planos locais de desenvolvimento sustentável, elaborados
de forma participativa com todos os atores sociais, para alinhar os
planos setoriais dos governos centrais com as prioridades locais e criar
mecanismos de execução mais efetiva. Os planos devem ser compostos
basicamente do seguinte: (a) uma aliança local formal entre governo e
agentes da sociedade visando à construção de um plano integrado de
desenvolvimento sustentável; (b) um diagnóstico contendo a linha de
base do desenvolvimento socioambiental do município; (c) um plano
contendo visão e metas socioambientais concretas a serem atingidas
em quatro anos; (d) um processo participativo de seleção de projetos
prioritários para execução; (e) uma rede de parceiros e recursos
financeiros para a execução dos projetos prioritários; (f) um sistema de
comunicação, monitoramento, avaliação.
O processo de planejar, priorizar e concentrar esforços para
atingir metas socioambientais relevantes exige dos governos locais
disciplina e capacidade de alavancagem de recursos via a formação
de alianças e parcerias estratégicas. As duas qualidades é que vão
estimular o empreendedorismo local e aumentar a qualidade dos
serviços públicos. Com tempo, educação, investimentos pequenos,
mas permanentes, e paciência, os municípios poderão inventar novas
atividades econômicas utilizando-se da combinação de conhecimento
tradicional e tecnologias apropriadas ao manejo sustentável da floresta,
que vão além do extrativismo primário. A sequência de intervenções
para cada município deve ser cuidadosamente planejada e cocriada
junto com a sociedade local e parceiros. O procedimento busca evitar
o mais comum erro do passado, que era a proliferação de um conjunto
de projetos-piloto setoriais de vida curta espalhados pela região e sem
qualquer poder de transformação social.
O financiamento desse imenso programa socioambiental deve
vir dos orçamentos nacionais e da comunidade internacional, pois
os benefícios ambientais advindos do esforço irão muito além das
fronteiras dos países amazônicos. Fearnside (1997) tinha já apontado
que o desenvolvimento sustentável na Amazônia deveria ser baseado
nas contribuições globais para a manutenção dos serviços ambientais
que a região presta ao mundo: biodiversidade, carbono e água.
O modelo mais utilizado pela comunidade internacional
para apoiar o desenvolvimento da Amazônia tem sido via projetos
estratégicos. Os recursos destes projetos são canalizados por diferentes

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150 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

fontes, desde bancos regionais de desenvolvimento até organizações


não governamentais. Geralmente os recursos são pouco flexíveis e têm
duração limitada. Esse tipo de recurso foi importante para aumentar
o conhecimento e a proteção da Amazônia e apoiar a criação de uma
sociedade civil regional vibrante. Entretanto, o momento é outro.
A região precisa de parceria internacional para ir além do conceito de
projetos estratégicos, pouco flexíveis e de curta duração. É necessário
criar fluxos financeiros flexíveis e permanentes em troca de avanços
socioambientais concretos.
Os mais interessantes e inovadores de todos os mecanismos
recentes de colaboração internacional são os acordos bilaterais entre
Noruega e alguns países amazônicos, tal como Guiana e Brasil.
O governo norueguês dedicou recursos consideráveis (US$ 250
milhões para a Guiana e US$ 1 bilhão para o Brasil) cujo desembolso
é condicionado, entre outras coisas, a metas claras de redução do
desmatamento. Esse modelo de apoio baseado em performance poderia
ser seguido por outros países e também por corporações que emitem
grandes quantidades de carbono para a atmosfera. O mecanismo
ainda não está livre de problemas. O maior deles é a falta de agilidade
para fazer que recursos tão essencias cheguem à ponta, aos que mais
precisam, aos verdadeiros agentes do desenvolvimento regional.
Há também a possibilidade de que o setor financeiro
internacional, que pouco ou nada contribui para a sustentabilidade
do planeta, volte a se interessar pelo mercado de carbono. Entretanto,
o interesse depende tanto de um consenso global sobre a viabilidade
política e financeira desse instrumento de mitigação das mudanças
climáticas globais, como da criação de políticas nacionais que regulem
e incentivem esses mercados (BECKER, 2005). Há muitas barreiras
políticas à adoção de mecanismos de mercado para serviços ambientais
em toda a Amazônia. Países importantes, tais como Bolívia e Venezuela,
opõem-se a um mercado global de carbono, pois ideologicamente eles
são contrários à mercantilização dos serviços ambientais.

Paisagens antrópicas sustentáveis


O fim da expansão da fronteira amazônica vai se dar pela
transformação das áreas já desmatadas em paisagens antrópicas
sustentáveis (BECKER, 2005; VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005). Uma
paisagem antrópica sustentável pode ser definida como um espaço
geográfico cuja matriz é dominada por ecossistemas antrópicos

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 151

e no qual a sociedade faz o melhor uso dos serviços ecossistêmicos,


tecnologias e práticas para melhorar a vida da população com o
aumento da produtividade econômica, a proteção da biodiversidade e
serviços ecossistêmicos, a redução da poluição e emissões de gás estufa,
assim como pelo aumento da resiliência da paisagem contra mudanças
climáticas.
O objetivo principal do programa de paisagens antrópicas
sustentáveis seria o de encerrar o desperdício de recursos naturais
existente na região e promover ampla mobilização de esforços e recursos
para que os quase 700.000 km2 – área maior do que Minas Gerais –
que já foram desflorestadas na Amazônia possam ter destinação social
e produtiva adequada.
Cerca de 60% das áreas desmatadas na Amazônia são ocupadas
hoje por pastagens, geralmente pouco produtivas. Já há tecnologias que
permitem a redução significativa das áreas de pastagem mantendo o
mesmo tamanho do rebanho (BARRETO et al., 2013). Muitas áreas
poderiam ser ocupadas por sistemas agroflorestais, que são formas de
uso e manejo da terra nos quais árvores ou arbustos são utilizadas em
associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, no mesmo espaço, de
maneira simultânea ou em uma sequência temporal (VIANA; DUBOIS;
ANDERSON, 1996). Os sistemas agroflorestais são muito mais resilientes
às mudanças do clima do que pastagens ou monoculturas. Além disso,
eles permitem o uso prolongado da terra, mantendo sua capacidade
produtiva, e contribuem para a segurança alimentar de agricultores,
principalmente os que praticam agricultura familiar. Um dos maiores
problemas para a ampla adoção de sistemas agroflorestais na região
é que a sua implantação e manejo nos primeiros anos exigem forte
demanda de trabalho, a qual somente será compensada a partir
do quarto ou quinto ano. Entretanto, em longo prazo, os sistemas
agroflorestais são mais vantajosos do ponto de vista econômico, pois
eles podem oferecer diversos produtos durante o ano e seus custos de
manutenção são relativamente baixos, quando comparados com outros
usos da terra (VIANA; DUBOIS; ANDERSON, 1996).
Florestas secundárias altas precisam ser protegidas pois elas
ainda conseguem manter populações de animais e plantas ameaçados
de extinção (VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005). Florestas ao longo
dos rios e nas áreas com grande declive precisam ser restauradas
para manter a qualidade da água e evitar erosão, respectivamente.
As poucas florestas ainda intactas dessa enorme região precisam ser
protegidas. No caso do Brasil, a implementação efetiva do código

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152 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

florestal permitirá a conexão das florestas originais remanescentes com


o manejo adequado das reservas legais e áreas de proteção permanente.
Incentivos fiscais poderiam ser criados para fomentar programas de
reflorestamento nas áreas importantes para a biodiversidade e serviços
ambientais visando garantir a resiliência do sistema. Planos de gestão
de bacias hidrográficas que possuem forte pressão de atividades
econômicas poderiam servir de mecanismo legal para acordos locais
de pagamentos de serviços ambientais.
Os planos municipais de desenvolvimento sustentável deveriam
seguir o mesmo processo descrito anteriormente para os municípios
cuja paisagem é predominantemente florestal, apesar de os objetivos
serem bem distintos (GUIMARÃES et al., 2011). O maior desafio
dos municípios amazônicos dominados por paisagens antrópicas
é operacionalizar as boas políticas estruturadas pelos governos
centrais. O Brasil, por exemplo, possui excelentes políticas nacionais
fomentando agricultura de baixo carbono, agricultura orgânica e
sistemas agroflorestais. Entretanto, estas políticas não são consolidadas
e implementadas de modo consistente na escala do município por falta
de capacidade local de execução.
Há extensas áreas na Amazônia que podem ter alto valor para
atividades de mineração, exploração de óleo e gás, e estabelecimento
de hidroelétricas (RAISG, 2012). Algumas estão em áreas cobertas
por florestas, mas outras estão em áreas já desmatadas. Os governos
nacionais da região deveriam ser estratégicos na concessão de direitos
de acesso a estes recursos ao setor privado. Duas regras básicas podem
ajudar os governos a utilizar o potencial minerário e hidroelétrico da
região de modo consistente: a regra do sequenciamento espacial das
concessões e a regra dos investimentos sustentáveis.
A regra do sequenciamento sugere que as concessões deveriam
ser dadas prioritariamente para áreas que já foram desmatadas e que
já passam por processo de consolidação das atividades econômicas.
Somente quando os estoques minerários e hidroelétricos das áreas de
consolidação já estivessem sido esgotados é que autorizações para áreas
ainda cobertas por florestas poderiam ser emitidas. Este procedimento
simples facilitaria a concentração das atividades econômicas nos espaços
já consolidados, diminuindo o impacto sobre a floresta e levando à
formação de clusters produtivos regionais.
A regra dos investimentos sustentáveis é bem simples também. Ela
sugere que larga parte dos recursos gerados pelos empreendimentos
minerários e hidroelétricos na região deveriam ser obrigatoriamente

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Capítulo 5 • A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a amazônia... 153

investidas na proteção do capital natural e no fortalecimento dos


capitais humano e sociais da região, em vez de serem aplicados em
outras partes do país ou do planeta. O reinvestimento obrigatório
ajudaria a região a consolidar seu desenvolvimento, deixando de ser
apenas uma fornecedora de produtos naturais brutos para ter uma
economia mais sofisticada, baseada na inovação, com indústrias e
serviços tendo papel preponderante.

Cidades sustentáveis
Cidades sustentáveis são clara necessidade da Amazônia, pois
cerca de 65% da população regional é urbana (ARA, 2011). A tendência
futura é que as populações das cidades da região continuem crescendo
cada vez mais. Infelizmente a maioria das cidades amazônicas
possui qualidade de vida muito baixa, com carências enormes na
infraestrutura e serviços públicos de qualidade, tais como educação,
saneamento e saúde (SANTOS et al., 2014). Além disso, a diversificação
econômica dos centros urbanos é reduzida e muitas dependem
totalmente de repasses dos governos centrais para pagar suas contas.
Infelizmente, mesmo as maiores cidades amazônicas, que possuem
orçamentos significativos e melhor governança, estão longe de atingir
patamares adequados de sustentabilidade (PARANAGUÁ et al., 2003).
Portanto, há a necessidade de se desenhar extenso programa regional
de investimentos estratégicos nas cidades amazônicas para torná-las
lugares aprazíveis para viver e ao mesmo tempo criar modelos de
convivência integrada com as vastas florestas e rios da região.
Os centros urbanos devem se tornar importantes polos de
desenvolvimento tecnológico e produção sustentável. Investimentos
públicos para criar e manter universidades e institutos de pesquisa
científica e tecnológica que formem novos recursos humanos e gerem
inovação contínua são indispensáveis. O conceito de agrupar as cidades
em clusters estratégicos voltados para o beneficiamento dos produtos
da região e prestação de serviços poderá criar a sinergia necessária
para gerar emprego, renda e dinamismo econômico. Essencial é
que os clusters de produção adotem o conceito de economia circular
(WORLD ECONOMIC FORUM, 2014) desde o seu design, criando
cedo uma marca forte de sustentabilidade para os produtos da região.
Os países poderiam trabalhar juntos para dinamizar as cidades-irmãs
nas fronteiras (e.g., Letícia-Tabatinga, Bonfim-Lethem, etc.) e assim
aumentar a sinergia positiva dos seus investimentos.

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154 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Não é possível fazer tais transformações nos centros urbanos


amazônicos somente com recurso público dos países da região.
Há a necessidade de atrair investidores internacionais interessados em
retornos financeiros significativos de longo prazo por meio de parcerias
público-privadas para serviços essenciais. Isso significa que os governos
locais deveriam ser mais ousados e competitivos na criação de um
ambiente que permitisse a atração de novos investimentos sustentáveis
para a região. Redução de taxas e impostos em setores e áreas específicas
deveria ser a norma, e não a exceção. Agentes financeiros públicos, tais
como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(ADB), a Cooperação Andina de Fomento (CAF), o Banco Nacional de
Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) e o Banco da Amazônia
(BASA) poderiam juntar forças para alavancar as parcerias público-
privadas, ajudando na construção da infraestrutura necessária para
torná-las atraentes do ponto de vista financeiro.

Liderando a transformação regional


Qualquer programa ousado de desenvolvimento regional
requer lideranças políticas visionárias e comprometidas. Felizmente, o
conceito de sustentabilidade já é parte do discurso da nova geração de
líderes regionais, mas há ainda profunda lacuna técnica e financeira
para transformar os discursos em ações concretas. A Amazônia é uma
área enorme, complexa e logisticamente desafiadora. Ela certamente
não é para fracos. Duas mudanças de comportamento são essenciais.
A primeira requer que a comunidade nacional e internacional
interessada no futuro da região deixe de empurrar soluções
artificiais desenhadas nos gabinetes fora da região. Em vez disso, eles
deveriam empoderar os próprios amazônidas para desenvolverem e
implementarem os próprios modelos endógenos de desenvolvimento,
que são, por concepção, bem diferentes dos modelos adotados pela
sociedades em outras partes do mundo. A segunda mudança requer
que os amazônidas se globalizem, que deixem a timidez de lado e
coloquem suas visões e sabedorias locais à disposição da humanidade
para guiar o mundo em direção a um planeta mais sustentável e justo.

Referências
ARTICULAÇÃO REGIONAL AMAZÔNICA – ARA. A Amazônia e os objetivos
do milênio. Quito, 2011.

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Capítulo 6

A logística e a defesa da
Amazônia Ocidental
Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira

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158 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
O valor estratégico da Amazônia brasileira para o Brasil e o
mundo é inconteste e explícito. Entre outros atributos, a região abriga
uma biodiversidade ímpar, razão pela qual é o epicentro da agenda
mundial do debate sobre a preservação do meio ambiente. É detentora
de abundantes recursos hídricos, tais como a maior bacia hidrográfica
do mundo, o que a torna a maior reserva de água doce do planeta.
Detém invejáveis recursos energéticos e fontes alternativas, motivo pelo
qual é considerada a nova fronteira energética. Possui incalculáveis
riquezas minerais, tais como ouro, diamante, minério de ferro e
minerais estratégicos, as chamadas “terras raras”1, as quais possuem
uma infinidade de aplicações.

Figura 1. Amazônia Ocidental.


Fonte: Acervo pessoal, 2015

1
Nome dado a 17 elementos químicos da tabela periódica que ganham cada vez mais destaque
nas evoluções tecnológicas da atualidade. Isso porque, pelas características eletrônicas,
magnéticas, ópticas e catalíticas, melhoram o desempenho de materiais que integram
lâmpadas, telas de celulares ou motores e baterias.

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 159

Diante dessa abundância, os 4,2 milhões de quilômetros quadrados


da Floresta Amazônica brasileira causam admiração e temor. Admiração
porque essas riquezas, caso exploradas sob o controle de brasileiros e
em benefício dos brasileiros, podem contribuir para o fortalecimento
do poder nacional, e temor porque essas riquezas são objeto do desejo
de alguns dos mais influentes atores no mapa geopolítico. Ao longo das
décadas, são muitos os exemplos de movimentos e declarações feitas
por alguns dos mais importantes líderes mundiais acerca do “interesse
internacional” pela área que ocupa 45% do território nacional.
Além disso, há que se destacar que a floresta abriga também grande
diversidade cultural, representada por centenas de povos indígenas,
inúmeras comunidades remanescentes de antigos quilombos e milhares
de comunidades de seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, entre outras.
Contudo, o mencionado valor estratégico da Amazônia brasileira
não se limita a esses aspectos. Segundo Villas Boas2 (2013), esse é apenas
um de seus três papéis, o qual decorre das condições e da vocação
que a Amazônia ostenta de proporcionar solução para os principais
problemas que afligem a humanidade e que já adquirem dimensões
de verdadeiras crises mundiais: mudança climática, meio ambiente,
energia e água.
Nesse sentido, o segundo papel da Amazônia deriva da vocação
natural brasileira de liderança continental e repousa na condição de
plataforma física em cujo entorno se consolidará a integração sul-
americana. Essa região faz fronteira com sete países, tem acesso a três
oceanos – Atlântico, Mar do Caribe e, dentro em pouco, ao Pacífico
– e conecta-se com o Altiplano Boliviano e, no Brasil, com as Regiões
Nordeste e Centro-Oeste (VILLAS BOAS, 2013).
O terceiro papel, destaca Villas Boas (2013), será o de provocar
a elevação, em escala exponencial, do poder nacional a partir do
momento em que o país tiver consolidado sua expansão interna,
trazendo a Amazônia ao contexto da vida nacional e efetuando a
exploração racional de seus recursos naturais, que ainda aguardam
completa identificação, delimitação e quantificação.
Diante disso, comprova-se o papel integrador da Amazônia, seja
internamente, seja com o Brasil, seja com a América do Sul ou com
os demais continentes, o que torna verdadeiramente representativo o
lema “A selva nos une”.
2
General-de-Exército do Exército Brasileiro. Comandante de Operações Terrestres do Exército
Brasileiro. Ex-Comandante Militar da Amazônia.

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160 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Ao guardar a mais cobiçada porção de nosso território e


contribuir para o seu desenvolvimento, o Comando Militar
da Amazônia atua para impedir que a soberania brasileira
na região seja maculada por objetivos escusos, volta e
meia propalados no seio da opinião pública internacional.
No cumprimento de tão nobres missões, a cada dia faz soar a
quantos possam ouvir que ‘A selva nos une; a Amazônia nos
pertence’ (VERDE OLIVA, 2002, p. 40).

Este trabalho tem o propósito de mostrar a relevância das ações


de defesa e de proteção da Amazônia para o uso sustentável de suas
riquezas pelas próximas gerações. De modo consequente, tem também
o objetivo de apresentar os desafios e os esforços empreendidos pela
logística militar terrestre no Comando Militar da Amazônia (CMA),
que se transforma no verdadeiro elo entre a estratégia de defesa e a
estratégia de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

A defesa e proteção da Amazônia brasileira


O Comando Militar da Amazônia (CMA) é singular entre os
Comandos Militares de Área e trabalha diuturnamente na coordenação
das ações operacionais e logísticas na sua área de atuação, a qual
abrange os estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, provendo
as condições necessárias para o bom cumprimento da missão pelos seus
escalões subordinados.
Dentro dessa área de atuação, merece destaque a faixa de
150 quilômetros ao longo da linha de fronteira terrestre, denominada
Faixa de Fronteira, que é constitucionalmente definida como de
especial interesse para a defesa nacional.
A Lei Complementar 136, de 25 de agosto de 2010, que alterou
a Lei Complementar 97, de 9 de junho de 99, fazendo alusão ao texto
constitucional e atribuindo caráter subsidiário ao emprego das Forças
Armadas na atividade de preservação da segurança pública, destinou
às Forças Armadas o poder de polícia para atuar na Faixa de Fronteira,
demonstrando como deve atuar neste sentido (MARINHO, 2010).
Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações
pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preser­
vadas as competências exclusivas das polícias judiciárias,
atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na
faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores,
independentemente da posse, da propriedade, da finalidade

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 161

ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra


delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou
em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo,
executando, dentre outras, as ações de:
I - patrulhamento;
II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações
e de aeronaves; e
III‑prisões em flagrante delito.
(BRASIL, 1999)

Na Amazônia Ocidental, essa faixa envolve áreas fronteiriças com


cinco países e tem cerca de 9 mil Km de extensão. Nela, a população
é ainda mais esparsa do que no conjunto da Amazônia, e ali diversos
grupos indígenas, como os Ianomamis3, têm suas terras. Tendo
uma situação periférica com relação aos centros urbanos maiores
e portanto também com relação à modernidade, essas áreas apenas
ocasionalmente foram atingidas pelo processo histórico de ocupação
regional. São marcadas por uma realidade socioeconômica deprimida,
refletindo a marginalidade acentuada pelas grandes distâncias.
Para essa área específica, o Exército Brasileiro recebeu o poder
de polícia para atuar contra os crimes transfronteiriços e ambientais,
atuando por meio de ações preventivas e repressivas, podendo
realizar uma série de atividades típicas de polícia, tais como realizar
patrulhamentos, revistas de pessoas, veículos, embarcações e aeronaves.
Importante destacar que na Região Amazônica esse trabalho é
dificultado por diversos fatores, dentre eles a imensidão do território
amazônico aliado à ausência da maior parte dos poderes públicos nesta
parte do Brasil.
Em 2011, a fim de garantir o fortalecimento da prevenção,
controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos
delitos praticados na Faixa de Fronteira brasileira, por meio da atuação
integrada dos órgãos de segurança pública, da Secretaria da Receita
Federal do Brasil e das Forças Armadas, o governo federal criou o
Plano Estratégico de Fronteiras, para prevenir e combater crimes
praticados em pontos estratégicos do território nacional.

3
Os ianomâmis são índios que habitam o Brasil e a Venezuela. A noroeste de Roraima estão
situadas 197 aldeias que somam 9.506 pessoas, e ao norte do Amazonas estão situadas
58 aldeias que somam 6.510 pessoas. Na Venezuela somam cerca de 12.000 pessoas residentes
no sul dos Estados Bolívar e Amazonas.

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162 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

No contexto dessa iniciativa, destaca-se a Operação Ágata, por


meio do qual os militares das Forças Armadas e agentes civis atuam
para proteger as fronteiras brasileiras. A Operação Ágata é uma
ação militar, de natureza episódica, conduzida pelas Forças Armadas
em pontos estratégicos da fronteira terrestre brasileira. Durante
sua realização, militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica
realizam missões táticas destinadas a coibir delitos como narcotráfico,
contrabando e descaminho, tráfico de armas e munições, crimes
ambientais, imigração e garimpo ilegais.
Coordenadas pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas
(EMCFA), as ações abrangem desde a vigilância do espaço aéreo, até
operações de patrulha e inspeção nos principais rios e estradas que
dão acesso ao país.
Além da Defesa, a Ágata envolve a participação de 12 ministérios
e 20 agências governamentais. O planejamento e a mobilização são
feitos de forma integrada, com articulação contínua entre militares
das Forças Armadas e agentes de segurança pública nos níveis federal,
estadual e municipal.
Para dar conta da extensa área coberta, a operação mobiliza
significativo aparato militar, com emprego regular de embarcações,
caças de ataque leve, helicópteros e viaturas de reconhecimento e
transporte de tropas, entre outros.

Figura 2. Momento da Operação Ágata.


Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 163

Até mesmo pelo porte dessa movimentação, cada edição da Ágata


é comunicada previamente aos países que fazem fronteira com o Brasil.
Na oportunidade, as Forças Armadas de países vizinhos são convidadas
a participar da operação, seja com apoio de tropas em seus próprios
territórios, seja por meio do envio de observadores militares.
Todas essas ações, relevantes para a região, obedecem às diretrizes
pautadas na Estratégia Nacional de Defesa (END), destacadamente a
de “dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres”
(BRASIL, 2008) e a de “desenvolver a capacidade de se fazer presente,
sempre que necessário” (BRASIL, 2008). De forma positiva, elas
aperfeiçoam a capacidade de alternar a concentração e a desconcentração
de forças, com o propósito de dissuadir e combater as ameaças. E essa
possibilidade de se deslocar, com rapidez, tropas diversas para a região,
em face de eventuais ameaças, representa o conceito definido como ser
capaz de estar presente, sempre que necessário, a fim de reforçar o
poderio bélico aqui disponível de imediato.
Todavia, apesar dos resultados positivos, até aqui conquistados,
não se deve abrir mão do esforço da presença constante de tropas
na Amazônia, sobretudo ao longo das fronteiras e nas partes mais
estratégicas. A presença permanente das tropas subordinadas ao CMA
nos mais afastados recantos da região, além dos aspectos relacionados
com as atividades de Defesa e Segurança, constitui importante
instrumento a serviço da ocupação e do desenvolvimento regionais.
Quanto mais unidades militares especializadas e adestradas a Força
possuir na região, mais efetiva será a contribuição nesse sentido. Essa
situação caracteriza o conceito entendido como estar presente.
Na concepção da Estratégia da Presença, o protagonista é o
Pelotão Especial de Fronteira (PEF). O PEF é a vanguarda avançada do
Exército Brasileiro no Comando Militar da Amazônia (CMA). É uma
unidade militar com efetivo variável de 30 a 70 militares, localizados
em pontos estratégicos da Faixa de Fronteira da Floresta Amazônica.
Atualmente, existem 24 PEF na Amazônia Ocidental, os quais possuem
o valoroso lema: “Vida, Combate, Trabalho e Proteção” (THEOPHILO
GASPAR DE OLIVEIRA, 2013a).
O pilar Vida representa as atividades do dia a dia dos quartéis,
particularmente os localizados na faixa de fronteira: atividades agrí­
colas, criação de animais, satisfação das necessidades da família militar
residente, atendimento ao calendário de obrigações administrativas,
execução de tarefas logísticas, etc. Trata-se da busca e da manutenção
das melhores condições para o cumprimento das missões.

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164 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

O pilar Combate consiste na execução da atividade-fim das


tropas militares e está voltado para o campo operacional. Concretiza-se
por intermédio do adestramento, da vigilância, do patrulhamento
e de outras ações necessárias à defesa da Pátria e à manutenção da
soberania e da integridade territorial. Para as tropas instaladas na
faixa de fronteira, estão também incluídas as missões voltadas para a
prevenção e para a repressão dos crimes transfronteiriços e ambientais.
O pilar Trabalho sustenta, entre outras, atividades diversas de
manutenção, de reparos, de construção, de apoio a iniciativas das
diversas agências do Estado brasileiro na região. Aqui também se
incluem, principalmente diante da celebração de instrumentos legais,
as ações de assistência direta às comunidades existentes no interior da
área de responsabilidade de cada unidade.

Figura 3. Exercícios Militares.


Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

A sinergia dos conceitos contidos na trindade naturalmente


nos remete à Proteção por ela fomentada. Assim, esse novo pilar é
entendido não somente no que se refere à soberania e à manutenção
da integridade territorial, mas também no que diz respeito à vocação
socioambiental natural do CMA no cumprimento de suas missões na
Amazônia Ocidental.

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 165

Nunca é demais lembrar que o PEF não atua isolado. Integrado


à selva e às comunidades locais do seu entorno, transforma exponen­
cialmente suas capacidades de combate e deve estar preparado para
atuar no contexto da Estratégia da Resistência.
Segundo essa estratégia, dentro das ameaças potenciais, a cobiça
internacional por nossas riquezas poderá levar a uma ingerência
militar estrangeira, configurando um quadro de conflito agravado pela
imensidão da área, pela baixa densidade demográfica, pelo afastamento
do centro político nacional, pela precariedade de infraestrutura local
e pela dificuldade de controle das organizações não governamentais
(ONG). Dessa forma, torna-se difícil o controle sobre a circulação de
estrangeiros e ilícitos transfronteiriços, associados a grupos armados
de Estados vizinhos ou a facções do crime organizado.
Diante dessa ameaça e esgotados todos os esforços da Expressão
Política do Poder Nacional para o estabelecimento da estratégia da
aliança, e também depois de esgotados os recursos dissuasórios e
aplicada a Estratégia da Defensiva, aplicar-se-á, como último recurso,
a Estratégia da Resistência para desgastar moral e materialmente o
invasor, com previsão de combate prolongado.
De acordo com os fundamentos dessa estratégia, a presença de
uma força invasora no território nacional, com poder militar incontes­
tavelmente superior, poderá se efetivar em decorrência de diplomas
de organismos internacionais ou de decisão unilateral de potência
estrangeira ou coalizão de países com ou sem aval desses organismos
internacionais. Nesse contexto, a Força Terrestre, para condução
exitosa no Combate de Resistência, orienta-se por algumas condições,
das quais se destacam duas: 1) ver a nação identificada com a causa
da defesa; e 2) construir e manter, mesmo sob condições adversas e
extremas, o poder de apoio logístico às forças combatentes.

A logística na Amazônia Ocidental


No atual cenário mundial, caracterizado por intensas transfor­
mações impulsionadas pelos avanços tecnológicos, as integrações
comerciais e financeiras e a acirrada concorrência mundial, o tema
logística vem se tornando uma das áreas centrais para as organizações.
Este reconhecimento decorre do potencial da logística para agregar
valores aos clientes e criar vantagens competitivas às empresas, na
medida em que os custos logísticos, principalmente os relativos aos
meios de transportes, representam uma parcela expressiva no custo
total das mercadorias.

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166 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Para a logística militar, esses aspectos não são diferentes.


A logística e a estratégia sempre foram atividades valorizadas no meio
militar, uma vez que o uso adequado de ambas tem sido fator decisivo
para a obtenção de vantajoso poder de combate. Além do mais, existe
uma interdependência entre estratégia, tática e logística militares,
imprescindível para o sucesso das operações em campo de batalha,
seja em exercício ou em situação real.
No caso específico do Comando Militar da Amazônia, em
decorrência do valor estratégico da Região Amazônica para o Brasil e o
mundo, a execução de uma logística eficaz e efetiva é fator determinante
para a presença e a atuação das Forças Armadas, vitais para resguardar
a soberania nacional (THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, 2014b,
p. 50).
A Amazônia Ocidental, região fronteiriça com cinco países
e formada pelos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima,
caracteriza-se pelos extensos vazios demográficos, pelo afastamento
dos grandes centros produtores nacionais, por possuir a maior bacia
fluvial e a maior floresta tropical do mundo, pelo clima equatorial,
quente e úmido, pela constância de chuvas abundantes ao longo do ano,
pelas grandes distâncias entre centros urbanos, pela inexistência do
modal ferroviário e escassa malha rodoviária, e pelo número reduzido
de fornecedores, dentre outros aspectos.

Figura 4 – Parte da 12ª Região Militar.


Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 167

Isso posto, percebe-se que as inúmeras peculiaridades da


Amazônia Ocidental se convertem em sérios óbices à logística,
motivando o desenvolvimento de diversos estudos, investimentos e
inovações sustentáveis para aprimorar a gestão do fluxo físico do
suprimento dos fornecedores aos clientes finais.
Nesse contexto, surge o importante papel da 12ª Região Militar,
“Região Mendonça Furtado”, Comando Territorial subordinado ao
Comando Militar da Amazônia e com sede em Manaus, responsável
pelo apoio logístico do Exército Brasileiro na Amazônia Ocidental.
Dentre outras atribuições, a 12ª RM planeja, coordena, executa,
integra e controla as funções logísticas de transporte, suprimento,
manutenção, salvamento, engenharia, saúde e recursos humanos,
beneficiando diretamente os quase 20 mil militares do Exército
Brasileiro existentes nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e
Roraima, os quais são alvos de substanciais benefícios indiretos.
Para exemplificar, em 2013, foram alistados exatos 70.412
jovens, dos quais 4.540 foram incorporados, sendo 107 indígenas.
Anualmente, a 12ª RM investe cerca de R$ 32 milhões exclusivamente
em alimentação, transporta em torno de 1.500.000 t de carga só no
modal fluvial, investe valores superiores a R$ 800 mil em empresas
aéreas regionais e quantias de dezenas de milhões em obras da
construção civil e serviços de saúde.
Destaca-se, ainda, no contexto da integração regional, sobretudo
em sua vertente social, a regularização das áreas das comunidades
ribeirinhas tradicionais existentes na Área de Instrução do Centro de
Instrução de Guerra na Selva (CIGS) com a Concessão do Direito Real
de Uso Resolúvel (CDRUR), atendendo 141 famílias, solucionando,
assim, uma demanda de 49 anos.
Verdadeiramente, a Logística Militar da Amazônia Ocidental
vivencia marcante fase de sua história. Alinhada com o Processo de
Transformação do Exército ora em curso, busca aperfeiçoar sua
capacidade de ajustar-se à multiplicidade de situações de emprego do
Exército Brasileiro com suas nuances e especificidades nesta região de
valor estratégico.
O objetivo dessa transformação logística é prever e prover de forma
eficaz, eficiente e efetiva o apoio em materiais e serviços necessários
para assegurar à Força Terrestre liberdade de ação, amplitude do
alcance operativo e capacidade de durar na ação. O seu delineamento
deseja vocacioná-la para o apoio às Operações no Amplo Espectro, em

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168 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

situações de guerra e não guerra, dispondo de estrutura compatível


capaz de evoluir, rapidamente e com o mínimo de adaptações, de uma
situação de paz para a de guerra ou conflito armado.
O mais recente exemplo prático e real que reafirma a
necessidade dessa logística na medida certa foi o auxílio nas diversas
tarefas de socorro prestado aos atingidos pelas enchentes nos Estados
de Rondônia e Acre, durante o mês de fevereiro de 2014. Além do
apoio no transporte de mantimentos e dos desabrigados, no qual
foram empregados 243 militares, 24 caminhões de 5 toneladas,
21 embarcações, uma ambulância, um helicóptero HM2 Black Hawk e
um avião C-130 Hércules, foi também prestado o apoio no tratamento
e purificação da água para o consumo, e na instalação de bases de
comunicações, nas quais foram empregadas rádios tipo Yaesu System
600 e equipes de operadores especializados.

Figura 5. Apoio Logístico Militar em Situações


Emergenciais.
Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015.

É evidente que para garantir o sucesso do apoio logístico


militar em situações emergenciais como essa, bem como em qualquer
outra missão constitucional, é imprescindível a concepção de uma
organização pautada pela flexibilidade, adaptabilidade, modularidade,
elasticidade, sustentabilidade e resiliência.

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 169

Nesse contexto, por meio da 12ª RM, o CMA vem adotando uma
série de ações voltadas para a mencionada transformação logística, das
quais se destaca o Campo de Prova da 12ª RM.
Resultante do I Simpósio de Logística Interagências da Amazônia
Ocidental, realizado em 2013, pelo Comando da 12ª RM, o Campo de
Prova da 12ª RM tem dois claros objetivos. O primeiro é o de inserir,
indubitavelmente, a logística militar na era do conhecimento, na qual
estamos expostos a velocidade das inovações tecnológicas, por meio de
estudos e pesquisas voltadas para ferramentas e produtos inovadores.
O segundo é o de avaliar produtos e serviços destacados e sabidamente
aprovados, antecipando-se a possíveis aquisições futuras a fim de
garantir a eficiência no emprego dos recursos, evitando interrupções
de projetos já em andamento causadas por falhas técnicas ou pela
inadequabilidade de emprego na Região Amazônica.
Diante das premissas fundamentais do CMA, o Comando da
12ª Região Militar elencou um stakeholder4 prioritário, para o qual todas
as ações deveriam estar direta ou indiretamente voltadas. O stakeholder
prioritário é o Pelotão Especial de Fronteira (PEF).
Relevante ressaltar que os 24 PEF situados na Amazônia Ocidental
enfrentam inúmeros óbices em seu cotidiano em decorrência de vários
fatores, sobretudo pelo isolamento e pela falta de infraestrutura de toda
ordem, pois estão localizados em áreas inóspitas da selva amazônica
brasileira, o que limita substancialmente a operacionalidade dessas
unidades. Dentre esses contratempos, quatro temas merecem destaques,
quais sejam: água, energia, comunicação e dignidade (THEOPHILO
GASPAR DE OLIVEIRA, 2013a).
A água potável é considerada por integrantes dos PEF como o
problema prioritário a ser resolvido, pois a inexistência de um sistema
que garanta o fornecimento de água potável de forma efetiva contribui
para a disseminação de doenças, ocasionando danos à saúde dos
militares e de seus dependentes. Atualmente, os recursos utilizados são
a captação de água dos rios, de poços artesianos e da chuva, sendo
feitos de maneira improvisada e sem o adequado tratamento.
Destarte, o Campo de Prova da 12ª RM realizou avaliações em
produtos voltados para o tratamento de água para o consumo humano,
tais como o equipamento portátil do Instituto Amazônia e a Estação de
4
Stakeholder é a terminologia utilizada para indicar um público de interesse, grupos ou
indivíduos que afetam e são significativamente afetados pelas atividades da organização:
clientes, colaboradores, acionistas, fornecedores, distribuidores, imprensa, governo,
comunidade, entre outros (HARRISON, 2005. p. 31.).

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170 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Tratamento de Água Super H2Life, esta já utilizada de modo satisfatório


em Xerém, distrito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, por
ocasião da enchente ocorrida em janeiro de 2013.
Outrossim, um dos mais visíveis contratempos evidenciados é a
extrema dificuldade em fornecer energia elétrica firme para a totalidade
dessas unidades militares. Embora, atualmente, existam três meios de
fornecimento desse importante bem de consumo (pela concessionária,
por grupos geradores a diesel e por microusinas hidroelétricas), tem
sido recorrente a solução de continuidade, o que tem afetado inclusive
a segurança daquelas instalações militares e causado desconforto aos
que ali residem.
Para essa problemática, o Campo de Prova da 12ª RM também
realiza estudos, dos quais distinguem-se as fontes alternativas, tal como
o sistema de energia solar fotovoltaica da empresa alemã AIC, formado
por quatro componentes básicos: painéis solares, controladores de
carga, inversores e baterias. Capaz de gerar energia elétrica através
da radiação solar, o sistema possui baterias com vida útil superior a
20 anos e surpreendente capacidade de armazenamento.
No tema comunicação, no qual estão incluídos telecomunicações
e transportes, foi comprovado a carência de infraestrutura básica de
telecomunicações que atenda as necessidades mínimas de coordenação
e controle dos escalões superiores e dos habitantes daquelas instalações
militares. De fato, estabelecer projetos na Floresta Amazônica tem sido
enorme desafio também para as concessionárias de telecomunicações.
Os obstáculos passam não apenas pelas dificuldades de acesso e falta
de investimentos, mas também por restrições ambientais de toda
ordem.
Ademais, a continuidade do fluxo logístico na Amazônia
Ocidental encontra sérios obstáculos, dos quais se destaca o limitado
sistema de transportes da região, considerado inadequado e obsoleto,
por não ter a capacidade de atender à demanda das organizações
militares situadas na faixa de fronteira de modo eficaz, o que vem
causando atrasos e encarecimento de produtos, destacadamente para
os de Classe I (alimentos)5.
Observa-se que o modal fluvial é o mais utilizado, tendo em vista
a grande quantidade de rios navegáveis. Contudo, com o tempo de
percurso considerado muito longo, além das restrições de calado de
5
Para facilitar a coordenação, o controle e a distribuição, o suprimento militar terrestre é
organizado em classes, sendo a primeira delas a Classe I – Artigos de subsistência (alimentação).

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 171

embarcações, dos regimes dos rios e das condições climáticas, apresenta


inúmeras restrições à logística militar.
O modal terrestre, por sua vez, é extremamente limitado em
razão da escassez de vias rodoviárias, inexistência de vias ferroviárias e
da fraca manutenção das existentes.
Já o modal aéreo tradicional, que apresenta expressiva vantagem
pelo reduzido tempo de deslocamento, caracteriza-se pelo limitado
número de localidades com infraestrutura instalada e, sobretudo, pelo
elevado custo. Tais aspectos geram forte dependência da 12ª RM no
atendimento do Plano de Apoio à Amazônia (PAA)6, realizado pela FAB.
Quanto aos estudos do Campo de Prova da 12ª RM relacionados
ao transporte, ganha proeminência a terceirização de serviços com a
contratação de aeronaves civis, tais como o avião de carga russo Antonov
An-225, com capacidade de carga reconhecida mundialmente, ou as
pesquisas com aeronaves híbridas, a exemplo do Airlander, lançado
neste ano pela Hybrid Air Vehicles (HAV) na Grã-Bretanha e com
impacto ambiental 70% menor do que o de um avião de carga.
Com relação ao quesito dignidade, este tem sido o objetivo maior
de todas as ações mencionadas. De fato, garantir a dignidade ao militar
e à sua família residentes no PEF é um dever de todos os Comandantes,
em todos os níveis, no âmbito do CMA.
Desse modo, percebe-se que o caminho adotado pela 12ª RM,
otimizando a gestão e a aplicação de recursos diretamente na logística
militar, contribui efetivamente para o desenvolvimento sustentável,
econômico e social da região, o que a faz ser o verdadeiro elo entre a
Estratégia Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Desenvolvimento.

Considerações finais
Este artigo procurou, no primeiro momento, mostrar a relevância
das ações de defesa e de proteção da Amazônia para o uso sustentável
de suas riquezas pelas gerações futuras.
Nessa mostra, destacou o poder de polícia concedido ao Exército
Brasileiro para atuar contra os crimes transfronteiriços e ambientais,
atuando por meio de ações preventivas e repressivas. Acentuou o

6
Por intermédio do Plano de Apoio à Amazônia, o CMA, a 12ª RM e o VII Comando Aéreo
Regional (VII Comar) desencadeiam, um planejamento para o transporte de suprimento, com
prioridade para gêneros frigorificados, com a finalidade de suprir as organizações militares
mais isoladas.

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172 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

conceito definido como ser capaz de estar presente, sempre que


necessário, pautado na Estratégia Nacional de Defesa.
Ainda no contexto das ações de defesa, distinguiu a relevância
da Estratégia da Presença, na qual a presença permanente das tropas
nos mais afastados recantos da região é um importante instrumento a
serviço da ocupação e do desenvolvimento regionais, caracterizando o
conceito entendido como estar presente.
Em seguida, enfatizou o protagonismo do Pelotão Especial
de Fronteira no contexto da Estratégia da Resistência, a qual possui
condições essenciais, tais como a nação identificada com a causa da
defesa e a de construir e manter, mesmo sob condições adversas e
extremas, o poder de apoio logístico às forças combatentes.
Em um segundo momento, de modo consequente, relatou os
principais desafios e os esforços empreendidos pela logística militar
terrestre no Comando Militar da Amazônia.
Nessa apresentação, apontou a relevância da logística no atual
cenário mundial, a qual vem se tornando uma das áreas centrais
para as organizações. Frisou que logística e estratégia sempre foram
atividades valorizadas pelo meio militar, uma vez que o uso adequado
de ambas tem sido fator decisivo para a obtenção de vantajoso poder
de combate.
Nesse encadeamento, destacou, no contexto da integração
regional, sobretudo em sua vertente social, a regularização das áreas
das comunidades ribeirinhas tradicionais existentes na Área de
Instrução do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) com a
Concessão do Direito Real de Uso Resolúvel (CDRUR), que beneficiou
centenas de famílias.
Apresentou, também, os esforços empreendidos a fim de
aperfeiçoar sua capacidade de ajustar-se à multiplicidade de situações
de emprego do Exército Brasileiro nesta região estratégica, o que vem
caracterizando uma verdadeira transformação logística alinhada com
o Processo de Transformação do Exército ora em curso.
Além disso, foram ressaltados os principais contratempos
vivenciados pelos PEF da Amazônia Ocidental, quais sejam: água,
energia e comunicação. Na sequência, foram mencionados os principais
estudos com seus respectivos produtos avaliados no Campo de Prova da
12ª RM. Tudo com a finalidade de garantir a dignidade aos militares e
familiares residentes nos PEF.

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Capítulo 6 • A logística e a defesa da Amazônia Ocidental 173

Figura 6. Militares e familiares residentes.


Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

Por fim, conclui-se que as Forças Armadas e em particular o


Exército Brasileiro, presente na região desde quando da formação
da nação, tem mantido o seu compromisso secular de protegê-la,
defendê-la e desenvolvê-la, ampliando sua atuação e sua presença
na área. Entretanto, as potencialidades da Amazônia permanecem
despertando cobiça em todos os cantos do planeta, de onde se depreende
que as “Ações de Defesa” da região devem ser uma prioridade e,
consequentemente, a logística militar da Amazônia Ocidental também
deve receber atenção especial, sobretudo, por sua capacidade de
contribuir efetivamente para o desenvolvimento sustentável, econômico
e social da região, o que a faz ser o verdadeiro elo entre a Estratégia
Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Desenvolvimento. Por
essas razões é que “servir na Amazônia é um privilégio. Lutar pelo seu
desenvolvimento sustentável, uma obrigação” (THEOPHILO GASPAR
DE OLIVEIRA, 2013b).

Referências
BRASIL. Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 set. 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 maio 2010.

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174 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

BRASIL. Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999. Diário Oficial


da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jun. 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 jul. 2014.

BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia nacional de defesa. Brasília, 2008.


Disponível em: <http://www.defesa.gov.br>. Acesso em: 23 jun. 2014. Aprovada
pelo Decreto Nº 6.703, de 18/dez/2008.

HARRISON, Jefrey S. Administração estratégica de recursos e


relacionamentos. Porto Alegre: Bookman, 2005. p. 31.

MARINHO, Bruno Costa. Mudanças trazidas ao poder de polícia das Forças


Armadas por intermédio da Lei Complementar 136, de 25 de agosto de 2010.
Revista Âmbito Jurídico. Revista Jurídica Eletrônica, v. 13, n. 81, out. 2010.

THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. A 12ª região militar


e a logística na Amazônia. Palestra do Comandante da 12ª Região Militar,
ministrada ao Comandante do Exército Brasileiro, Gen Enzo Peri, set. 2013.
Manaus, 2013a.

THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. A logística da


modernidade. Revista Floresta Brasil Amazônia, v. 3, n. 8, mar./maio 2014a.

THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. A logística na


Amazônia ocidental. Palestra minstrada aos alunos da ECEME, ago. 2013.
Manaus, 2013b.

THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. O complexo caminho


da logística na amazônia. Revista Floresta Brasil Amazônia, v. 3, n. 8, mar./
maio 2014b.

VERDE OLIVA. Nossa força na Amazônia. Verde Oliva, v. 30, n. 176, out./dez.
2002. Disponível em: <http://pt.calameo.com/read/00123820643e6e0b8ee6a>.
Acesso em: 05 jul. 2014.

VILLAS BOAS, Eduardo Dias da Costa. Amazônia: desafios e soluções. Manaus:


Comando Militar da Amazônia, 2013. Disponível em: <http://www.eme.eb.mil.
br/ceeex/public/arquivos/artigos/Amazonia%20Desafios%20e%20Solucoes.pdf>.
Acesso em: 28 jun. 2014.

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Capítulo 7

A Marinha na Amazônia
Ocidental e sua
contribuição para a
defesa e desenvolvimento
sustentável da região
Domingos Savio Almeida Nogueira

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176 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

“Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço


da humanidade e de si mesmo, é o Brasil”
(Diretriz no 10, sob o título “Priorizar a Região
Amazônica”, da Estratégia Nacional de Defesa)

Figura 1. Presença da Marinha do Brasil nos rincões mais afastados da Amazônia.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

Rica por natureza e pela sua imensidão, a Amazônia guarda


inúmeros contrastes em decorrência de suas necessidades básicas ainda
não atendidas, carentes de uma priorização para a região. É composta
por uma população valente que busca a sobrevivência pelo que a
terra lhe proporciona. Não só isso, adapta-se à realidade das grandes
distâncias e dos empecilhos gerados pela dificuldade de locomoção até
os municípios mais próximos. Aqui, as cores se misturam e tornam a
região no que há de mais rico e exuberante no mundo, a Amazônia,
definida pelo poeta da terra como “A Pátria das Águas”, onde “o rio
comanda a vida”. Para Euclides da Cunha, o rio se converteu em ‘‘mundo
maravilhoso’’, que estimulava a imaginação e a expressão artística:
‘‘A própria superfície lisa e barrenta era mui outra. Porque o que se
me abria às vistas desatadas naquele excesso de céus por cima de um

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 177

excesso de águas, lembrava [...] uma página inédita e contemporânea


do Gênesis».
É nesse cenário que a Marinha do Brasil oferece a seus militares
uma profícua convivência com natureza, gerando a eles aprimoramento
profissional, motivações e novos desafios na missão de cuidar de suas
hidrovias interiores, numa região com características muito peculiares,
onde: o transporte fluvial é dominante; as populações e cidades são
concentradas às margens dos rios; a inexistência de apoio logístico é
latente realidade; os regimes de vazão e cheia dos rios determinam
o ritmo da navegação; as dificuldades de comunicação por meios
radioelétricos convencionais obrigam o uso de satélites para tal; o clima
é inóspito; a instabilidade atmosférica para operações é frequente; os
rios são sinuosos e de geografia variável ao longo do ano; além da
existência de múltiplas fronteiras pouco habitadas. Essas características
específicas, somente ao ambiente amazônico, conferem à Força Naval
brasileira um papel da mais alta relevância, na monitorização e controle
da área fluvial, pelo emprego de seus meios navais, aeronavais e de
fuzileiros navais, capazes de operar, por longos períodos de tempo,
afastados de suas bases, assegurando assim eficaz controle dos rios e
de suas margens.

Figura 2. O Navio Patrulha Fluvial Amapá em atividade nos rios


da Amazônia.
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

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178 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 3. Hidrovia, o caminho da Amazônia.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Para se conhecer a Amazônia de


verdade é preciso entender sua posição
estratégica para o país. E os rios são
a chave para esse conhecimento.
Um dos principais desafios para o Brasil é conhecer a Amazônia.
Sua característica eminentemente hídrica provocou, ao longo dos
séculos, a necessidade do deslocamento de seus habitantes através
dos rios. Muito antes da chegada dos colonizadores na Amazônia, os
nativos já utilizavam canoas. Ainda hoje, grande parte da população
amazônica vive da pesca, além disso, o deslocamento do ribeirinho se
dá através da infinidade de rios que retalham a grandeza territorial.
Mas, para conhecer a Amazônia de verdade é preciso entender
sua posição estratégica para o país. E os rios são a chave para esse
conhecimento. São as estradas que a natureza construiu, em cujas
margens se desenvolveram inúmeras populações.
Nos dias de hoje, é quase impossível imaginar o imenso
sacrifício dos primeiros aventureiros que adentraram o Rio Amazonas,
sofrendo com doenças, ataques de índios e todo o tipo de dificuldades
que dizimavam suas tripulações. Mas esses aventureiros foram os

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 179

responsáveis pelas instalações dos muitos fortes ao longo dos diversos


rios, hoje transformados em comunidades.
Portanto, é impossível se pensar em Amazônia sem associar a
importância que os rios têm para o desenvolvimento sustentável da
região, econômico e social. Eles devem ser vistos como a grande
solução logística do transporte de cargas e passageiros desse imenso
teatro de operações, com total vocação fluvial, pois lá não há rodovias
nem ferrovias.
Hoje, a grande questão é: em que medida é possível conciliar-se
o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente?
A resposta está nas hidrovias.
Hidrovia é uma rota predeterminada para o tráfego aquaviário.
Há muito tempo o homem utiliza as rotas d’água como estradas, e a
Amazônia é o maior exemplo disso.
O transporte por hidrovias apresenta ampla capacidade de
movimentação de cargas a grandes distâncias, com baixo consumo
de combustível, além de propiciar uma oferta de produtos a preços
competitivos. A ampliação da utilização da hidrovia é uma tendência
mundial por uma questão ambiental. Mais cedo ou mais tarde, ela
se tornará obrigatória. Para tal, há, ainda, que se fazer um esforço
para melhorar essa malha. Com isso, teremos uma vantagem logística
excepcional.
A viabilização de uma navegação segura no Rio Madeira, por
exemplo, permite o escoamento da produção de grãos de Rondônia
e Mato Grosso para o Amazonas e, daí, para o Atlântico. Isso cria
um corredor de desenvolvimento integrado, com transporte de alta
capacidade e baixo custo para grandes distâncias, elimina grave
problema estrutural do setor primário com a redução significativa da
dependência do modal rodoviário até os portos do Sudeste e representa
mais uma opção de integração nacional, com a redução de trânsito
pesado nas rodovias da região Centro-Sul.
Contudo, segundo a ANTT (Agência Nacional de Transportes
Terrestres), o transporte rodoviário, diferentemente da maioria dos
países desenvolvidos, é preponderante do Brasil, representando 61%
do movimento de cargas. Vem a seguir o ferroviário, com 20,7%, e
o aquaviário, que representa em torno de 14% do total da carga
transportada. Em muito menor escala segue-se o dutoviário (4,2%) e
o aéreo, que corresponde a apenas 0,4% do movimento de cargas no
país. Esta distribuição relativa, embora se refira ao ano de 2004, é até

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180 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

hoje divulgada no Boletim Estatístico da CNT (Confederação Nacional


dos Transportes).
A Marinha do Brasil tem papel fundamental no desenvolvimento
do modal hidroviário, tanto com a produção de conhecimento,
através dos levantamentos hidrográficos, quanto com a formação do
profissional para atuar nessas hidrovias. Em 2013, por intermédio do
Comando do 9º Distrito Naval, a Marinha avançou com vários projetos
voltados para a importância do tema. Inaugurou o Centro Técnico de
Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO); promoveu
o seminário “O Futuro Amazônico: Hidrovias 2014 a 2031”, na cidade
de Manaus, com a participação de mais de 300 empresários do ramo
da navegação; e iniciou a construção do Serviço de Sinalização Náutica
do Noroeste (SSN-9), com previsão de inauguração ainda em 2014.

Figura 4. Centro de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental


(CTFFAO).
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Outra etapa importante do trabalho da Marinha, feita em parceria


com o Ministério dos Transportes, é a sinalização dessas hidrovias, de
modo que os condutores saibam por onde navegar. No entanto, para que
isso ocorra, é necessário ao navegante uma boa formação profissional.
Daí a necessidade da criação do CTFFAO. Nele são oferecidos diversos
cursos, das varias categorias subalternas das carreiras da Marinha
Mercante. Essa mão de obra formada pela Marinha também garante
que as normas de segurança sejam compreendidas e respeitadas.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 181

Figura 5. Ativação do SSN.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

A criação do SSN-9 vai garantir o aumento na capacidade de


atualização cartográfica na região. Para isso, a Marinha do Brasil, em
parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção
da Amazônia (Censipam), adquiriu dois novos navios para realização
de levantamentos hidrográficos, e um terceiro está sendo construído
especificamente para a tarefa de cobrir os vazios cartográficos da
Região Amazônica. Os navios são dotados de equipamentos e mão de
obra qualificada para a realização de sondagens dos rios com o objetivo
de produzir e manter constantemente atualizadas as cartas náuticas da
Região Amazônica, garantindo assim a segurança da navegação pelos
seus 22 mil km de vias navegáveis.

Vantagens das hidrovias para a Região Amazônica


A Amazônia é um rico conjunto de tesouros. Além de abrigar
a maior floresta do mundo, reúne a mais expressiva biodiversidade
do planeta e a maior concentração de água doce do mundo. Além de
grandiosos, os rios possuem excelentes condições de navegabilidade,
o que transforma a Amazônia em uma terra com vocação nata
para o transporte fluvial. É impossível se pensar em Amazônia sem
associar a importância que seus rios têm para o desenvolvimento
econômico e social. Eles devem ser vistos como o grande propulsor do
desenvolvimento sustentável da região.

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182 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Porém, a realidade é repleta de desafios. As mudanças climáticas


obrigam a população local a viver em função do regime das cheias e
vazantes, uma verdadeira dança das águas, que impacta diretamente
na realidade ribeirinha.
Na cheia, as embarcações alcançam as localidades mais
longínquas, quando chegam alimentos, medicamentos e serviços
básicos para a população mais distante. Além disso, há a ameaça das
inundações dos lares, para desespero das comunidades. Durante os
seis meses da vazante, o verão torrencial se soma à falta d›água e à
dificuldade de percorrer alguns caminhos, tornando tudo ainda mais
cheio de obstáculos.
Nesse contexto, o autor paraense Leandro Tocantins, um dos
mais importantes intérpretes da Amazônia, escreveu a obra “O Rio
Comanda a Vida”, que retrata, dentre outros aspectos, o protagonismo
do rio na realidade amazônica. São os rios que comandam as atitudes
do ribeirinho e é por meio das hidrovias que o caboclo se locomove,
trabalha e sustenta a família. Na Amazônia, é possível afirmar que
os rios são as estradas que a natureza construiu, em cujas margens se
desenvolveram inúmeras populações.
Além da importância para a população local, as hidrovias
amazônicas possuem um potencial logístico inestimável, com
possibilidade de transportar volumes expressivos de mercadoria para
grandes distâncias, a baixo custo.
Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq)1, divulgados em 2012, o transporte de cargas por hidrovias no
Brasil movimentou 80,9 milhões de toneladas, crescimento de 1,4%
ante o ano anterior, quando passaram pelas hidrovias 79,8 milhões
de toneladas. “É um volume expressivo, mas há potencial para uma
utilização bem mais intensa das hidrovias, desde que se façam os
investimentos necessários”, afirmou Adalberto Tokarski, diretor da
Antaq.
Dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)2
e do Boletim Estatístico da Confederação Nacional dos Transportes
(CNT)3 dão conta de que os modais de transporte no Brasil, em relação
ao volume de cargas transportado, apresentam a seguinte configuração:
1
Portal da Antaq. Disponível em <http://www.antaq.gov.br/Portal/default.asp?>. Acesso em:
17 jun. 2015.
2
Portal da ANTT. Disponível em <http://www.antt.gov.br/>. Acesso em 17 jun. 2015.
3
Portal da CNT. Disponível em <http://www.cnt.org.br/Paginas/index.aspx>. Acesso em 17 jun.
2015.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 183

Quadro 1. Volume de cargas transportado por modal.


Modal Volume de cargas transportado
Transporte Rodoviário 61,1%
Transporte Ferroviário 20,7%
Transporte Aquaviário 13,6%
Transporte Dutoviário 4,,2%
Transporte Aéreo 0,4%
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

Quando comparado aos demais modais de transporte, o sistema


hidroviário reúne uma série de benefícios. Inicialmente, há vantagens
financeiras pelo menor consumo de combustível quando comparado
aos automóveis e aeronaves. Para o meio ambiente, trata-se de uma
alternativa inteligente, pois o transporte fluvial emite menos poluentes,
o que impacta nas alterações climáticas e o no efeito estufa. Outro ponto
positivo é a capacidade de concentração de cargas muito superior a
outros meios de transporte.
Impossível deixar de considerar a falta de congestionamentos nos
rios, que permitem que a embarcação flua continuamente e planeje
suas rotas independente do trânsito. Há também menor número de
acidentes, além do menor custo por unidade transportada, visto que o
custo operacional e estrutural são reduzidos.
O gráfico a seguir ilustra a situação por modal de transporte:

Figura 6. Situação
por modal de
transporte.
Fonte: Agência
Nacional de
Transportes
Aquaviários, 2015.

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184 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Um exemplo da utilização das hidrovias na Região Amazônica é


a viabilização de uma navegação segura no Rio Madeira, permitindo
o escoamento da produção de grãos de Rondônia e Mato Grosso
para o Amazonas e, daí, para o Atlântico. Isso cria um corredor de
desenvolvimento integrado, com transporte de alta capacidade e baixo
custo para grandes distâncias, e elimina grave problema estrutural do
setor primário com a redução significativa da dependência do modal
rodoviário até os portos do Sudeste e representa mais uma opção de
integração nacional, com a redução de trânsito pesado nas rodovias
da região Centro-Sul. Esse comentário pode ser observado no texto
publicado no jornal A Crítica, edição de 12 de novembro de 2013,
reproduzido a seguir:

Figura 7. Entrevista Hélio Diniz.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Não há dúvidas, portanto, que as hidrovias são a alternativa mais


viável para o escoamento da produção. Entretanto, para que o sistema
hidroviário se desenvolva, são necessários investimentos públicos como
obras portuárias e adequações nas hidrovias. Os grandes freios que
impedem este desenvolvimento são as questões burocráticas, a falta de
planejamento e a demora nos licenciamentos ambientais.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 185

A perspectiva para o futuro é que as autoridades enxerguem


esse potencial e invistam no transporte fluvial. Com o incremento
do setor a ideia é fomentar o Polo Naval, estimular a produção dos
estaleiros, investir na construção de embarcações e principalmente na
formação de mão de obra especializada para o setor. Fica fácil então
concluir que a Amazônia tem vocação fluvial. A região ganharia na
geração de emprego e renda, além de se mostrar uma alternativa para
o desenvolvimento econômico do Amazonas, por exemplo, que há
tempos busca outra fonte de desenvolvimento extra indústria.
O investimento no setor proporcionaria ainda o incremento nas
possibilidades do setor do turismo, visto que a infraestrutura portuária
estimularia os passeios turísticos pela encantadora Região Amazônica,
a bordo de embarcações regionais ou até mesmo internacionais. E onde
há turismo, há geração de renda. Um verdadeiro ciclo vantajoso para
a Região Amazônica. Uma estratégia vencedora, na qual a política do
ganha-ganha impera. Ganha o ribeirinho em transitar por hidrovias
sinalizadas e mais seguras para a navegação, além de oportunizar
empregos e renda; ganha o empresário que enviará sua produção a
custo menor; ganham as capitais que ficarão menos abarrotadas de
contêineres, que, além de perigosos no trânsito, geram engarrafamentos
quilométricos, afetando a qualidade de vida do cidadão; ganha a
Amazônia por poder ser mais desbravada pelos turistas; e ganha,
finalmente, o planeta, pela geração de menores impactos ambientais.

Figura 8. Porto privado em Manaus.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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186 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A quantidade de contêineres que circulam nos portos de Manaus


chega hoje a 500.000 TEUS/ano (equivalente a 500.000 contêineres de
20 pés/ano).

A atuação da Marinha
do Brasil em águas amazônicas
Na Amazônia Ocidental, a Marinha do Brasil (MB) iniciou
suas atividades em 1728, quando foi criada a Divisão Naval do Norte,
sediada em Belém do Grão-Pará, de onde passou a ser exercido o
controle do acesso de navios ao Rio Amazonas, necessário, em face da
abertura desse rio à navegação internacional. Desde então, surgiram os
primeiros indícios de uma futura e perene amizade entre os três países
lindeiros ao mesmo rio.
A partir de 2005, com a transformação do antigo Comando Naval
da Amazônia Ocidental (CNAO), sediado em Manaus, em Comando do
9º Distrito Naval (Com9ºDN), incrementou-se ainda mais o controle de
áreas ribeirinhas brasileiras nessa vasta região, acentuando o papel da
Marinha como essencial, devido ao império exercido pelas águas. Para
a MB, a partir dessa data, outras conquistas foram somando-se, como a
aquisição de novos meios operativos e a criação de novas Organizações
Militares (OM), distribuídas por quatro estados: Amazonas, Roraima,
Rondônia e Acre; fato que potencializou a atuação da Força Naval
quanto à Segurança do Tráfego Aquaviário, em uma região onde a
malha hidroviária navegável alcança cerca de 22 mil Km de extensão e
por onde trafegam mais de 35 mil embarcações.

Figura 9. Comando do
9º Distrito Naval.
Fonte: Acervo da Marinha
do Brasil, 2015.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 187

Tão grande quanto as dimensões amazônicas é o desafio da


Marinha do Brasil (MB) nesta região. O Comando do 9º Distrito Naval
(Com9ºDN), criado em 2005, tem a missão de fiscalizar e garantir a
segurança da navegação nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e
Roraima.
A Amazônia é um verdadeiro teatro de operações navais, visto que
expressiva parcela de nosso território é constituído por águas. E onde
há um rio navegável há uma embarcação, portanto, há necessidade da
Marinha atuar para garantir a segurança da navegação, a salvaguarda
da vida humana e a proteção à poluição hídrica.
Dentre as bandeiras que a Marinha levanta na Região Amazônica,
destacam-se o desenvolvimento do modal hidroviário, a necessidade
de sinalização náutica e a capacitação e formação de aquaviários para
atuação no setor fluvial.
Dentre as ações desenvolvidas pelo Com9ºDN em sua área
de jurisdição, são realizadas ainda: a Busca e Salvamento, sob
responsabilidade do Salvamar Noroeste (acessado em todo o Estado
do Amazonas pelo telefone 185, para chamadas de socorro nos rios);
a Garantia da Lei e da Ordem, em que a Força Naval poderá atuar de
forma isolada ou em cooperação com as demais Forças e realizar as
seguintes ações: controle de áreas marítimas litorâneas; manutenção da
integridade de instalações marítimas, costeiras e fluviais, bem como de
pontos sensíveis de interesse; controle de áreas ribeirinhas; transporte
e desembarque administrativo de contingente e suprimentos militares;
controle de áreas de dimensões limitadas em terra; segurança de
autoridades em eventos específicos; e, em situações excepcionais,
operações especiais de retomada e resgate; e o Apoio Cívico-Social
e Assistência Hospitalar prestado às comunidades ribeirinhas em
decorrência de desastres ambientais e calamidades públicas.
Ao Com9ºDN estão diretamente subordinadas nove organizações
militares, que atuam no Comando, no Controle, na Segurança do
Tráfego Aquaviário e no Apoio Logístico: Comando da Flotilha do
Amazonas (ComFlotAM); Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental
(CFAOC); Estação Naval do Rio Negro (ENRN); Batalhão de Operações
Ribeirinhas (BtlOpRib); Centro de Intendência da Marinha em Manaus
(CeIMMa); Capitania Fluvial de Tabatinga (CFT); 3º Esquadrão de
Helicópteros de Emprego Geral (EsqdHU-3); Policlínica Naval de
Manaus (PNMa); e o Serviço de Sinalização Náutica do Noroeste
(SSN9), previsto para ser inaugurado em outubro de 2014.

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188 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 10. Fuzileiros Navais possuem importante papel nas patrulhas


e inspeções navais.
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

Figura 11. Navios do ComFlotAM perfilados durante Desfile Naval


na praia de Ponta Negra em Manaus.
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 189

Subordinados ao ComFlotAM estão os Navios-Patrulha Fluvial


(NPaFlu) Pedro Teixeira, Raposo Tavares, Roraima, Rondônia, e
Amapá; os Navios de Assistência Hospitalar (NAsH) Oswaldo Cruz,
Carlos Chagas, Dr. Montenegro e Soares de Meirelles; os Avisos
Hidroceanográficos Fluviais Rio Negro e Rio Solimões, os quais
serão transferidos ao SSN-9, após inauguração de sua sede; e duas
Lanchas Patrulha de Rio (LPR) entregues no dia 11 de março de
2014, após contrato firmado, em 26 de dezembro de 2012, entre a
empresa Corporación de Ciencia y Tecnologia para El Desarrollo de
La Industria Naval Marítima e Fluvial (COTECMAR) – Colômbia,
e a Marinha do Brasil, pelo qual foram projetadas e construídas
em Cartagena (Colômbia), com base em embarcações semelhantes
empregadas naquele país, em situações de conflito real.
Durante a Patrulha Naval (PatNav), realizada por Navio do
ComFlotAM com a participação de Fuzileiros Navais do BtlOpRib,
são fiscalizadas e implementadas a legislação nas Águas Jurisdicionais
Brasileiras (AJB), na Plataforma Continental e no alto mar, respeitados
os tratados, convenções e atos internacionais ratificados pelo Brasil.
A PatNav contribui para a consecução dos seguintes propósitos:
salvaguarda da vida humana; segurança da navegação aquaviária;
assistência cívico-social; assistência hospitalar; fiscalização do direito
de passagem inocente de embarcações estrangeiras, inclusive de navios
de guerra e de Estado; fiscalização das atividades de pesquisa científica,
de levantamento hidrográfico, de aquisição de dados relacionados
à atividade de exploração e explotação de recursos naturais, do
patrimônio genético nas AJB; e apoio aos órgãos federais ou estaduais,
que atuarão dentro de suas competências.
À CFAOC estão subordinadas: a Delegacia Fluvial de Porto
Velho, futura Capitania Fluvial Madeira Mamoré; as Agências Fluviais
de Boca do Acre, Eirunepé, Guajará-Mirim, Humaitá, Itacoatiara,
Parintins, Tefé, Cruzeiro do Sul, inaugurada em 2013, e em breve,
Caracaraí, primeira representação da MB no Estado de Roraima; além
do Destacamento de Inspeção Naval de São Gabriel da Cachoeira.
A Capitania dos Portos em Manaus (CFAOC), responsável pelo
Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário, na área de sua jurisdição
(toda a Amazônia Ocidental, exceto a área sob jurisdição de Tabatinga)
presta atendimentos, também, por telefone, no “Disque Segurança à
Navegação”, através do número 0800 280 7200, pelo qual podem ser
informadas denúncias e riscos à Segurança da Navegação, além de
solicitações de informações diversas.

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190 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 12. Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental,


Manaus e suas agências fluviais.
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

O Com9ºDN, utilizando-se dos seus meios navais, aeronavais e de


Fuzileiros Navais, tem como principais tarefas a execução de Operações
Ribeirinhas, atividades de Patrulha e Inspeção Navais, Assistências
Hospitalar e Cívico Sociais (ACISO) às comunidades ribeirinhas, em
uma malha hidroviária de 22 mil Km de extensão, onde trafegam
cerca de 35 mil embarcações.

Figura 13. Inspeção Naval.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 191

A Inspeção Naval tem cunho administrativo, que consiste na


fiscalização do cumprimento da Lei nº 9537, de 11/12/97 (LESTA),
das normas e regulamentos dela decorrentes, e dos atos e resoluções
internacionais ratificados pelo Brasil, no que se refere exclusivamente
à salvaguarda da vida humana e à segurança da navegação, no mar
aberto e em hidrovias interiores; e prevenção da poluição hídrica por
parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio.

Figura 14. Tarifas básicas das OM do SSTA.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Com a inauguração do SSN-9, o Com9ºDN contribuirá para a


orientação e a coordenação do planejamento, controle e execução das
atividades da sinalização náutica sob responsabilidade de entidade
extra-MB, propondo modificações nos sinais náuticos sempre que
forem necessárias, em função de alterações de batimetria ou das
características do tráfego fluvial ou quaisquer outras que visem ao seu
aperfeiçoamento.
A carta náutica é o documento orientador para as embarcações
que navegam pelos rios da Amazônia. Os navios hidroceanográficos
fluviais têm a missão de executar os levantamentos hidroceanográficos
(LH) em águas interiores na Bacia Amazônica, com a finalidade da
atualização contínua da cartografia náutica das principais hidrovias
na região, sendo de fundamental importância o conhecimento preciso
e atualizado do canal de navegação dos rios amazônicos. Para isso,
a Marinha do Brasil adquiriu dois novos navios para realização de

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192 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

levantamentos hidrográficos e um terceiro está sendo construído


especificamente para a tarefa de cobrir os vazios cartográficos da
Região Amazônica. Os navios são dotados de equipamentos e mão de
obra qualificada para a realização de sondagens dos rios com o objetivo
de produzir e manter constantemente atualizadas as cartas náuticas da
Região Amazônica, garantindo assim a segurança da navegação pelos
seus 22 mil km de hidrovias.
Vale ressaltar a relação de amizade entre os países vizinhos
reforçada pelas operações, quer sejam realizadas somente pela MB,
como a BRAColper ou Braper, entre a Colômbia e o Peru; ou conjuntas
com a participação do Exército Brasileiro (EB), Força Aérea Brasileira
(FAB) e órgãos estaduais e federais que compõem a Força Nacional.

Figura 15. Apoio logístico de helicópteros para assistência médica.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Deve-se falar nos resultados esperados com a criação do Centro


Técnico de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO),
em 2013. A meta inicial era entregar às empresas de navegação local,
anualmente, cerca de 600 aquaviários preparados para atuar dentro
das realidades e características regionais. O ano ainda não acabou
e os dados do centro superam mais de 1.000 aquaviários formados

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 193

em Manaus e nas comunidades próximas à capital amazonense, em


diversas categorias e especialidades.
O centro oferece cursos de marinheiro auxiliar fluvial;
marinheiro fluvial de convés; contra-mestre fluvial; mestre fluvial;
piloto fluvial; e capitão fluvial, todos na carreira de convés. Já na
carreira de máquinas, o estudante pode se formar como marinheiro
fluvial de máquinas; condutor maquinista e supervisor de máquinas
fluvial. Os cursos são gratuitos e a instituição vem firmando parcerias
para alavancar a formação dos estudantes.

Figura 16. Ensino Profissional Marítimo (CTFFAO).


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Marinha e a saúde na Amazônia


A alimentação do ribeirinho, apesar de farta, especialmente
em relação a peixes e farinha, é restrita em termos de variedade.
Suas plantações, quando possíveis, sofrem influência direta da época
do ano, chuvosa ou não, e a ausência de energia elétrica na maioria
das comunidades impede a estocagem de alimentos. Suas pequenas
embarcações são o único meio de transporte, o que os distancia, por
vezes, dias de viagem até a sede municipal mais próxima. Esses fatores,
somados à falta de noções de higiene pessoal e de prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis; e a precariedade da estrutura sanitária,
de tratamento de água e de controle do lixo tornam essa população
necessitada de especial atenção básica à saúde.

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194 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A presença dos navios da Marinha do Brasil nos mais de 20 mil


quilômetros de águas navegáveis na Amazônia, vivenciando diariamente
as necessidades dos ribeirinhos, fez com que houvesse a tentativa
de apoiar de alguma forma a população em suas maiores carências.
Essa história teve início há mais de 40 anos, época em que as corvetas
realizavam Inspeção Naval, quando a Marinha não media esforços para
prestar assistência à saúde das famílias ribeirinhas, principalmente
daqueles que necessitavam de atendimento de urgência. No início da
década de 1970, com a chegada dos Navios-Patrulha Fluviais, essa
assistência passou a ser programada, com a entrega de alimentos às
comunidades, além da assistência médica de urgência que por ora fosse
necessária.
Ao final da década de 1970, surgiu a ideia de prover uma assistência
à saúde dos ribeirinhos mais completa, planejada e que abrangesse os
princípios básicos de saúde, prevenção e higiene sanitária, bem como
ter condições de atender casos de urgência e emergência. Assim, no
início da década seguinte, foi autorizada a construção no Arsenal de
Marinha do Rio de Janeiro de dois navios de assistência hospitalar
(NAsH), cuja realização recebera apoio do Ministério da Saúde.
Dotados de consultório médico, consultórios odontológicos, laboratório
de análises bioquímicas, farmácia, sala de vacina e curativos, sala de
Raio-X e sala cirúrgica, além de duas lanchas e um convés para pouso
de helicópteros (convoo), os NAsH Carlos Chagas e Oswaldo Cruz
completam no presente ano três décadas de atividade nos Rios da
Amazônia.
Recentemente, para ampliar a capacidade de atendimento,
incorporaram ao Comando do 9º Distrito Naval os NAsH Dr.
Montenegro, cuja estrutura detém, além do citado na Classe Oswaldo
Cruz, exceto o convoo, um mamógrafo; e Soares de Meirelles, dotado
de farmácia, consultório médico e consultório odontológico, cujo
planejamento prevê o aumento da capacidade de atendimento e a
instalação de um convoo.
Dessa forma, hoje, a Marinha do Brasil, por meio de seus quatro
navios de assistência hospitalar, realiza operações de assistência
hospitalar (ASSHOP), que são planejadas para atender no decorrer do
ano os 12 polos fluviais dos rios da Amazônia Ocidental. As ASSHOP
promovem, além do atendimento médico-odontológico, a distribuição
gratuita de kits de higiene bucal, medicamentos e preservativos,
realização de palestras com diversos temas em saúde e higiene pessoal
e orientações quanto à segurança da navegação.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 195

Figura 17. NAsH Oswaldo Cruz navegando em rio da Amazônia.


Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Figura 18. NASH Soares de Meirelles abarrancado no alto Rio Madeira,


promovendo atendimento médico e odontológico aos ribeirinhos, durante o
período de cheia, fevereiro de 2014.
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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196 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 19. NAsH Oswaldo Cruz abarrancado em comunidade para a


realização de atendimentos médicos e hospitalares.
Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Com o passar do tempo, a assistência e a atenção que a Marinha


promove aos ribeirinhos fez com que os NAsH passassem a ser
chamados de “Navios da Esperança”, levando não apenas assistência
à saúde das pessoas e sim assistência à vida dessas famílias, mesmo na
mais longínqua comunidade.

Conclusão
Por fim, vale ressaltar que urge a destinação de recursos, visando
atender necessidades imediatas de melhoramentos da infraestrutura
dos rios amazônicos, a fim de garantir eficaz aplicação do Poder Naval
na Amazônia Ocidental; garantir a segurança da navegação; fomentar o
comércio via modal hidroviário, mais barato e menos poluente; fomentar
a indústria naval, para a geração de portos organizados e seguros; além
de fomentar a ciência, a tecnologia e a inovação, tanto das atividades
navais, quanto na sustentabilidade necessária à Bacia Amazônica (meio
ambiente, aquicultura, pesca, e outros). Com isso, poderemos afiançar
que a Amazônia será desenvolvida sustentavelmente, em prol do bem-
estar de sua população, sem impactos à sua pujante natureza.

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Capítulo 7 • A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e... 197

A Marinha do Brasil vê-se completamente inserida no contexto e tem


expertise suficiente para contribuir com esse intento, cumprindo seu
papel de “irrigadora de recursos na economia do país”.

Referências
BRASIL. Lei nº 9.537, de 11 de Dezembro de 1997. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 1997. Seção 1, p. 29510.

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Capítulo 8

A atuação da Força Aérea


na Amazônia Ocidental
José Mendonça de Toledo Lobato

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200 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Na rica região da Amazônia, mais precisamente em sua área


ocidental, atua o Sétimo Comando Aéreo Regional (VII Comar).
Representando a Força Aérea Brasileira (FAB) nesta porção do país,
esta organização militar (OM) cumpre a missão da Aeronáutica nos
Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima.
O nobre trabalho tem relevância nacional, bem como peculia­
ridades que, talvez, muitos brasileiros desconheçam. Na parte do
território em que atua, o VII Comar possui 21 Unidades Aéreas e de
Aeronáutica, subordinadas e jurisdicionadas a ele, que trabalham na
proteção das fronteiras e na defesa aérea da região.

Figura 1. Vista Aérea do Sétimo Comando Aéreo


Regional (VII Comar).
Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015

Criado em março de 1983 e sediado em Manaus, capital do


Estado do Amazonas, o VII Comar precisa se adaptar às particulares
características do extremo norte do Brasil para cumprir a sua missão.
O desafio é grande! Para começar, há quem diga que esta é a “região
dos superlativos”. Isso porque as realidades locais apresentam números
altos e de forte intensidade: as distâncias são enormes, as mudanças
climáticas são bruscas e a sazonalidade dos rios é intensa. A Amazônia
Ocidental ainda tem outro ponto que chama a atenção, que é o fato de
ser uma área muito rica e com baixa densidade demográfica.
Dentro desse contexto, o VII Comar realiza atividades huma­
nitárias, logísticas, bem como de defesa em toda a região. As iniciativas
de cunho social são representadas pelas Ações Cívico-Sociais (Aciso) e

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Capítulo 8 • A atuação da Força Aérea na Amazônia Ocidental 201

pelas Evacuações Aeromédicas (Evam). No primeiro caso, equipes de


médicos e de dentistas levam saúde e esperança para o interior, através
de atendimentos médicos e odontológicos oferecidos a indígenas,
a caboclos e a ribeirinhos. Somente em 2013, foram realizadas seis
Aciso, com aproximadamente 3.500 atendimentos. Já as chamadas
Evam são missões em que cidadãos de diferentes localidades, com os
mais variados problemas de saúde, são transportados para os grandes
centros, onde possam receber tratamento mais específico. Nesses tipos
de missão a integração entre as diferentes organizações militares da
FAB, sediadas na Amazônia Ocidental, é fundamental. Isso porque,
para que as missões aconteçam, o VII Comar, representado pelo
Sétimo Serviço Regional de Saúde (Sersa-7) e pelas seções de logística,
as unidades aéreas e o Hospital de Aeronáutica de Manaus (HAMN)
trabalham juntos para que os objetivos sejam cumpridos e a população
seja assistida.

Figura 2. Momento de Ações Cívico-Sociais.


Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015

O VII Comar planeja as operações, os esquadrões aéreos


transportam pessoas e materiais e os militares da área da saúde do
HAMN fazem atendimentos. O trabalho sinérgico garante resultados
expressivos para a saúde nessa porção norte do país.
Para garantir agilidade, velocidade e sucesso no cumprimento
de sua missão, o VII Comar conta com três bases aéreas, localizadas

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202 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

em Boa Vista (RR), Manaus (AM) e Porto Velho (RO). Essas unidades
militares são importantes pontos logísticos para a Aeronáutica e
sediam esquadrões aéreos que possuem aeronaves que decolam todos
os dias com o intuito de garantir a soberania brasileira. Ao todo são
sete esquadrões aéreoas, que operam com oito aeronaves diferentes.
Na extensa relação estão as aeronaves F-5EM Tiger, C-97 Brasília, C-95
Bandeirante, C-98 Caravan, C-105 Amazonas, H-60L Black Hawk,
A-29 Super Tucano e AH-2 Sabre, que realizam variadas operações
que contribuem para o apoio e a defesa da região.
A Base Aérea de Manaus (BAMN), tida por muitos militares
da FAB como a mais operacional da Aeronáutica, possui mais de
40 anos de história e evolui conforme sua crescente responsabilidade e
importância no cenário nacional, visto que, cada vez mais, a Amazônia
ganha destaque nos contextos nacionais e internacionais. Sua principal
função é apoiar as unidades sediadas. Esta organização é sede de quatro
unidades aéreas, uma de infantaria, uma de artilharia antiaérea e uma
de suprimento da Força Aérea Brasileira, tornando-se a principal base
logística da FAB na Amazônia e uma das mais importantes do Brasil.
Uma das unidades aéreas instalada na BAMN é o Primeiro
Esquadrão do Quarto Grupo de Aviação (1°/4° GAv), o Esquadrão
Pacau. Criado em julho de 1947, inicialmente com sede na Base Aérea
de Fortaleza (CE), foi, em 2002, transferido para a Base Aérea de Natal
(RN). Sua instalação na Base Aérea de Manaus ocorreu apenas em
2010, com o objetivo de atender à Estratégia Nacional de Defesa.
Esquadrão de caça, o Pacau cumpre a missão de resguardar
o espaço aéreo na Amazônia Ocidental. Nesse sentido, operando a
aeronave F-5EM, está em alerta 24 horas por dia, durante os 365 dias
do ano, para resguardar a fronteira norte do Brasil. A dedicação e o
profissionalismo de seus militares renderam ao Esquadrão o título de
“A Sorbonne da Caça”.
A Força Aérea possui mais dois esquadrões aéreos de caça na
região. Um sediado na Base Aérea de Boa Vista (BABV), o Primeiro
esquadrão do terceiro Grupo de Aviação (1°/3° GAv), e outro operando
na Base Aérea de Porto Velho (BAPV), o Segundo Esquadrão do
Terceiro Grupo de Aviação (2°/3° GAv). Ambos atuam com a aeronave
A-29 Super Tucano.
A Base Aérea de Manaus também sedia dois esquadrões voltados
para a aviação de transporte. O Sétimo Esquadrão de Transporte
Aéreo (7° ETA), Esquadrão Cobra, foi criado em julho de 1983.

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Capítulo 8 • A atuação da Força Aérea na Amazônia Ocidental 203

Figura 3. Unidade do esquadrão aéreo.


Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

Desenvolvendo suas atividades de transporte através de suas três


aeronaves – C-97 Brasília, C-95 Bandeirante e C-98 Caravan -, leva
suporte e esperança para as regiões distantes da Amazônia. O 7° ETA
trabalha, por exemplo, com o VII Comar na concretização das Evam
e das Aciso, realiza diversas missões de apoio aos pelotões de fronteira
do Exército Brasileiro (EB) e a outras organizações públicas. Com mais
de 80.000 horas de voo, o Esquadrão Cobra impacta positivamente
toda a região, o que lhe rendeu o título de “Anjos da Amazônia”.
O Cobra tem em sua história missões bem características da
região, como o transporte, em 2013, de uma jovem índia que teve
fraturas na perna e no braço, após ter caído de uma árvore onde
brincava. A menina foi resgatada próximo à fronteira do Brasil com a
Colômbia e levada para Manaus para receber tratamento especializado.
No mesmo ano, o 7° ETA colocou dentro do C-95 Bandeirante uma
onça parda que precisou ser transportada de Tefé para Manaus.
Sansão, como é chamada a onça, chegou bem à capital do Amazonas e
recebeu cuidados do Ibama.
O Primeiro Esquadrão do Nono Grupo de Aviação (1°/9° GAv),
Esquadrão Arara, apoia a Amazônia Ocidental há mais de 40 anos.
Primeiro esquadrão a ser instalado na Base Aérea de Manaus, o
Arara cumpre suas missões com a utilização da moderna aeronave

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204 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 4. Transporte Aéreo Médico de Residentes.


Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

espanhola C-105 Amazonas. O 1°/9° GAv realiza importantes missões


aerologísticas, transportando, por exemplo, combustíveis, insumos para
a outras Forças Armadas e uma série de outras cargas, como provas do
Enem, urnas eleitorais, alimentos e remédios. Esse esquadrão também
realiza Evam, sendo responsável por várias vidas salvas na região.

Figura 5. Base do Esquadrão Arara.


Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

A missão da Aeronáutica, na última fronteira brasileira, também


é cumprida com o apoio das aeronaves de asas rotativas, os helicópteros.
Na BAMN, opera o Sétimo Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação

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Capítulo 8 • A atuação da Força Aérea na Amazônia Ocidental 205

(7°/8° GAv), Esquadrão Harpia, unidade operacional da nossa Força


Aérea que utiliza os famosos helicópteros Black Hawk (ou H-60L) para
atuar de maneira única e quase que exclusiva na Região Norte deste
Brasil continental. Somente uma máquina com a capacidade de pousar
e decolar dentro de uma comunidade ribeirinha e até mesmo de aldeias
indígenas é capaz de abranger toda a Amazônia prestando serviço de
Alerta SAR (busca e salvamento), transporte de tropas (infiltração e
exfiltração) e de agentes das mais diversas esferas do setor público e,
ainda, missões de Evacuação Aeromédica e transporte presidencial na
área do VII Comar.

Figura 6. Unidade do Esquadrão Harpia.


Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

Na Base Aérea de Porto Velho, a Aeronáutica também conta com


um esquadrão de helicópteros, o Segundo Esquadrão do Oitavo Grupo
de Aviação (2°/8° GAv), Esquadrão Poti. A unidade atua em missões de
interceptação, ataque, escolta e patrulha aérea de combate.
A Base Aérea de Manaus conta, ainda, com duas organizações
voltadas para a área de infantaria, o Batalhão de Infantaria de
Aeronáutica Especial de Manaus (Binfae-MN), Batalhão Uiruuetê, e
o Segundo Grupo de Defesa Antiaérea (2° GDAAE), Grupo Ajuricaba.
Oriundo da junção das unidades de infantaria do VII Comar e da
BAMN, o batalhão é responsável pela segurança orgânica das unidades

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206 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

sediadas em Manaus e das demais atividades que envolvem emprego


de tropas terrestres na área do Comar. Já o 2° GDAAE realiza a defesa
antiaérea e tem por finalidade capacitar suas equipes de manutenção
para o emprego de combate ou em apoio ao combate, em período de
conflito, e de adestrar para o cumprimento das missões atribuídas, em
tempo de paz.
Para controlar os voos das aeronaves no espaço aéreo brasileiro,
na área da Amazônia, trabalha o Quarto Centro Integrado de Defesa
Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta IV), organização do
Comando da Aeronáutica (Comaer). A unidade tem por finalidade a
defesa do espaço aéreo e o controle do tráfego de aeronaves em uma área
de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, que abrange os Estados do
Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e parte
do Mato Grosso e do Tocantins. Esta organização militar gerencia 20%
dos voos realizados no Brasil, em mais de 60 % do território nacional.
A Força Aérea Brasileira (FAB), representada pelo Sétimo
Comando Aéreo Regional na Amazônia Ocidental, utiliza diferentes
meios e trabalha 24 horas por dia, durante os 365 dias do ano, para
garantir a soberania do espaço aéreo brasileiro e a defesa da pátria.

Figura 7. Imagem da Força Aérea Brasileira integrada ao país.


Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

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Capítulo 9

Sistema de Proteção
da Amazônia: modelo de
governança singular do
território amazônico brasileiro
Rogério Guedes Soares

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208 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
A Amazônia é o maior bioma do Brasil: num território de
4,196.943 milhões de km2 (IBGE, 2004), crescem 2.500 espécies de
árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil
espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul).
A Bacia Amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo:
cobre cerca de 6 milhões de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal
rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no Oceano Atlântico,
lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo.
As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira
tropical do mundo. Seus recursos naturais, que, além da madeira,
incluem enormes estoques de borracha, castanha, peixe e minérios, por
exemplo, representam abundante fonte de riqueza natural. A região
abriga também grande riqueza cultural, incluindo o conhecimento
tradicional sobre os usos e a forma de explorar esses recursos naturais
sem esgotá-los nem destruir o habitat natural.
Toda essa grandeza não esconde a fragilidade do ecossistema
local, porém, a floresta vive a partir de seu próprio material orgânico,
e seu delicado equilíbrio é extremamente sensível a quaisquer
interferências. Os danos causados pela ação antrópica são muitas vezes
irreversíveis.
A Amazônia brasileira, denominada Amazônia Legal, abrange
os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, perfazendo uma superfície
de mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a
60% do território brasileiro.
São 763 municípios, com população que, em 2007, já somava quase
25 milhões de pessoas, sendo que mais de 70% vivem nas áreas urbanas
(IBGE, 2007). O contingente populacional indígena tem crescido nos
últimos anos, sendo estimado em 400 mil, distribuído principalmente
nas terras indígenas (1,02 milhões de km) (IBGE, 2007).
A diversidade étnica é outra característica da região. Estimam-se
em 200 os grupos étnicos, que falam cerca de 170 línguas e dialetos
diferentes. Quase 200 milhões de hectares na Amazônia Legal (40% do
território) constituem-se de área protegidas ou de destinação específica
(unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas e áreas
militares). O PIB regional de 2006 foi da ordem de R$ 175 bilhões
(8% do total nacional) resultando num PIB per capita de R$ 6,5 mil,

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Capítulo 9 • Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território... 209

40% inferior à média nacional. A população urbana está ocupada


principalmente em atividades de serviços e comércio, tendo a indústria
relevância apenas em Manaus (AM) e Belém (PA).
A atividade agrícola ocupa cerca de 13 milhões de hectares na
região (2,5 do território total), tendo produzido em 2007, 29,2 milhões
de toneladas de grãos, 22% da produção nacional. A pecuária bovina
compreendia, em 2005, rebanho de 75 milhões de cabeças (40% do
efetivo nacional), distribuído em cerca de 70 milhões de pastagens
naturais e plantadas (13,5 % do território). Desde 1990, a Amazônia
Legal é responsável por mais de 80% do crescimento do rebanho
bovino nacional.
As atividades produtivas ocupam, assim, menos de 20%
do território da Amazônia Legal. As áreas de expansão são bem
conhecidas e podem ser monitoradas. As áreas mais sensíveis hoje
correspondem à parte sul do Estado do Amazonas e à área conhecida
como Arco do Desmatamento, que vai do sul do Pará, Mato Grosso,
Rondônia e que expressa a pressão antrópica do sul para o norte do
país. Os cenários futuros indicam uma provável estabilização das áreas
desflorestadas. Ante a complexidade deste vasto território, o governo
brasileiro vislumbrou a perspectiva de atuar de forma integrada entre
os vários órgãos governamentais e com forte aporte tecnológico para
dar sustentação a essa atuação.

Histórico
Na década de 90, o governo brasileiro, em reconhecimento a
uma série de problemas diagnosticados na região, como a deficiente
infraestrutura de apoio às decisões governamentais, a atuação
ineficaz das instituições públicas, a falta de atuação multidisciplinar
integrada, a reconhecida dificuldade de proteger o ecossistema, a
quase inexistência de sistema de controle, fiscalização, monitoramento
e vigilância, aliadas à complexidade das questões socioeconômicas,
ecológicas e culturais, e, mais ainda, a existência de pressões externas
para a internacionalização da Amazônia, concebe dois movimentos:
a criação de um sistema nacional de coordenação que propicie a
atuação integrada e coordenada de seus órgãos na Amazônia, e outro,
a viabilização de meios tecnológicos para a vigilância e monitoramento
sistemático que produza informações para o planejamento e a execução
das ações finalísticas, em resposta aos problemas de gestão e controle
da região. Constituem-se, então, o Sistema de Proteção da Amazônia

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210 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

(Sipam), coordenado pelo Conselho Deliberativo do Sistema de Proteção


da Amazônia (Consipam), composto pelos secretários executivos da
Casa Civil da Presidência da República (que o preside), do Ministério
da Integração Nacional, do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Justiça,
do secretário de Organização do Ministério da Defesa, do secretário-
geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores
e do subchefe militar do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República (Decreto de 18 de outubro de 1999).
Inicia-se, paralelamente a concepção do Sipam, a configuração e
a execução do projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).
O Ministério da Aeronáutica assumiu o desenvolvimento do programa
de implantação da proposta. Além de estudos sobre as potencialidades e
limitações da região, foram levantadas e sistematizadas as informações
sobre atividades ilícitas e lesivas aos interesses nacionais, como a
exploração predatória, o narcotráfico, a agressão ao ecossistema e a
produção de reservas indígenas. De setembro de 1990 a dezembro de
1992, o governo trabalhou na concepção do Sivam. Concluída essa fase,
iniciaram-se os ajustes e preparação dos procedimentos para a seleção
das empresas que ficariam responsáveis pela implantação do projeto,
tendo o governo iniciado em agosto de 1993 o processo de consultas
públicas para esse fim.
Além dos custos, foram avaliadas as condições técnicas, como
transferência de tecnologia, e de financiamento na seleção das
empresas, conforme o Decreto nº 892, de 12 de agosto de 1993. Com
a seleção da proposta, o Congresso Nacional aprovou, em dezembro
de 1994, financiamento externo no valor de 1, 395 bilhão de dólares,
viabilizando a continuidade do programa. Em 27 de maio de 1995, a
Presidência da República autorizou assinatura do contrato comercial
com a empresa Raytheon para o fornecimento de bens e serviços, ficando
o governo federal responsável pelas tarefas de integração e realização
das obras civis. A configuração do Sivam, que despontava naquele
momento, compreendia basicamente um conjunto de infraestruturas
e equipamentos, e uma complexa plataforma tecnológica com seu
sistema operacional, destinados tanto ao processamento dos dados
coletados pelos sensores quanto à gestão do sistema.
Essa complexa rede tecnológica conta uma rede cativa de
teleco­
municações e de sensores terrestres e aerotransportados,
compostos por radares de controle do espaço aéreo, meteorológicos,
monitoramento do espectro eletromagnético, destinada à aquisição

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Capítulo 9 • Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território... 211

e processamento de dados e à visualização e difusão de imagens,


mapas, previsões e outras informações. Esses meios abrangem o
sensoriamento remoto, o monitoramento ambiental e meteorológico,
a exploração de comunicações, a vigilância por radares, recursos
computacionais. As aplicações desses meios técnicos e a associação
dos dados obtidos, a partir dos diversos sensores, proporcionam
informações detalhadas e adequadas às necessidades operacionais
de cada órgão parceiro do sistema e de seus usuários. Caracteriza-se
assim como um sistema estruturado para a gestão de riscos climáticos,
ambientais e para a integridade territorial, na perspectiva de auxiliar
na ação governamental na Amazônia.
Porém, a efetiva implantação e funcionamento do Sipam,
como mencionado anteriormente, foi dada com a publicação do
Decreto nº 4.200, de 17 de abril (BRASIL, 2002), que instituiu o
Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia
(Censipam), e ocorreu a inauguração do Centro Regional de Manaus
em julho do mesmo ano. No mesmo decreto fica então definido
que o Censipam passa a ser a Secretaria Executiva do Consipam, e
que lhe cabe ainda propor, acompanhar, implementar e executar as
políticas, diretrizes e ações voltadas ao Sipam, aprovadas e definidas
pelo Conselho Deliberativo do Sistema de Proteção da Amazônia
(Consipam). A liderança do sistema encontra-se hoje na Casa Civil da
Presidência da República, e mais recentemente, com a transferência do
Censipam para o Ministério da Defesa em janeiro de 2011, o sistema
passa a receber diretrizes dadas pelo Ministério da Defesa. A partir
do Planejamento Estratégico, o Censipam define a sua missão como:
“Promover a proteção da Amazônia Legal por meio da sinergia das
ações de governo, da articulação, do planejamento, da integração de
informações e da geração de conhecimento”.
Para potencializar e descentralizar suas ações, o Censipam possui
o Centro de Coordenação Geral (CCG), localizado em Brasília, e três
Centros Regionais (CRs) em Manaus, Belém e Porto Velho (Figura 1).
Os CRs integram informações, realizando estudos de inteligência,
agregando dados gerados pelo próprio sistema, em conjunção com outros
órgãos parceiros, tais como: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Agência Nacional de Águas
(ANA), Departamento de Polícia Federal (DPF), Fundação Nacional do
Índio (Funai), Receita Federal, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Defesa
Civil, e órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. Dessa forma,

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212 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

cabe enfatizar que a atuação governamental conjunta é necessária para


o desenvolvimento da região.

Figura 1. Localização do Centro de Coordenação Geral e dos três


Centros Regionais do Sipam.
Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

Atividades permanentes
O trabalho do Sipam tem funcionado de forma sistemática,
e o valor que agrega decorre da sua capacidade em implantar e
harmonizar diversos subsistemas de gestão tendo como finalidade a
manutenção e atualização da infraestrutura tecnológica, a produção
de conhecimento e, para a realização destas, a coordenação/integração
dos mecanismos organizacionais e institucionais envolvidos, na busca
de prover informação e conhecimento da Região Amazônica. Foram
estruturados quatro programas permanentes:

Programa de Monitoramento de Áreas Especiais (ProAE)


O Programa de Monitoramento de Áreas Especiais (ProAE)
realiza, por meio da análise de imagens de satélite, o monitoramento de
áreas desmatadas, campos de pouso e vias de acesso, tais como estradas,
vicinais e trilhas. Esse monitoramento é realizado prioritariamente

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Capítulo 9 • Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território... 213

em terras indígenas, unidades de conservação estaduais e federais


(figura 2) e demais áreas que venham a ser definidas como especiais
pelo Censipam e/ou órgãos parceiros. O resultado subsidia as ações
preventivas do governo contra o desmatamento e demais ilícitos que
ocorrem na Região Amazônica. As informações são repassadas aos
órgãos parceiros para tomada de decisão. Os órgãos que recebem
tais informações são: Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), Funai, Secretaria de Desenvolvimento
Sustentável (SDS), Ibama, DPF, Agência Brasileira de Inteligência
(Abin) e demais órgãos ambientais e de combate a ilícitos.

Figura 2. Terras Indígenas e Unidades de Conservação Estaduais


e Federais, áreas prioritárias de monitoramento do ProAE.
Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

SIPAMCidade
O Programa SIPAMCidade tem como objetivo capacitar, gratui­
tamente, os municípios da Amazônia Legal no uso de geotecnologias
para apoiar as ações de planejamento e ordenamento territorial.
Durante a capacitação, os técnicos recebem um CD-Rom, contendo
uma base de dados digital, recortada por município, composta por
dados raster (imagens de satélite) e dados vetoriais (mapas temáticos,
tais como vegetação, hidrografia, solo, dentre outros), disponíveis

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214 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

no Sipam. O software utilizado é o Quantum GIS, por meio do qual


são repassadas as principais ferramentas inerentes ao manuseio dos
dados vetoriais e dados raster. As informações obtidas a partir do
uso da geotecnologia, possibilitam melhorias sociais, econômicas e
ambientais ao município. Tais informações podem ser integradas com
outras disponíveis na administração municipal para a elaboração de
novos mapas temáticos que poderão subsidiar o planejamento regional
e auxiliar na execução de políticas de desenvolvimento urbano, como
por exemplo, seleção de áreas para a implantação de aterro sanitário,
elaboração de mapas e cadastros fundiários, mapas de uso do solo,
dentre outros.
Considerando a dificuldade encontrada para a implementação
do programa de modo presencial, em toda a Amazônia, e levando em
consideração a relevância do SIPAMCidade para o desenvolvimento
ordenado do território, o Censipam está reestruturando o programa
por meio do ensino a distância. Essa atualização possibilitará maior
abrangência, contemplando os demais órgãos parceiros que compõem
o Sipam.

Meteorologia para Defesa Civil


Por meio da observação de imagens do satélite e radares
meteorológicos, é feito o monitoramento meteorológico para geração
de alertas de eventos extremos e previsões meteorológicas para 24, 48
e 72 horas, que são encaminhadas para a Defesa Civil e demais órgãos
parceiros.
Mensalmente são elaborados Boletins Climáticos da Amazônia,
em parceria com instituições que trabalham com informações
meteorológicas, com o objetivo de gerar prognósticos de temperatura
e precipitação para três meses consecutivos.
Também são gerados boletins especiais para órgãos parceiros
do Sipam, quando da realização de operações que necessitam desta
informação, subsidiando o deslocamento das equipes em campo e das
aeronaves.
Além dos boletins, são divulgadas diariamente previsões
meteorológicas para os meios de comunicação (televisão, rádio, mídia
impressa e digital).
As informações inerentes aos satélites e radares meteorológicos
são divulgadas em tempo real, por meio do Sistema SOS Amazônia,

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Capítulo 9 • Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território... 215

desenvolvido em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas


Espaciais (Inpe), disponível no endereço: http://sosamazonia.sipam.
gov.br (figura 3).

Figura 3. Sistema SOS Amazônia.


Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

Telecomunicação satelital
Atualmente o Sipam conta com uma rede de comunicações
composta por cerca de 700 terminais de usuários remotos, com
tecnologia VSAT (Very Small Aperture Terminal), possibilitando acesso
à internet e telefonia; são instalados em pontos isolados e estratégicos
da região, e em alguns casos significam o único meio de comunicação
da população. Os terminais são cedidos, mantidos e instalados pelo
Censipam na Amazônia para os diversos órgãos parceiros, como
prefeituras, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Defesa Civil, ICMBio,
DPF, Exército, Aeronáutica, Marinha, Funai e governos dos Estados
(figura 4). Como exemplo do uso desses terminais, podemos citar:
(i) Instalação de VSAT em todas as Comarcas do Amazonas para
atender ao Programa Projudi, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça

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216 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

do Amazonas, com o objetivo de oferecer celeridade aos processos


judiciais, em benefício da sociedade e, (ii) Parceria com o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com o objetivo de
realizar o cadastramento de famílias que vivem em situação de pobreza
ou de extrema pobreza nos programas sociais do governo federal na
Amazônia.

Figura 4. Localização dos terminais de comunicação instalados na


Amazônia Legal.
Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

Atividades especiais
Estas atividades correspondem às demandas específicas que
são encaminhadas pelos órgãos parceiros a partir da integração das
políticas públicas prioritárias para região.

Arco Verde
O Sipam realizou o trabalho de monitoramento dos 43 muni­
cípios embargados, prioritários para as ações de prevenção e combate
ao desmatamento, conforme a Portaria 102, de 24 de março de 2009
(BRASIL, 2009), do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Foram
coletadas imagens R99/SAR, pelo sensor de Radar de Abertura

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Capítulo 9 • Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território... 217

Sintética (SAR), acoplado nas aeronaves de Sensoriamento Remoto


R-99B, do Sipam, correspondente a 816 mil quilômetros quadrados
dos referidos municípios. Elas foram processadas e analisadas pelo
Centro Regional de Manaus, gerando informações sobre a dinâmica
do desmatamento, que são fundamentais para ações de fiscalização,
controle e prevenção, além de subsidiar os municípios no planejamento
da gestão territorial.

Terra Legal
Programa Terra Legal, criado pelo governo federal pela
Lei nº 11.952 (BRASIL, 2009), para titular a propriedade de terras
públicas de até 15 módulos fiscais, localizadas na Amazônia. As áreas
regularizadas são monitoradas por meio de imagens de satélite.
O resultado desse monitoramento é a ação imediata e pontual
sobre as propriedades que não estiverem cumprindo as cláusulas
contratuais de preservação do meio ambiente e sustentabilidade.
Nesta parceria, o trabalho do Sipam é gerar informações sobre o
monitoramento, e repassá-las à Coordenação Nacional do Terra Legal.
Anualmente é gerado um levantamento que permite o mapea­
mento atualizado das terras públicas federais, sua destinação e a
evolução das ocupações, garantindo assim o cumprimento da cláusula
ambiental dessas áreas. Além disso, o Sipam vem utilizando seus
meios de inteligência tecnológica, como a mineração de dados, para
identificar possíveis fraudes.

Arco de Fogo
O Censipam apoia as operações de combate e controle do
desmatamento e outros ilícitos, por meio do trabalho de inteligência
tecnológica, com ações integradas com a Polícia Federal, o Ibama,
a Força Nacional de segurança e a Polícia Rodoviária Federal, além
de participar da Comissão Interministerial de Combate aos Crimes
e Infrações Ambientais (CICCIA). Para essas ações, fornece material
cartográfico de apoio (cartas imagens, imagens de satélite, mapas
temáticos, croquis de operação) e relatórios para o direcionamento de
ações, ambientação das equipes de campo e otimização de recursos.
Também gera relatórios de inteligência resultantes de um trabalho
de auditoria nos Documentos de Origem Florestal (DOFs) e Guias

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218 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Florestais (GFs) com o propósito de levantar os principais envolvidos


no processo de esquentamento de madeira de desmatamentos ilegais.

Cartografia da Amazônia
O Projeto da Cartografia da Amazônia tem com o principal
objetivo mapear, em escala mais detalhada (1:100.000), os vazios
cartográficos na região, que equivalem a cerca de 1,8 milhão de
quilômetros quadrados da Amazônia que não possui informações
cartográficas na referida escala.
O Censipam é o gestor do projeto, e os executores são Exército
Brasileiro, Marinha do Brasil, Força Aérea Brasileira e Serviço
Geológico do Brasil (CPRM), que realizam as cartografias náuticas,
terrestre e geológica.
Até a conclusão do projeto, vários produtos cartográficos
intermediários serão divulgados para subsidiar pesquisadores ou mesmo
auxiliar na gestão pública. Durante a execução, o governo federal
investe R$ 350 milhões. O projeto permitirá melhor conhecimento
da Amazônia brasileira, geração de informações estratégicas para
o monitoramento de segurança e defesa nacional, em especial nas
fronteiras e maior segurança a navegação. A cartografia auxiliará
ainda no planejamento e execução dos projetos de infraestrutura, como
rodovias, ferrovias, gasodutos e hidrelétricas, além da demarcação de
áreas de assentamento, áreas de mineração, agronegócios, elaboração
de zoneamento ecológico, econômico e de ordenamento territorial,
segurança territorial, escoamento da produção e desenvolvimento
regional.

Considerações finais
O tema Amazônia é tratado com alta importância, não somente
pela sociedade brasileira, mas também pela comunidade internacional.
O investimento feito pelo governo brasileiro na implantação do Sipam
vem demonstrando resultados satisfatórios, por exemplo, o uso de
geotecnologias é fundamental para se conhecer e fortalecer a gestão
do território amazônico, que abriga 30% da diversidade biológica
do planeta, tem a maior bacia de água doce da terra, um terço das
florestas tropicais úmidas do planeta e gigantescas reservas minerais.
Para proteger toda essa riqueza e desenvolver econômica e socialmente
a Amazônia, que abrange 60% do território brasileiro, é necessário um

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Capítulo 9 • Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território... 219

trabalho sistemático de monitoramento, com a produção de informação


e conhecimento.
Nesse sentido, o Sipam tem trabalhado em parceria com os
diversos órgãos governamentais, na busca de proteger e contribuir
para o desenvolvimento sustentável de um dos maiores patrimônios
da nação brasileira. Nos 12 anos de atuação do Sipam na Amazônia, o
órgão tem se consolidado como uma instituição parceira importante,
tem participado de diversos grupos de trabalho, desenvolvendo projetos
próprios e executando trabalhos específicos para os órgãos parceiros.
Portanto, é no trabalho integrado que o Sipam tem contribuído
para preservar, proteger e fomentar um desenvolvimento sustentável.

Referências
BRASIL. Decreto 4.200 de 17 de abril de 2002. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 abr. 2002. Disponível em: <http://www.
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BRASIL. Decreto de 18 de outubro de 1999. Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 out. 1999. Disponível em: <http://www.
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Acesso em: 10 out. 2011.

BRASIL. Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jun. 2009. Disponível em: <http://www.
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BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria MMA nº 102, de 24 de


março. Legislação Federal. Disponível em: <http://www.legisweb.com.br/
legislacao/?id=214577>. Acesso em: 10 out. 2011.

IBGE. Mapa de biomas do Brasil. Rio de Janeiro, 2004 Escala 1:5.000.000.


Disponível em: <http://mapas.ibge.gov.br/biomas2/viewer.htm>. Acesso em:
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da população brasileira. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://www.
ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/
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Capítulo 10

Zona Franca de Manaus (ZFM):


circunstâncias históricas,
cenário contemporâneo e
agenda de aperfeiçoamento
José Alberto Machado da Costa
Rosa Oliveira de Pontes

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222 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Antecedentes propiciadores
As características do desenvolvimento implantado no Brasil
a partir da década de 30 do século XX decorreram de ideologias
que dominavam alguns países, especialmente na América Latina,
e que tinham como premissas o crescimento econômico, com
perfil nacionalista, pautado na promoção e proteção da indústria,
utilizando-se de mecanismos de substituição de importação, visando
modificar o perfil de países eminentemente agroexportadores. Tais
perspectivas foram estimuladas pelo crescente mercado interno
nacional e o anseio da sociedade brasileira pela industrialização,
circunstâncias que criaram as condições para o fomento da estrutura
industrial (BRUM, 2005), com o Estado assumindo o papel de indutor
e atuando como principal agente das políticas implementadas.
O desenvolvimentismo, como ficou denominada essa fase,
esteve presente no Brasil com fortes traços até os anos 80 do século
XX, com predominância para o período de Getúlio Vargas, Juscelino
Kubitscheck e primeiros anos dos governos militares, foi determinante
para a concepção do modelo de desenvolvimento proposto para a
Região Amazônica – especialmente para a criação da Zona Franca
de Manaus (ZFM). Ele acabou assimilando as matrizes teóricas do
desenvolvimentismo, que dava ênfase às ideias keynesianas com seu
modelo de estado regulador da economia, à teoria estruturalista ou
cepalina do subdesenvolvimento1, à teoria de polos de desenvolvimento
baseada nos estudos de François Perroux, aperfeiçoada por Albert
Hischman e mais tarde ampliada por Michel Porter, por meio de sua
teoria dos aglomerados. Em síntese, essa teoria considera os polos
como sendo “complexos industriais com identificação geográfica,
sendo liderados por indústrias motrizes com atividades ligadas nas
relações insumo-produto”. Quando esses polos passam a provocar
transformações estruturais e expansão do produto e do emprego no
meio que estão inseridos, tornam-se polos de desenvolvimento (SOUSA,
2005, p. 180).
O desenvolvimentismo adotava ainda como instrumento os
processos de substituição de importação e de redução ou eliminação
de encargos fiscais, que foram defendidos por Maria da Conceição
Tavares, dentre outros pensadores, para quem o modelo de substituição
1
A partir de estudos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) que questionava
a especialização das economias latino-americanas voltadas à exportação, condenando-as ao
subdesenvolvimento, tendo como sua principal referência os estudos de Raúl Prebisch e Celso
Furtado.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 223

de importações representa um movimento interno e externo no país,


em que uma restrição interna induz o setor industrial a produzir
internamente determinado grupo de bens, deslocando a demanda de
importações para outros produtos (TAVARES, 2000, p. 228).
O desenvolvimento da Amazônia já tinha sido objeto de interesse
ainda no período colonial com as iniciativas do Marquês de Pombal,
entre 1750-1777, considerada a primeira tentativa organizada de
valorização regional da Amazônia (LOPES, 1978, p. 37). Elas visavam
consolidar a soberania militar e diplomática de Portugal sobre a
área e se fundavam, entre outras providências, na busca de solução
para os conflitos entre colonos e jesuítas e destes com os habitantes
nativos; na organização da produção; no inventário das possibilidades
produtivas; na organização da estrutura de importação e exportação.
Tais medidas chegaram a ensejar uma base agrícola, inaugurando o
que é considerado o início de um ciclo de desenvolvimento da região,
encerrado, entretanto, com a saída de Pombal do poder em Portugal.
Entre 1880 e 1912, o êxito da exploração da borracha propiciou
um ciclo de riqueza e a Amazônia tornou-se, de súbito, uma das regiões
mais rentáveis do mundo, mas a renda da borracha esteve sempre
canalizada para setores econômicos muito específicos e restritos
(LOUREIRO, 2009, p. 40). A chegada no mercado da produção da
Malásia, obtida de cultivos racionais e sistemáticos (MAHAR, 1978, p.
40) e, por isso, com menores preços, encerrou esse período, apesar
de intenções pouco efetivas de revigorá-lo, com o Plano de Defesa da
Borracha. Entre 1942-1947, em razão do bloqueio às fontes asiáticas
durante a Segunda Guerra Mundial, e tendo por suporte os chamados
Acordos de Washington, novo surto produtivo baseado na borracha
veio à tona, mas logo encerrado com o fim do conflito.
Na fase do desenvolvimentismo getulista (1930-1945 e 1951-
1954), há eventos de preocupação política do governo com a região,
porém com pouca efetividade. Com a reconstitucionalização do país,
houve a inclusão do artigo 199 na Constituição Federal de 1946 sobre
o programa de desenvolvimento para a Amazônia, com recursos
originários de impostos federais durante 20 anos, além de parcelas
iguais dos estados e municípios da região. Em 1953, sete anos após
a diretriz constitucional, criou-se a Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que não teve atuação
expressiva, mas estabeleceu um “marco teórico-metodológico” para
outras experiências de planejamento regional, conforme enfatiza
Oliveira Jr. (OLIVEIRA JR., 2009, p. 73).

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O desenvolvimentismo do período de Juscelino (1956-1960)


pouco considerou a Amazônia como área representativa nas grandes
obras e metas nacionais, e o órgão gestor regional, recém-criado,
perdeu importância (OLIVEIRA JR., 2009, p. 70). A única grande obra
desenvolvida foi a rodovia Belém-Brasília, feita à revelia da SPVEA, e
não teve a intenção de promover o desenvolvimento regional e sim de
ligar Brasília, ao norte, fazendo um elo entre as regiões Centro-Sul e
Norte do país. A ZFM, cuja primeira experiência de institucionalização
foi efetuada no governo JK, não frutificou, conforme será demonstrado
posteriormente.
A utilização de estratégias desenvolvimentistas somente chegou à
Amazônia a partir da segunda metade da década de 60, do século XX,
quando as políticas adotadas no plano nacional foram reproduzidas na
região com a mesma ênfase e com destaque à preocupação estratégico-
militar de ocupação do espaço como elemento de segurança nacional,
dentro do slogan de “Integrar para não entregar”, e considerava a pouca
politização da população, a possível influência ideológica “indesejada”
de países limítrofes, o potencial econômico dos recursos naturais e a
cobiça internacional (RAMOS, 1971, p. 25).
O governo federal, com a chamada Operação Amazônia2,
realizou estudos e fixou a nova política, que visava: estabelecer polos
de desenvolvimento e grupos de populações estáveis e autossuficientes
(especialmente nas áreas de fronteira); estimular a imigração; ensejar
incentivos ao capital privado; desenvolver a infraestrutura; pesquisar o
potencial de recursos naturais. A reboque desses propósitos efetivaram-se
modernizações institucionais, entre as quais destacam-se: o Banco de
Crédito da Borracha foi transformado em Banco da Amazônia S/A (Basa);
a SPVEA foi alterada para Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia (Sudam); e em 1967, é criada efetivamente a ZFM (BECKER,
2005, p. 25) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa),
com foco especial para a Amazônia Ocidental.

Mudanças no tempo
Ótica federal
O projeto do deputado federal Francisco Pereira da Silva (AM),
emendado pelo deputado Maurício Joppert, relator da matéria, constituiu
o marco legislativo, em 1957, para a implantação de um “porto livre”
2
Trata-se de operação criada pela Lei n.° 5.173, de 27 de outubro de 1966.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 225

na cidade de Manaus, Estado do Amazonas, como empreendimento


coordenado pela SPVEA. A Lei n.° 3.173, em 06 de junho de 1957, foi
sancionada pelo presidente Juscelino Kubitscheck, mas permaneceu
sem regulamentação e sem aplicação até 1960 (BRASIL, 1960).
Foi prevista a desoneração de tributos federais, estaduais e
municipais ou direitos alfandegários para as mercadorias originárias
do exterior e desembarcadas nesse local, com possibilidade de
beneficiamento e posterior internação para o mercado nacional
mediante tributação regular. Sua instalação foi feita de forma provisória
e não surtiu os efeitos esperados, porque os incentivos não se revelaram
suficientes para atrair investidores e por causa da falta de infraestrutura
que dependia de vultosos investimentos do governo federal, os quais
não foram contemplados no planejamento governamental (GARCIA,
2008). Outras tentativas de estímulo econômico regional foram
propostas em 19623, mas somente no início dos governos militares
(1964), mais especialmente em 1966, várias ações foram desencadeadas
para a Amazônia, o que redundaria na reformulação da ZFM e de
outros organismos existentes.
Assim, dez anos depois da criação da ZFM como porto livre, a sua
base legal foi reformulada em 28 de fevereiro de 1967, pelo presidente
Humberto de Alencar Castello Branco, através do Decreto-Lei n.° 288,
que estabelecia em seu art. 1º:
A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de
importação e exportação e de incentivos fiscais especiais,
estabelecida com a finalidade de criar no interior da
Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário
dotado de condições econômicas que permitam o seu
desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande
distância a que se encontram os centros consumidores de seus
produtos (BRASIL, 1967a).

A abrangência espacial da ZFM ficou definida para área contínua


de dez mil quilômetros quadrados, incluindo a cidade de Manaus
e seus arredores, dotada, originalmente, dos seguintes incentivos
fiscais: (i) isenção de imposto de importação e imposto sobre produtos
industrializados para a entrada de mercadorias estrangeiras destinadas

3
Lei n.° 4.069-B, de 12 de junho de 1962, assegurava a isenção de imposto de renda para
empresas localizadas na Amazônia que atuassem no beneficiamento ou manufatura de matéria-
prima regional (borracha, juta e similares ou sementes oleaginosas). Tal regra se tornaria a
base dos incentivos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), quatro
anos depois (BRASIL, 1962).

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ao consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive


beneficiamento de qualquer natureza e estocagem para reexportação;
(ii) ingresso de mercadorias nacionais para consumo, industrialização
ou reexportação, equiparado, para fins fiscais, à exportação para o
estrangeiro, contando, portanto, com os incentivos aplicáveis a qualquer
exportação, além de ser isento do imposto de exportação, para permitir
competitividade da produção local com a estrangeira; (iii) incidência
do imposto de importação nas mercadorias industrializadas na ZFM,
se destinadas a outros pontos do território nacional, apenas sobre
insumos importados, com redução do percentual do valor adicionado
no processo de industrialização local em relação ao custo total da
mercadoria; (iv) isenção de imposto sobre produtos industrializados
para as mercadorias produzidas na ZFM, independentemente da
destinação (consumo, venda para o mercado nacional ou exportação).
Destaque-se que algumas mercadorias, por sua natureza econômica,
foram excluídas dos benefícios: armas e munições, perfumes, fumo,
bebidas alcoólicas e automóveis de passageiros.
Em suma, os bens produzidos na ZFM seriam sujeitos somente
ao pagamento de ICM (hoje ICMS), se não tivessem componentes
importados e, quando os tivessem, sofreriam a tributação também
do imposto de importação, porém com redução. A legislação definiu
que a administração da ZFM seria exercida pela Superintendência
da Zona Franca de Manaus (Suframa), cuja criação se deu por ato
próprio,4 vinculada à época ao Ministério do Interior5 e desvinculada
do organismo federal de desenvolvimento sediado no Pará, a Sudam.
Na época, houve ampliação da abrangência geográfica dos
benefícios estabelecidos por outro decreto-lei (BRASIL, 1967b),
incentivos baseados na não incidência do Imposto de Renda (IR) para
os empreendimentos localizados na Amazônia Ocidental e faixa de
fronteira abrangida pela Amazônia. O mesmo ato definia a Amazônia
Ocidental como a região integrada pelos Estados do Amazonas, Acre,
Roraima e Rondônia, os últimos ainda na condição de Territórios
Federais. Um ano depois, nova legislação (BRASIL, 1968) ampliou os
incentivos do Decreto-Lei n.° 288/67 para a Amazônia Ocidental, em
relação aos bens recebidos, oriundos, beneficiados ou fabricados na ZFM,
para consumo interno, enumerando os bens de produção e consumo e

4
Decreto n.° 61.244, de 28 de agosto de 1967 (BRASIL, 1967b), regulamentando o Decreto-Lei
n.° 288/67.
5
Na atualidade a Suframa é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC).

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 227

gêneros de primeira necessidade como objeto das isenções. Além disso,


foram definidos os mecanismos necessários para a implantação do
Distrito Industrial da ZFM6, em 30 de setembro de 19687.
A legislação federal alcançou tributos de competência estadual e
municipal, condicionando sua própria vigência às concessões dos demais
entes. Assim, fixou para o Estado do Amazonas o estabelecimento de
crédito do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM, hoje ICMS)
para as mercadorias remetidas para área incentivada, em igual
montante ao que seria devido se aquelas remessas não tivessem sido
consideradas pelo decreto-lei como exportações (crédito presumido).
De igual modo, dispôs sobre a isenção do Imposto Sobre Serviços (ISS)
a ser concedido pelos municípios na área da ZFM. Essas condicionantes
foram cumpridas pelos governos estadual e municipal.
O Decreto-Lei n.° 288/67 estabeleceu prazo de vigência dos incen­
tivos fiscais por 30 anos, com término em 1997, mas em 1986 ocorreu
a primeira prorrogação8, por 10 anos, dilatando-o até 2007. Em 1988,
com a inclusão do art. 40 no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da atual Constituição da República, a ZFM foi novamente
prorrogada por mais 25 anos a contar da data da promulgação, logo,
até 2013. Ao final de 2003, pela Emenda Constitucional n.° 42, ocorreu
nova prorrogação com a inclusão do art. 92 no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que acresceu aquele prazo em mais dez
anos, ou seja, até 2023. Agora, por meio da Emenda Constitucional n.°
83/14, e publicada no Diário Oficial da União de 06/08/2014, a ZFM foi
mais uma vez prorrogada, desta feita por mais 50 anos, ou seja, até 2073.
Ao longo desse tempo, o conjunto de incentivos originais e
também os critérios balizadores da ZFM foram sendo alterados. Uma
retrospectiva das alterações mais significativas encontra-se a seguir:
i. Em 1975, o Governo Geisel (1974-1979), por necessidades de
ajustes do balanço de pagamentos e na balança comercial,
estabeleceu medidas de fechamento do mercado brasileiro às
importações. A ZFM foi atingida em seu sistema de liberdade
de importação, passando a cumprir índices mínimos de
nacionalização, permitida apenas a importação de peças,
componentes e insumos em geral não produzidos no mercado

6
Decreto n.° 63.105, de 15 de agosto de 1968 (GARCIA, 2008, p. 61).
7
O primeiro projeto industrial com os estímulos do DL 288/67 foi aprovado em 1968 da
empresa Beta S.A,Indústria e Comércio, empresa produtora de joias, titular do certificado n.°
01. (GARCIA, 2008, p. 59). Empresa não mais existente.
8
Decreto n° 92.560, de 19 de abril de 1986. (GARCIA, 2008, p. 104).

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228 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

nacional. O Conselho de Administração da Suframa (CAS)


fixava anualmente os índices a serem cumpridos por todos
os segmentos industriais;
ii. Em abril de 1976 (BRASIL, 1976) foi estendida a isenção de
IPI à Amazônia Ocidental e estabelecida regra limitadora
à ZFM, passando a ser exigida a elaboração de guia de
importação, procedimento burocrático antes inexistente.
Por outro lado, passaram a ser fixadas as quotas globais
de importação (com a primeira sendo definida em maio
de 19769) que foram instrumentos de regulação e restrição
das importações da ZFM durante 15 anos, procedimento
revogado em 1991 (BRASIL, 1991a);
iii. Tendo sido idealizada sob a premissa de livre importação de
insumos para produção destinada ao mercado interno, na
chamada política de substituição de importações, a partir
de 1978 incentivos para exportação passaram também a ser
concedidos (BRASIL, 1978), e foi definido crédito-prêmio
para as empresas, como quota adicional sobre o saldo líquido
de divisas geradas, por meio do Programa Especial de
Exportação- Proex (FERREIRA, 2000);
iv. No período de 1975 a 1990, estimulou-se o advento de
fornecedores nacionais de insumos e componentes para as
cadeias produtivas já operantes, assim como buscou-se a
especialização do PIM, focada em segmentos específicos,
como o eletroeletrônico, relojoeiro, ótico, de motociclos e
bicicletas, etc.. Também procurou-se estimular a verticalização
e a regionalização da produção;
v. No ano de 1990, o Plano Collor ou Plano Brasil Novo
implantou Nova Política Industrial e de Comércio Exterior,
com medidas de abertura da economia e ações liberalizantes
para as importações. Tal circunstância expôs toda indústria
nacional à competição com os similares importados, com
efeitos danosos para as empresas sediadas no PIM, as quais
vinham, desde 1976, nacionalizando insumos, embora em
condições pouco competitivas de preço e de tecnologia ante
os de origem estrangeira;
vi. O Decreto-Lei n.° 288/67 foi modificado (BRASIL, 1991a) e
a nova legislação extinguiu o sistema de fixação de quotas
9
Decreto n.º 77.657, de 24 de maio de 1976 (GARCIA, 2008, p. 86).

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 229

de importação na ZFM (BRASIL, 1991a), estabelecendo


nova sistemática de cálculo para o coeficiente de redução
do imposto de importação e definindo coeficiente fixo para
produtos objeto de projetos já aprovados10, também aplicável
para os projetos posteriores mas dedicados à produção de
bens similares ou congêneres aos já em produção11;
vii. A mesma legislação que extinguiu a política de índices de
mínimos de nacionalização instituiu o Processo Produtivo
Básico (PPB), que por definição legal “é o conjunto mínimo de
operações no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva
industrialização de determinado produto” a ser disposto por
decreto (BRASIL, 1993), assim como os critérios de revisão12.
Também dispôs sobre a obrigatoriedade de adoção de normas
para gestão da qualidade em toda a cadeia produtiva;
viii. Em 1991, a Lei n.° 8.248, de 23 de outubro de 1991, conhecida
como Lei de Informática, estabeleceu isenções tributárias
para todo o território nacional, similares às já existentes no
PIM, além da preferência na aquisição dos bens e serviços
produzidos no mercado nacional pelos órgãos e entidades
da administração pública federal. Esse fato causou perda
de competitividade das empresas produtoras de bens de
informática sediadas no PIM, que somente amenizou-se em
2001 com a alteração normativa (BRASIL, 2001) que passou
abranger a ZFM;
ix. No período entre 1989 e 1994 foram criadas sete Áreas de
Livre Comércio (ALCs)13 na Amazônia brasileira, garantindo-
lhes benefícios fiscais semelhantes aos da ZFM, com algumas
restrições14.

10
Até 31 de março de 1991.
11
Ressalte-se que os bens de informática, veículos automotores, tratores e outros veículos
terrestres, bem como suas partes e peças, foram excluídos dos benefícios.
12
A lém de autorizar futuras definições por meio de portaria interministerial, da parte dos
Ministérios da Integração Regional, da Indústria, Comércio e Turismo e da Ciência e
Tecnologia.
13
A LCs criadas e já implantadas: Tabatinga, Estado do Amazonas; Boa Vista e Bonfim, Estado
de Roraima; Macapá-Santana, Estado do Amapá; e Guajará-Mirim, Estado de Rondônia.
ALCs criadas e não implantadas: Paracaima e Bonfim, Estado de Roraima; e Brasileia e
Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre. Disponível em: <http://www.suframa.gov.br/suframa_
descentralizadas_alcs.cfm.>. Acesso: em 7 mar. 2011.
14
Suspensão do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Importação (II),
que somente são concedidos na entrada de produtos específicos que visem ao beneficiamento
de produtos regionais e à industrialização de acordo com projeto aprovado que leve em conta
a vocação regional.

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230 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Na atualidade, a legislação federal que rege a matéria assegura


os seguintes incentivos fiscais: redução de até 88% do Imposto de
Importação (II) sobre os insumos destinados à industrialização ou
proporcional ao valor agregado nacional quando se tratar de bens
de informática; isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI); redução de 75% do IRPJ, inclusive adicionais não restituíveis,
com fruição por 10 anos, para projetos de implantação, modernização
ou diversificação de empreendimentos, protocolizados na Sudam até
31/12/2018; e alíquota zero da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins
nas operações internas na ZFM e incidentes sobre as receitas de vendas
de mercadorias destinadas ao consumo ou à industrialização na Zona
Franca de Manaus (ZFM), por pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM15.

Ótica estadual
Em 1968, a política já existente de incentivos fiscais no Estado do
Amazonas foi adaptada ao cenário decorrente da efetiva entrada em
funcionamento da ZFM. A partir de então, vigoraram várias leis que
se sucederam, governo a governo16, visando estabelecer mecanismos
indutores do desenvolvimento do Estado pela via da renúncia fiscal.
Os incentivos fiscais estaduais basearam-se, essencialmente, em
concessões associadas ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
e Prestação de Serviços de Transporte e de Comunicações (ICMS),
visando contribuir com o aumento das vantagens comparativas na
atração de projetos industriais para o PIM. A princípio, ocorria o efetivo
recolhimento integral do tributo, no prazo regular, e a restituição
do valor pago se dava após 60 dias do ingresso dos recursos nos
cofres públicos, com devolução integral ou parcial17. Posteriormente,
apesar de mantida a expressão restituição, passou a ocorrer a
devolução imediatamente após o seu recolhimento. Na atualidade18,
a denominação do “incentivo” passou a ser “crédito estímulo”, e
além desse são asseguradas outras modalidades de benefícios com a
15
Suframa. Incentivos. Disponível em: <http://www.suframa.gov.br/zfm_incentivos.cfm. Acesso
em: 15 out. 2009, e Lei n.° 10.865/2004.
16
1. Governo Danilo de Mattos Areosa: Lei n.° 839, de 17 de dezembro de 1968 e Lei n.° 958, de
9 de setembro de 1970; 2. Governo José Bernardino Lindoso: Lei n.° 1.370, de 28 de dezembro
de 1979; 3. Governo Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo: Lei n.° 1.605, de 25 de julho de
1983 e Lei n.° 1.699, de 13 de setembro de 1985; 4.Governo Amazonino Mendes: Lei n.° 1.939,
de 27 de dezembro de 1989 e Lei n.° 2.390, de 08 de maio de 1996; 5.Governo Carlos Eduardo
de Souza Braga: Lei n.° 2.826, de 29 de setembro de 2003, atualmente em vigor.
17
Até a Lei n.° 551/66 a restituição era considerada crédito ao contribuinte para as operações
subseqüentes, obedecido o prazo de 60 dias.
18
A partir da Lei n.º 2.826/03.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 231

utilização de diversos institutos tributários, na forma prevista no art.


2º da Lei n.º 2.826/03.
A principal condição para acesso ao incentivo – critério que constou
em todas as leis – é que a empresa seja considerada de fundamental
interesse ao desenvolvimento do Estado do Amazonas, condição esta
aferida por critérios, isolados ou cumulativos, tais como geração de
emprego, utilização de matérias-primas regionais, adensamento da
cadeia produtiva e promoção da interiorização. Com respeito ao último
item, a Lei n.° 1.370, de 28 de dezembro de 1979, do governo José
Bernardino Lindoso, foi a que trouxe medidas mais abrangentes e
consistentes para induzir as empresas a considerar os setores de interesse
regional e interiorização de atividades. Infelizmente, não produziu os
efeitos esperados e foi totalmente reformulada no governo seguinte.
Os incentivos do ICMS se materializam a partir de diversas
formas de desoneração baseadas em institutos tributários, como
crédito estímulo, crédito presumido, diferimento, redução de base
de cálculo, não-incidência, isenção, dentre outros (RIBEIRO, 2008,
p. 53), com índices diversos atribuídos a partir de requisitos fixados
na Lei, vinculados às prioridades e definição de classes de produtos.
A partir da lei editada em 1979, todas as demais trouxeram alterações
nos percentuais de concessão, vinculando-os às prioridades de cada
governo e à definição de classes de produtos, até chegar ao modelo
vigente da Lei n.° 2.826/0319 que, em relação ao crédito estímulo,
obedece aos percentuais de 90,25%, 75% e 55%, com produtos que
podem atingir até 100%, além de elevar o nível mínimo de concessão
de 45% para 55%.
19
Lei n.° 2.826/03 – Art. 10. Para fins do que dispõe esta Lei, são consideradas as seguintes
características de produtos: I – bens intermediários, exceto o disposto no inciso seguinte; II –
placas de circuito impresso montadas para produção de aparelhos de áudio e vídeo, excetuadas
aquelas destinadas aos bens especificados nos incisos II, III e IV do § 13 do art.13; III – bens de
capital; IV – produtos de limpeza, café torrado e moído, vinagre, bolachas e biscoitos, macarrão
e demais massas alimentícias; V – bens de consumo industrializados destinados à alimentação;
VI – produtos agroindustriais e afins, florestais e faunísticos, medicamentos, preparações
cosméticas e produtos de perfumaria que utilizem, dentre outras, matérias-primas produzidas
no interior e/ou oriundas da flora e fauna regionais, pescado industrializado e produtos de
indústria de base florestal; VII – mídias virgens e gravadas, com cessão de direitos quando
aplicáveis, fabricadas conforme processo produtivo básico, previsto em legislação federal, e
distribuídas a partir da Zona Franca de Manaus; VIII – bens industrializados de consumo
não compreendidos nos incisos anteriores. (Omisses). Art. 13. O incentivo fiscal do crédito
estímulo do ICMS será concedido por produto, observado tratamento isonômico para bens
classificados na mesma posição e subposição do código tarifário NCM/SH, de acordo com sua
caracterização definida no art. 10, nos seguintes níveis: I – 90,25% (noventa inteiros e vinte e
cinco centésimos por cento) para os produtos previstos nos incisos I, IV e VII; II – 75% (setenta
e cinco por cento) para os produtos previstos nos incisos II, III, V e VI; III – 55% (cinquenta e
cinco por cento) para os produtos previstos no inciso VIII.

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232 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Além de benefícios fiscais, a legislação agregou outros estímulos


por meio de fundos de desenvolvimento, vinculados à política de
incentivos fiscais. A primeira lei aprovada após a reformulação da ZFM
(1967)20, criou o Fundo de Investimento para o Desenvolvimento do
Estado do Amazonas (Fideam), transformado, em 1974, em Fundo
Estadual de Desenvolvimento Econômico (Funede)21. Posteriormente,
foram criados mais dois mecanismos de aplicação de recursos vinculados
à política de incentivos fiscais: a Lei n.° 2.390/96 criou o Fundo de
Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do
Desenvolvimento do Amazonas (FTI), e a Lei n.° 2.721/02 instituiu
contribuição para apoiar a Universidade do Estado do Amazonas
(UEA), à época recém-criada. Esses instrumentos foram instituídos
como forma de compensar a renúncia fiscal estadual e reter na região
parcela da renda gerada pela atividade industrial implantada com
apoio da desoneração tributária.
Diante dos aspectos apresentados, é possível observar a
complexidade da política de incentivos fiscais estaduais, que foi
assumindo maior detalhamento e especificidades diante da ampliação
do parque, dos vários tipos de produtos, e da necessidade preservar a
competitividade local diante da guerra fiscal e dos interesses de outros
Estados da Federação.

Ótica municipal
O Município de Manaus está totalmente contido na área da
ZFM e desse modo, atendendo ao disposto no Decreto-Lei n.° 288/67,
editou norma (BRASIL, 1967a) isentando empresas, profissionais
autônomos, prestadores de serviço com ou sem estabelecimento fixo,
do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Esta isenção
foi, posteriormente, ratificada pela Lei Municipal n.° 1.167/7322. Por
aproximadamente 20 anos o município de Manaus concedeu essa
20
Lei n.° 839/68 – criou o Fundo de Investimento para o Desenvolvimento do Estado do
Amazonas (Fideam) constituído por recursos correspondentes ao recolhimento de cinco por
cento do imposto restituído, destinados a aplicação em projetos agropecuários e programas
de estudos e pesquisas. Lei n.° 1.370/79 – manteve o percentual de participação das empresas
que, posteriormente, foi elevado para dez por cento do imposto restituído que, neste caso, se
destinava às empresas industriais, agropecuárias e de serviços, consistindo a assistência tanto
através de financiamentos com linhas de crédito favorecidas quanto de outros subsídios tais
como terrenos a preços subsidiados e galpões fabris.
21
Pela Lei n.° 1.115, de 15 de abril de 1974.
22
Lei Municipal n.° 1.167, de 30 de novembro de 1973. Art. 47 “Ficam isentos do Imposto
sobre Serviços as empresas ou profissionais autônomos, prestadores de serviço, pelo prazo
estabelecido no Decreto-Lei Federal 288/67, que instituiu a ZFM.”

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 233

isenção geral, irrestrita e incondicional, diferente dos incentivos dos


demais entes, especialmente do governo federal, que conforme observa
Andrade (1992, p. 66; 74), “previu isenções parciais e não totais,
isenções onerosas e não gratuitas, isenções especiais e não gerais,
isenções condicionais e não condicionais; isenções com prazo certo”.
Esse fato motivou a administração municipal a promover alte­
rações, e em 198623, o município de Manaus revogou a isenção geral,
irrestrita e não onerosa e disciplinou os incentivos do ISS, constituídos
de isenções totais ou parciais, que passaram a ser atribuídos dependendo
do atendimento de obrigações, encargos, requisitos e condições
expressas no seu regulamento. Essa legislação sofreu várias alterações,
tendo, revogação parcial pela Lei n.° 2.054, de 28 de dezembro de
198924, e geral de todas as isenções pela Lei Orgânica do Município
(Loman), em seu art. 17, que, entretanto, em seu art. 15, ressalvou as
adaptações que seriam promovidas na legislação após a promulgação
da Loman (MANAUS, 1990, p. 138-139).
Posteriormente, com a Lei n.° 427/98 (FERNANDES JÚNIOR,
2001, p. 110-11), ainda em vigor, a legislação tributária do município
de Manaus readequou os incentivos municipais, garantindo a isenção,
pelo prazo de dez anos a contar da data de aprovação do projeto, do
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU),
das Taxas de Serviços de Coleta de Lixo, de Limpeza Pública, de
Conservação de Vias e Logradouros Públicos e das Taxas de Licença
para empresas industriais que se instalassem, ou às já existentes que
ampliassem seu parque industrial na área da ZFM, condicionado
à geração de, ao menos, 500 empregos diretos quando do início de
sua atividade, mantendo este número durante o gozo do benefício.
Para as empresas industriais já existentes, os benefícios poderiam ser
garantidos se cumpridas as mesmas condições de geração de empregos,
e se ampliadas as atividades na ZFM.

Cenário atual
Êxitos, contradições e entraves
A ZFM destaca-se como política de desenvolvimento regional
na Amazônia por sua longevidade, pelos resultados socioeconômicos

23
Lei n.° 1.883, de 16 de dezembro de 1986 e Decreto n.° 5.626, de 6 de janeiro de 1987.
24
Lei n.° 2.054 de 28 de dezembro de 1989, que estabelece normas relativas à concessão de
incentivos fiscais a microempresas.

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234 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

e ambientais que gerou. Pretendia, de início, englobar os setores


agropecuário, comercial, serviços e industrial, porém, a atividade
agropecuária não se desenvolveu conforme o esperado e o setor
comercial só foi prospero durante a fase de economia fechada ao
comércio internacional, sofrendo drástica redução quando o Brasil
passou a atuar em regime de competição internacional, em mercado
aberto. Portanto, a indústria, expressada pelo PIM – e os serviços por
ela estimulados – tornou-se o segmento dínamo da ZFM. A partir
de meados dos anos 70, ultrapassando várias fases, reordenando sua
conformação, promovendo reajustes e reconversões, veio a se tornar o
mais importante vetor de desenvolvimento do Estado do Amazonas,
sendo atualmente o principal responsável pela geração de renda,
tributos e emprego, e que tem garantido sua sustentação econômica.
Ante essas circunstâncias, porta uma série de êxitos, mas também,
contradições e entraves, sinteticamente apresentados a seguir:
i. O PIM tornou-se um complexo industrial importante
no contexto nacional, reunindo 16 diferentes segmentos
industriais, integrado por mais de 500 empresas que promo­
veram, nos últimos quatro anos, investimentos da ordem
de US$ 10 bilhões e, em 2013, registraram faturamento
de R$83,484 bilhões, bem como foram responsáveis, de
média mensal, por 121.613 empregos diretos, naquele ano,
além de milhares de outros em todo o estado, conforme
registrado anteriormente, e de outros no resto do país
(SUFRAMA, 2014);
ii. Em relação à arrecadação de tributos, o PIM representa
robusta fonte de receitas públicas. Em 2013, gerou para a
União (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2014) R$ 12,968
bilhões (48% de toda a arrecadação federal da Região
Norte, exceto Tocantins) e para o Estado do Amazonas
(AMAZONAS, 2014) R$ 8,6 bilhões (ICMS e contribuições
associadas). Sem incluir as receitas municipais e as demais
arrecadações públicas (como FGTS), esse montante
representa em torno de 25% do PIB previsto para o ano,
ou seja, 1/4 de toda a riqueza gerada vai para os cofres
públicos. Estima-se que, incluindo as demais receitas
públicas (arrecadações municipais e outras contribuições
não associadas a operações econômicas) essa participação
chega próximo de 30%. É, portanto, surpreendente que

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 235

uma política baseada em incentivos fiscais apresente tal


desempenho gerador de receitas públicas;
iii. Um dos fatores de sucesso atribuídos ao modelo (que o
difere de outras experiências nacionais, que não tiveram o
mesmo dinamismo) é o fato de os incentivos fiscais serem
direcionados à produção, somente sendo usufruídos a
partir do lançamento dos produtos no mercado, não sendo
significativo o subsídio ao empresário que, em geral, arca
com o ônus do investimento e com os riscos da implantação;
iv. Seus processos industriais, de início mais simplificados,
com linhas de montagem elementares e de reunião de
partes e peças, acondicionamento e embalagem, foram
evoluindo e, em decorrência de medidas de controle e
adequação à conjuntura econômica e das necessidades de
mercado, possui, na atualidade, empresas com elevado
nível tecnológico e com produtividade similar ou superior
à de suas matrizes estrangeiras;
v. As medidas de redução da liberdade absoluta de produção
e importação com o estabelecimento de critérios de
nacionalização de insumos, inicialmente, e de obediência
a processo produtivo básico previamente fixado, na
atualidade, garantiram o crescimento da indústria nacional
produtora de parte dos componentes demandados pelo
PIM, o que, em tese, poderia se constituir em vantagem,
como fator de integração com o parque industrial nacional.
Porém, são tímidos os resultados nas políticas públicas
de adensamento das cadeias produtivas com vistas à
verticalização e regionalização da produção e consolidação
dos segmentos industriais implantados;
vi. Pressionado pelas necessidades de constantes moderni­
zações, o PIM teve alterada sua função de produção
do início – intensiva em mão de obra – passando a ser
intensiva em capital e tecnologia e, por isso, modificando
o perfil dos empregos gerados e demandando cada vez
mais investimentos na ampliação do capital intelectual, o
que se transforma em vetor importante na busca de mais
qualificação para os recursos humanos regionais;
vii. Inobstante essas virtuosidades, a ZFM continua sendo
dependente de tecnologia estrangeira e de incentivos

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236 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

fiscais de todas as esferas governamentais. Esses incentivos


tinham como propósito compensar a falta de infraestrutura
e logística, bem como o custo dos transportes pela distância
dos grandes centros de origem dos insumos e consumidores
dos bens finais. Entretanto, ao longo de 47 anos, essas
questões (portos, rodovias, energia, comunicação, buro­
cracia alfandegária, opções de transporte, entre outras) não
foram adequadamente equacionadas, e o único diferencial
para garantir atratividade dos investimentos continuou a
ser os incentivos fiscais, já bastante reduzidos em relação
aos primeiros anos. Como boa parte desse incentivos é
de origem federal, acaba ficando com o poder central a
iniciativa e governança das medidas em relação à ZFM, o
que nem sempre tem compatibilidade com as prioridades
do Estado;
viii. O modelo de desenvolvimento foi uma reprodução da
experiência nacional de industrialização decorrente de
políticas desenvolvimentistas, replicando em âmbito local
as fragilidades e defeitos que os teóricos da década de
60, do século XX, apontavam em relação ao paradigma
nacional e que, no caso do PIM, permanecem requerendo
superação, a saber: dependência de capital, de tecnologia e
de incentivos fiscais;
ix. As atividades produtivas acabaram se concentrando,
hegemonicamente, na capital do Estado, sem espraiamento
para outros municípios do Estado ou outros estados
da região, o que provoca a concentração de renda sem
permitir crescimento regional mais amplo, mesmo com a
fixação de alguns mecanismos de indução que resultaram
infrutíferos;
x. Constitui-se em modelo eminentemente importador,
portanto, sujeito às crises econômicas internacionais, pouco
protegido em relação à variação abrupta de câmbio, sensível
a qualquer mudança de política econômica nacional e,
sobretudo, gerador de déficits na balança comercial;
xi. A estratégia de industrialização por substituição de impor­
tações teve como vantagem a possibilidade de atração do
capital e a perspectiva de industrialização a curto prazo,
além do acesso à tecnologia externa. Entretanto, como

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 237

desvantagem, favoreceu a produção de bens não essenciais,


facilitou o ingresso de empresas nacionais e multinacionais
com centro de decisão em outras regiões, com perda de
autonomia em relação à política industrial empresarial e
pública, comprometendo assim a prioridade dos interesses
nacionais e regionais;
xii. Identifica-se transferência de receitas para outras capitais
e para o exterior pela incapacidade de retenção da renda
gerada, com quase inexistência de mecanismos que esti­
mulem o reinvestimento na região dos lucros decorrentes
da atividade incentivada, provocando a contradição de
Manaus ter, ao mesmo tempo, um dos maiores PIBs dentre
as capitais do país e ser, também, uma das capitais com
maior índice de pobreza;
xiii. A gestão pública local não foi capaz de se utilizar de
forma eficaz dos mecanismos disponíveis nas políticas
de incentivos fiscais e extrafiscais e dos resultados da
arrecadação tributária para priorizar o estabelecimento
de novos eixos de promoção econômica, reduzindo a
dependência do PIM, havendo pulverização na aplicação
de recursos, sem planejamento específico e decisão política
direcionada para tal fim;
xiv. A base institucional encontra-se extremamente fragilizada,
com a Suframa atuando mais como gestora de incentivos
fiscais e na atração de investimentos, tendo perdido seu
caráter de promotora do desenvolvimento regional, e
sofrendo restrições em sua autonomia administrativa
e financeira. Consequentemente, o poder decisório
de questões essenciais, como a aprovação de Processos
Produtivos Básicos (PPBs) depende de órgãos do governo
federal localizados fora da região e que nem sempre levam
em conta os interesses locais;
xv. Mesmo com garantia constitucional e com prorrogação
por prazo mais longo, a insegurança jurídica dos marcos
regulatórios ocorre em todos os níveis (será vista em seção
seguinte), o que reduz a vantagem tributária comparada a
outras regiões e introduz incertezas e riscos na relação com
os fiscos das diversas esferas;

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238 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

xvi. Enquanto esteve protegido pela diretriz política dos


governos militares de controle da Amazônia e pela
economia nacional fechada, a indústria se expandiu,
atendendo aos interesses das empresas multinacionais
e nacionais. No entanto, com a abertura democrática, o
jogo de forças políticas evidenciou a fragilidade da ZFM
e, na sequência, com a abertura econômica que expôs as
empresas à competição internacional, o modelo passou a
sofrer inúmeras restrições, não sendo integrado à política
industrial nacional e tendo as suas vantagens reduzidas,
com desrespeito aos direitos adquiridos, mesmo aqueles
previstos e garantidos em sede constitucional.
Por certo existem outros aspectos não contemplados nos itens
anteriores, porém, apenas esses já evidenciam que essa política federal
de desenvolvimento regional para a Amazônia foi exitosa em muitos
aspectos e poderia apresentar-se mais robusta nos dias atuais, se
iniciativas de aperfeiçoamento tivessem sido tomadas, ou medidas que
comprometeram seu desempenho tivessem sido evitadas ou corrigidas.

Insegurança jurídica e complexidade tributária


O princípio da segurança jurídica consagrado no ordenamento
brasileiro pressupõe a certeza do direito e o império da norma – mesmo
que esta venha a ser alterada ou substituída – com garantia do direito
adquirido, da preservação do ato jurídico perfeito e da coisa julgada
como elementos essenciais para que os indivíduos possam planejar
a vida e os agentes econômicos desempenhem suas atividades em
ambiente de tranquilidade e estabilidade.
Durante a existência da ZFM, constata-se instabilidade nas
relações jurídicas evidenciada em vários eventos que provocaram
entraves na execução das atividades, com interrupções, retrocessos e
perdas diversas que prejudicaram o seu natural percurso. Tanto é assim,
que foi necessário buscar a garantia constitucional, na Constituição da
República de 1988, como modo de reduzir a fragilidade vigente, pois a
base normativa ampla de origem, nas três esferas de governo, levou a
ZFM a enfrentar, ao longo de suas fases, diversas alterações que podem
até ter sido decorrentes do momento histórico nacional e internacional,
porém, na maioria das vezes, resultaram do jogo de forças políticas e
de interesses econômicos contrários às suas prerrogativas e mesmo à
sua consolidação.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 239

Assim, sua segurança jurídica, entendida como a “certeza do


direito”, ensinada por Reale (1964, p. iv), foi sendo fragilizada em
vários aspectos e momentos da sua trajetória, subtraindo de sua
dinâmica o atributo de “previsibilidade às relações sociais” (CÔRTES,
2008, p. 26) e, ao contrário disso, agregando incertezas e instabilidades
aos vários agentes econômicos e à população diretamente afetada.
O pressuposto de que os indivíduos passam a ter clareza de que as
relações realizadas sob o “império de uma norma devem perdurar
ainda que tal norma seja substituída” (SILVA, 2004, p. 431-432)
não se tem verificado nesse percurso histórico da ZFM, o que, em
determinados períodos, reduziu as expectativas de expansão e até de
existência dessa base econômica regional.
Recente estudo de um dos autores deste artigo (PONTES, 2011)
sobre o tema constatou que já nos primeiros momentos de sua implantação
a ZFM sofreu alteração de seus atos legais. O próprio Decreto-lei
n.° 288/67, reformador do original de 1957 e instituidor do modelo
atual, teve sua redação modificada pelo decreto regulamentador25,
instrumento hierarquicamente inferior, que não observou aspectos
relevantes do espírito da lei e criou obrigações anteriormente não
previstas. Como exemplo, citam-se as restrições, via interpretações
equivocadas, direcionadas à atividade comercial que à época era o
segmento mais representativo, sob o argumento de que prejudicava a
indústria nacional de eletrodomésticos (AMAZONAS, 1970).
O estudo referido observou que nos períodos de 1975-1990/1990-
1996 ocorreram grandes alterações nos marcos regulatórias da ZFM,
especialmente direcionadas ao segmento industrial, identificando-se a
quebra da liberdade ampla de importar e produzir, em decorrência das
implicações econômicas para o país do ambiente de crise internacional
do período, em especial os impactos na dívida externa, e também dos
ajustes nas políticas industrial e de comércio exterior, com a completa
abertura da economia, modificando a lógica produtiva vigente até então.
Em relação às mudanças registradas nesses dois períodos, o estudo
considera os ensinamentos de Rocha (2005, p. 167-168), para quem a
segurança jurídica não é a imutabilidade, pois a vida rege-se pelo
movimento, afirmando que “o que se busca é a segurança do movimento”.
25
Decreto n.° 61.244, de 28 de agosto de 1967, que alterou o art. 3.° e 6.° do diploma regulamentado.
Estabeleceu que a entrada dos produtos importados se daria com “suspensão”e não com isenção
de impostos como previsto no DL 288/67 e omitiu a palavra “comercialização” no art. 6.°, que
tratava do pagamento de tributos na internação de mercadorias da ZFM, para o território
nacional, estabelecendo a tributação e regime de quotas para bagagem acompanhada por
pessoa física.

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240 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Assim, não se cogita de imobilidade social, impeditiva do progresso e do


desenvolvimento humano, pois o direito deve garantir a estabilidade da
ordem social assegurando as transformações trazidas pela evolução das
necessidades sociais (PONTES, 2005, p. 281). Nessa linha de pensamento,
é possível constatar que no primeiro período (1975-1990) verificou-se
o “movimento” decorrente de fatores econômicos e sociais sem que
houvesse supressão de direitos, preservando os incentivos previstos na lei
e garantindo a característica de área especial incentivada e diferenciada
do restante do país; entretanto, em relação ao segundo período (1990-
1996), contrariaram-se os pressupostos essenciais da segurança jurídica e
seu sentido de estabilidade e garantia que fundamentam as relações dos
indivíduos entre si e destes com o Estado, e que devem ser previsíveis e
sem arbitrariedades (ROSENFIELD, 2010, p. 36). Como consequência, a
partir de 1990, especialmente, identificam-se várias iniciativas do Estado
do Amazonas e de particulares junto ao Poder Judiciário, especialmente
da mais alta corte do país, em busca da tutela jurisdicional que lhes
garantisse a preservação dos direitos adquiridos.
São muitos os fatos que patenteiam a permanente instabilidade
institucional do modelo ZFM decorrente de imposições dos agentes
públicos. Isso, porque padecem de legitimidade em face do espírito
das leis, ou porque são ilegais ao contrariarem dispositivos por meio
de instrumentos jurídicos inapropriados, como portarias ministeriais,
resoluções de conselhos, decretos governamentais, etc. Na busca de
assegurar ao modelo ZFM tratamento constitucional, esperava-se que
se consolidassem os direitos a ela associados, pois que, segundo Martins
(2005, p. 36-37), o princípio da supremacia constitucional adotado
no ordenamento jurídico brasileiro determina que “a lei ordinária é
que se subordina à Constituição e não a Constituição à lei ordinária”;
caso contrário, afirma “a Constituição estaria sujeita aos humores do
legislador de cada uma das entidades federativas.” Foi essa garantia
que se pretendeu e que tem sido árduo fazer valer.
Para se compreender a dimensão do acolhimento da ZFM na
Constituição, não é suficiente restringir-se ao foco dos artigos acrescidos
ao ADCT da CF/8826, sendo indispensável analisar o texto constitucional
em suas diretrizes e princípios que consideram o desenvolvimento

26
A rt. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de
comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos,
a partir da promulgação da Constituição. Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser
modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos
na Zona Franca de Manaus. Art. 92. São acrescidos dez anos ao prazo fixado no art. 40 deste
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 241

como direito humano e um dos objetivos fundamentais da República,


entre os quais, também inclui a redução das desigualdades sociais e
regionais, levando a crer que o constituinte pretendeu deixar claro que o
desenvolvimento como valor maior não pode ser concebido para apenas
uma parte do território nacional, mas para as suas diversas regiões “na
medida das suas vocações e potencialidades” (GRECO, 2008, p. 525).
Portanto, diante da constatação da indiscutível desigualdade
regional, a constituição preservou a ZFM como instrumento de fomento
econômico direto do Estado do Amazonas e indireto dos demais estados
que integram a Amazônia Ocidental. Com tal entendimento, Greco
(2001, p. 135) considera que a postura do Estado “não basta ser positiva
ou de não prejudicar, mas corresponde um dever agir positivamente”,
alertando, ainda, que os objetivos fundamentais são preceitos que
devem ser observados não somente pela União, mas também pela
sociedade civil e concretizados pelos entes estatais de todos os níveis
(GRECO, 2001, p. 526).
Assim, pela interpretação do art. 40 do ADCT da CF/88 – que
com a prorrogação feita pela Emenda Constitucional n° 83/2014 teve sua
nova validade de mais 50 anos fixada pelo Art. 92-A 27, fica evidente que
a ZFM foi reconhecida como área do território nacional com atividades
econômicas sujeitas a regime tributário diferenciado e desse modo
a sua manutenção constitui forma de atuação positiva do Estado na
busca da redução das desigualdades regionais. Há compatibilidade do
conteúdo normativo do art. 40 do ADCT com os princípios consagrados
pela CF/88, o que veda a possibilidade de os demais estados negarem
a validade dos benefícios consagrados (ÁVILA, 2007, p. 69). Em suma,
em relação à ZFM, “o que o constituinte manteve foi o regime jurídico
dos incentivos e não apenas o direito adquirido dos empreendimentos
lá estabelecidos” (ÁVILA, 2007, p. 125). Assevera Greco (2001, p. 528,
grifo do autor) que “a garantia mais do que estática ao que existia, é
dinâmica em relação à manutenção de um tratamento mais vantajoso”.
Em que pese a clareza dessa interpretação doutrinária, nem
sempre tem sido esse o entendimento, nas diversas esferas de governo,
no trato com os regramentos que afetam a dinâmica da ZFM, em
especial, do PIM. Para melhor explicitar essa afirmativa, no estudo
anteriormente mencionado a autora valeu-se dos ensinamentos de
Canotilho (2003, p. 257), que relaciona o princípio da segurança
27
A rt. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do
seguinte art. 92-A: “Art. 92-A. São acrescidos 50 (cinquenta) anos ao prazo fixado pelo art. 92
deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

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242 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

jurídica com o da proteção da confiança, mostrando que o primeiro está


associado a elementos objetivos da vida jurídica, tais como “garantia da
estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito”,
e o segundo volta-se para os elementos subjetivos, denominados pelo
autor português de “cauculabilidade e previsibilidade dos indivíduos
em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos”. Desse
modo, deduz que, dos atos dos poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, é exigível a observância estreita desses princípios.
O constitucionalista luso sustenta ainda que os desvios28 mais
importantes do princípio da segurança jurídica são: a) em relação aos
atos normativos, tem-se a vedação às normas retroativas restritivas de
direito, em que a confiança das pessoas é afetada diante de mudanças ou
alterações frequente nas normas, b) em relação aos atos jurisdicionais, a
inalterabilidade da coisa julgada e a exigência de certeza dos cidadãos
em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos; c) em relação
aos atos da administração, o princípio geral da confiança29 garante
os instrumentos jurídicos para sanar as falhas da administração,
destacando que diante da arbitrariedade, há a necessidade de um
Poder Judiciário independente.
Utilizando esse modelo analítico e os três aspectos anteriormente
descritos, o mencionado estudo identifica diversas situações que
comprometem a segurança jurídica da ZFM, entre as quais, destacam-se:
as inúmeras alterações da legislação dos principais tributos que
sustentam a política de incentivos fiscais da ZFM tanto de competência
federal, quanto estadual e municipal que não consideraram o direito
adquirido; as discussões sobre incentivos setoriais e suas condicionantes
relativas à ZFM (p.ex. Lei de Informática); a guerra fiscal entre os
estados federados relativa à legislação do ICMS; a lenta atuação do
Poder Judiciário nas ADINs que buscaram a preservação dos direitos,
algumas que jamais tiveram definitividade – atributo inerente à
segurança jurídica dos atos jurisdicionais – e outras que demoraram
mais de vinte anos para obtenção de decisões de mérito30; os atos da
administração em todos os níveis que contribuíram para causar um
ambiente de instabilidade das relações jurídicas e provocar incertezas
nos principais interessados.

28
Palavra original utilizada pelo autor – refracções.
29
No Direito português, o ato administrativo goza de uma tendência à imutabilidade com o
objetivo de proteger os interesses da legalidade e da irretroatividade.
30
A ADI n.° 310-1, do Governo do Estado do Amazonas, de 1990, somente em 19/02/2014, ou
seja, 24 anos depois, teve julgamento de mérito, subsistindo a matéria de que tratava com
garantia precária, por decisão liminar.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 243

Assim, tanto os aspectos relativos aos atos normativos, quanto nos


jurisdicionais e os da administração, a segurança jurídica da ZFM e em
particular de seu polo industrial vem sendo impactada negativamente
em prejuízo dos principais envolvidos. O legislador, o julgador e o
administrador, seja ele federal, estadual ou municipal, não têm sido
capazes, em muitas circunstâncias, de equacionar as necessidades de
inovação e de flexibilidade com os anseios de estabilidade e respeito
aos princípios basilares do Direito, mesmo após a obtenção de garantia
constitucional.

Efeitos ambientais virtuosos


A partir da segunda metade do século passado, a preocupação
com a degradação ambiental passou a integrar a agenda de muitos
países, bem como da Organização das Nações Unidas (ONU), que, em
1972, proclamou a Declaração do Meio Ambiente, reconhecendo que
a qualidade de vida do homem está relacionada à qualidade do meio
ambiente, sendo portanto este um direito fundamental. Em seguida,
pelo relatório “Nosso Futuro Comum”31, apresentou o conceito de
“desenvolvimento sustentável”, definindo-o como o processo que
“satisfaz às necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
Na Região Amazônica, essa noção de desenvolvimento ganha
relevância, pois sua inesgotável biodiversidade, seu imenso manancial
de água e suas grandes florestas são patrimônios ecológicos que
não podem ser explorados como foram alhures no processo de
desenvolvimento de outras regiões, até mesmo pelo importante
serviço que ela presta a toda a humanidade na absorção de carbono e
pelo papel que desempenha na manutenção das condições climáticas
mundiais. Esse fato, entretanto, impõe à região uma renúncia
econômica pelo não aproveitamento dos recursos naturais que possui,
como os florestais e minerais, impede expansão da atividade agrícola
e pecuária, e a priva de possuir cadeias produtivas oriundas desses
recursos (BENCHIMOL, 2001).
Balizados por esses condicionamentos, os noves estados da
Amazônia Legal32 apresentam distintas formas de ocupação, estruturas

31
Relatório “Nosso Futuro Comum” desenvolvido pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente
e Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland e Mansour Khalid (ONU, 1987).
32
Estados do Acre, Amapá, Amazonas, parte do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
Roraima e Tocantins.

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244 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

produtivas e matrizes econômicas, diferindo no grau de exploração de


seus recursos naturais e, consequentemente, nos impactos ambientais
decorrentes. Alguns estados, como é o caso do Pará e Mato Grosso,
já atingem níveis preocupantes de deflorestamento, enquanto outros,
como o Estado do Amazonas, sobressai como um dos integrantes da
região com menor nível de agressão à floresta. Dados do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais33 mostram que cerca de 97% da
floresta localizada no território amazonense está conservada e que
as taxas de desmatamento demonstram níveis decrescentes, conforme
relatam Diniz, Mota e Machado (2009, p. 59; 62), que fizeram um
cotejo de trabalhos de vários pesquisadores34 com esse foco.
Sabe-se que a indústria é um segmento da economia que assume
para todos os países caráter de essencialidade na geração de emprego
e renda, sendo básica nas políticas de desenvolvimento. Alguns gêneros
industriais, entretanto, são os principais usuários de recursos naturais
como insumos e têm contribuído para o comprometimento ambiental,
tanto pela demanda por recursos florestais e minerais, como pela
produção de resíduos e emissões de gases tóxicos. Esses impactos
podem vir a influenciar o clima do planeta e têm sido preocupação
de países e organizações ambientais, especialmente em regiões como
a Amazônia.
Entretanto, o tipo de indústria que se implantou no Amazonas,
que é a atividade econômica predominante do PIM, pode explicar,
segundo estudo citado, o menor grau de degradação florestal quando
confrontada a outras unidades federadas localizadas na Amazônia.
Ao comparar os dois principais estados da região – Pará e Amazonas – é
possível concluir que diferentemente do PIM, cuja base de insumos não
é de recursos naturais, no Pará a estrutura econômica predominante é
pautada na exploração de recursos florestais e minerais, criando o que
os autores denominam uma “lógica perversa” de “sobre-exploração
dos recursos naturais”, provocando que a taxa de desmatamento média
daquele estado, no período de 1985 a 2003, fosse de 32%, enquanto a do
Amazonas situava-se em torno de 4,92% (RIVAS; MOTA; MACHADO,
2009, p. 24).
Inúmeras variáveis são analisadas pelos autores, permitindo
levantar hipóteses sobre a demanda por desmatamento em vários

33
A rea desmatada. Disponível em: <http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php>. Acesso em: 07
abr. 2014.
34
Os autores avaliaram os estudos de: Walker (1987); Agelsen (1995); Rudele Roper (1996);
Murali e Hedge (1997); Geist e Lambim (2001).

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 245

municípios do Amazonas e concluir que há inibição de atividades


com maior potencial devastador. Manaus se diferencia dos demais
municípios, pois a influência do PIM é significativa por desenvolver
atividade econômica compatível com a manutenção da cobertura
florestal. Esta realidade colaborou com a redução de 85% a 86% no
desmatamento da sua região.
Desse modo, o estudo demonstra que o PIM parece exercer
um efeito ambiental positivo, pois reúne indústrias que possuem
tecnologias de processo que permitem reduzida geração de resíduos
poluentes, proporcionado externalidades positivas para o Brasil e para
o mundo relativas ao custo evitado do desmatamento e outras ações
danosas ao meio ambiente, com a conservação da floresta amazônica
e, especialmente, impedindo o lançamento na atmosfera de dióxido de
carbono (CO2) e metano (CH4), o que aumentaria o aquecimento global.
Portanto, mesmo sem ter sido uma diretriz original, essa opção
econômica garantiu externalidades positivas, contribuindo para a
preservação da cobertura florestal estadual, evitando o desmatamento
acentuado, a exemplo do que ocorreu em outros estados amazônicos,
fato que constitui perspectiva favorável e deve servir de motivação para
o seu fortalecimento.

Perspectivas quanto ao futuro


As circunstâncias econômicas do presente
Não há dúvida que a ZFM representa, hoje, a mais longeva e a
mais exitosa política federal de desenvolvimento para a Amazônia,
notadamente para sua parte ocidental. Há variadas formas de se
obter essa constatação, porém, nesta seção, buscar-se-á avaliar alguns
de seus principais indicadores, visando-se identificar o que eles
apontam em relação às suas circunstâncias econômicas. Sendo a ZFM
a dinâmica produtiva hegemônica do Estado do Amazonas, tomou-se
por premissa que, avaliando-se os dados do estado avalia-se, também,
o desempenho dela.
Inobstante o faturamento das empresas do PIM ter um desem­
penho, em valores nominais, significativo (foi, em 2002, R$26,545
bilhões e alcançou, em 2013, R$83,484 bilhões), quando se examina
a dinâmica do Produto Interno Bruto (PIB) do Amazonas, emergem
aspectos diferentes. Por isso, o primeiro enfoque se deterá no
desempenho do PIB. Para tanto, construiu-se o quadro a seguir para

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246 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

os dez anos que decorreram desde sua última prorrogação, e foram


calculados o crescimento acumulado (número índice, base 2002), a
participação no PIB do Brasil e no da Região Norte. Tais indicadores
foram elaborados para todos os estados da Região Norte, para se ter
elementos de comparação para o desempenho do Amazonas.

Quadro 1. PIB dos estados da Região Norte, seu crescimento e


participação no PIB do Brasil e do Norte – 2002-2011.

Fonte: construção a partir de IBGE (2011).

Pelo quadro 1, constata-se que o crescimento do Amazonas perdeu


ritmo de forma significativa, entre 2002-201135, só ficando atrás do
35
A nos para os quais existem dados oficiais de PIB.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 247

Amapá. Considerando o ano de 2002 como base, o PIB dos estados teve
as seguintes taxas percentuais de crescimento: Rondônia: 257,84; Pará:
244,40; Tocantins: 222,07; Acre: 206,59; Roraima: 200,57; Amazonas:
196,25; e Amapá: 172,46. Considere-se que esse foi um período de boom
na ZFM, pelo fato de ter decorrido logo após a ampliação de seu prazo
de vigência (em 2002). Entretanto, para algumas economias da região,
baseadas em commodities minerais e agropecuárias, o período inclui os
efeitos da crise internacional de 2008, situação que chegou a causar
crescimento negativo (-0,2%) no PIB do Pará, em 2009.
Entre as três maiores economias da região o Amazonas teve o
menor crescimento em participação na economia brasileira: o Pará
representava 1,7% e passou para 2,1%; Rondônia representava 0,5% e
passou para 0,7%; o Amazonas representava 1,5% e passou para 1,6%,
ou seja, ampliou apenas 0,1pp, embora possua robusto polo industrial
e seja beneficiado pelos incentivos da ZFM.
Em relação à representatividade da economia do Amazonas na
Região Norte, constata-se perda de participação. O Pará, mesmo tendo
sido afetado severamente pela crise de 2008 (decresceu em -0,2% no
PIB) contribuía, em 2002, com 37,0% e, em 2011, passou para 39,5%.
Rondônia passou de 11,2% para 12,5%; já o Amazonas diminuiu de
31,4% para 28,9%. São evidências de perda de dinamismo em relação
aos demais estados da Região Norte.
Em consonância com tais indicativos, estudo recente (maio 2014)
publicado por respeitável instituição financeira (ITAÚ, 2014), também
constata, para o Amazonas, tendência de contínuos decréscimos no
desempenho de seu PIB, a saber: 2003-2007: 6,5%; 2008-2013: 3,31 e
2014-2020: 2,5%.
A economia do Amazonas é, hegemonicamente, decorrente
do PIM, o que enseja uma composição seu PIB de forma bastante
distinta do Brasil. Em 2011 (IBGE, 2011), no Amazonas, a indústria
como um todo contribuiu com 41,7% do Valor Adicionado Bruto
(VAB), enquanto no Brasil essa taxa foi de apenas 27,5%. Essa é
uma constatação relevante, sobretudo quando se considera apenas
a indústria de transformação – segmento central da indústria no
estado – na qual a contribuição foi de 30,5%, enquanto no Brasil foi
14,6%, ou seja, menos da metade. E o desempenho da indústria de
transformação no estado é também bastante diferente do Brasil, pois
que, seu crescimento, entre 2007-2011, foi de 43,3%, enquanto no
Brasil foi 32,3, ou seja, 10 pp menor.

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248 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Em princípio, a configuração de uma economia com tal parti­


cipação da indústria deveria representar constatação comemorável.
Porém, vinculada a tal dinâmica, ela é ampla e intensamente
dependente dos incentivos fiscais da ZFM e gera amplo e regular
saldo na balança comercial, em razão das importações de partes, peças
e insumos para as fábricas localizadas na ZFM. Em 2013, chegou a
96% do total de seu comércio exterior (importações: US$14,1 bilhões;
exportações: US$1,1 bilhão). Ademais, como essas atividades ocorrem
em Manaus, o PIB da cidade e do seu entorno representa 85% do total
do estado (IBGE, 2010).
O segundo enfoque a ser analisado refere-se ao emprego, tanto
a geração quanto a remuneração. Neste caso, em vez de se comparar
com os demais estados da Região Norte, optou-se por compará-la com
o resto do Brasil, uma vez que a natureza da economia do Amazonas,
centrada na indústria e serviços (este representando 51,4% do VAB, em
2011), difere intensamente dos demais estados da região.

Quadro 2. Remuneração e empregos formais ocupados no Amazonas


e Brasil, 2011-2012.

Fonte: Construído em parceria com Mauro Thury Sá Vieira, com dados da Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS), obtidos em http://bi.mte.gov.br/bgcaged/login.
php, acessado entre 07/04/2014 e 07/05/2014.

Notas: a) As seções de atividades seguem a CNAE 2.0; b) para efeito de cálculos da


remuneração por emprego ocupado, foram retirados aqueles empregos para os quais
não há informação sobre remuneração; c) a indústria de transformação em Manaus
corresponde em larga medida ao Polo Industrial de Manaus.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 249

Pelo quadro 2 constata-se a existência, em 2012, de 616.377


empregos formais no Amazonas, o que é surpreendente para um
universo de aproximadamente 3,5 milhões de habitantes, dos quais,
pelo menos 1,6 milhão vivem em municípios do interior ou em áreas
rurais, onde parte significativa das ocupações são informais. Esse efeito
da ZFM tem maior significado quando se considera que para cada
emprego existente no PIM, estima-se que, pelo menos quatro outros
são gerados no resto do Brasil, nas cadeias do pós-venda e também na
produção dos insumos consumidos em sua indústria.
Percebe-se, também, em 2012, que a remuneração média
total não é tão diferente da registrada para o Brasil (R$1.957,03 e
R$2.080,07); que a indústria, hegemonicamente situada no PIM,
tem remuneração mensal bem próxima da identificada no Brasil
(R$2.002,17 e R$2.106,06); e que na indústria extrativa a remuneração
no Amazonas é quase o dobro da apontada para o Brasil (R$9.685,93
e R$4.928,94). Se se considerar apenas a remuneração de Manaus
(calculada separadamente), constata-se que a remuneração total média
dos setores chega mesmo a ser superior àquela encontrada para o resto
do Brasil (Manaus: R$2.112,91; Brasil: R$2.080,07), tanto quanto do
setor de serviços (R$2.131,59 e R$2.097,78).
Porém, mesmo com essa massa de emprego gerada, observa-se
que o Amazonas, quando comparado ao Brasil, precisa gerar mais PIB
para cada emprego que propicia: em 2012, essa relação no Amazonas
foi R$112.127,80, enquanto no Brasil foi R$92.545,57. Isso significa que,
por efeito da ZFM, a economia do Amazonas enseja bastante emprego,
remunera em níveis similares e até melhores do que no resto do Brasil,
porém, para cada emprego que cria, a economia amazonense precisa
gerar mais riqueza (PIB) do que no resto do Brasil.
O terceiro enfoque a ser analisado refere-se à agregação de valor
na indústria instalada no PIM. Normalmente, em razão do preconceito
que se tem pelo fato desse aglomerado econômico ser chamado
de “Zona Franca” tende-se a supor que ele tem a mesma natureza
de outras “zonas francas” espalhadas pelo mundo, nas quais, quase
sempre, existem apenas “montagens” dos produtos gerados. Não é o
que ocorre na ZFM, onde uma série de políticas e aperfeiçoamentos
dotaram-na de vantagens produtivas surpreendentes. Estudos recentes
demonstram esses avanços em relação à agregação de valor.

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250 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Quadro 3. Agregação de valor na indústria de transformação (comparativo


Brasil versus ZFM).
Fonte: Sá e Machado (2013).

Pelo quadro 3, observa-se que, a partir de 2003, o Amazonas


seguiu uma trajetória contínua de agregação de valor aos seus
processos industriais, tendo, a partir de 2007, ultrapassado o resto do
Brasil. Os dados foram apurados a partir da Pesquisa Industrial Anual,
do IBGE, e mostram que, ao contrário do senso comum, a indústria
de transformação estadual, que praticamente se confunde com o PIM,
tem adicionado mais valor a cada real produzido do que a indústria de
transformação do Brasil como um todo.
Assim, pela análise apenas dos três aspectos considerados,
constata-se que a ZFM deu pujança à economia do Amazonas, tem tido
êxito em agregar valor aos seus processos industriais e tem propiciado o
surgimento de empregos formais com remunerações similares ao resto
do Brasil. Porém, requer cada vez mais geração de riqueza (PIB) para
cada emprego gerado e o seu crescimento econômico (aumento de PIB)
tem perdido dinamismo em relação aos demais estados da Região Norte.

A esperada prorrogação e as questões a serem superadas


Desde 2010 tramitando no Congresso Nacional, a proposta de
prorrogação da ZFM foi aprovada, em 05-08-2014, por mais 50 anos,

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 251

por meio da Emenda Constitucional n.° 83/14, e publicada no Diário


Oficial da União de 06-08-2014. Em paralelo com tal fato, e como
fruto de acordo longamente negociado, foi também assinado pelo
Governo do Estado de São Paulo a Resolução SF nº 55, de 06-08-2014,
igualando a alíquota de ICMS cobrada por esse estado sobre os bens de
informática produzidos no PIM (exceto celulares) com as alíquotas dos
mesmos bens quando produzidos pela indústria paulista.
De um lado, ampliam-se os horizontes dos incentivos fiscais
encerrando-se as incertezas sobre a disposição do país em continuar
mantendo a ZFM. Do outro, encaminha-se o encerramento da chamada
“guerra fiscal” com o poderoso estado paulista, o qual é, ao mesmo
tempo, grande mercado de consumidores dos produtos da ZFM e seu
concorrente direto na atração de investidores.
Os dois fatos, à primeira vista, deveriam abrir um cenário de
expectativas retumbantes para a economia do Amazonas. Porém, não
é bem assim. Se o primeiro caso era imprescindível que acontecesse e o
segundo era esperado para destravar imbróglios jurídicos submetidos
ao Judiciário, os dois fatos, por mais relevantes e necessários, não são
suficientes para resolver as dificuldades da ZFM. Nas seções seguintes
apontam-se algumas dessas pendências a requererem equacionamento.
a) Reconstrução da Suframa e de formulações estratégicas
para sua atuação
Nos últimos tempos a instituição gestora da ZFM foi sendo, pouco
a pouco, deteriorada em suas possibilidades de conduzi-la de forma
efetiva e dinâmica. Algumas das razões, mas não todas, são identificadas
a seguir: (i) perdeu espaço político no âmbito do governo federal e, no
ministério ao qual é vinculada (Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior), tem seus interesses tratados por unidades de escalões
inferiores; (ii) perdeu a maior parte de sua capacidade técnica em
razão da saída de centenas de especialistas que eram terceirizados; (iii)
teve seus sistemas informatizados fragilizados em razão das incertezas
sobre os responsáveis por suas manutenções e aperfeiçoamentos; (iv)
teve suas receitas continuamente contingenciadas, o que afetou suas
possibilidades de cumprimento de seus compromissos e melhorias
institucionais; (iv) teve sua credibilidade regional reduzida e,
consequentemente, sua capacidade de interlocução afetada em relação
ao encaminhamento da agenda da ZFM.
Ao lado do equacionamento do que foi anteriormente listado,
é imperioso que a instituição fortaleça e amplie o planejamento

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252 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

estratégico de suas ações e rumos, baseado em sistema que envolva


pesquisa, formulações, avaliações e diretrizes de médio e longo prazo,
bem como, em observatório de dinâmicas políticas ou econômicas,
nacionais e internacionais, capazes de comprometer ou potencializar
a competitividade e funcionamento da ZFM, para permitir a adoção,
temporânea, de medidas que minimizem riscos e promovam adaptações.
Impõe-se, pois, como providência imediata, a reconstrução e o
fortalecimento da Suframa para que ela tenha possibilidade de liderar
e coordenar as iniciativas para o aperfeiçoamento e o fortalecimento
da ZFM nessa sua nova fase.
b) Inserção na lógica produtiva nacional
A ZFM sempre foi tida, tanto pelos produtores centro-sulinos
quanto pelas autoridades federais envolvidas com o desenvolvimento
nacional, como uma política de exceção, transitória e com prazo certo
para acabar. Por essa razão, ela nunca foi pensada como parte da lógica
produtiva nacional e, consequentemente, quase nunca foi considerada
nas políticas, programas e iniciativas relativas ao desenvolvimento
brasileiro, tais como: Plano Brasil Maior, Estratégia Nacional de
Ciência e Tecnologia, Plano Nacional de Logística e Transporte e,
principalmente, em relação às políticas tributárias e de desenvolvimento
regional no Norte do país.
É necessário, pois, nessa nova fase, na qual o horizonte para sua
existência foi deslocado para 2073, que ela tenha papel nas cadeias
produtivas nacionais, que lhe seja atribuído um propósito nacional e
regional passível de acompanhamento, que seja visibilizada de forma
clara sua articulação com as dinâmicas econômicas que configuram
o sistema produtivo do país. E isso precisa ser definido desde já para
que as iniciativas de seu aperfeiçoamento tenham tais premissas como
orientadoras das providências.
c) Aperfeiçoamento e modernização dos regramentos inter­
venientes na ZFM
Ao longo do tempo, um aparato complexo e extenso de exigências e
normas foi sendo associado ao funcionamento da ZFM. A sua prorrogação,
para ter efetividade, precisa ser acompanhada de equacionamentos
para uma série de questões, como as que seguem: (i) impedir que
seu funcionamento seja afetado por normas infra legais contrárias às
garantias constitucionais ou por políticas públicas concorrentes com seus
fundamentos; (ii) possibilitar que os projetos aprovados para a ZFM sejam
considerados de “setor prioritário para o desenvolvimento regional”

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 253

para fins de gozo dos incentivos do IRPJ administrados pela Sudam,


sem necessidade de novas avaliações; (iii) promover a consolidação
e atualização de toda a legislação interveniente no funcionamento da
ZFM visando dar unidade ao aparato de leis, decretos, resoluções e
outros instrumentos normativos, com o propósito de reduzir custo de
administração fiscal dos empreendimentos incentivados e minimizar
riscos junto aos órgãos de fiscalização; (iv) trazer à tona providências
para viabilizar a entrepostagem de produtos da ZFM em todo o território
nacional, sem custo tributário imediato ou necessidades de convênios
prévios entre fiscos estaduais, permitindo às empresas transportarem
seus produtos para armazéns ou entrepostos em todo o Brasil e mais
próximos de seus clientes; (v) equacionar, de forma sistêmica, as exigências
da Política Nacional de Resíduos Sólidos para os produtos fabricados no
PIM e que responsabiliza as empresas pela coleta e recolhimento dos
resíduos sólidos de seus produtos, o que representará custos significativos;
(vi) manter estudos atualizados em relação à reforma tributária cogitada
como demanda urgente do país, para minimizar riscos de redução das
vantagens produtivas da ZFM ou trazer-lhe insegurança jurídica; (vii)
possibilitar que novos empreendimentos no PIM privilegiem segmentos
tidos como estratégicos para seu fortalecimento e possam ser tratados
por processos simplificados e acompanhados de modo a fazê-los exitosos.
Essa lista não esgota as possibilidades de aperfeiçoamento nos
regramentos da ZFM, mas dão uma ideia do quanto há a fazer para
que, de fato, a prorrogação ganhe efetividade.
d) Melhoria da infraestrutura para produção econômica
Temáticas recorrentes no ambiente empresarial da ZFM são o
custo e a qualidade da infraestrutura e da logística relacionadas com
a produção econômica. A lista é extensa, mas podem ser citadas as
seguintes: (i) providências e investimentos para ampliação e diversifi­
cação das estruturas portuárias, aeroportuárias e de armazenagem
primária em Manaus; (ii) equacionamento efetivo para o provimento
de energia elétrica regular, seja pela completude da interligação do
linhão Tucuruí-Manaus ou pela utilização efetiva e sustentável do gás
natural do Urucu, promovendo esforços e providências para acelerar
a conversão, onde for cabível, das usinas termoelétricas que abastecem
Manaus; (iii) providências imediatas para equacionar a precariedade
das comunicações, tanto em Manaus quanto nos municípios do interior,
fazendo com que a internet e telefonia celular sejam de qualidade e mais
baratas; (iv) fortalecimento e aperfeiçoamento dos principais eixos de
integração do estado, tanto rodoviário (Manaus-Porto Velho, Manaus-

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254 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Boa Vista, Estrada da Várzea,) quanto hidroviário (principalmente Rio


Madeira).
Para a ZFM, que se encontra distante dos mercados de insumos
que utiliza e dos bens acabados que produz, a logística (transporte,
armazenagem, seguro, burocracia alfandegária, etc.) é fator crucial de
sua atratividade para investimentos. Se cara, insuficiente e de pouca
qualidade, os incentivos fiscais do modelo não serão suficientes para
compensá-los, especialmente, em um cenário no qual a tendência é
a diminuição dos impostos incidentes sobre a produção em todo o
território nacional.
e) Agregação de valor por inovação tecnológica
A produção no PIM é baseada em pacotes tecnológicos gerados
pelos grandes produtores internacionais de bens de consumo global e a
expertise que o polo desenvolveu ao longo de 47 anos foi, essencialmente,
centrada na parte operacional do processo produtivo e na distribuição
para o mercado doméstico. Pouco se avançou na consolidação de
centros de pesquisa e desenvolvimento capazes de gerar as tecnologias
produtivas demandadas por essas cadeias de negócios, bem como
formar a mão de obra especializada para tais fins.
Muito há a fazer nesse sentido. A começar pela consolidação
de um sistema de C&T&I que seja, cultural e institucionalmente,
comprometido com desenvolvimento e produção econômica, isto é,
não tenha recusa em produzir conhecimento para fins produtivos,
como hoje acontece com a maioria das instituições de C&T do estado.
A reboque de tal providência vem o fortalecimento da Universidade do
Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM), além dos estabelecimentos de ensino superior privados, para
que suas atividades formadoras voltem-se para as demandas regionais
e tenham sinergia com a agenda do desenvolvimento e de C&T&I do
estado. Passa, também, pelo fortalecimento da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Amazonas (Fapeam), com disponibilização temporânea de
seu orçamento e completa operacionalização dos fundos que sustentam
sua manutenção, bem como priorização de iniciativas comprometidas
com o desenvolvimento do estado, focadas em resultados efetivos,
operacionais e úteis para as políticas públicas de desenvolvimento
estadual.
Providência essencial para esse propósito é sedimentar,
sob coordenação da Suframa, um sistema de C&T&I voltado,
essencialmente, para o PIM, visando dotá-lo de domínio tecnológico

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 255

capaz de representar vantagens competitivas significativas. Esforços


nesse sentido incluem a completa implantação do Centro Tecnológico
do Polo Industrial de Manaus (CT-PIM) e a atração massiva e acelerada
de cooperação técnico-científica, conectada aos objetivos produtivos
estaduais, oriunda de outros países ou estados mais avançados.
f) Implantação e fortalecimento de cadeias produtivas com
raízes regionais
Uma das fragilidades do PIM é a sua concentração na produção
de bens pouco relacionados com fatores de produção oriundos da
região. Isso é particularmente ostensivo em relação aos principais
produtos que compõem o seu portfólio de ofertas: eletroeletrônicos,
bens de informática, motocicletas e outros. Entretanto, há uma série
de opções regionais, com estudos já avançados sobre seus potenciais,
que não podem mais ser desconsiderados nessa nova fase da ZFM.
Alguns exemplos são: (i) empreendimentos biotecnológicos, sobretudo
voltados para o agronegócio e busca efetiva do funcionamento do
Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA); (ii) empreendimentos
de especificidades amazônicas, como fitofármacos, sucos, licores
tropicais, farinhas (pupunha, mandioca, etc.), flores tropicais, plantas
medicinais e outros; (iii) cadeias produtivas decorrentes do gás natural
(polo gasquímico, uso veicular, uso industrial) a ser provido, de forma
abundante, pelas diversas províncias onde esse recurso já foi ou está
sendo identificado, como Urucu, Juruá, Silves; (iv) implantação do
Polo Naval de Manaus para centralizar e dinamizar a indústria de
construção naval instalada em Manaus e em seus arredores e para
irradiar dinamismo no setor de transporte fluvial em todo o estado;
(v) ampliação do porte econômico do setor de produção de pescados
tanto através da aquicultura tradicional quanto da criação em gaiolas
(no Lago de Balbina, no Rio Urubu, etc.) e em grandes fazendas
de peixe em várzeas altas; (vi) ampliação da escala econômica do
segmento industrial dedicado à produção de pequenos motores,
ferramentas e de insumos para a produção agropecuária, visando
minimizar seus custos para o produtor rural do Estado; (vii) dar
ao setor mineral maior participação na economia do estado, tanto
extraindo quanto beneficiando e, no que for possível, avançando para
fases mais finais de suas cadeias produtivas. Isso inclui os reservas de
silvinita do Médio Amazonas; de estanho, nióbio e tântalo do Pitinga;
de Caulim dos arredores de Manaus, e outros.
Obviamente, não se cogita, sob hipótese alguma, minimizar a
importância e a essencialidade da atual produção do PIM. Porém,

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256 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

tendo em conta as opções citadas e que possuem raízes regionais,


constata-se a existência de alternativas para retirar a dependência que
hoje a ZFM tem das commodities eletroeletrônicas e de duas rodas.
g) Ampliação das exportações da indústria do PIM
O amplo e regular déficit na balança comercial do Amazonas
(já referido antes), a necessidade de o país aumentar suas reservas
cambiais, o impositivo da inserção do Brasil no mercado global e a
característica exportadora associada às zonas especiais de produção
econômica pelo mundo, impõem à ZFM o compromisso de exportar e
de ter essa providência como parte de seu pacto com a nação. Sabe-se
que o modelo original focava o abastecimento do mercado interno,
entretanto, diante do cenário atual, a necessidade de mudança para um
perfil que tenha na exportação um de seus pilares torna-se indispensável
e se avulta, quando se constata que a quase totalidade das empresas
sediadas no PIM são multinacionais com experiência global e que
dispõem de canais de interação já instalados com os diversos mercados.
Essas circunstâncias vão requerer uma interação comercial mais
intensa com os países do seu entorno por meio de providências já
iniciadas, como: (i) conexão logística de Manaus aos mercados dos países
pan-amazônicos e aos grandes centros consumidores da costa leste do
Pacífico e do Caribe, incluindo-se as saídas via Manta no Equador, via
Paita-Piura no Perú, via Georgetown na Guiana, outros; (ii) retomada das
tratativas para a inserção, sem restrições, da produção econômica da ZFM
no Mercosul e em outros blocos econômicos latino-americanos, como o
recém-fundado Aliança do Pacífico; (iii) efetivação, via Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) ou mesmo diretamente em
tratativas bilaterais, de providências para ampliar as trocas comerciais
entre os países pan-amazônicos, por meio de interação econômica, como
realização de feiras internacionais de negócios, de facilidades logísticas,
de promoção mais sistemática da interação empresarial e outros;
(iv) adoção de estímulos de efeitos verificáveis para que as empresas
sediadas na ZFM destinem parte de suas produções para a exportação,
especialmente para países latino-americanos.
h) Dinamização e fortalecimento do ambiente econômico e
empreendedorismo
Os principais agentes econômicos da ZFM sempre foram
empresas de médio ou grande porte atraídas de outras regiões ou do
exterior. Essa circunstância fez surgir dois aspectos comprometedores
do ambiente de negócio no estado. O primeiro, como as empresas

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 257

possuem unidades administrativas ou assessorias responsáveis pela


parte legal e burocrática do seu funcionamento, ficou ofuscado
o contínuo crescimento das exigências, ritos e atores públicos a
requererem, cada vez mais, tempo e esforço por parte das empresas.
Alem disso, também ficou ofuscado e dificultado o papel que os micros
e pequenos negócios, sobretudo locais, podem ter no fortalecimento da
economia do estado.
A nova fase da ZFM requer providências para: (i) diminuir o custo
burocrático da produção, especialmente no PIM, para reduzir e unificar
as ações fiscalizadoras do Estado e da União; centralizar, unificar e
diminuir a cobrança de taxas; minimizar e unificar as exigências de
informações; viabilizar a substituição de qualquer outro identificador de
empresa pelo CNPJ, convertendo-o em única referência de identidade
empresarial; possibilitar a abertura on-line de empresas e transferir para
o estado o ônus de buscar comprovantes; utilizar para toda e qualquer
finalidade econômica as classificações nacionalmente adotadas pelos
órgãos federais (IBGE, RFB, etc.), como códigos de mercadorias
(NCM), classificação de atividades produtivas (CNAE), visando dar
comparabilidade universal às estatísticas econômicas da ZFM e do
estado; (ii) adotar políticas para fortalecimento e ampliação de segmento
empresarial baseado em micro e pequenas empresas (MPE), empresas
de pequeno porte (EPP) e microempreendedor individual (MEI), por
meio de incentivo generalizado ao empreendedorismo (principalmente
entre jovens), de tratamento diferenciado desse segmento perante as
compras governamentais, de facilidades tributárias e administrativas,
de estímulos creditícios, de promoção de inovação, de apoio ao acesso
à justiça, e outros; (iii) viabilizar estratégias educacionais permanentes,
para formar empreendedores e disseminar o empreendedorismo, no
ensino superior e médio, extensivo a todas áreas, tanto no âmbito da
UEA, UFAM e entidades privadas de ensino superior, quanto na rede
de ensino médio e técnico do estado.
i) Ampliação do protagonismo político e inserção econômica
na Amazônia
A ZFM, pelo porte econômico que assumiu e pela influência na
atração de obras de infraestrutura e logística, bem como pelo papel que
passou a ter no espraiamento de riquezas regionais, na minimização
da pressão sobre as florestas da região, na aplicação de recursos na
formação de capital intelectual e outros, porta consigo amplo potencial
para ter maior protagonismo em relação aos rumos e interesses da
Amazônia, especialmente sua parte ocidental.

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258 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Nesse sentido, e considerando as possibilidades políticas que


se abrem nessa nova fase, torna-se necessário: (i) dar visibilidade
e avaliar, de forma sistemática, o papel exercido pela ZFM no
desenvolvimento regional, especialmente na Amazônia Ocidental,
incluindo efeitos ambientais virtuosos, função econômico-social das
redes e cidades e economias de aglomeração ou de regionalização
pertinentes; (ii) buscar a efetivação de iniciativas para que as
instituições públicas federais relevantes para ZFM – como Receita
Federal do Brasil, Anvisa e Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento – tenham centros decisores ou bases de atuação mais
autônomas instalados em Manaus, bem como sejam dotadas dos
recursos necessários – humanos e financeiros – para atenderem as
demandas da ZFM e de toda a Amazônia Ocidental; (iii) realizar
estudos para avaliar a conveniência e viabilidade de transformar a
Suframa em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
Ocidental (SudamOC), vinculada ao Ministério da Integração
Regional, convertendo-a em ente, de fato e de direito, responsável
pelo desenvolvimento regional na Amazônia Ocidental, com
infraestrutura e recursos – humanos, materiais e orçamentários –
necessários para tal mister, mas mantendo um núcleo central para
cuidar da ZFM; (iv) realizar estudos para fundamentar a criação de
fundo único – Fundo de Desenvolvimento da Amazônia Ocidental
– formado por parcela do IRPJ fruído pelas empresas da ZFM,
visando ao fomento do desenvolvimento da Amazônia Ocidental e
a ser administrado pela possível futura SudamOC, mantendo-se,
entretanto, as taxas decorrentes dos serviços prestados pela atual
Suframa, a serem aplicadas, exclusivamente, na sua manutenção e
melhoramento das estruturas produtivas PIM.
Além disso, é pouco compreensível a baixa interação econômica
que a ZFM tem com os demais estados da região. Suas compras e
vendas são feitas, hegemonicamente, com o exterior ou com estados
de outras regiões. Nesse sentido, torna-se necessário o fortalecimento
de cadeias de negócios com os demais estados da Amazônia, pela
promoção de feiras e eventos regulares de negócios, intercâmbio
entre empresários e agentes públicos envolvidos com a temática,
disseminação de informações sobre as ofertas e demandas da economia
dos estados, promoção de eventos científicos e técnico-econômicos na
região, iniciativas essas todas voltadas para criação de uma cultura
regional de intercâmbio econômico e mercadológico.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 259

j) Fortalecimento do compromisso da ZFM com a sustenta­


bilidade ambiental
O mais repetido argumento político usado para viabilizar a
prorrogação da ZFM foi o efeito ambiental que ela teve na proteção
das florestas do Amazonas. E de fato assim o é, como já referido
anteriormente neste trabalho. Porém, pouco se considerou que esse
efeito é uma externalidade, isto é, uma consequência fortuita ou não
intencional, pois inexiste, por parte das instituições que deveriam
formulá-las, qualquer política que vincule a ZFM a compromissos
fundados na busca de proteção ambiental. Como explicar que a
produção anual de dois milhões de motocicletas – que consumirão
combustíveis fósseis e terão suas carcaças descartadas alhures – ou de
centenas de milhões de produtos eletroeletrônicos feitos com insumos
plásticos – que se transformarão em lixo nocivo ao ambiente – seja
feita com base em compromisso ou sob políticas de promoção da
sustentabilidade?
Na nova fase, é imperioso que se faça mais do que apenas ecoar
os efeitos não intencionais, pois pode haver outras explicações – como
ausência de rodovias conectando o estado às fronteiras agropecuárias
– para os quase 98% de integridade das florestas estaduais. Políticas
concretas podem ser implementadas, como: (i) manutenção atualizada
dos estudos científicos que comprovam o efeito ambiental do PIM e
promoção de linhas de pesquisa científica que ampliem o acervo de
conhecimento a respeito; (ii) efetivar políticas que promovam esse
atributo, como o selo “Produzido no PIM, Protegendo a Amazônia” que
visa aos produtos do PIM um indicativo agregador de valor e preferência
mercadológica; (iii) criar, para adoção, optativa, o Processo Produtivo
Básico Sustentável (PPBS), para ser aplicado a produtos fabricados com
algum fator de sustentabilidade e que, por isso, teriam certificação
dessa característica; (iv) instituir como contrapartida pela fruição dos
incentivos fiscais a neutralização de carbono por parte das empresas
instaladas no PIM; (v) promover e apoiar iniciativas que possibilitam
o advento de segmento econômico baseado na comercialização de
serviços ambientais, de tal sorte que a floresta em pé seja tida, também,
como “capital econômico” que gera receitas e não simplesmente como
“patrimônio ambiental” que gera custo para ser mantido.
Há, pois, uma longa lista de iniciativas para que a prorrogação
da ZFM se efetive de forma auspiciosa e possibilite uma nova fase
mais estratégica e robusta para a economia do Amazonas e da região
como um todo. Com as providências apontadas ela ficará, por certo,

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260 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

menos dependente dos incentivos fiscais e da mera vontade política de


autoridades públicas federais.

Considerações finais
No mês de conclusão deste artigo (agosto 2014), os jornais de
Manaus têm publicado, em paralelo com a euforia da prorrogação,
sinais de que há motivos reais para se considerar que a simples
ampliação de seu prazo de validade é insuficiente para recompor seu
dinamismo.
A Crítica de 6 de agosto de 2014 noticia, com base em pesquisa do
IBGE, que a produção industrial do Amazonas, no mês de junho, liderou
o ranking de queda entre todos os demais estados, com -9,3%, e que na
comparação com o mesmo período de 2013, o estado também teve a
pior queda, com -16,1%. Informa também, que em 2014, esse é o quarto
mês que apresenta queda desse agregado econômico. No mesmo jornal,
no dia 12-08-2014, o senhor Paulo S. Takeuchi, diretor-Executivo de
Relações Institucionais da Moto Honda da Amazônia (uma das maiores
empresas da ZFM), publicou um artigo com o sugestivo título “De volta
à realidade”, no qual registra que o segmento de duas rodas – o segundo
mais importante da ZFM – deverá fechar o ano com desempenho
inferior ao de 2013, que já tinha sido inferior ao de 2012, 2011 e
2010. Ademais, aponta um cenário pouco atraente com instabilidades
econômicas, incerteza quanto ao futuro, alta inflação e juros, nível de
endividamento da população e consequente inadimplência, tudo isso
refletindo em perspectivas nada satisfatórias.
Merece, portanto, refletir que do projeto original da ZFM – e
sua ancoragem histórica, teórica e estratégica – pouco restou, a não
ser, essencialmente, os diferenciais tributários, ainda assim reduzidos
ao longo tempo e hoje baseados em uma legislação extensa e complexa
que só lhe agregam, continuamente, insegurança jurídica, como
analisado à exaustão ao longo do texto. As garantias constitucionais
agora previstas até 2073 não terão o condão de fazer desaparecer essa
herança de tanto tempo de desfiguração.
Sem encaminhamento efetivo da agenda de providências
elencadas anteriormente, e/ou outras que possam vir a ser apontadas
por estudiosos do tema, a atratividade para novos investimentos fica
comprometida. E é urgente que algo seja feito, pois esse estado de espera
que já era vivenciado por todos desde antes – quando ainda se aguardava
pelo desfecho legislativo em torno da prorrogação – prossegue agora

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 261

com as expectativas eleitorais e com o ambiente econômico do Brasil,


e continuará em pauta se nada for percebido pelos empresários em
relação à superação dos impasses aqui levantados e que são conhecidos
de todos.
Obviamente, nenhum investidor aguarda indefinidamente por
melhorias de determinado ambiente econômico para tomar decisões
em termos da localização de seus negócios. Eles sabem que, se não
atendem à demanda, o próprio mercado busca alternativas, seja pelo
surgimento de outras empresas ou pela simples importação.
O Brasil tem sido muito generoso com o Amazonas. Até
2073 terá transcorrido mais de um século (106 anos) de ZFM.
As autoridades e lideranças políticas regionais precisam levar em conta
as circunstâncias da realidade e adotar compromissos para tornar
efetiva a prorrogação obtida agora, transformando esse momento em
uma oportunidade estratégica para promover o fortalecimento e o
aperfeiçoamento da ZFM.

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Capítulo 10 • Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo... 265

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Capítulo 11

Caminhos da agropecuária
amazônica como instrumento
de desenvolvimento
Alfredo Kingo Oyama Homma

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268 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
Acompanhei a evolução da agricultura na Amazônia nos últimos
45 anos, quando iniciei minhas atividades em Manaus após a conclusão
do curso de agronomia em 1970, na Universidade Federal de Viçosa
(UFV). Seria imaginar o mesmo percurso para aqueles que estão
iniciando no presente para perscrutar a Amazônia em 2060. No início
da década de 1970, um cidadão comum jamais poderia imaginar o uso
de internet, celular, netbook, ultrabook, Ipod, Ipad, tablet, TV de plasma,
ponte sobre os rios Guamá e Negro, torres de transmissão da altura da
Torre Eiffel, etc., como algo rotineiro na Amazônia (BLAINEY, 2012).
O primeiro salário como profissional foi para adquirir uma máquina
de escrever Olivetti Lettera 22, considerada prática na época. Imaginar
como seria a agricultura na Amazônia para as próximas quatro
décadas, inter-relacionando com outros setores da economia, constitui
um desafio sem precedentes.
Nasci em 1947, em Parintins, Amazonas, para onde meu pai
imigrou em 1933, da Província de Niigata, norte do Japão. Largou
o primeiro ano de Direito em Tóquio para frequentar a Escola de
Imigração e Colonização recém-aberta por Tsukasa Uyetsuka (1890-
1978) para treinar os emigrantes para a Amazônia. A minha mãe
chegou com seus pais, da Província de Okayama, sul do Japão, também,
embalados no grande projeto de emigração de Tsukasa Uyetsuka, mas
em navios diferentes, e se casaram no Brasil. Tiveram três filhos, sendo
dois homens e uma mulher. O navio, a província de origem e o ano de
chegada passam a ser o ponto de identificação entre os emigrantes que
deixaram o Japão.
O meu avô materno Ryota Oyama (1882-1972), foi quem efetuou
a aclimatação da juta. Os japoneses que chegaram a Parintins se
estabeleceram em área de várzea, para cultivar a juta, que marcou o
início da agricultura na Amazônia e do processo de agroindustrialização
local com a instalação dos jutifícios. O sucesso decorreu da mão de
obra liberada dos seringais, provocada pela crise da borracha, e da
II Guerra Mundial, ao impedir a importação da juta indiana. No seu
auge, na década de 1960, chegou a contribuir com um terço do PIB
do Estado do Amazonas, e com mais de 60 mil famílias envolvidas no
seu cultivo. Foi uma atividade muito importante na economia pós-crise
da borracha e da economia pré-Zona Franca de Manaus, marcando
o segundo ciclo da economia do Amazonas. O cultivo praticamente
desapareceu com o aparecimento de fibras sintéticas, o deslocamento
de mão de obra para as atividades da Zona Franca de Manaus, o

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 269

transporte a granel e a abertura de mercado durante o Governo Collor


(1990-92). A produção de fibra de juta na Amazônia levou o Brasil à
autossuficiência em 1953 e, com o declínio, o reinício das importações
em 1970 e seu desaparecimento a partir da década de 1990.
Em 1949, minha família resolveu sair de Parintins. Com a
guerra, houve o confisco dos bens dos japoneses. A Vila Amazônia
(Parintins) e pertences dos imigrantes, como rádio, armas, motor, tudo
foi confiscado. Meu pai ficou preso seis meses com o cônsul alemão e
italiano, mas foi bem tratado, uma vez que com mais de 10 anos de
imigração, os japoneses já haviam feito uma teia de relações com os
brasileiros e tinham respeito pela introdução da juta. Ele distribuía
sementes de juta em Manacapuru, a serviço da Associação Comercial
do Amazonas, e o pessoal entendia que ele era “quinta coluna”,
designação dada para os elementos do Eixo no país, como se fossem
espiões (PRIMEIRO, 1971). Os alemães e os japoneses ficaram muito
visados nessa época, devido ao afundamento de 34 navios na costa
brasileira e à morte de 1.081 tripulantes e passageiros (SIOLI, 2006).
Em Belém, casas de japoneses e italianos chegaram a ser depredadas.
Mas não houve exageros, muita coisa é pura fantasia, na tentativa
de obter indenização, como ocorreu com as vítimas da ditadura
militar. Os japoneses eram obrigados a apresentar “salvo conduto”
para qualquer deslocamento que fossem efetuar, junto às autoridades
policiais. Meu avô ganhou muitas medalhas e condecorações, tanto do
governo brasileiro quanto do japonês, pelo seu trabalho com a juta,
mas a nossa família vivia em extrema miséria.
A família migrou para Pernambuco, no atual município de Jatinã,
às margens do Rio São Francisco. Lá trabalhou com o famoso agrônomo
Eudes Souza Leão Pinto (1920), que mais tarde, tornou-se o primeiro
presidente do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA),
e acreditou no plantio de juta nas margens do Rio São Francisco. Logo
após o sucesso da juta nas várzeas do Rio Amazonas, houve tentativas
de seu plantio no Amapá, Maranhão, Minas Gerais e Espírito Santo,
e somente no último‑ teve pequena produção, que desapareceu
rapidamente. Com o insucesso em Pernambuco, a família mudou-se
para Ilhéus, Bahia, onde nasceu minha irmã (1950). A partir de Ilhéus,
começo a ter recordações dos locais de moradia. Em Ilhéus a família
também não deu certo, trabalhando em terra arrendada no plantio de
hortaliças, e transferiu-se para Cariacica, perto de Vitória, no Espírito
Santo, adotando o mesmo procedimento. Em seguida mudamos para o
interior do Maranhão, na região central do estado, no atual município
de Lima Campos, região da palmeira de babaçu. A vinda de nordestinos

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270 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

para ocupar terras devolutas provocava, semanalmente, assassinatos


com “peixeira”, motivados por brigas pelas terras. Um empregado
do meu pai chegou em um domingo, ensanguentado, para pedir as
contas, afirmando que tinha matado uma pessoa e precisava fugir. Em
Lima Campos morava também o avô materno (Assuéro Leopoldino
Ferreira) do senador José Sarney (1930), que era chefe político local e
frequentemente aparecia em nossa casa (ECHEVERRIA, 2011).
Lembro que, quando Getúlio Vargas (1883-1954) se suicidou,
nossa família estava em Lima Campos, e me recordo de ter ouvido
muita gente falando sobre o assunto, sem entendê-lo. A região já
representava uma frente de ocupação de colonos nordestinos, que seria
ampliada a partir da criação da Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene) em 1959. Tive oportunidade de retornar a
Lima Campos em 12 de julho de 2014, depois de 60 anos, e a cidade
estava completamente irreconhecível. Depois a família mudou-se para
São Luís, uma vez que a escola era muito difícil para quem morava
no interior. Fiz somente o quarto ano primário e entrei direto para o
ginasial. Em São Luís nasceu meu irmão (1955). A prioridade da família
era educar os filhos, que estudavam apenas em casa. Meu pai era muito
rígido. Era faixa preta de judô, segundo dan, da melhor escola de
judô no Japão, uma vez que a Escola de Emigração e Colonização, no
início, funcionou nesse local. Não admitia nota baixa. Todos os filhos
passaram em primeiro lugar nos vestibulares. Passei em Viçosa, Minas
Gerais. A minha irmã, em Medicina em São Luís, e meu irmão caçula
em Ouro Preto, Minas Gerais, em metalurgia. Meu pai acreditava que
a única forma de ascender no Brasil era pela educação. Ele entendia
que o Brasil era um país 50 anos atrasado em relação ao Japão, em
termos de transporte, educação, organização pública, etc.
Estudei em escola secundária pública. O ensino público naquela
época era referência. Frequentei o Liceu Maranhense, fundado em 1838,
no tempo em que existia o exame de admissão. O Liceu era considerado
a melhor escola de São Luís. Muitos contemporâneos tornaram-se
pessoas importantes no estado e no país. Era como se fosse o Paes de
Carvalho, em Belém, fundado em 1841, ou o Colégio Amazonense
D. Pedro II, em Manaus, fundado em 1869. Naquele tempo havia falta
de transporte, e para ir para a escola, eu caminhava 8 km, e na volta
trabalhava na horta e estudava a noite com à luz de lamparina.
Em 1967, iniciei o curso de agronomia na Universidade Rural
do Estado de Minas Gerais (Uremg) que seria transformada na UFV,
em 1969. A razão de ter ido para lá foi por conta do famoso botânico

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 271

Chotaro Shimoya (1912-1977), que veio fazer um estudo no Maranhão


a convite da Sudene, e do baixo custo de manutenção na UFV. Foi uma
viagem bem atribulada de ônibus, de São Luís até Leopoldina (MG), na
qual levei uma semana para chegar a Viçosa. Naquele tempo era muito
difícil o deslocamento entre as regiões do país. Isso se deu em 1966, e
eu tinha 19 anos.
Graduei em 1970 e fui trabalhar na extinta Comissão de
Desenvolvimento Econômico e Social do Amazonas (Codeama),
presidida por Ozias Monteiro Rodrigues (1933-2006). Naquela época,
com uma graduação em Viçosa tinha a possibilidade de pelo menos
sete opções de emprego. Fiquei com a pior opção em termos salariais.
Houve uma migração grande do pessoal formado em Viçosa, para
trabalhar na Acar-Amazonas, que pagava muito bem. Permaneci
apenas sete meses na Codeama e consegui ser contratado no antigo
Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária da Amazônia
Ocidental (IPEAAOc), fundado em 1969, localizado no Km 30 da
estrada Manaus-Itacoatiara, chefiado por Fernando Burlamaqui
Monteiro, irmão do famoso escritor paraense Benedito Monteiro
(1924-2008). Esta instituição, fundada pelo ministro da Agricultura,
Ivo Arzua Pereira (1925-2012), em 1969, era bastante precária, mas
seria o embrião da atual Embrapa Amazônia Ocidental. Era distante,
somente floresta em ambas as margens da estrada, e onde, do Km 30
ao Km 80 estava localizada a Colônia Japonesa Ephigênio Salles (1958),
que se dedicava a hortaliças, pimenta-do-reino, fruteira e aves. As aves
eram importantes para fornecer adubo orgânico para os plantios,
bastante difícil na época (figuras 1 e 2).
Na Codeama, fundada por Arthur Cesar Ferreira Reis (1906-
1993), em 1971, ocorria, a segunda maior cheia do Rio Amazonas,
não havia serviço para mim, e estava em período de mudança para o
Governo João Walter de Andrade (1919-2008). Na Codeama aproveitei
o tempo para ler quase a maioria dos livros da biblioteca que ficava
no porão, sobre a questão extrativa da borracha, castanha-do-pará,
guaraná, juta, história da Amazônia e da metamorfose da Zona Franca
de Manaus. No IPEAAOc, a despeito de estar em uma instituição
de pesquisa agrícola, era emblemático lembrar que naquela época,
em toda a Região Amazônica, havia apenas três pesquisadores com
nível de mestrado. No IPEAAOc havia um, que constituía argumento
poderoso para justificar propostas de financiamento na Suframa e na
Sudam. Os outros dois eram do Instituto de Pesquisa e Experimentação
Agropecuária do Norte (Ipean) sediado em Belém, hoje, Embrapa

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272 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Amazônia Oriental. Considero o trabalho mais importante que realizei


no IPEAAOc um levantamento do centro produtor de sementes de
juta em Alenquer, que se tornou clássico, e um sobre a descorticação
mecânica da fibra de juta. A questão das sementes de juta sempre
foi um tema delicado para o Estado do Amazonas, que agudiza no
presente com o interesse na retomada da produção de malva. Perdi
oportunidades de conhecer melhor o interior do Estado do Amazonas.
Em 1973, a recém-criada Embrapa incorporou o IPEAAOc.
A primeira ação da empresa foi promover um agressivo programa de
treinamento de pesquisadores em nível de mestrado e doutorado, no
país e no exterior, atingindo dois mil pesquisadores em uma década.
O mestrado naquele tempo era algo quase inacessível. O Brasil fez uma
revolução silenciosa na pós-graduação, graduando 15.696 doutores e
36.891 mestrados em 2014. Fiz o mestrado entre 1974 e 1976. Durante
a graduação, tomei gosto pela economia, como área importante para
resolver os problemas da agricultura.
Em 1972, ano anterior à criação da Embrapa, existiam 872
técnicos envolvidos com a pesquisa agrícola no Ministério da
Agricultura. Destes, somente 10,7% tinham completado o curso de
mestrado e apenas 0,3% o de doutorado (ANDRADE, 1985). Em julho
de 1985, para um quadro de 1.653 pesquisadores da Embrapa, estes
quantitativos passaram a ser, respectivamente, 17% (graduados), 62%
(mestrados) e 21% (doutores). Houve, portanto, uma inversão positiva
no quadro do pessoal técnico-científico.

Figura 1. Fase pré-Embrapa no Amazonas: sede principal do IPEAAOc


em 1970, na margem da rodovia Manaus Itacoatiara, Km 30, atual
Embrapa Amazônia Ocidental1.
Fonte: Reunião de diretores da pesquisa agropecuária federal, 1970.
1
Comparando com a situação atual, ocorreu grande avanço.

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 273

Figura 2. Equipe de pesquisadores do IPEAAOc no início da década de 19702.


Fonte: Gentileza de Fernando Antônio Araújo Campos, 2014.

Com a criação da Embrapa (1973), tive a oportunidade de cursar


o mestrado em Viçosa. Este curso provocou grande mudança, pois
aprendi a fazer pesquisa sob a sábia orientação do Prof. Antônio Raphael
Teixeira Filho e dos professores do Departamento de Economia Rural
da UFV. Fiz minha pesquisa de tese de mestrado na Transamazônica,
onde se concentrava o interesse dos brazilianist, no desenvolvimento
das teses de pós-graduação. Este exemplo encarna o interesse cíclico
dos pesquisadores sobre a região.
A Transamazônica serviu de tema de dezenas de teses de pós-
graduação. Três americanos: Philip Fearnside, Emilio Moran e Nigel
Smith, todos iniciaram a carreira acadêmica desenvolvendo sua tese
de doutorado sobre a Transamazônica. Encontrei o Philip Fearnside
e Judith Rankin, na agrovila Grande Esperança, no Km 50, ambos
coletando dados para sua tese de doutoramento. Todos os três se
tornaram grandes conhecedores da Amazônia, destacando-se Philip
Fearnside, que se radicou no país, como pesquisador do Inpa. Quanto

2
Observa-se Maria Pinheiro Fernandes Corrêa, o autor, Luiz Januário Magalhães Aroeira,
Fernando Antônio Araújo Campos, Antônio Francisco Souza, técnico do Campo Experimental
de Porto Velho, Luiz Fernando Monteiro, técnico do Campo Experimental de Rio Branco.
Sentados: Marcos Antonino Porto (Campo Experimental de Boa Vista), Luiz Carlos Almeida,
João Maria Japhar Berniz, Acilino do Carmo Canto.

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274 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

à tese de mestrado, perdi a oportunidade de aprofundá-la, faltou mais


empenho e a visão do conjunto.
Na Amazônia ocorrem modismos nos trabalhos de teses. Com
o recrudescimento dos desmatamentos a partir da década de 1970, os
temas da pecuária, da extração madeireira, da questão indígena, dos
garimpos, passaram ser os assuntos dominantes. Com o assassinato de
Chico Mendes (1944-1988), o tema do extrativismo passou a dominar,
coincidindo com o ano da minha defesa de tese, mas com resultados
totalmente contrários ao que pregavam os ambientalistas.
O falecido professor Fernando Antônio Silveira Rocha (1938-1999),
ex-presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e
Sociologia Rural (Sober), que participou da minha Banca de Defesa,
quis saber como antevi a importância do extrativismo. Foi puramente
obra do acaso e da sorte, também, para a Maria Osmarina Marina
Silva de Lima, Jorge Ney Macedo Viana Neves, Osmarino Amâncio
no campo político, e outros. Recebi vários prêmios, e passados 26 anos
da defesa, ainda continuo fazendo palestras sobre o tema da minha
tese. Até junho de 2015, completei 82 palestras relativas à minha tese,
envolvendo extrativismo, extração, domesticação, produto florestal
não-madeireiro, extractive economy, etc. No momento, Belo Monte,
serviços ambientais, economia verde, dendezeiro, passam a ganhar
relevância por parte dos pesquisadores.

Perfis de coragem: Pioneiros que


mudaram a agricultura na Amazônia
Na Amazônia, o papel dos introdutores de plantas, criações,
aproveitamento dos recursos naturais, etc. responde pelo sucesso de
muitas atividades agrícolas. Pode assumir resultado inverso quando elas
culminam na transferência de recursos genéticos para outros locais,
promovendo a desintegração econômica ou a perda de oportunidades.
Com a eclosão da questão ambiental, o papel dos desbravadores,
responsáveis pela fundação de diversos povoados, municípios, grandes
empreendimentos, está sendo associado à ideia da destruição da
Amazônia. Nesta seção, procurar-se-á enfocar apenas aqueles pioneiros
que foram responsáveis pelas inovações tecnológicas, mas não se pode
descartar o papel dos desbravadores no desenvolvimento da agricultura
na região. São exemplos desses pioneirismos: Hachiro Fukuhara (1874-
1943) e Tsukasa Uyetsuka (1890-1978), responsáveis pela imigração
japonesa na Amazônia, a fundação de Sinop, por Enio Pipino (1917-

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 275

1995), de Alta Floresta, por Ariosto da Riva (1915-1992); a lista de


personagens seria imensa, e eles provocaram impactos nacionais,
estaduais, municipais ou locais. Não se pode deixar de mencionar o
papel das políticas públicas e das grandes obras: abertura da Belém-
Brasília, Transamazônica, incentivos fiscais, etc. como indutoras dessas
transformações.
Em se tratando de inovações tecnológicas, esses pioneiros nem
sempre são pesquisadores ou profissionais da área agrícola, mas
indivíduos dotados de grande curiosidade, sentido de observação,
perseverança e perspicácia de antever o futuro (MERCANTE, 2006;
TECNOLOGIA..., 2009). Os impactos desses resultados destroem
muitas das ações recomendadas pelas instituições de pesquisa agrícola
no país, como pesquisa multi(inter)(trans)(pluri)disciplinar, portfólio,
arranjos produtivos, cadeias produtivas, entre outros, quando na
maioria constituem resultados individuais. As pessoas que fizeram
contribuições reais para a agricultura amazônica tiveram vocação
voltada para determinada planta/atividade, com perseverança, e nunca
seguindo o caminho fácil dos atalhos.
As oportunidades para a biodiversidade amazônica vão depender
de pessoas que dediquem 10, 20 ou 30 anos ao estudo do pau-rosa,
do tucumanzeiro, do uxizeiro, do puxurizeiro, do piquiazeiro, de
plantas medicinais, aromáticas, inseticidas, etc., procurando vencer
as limitações existentes. Os pesquisadores antigos estavam muito mais
sintonizados com esse perfil do que na atualidade, quando estão mais
preocupados com a publicação de trabalhos científicos, induzidos pelo
atual sistema de avaliação do Qualis, que tem prejudicado seriamente
as pesquisas agronômicas na Amazônia.
Entre os pioneiros dos séculos 18 e 19 merecem destaque Francisco
de Mello Palheta (1670 -1750), que introduziu o cafeeiro trazido da
Guiana Francesa em 1727, tornando-se a maior riqueza nacional, e
Vicente Chermont de Miranda (1849-1907) que introduziu o rebanho
bubalino trazido da Guiana Francesa em 1882. Nas primeiras quatro
décadas do século 20, destacam-se Henry Ford (1863-1947), que em
1927 iniciou o primeiro grande plantio de seringueiras no país na
região de Santarém; Ryota Oyama (1882-1972), que aclimatou a juta
indiana para as condições das várzeas amazônica a partir de 1937 e
Makinosuke Ussui, que introduziu as mudas de pimenta-do-reino em
1933, tornando o país um dos grandes produtores mundiais desta
cultura (HOMMA, 2013).

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276 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Na época contemporânea, os empresários schumpeterianos têm


aproveitado as inovações tecnológicas disponíveis ou, quando inexistentes,
efetuando adaptações, transferindo de outras regiões do país e do mundo e
arriscando em novos empreendimentos. Essa forma de expansão ocorreu
com os plantios de arroz irrigado em Roraima, desativados em 2009,
e no Estado do Maranhão; com os plantios de soja no Estado de Mato
Grosso; e com o dendezeiro, aproveitando a experiência iniciada em 1963
por Clara Pandolfo (1912-2009), quando implantou através da Sudam
o plantio pioneiro no atual município de Santa Bárbara do Pará, atual
Dendê do Pará S/A. Daniel Keith Ludwig (1897-1992), em 1967, iniciou
plantios de gmelina, eucalipto e pinus em larga escala na Amazônia, com
a implantação do Projeto Jari; em 1977, o produtor holandês Leonardus
Josephus Phillipsen efetuou o primeiro plantio comercial de soja de 32
ha, no município de Balsas, Maranhão; Noboru Sakaguchi (1933-2007)
e Mitinori Konagano dedicaram-se ao aperfeiçoamento e difusão dos
Sistemas Agroflorestais em Tomé-Açu; Katsutoshi Watanabe, de Tomé-
Açu, destaca-se como o primeiro plantador de cupuaçuzeiro em escala
comercial no Estado do Pará; Seya Takaki (1959-2014) e Sérgio Vergueiro
são incentivadores no plantio de castanheiras; Noboru Takakura e
Shigeru Hiramizu, nos plantios pioneiros com açaizeiro irrigado, que
estimularam o empresário Eloy Luiz Vaccaro, de Xanxerê (SC), ao plantio
de mais de um mil hectares de açaizeiros irrigados no município de
Óbidos, Estado do Pará. Akihiro Shironkihara (1923- ), em 1970, trouxe
as sementes de mamoeiro da variedade Sunrise Solo, desenvolvidas na
University of Hawaii, por Richard A. Hamilton, que modificou o hábito
de consumo dessa fruta no país.
A lista seria imensa, muitos em nível local, como o maior plantio de
coqueiros do Brasil da Sococo, no município de Moju (PA) em 1979; de
goiabeiras no município de Dom Eliseu (PA) como resultado da extinta
Bonnal; do agrônomo sergipano Antônio Soares Neto, da Emater
(PA), que no início da década de 1970, trouxe mudas de laranjeiras
de Sergipe, iniciando os primeiros plantios no município de Capitão-
Poço (PA); do cultivo de abacaxizeiro em Floresta do Araguaia (PA);
de arroz irrigado em Cachoeira do Arari (PA), desenvolvido por Paulo
César Quartiero; de cultivos de cafeeiros em Rondônia, entre dezenas
de outros exemplos. No início da década de 1990, Silvio D’Agnoluzzo,
do Grupo Concrem, deu início ao plantio do paricá (Schizolobium
amazonicum) nos municípios de Dom Eliseu e Paragominas, em escala
comercial, que teve rápida expansão atingindo mais de 88 mil hectares
nos Estados do Pará, Maranhão e Tocantins (ABRAF, 2013; MARQUES
et al., 2006).

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 277

A introdução da biodiversidade exótica ainda ocorre na época


contemporânea, como o noni, introduzido no Estado do Pará por
Noboru Sakaguchi; do nim, a partir da introdução efetuada em 1994
por Belmiro Pereira das Neves, que o plantou em Goiânia, e em 1997,
o fazendeiro mineiro Amiraldo Pereira Santos efetuou os primeiros
plantios na sua propriedade, localizada no município de Castanhal.
As duas plantas estão amplamente disseminadas no Estado do Pará.
Uma planta ornamental, a mussaenda (Mussaenda alicia) foi introduzida
pelo pesquisador Vicente Haroldo de Figueiredo Moraes (1937-2008),
da Malásia, na década de 1980, e rapidamente se espalhou no país.
A contribuição institucional é marcante na produção de sementes
de juta, em Alenquer, pelo Instituto Agronômico do Norte, a partir de
1948, viabilizando seu cultivo; a expansão do cacaueiro na Amazônia,
a partir da instalação da Ceplac em 1969, em Belém; das Unidades
da Embrapa na domesticação do cupuaçuzeiro e do guaranazeiro com
lançamento de cultivares; das técnicas de criação e manejo de peixes
pelo Inpa e Instituto Mamirauá; do manejo do açaizeiro pela Embrapa
Amazônia Oriental e o Museu Paraense Emílio Goeldi; do lançamento
de cultivares de açaizeiro e da difusão do mogno africano pela Embrapa
Amazônia Oriental; da expansão da soja na Amazônia pela Embrapa
Soja e Instituições de Pesquisa de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul,
e outras. Entre as ações emanadas dos movimentos sociais, destaca-se
a criação de reservas extrativistas, tendo como ícone o líder sindical
Chico Mendes (1944-1988), que teve repercussão mundial, considerado
modelo ideal para a Amazônia.
Efeito inverso ocorre quando plantas da biodiversidade amazônica
são transplantadas para outros locais, como o cacaueiro, efetuado por
Louis Frederic Warneaux em 1746, para a Bahia; Henry Alexander
Wickham (1846-1928), em 1876, com a seringueira para o Sudeste
Asiático; com o guaranazeiro, para a Bahia; seringueira, pupunheira
e jambu para São Paulo, entre outras, nas quais a Região Amazônica
perdeu oportunidades de geração de renda e emprego.

A atual fronteira tecnológica


da agricultura Amazônica
Os resultados de pesquisa são aditivos, associativos e
multiplicativos. Isto indica que diversos resultados de pesquisa
do passado e do presente podem ser somados produzindo novas
descobertas ou interpretações de fenômenos. Podem ser associativos,

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278 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

quando o conjunto de informações tende a produzir novos avanços


na fronteira científica e tecnológica. Ou multiplicativos, uma vez que
uma descoberta pode desencadear novas interpretações dos resultados
anteriores (HOMMA, 2003; NASCIMENTO; HOMMA, 1984).
Há quatro fontes de origem das tecnologias agrícolas utilizadas na
Amazônia: a dos indígenas, a transplantada pelos imigrantes (nacionais
e externos), as transferidas das instituições de pesquisa (nacionais e
externas) e da tecnologia autóctone. Há necessidade de aumentar a
geração de tecnologias locais.
O padre jesuíta João Daniel (1722-1776), que viveu na Amazônia
entre 1741 a 1757, escreveu extenso tratado sobre a Região Amazônica,
no qual fez detalhadas observações sobre a agricultura praticada na
época. O livro foi escrito no período de 1757 até sua morte, quando
ficou preso em Portugal – no período da caça aos jesuítas promovida
por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês do Pombal (1699-
1782). O texto é interessante para comparações com o atual processo
produtivo: para algumas atividades, como a lavoura de mandioca,
técnicas de captura de peixes, uso de plantas medicinais, muitas destas
técnicas são ainda utilizadas (DANIEL, 2004). Para a maioria, ocorreu
completa mudança dos cultivos, atividades, processos utilizados, etc.
Os resultados da pesquisa agrícola na Amazônia têm conseguido
provocar impactos no setor produtivo, positivos e negativos,
independentemente da sua origem de geração, associados com a
experiência dos produtores e das indústrias de insumos modernos.
Tenta-se listar as tecnologias que foram consideradas as mais
importantes. Quanto às conquistas científicas, isto seria motivo para
outro capítulo.
–– A expansão do cultivo mecanizado da soja, milho, algodão,
arroz e caupi, sobretudo nos estados de Mato Grosso, Tocantins,
Maranhão, Rondônia e Pará. Em 1998, o Estado de Mato
Grosso tornou-se o maior produtor de algodão do país, em
2000, de soja; em 2007, o segundo maior de milho, sem falar
de outras atividades. Técnicas de cultivo de arroz irrigado em
Roraima, Maranhão, campos de Marajó, Jari e várzeas do Rio
Caeté (Bragança, Pará) e Rio Formoso, no Tocantins;
–– o sistema de plantio direto na palha, que no país já alcança 32
milhões de hectares (2012), uma parte já está sendo utilizada
pelos produtores da Amazônia Legal no plantio de grãos;

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 279

–– dos 76 milhões de hectares desmatados na Amazônia Legal


(2014), cerca de 51 milhões de hectares são de pastagens,
dos quais 34,5 milhões em bom estado e quase 10 milhões
de pastos degradados. A pesquisa agrícola efetuou grande
contribuição com a introdução de capins africanos (colonião,
braquiária, etc.), que constituem a maioria das áreas de pastos
da Amazônia. Há tecnologias e processos que permitem a
recuperação de pastagens degradadas formadas a partir de
desmatamentos de florestas densas (DIAS FILHO, 2011);
–– reflorestamento com espécies madeireiras exóticas, como
a gmelina, eucalipto, teca, mogno africano, pinus e acácia
mangium, e nativas como o paricá, mogno brasileiro, freijó,
entre outras, totalizando 681.380 hectares (2012);
–– técnicas de plantio de pimenta-do-reino levaram o país atingir
a autossuficiência em 1953 e a situar-se entre o primeiro e
quarto produtor mundial;
–– lavoura de juta, que conduziu o país à autossuficiência em
1952, a retomada das importações em 1970 e o estabelecimento
de um centro produtor de sementes de juta no município de
Alenquer, Pará;
–– cultivares de mandioca adaptadas para as áreas de várzeas e
de terra firme e tratos culturais. A despeito de o Estado do
Pará ser o maior produtor nacional de mandioca, e tê-la como
componente básico da sua alimentação, os esforços de pesquisa
têm sido restritos com esta cultura;
–– não obstante a queda na extração madeireira na Amazônia
a partir da década de 1990, as técnicas de manejo florestal
estão sendo utilizadas para projetos de extração madeireira e
de comunidades;
–– tecnologias com relação ao cacaueiro pela Ceplac, permitindo
o plantio de mais de 163 mil hectares distribuídos com 110 mil
ha de cacaueiros plantados no Estado do Pará, 42 mil em
Rondônia, 10 mil no Amazonas e mil hectares no Mato Grosso
(MANUAL ..., 2013);
–– cultivo do cafeeiro, do qual as primeiras mudas foram
introduzidas no Estado do Pará em 1727, por Francisco Mello
Palheta, conta com 177 mil hectares, com destaque para
Rondônia, com 154 mil hectares plantados;

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280 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

–– técnicas de criação de bubalinos (várzea e terra firme), animal


introduzido em 1882, por Vicente Chermont de Miranda
(1849-1907), tornando-se ícone da Ilha de Marajó, sendo que
os Estados do Pará e Amapá concentram mais de 720 mil reses,
totalizando 56% do rebanho nacional;
–– domesticação da seringueira a partir dos plantios da Ford
Motor Company na região de Santarém, em 1927, e das
pesquisas iniciadas pelo Instituto Agronômico do Norte (1939),
em que conhecimentos foram transferidos para São Paulo,
Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, e
permitiram ultrapassar a produção de borracha extrativa em
1990, e que, atualmente, representa menos de 2% do total de
borracha produzida no país. O eixo do conhecimento sobre a
seringueira mudou-se da Região Amazônica para o Sudeste
do país;
–– manejo de açaizais nativos em áreas de várzeas do estuário
amazônico para produção de frutos (aproximadamente 100 mil
hectares manejados);
–– domesticação do guaranazeiro a partir da década de 1970,
com lançamento de cultivares, sendo que a Bahia produz
mais da metade da produção nacional, seguida do Estado do
Amazonas;
–– utilização de motosserras, roçadeiras costais, herbicidas,
fertilizantes químicos, calcário, etc. pelos pequenos produtores
para aumentar a produtividade da terra e da mão de obra;
–– domesticação de peixes amazônicos (pirarucu, tambaqui,
matrinchã, híbridos, etc.), permitindo a criação comercial
em larga escala e para pequenos criatórios. A piscicultura
teve grande avanço em Mato Grosso, Maranhão, Amazonas,
Roraima, Rondônia e Pará, nessa ordem;
–– açaizeiros para produção de frutos em áreas de terra firme,
com e sem irrigação, estimulada pelo crescimento do mercado;
–– produção de dendezeiro, que permitiu a expansão desta cultura
com mais de 162 mil hectares plantados no Estado do Pará, a
partir de 2010. Os pequenos produtores da Comunidade de
Arauai, município de Moju, Pará, associados à Agropalma, que
iniciaram os plantios de dendezeiro em 2002, estão recebendo
como lucro líquido mensal, o equivalente a quatro salários
mínimos;

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 281

–– lançamento de cultivares de cupuaçuzeiros resistentes à


vassoura-de-bruxa, permitindo plantio de 25 mil hectares,
sobretudo nos Estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia,
Roraima, Amapá e Bahia;
–– domesticação da pupunheira, permitindo o plantio de mais de
15 mil hectares, sendo que São Paulo concentra metade dessa
área, Bahia um quarto do total, e apenas 10% na Amazônia
Legal;
–– domesticação da castanheira-do-pará, fazendo com que 2%
da atual produção sejam provenientes de plantios em grande
escala ou isolados. A dificuldade do seu plantio decorre do
longo tempo para a entrada em frutificação, risco de queda de
frutos nas proximidades de casas e em plantios consorciados
que apresentam períodos de colheita comum; avanço em
monocultivos, com técnicas melhoradas;
–– domesticação da malva, erva daninha que vigorava nas áreas
degradadas de terra firme do nordeste paraense, que passou
a ocupar o lugar da juta, e a produção de sementes para
distribuição nas áreas de várzeas dos Estados do Amazonas e
Pará;
–– desenvolvimento de sistemas agroflorestais pelos colonos nipo-
brasileiros de Tomé-Açu, tornando-se referência mundial
e como modelo de ocupação da Amazônia, utilizando áreas
degradadas;
–– criação de abelhas nativas sem ferrão e africanizadas, que
constituem base de muitos projetos de pequenos produtores;
–– variedades resistentes de bananeira do grupo maçã e prata
para conter a sigatoka-negra, constatada em 02/1998, nos
municípios de Tabatinga e Benjamin Constant (Amazonas),
em 11/2000 no município de Almeirim, Pará. Chegou no Vale
do Ribeira, em São Paulo, em 06/2004, e em agosto alcançou
Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas
Gerais, e em outubro o Estado de Santa Catarina;
–– sistemas de agricultura sem o uso de queima, variando desde
a utilização de tratores e implementos inovadores até os mais
simples com tecnologia convencional;
–– cultivo de hortaliças regionais (jambu, chicória, cubiu, etc.)
e exóticas nas áreas peri urbanas, fruteiras nativas (manejo

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282 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

do bacurizeiro, uxizeiro, tucumanzeiro, maracujazeiro,


etc.), fruteiras exóticas tradicionais (coqueiro, laranjeira,
abacaxizeiro), criação de aves, etc. Para muitas dessas culturas,
como coqueiro, abacaxizeiro, maracujazeiro e laranjeira, o
Estado do Pará se destaca em nível nacional;
–– fruteiras exóticas, como o mamão havaí, melão, mangostão,
rambutã, que tiveram como porta de entrada o Estado do Pará
e foram disseminadas para os Estados do Nordeste e Sudeste;
–– plantios de jaborandi nos Estados do Maranhão e Piauí, e
início do processo de domesticação de pau-rosa, bacurizeiro,
camu-camuzeiro, uxizeiro, plantas ornamentais, aromáticas,
timbó (perdida), etc.;
–– na área de produtos agroindustriais houve avanços na produção
do açaí em pó, farinha de pupunha, aproveitamento do couro
de peixe e outros produtos obtidos a partir do beneficiamento
do pescado. Cerveja com aroma de bacuri, açaí, taperebá e
priprioca, suco de açaí com diversos sabores, maniva pré-
cozida, maniçoba e pato no tucupi congelado, fármacos e
cosméticos, etc. foram desenvolvidos pela iniciativa privada, e
exigem aperfeiçoamentos;
–– tecnologias agroindustriais relacionadas ao beneficiamento de
frutas nativas, pescado, oleaginosas, secagem de madeira, e
guaraná em pó solúvel têm sido desenvolvidas.

Extrativismo vegetal: vamos voltar ao pré-neolítico?


Como já mencionei, passei parte da minha infância no meio dos
babaçuais do Maranhão, no atual município de Lima Campos, para
onde os meus pais se deslocaram, na busca de sonhos e esperanças
da fronteira agrícola aberta no início da década de 1950. Lá aprendi
a quebrar coco de babaçu muito bem, isso com uns sete anos. A vida
do pessoal era quebrar coco e vender para grandes comerciantes que
o levavam para São Luís. Os caminhões que transportavam amêndoa
de babaçu eram importados, com manivela e com grandes macacos de
madeira. Naquele tempo, o caminhão representava a modernidade.
Muitas crianças do interior tinham como sonho ser motorista de
caminhão.
Durante o mestrado, no período 1974-76, ao estudar os textos
de Ruy Miller Paiva (1914-1998), fiquei sabendo que o interior do

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 283

Maranhão, no município de Caxias, tinha despertado o interesse dele e


de William H. Nicholls (1914-1978), na pesquisa sobre 99 propriedades
agrícolas do país, realizada no período de fevereiro de 1963 a junho de
1964. Tive o privilégio de conhecer Ruy Miller Paiva como consultor da
Embrapa durante a década de 1980. Quando retornei do mestrado, a
economia do extrativismo despertou minha atenção. Vi que se tratava
de uma realidade bem diferente daquilo que se estudava, como as
culturas do arroz, milho e feijão. Aí comecei a realizar análises da
economia extrativista.
Comecei a publicar sobre o assunto em 1980, no “Boletim da
Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza” (FBCN) que
divulgou quatro artigos, e um na “Acta Amazônica” em 1982. Tanto
que, quando a “síndrome extrativa” iniciou em 1988, estava preparado
e os resultados eram completamente antagônicos.
Meu doutorado foi sobre extrativismo, e já havia coletado
bastante material para abordar o tema. Fiz o doutorado entre 1984 e
1988, e após a tese vieram algumas coincidências. Defendi a tese em
25 de novembro de 1988 e em 22 de dezembro de 1988, ocorreu o
assassinato de Chico Mendes. O trabalho saiu nesse contexto. A partir
daí ocorreu um ciclo de estudos sobre o extrativismo no país, e no
exterior onde havia esse tipo de atividade. Passou a receber diversas
denominações, como “produtos invisíveis”, “colheita oculta”, “produtos
florestais não madeireiros”, etc. Criou-se a falsa concepção da extração
de produtos florestais não madeireiros como sendo sustentáveis por
definição, esquecendo que a sustentabilidade biológica nem sempre
garante a sustentabilidade econômica e vice-versa. Naquele tempo
era comum nos congressos a presença de índios ou seringueiros para
realçar a importância do extrativismo, que com o tempo foram caindo
na realidade.
A tese segue na contramão do que o movimento extrativista
acreditava ser o melhor caminho para o desenvolvimento da região.
Em 1986, a pesquisadora Mary Helena Allegretti, que era ligada a
Chico Mendes, fundou o Instituto Amazônia, uma ativa ONG sediada
em Curitiba, que ajudava o movimento dos seringueiros no Estado do
Acre. Em setembro de 1988, ela organizou o primeiro congresso sobre o
extrativismo no país, do qual participei. Foi aí que conheci Chico Mendes
e outros dirigentes, antes da sua execução. Com o assassinato de Chico
Mendes, a mídia nacional e estrangeira focou sua atenção no Acre. Para
os leigos e para a mídia nacional e mundial, não havia nada mais óbvio
do que a coleta de produtos florestais para evitar desmatamentos e

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284 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

queimadas na Amazônia. Manter a “floresta em pé”, “povos da floresta”,


reservas extrativistas, ribeirinhos, etc. eram a ordem do dia em dezenas
de seminários ao redor do mundo, que emparedaram o Governo Sarney.
Chico Mendes foi emblemático para se debater o desenvolvimento da
região a partir de uma agenda sócioambiental. A maior contribuição do
sacrifício de Chico Mendes não foi com relação às reservas extrativistas,
mas com relação ao modelo de desenvolvimento da Amazônia. Não
se pode negar a importância do extrativismo. O extrativismo vegetal
foi básico no passado, é ainda relevante no presente, mas precisamos
pensar no futuro. Não é com o modelo de extrativismo do Acre que
vamos mudar a realidade da Região Amazônica.
O que sempre defendi é que a economia extrativa é muito
frágil. Ela está sujeita a diversas variáveis que conduzem ao seu
desaparecimento. A primeira variável é a domesticação. O extrativismo
se mantém quando o mercado é pequeno. Mas com o crescimento da
população e do mercado, a oferta extrativa torna-se incapaz de atender
às necessidades. Nos últimos 10 mil anos, cerca de 3 mil plantas foram
domesticadas. A primeira maçã que Adão e Eva provaram no Paraíso
foi uma maçã extrativa. Isso tem início com os próprios indígenas,
caboclos, ribeirinhos e curiosos, selecionando as melhores plantas e
começando a fazer o cultivo no próprio quintal. Cada planta tem uma
história de domesticação peculiar do qual grande parte foi perdida ao
longo do tempo. A revista “Veja” se interessou pelo tema e publicou um
artigo que escrevi “Deixem Chico Mendes em Paz”, na edição do dia 19
de dezembro de 1990, logo após o julgamento do assassinato de Chico
Mendes, que teve repercussão nacional e mundial, e com o qual ganhei
muitos inimigos e amigos (HOMMA, 1990).
Na Amazônia assistimos as domesticações do cacaueiro, cinchona,
seringueira, castanheira, açaizeiro, jambu, cupuaçuzeiro, pupunheira,
tucumanzeiro, bacurizeiro, etc. O exemplo mais antigo é do cacaueiro.
Da Belém colonial saíam caravelas para Lisboa, com carregamento
de cacau. Muitas das igrejas antigas de Belém foram erguidas com
a economia do cacau. O palácio Lauro Sodré (Museu do Estado do
Pará – 1772) foi erguido com recursos advindos das exportações de
cacau, e o palácio Antônio Lemos (Museu de Arte de Belém – 1883)
com dinheiro da borracha. Em 1746, o cacaueiro foi levado para a
Bahia por Louis Frederic Warneaux, para a cidade de Canavieiras. Na
sede da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac),
existe uma placa em homenagem a Antônio Dias Ribeiro, o primeiro
fazendeiro que cultivou o cacaueiro na Bahia.

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 285

Os relatos dos viajantes na Amazônia sempre mencionam sobre


o cacaueiro nas várzeas. Ele era encontrado em Cametá, Óbidos,
Monte Alegre até Itacoatiara. A obra de Inglês de Sousa (1853-1918)
“O Cacaulista” aborda o tema. O cacaueiro foi domesticado na Bahia, e
depois levado para a África e a Ásia. Após o deslocamento do cacaueiro
para a Bahia, a hegemonia do Pará na exportação perdurou até a
época da Independência do Brasil. Fenômeno idêntico ocorreu com a
seringueira, que foi levada para a Ásia por Henry Alexander Wickham,
e a nossa alegria durou enquanto estavam crescendo as seringueiras
no Sudeste Asiático. Durante 30 anos, as exportações de borracha
chegaram a participar como terceiro produto da pauta das exportações
nacionais, vindo logo depois do café e do algodão. A domesticação
amplia a oferta, oferecendo um produto com preço reduzido, e com
isso desagrega a economia extrativa.
A economia extrativa tende a regredir ao longo do tempo.
Os ambientalistas acham que nunca vão desaparecer. A utilização de
tecnologia high tech na melhoria do processo de comercialização, como
a fabricação do couro vegetal obtido a partir do látex da seringueira,
na produção de preservativos feitos a partir de borracha extrativa, de
fábricas de beneficiamento de castanha, etc., pode contribuir para a
manutenção do extrativismo criando nichos de mercado. A questão é a
democratização dos green products e do alto custo do empreendimento.
Para manter o extrativismo, é importante que não se criem alternativas
econômicas, não se financiem pesquisas sobre domesticação, não se
criem nichos de mercado, evite-se abertura de estradas, etc.
A segunda variável é a questão do aparecimento de sintéticos.
Foi o que ocorreu com o extrativismo do pau-brasil que foi iniciado em
1503. Foi a primeira atividade econômica que o país conheceu. A Coroa
Portuguesa deu a concessão para Fernando de Noronha (1470-1540),
responsável pela retirada e venda dessa madeira. Isso perdurou até
1876, quando foi efetuada a síntese da anilina pelos químicos da Bayer.
Hoje, há uma retomada de interesse pelos corantes naturais para uso
em alimentos e cosméticos. Na Amazônia temos o caso do timbó, uma
leguminosa arbustiva cujas raízes contêm rotenona, utilizado como
inseticida natural. Belém e Manaus eram grandes exportadores até
antes da Segunda Guerra Mundial. Em 1939, com a descoberta do
DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) por Paul Hermann Muller (1899-
1965), para o combate de insetos transmissores de doenças, que lhe
daria o Prêmio Nobel de Medicina em 1948, o timbó entra em desuso
e todo o estoque de tecnologia acumulado sobre a planta foi perdido.

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286 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

O DDT desintegrou a economia do extrativismo do timbó. Hoje o Brasil


importa plantas substitutas contendo piretro. Em época mais recente,
a possibilidade do plantio do timbó tem sido afetada pela entrada do
nim. Entre os produtos extrativos que perderam interesse comercial,
destacam-se a salsaparrilha contra sífilis; óleo de tartaruga e andiroba
para iluminação; casco de tartaruga; peles de animais; além de chás
contra impotência masculina, depois da descoberta do Viagra (1998).
Outro exemplo é o caso do pau-rosa. Foi um extrativismo à
custa da destruição dos estoques acessíveis e cresceu até a década de
1950. É usado como fixador para cosméticos. A Perfumaria Phebo
Ltda., fundada por dois primos, Antônio Lourenço da Silva e Mário
Santiago, em 1930, em Belém, Pará, fabricava o conhecido sabonete
Phebo, que usava a essência de pau-rosa, e pelo cheiro identificava a
pessoa que utilizou o produto. Com a escassez do óleo essencial de
pau-rosa, seu uso ficou restrito aos perfumes finos, como o Chanel nº
5, até a sua exclusão. Mais uma vez a presença de produtos sintéticos e
o esgotamento do estoque do recurso natural reduziram a importância
da economia extrativa do pau-rosa. Já deveríamos tê-lo plantado
30 anos atrás, permitindo o corte de 30 mil árvores/ano, para garantir
o volume máximo exportado em 1951 (444t). Estaria gerando renda
e emprego, além da formação de um polo floro-xilo-químico de
produção local.
A atividade extrativa apresenta baixa produtividade da terra
e da mão de obra decorrente da rarefação desse recurso na floresta.
A insistência no extrativismo vegetal pode prejudicar os produtores na
geração de novas oportunidades e dos consumidores na obtenção de
produtos com preço mais baixo e com qualidade.
A manutenção do extrativismo exige que a floresta seja mantida
intacta. A expansão da pecuária reduziu o estoque de castanheiras no
sudeste paraense, como ocorreu na privatização das áreas de babaçuais
no Maranhão. A castanheira tem sido vítima das políticas públicas na
Amazônia: abertura da Transamazônica, PA-150 cortando o coração
das áreas de ocorrência, hidrelétrica de Tucuruí, Programa Grande
Carajás, etc. Deve ser feita a ressalva de que a manutenção da floresta
em si não é garantia da permanência da economia extrativa. No futuro
podemos ter “reservas extrativistas sem extrativismo”.
É importante domesticar os recursos extrativos que apresentam
conflitos entre a oferta e a demanda e de novas plantas potenciais.
São vários produtos que estão nessa situação: tucumã no Estado do

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 287

Amazonas, bacuri nos Estados do Pará, Maranhão e Piauí, uxi,


castanha-do-pará, fava d’anta, unha-de-gato, madeira, etc. Sem falar
dos recursos da pesca, que apresenta forte potencial para a Amazônia.
Produzimos mais carne de frango do que de carne bovina, enquanto
a produção de pescado está estagnada em 10% do que é produzido
de carne bovina ou de frango. Poderíamos fazer uma revolução da
piscicultura na Amazônia, substituindo a pecuária bovina. Para isso, o
esforço de pesquisa precisaria ser ampliado na Amazônia.
Expandiu-se a compreensão sobre a economia extrativa no país
e no mundo, mas ainda perpassa a imagem romântica. Mesmo os
defensores estão percebendo a dificuldade dos sistemas tradicionais de
se manterem, engolidos por outras atividades, baixa rentabilidade, não
constituindo opção para os jovens, etc. A repercussão do assassinato
de Chico Mendes foi um divisor de águas para a Amazônia. Quando
se compara o momento atual com as décadas de 1970 e 1980, o que se
discute hoje não seria possível naquele tempo.
A vertente extrativa é componente central na viabilização do
REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação
Florestal), programa internacional que debate as emissões de gases e
as formas de contribuição que a floresta tropical pode conferir para
o resgate de carbono. Outra corrente ainda acredita na coleta de
produtos da floresta viabilizada pelo REDD.
Muitos produtos extrativos que apresentam grande estoque,
como babaçu, madeira, açaí, castanha-do-pará, bacuri, tucumã, pesca,
ainda vão permanecer com o extrativismo por longo tempo. Vai
depender do crescimento do mercado, disponibilidade de tecnologia,
do interesse pelo plantio ou criação, que nem sempre acontece nas
áreas de ocorrência (cacaueiro, seringueira, guaranazeiro, pupunheira,
etc.). O capital extrativo funciona como uma barreira para a expansão
dos plantios. O extrativismo do açaí consegue boa remuneração, se
comparado com os demais. É uma exceção, pois para a maioria dos
extratores a renda do extrativismo é marginal. A extração do açaí repete
o ciclo da borracha, com a exportação em forma de matéria-prima.
O mercado de açaí tem atraído empresas dos Estados Unidos e Japão,
atuais grandes importadoras e empresas nacionais, que procuram
adquirir a máxima quantidade de matéria-prima durante o pico da
safra, quando o preço é menor. O mercado externo não deveria ser
prioridade. Há grande mercado local e nacional que foi ampliado para
o ano inteiro com as técnicas de beneficiamento. É frequente pagar até

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288 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

R$ 27,00 por litro de açaí grosso, quando no início do Plano Real, em


1996, custava R$ 1,50/litro, aumento de 1.600%.
A tônica da ex-ministra Marina Silva foi a criação de megareservas
extrativistas, que tiveram o efeito de reduzir a expansão da fronteira
agrícola. Para muitas reservas extrativistas existe um problema agrícola
além do extrativo. Os moradores das reservas não possuem condição
de sobrevivência somente com a coleta extrativa. Na Resex Verde para
Sempre, em Porto de Moz, no Pará, o búfalo é importante para a
geração de renda, que está presente desde 1951, no qual o ICMBio
pretende efetuar a retirada; de criação bovina em Xapuri, no Acre,
etc. As queimadas têm aumentado no Acre pelo avanço da pecuária
favorecido pelos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Programa Luz para Todos,
criando novos padrões de consumo com a chegada da energia elétrica.
No Governo Lula ocorreu um incremento do Pronaf, aumentando de
2,2 bilhões de reais (2000) no Governo FHC para 22,3 bilhões de reais
no Plano Safra da Agricultura Familiar 2012/2013 (GUANZIROLI,
2007). O Banco da Amazônia tem dificuldade em aplicar os recursos
pela falta de opções tecnológicas, da fraqueza de extensão rural, do
baixo nível de educação formal dos produtores, etc. Por conta dessas
mudanças, a Bolívia produz mais castanha-do-pará do que o Brasil.
Faz 60 anos que a produção total de castanha da Bolívia, Brasil e Peru
é de 60 mil toneladas. A população dos países desenvolvidos aumentou
e o consumo no mercado doméstico também aumentou como alimento
funcional. Precisamos plantar castanheiras, açaizeiros, bacurizeiros,
tucumanzeiros, pau-rosa, em grande escala, pois existe amplo mercado
para tais produtos.

O meu observatório partindo da Embrapa (1970-2015)


Em minhas atividades profissionais, passei 42 anos na Embrapa,
dos 45 anos depois da minha graduação, portanto 93% ou 61% da minha
vida. Esse ponto de observação deu-me o privilégio de acompanhar o
desenvolvimento da agricultura na Amazônia, muito mais importante
do que os resultados de pesquisa que andei elaborado.
Acompanhei de forma neutra os eventos que estavam acontecendo
na Amazônia, uma vez que não tive interesse em ser responsável por
nenhum cargo público. Somente fui entender a maioria dos eventos
muito tempo depois de ocorrido. Entre eles destacam-se a abertura

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 289

da rodovia Belém-Brasília, a discussão do grande lago pelo Hudson


Institute, a construção da Transamazônica, a implantação do Projeto
Jari, os projetos agropecuários com incentivos da Sudam, a expansão
dos pimentais e do Fusarium, as derrubadas e queimadas, a Zona
Franca de Manaus, a extração madeireira, as tentativas frustradas no
plantio da seringueira, etc. As ações que executei foram muito mais
obra do acaso e da força da inércia dos acontecimentos e das pressões
políticas (BRASIL. EMBRAPA, 2014).
A implantação da Embrapa em 1973 provocou grande mudança
no esforço de pesquisa regional, com a vinda maciça de mestres e mais
tarde de doutores. Os resultados da Embrapa foram maiores nas áreas
fora da Amazônia, com exceção para a expansão da lavoura da soja, até
então, considerada uma cultura de clima temperado. A Ceplac, sob a
liderança técnica de Paulo de Tarso Alvim Carneiro (1919-2011), mais
conhecido como Paulo Alvim, produziu resultados concretos, com a
implantação do Plano de Diretrizes para a Expansão da Cacauicultura
Nacional (Procacau), em 1976, com o plantio de mais de 163 mil hectares
de cacaueiros na Amazônia Legal. A Ceplac iniciou suas atividades
na Amazônia, em Belém, em 1965, nas dependências do Instituto de
Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (Ipean).
Durante minhas atividades profissionais até 2015, coordenei
ou participei de 22 levantamentos de campo com aplicação de
questionários, totalizando 2.181 produtores entrevistados. Além dos
levantamentos de campo, realizei 20 estudos de casos, envolvendo
entrevistas com produtores sobre temas específicos. Os trabalhos de
campo foram realizados com produtores sediados nos municípios
estabelecidos ao longo das rodovias Manaus-Itacoatiara, Belém-
Brasília, Cuiabá-Santarém, Transamazônica, Belém-São Luís, PA-150,
Estrada de Ferro Carajás e estradas estaduais e municipais, municípios
da Ilha de Marajó, nordeste paraense, Alenquer. Entre os produtos
ou atividades pesquisadas, citam-se a pecuária de corte e leite, a
pequena agricultura, produtores de pimenta-do-reino, dendezeiro,
caupi, sistemas agroflorestais, juta semente, malva, abacaxi, banana,
mandioca, madeira, seringueira, bacuri, pau-rosa, timbó, uxi, andiroba,
jaborandi, baunilha, priprioca. Comentar todos os levantamentos seria
exaustivo, e seria mais importante efetuar um balanço dos resultados
que foram publicados de forma isolada e contínua, sem a visão do
conjunto (tabela 1).

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290 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Tabela 1. Levantamentos realizados com aplicação de questionários


(1972 – 2015).

Número de
Ano Local Objetivo
produtores
Colônia Japonesa
1972 SAFs 20
Ephigênio Salles (Manaus)
1972 Alenquer Semente de juta 97

1973/1974 Santarém Seringais nativos 233


Colonos
1975 Altamira a Medicilândia 124
Transamazônica
Capitão Poço, Ourém,
1976 Irituia e São Domingos do Sistema malva 168
Capim
1977 Nordeste Paraense Pimenta-do-reino 344
Castanhal a Paragominas e
1977 Pecuária 92
Castanhal a Bragança

1982 Ananindeua a Paragominas Pecuária (BIRD) 92

Culturas perenes
1982 Igarapé-Açu e Tomé-Açu 151
(BIRD)
Pequenos
1982 Capitão-Poço 85
produtores (BIRD)
Pequenos
1992 Santarém-Cuiabá 68
produtores (IITF)

1993 Transamazônica Colonos (IITF) 132

Mecanização
1994 Irituia 24
agrícola
Mecanização
1994 São Miguel do Guamá 19
agrícola
Mecanização
1994 Tracuateua 45
agrícola
São Miguel do Guamá e
1994 Mandioca 40
Irituia
1994 Bragança Caupi 30
Continua...

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 291

Tabela 1. Continuação.

Número de
Ano Local Objetivo
produtores
Pequenos
2001 Nova Ipixuna 78
produtores
Gliricidia (tutor
2003 Tomé-Açu 36
vivo pimenta)
Nordeste Paraense e Ilha
2005/2007 Bacuri 108
de Marajó
2006/07 Tomé-Açu SAFs 96
Pequenos
2013 Tailândia produtores com 31
dendezeiro
Pequenos
2013 Viseu e Tomé-Açu 68
produtores
Fonte: O autor.

a) A experiência na Transamazônica
Em 1970, durante o Governo Médici, quando cursava o último
ano de agronomia na Universidade Federal de Viçosa, era anunciada
a abertura da rodovia Transamazônica, conectando o Nordeste
brasileiro até o Estado do Acre. A visita a uma das regiões castigadas
pela seca do Nordeste, naquele ano, levou o presidente Médici (1905-
1985) a desenvolver a ideia de transferir contingentes populacionais do
Nordeste para áreas desabitadas da Amazônia, surgindo a famosa frase
“terra sem homens para homens sem terra”.
Em 1975, como parte da minha pesquisa de tese de Mestrado em
Economia Rural, da Universidade Federal de Viçosa, tive a oportunidade
de entrevistar 124 colonos recém-instalados, aplicando extenso
questionário na Transamazônica, no trecho Altamira/Medicilândia.
Esse primeiro contato com a Transamazônica mostrava as dificuldades
e as agruras na visão dos migrantes, na busca de sonhos e esperanças
na Amazônia. Em pleno mês de julho de 1975, no qual foi feita nossa
pesquisa de campo, sediados em Brasil Novo e em Medicilândia, rodando
em um jipe com um motorista e técnico agrícola capixaba cedido pelo
Incra e um colega de graduação da UFV, verificamos a improvisação
dos colonos, atormentados pela falta de transporte, doenças, e tragédias

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292 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

que custaram a vida de vários deles; isso devem-se à inexperiência em


lidar com a motosserra, que tinha seu uso sendo iniciado, começo dos
primeiros plantios de cacaueiro, o fracasso de uma safra de arroz com
sementes provenientes do Nordeste, o fingimento da produção de açúcar
no Projeto Agroindustrial Canavieiro Abraham Lincoln (Pacal), etc.
Numa tarde de sábado, hospedados no Hotel do Incra, em Brasil
Novo, vimos chegar em um avião fretado um diretor do Incra e seus
familiares. Como o diretor era conhecido irmão de um professor da
UFV, perguntei a razão da visita, e disse-me que era para trazer uma
comitiva de deputados federais para visitar a Transamazônica; e como
não vieram, ele veio assim mesmo, uma vez que o avião já estava fretado.
Visitas dessa natureza eram frequentes naquela época para conhecer o
maior projeto de colonização do planeta (figuras 3 e 4). Logo que me
formei na UFV, em 1970, fui trabalhar em Manaus, e nesse tempo, era
comum ciceronear funcionários públicos que vinham fazer compras
na Zona Franca de Manaus. Não existiam as facilidades das “feiras
paraguaias”, e Manaus era o único local onde se podia comprar calças
Lee, pasta Samsonite, canetas Cross, aparelhos de som Garrard,
sonhos de consumo da época. Muitas das comitivas de funcionários
públicos que vinham visitar a Transamazônica terminavam sua viagem
em Manaus. O projeto nos primeiros anos foi considerado modelo para
o mundo, para fazer a reforma agrária, enfrentar a falta de alimentos,
resolver os problemas dos minifúndios improdutivos no Sul e Sudeste.

Figura 3. Lote de colono da Transamazônica em 1975,


entre os atuais municípios de Brasil Novo e Medicilândia.
Técnico do Incra proveniente do Espirito Santo.
Fonte: Acervo do autor, 2014

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 293

O segundo contato com a Transamazônica de maneira mais


aprofundada ocorreu durante o ano de 1992, ao longo da rodovia Cuiabá-
Santarém até Itaituba, quando foram entrevistados 68 produtores.
Em 1993 fizemos grande levantamento envolvendo 132 produtores,
cortando o eixo da Transamazônica de Altamira a Itaituba, com
um jipe russo Lada Niva, novinho em folha, permitido pela política
de Fernando Collor de Mello (1990-1992), quando afirmou que “os
carros brasileiros são verdadeiras carroças”. A pesquisa foi efetuada em
colaboração com pesquisadores americanos da Florida State University
e do International Institute of Tropical Forestry, sediado em Puerto
Rico. Mostrava que 17 anos depois da minha primeira pesquisa, os
sistemas agrícolas estavam mais consolidados com as lavouras de
cacaueiro, cafeeiro, pimenteira-do-reino, tomateiro, fruteiras diversas,
além da pecuária.
Havia grande diferença entre o primeiro levantamento de
campo, quando as casas padrões de madeira nos lotes construídas pelo
Incra estavam isoladas no meio do terreno; formou-se um comércio
nas antigas agrovilas, algumas transformadas em municípios, postos
de combustíveis em determinados pontos estratégicos, agências
bancárias, hotéis, pomares com muitas frutas. Alguns produtores
utilizando a criatividade, fizeram rodas de água e geravam energia

Figura 4. Agrovila na Transamazônica em 1975, com o autor e o


técnico agrícola capixaba do Incra no 1° plano.
Fonte: Acervo do autor, 2014.

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294 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

elétrica, que faziam questão de demonstrar com o funcionamento


de um liquificador e acendendo as luzes. Os problemas agrícolas
estavam também evidentes, como o ataque do Fusarium nos pimentais,
produtores com plantios de cana-de-açúcar com baixa produtividade,
torcendo para que a usina não funcionasse para que recebessem o
pagamento de indenização.
Um contraste que seria evidenciado duas décadas depois era
o plantio de José Osmar Couto, conhecido como Zé Gaúcho, que
plantou em 1975, na propriedade Sentinela do Progresso, km 127,
em Medicilândia, 10 mil árvores de mogno, cedro, castanheira-do-
pará, andirobeira, jatobazeiro, ipê, copaíbeira, cumaruzeiro. Já conta
com árvores com 2m 80 cm de circunferência, com 35 metros de
altura, indicando que se todos tivessem trilhado o mesmo caminho, a
Transamazônica seria totalmente diferente (SOARES, 2013). Chamava
atenção para o desmatamento tipo espinha de peixe, semelhante ao de
Rondônia, as críticas com relação à colonização da Transamazônica,
áreas que não deveriam ter sido desmatadas (margens de cursos d’água,
encostas de morros, áreas pedregosas). Um travessão em Medicilândia
encostava no Rio Iriri, servindo para escoar madeira, e que no passado
era local de extração de seringa e de matança de índios.
Outro contraste foi a perda da força política do Incra na
Transamazônica e em Rondônia. A civilização do Incra se desfez, bem
como a civilização da Sudam já dava seus sinais de cansaço do modelo.
A perda de foco das Instituições Federais na Amazônia nesta última
década se acentuou, onde o sentido geopolítico da Amazônia Legal
perdeu a sua importância, necessitando muito mais de ações estaduais
e municipais para promover o seu desenvolvimento.
A região da Transamazônica ganhou peso político pelo seu
contingente populacional localizado ao longo do seu eixo, grande
polo produtor de cacau, fortalecimento dos movimentos sociais,
criação da associação dos municípios, energização proveniente de
Tucuruí, início da construção da hidrelétrica de Belo Monte (2010),
asfaltamento da rodovia, entrada da soja no eixo da Cuiabá-Santarém
(1996) e adentrando pela Transamazônica, etc. O trecho da rodovia
Cuiabá-Santarém, nos primeiros 100km, sentido Santarém-Rurópolis,
está totalmente irreconhecível, em comparação com o levantamento
realizado em 1992. Contudo, diversos problemas têm sido agravados,
tais como o tráfego da rodovia durante o período chuvoso, conflitos
com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, inserção internacional
manifesta em diversas propostas, como a criação de megareservas

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 295

extrativistas, controle político do espaço territorial, conflito com


madeireiros e ONGs, extração madeireira comunitária, entre outros.
Não tem mais sentido criticar a Transamazônica, que cortou o
coração da floresta amazônica, como ainda frequentemente algumas
reportagens efetuam, pois se tornou uma realidade, e a prioridade
seria reduzir a incorporação de novas áreas de floresta e aproveitar
os benefícios da destruição. A fronteira interna já está aberta, e cabe
aproveitar as áreas desmatadas e tentar recuperar áreas que não
deveriam ter sido desmatadas. O incidente ocorrido no dia 26/12/2013,
com o incêndio nas instalações da Funai e com os índios tenharin na
comunidade de Santo Antônio do Matupi, Km 180, que cobravam
pedágio na rodovia Transamazônica, no município de Humaitá, e
como represália pelo desaparecimento de três colonos, ilustra uma
tragédia anunciada do descaso governamental.
b) A experiência da imigração japonesa na Amazônia:
introdução das lavouras de juta e pimenta-do-reino
Publiquei dois livros sobre a imigração japonesa. Um em 2008,
como parte das comemorações do centenário da imigração japonesa no
Brasil, e dos 80 anos da imigração japonesa no Estado do Pará, em 2009.
Em 2011, coordenei a publicação do livro sobre a imigração japonesa
no Estado do Amazonas, pela Universidade Federal do Amazonas, que
completava 80 anos (HOMMA, 2007; HOMMA et al., 2011).
O saldo mais importante da imigração japonesa na Amazônia
foi a introdução de duas culturas exóticas: a pimenta-do-reino e a juta
que foram rapidamente democratizadas pelos produtores brasileiros.
No caso da juta, os imigrantes japoneses tiveram de abandonar seu
cultivo, em decorrência da II Guerra Mundial, da baixa lucratividade e
da escassez de mão de obra. A expansão da juta foi feita pelos ribeirinhos.
Os japoneses ganharam pouco com a juta. No caso da pimenta já foi
diferente, muitos produtores japoneses ganharam bastante dinheiro
na fase inicial. Foi a cultura que deu início à tecnificação agrícola na
Amazônia, com o uso de fertilizantes e da mecanização agrícola.
O estudo dos sistemas agrícolas adotados pelos imigrantes
japoneses e seus descendentes foi motivo de sete levantamentos diretos
e indiretos ao longo da minha vida profissional. Pelo fato de ser
descendente de imigrantes japoneses, esse tema sempre me interessou,
a despeito do sucesso, trata de um modelo que não teria condições de
ser replicado no presente. A doação de um milhão de hectares pelo
governo brasileiro em Parintins e em Tomé-Açu para os imigrantes se

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296 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

estabelecerem, desmatamento de floresta densa, utilização de mão de


obra na época sem direitos trabalhistas, a tenacidade dos imigrantes,
entre outros, foram as razões do sucesso.
Quanto à sustentabilidade das atividades agrícolas nem sempre é
endógena, mas exógena ao sistema, com a necessidade de aquisição de
insumos externos. Um sistema sustentável na acepção da palavra não
existe, mas a de gradientes de sustentabilidade. A despeito da imagem
internacional que os SAFs de Tomé-Açu têm despertado, este modelo
deve desaparecer no futuro em decorrência da miscigenação entre
descendentes dos japoneses e brasileiros e do surgimento de novas
atividades. Creio que, por ocasião das comemorações do bicentenário,
o ciclo agrícola desencadeado pelos imigrantes japoneses será mera
lembrança do passado. A tendência é a assimilação e a desintegração.
Em Tomé-Açu, que foi o principal produtor de pimenta, está ocorrendo
o crescimento da monocultura de dendezeiro e da fruticultura.
O Censo Agropecuário 2006 mostra que a concentração da produção
de pimenta é de pequenos produtores brasileiros.
Verifica-se que a maioria dos textos comemorativos do Centenário
em 2008 apresenta uma visão nipocêntrica, com a menção das
dificuldades da língua, dos costumes e dos novos locais de moradia. Isto
contrasta com a harmonia dos nativos que viviam nessas áreas e com os
sacrifícios até piores dos retirantes nordestinos atraídos para a extração
da borracha. As atividades agrícolas introduzidas pela imigração
japonesa também cobraram tributo de forma direta e indireta no
desmatamento estimado de 800 mil hectares de várzeas (juta e malva)
e 200 mil hectares de floresta densa e vegetação secundária de terra
firme (pimenta-do-reino) até o presente.
Nas terras firmes de Tomé-Açu, Estado do Pará, a introdução da
lavoura da pimenta-do-reino levou o país à autossuficiência e ao início
das exportações, a partir de 1956. A busca das especiarias foi a razão
de os portugueses iniciarem as grandes navegações, que culminaram
na descoberta do Brasil em 1500. As exportações de pimenta-do-reino,
no seu auge, na década de 1970, participaram com mais de 35% do
valor das exportações do Estado do Pará. Atualmente ela é menor do
que 1%, a despeito do recorde em 2013, de mais de 200 milhões de
dólares, devido à perda da importância relativa com as exportações do
setor mineral, que representa mais de 91%.
A experiência da imigração japonesa trouxe lições para a
Amazônia, de que com tecnologia, mesmo em solos de terra firme de

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 297

baixa fertilidade, é possível fazer uma “agricultura de vasos” com alta


produtividade. Os imigrantes japoneses que se estabeleceram em 1929
em Tomé-Açu, continuam com os seus descendentes introduzindo
novas atividades agrícolas sintonizadas com as mudanças do mercado,
e permanecem no mesmo local. Representam uma demonstração
inequívoca de que, com tecnologia, é possível fazer uma agricultura
mais sustentável na Amazônia, em vez da generalização contrária para
a pecuária, soja ou dendezeiro.
Essas duas culturas exóticas provenientes de antigas possessões
britânicas (Índia e Cingapura) representaram uma revanche à
biopirataria encetada por Henry Alexander Wickham, ao levar para
a Ásia 70 mil sementes de seringueira, um produto ativo da economia
brasileira. A sua rápida difusão mostrou que os caboclos da Amazônia
não são avessos a inovações, desde que preços e mercados sejam
favoráveis, mesmo para uma época em que não existia um serviço de
extensão rural.
c) A agricultura na Amazônia é formada por diversos ciclos –
o nordeste paraense
No início da década de 1970, as críticas com relação aos desma­
tamentos e queimadas na Amazônia estavam relacionadas com a
desertificação. Um número especial da extinta revista “Realidade”, de
outubro de 1971, dedicada à Amazônia, considerava o desmatamento
e a consequente desertificação como grande risco para a região.
O clássico livro “Problemas de colonização e de uso da terra na região
bragantina do Estado do Pará”, publicado em 1967, em dois volumes,
do renomado escritor, geógrafo e sociólogo Antônio Rocha Penteado,
mostrava incapacidade da agricultura de subsistência de suprir o
mercado de farinha de mandioca na cidade de Belém. Em contraste,
mostrava a lavoura de pimenta-do-reino dos imigrantes japoneses com
alta produtividade. A ocupação da Amazônia levaria à multiplicação de
novas “bragantinas” no futuro (PENTEADO, 1967).
A inserção da mecanização agrícola e do uso de fertilizantes
pelos pequenos produtores foi perceptível no nordeste paraense a
partir do final da década de 1970, com as lavouras de algodão e feijão-
caupi. Contrastava com os experimentos da Associação Nacional para
a Difusão de Adubos pela então Acar-Pará para promover o uso de
fertilizantes.
A partir da década de 1980, ocorreu o desaparecimento das
lavouras de malva e algodão; registrou-se a expansão de cultivos de

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298 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

laranjeiras, cupuaçuzeiros, dendezeiros, açaizeiros, castanheiras, e


jambu; de reflorestamento (paricá, teca, eucalipto, Acacia mangium,
etc.); piscicultura; pecuária de leite e corte; plantio de soja, milho e
arroz em grande escala e mecanizado, entre outras mudanças. Na nova
paisagem, áreas de pastagens degradadas, propriedades de pequenos
produtores foram vendidas para dar lugar a atividades mais intensivas
e com uso de insumos modernos. A imagem de silos nas margens da
rodovia Belém-Brasília e da Cuiabá Santarém, a partir do final da
década de 1990, passou a ser comum, identificando essa modernidade
e remetendo à imagem de áreas agrícolas norte-americanas.
Verificou-se acentuada diferença com as entrevistas realizadas
durante a década de 1970, quando os produtores recebiam a equipe
sem nenhuma desconfiança, abrindo as portas de suas casas para uma
franca conversa. A partir da década de 1990, com o crescimento dos
movimentos sociais, de sindicatos rurais, assassinatos de lideranças
rurais, roubo e violência no campo, as entrevistas passaram a ser
mais difíceis, exigindo sempre um contato prévio com as lideranças
sindicais, líderes de comunidades, associações de produtores, etc., e
com o retorno dos resultados da pesquisa. Em 30/06/1996, a Polícia
Federal localizou os assassinos de Chico Mendes, Darli Alves da Silva e
seu filho Darci Alves Pereira, como colonos em um travessão da rodovia
Transamazônica, em Medicilândia. Percebe-se a ausência do Estado
em muitos dos municípios do sudeste paraense e da Ilha de Marajó,
com a predominância da violência no campo.
Em todos os locais pesquisados sempre foi praxe visitar as
prefeituras e conversar com os secretários municipais de Agricultura
ou de Meio Ambiente, a Emater e as lideranças rurais. Verifica-se
malversação de recursos públicos pela incompetência, despreparo e
corrupção. Na maioria dos municípios, os gestores não apresentam
preparo administrativo e visão com relação ao desenvolvimento.
É comum encontrar secretários municipais de Agricultura com
reduzido grau de instrução formal, sem entender nada dos tópicos de
sua pasta, desperdiçando oportunidades, que desmotivam técnicos
com nível superior, ou a quebra de hierarquia visível em muitos órgãos
federais, estaduais e locais sediados nos municípios, em decorrência do
aparelhamento da máquina pública. Alguns municípios se destacam
aproveitando as oportunidades de mercado, com grandes projetos
agrícolas, minerais ou hidrelétricas, que elevam o PIB estatístico com
a concentração de renda. Os municípios ao redor dos grandes projetos
mantêm a pobreza, indicando a baixa capacidade de drenagem dos
benefícios.

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 299

Nos municípios mais pobres, as transferências governamentais,


representadas pelos programas Bolsa Família, aposentadorias, Seguro
Defeso, Bolsa Verde, Bolsa Floresta, assumem papel importante na
estratégia de sobrevivência de famílias da baixa renda e no orçamento
municipal.
d) Sudeste paraense: um espaço contestado?
O sudeste paraense tem sido palco de grandes transformações
nas últimas quatro décadas. Em 11 de dezembro de 2011, foi realizado
o plebiscito visando à criação dos Estados de Carajás (39 municípios)
e Tapajós (27 municípios), que foi rejeitada pelos eleitores do Estado
do Pará, mas com a vitória dos municípios componentes. No caso do
Estado de Carajás, o simbolismo se estende pela existência de mapas
e bandeiras que se encontram nas sedes de prefeituras municipais e
locais de domínio público. O Estado do Carajás teria uma superfície
de 289.799km², superior à de vários países, como Equador, Inglaterra
e Uruguai, e com população de 1.566.920 habitantes (2010). Para a
pesquisa agrícola, representaria uma alternativa para ampliar os
investimentos em C&T na Região Amazônica.
Nos 36 municípios jurisdicionados, a Superintendência
Regional do Sul e Sudeste do Incra no Pará registra 502 projetos de
assentamentos, com 71.306 famílias que ocupam área de 4.628.312 de
hectares (2014), superior ao Estado do Rio de Janeiro. Na Amazônia
Legal, concentram-se 632.978 assentados (66,17% do total) ocupando
uma área de 77.888.645 hectares (88,41% do total), superior em
três vezes ao Estado de São Paulo. Trata-se da maior concentração
de famílias assentadas no país constituindo-se no maior desafio de
desenvolvimento agrícola da Amazônia e do país.
A “balcanização” do sudeste paraense se acentuou a partir da
década de 1980, com o desmembramento de municípios antigos,
e reflete a demanda por bens sociais para atender às prioridades
comunitárias. Os investimentos públicos do Estado do Pará, sempre
limitados, têm sido centralizadores, privilegiando sempre a capital,
com prejuízos para o interior, a despeito da magnitude da riqueza ali
gerada, sobretudo pelo setor mineral. Essa desatenção por décadas,
associada à distância com os centros de decisão, à falta de recursos
financeiros, terminou dificultando o atendimento dos padrões de
preferências das comunidades. O sudeste paraense reflete ainda o
ponto de destino de migrantes, de outras regiões do país, na demanda
por bens sociais, conforme preconizado na teoria de Tiebout (DEAN,
1996; RIANI, 1997).

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300 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A partir da década de 1980, realizamos pesquisas sobre a


destruição de castanheiras, financiadas pelo Fundo Estadual de Apoio à
Pesquisa Científica e Tecnológica (Funtec) da antiga Secretaria Especial
de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (ex-Sectam). No período de
1999 a 2004, com ajuda do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento
de Tecnologia Agropecuária para o Brasil (Prodetab), dedicamos
nossa atenção aos Projetos de Assentamentos no Sudeste Paraense.
O percentual da população rural do Nordeste brasileiro, que concentra
mais de 47,8% (2010) do total nacional, representa sempre uma massa
populacional sujeita a deslocamentos para a Amazônia e significa mão
de obra a ser ocupada.
A extração madeireira financiou o processo de ocupação do
sudeste paraense, após o declínio da economia da castanha, permitindo
às suas custas a expansão da pecuária e das atividades de pequenos
produtores. A destruição incontrolável dos castanhais, pela expansão
da pecuária e a descoberta pelos posseiros das “terras disponíveis”
dos castanhais, mostrava a agonia da economia do extrativismo
da castanha. Setores ligados ao conjunto de grandes extratores,
exportadores e pecuaristas, com interesses na economia da castanha,
passaram a reivindicar a proteção da área remanescente mediante a
criação do Polígono Castanheiro. A possibilidade do seu plantio com
tecnologia de formação de mudas desenvolvida pelo Centro de Pesquisa
Agropecuária do Trópico Úmido (CPATU) culminou na realização do
I Simpósio Nacional da Castanha-do-brasil, promovido pela Sudam, em
1982, que teve como efeito concreto o plantio de 300 mil castanheiras
na Fazenda Aruanã, no município de Itacoatiara, Amazonas.
A inauguração da Hidrelétrica de Tucuruí em 9 de novembro
de 1984, obra iniciada em 1976, que chegou a ter no seu pico um
contingente de 30 mil pessoas, teve como saldo o excedente de mão
de obra desempregada, transformado em posseiros e migrantes
urbanos. Esse aspecto constitui o risco das grandes obras já em curso
ou planejadas para a Amazônia.
Durante as décadas de 1980 e 1990, o sudeste paraense passou a
fazer parte de megaprojetos nacionais com a implantação do Programa
Grande Carajás (1980), do Brasil em Ação (1996) e do Avança Brasil
(1999). Constituído de grandes obras de engenharia visando à
construção de hidrovias, ferrovias, hidrelétricas, pontes, asfaltamento
de rodovias existentes, entre outras, indica grande transformação para
as próximas décadas, em caráter irreversível. É quase certo especular

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 301

que o vale dos rios Araguaia e Tocantins seja transformado em forte


polo de produção e escoamento do cerrado brasileiro.
Entre os 100 municípios brasileiros com maior PIB em 2011, na
Amazônia Legal, figuram Manaus (6º), São Luís (24º), Parauapebas
(25º PA), Belém (26º) e Porto Velho (64º). Com relação ao PIB per
capita, estão Parauapebas (14º), Canaã dos Carajás (20º PA), Santa
Maria do Trivelato (26º MT), Alto Taquari (30º MT), Sapezal (43º MT),
Itiquira (55º MT), Ipiranga do Norte (59º MT), Santo Antônio do Leste
(71º MT), Alto Araguaia (80º MT), Pimenteiras do Oeste (86º RO),
Nova Ubiratã (90º MT) e Nova Mutum (97º MT). O município de
Parauapebas superou o PIB do município de Belém, bem como o PIB
per capita dos municípios de Parauapebas e Canaã dos Carajás no
contexto nacional reforça o predomínio do setor mineral.
A criação de uma instituição de pesquisa agrícola é imprescindível
para se promover uma mudança tecnológica da agricultura na fronteira
tripartite dos Estados do Pará, Maranhão e Tocantins. No caso da
pecuária, a recuperação das pastagens e implantação de capineiras
mediante aplicação de corretivos e fertilizantes, com a melhoria da
produtividade do rebanho, poderia reduzir a atual área ocupada
e produzir mais carne e leite. Quanto às culturas anuais, o uso da
mecanização agrícola, a aplicação de corretivos e fertilizantes, tornaria
possível a permanência na mesma área, aumentar a produção e a
produtividade, e evitar a agricultura baseada na fertilização através das
queimadas (A PEQUENA..., 2013). Uma ação isolada na Amazônia ou
no sudeste paraense pode significar um convite para a vinda de novos
contingentes migratórios, anulando qualquer esforço nesse sentido.
É interessante verificar que em alguns assentamentos muitas
dessas condições foram fornecidas. Esses colonos poderiam dar exemplo
de um modelo de pequena agricultura viável na Amazônia, utilizando
áreas já desmatadas, mas parecem que estar longe de alcançar tais
objetivos. A falta de maiores conhecimentos tecnológicos, de disciplina
produtiva, a própria qualificação como produtor, entre outros fatores,
conspiram contra a busca dessa nova agricultura.

Considerações finais
Há grandes oportunidades para o desenvolvimento da
agricultura na Amazônia utilizando as áreas já desmatadas, cumprindo
os preceitos legais do Novo Código Florestal e das questões éticas.
É indispensável o desenvolvimento de uma agricultura tropical, com

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302 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

plantas da biodiversidade amazônica, reduzindo a competição com as


atividades comuns na Amazônia e fora da região.
Entre as grandes oportunidades destaca-se a aquicultura (peixes,
crustáceos, tartarugas, jacarés, etc.) em face da disponibilidade de
recursos hídricos como fonte de proteína para a população regional.
Há necessidade de grande esforço de pesquisa, com metas concretas,
uma vez que cada elemento da fauna apresenta especificidade própria.
As opções com as fruteiras nativas da Amazônia, pelo seu paladar,
aroma, visual, tato e até audição, com nomes indígenas ao barulho da
queda, podem ampliar o mercado com a sua democratização. Algumas
fruteiras pré-colombianas já são conhecidas mundialmente, como
cacau, guaraná, castanha-do-pará, açaí, abacaxi, mamão, cupuaçu,
camu-camu, etc. Há um elenco de quase duas centenas de frutas nativas,
como o tucumã, bacuri, pupunha, bacaba, buriti, cubiu, taperebá, etc.,
que com a domesticação e o melhoramento genético podem constituir
a base de uma agricultura amazônica.
A mesma assertiva para as fruteiras nativas seria válida para
diversas hortaliças regionais, como o jambu, careru, vinagreira,
pimenta-de-cheiro, chicória. No conjunto de plantas aromáticas,
medicinais e inseticidas, a lista seria imensa, destacando-se pau-rosa,
timbó, ipecacuanha, andiroba, copaíba, priprioca.
O reflorestamento para recuperar Áreas de Reserva Legal e
Áreas de Preservação Permanente, com lucratividade, com espécies
madeireiras nativas e exóticas, exige um reordenamento do esforço
de pesquisa florestal na Amazônia. A criação de centros de pesquisa
florestal torna-se uma prioridade que precisa ser pautada na agenda
amazônica.
Para garantir a segurança alimentar de mais de 25 milhões de
habitantes que vivem na região, considerando um consumo de 300 kg
grãos brutos/per capita/ano, assegurando duas mil calorias diárias, uma
produtividade de 3 t/ha/ano de grãos, serão necessários 2,5 milhões de
hectares de cultivos alimentares.
O conceito de ganho de peso por hectare/ano deve ser a nova
orientação para a pecuária amazônica, em vez de cabeça/hectare. Criação
de gado de modo extensivo não terá espaço ante as condicionantes do
Novo Código Florestal. As pastagens representam a maior forma de
uso da terra na Amazônia, e há necessidade de promover sua gradativa
redução via aumento da produtividade.

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Capítulo 11 • Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento 303

Os pesquisadores têm a possibilidade de mudar a Amazônia,


desde que gerem tecnologias que conduzam a resultados práticos
para os produtores e consumidores. A busca de alternativas mais
sustentáveis e que tenham lucratividade somente será possível com
inovações tecnológicas. Nesse sentido, uma política agrícola é muito
mais importante para resolver os próprios problemas ambientais.
Gestão incompetente e malversação de recursos públicos, prática
de corrupção, ações desfocadas, entre outros fatores, têm prejudicado
na busca de resultados que levem à melhoria do pequeno, médio e
grande produtor. As ações político-partidárias e o culto ao atraso têm
levado a grandes prejuízos para o meio rural, seja em infraestrutura,
estabelecimento de agroindústrias, insegurança, perda de hierarquia
técnica, rumos futuros, etc.
Grande parte dos estragos ambientais ocorridos na Amazônia
se deve à economia extrativista, de aproveitar os recursos disponíveis
na natureza, da falta de tecnologia apropriada para a agricultura,
de maior assistência para os produtores. A crise da falta de água
no Nordeste, Sul e Sudeste, que agudizou a partir de 2013, sinaliza
quanto à necessidade da incorporação da Amazônia para garantir
o abastecimento dessas regiões no futuro. A questão hídrica produz
reação em cadeia, afetando as hidrelétricas e com consequente efeito
no setor industrial e de serviços, gerando desemprego.
A pedagogia do mercado deverá influenciar, nos anos futuros,
quanto à exigência dos consumidores mais bem informados com
relação à qualidade dos alimentos, sanidade, entre outros aspectos, em
que o uso de agroquímicos, hormônios, questões éticas e ambientais
reduzirão gradativamente a ação cartorial de determinadas ONGs.
Uma ação concreta para a busca de alimentos mais seguros de forma
coletiva será mais importante do que fundar movimentos ecológicos
para este fim. A aposta na maturidade da sociedade brasileira deverá
refletir na condução da política ambiental na Amazônia, muito afeta a
pressões externas, com visão unilateral dos problemas e com interesses
conflitantes. Os problemas da Amazônia não são independentes, mas
conectados com outras partes do país e do mundo. Os consumidores
têm grande parcela de responsabilidade com relação aos destinos da
Amazônia, e não apenas os ofertantes de qualquer tipo de produto ou
mercadoria.

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304 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

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Capítulo 12

Logística de transporte
na Amazônia integrada
ao Sistema Nacional
Augusto César Barreto Rocha

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308 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A Amazônia não possui uma só realidade. Cada rincão deste


imenso espaço do Brasil inclui características singulares. É uma região
que vem sendo desbravada há alguns séculos, vagarosamente e com
abordagens por vezes destrutivas. Por conta de sua grande extensão
territorial e complexidade de compreensão, em função de sua
diversidade, ela vem sendo observada apenas como uma área de onde
se podem extrair riquezas.
Para morar aqui é, necessário encarar e aceitar restrições próprias
dos espaços remotos. Quem opta por estas restrições normalmente
busca maiores compensações do que outros cidadãos instalados nos
grandes centros do país, seja em contrapartida financeira ou de
tranquilidade de espírito.
Neste contexto, o presente capítulo é um ensaio, ou seja, será
um texto que não tem a pretensão de esgotar o tema do título, até
porque a dimensão de um capítulo de livro é insuficiente para sequer
chegar perto do desafiante objetivo proposto pelos organizadores.
Desta forma, a perspectiva de análise começa com uma lógica macro
da região, pontuando alguns aspectos históricos e econômicos que
levaram ao contexto atual, onde há grande ausência de infraestrutura
de transportes na maior parte da região. Daí, desdobra-se para
uma análise macro da logística. Depois, divide-se para uma análise
mesorregional e então indicam-se poucos aspectos micro da área
estudada, apontando as relações e inter-relações dos diferentes modais,
sugerindo possíveis aproveitamentos dos potenciais de cada dimensão
abordada.
Cada uma das capitais desta região possui uma população
significativa em relação ao Brasil. Sem considerar as regiões
metropolitanas, o IBGE (2013b) verificou que Manaus é a sétima
capital com mais habitantes no país. Entretanto, quando se relaciona a
população por km2, este universo amazônico apresenta uma densidade
populacional baixíssima em relação às outras regiões. Desbravar
com poucas pessoas esta imensidão de área é dispendioso do ponto
de vista econômico e logístico. Num país que não possui a cultura
do planejamento de longo prazo aliado à sua execução, e sem saber
exatamente como e o que explorar na região, é difícil justificar uma
infraestrutura de transporte pujante.
Dois outros fatores são relevantes para o cenário da região: o
tamanho e a taxa de crescimento populacional. Manaus é a capital do
maior estado brasileiro, e a cidade está praticamente isolada, quase

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 309

no centro da imensidão do estado que possui 1.570.745,68 km2 (IBGE,


2013a). Como comparação de tamanho, Portugal possui 91.985km2, o
que significa que cabem mais de 17 “Portugais” dentro do Amazonas.
Quanto à taxa de crescimento populacional, a partir de dados
do IBGE, verifica-se que a população de Manaus cresceu 78,2%
entre o censo de 1991 e 2000, saindo de 1.011.501 habitantes para
1.802.014 habitantes, enquanto o Brasil experimentou no mesmo
período crescimento de 29,9%, saltando de 146.825.475 habitantes
para 190.755.799 habitantes. É uma taxa 2,61 vezes maior, o que é
significativo, ressaltando expressiva necessidade de investimento
em recursos de infraestrutura, o que não vem acontecendo, nem há
perspectiva de mudança em breve.
No entanto, todos acreditam que há muito o que explorar
na região. Assim, sempre que se verifica a mínima possibilidade
de exploração, haverá um grupo de brasileiros ou estrangeiros
entusiasmados com tal possibilidade, e a infraestrutura de transporte
virá obediente à decisão de exploração. Desde a corrida da borracha,
que subsidiou conceitualmente a criação do Estado do Acre e ainda
gerou prêmios desta riqueza, como o Teatro Amazonas, em Manaus,
ou o Teatro da Paz, em Belém, até o momento presente, em que se
discute mais um grande ciclo de benefícios fiscais para a indústria da
Zona Franca de Manaus, a forma de construção de infraestrutura é a
mesma: só se faz algo vinculado à exploração de curto prazo e não há
infraestrutura construída e mantida para um benefício de longo prazo
para os moradores da região, induzindo o desenvolvimento econômico,
salvo exceções pontuais.
No Estado do Amazonas, como exemplo, as construções de
infraestrutura de transporte mais significativas no período dos dois
mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi
a construção da BR-174, para o Norte, e uma reforma no Terminal
de Cargas do aeroporto Eduardo Gomes. O presidente seguinte, Luíz
Inácio Lula da Silva (2003-2011), realizou a construção do Terminal de
Cargas III do aeroporto Eduardo Gomes. Ao longo do período total, o
porto público de Manaus praticamente deixou de exercer sua função,
pois a BR-319, que existia operacional no passado, ficou intransitável.
Em síntese, de 1995 a 2011 praticamente nada foi feito no sentido
da ampliação da infraestrutura de transporte do Amazonas e para
seu polo industrial. Poderia ser mencionada a dutovia do gasoduto
Coari-Manaus, mas ela foi construída com financiamento do BNDES
(2010), com o propósito de reduzir os gastos dos subsídios da Conta

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310 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

de Consumo de Combustíveis (CCC), segundo o então presidente da


Petrobrás, Sérgio Gabrielli (GABRIELLI, 2005). Todavia, sete anos
depois a Aneel negou tais benefícios, conforme Montenegro (2012).
Em período semelhante, entre 1999 e 2011, a malha rodoviária
pavimentada do Brasil subiu de 55.905km para 63.966km, ou
seja, acréscimo de 14,42%. A blandícia dos amazonenses e de seus
representantes, que foram apoiadores dos governos FHC e Lula, não
conseguiu gerar elementos para a ampliação das rodovias sequer em
uma taxa semelhante à taxa de crescimento brasileira, até porque se
verifica, no exemplo da BR-319, a redução de sua presença, uma vez que
atualmente é intransitável e a BR-174 foi inaugurada em 23/11/1998,
conforme registra o Itamaraty (BRASIL, 1998).
Mundo afora, o jeito humano de realizar a exploração da
natureza não difere muito. A exploração dos vinhedos das montanhas
italianas ou nos vales franceses segue o mesmo conceito. Entretanto,
não há grande massa populacional nativa e com voz ativa de exigência
em nossa região, uma vez que existem as dificuldades já impostas aos
moradores, como já constatado e analisado em outros capítulos deste
livro.
A infraestrutura de transporte de cada pedaço da Amazônia
surge como consequência de interesses menores e não como uma ação
integrada de desenvolvimento para a região, quer quando se observa
um porto flutuante e pujante em Manaus, construído em 1907, ou a
estrada de ferro da Serra do Navio, no Amapá, inaugurada exatos
50 anos depois, o cenário é o mesmo: a exploração de algum recurso
natural. Nos casos indicados, a borracha e o manganês foram as razões
da exploração.
O cenário usurpador em uma relação império-colônia é visível
em todos os contextos da infraestrutura construída. Contrapõem
este modelo, em cenário mais recente, de maior consciência, os
ambientalistas, que em um extremo defendem a necessidade de
deixar a natureza intocada e preservada para estudos do presente
ou do futuro, sem grandes populações, outros defendem algum tipo
de exploração sustentável e pontual de alguns recursos da imensa
diversidade. Outros ainda, sem nenhuma preocupação ambiental, em
outro extremo, entendem que a diversidade deve ser explorada sem
qualquer prevenção, o que é atitude inadmissível pelo conhecimento
científico do presente, mas que foi adotada como prática de exploração
ao longo de muitos anos, com total ausência de senso de ordenamento,

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 311

o que levou alguns estados, como o Pará e Rondônia, à grande perda


da diversidade ambiental de suas florestas nativas.
Os adjetivos típicos desta área são normalmente de forte
intensidade, tentando traduzir a exuberância que afeta os olhos e o
sentimento até dos moradores natos. Assim, na Amazônia, os problemas
e as virtudes estão muito misturados, de acordo com a perspectiva.
O mais conservacionista verá a “imensidão” como algo a ser intocado.
O explorador verá a região com um potencial de riqueza a ser tomado
de modo violento. O equilíbrio no uso dos recursos da região ainda
não chegou, por uma falta de sentimento e entendimento sobre como
conviver com harmonia neste espaço complexo e diverso.
Logo, a infraestrutura construída traduz este cenário: há
infraestrutura quando existe algo significativo para ser explorado.
O dono do capital, quer seja o governo brasileiro, norte-americano,
inglês ou outro qualquer, construirá a infraestrutura de transporte
com a esperança única de exploração daquele recurso. Na história
da região, não percebo a construção de infraestrutura com a visão
do desenvolvimento em longo prazo. Até mesmo a mal realizada
Transamazônica (BR-230) padeceu deste problema.
Entretanto, a construção da infraestrutura de transporte no
Brasil não ficou tão distante desta lógica. Sandoval (2009) demonstra
que os planos brasileiros, de uma maneira ou de outra, indicaram
a integração da Região Amazônica com o restante do país, mas a
realização das obras, traduzindo planos em execução, não aconteceu.
As obras realizadas no Brasil estiveram sempre conectadas às decisões
do Executivo central ou às grandes necessidade indubitáveis de
vantagens comerciais imediatas.
A decisão do governo central sobre transporte vinha (e vem) de
algum interesse populacional expressivo, com muitos habitantes em
uma região, com conexões relativamente próximas, onde os dois lados
do transporte se desenvolverão de maneira inequívoca. Isso se deu
claramente na Região Sudeste e suas conexões com o Sul e o Nordeste
do país. Em um momento mais recente, com o avanço da fronteira da
soja, isso se deu com a Região Centro-Oeste.
Atingir regiões periféricas não foi um alvo importante, a menos
que existissem vantagens comerciais objetivas, visíveis e de curto prazo,
como no caso do escoamento da produção de café, minério ou qualquer
outro tipo de riqueza significativa destinada à exportação. A história
diz isso.

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312 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Assim, a virtude do potencial da Região Amazônica nunca


se integra aos requisitos históricos nacionais para a construção
de infraestrutura expressiva, pois, além de não existir população
significativa, para atrair popularidade e votos, o custo é muito elevado
e os desafios para as obras são grandes, pois não há tecnologia
desenvolvida na construção civil para a realização de empreendimentos
de transporte com baixo custo nesta região. As obras possuem custo
elevado, proporcionalmente ao resultado eleitoreiro ou econômico.
O benefício será no longo prazo, quando se souber claramente o que
e como explorar a região. Como o longo prazo não traz voto no curto
prazo, os recursos terminam nunca sendo alocados para a região, e
usa-se a desculpa ambientalista radical para a não realização, a qual
não tem sido contraposta de maneira competente.
Para vencer um debate de ideias não é necessário exatamente ter
razão econômica, afinal, quem poderá ser contra a frase “é necessário
preservar a Amazônia, pois a região possui muitas riquezas”? É uma
frase que ao mesmo tempo é válida e inválida, mas pouco demonstrada
como inválida porque o lado positivo dela é muito forte. Válida, quando
se pensa que não podemos ser favoráveis à destruição pura e simples
deste recurso natural. Inválida, quando se pensa na possibilidade de
convivência e aproveitamento não destrutivo da região. A questão é a
falta de consciência e capacidade sobre como utilizar as potencialidades
da região de maneira a preservar a possiblidade de seu uso no longo
prazo. Entretanto, isto subverteria a lógica do império-colônia, que
continua sendo o olhar nacional para a região. Sem infraestrutura de
transporte, sem a liberdade barata do movimento humano por entre
os igarapés e a floresta será impossível, em minha visão, a construção
de uma Amazônia desenvolvida sob a égide do tripé econômico-social-
ambiental.
A infraestrutura de transporte e o homem amazônico precisam
de uma completa malha de transportes para poder receber insumos
eventualmente necessários e transformar os recursos aqui existentes
em riquezas para serem exploradas. Por exemplo, hoje há larga
utilização de água engarrafada dos Alpes franceses ou suíços, por que
razão não poderá ser concebido um modelo de negócio semelhante
para o enorme potencial aquífero da região? Sem infraestrutura de
transporte, será impossível a realização deste modelo econômico ou
qualquer outro que tenha expressividade.
Deixar a riqueza sempre em um estado potencial é impedir sua
transformação em desenvolvimento econômico. Poupanças sem uso

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 313

não são efetivas riquezas econômicas, pois elas não são aproveitadas
por seus donos. Assim, a população da região segue em um cenário
de pouca liberdade, pois não pode sequer se movimentar de maneira
fácil e barata. É como se todos estivessem condenados a um modelo
de cidadania secundária ao restante da Federação, por sua opção
de moradia. Permanecem pobres em vida, dependentes de favores e
sentados sem saber explorar e sequer sem poder acessar o local onde
o tesouro (estaria) “enterrado”, mas ficam acomodados por achar que
todos estão de olho na Amazônia. É um cenário surreal, que transgride
ao que anseia boa parte dos habitantes da região. É claro que outra boa
parte preferirá ficar deitada em berço esplêndido.
Feito este introito com alguns fatos e motivos que entendo levem
ao cenário de quase ausência de infraestrutura em nossa querida região,
este texto passa a desenvolver uma análise macro da logística, fazendo
uma digressão sobre algumas possibilidades de uso do potencial
da região, por meio da criação de infraestruturas de transportes
compatíveis com seu potencial econômico.
A transformação do potencial econômico da Região Amazônica
em riqueza vai se dar por meio do entendimento do que pode ser ou vir
a ser o modelo de desenvolvimento e competitividade esperado para a
região. Afinal, precisamos deixar de ser o país do futuro para sermos o
país do presente, e a Amazônia pode contribuir para isso.
Em logística se diz que cada produto chama o modal mais
apropriado. A natureza também ajuda a equilibrar uma boa
infraestrutura de transporte, quando o relevo e as características
geográficas da região apontarão os melhores formatos de transporte,
de veículos, e assim garante-se que serão realizadas construções
compatíveis com os benefícios a serem obtidos no curto, médio e longo
prazo.
Entender a Amazônia isolada e intocada é entender a Amazônia
sem infraestrutura de transporte. Assumo que este pressuposto é
inválido. Entendo que a região deve ter seu potencial transformado em
uma riqueza de uso responsável para a atual geração e para as futuras.
Entretanto, sem o comércio e a relação de troca econômica, isso será
impossível do ponto de vista prático. Realizar transações econômicas
repetitivas e em larga escala possibilitará essa transformação.
Para o setor de transportes responder por um custo baixo na
aproximação dos produtores em relação aos consumidores, será
necessário que os veículos de transporte sejam compatíveis com os

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bens produzidos, de tal forma que eles possam estar sempre com sua
capacidade tomada e realizando a maior frequência de idas e vindas
possível ao longo de um único período de tempo.
O transporte eficiente é aquele em que o veículo vai e volta
com sua capacidade toda tomada. Como as distâncias da Amazônia
são expressivas, faz-se necessário conectar a vinda de insumos
para a indústria da Zona Franca de Manaus (ou Polo Industrial de
Manaus, como preferir o leitor – ZFM ou PIM), com a saída de bens
produzidos aqui. O mesmo modal terá de fazer sentido tanto na vinda,
quanto na volta. É necessário que exista atração e geração de viagens
simultaneamente, para reduzir ou eliminar o problema de baixa
acessibilidade da região e distância relativamente grande dos centros
produtores e consumidores mais ativos do país e do mundo.
Há estudos, por exemplo, em que os navios de longo curso que
trazem insumos importados possam transportar a soja do Centro-
Oeste para o exterior. A conjugação da ida com a volta dos veículos de
transporte é fundamental. Nesse sentido, a indústria em Manaus pode
ser um centro de atração de viagens, e uma nova indústria pode ser o
centro de geração de viagens, desde que se observe a lógica de uma
integração ampla da região com o restante do país, pois as conexões
de transporte é que induzem e possibilitam a atividade econômica.
O transporte deve vir antes do desenvolvimento econômico e não o
contrário, como indicam alguns.
Como o transporte é um recurso indutor, para o desenvolvimento
da Amazônia faz-se necessária e urgente a presença de importante
infraestrutura de transporte. Esta é a premissa para a segunda parte
deste texto.
A cidade de Manaus, com seus quase 2 milhões de habitantes,
está em uma situação peculiar do ponto de vista geográfico. É possível
observá-la como o centro da região. Isso é uma vantagem competitiva
importante para o posicionamento de aeroporto com vocação para o
transporte regional.
Este breve ensaio sobre a logística da Amazônia segue a análise
com base nos mapas do Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transporte (DNIT). O leitor pode acessar os mapas, por meio da
Internet1. Para cada Unidade da Federação ser detalhada, o leitor deve
1

Disponível em: <http://www.dnit.gov.br/mapas-multimodais/mapas-multim odais/mapas-
multimodais/mapas-multimodais/mapas-multimodais/>. Acesso em: 22 fev. 2014.

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 315

clicar no mapa, caso o texto não seja elucidativo o suficiente sobre a


região mencionada ou detalhes geográficos pontuais.
Uma análise macro da região demonstra o quanto a Amazônia
Legal, brasileira, é grande. Ela abrange os estados do Acre, Amazonas,
Pará, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Matogrosso, Tocantins e parte
do Maranhão. Segundo o IBGE (2013a), essa área representa uma
superfície de 5.217.423km2, ou cerca de 61% do território brasileiro.
Todavia, um olhar macro sobre a região demonstra grande deficiência
de rodovias, em especial no Pará e Amazonas. Rondônia e Matogrosso
possuem uma infraestrutura bastante superior aos demais estados, no
que diz respeito ao modal rodoviário.
A densidade demográfica da região varia de 1,1 habitantes/
km2 até 3,6 habitantes/km2, conforme dados de IBGE (2006). Como
comparação, São Paulo chega a possuir mais de 12.900 habitantes/km2,
desde o ano 2000, conforme o IBGE (2000). O abismo populacional
é uma justificativa eloquente para a maior alocação de recursos para
a construção de rodovias e demais infraestruturas de transporte em
outras regiões. Entretanto, a persistência desta lógica levará a um
cenário de eternização das lacunas de desenvolvimento na região.
Maia e Quadros (2008) constatam que sobretudo o Amazonas
possui comunidades ribeirinhas com “precárias condições de desen­
volvimento socioeconômico, onde o extrativismo ainda se mantém
como a principal fonte de subsistência”. Destacam ainda que os
poucos municípios de profissionais da região são, além das capitais
estaduais, municípios de “Rondônia e Tocantins que recentemente se
beneficiaram com o avanço do agronegócio do cerrado e na borda
sul da floresta amazônica”. Esse cenário atrasado do ponto de vista
econômico se dá principalmente pelo alto custo da mobilidade e difícil
acessibilidade na região.
O desenvolvimento maior do Sudeste, em especial nos estados de
São Paulo e Rio de Janeiro, também foi constatado por Maia e Quadros
(2008). As técnicas estatísticas adotadas pelos autores demonstram que
os municípios com as estruturas mais desenvolvidas “apresentaram
os menores índices de concentração de renda entre seus habitantes”.
Observam ainda que municípios agrícolas “menos desenvolvidos
apresentam uma estrutura mais concentrada nos extremos da
distribuição de rendimentos, onde a diferença entre a massa de
rendimentos apropriada pelos relativamente ricos e relativamente
pobres é mais acentuada”.

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O modal rodoviário é o mais relevante do Brasil. Entretanto, este


não é o caso da Região Amazônica. O DNIT (BRASIL, 2013) realizou
um estudo detalhado e elaborou um relatório com levantamentos
funcionais das rodovias brasileiras. O relatório foi desdobrado para
cada estado e está disponível em seu sítio. O quadro 1 apresenta
uma compilação, a partir das informações agrupadas em alguns dos
relatórios estaduais apresentados pelo documento. Ele demonstra quão
é desigual a implantação de rodovias no país em relação especialmente
aos estados do Amazonas, Amapá e Pará. A Região Amazônica é
preterida sob todos os aspectos que possam ser considerados.

Quadro 1. Densidade de estradas nos estados da Região Amazônica


em 2013.2,3

Estradas Estradas Estradas


Estradas
Área Pavimen- não Pavi- Exis- (A)2 (B)3
UF População Existentes
(km2) tadas mentadas tentes/ (km) (km)
(km)
(km) (km) Área
MA 6.794.298 331.935.507 6.796,2 48.239,4 55.035,6 16,58 8,1 1,66
TO 1.427.827 277.620.914 6.718,9 24.174,1 30.893,0 11,13 21,6 1,11
RO 1.728.214 237.576.167 2.708,7 20.279,5 22.988,2 9,68 13,3 0,97
AC 776.463 164.122.280 1.487,7 7.288,7 8.776,4 5,35 11,3 0,53
MT 3.115.336 903.357.908 7.345,5 27.013,0 34.358,5 3,80 11,0 0,38
RR 488.072 224.298.980 1.461,1 6.121,9 7.583,0 3,38 15,5 0,34
PA 7.969.655 1.247.689.515 5.539,0 30.472,3 36.011,3 2,89 4,5 0,29
AP 734.995 142.814.585 473,5 1.823,5 2.297,0 1,61 3,1 0,16
AM 3.807.923 1.570.745.680 2.165,8 4.007,0 6.172,8 0,39 1,6 0,04
Amazô­
26.842.783 5.100.161.536 34.696 169.419 204.115,8 4,00 7,6 0,40
nica

Fonte: Adaptação do autor a partir de DNIT (BRASIL, 2013), relatórios estaduais.

É como se um habitante ou um metro quadrado da Amazônia


tivesse bem menos importância que um cidadão ou metro quadrado
existente na Região Sudeste brasileira. Dentre outras questões, entendo
que isso demonstra um desrespeito a um preceito constitucional
que indica a necessidade de ações para a redução das desigualdades
regionais (CF, art. 43 e art. 170).
2
Estradas existentes/habitantes * 103 (elaboração do autor).
3
Estradas existentes/área * 104 (elaboração do autor).

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 317

Chamo a atenção do leitor para o quadro 1. Ele está ordenado pela


coluna B, que apresenta um indicador que demonstra a quantidade em
quilômetros de estradas presentes naquela UF em relação ao tamanho
do território do estado, multiplicado por 103, para facilitar a análise.
Assim, o Estado do Maranhão possui 1,66 como indicador, com maior
quantidade de estradas por habitante, enquanto o Amazonas possui
o menor indicador, com 0,04, o que é 10 vezes pior do que o restante
da região.
Os estados em conjunto do quadro 1 possuem o valor 0,4,
evidenciando baixíssima presença relativa deste indicador em
comparação ao que será observado no quadro 2, relativo ao mesmo
modal em outra região do país. Caso seja considerada a elevada
importância relativa da participação do modal rodoviário na matriz
de transporte brasileira, o abismo se mostra ainda maior em relação
à Região Sudeste, por exemplo, como está detalhado no quadro 2, a
seguir.

Quadro 2. Densidade de estradas nos estados da Região Sudeste em


2013.4,5

Estradas Estradas não Estradas Estradas


Área (A)4 (B)5
UF População Pavimen- Pavimenta- Existentes Existentes/
(km2) (km) (km)
tadas (km) das (km) (km) Área

SP 41.252.160 248.209.426 29.244,5 165.036,0 194.280,5 78,27 4,7 7,83

ES 3.512.672 46.077.519 3.478,7 27.142,1 30.620,8 66,45 8,7 6,65

RJ 15.993.583 43.696.054 6.918,2 15.505,7 22.423,9 51,32 1,4 5,13

MG 20.593.366 586.528.293 23.059,9 246.570,6 269.630,5 45,97 13,1 4,60

Sudeste 81.351.781 924.511.292 62.701 454.254 516.955,7 55,92 6,4 5,59

Fonte: Adaptação do autor a partir de DNIT (BRASIL, 2013), relatórios estaduais.

Como pode ser constatado, ao se realizar uma análise crítica do


quadro 2 em relação ao quadro 1, ou seja, comparando-se o Sudeste
com os estados da Região Amazônica, é possível observar que São
Paulo, o estado mais desenvolvido do Brasil, possui uma relação muito
mais favorável no indicador que demonstra a presença de rodovias em
relação ao território. Uma comparação direta SP versus AM apresenta
4
Estradas existentes/habitantes * 103 (elaboração do autor).
5
Estradas existentes/área * 104 (elaboração do autor).

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318 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

densidade 19.475% superior e, ao comparar SP com o PA, chega-se a


uma diferença de 2.600%. São números expressivamente diferentes e
desconsoladores para um habitante do Amazonas, pois evidenciam o
quão é desigual o Estado brasileiro.
O problema da ZFM e da Amazônia está muito além de uma
guerra fiscal, uma vez que vivenciamos uma guerra por recursos
em todas as frentes, como verificado em uma visão mais ampla por
Steingart (2009). O paradoxo de debatermos apenas uma guerra fiscal
deve ser transcendido e percebido de uma maneira mais moderna e
considerando outras variáveis, em que o modelo heurístico de análise
do problema do subdesenvolvimento e pobre qualidade de vida precisa
evoluir. As relações de causa e efeito afirmadas até agora estão distantes
do que é observado em uma análise mais profunda da realidade.
Quando a análise migra para o comparativo km de rodovia por
habitante, multiplicado por 103, chega-se neste indicador a um quadro
onde também há forte vantagem para SP, em especial comparando com
os mesmos estados: AM, AP e PA. Por outro lado, os demais estados
possuem uma relação até superior à média do Sudeste brasileiro.
É como se o benefício de infraestrutura pela cidadania de cada
habitante destes estados fosse inferior ao que se dá nos demais estados.
Dada a extensão territorial do AM e PA, esta diferenciação aprofunda
sobremaneira a desigualdade dos estados, uma vez que o transporte é
indutor do desenvolvimento. Para a redução da desigualdade destas
regiões, a relação deveria ser inversamente proporcional, de tal modo
que estes estados possuíssem uma malha rodoviária superior, para levar
a acessibilidade a maior quantidade de pontos do estado, favorecendo a
mobilidade de suas populações e a criação da possibilidade de atividade
econômica. Sem a infraestrutura de transporte, sem energia elétrica e
sem comunicação, qualquer sonho de atividade econômica produtiva,
moderna e rentável é mera ilusão.
Contudo, vale ressaltar os aspectos ambientais, a densidade
populacional das áreas em estudo, bem como sua importância no PIB
brasileiro. O Amazonas possui densidade populacional de 2,42hab/
km2, enquanto SP possui densidade de 166,20hab/km2. O Sudeste
como um todo possui 87,99hab/km2, enquanto a outra região em
estudo possui apenas 5,26hab/km2. É uma diferença nada desprezível
e que deve ser considerada nas análises.
Com respeito às questões ambientais, a abertura de estradas
na Região Amazônica pode levar a severo risco de desmatamento,

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 319

como se deu especialmente em Rondônia. Isso não pode ser deixado


de lado em nenhuma análise, quando se trata da Amazônia e de sua
relevância para o equilíbrio do clima global, da biodiversidade com
grande potencial e de todas as questões relativas à importância deste
magnífico recurso natural que o país possui.
Murta (2010, p. 119) analisa elementos da dinâmica do crescimento
continuado de uma cidade: produtividade, serviços (em número),
empresas, diversificação, preços baixos, salários reais, utilidade, uma
cidade atrativa, procura de trabalho, empregos variados e conjunto
de saberes disponível. Em contrapartida, aumentos de custos de
transporte e o fenômeno do congestionamento levam à imposição de
limites ao crescimento.
Com uma abordagem mais sistêmica e ampla, Porter (1989)
apresenta os Determinantes da Vantagem de um país como quatro
variáveis: (1) estratégia, estrutura e rivalidade das empresas; (2)
condições de fatores; (3) condições de demanda e (4) indústrias correlatas
e de apoio. A logística é uma das condições de fatores para uma área
tornar-se competitiva. A alocação eficiente dos recursos na Região
Amazônica será determinante para que, no longo prazo, o potencial
de recursos ambientais possa ser utilizado. Entretanto, como apenas
existem ações efetivas no momento presente, faz-se necessário incluir
um conjunto de ações que permitam criar fatores que levem ao uso,
o quanto antes, dos recursos da região de maneira responsável, antes
que a irresponsabilidade leve à destruição ou redução do ecossistema
amazônico, como está se dando com o avançar das fronteiras da soja
ou como o que se deu no Estado de Rondônia, com o crescimento
da agricultura e pecuária tradicionais, sem a exploração ampla da
biodiversidade lá existente.
O leitor, por si, poderá extrair análises adicionais com os
quadros 1 e 2. A importância relativa de um habitante versus os
investimentos existentes para o transporte são fatores relevantes para
melhor compreensão do que é uma parte significativa da origem das
desigualdades, pois a simples possibilidade de se movimentar, tão
essencial à condição humana, é algo ainda não atingido de maneira
plena e compatível com o restante do país. Isso per se é, em minha
opinião, motivo mais que suficiente para uma mudança substancial
no modelo de transportes da Amazônia e, em especial, para os três
estados que estão condenados ao fim da lista: AM, AP e PA.

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320 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

O modal aéreo na Amazônia se dá em especial por meio de


aeroportos da Infraero, que não são tantos, além dos aeroportos
das capitais, em especial quando é considerada a área da região.
Todavia, existem outras alternativas ainda não utilizadas amplamente:
aeroportos do interior e aeródromos nos rios. A questão aqui levantada
é que passam-se os anos e muito pouco ou quase nada muda no
cenário de infraestrutura de transportes na região, o que traz como
consequência um cenário semelhante no que diz respeito às mudanças
econômicas.
Entretanto, o mesmo modelo se dá país afora. Não há no Brasil
intenso uso de aeroportos regionais e de interior, salvo a exceção de
sempre: o Sudeste. São Paulo, onde Campinas e Guarulhos suportam a
capital, que possui apenas o aeroporto de Congonhas com porte e rotas
expressivas para outras regiões do Brasil. Ademais, há o aeroporto
de São José dos Campos, que também ajuda o desenvolvimento do
estado. Situação semelhante se dá em Minas Gerais, onde diferentes
aeroportos, como Uberlândia, Uberaba e Ipatinga (administrado pela
Usiminas), também representam forte presença no interior.
Os aeroportos da região se tornam pouco interessantes, porque
o atual modelo de voos regionais do Brasil não está desenvolvido.
A empresa aérea Azul vem explorando esse segmento de mercado,
tendo inclusive adquirido a empresa Trip para apressar a empreitada,
chegando a mapear 100 aeroportos com este potencial (VALOR, 2013).
Existem, segundo a Anac (2014), 713 aeródromos no país. Mesmo assim
o governo federal anunciou em 2012 que construiria 800 aeroportos
regionais, baixou o número para 270, e depois nenhum foi feito ao
final de 2013 (ESTADÃO, 2014a).
Outra oportunidade para a região é a utilização mais expressiva
dos rios como aeródromos e terminais aeroportuários, que não vêm
sendo explorados de maneira intensa, mas existe aparente uso crescente
desse meio de transporte, mesmo sem estatísticas oficiais acessíveis.
Esse formato já foi usado antes até da ZFM, daí a origem do nome
“Feira da Panair”, em Manaus, quando aviões bimotores Catalina da
Panair do Brasil operavam naquela área.
A Amazônia também tem um céu de oportunidades para o
desenvolvimento da logística aérea, por mais que Manaus já possua
um dos maiores terminais de carga aérea do país. De fato, o porte do
terminal deveria impulsionar ainda mais este modal na região, mas

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 321

não é o que acontece, pois aqui a infraestrutura está sempre antes da


demanda, quando deveria ser exatamente o contrário.
Entender a logística aérea na Amazônia como algo exclusivo
para produtos de altíssimo valor agregado, como bens tecnológicos,
é uma visão curta da prática do cotidiano e da teoria dos sistemas de
transporte. Para tal, cabe uma observação sobre produtos agrícolas
que têm utilizado o modal aéreo para atingir os mercados da região,
onde se chega ao ponto de supermercados etiquetarem produtos
como “morango aéreo”, caracterizando o modal do transporte num
quase rebatismo do produto. Por que o mesmo não pode acontecer
entre o interior da Amazônia com os grandes centros? Por que não
existir “açaí aéreo”, vendido nos supermercados de São Paulo ou Rio
de Janeiro? Quanto da produção de açaí e outros produtos típicos da
região podem usar esses canais, tal qual o kiwi, do sul da China, que
conquistou mercados globais, também a partir de outras regiões como
a Austrália? Apenas a possibilidade de transporte é que induzirá às
atividades empreendedoras, como a empresa Flamboyant, fundada
em 1996 em Castanhal/PA, com porte médio, que vem produzindo
iogurtes com sabores típicos da região. Sem infraestrutura avançada,
é impossível que empresas regionais, como essa, prosperem em um
mercado povoado de multinacionais europeias, como o de iogurte.
A lógica das tarifas reguladas pela oferta e procura dificulta
ou impossibilita modelos de indução ao desenvolvimento em regiões
remotas. A oportunidade de criação de concessões conjugadas de rotas
aéreas é uma possibilidade que deveria ser utilizada com o marco
legal e compensatórios adequados. Por exemplo, para a empresa que
possua a concessão de operar a rota Manaus-Guarulhos, concorrida
e frequentemente lotada, poderia ser demandado que ela operasse
uma rota Manaus-Tefé-Manaus com maior frequência que a atual,
e com tarifa proporcional ao tempo de voo e distância percorrida
equivalente à tarifa cobrada para o trecho Manaus-Guarulhos-
Manaus. Um eventual (e provável, pelo menos nos primeiros anos)
déficit financeiro desse voo deveria ser compensado pelo voo de maior
ocupação ou por adequação de aeronaves com a rota. A execução de
modelos de sistemas de transporte precisa observar que a tarifa não
deve ser calculada exclusivamente pela planilha de custos, uma vez
que o transporte é condição sine qua non para o desenvolvimento, o
que é amplamente conhecido na literatura, como destacam Button e
Reggiani (2011) ou Sheffi (2012), de maneira direta, ou Esser et al.
(1996) e Grauwe (2010), de maneira indireta.

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322 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A presença de tarifas subsidiadas é algo que tem sido repelido


pela sociedade brasileira, mas se não for adotado nenhum modelo de
subsídio ou incentivo para as regiões mais isoladas da Amazônia, elas
seguirão a ser subdesenvolvidas. Há alguns incentivos que poderiam ser
adotados, por meio de renúncia fiscal, a exemplo do que se faz na ZFM.
Por exemplo, o ICMS sobre o combustível utilizado nos aviões poderia
ser reduzido para as operações na Amazônia. Há espaço para a atuação
em todos os portes e setores, desde que exista uma ação sistêmica e
voltada ao interesse real da região, buscando-se no desenvolvimento.
Marambaio (2013) fez um levantamento do desempenho do
aeroporto de Manaus, estudando sua competitividade logística.
A autora verificou que esse aeroporto possui o desempenho regular,
mesmo sendo um dos maiores do país e o maior administrado pela
Infraero. O grau de prioridade do aeroporto e a qualidade de gestão
são elementos de destaque negativo do aeroporto.
A priorização é demonstrada com a atenção e com a alocação
de recursos. Como dito, a Amazônia não é prioridade para a pauta
de desenvolvimento brasileira. Entretanto, adiciono que ela poderá
passar a ser se nós, os habitantes da Amazônia, quisermos. Não será
um compatriota do Rio, São Paulo ou Brasília que nos indicará a
forma de desenvolver a Amazônia. A autoafirmação e o interesse no
desenvolvimento é algo intrínseco a cada povo, como já percebido por
Adam Smith.
Em outra ótica da logística, o modal aquaviário é normalmente
percebido como o principal e a vocação da região para o seu
desenvolvimento. Entretanto, de acordo com pesquisas primárias que
fiz, em outubro/2013, verifiquei que o transporte de um contêiner
de 20” entre Shangai e Santos custa US$ 750. O mesmo padrão de
transporte entre Manaus e Santos custa US$ 1,229. Uma diferença de
63,87% nos custos de transporte. Sem dúvida, parte da explicação é o
tão falado Custo Brasil, mas não haverá aí também questões de volume
e subsídio associado? É uma investigação importante para outros
autores, pois a viabilização de uma área industrial vai muito além das
questões do incentivo fiscal puro e simples.
Os portos de Manaus e a cabotagem foram detalhadamente
estudados por Minori (2013), que elaborou um índice da competitividade
logística de cargas em contêineres nos portos da cidade de Manaus,
concluindo também, tal qual o texto sobre o modal aéreo mencionado

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 323

anteriormente, que o modal aquaviário em Manaus possui desempenho


regular.
Neste contexto, salta aos olhos quando se observa que, para
alguns dos gestores de infraestrutura de transporte na região, parte
da solução é a construção de pequenos terminais no interior do estado.
Pequenas estruturas vão favorecer pequenos transportes. O porte de
investimentos realizados é insignificante para a região. Segue-se uma
gestão de projetos pequenos para uma região tão grande. “A Crítica”
(2013) entrevistou o superintendente da Suframa e constatou a ótica
oficial sobre o assunto: são interessantes e “encarados com bons
olhos”, investimentos privados, mesmo sabendo que esse investimento
deveria ser público, pois a infraestrutura, mesmo em países capitalistas
avançados, é papel do Estado. Quando se chega ao ponto de uma
infraestrutura de transportes ser feita pela iniciativa privada, com
recursos próprios, é quando há uma completa ausência do Estado em
um de seus papeis essenciais.
Ainda na mesma entrevista, há uma constatação legal de
nossa legislação: “a questão dos portos é da alçada da Secretaria de
Portos (SEP) da Presidência da República”. Ora, 40 mil quilômetros
de rios navegáveis e baixo aproveitamento desse potencial para o
desenvolvimento da região e parece ser normal que a SEP, em Brasília,
possa perceber e entender as demandas locais. Em julho de 2013 foi
noticiado por G1 (2013), que serão investidos R$ 1,8 bilhão em recursos
privados para portos no Amazonas, e R$ 86 milhões pelo governo
federal. A discrepância na origem dos recursos é assustadora.
Para o total de R$ 86 milhões, serão feitos investimentos em
23 municípios, o que representa uma média de R$ 3,7 milhões por
empreendimento, o preço que se pode ver para alguns apartamentos
em qualquer cidade de grande porte no Brasil ou mesmo em poucas
vagas de estacionamento na área central de Paris. A disparidade
também pode ser vista quando uma vaga de estacionamento em
Londres, no Hyde Park, pode custar até 300 mil libras. A comparação
esdrúxula é para destacar como é pequeno o investimento público
direto no desenvolvimento da região. Também vale a reflexão sobre
como pode fazer sentido o investimento privado, que busca retornos
em curto prazo, pode ser tão superior ao investimento público que
deve (ou deveria) buscar retornos sociais e econômicos no curto, médio
e, muito mais fortemente, no longo prazo.

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324 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Nos EUA, segundo The Economist (2011), verificou-se que o país


reduziu suas despesas totais para a infraestrutura de transportes
para 2,4% do PIB. Por outro lado, a Europa mantém em 5% de seu
PIB, faz muitos anos. Como contraste maior, a China corre com 9%
e baixa preocupação ambiental. O Brasil e a Amazônia estão muito
distantes do que fazem os países listados. Talvez a melhor comparação
da região seja com o próprio Brasil, pois construir transporte ainda
não representa uma pauta das prioridades fundamentais da Amazônia.
Muito ao contrário.
Assim, parece-me muito mais uma falácia afirmar que a
Amazônia é uma prioridade para o Brasil. Pouco recurso vem sendo
alocado aqui para o modal aquaviário ou qualquer outro. Quando se
diz que R$ 86 milhões é algo digno de comemoração para investimento
portuário em 23 cidades, não consigo ter outro sentimento que não
seja lembrar-me de um silogismo sofístico, em que vejo um raciocínio
apresentado como verossímil, mas sei ser inverídico. É muito pouco
para 40 mil quilômetros de vias navegáveis.
Entretanto, esta não é a lógica de um grupo político ou de
pessoas de má vontade. Vê-se pessoas de boa vontade e de todos os
matizes políticos levando adiante esse modelo de desenvolvimento da
Amazônia, onde nada se faz para desenvolver, nem no modal de maior
vocação da região. Temos a vocação por uma benesse da natureza, mas
não por um intenso investimento em infraestrutura. Enquanto não for
realizado intenso investimento na região, que seja significativamente
além do que a natureza nos proporcionou, não teremos uma verdadeira
hidrovia pujante.
Pequenas medidas deveriam estar em todas as pautas de
desenvolvimento da hidrovia, desde que exista um conhecimento da
região. Por exemplo, em estudo feito pela Comissão de Logística do
CIEAM/Fieam, verificou-se que devem ser incluídos estudos para
dragagem visando ampliar o calado entre a Barra Norte e Manaus
de 11,50m para 14 a16m, além de dragagem dos pontos restritivos do
Mazagão e Tabocal. Uma medida como esta modificaria radicalmente
a questão de competitividade, pois torna-se possível receber em
Manaus, e em todo o trecho desta hidrovia desde o Pacífico, navios com
consignações bem maiores que o limite atual de 45.000 a 55.000 DWT,
podendo facilmente alcançar 75.000 DWT. Isto dimunui o custo TKU
transportado, variando entre 25% e 45% de redução, o que poderá
tornar o PIM mais competitivo de dois modos: na entrada dos insumos

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 325

e na saída de produtos. Pautas assim deveriam integrar ações sistêmicas


e importantes para a região, no que diz respeito ao uso das hidrovias.
Ferrovias e dutovias estão presentes na Amazônia, mas estão
bem longes de representar o principal meio de transporte ou um dos
principais meios de transporte da região, mesmo que seja considerada
a extensão das ferrovias presentes no PA, MA e AP, ou ainda o gasoduto
já mencionado.
O passado sombrio da Ferrovia Madeira-Mamoré e seu projeto
executado parcialmente ao custo de muitas vidas de trabalhadores,
até ser abandonado, talvez seja a origem histórica desta ausência.
Entretanto, o Plano Geral de Viação do Brasil, em 1934 (SANDOVAL,
2009) previa ferrovias: Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Itacoatiara-Manaus,
Cuiabá-Rio Branco e outras na região.
Após muitos investimentos realizados em ferrovias no Brasil,
o que contrapõe o senso comum e é analisado por Barat (2007), a
Amazônia chegou ao século XXI com ferrovias alocadas apenas para a
extração de seus recursos minerais. Isso foi significativo na Estrada de
Ferro do Amapá e é significativo na estrada de ferro que transporta os
minérios do Pará para o Maranhão e suas siderúrgicas e portos.
Em 1984, a Mocidade Independente de Padre Miguel, escola
de samba do Rio de Janeiro, traduziu por meio do samba carioca um
pouco do ideário nacional por meio do samba-enredo “Mamãe eu quero
Manaus”, o qual possui versos emblemáticos do sentimento para com a
região: “(...) Num mar negro de astúcia // Eu naveguei // Caí num mundo
de aventuras // Meu dom de muambeiro despertei (...)” (MIGUEL,
1984). A representação associada à “muamba”, que é naturalmente pelo
significado da palavra um ato de má fé, contrabando ou negócio ilícito,
denota um sentimento de exploração incorreta das riquezas da região.
Naquele momento o comércio da ZFM estava em um ápice interessante,
com pilhas e pilhas de tocadores de fitas videocassetes, as quais eram a
tecnologia do momento para assistir filmes em casa.
Como o samba representa bem o sentimento brasileiro, a
expressão para a viagem é “naveguei”. Ora, não há caminho mais
natural para chegar a Manaus do que a navegação por meio do modal
aquaviário. A dinâmica da Amazônia é ímpar e envolve rios, até por
possuir enorme bacia hidrográfica.
Em entrevista a Reis (2013), o general Eduardo Villas Boas
destaca que “em pleno século XXI, o país não completou sua expansão
interna”, e acrescenta que “temos metade de nosso território a ser

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326 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

ocupado, integrado à dinâmica da sociedade do país.” O entrevistado


diz ainda que não há conhecimento no Sul do Brasil da realidade desta
região. Isto é, a meu ver, uma afirmação válida. Contudo, entendo que
cabe a nós, habitantes da região, levar este posicionamento ao restante
do país, pois também tenho a sensação que o habitante do Norte
também não possui conhecimento das realidades diversas do Brasil.
O ponto positivo levantado para o contexto deste breve ensaio
diz respeito à perspectiva de distanciamento e de mera exploração
colonialista com uma região. Este é o ponto que preocupa este autor e,
mais do que isto, como estamos convencidos, enquanto sociedade, que
este modelo que mendiga apoio, buscando o sentimento de culpa do
restante do país e até do mundo.
A atual presidente da República puxou para si este discurso até
fora do país, como destaca Editorial do Estado de São Paulo (ESTADÃO,
2014b), quando ela proferiu o conjunto de frases “A Zona Franca de
Manaus, ela está numa região, ela é o centro dela (da floresta amazônica)
porque é a capital da Amazônia [...]. Portanto, ela tem um objetivo, ela
evita o desmatamento, que é altamente lucrativo – derrubar árvores
plantadas pela natureza é altamente lucrativo [...]”. A justificativa para
algum desenvolvimento na região é o não desmatamento.
Assim, somando-se em uma aritmética regada pela heurística
deste autor, que conjuga samba com planejamento dos transportes
e outros elementos, concluo que, no aspecto macro da logística da
Região Amazônica, não há prioridade de desenvolvimento. Há uma
prioridade de exploração dos recursos da região por meio de artifícios
não tão confessáveis em público, pois são atos de império em relação à
colônia, justificando a ausência do desenvolvimento para a região com
forte apelo ambiental, que não vem sendo analisado ou contraposto.
Assim, não se derrubam as árvores “plantadas pela natureza” (sic). É
um ótimo caminho para nada fazer, a não ser explorar. Desta forma,
é como se a região vivesse o século XVI em pleno século XXI. Uma
contradição preocupante e que precisa ser transformada.
Em uma análise mesorregional, percebo que existem
oportunidades interessantes para a região, quando se considera o
potencial apelo de integração sul-americana, em especial no norte da
América do Sul. Análises cartográficas por vezes distorcem a visão de
mapas do leitor menos avisado. Alguns autores, como Shohat e Stam
(2006), analisam essa temática, colocando em pauta uma crítica à visão
eurocentrista.

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 327

Nesta análise, entendo que uma visão Amazônia-centrista faz-se


necessária para se perceber as possibilidades de desenvolvimento e
continuarmos a caminhada para o desenvolvimento responsável da
região. Por exemplo, o transporte aéreo poderia estar focado em um
hub (concentrador) aeroportuário na região, conforme destaco na
Figura 1.

Figura 1. Hub em Manaus, tomando como base a distância Manaus-Brasília.


Fonte: Adaptação do autor em mapa do IBGE.

Esta visão apresentada pode (e é) não só Amazônia-centrista, mas


também Manaus-centrista. Com esta percepção seria muito natural que
Manaus assumisse um papel relevante do ponto de vista logístico e de
transportes para a região aqui em estudo, uma vez que sua localidade
é praticamente central em relação às terras existentes neste pedaço
da América do Sul. Tal iniciativa, de enxergar o aeroporto como hub,
foi acalentada por algum tempo pela Suframa e outros atores do
desenvolvimento regional, como o Governo do Estado, em especial
entre 2006 e 2008. Todavia, o contínuo contingenciamento de recursos
da Suframa fez com que as concepções e pessoas que se dedicavam a tal
sonho mudassem suas atuações para outras atividades.

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328 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Entretanto, não só de aeroportos e distâncias constroem-se os hubs


aeroportuários. Muitos elementos adicionais são necessários, tais como:
hangares a custo razoável, pessoal de manutenção, ampla estrutura
aeroportuária, mão de obra especializada, baixo custo de terrenos no
entorno do aeroporto, significativa infraestrutura hoteleira (ou área
reservada com tal potencial), baixos impostos para combustíveis de
aviação etc. Sem uma boa parcela desses elementos presentes, o sonho
de um projeto deste tipo passa a ser mero devaneio intelectual, pois,
primeiro de tudo, será necessário haver uma empresa empreendedora
atuando neste conceito.
Para dar certo um projeto como este, “bastará” uma empresa
aérea com tal decisão estratégica, apoiada pelo governo federal e
estadual, para que tal projeto aconteça. Do ponto de vista geográfico e
econômico, a atração e geração de viagens para o entorno amazônico,
com Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela
e Guiana Francesa, cria todo um potencial de oportunidades, que se
transformarão em negócios apenas com a atuação empreendedora
apoiada pelos atores governamentais, pois, principalmente, o
transporte leva ao desenvolvimento e não ao contrário.
Em síntese, entender a mesorRegião Amazônica pressupõe a
integração de infraestruturas em todos os modais de tal forma que
exista uma cooperação entre as regiões mais próximas, até de maneira
mais intensa do que acontece com regiões mais distantes. Por exemplo,
atualmente já é mais comum em Rio Branco o consumo de bens primários
importados, como cebola, do que vindos do Brasil. Ter também essas
conexões aéreas não é algo impensável, pois isso se viabilizará por meio
de operações das alianças de empresas aéreas e a conexão da América do
Sul com os EUA ou América Central e, quiçá, com a Europa, por meio de
Manaus ou da Guiana Francesa, desde que existam fluxos econômicos
de passageiros e cargas que justifiquem tais escalas. É uma possibilidade
a ser explorada pelos empreendedores do setor.
Do ponto de vista microrregional, cada pequena área da
Amazônia deve puxar para si o desenvolvimento de suas infraestruturas
e a busca pelos recursos nacionais, a partir da criação de atividades
econômicas compatíveis com o presente. A Internet pode alavancar
significativamente o comércio da região, que pode começar com um
viés de baixo valor agregado, como o extrativismo de água ou frutas da
região, caminhar para uma produção agrícola de maior porte e assim
sucessivamente. Enquanto for esperada uma intervenção externa, é
bem pouco provável que exista real desenvolvimento na região.

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Capítulo 12 • Logística de transporte na Amazônia integrada ao sistema nacional 329

Assim, uma microrregião produtora de peixe do Acre terá que,


por meio de elementos de desenvolvimento do governo estadual e
federal, ser dotada da infraestrutura que possibilite a esses produtores
levarem seus produtos para todo o mundo, tal qual é possível fazer
com o caviar russo ou iraniano, ou produtos da região da Champanhe
na França, ou mesmo, como já dito da água, vinda da Europa para
mercados globais (caso o leitor esteja disposto a ir para a Internet,
recomendo flanar sobre o projeto e o conceito realizado pela marca
de água norte-americana Voss). O desenvolvimento dos rincões da
Amazônia não se dará por um habitante externo, pois quem vier de
fora fará a exploração como colonizador. Quem for da região é que deve
puxar para si a responsabilidade pelo desenvolvimento. Contudo, o
transporte é papel do Estado em seus três níveis. Não se pode misturar
os papéis, ou seremos condenados a um modelo de subdesenvolvimento.

Considerações finais
Hoje a Amazônia não está integrada ao Brasil. Sob a ótica da
infraestrutura, a região mal chegou ao século XX. É como se vivêssemos
pouco depois do Império, no discurso e na prática do que se observa
construído na região. A ligação do interior da Amazônia com o resto
do Brasil é quase nula, vê-se na realidade que o conceito existente e
projetado para o futuro é praticamente o mesmo do Plano Rebelo de
1838. A evolução projetada nos Planos para o Transporte da região
publicados no Decreto nº 24.497, de 29/06/1934, ainda não foi feita.
Entretanto, ainda há tempo para integrar a Amazônia com o Sistema
Nacional de Transportes e, quem sabe, antes de o plano completar 100
anos, consigamos, enquanto sociedade, transformá-lo em realidade.
Acemoglu e Robinson (2012) analisam vários motivos que levam
ao insucesso de nações. É uma leitura interessante para quem deseja
ir além do mito de possibilidade de desenvolvimento. O formato
usado para a Amazônia é exatamente o que os autores escrevem sobre
fracasso: “as nações fracassam economicamente devido ao extrativismo
de suas instituições. São elas que mantêm os países pobres na pobreza e
os impedem de enveredar por um caminho de crescimento econômico”
(ACEMOGLU; ROBINSON, 2012, p. 309).
Sem infraestrutura não há desenvolvimento. Os modais devem
estar todos presentes na Amazônia, para que tenhamos a oportunidade
de movimentar pessoas e cargas em todas as direções, integrando a

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330 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

região com o mercado do mundo globalizado, onde produtos podem


ser produzidos e consumidos em qualquer lugar do planeta.
O modelo de desenvolvimento da região, sob a ótica do transporte,
deve ser concebido com energias limpas e com as barreiras agrícolas e
de segurança e proteção da biodiversidade. Nada é impossível, desde
que exista interesse para tal e prevaleça a persistência. Qualquer
projeto, concebido em pequeno ensaio ou grande tratado, terá um
conjunto significativo de problemas e de deficiências na hora de sua
implantação. É importante que as pessoas engajadas nos projetos
de desenvolvimento consigam se posicionar evoluindo os conceitos
e fazendo as correções que somente podem ser percebidas ao longo
do caminho da execução, sem desistir um milímetro do propósito de
desenvolvimento da região.
A Amazônia necessita partir em busca do tempo perdido e
sonhar cada vez mais. Para seguir com uma visão proustiana, “o que
reúne e atrai as pessoas não é a semelhança ou identidade de opiniões,
senão a identidade de espírito, a mesma espiritualidade ou maneira
de ser e entender a vida.” Enquanto os habitantes da Amazônia não
encontrarem sua identidade ligada ao entendimento que a dimensão
econômica desenvolvida deve ser buscada, este sonho ficará distante. Se
você leu até aqui, uma semente está lançada. Tomara que ela germine
de maneira positiva para o que entendemos ser o desenvolvimento
para a Amazônia: ir além de deixá-la intocada, pois nem mesmo na
Antártida se quer isso.
O futuro da Amazônia é o desenvolvimento da região, pois é
sabido que aqui há uma riqueza. Entretanto, faz-se necessário explorar
e usar esse patrimônio para que ele se torne uma riqueza para seus
habitantes e para o país. Deixar a riqueza imóvel é uma ação preguiçosa
e contrária ao desenvolvimento. Portanto, devemos arregaçar as
mangas e enfrentar o risco de dotar a região de infraestrutura, com
cada um e todos os cuidados necessários para que não seja um mero
caminho para o desflorestamento, o que seria uma irresponsabilidade
e estupidez antagônicas ao desenvolvimento. Tenho confiança de que
as futuras gerações serão mais responsáveis que as anteriores.

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regional>. Acesso em: 15 mar. 2014.

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Capítulo 13

Energia na Amazônia:
qual o nosso futuro?
Rubem Cesar Rodrigues Souza

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336 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A Região Amazônica, conhecida globalmente por sua


biodiversidade, também é detentora de recursos energéticos variados
com potencial capaz de atender tanto as demandas internas quanto as
externas, a saber: hidrocarbonetos (gás natural e petróleo); hídrico;
biomassa e solar. Registre-se que o Brasil depende fortemente dos
recursos hídricos da Amazônia para sustentar seu crescimento
econômico. Em que pese a riqueza energética regional, o cenário local se
caracteriza por suprimento elétrico de baixa qualidade; custos elevados
de geração com forte dependência de combustíveis fósseis; grande
contingente populacional sem acesso à energia elétrica, e uma capital,
Boa Vista, dependente de energia elétrica importada da Venezuela.
Descrever esse cenário em poucas páginas, partindo de um
passado recente, e ainda, estabelecer as bases para sustentar uma visão
futurística do setor energético na Amazônia brasileira, foi o desafio
com o qual o autor se deparou para a construção do presente texto.
Assim, fez-se necessário estabelecer alguns recortes para viabilizar
o trabalho. Primeiramente estabeleceu-se que a discussão se limitaria
ao espaço geográfico da Região Norte, compreendendo os estados
do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins;
haja vista que os maiores desafios e oportunidades aí se encontram.
O segundo recorte foi no âmbito setorial, estabelecendo como foco o
setor elétrico, por ser o grande demandante dos recursos energéticos
regionais.

História recente do setor elétrico na Região Norte


No ano de 1992, o suprimento de energia elétrica na Região
Norte era levado a efeito via empresas estatais verticalizadas, ou seja,
responsáveis pela geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
A capital Belém e alguns poucos municípios do Pará, bem como
Palmas-TO pertenciam ao Sistema Interligado Nacional (SIN),
enquanto os demais municípios do Pará, bem como a integralidade dos
demais estados, constituíam o denominado Sistema Isolado do Norte.
O consumo de energia dos sistemas isolados do norte representava
apenas cerca de 3% do consumo total do país. A concessão do serviço de
energia elétrica no âmbito dos sistemas isolados pertencia a empresas
estatais de responsabilidade dos governos estaduais, com um parque
gerador constituído na sua expressiva maioria por termelétricas a
combustível fóssil, e por hidrelétricas de responsabilidade da empresa
Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), criada no ano

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 337

de 1973, sendo sua primeira sede na cidade do Rio de Janeiro-RJ


posteriormente transferida para Brasília-DF. Na tabela 1 constam
informações acerca das hidrelétricas mais significativas em operação
na Região Norte no ano de 1992.

Tabela 1. Usinas hidrelétricas mais significativas em operação na


Região Norte no ano de 1992.1

Ano de Potência Área


Usina Estado Rio Inaugura- Instalada Inundada
ção (MW) (KM2)
Coaracy AP Araguari 1976 481 23
Nunes
Curuá- PA Curuá-Una 1977 30,3 121
-Una
Tucuruí PA Tocantins 1984 8.370 2.850
Balbina AM Uatumã 1989 250 2.360
Samuel RO Jamari 1990 216 656

É oportuno observar que, na época da concepção e construção


das primeiras hidrelétricas na Região Amazônica, não constavam da
pauta de discussões questões socioambientais, o que pode explicar os
grandes impactos produzidos por estes empreendimentos. Entretanto
é discutível a alegação de se tratarem de obras para o desenvolvimento
regional. Tal assertiva é referendada pelo fato de a grande motivação
para a criação de Coaracy Nunes, primeira hidrelétrica construída pela
Eletronorte, ser a exploração do manganês pela empresa Indústria e
Comércio de Mineração (Icomi), com pouco apelo para geração de
emprego e renda local. Tem-se ainda, o caso da maior hidrelétrica
totalmente brasileira, Tucuruí, em operação oito anos após Coaracy
Nunes, que atendeu fundamentalmente os anseios de empresas de
alumínio de origem japonesa, norte-americana e canadense.
No ano de 1993, o governo federal iniciou o processo de reestru­
turação do setor elétrico nacional, tendo como motivação fatores de
natureza econômica, financeiros e políticos.
1
Entrou em operação com 48 MW, sendo ampliada em 30 MW no ano de 2000, passando a ter
potência instalada de 78 MW.

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338 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Mendonça et al. (apud SOUZA, 2000, p. 55), assim resumem os


instrumentos mais importantes usados para reforma do setor elétrico
até dezembro de 1998:
–– Lei 8.631/93, foi o primeiro ato legal para reformar o sistema.
Introduziu uma mudança radical na política tarifária,
permitindo que as empresas cobrassem dos clientes um custo
realista que reflete o custo de geração, incluindo pagamentos
de juros e outros custos especiais como aqueles da aquisição
compulsória. Anteriormente, as tarifas de energia se baseavam
em critério arbitrário.
–– Regulamento 1.063/93, que introduziu tarifas de energia
mais flexíveis para grandes consumidores, energo-intensivos,
permitindo às companhias negociarem tarifas específicas com
clientes diferentes.
–– Decreto 1.009/93, que criou o Sistema Nacional de Transmissão
de Eletricidade (Sintrel) com o objetivo de oferecer wheeling
de serviços de energia para produtores independentes e
companhias de eletricidade.
–– Lei 8.987/95, que determina licitação pública para emitir novas
concessões para companhias ou organizações que executarão
o serviço público de geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica.
–– Lei 9.074/95, que determina os procedimentos para outorga e
prorrogação de concessões e permissões de serviço público e
cria o produtor independente de energia, um novo elemento
no sistema que operará plantas de eletricidade e venderá
energia. Esta lei foi complementada pelo Decreto Ministerial
2003/96.
–– Lei 9.427/96, que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) que substituiu o Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica (Dnaee) como a agência reguladora. A nova
agência regula o sistema de concessionário para geração
de eletricidade, transmissão e distribuição. A lei também
determina que a licitação pública pode ser usada nas grandes
concessões e também para definir tarifas. Um aspecto
importante desta lei é que esta concede à Aneel o poder para
definir tarifas de transporte de energia que é essencial para
promover os produtores independentes.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 339

–– Lei 9.648/98, que modificou parcialmente a Lei 9.427/96 que


criou a Aneel. Mudou a definição de pequena hidroelétrica
de menos de 10 MW para menos de 30 MW, definiu os
procedimentos de reestruturação para as companhias federais
de geração, definiu a quantidade mínima de oferta que tem
que ser restringido por acordos de compra de energia (PPAs),
e definiu as diretrizes principais para o mercado atacadista
de energia (MAE). Também permite a livre negociação de
eletricidade entre distribuição, venda a varejo e companhias
de geração.
–– Decreto 2.655/98, que regula o mercado atacadista de energia
e define as principais regras para o Operador Independente
do Sistema (OIS).
O programa de privatização do setor elétrico teve início
efetivamente em 1995 com a venda da Escelsa. Segundo Nascimento et
al. (1999 apud SOUZA, 2000, p. 56), esse programa teve os seguintes
objetivos principais:
–– permitir a mudança do papel do Estado, concentrando suas
ações e recursos em áreas prioritárias;
–– reduzir a dívida pública, auxiliando no ajuste fiscal do governo;
–– permitir a retomada dos investimentos nas empresas e
atividades desestatizadas, com os recursos de seus novos
proprietários;
–– estimular a competição no mercado, contribuindo para o
aumento da qualidade de bens e serviços à população.
Convém registrar que o agente federal responsável pela regulação
do serviço de energia elétrica no Brasil, a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), foi criado somente em 26 de dezembro de 1996, pela
Lei nº 9.427, portanto, após a primeira privatização.
Essa reestruturação permitiu a entrada do capital privado no
setor elétrico via a aquisição de empresas estatais (privatização); por
intermédio da figura do Produtor Independente de Energia (PIE),
empresa privada que gera energia e vende unicamente para as
concessionárias distribuidoras; e também pelo autoprodutor de energia,
empresa que gera energia para atender seu processo produtivo e vende
excedentes para a concessionária distribuidora. Também foi viabilizada
a terceirização do serviço de geração de energia elétrica.

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340 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Vários fatos relevantes foram registrados a partir do processo


de reestruturação do setor elétrico brasileiro com impacto na região
Norte, merecendo destaque os seguintes:
–– Em 1997, a empresa espanhola Guascor2 passou a operar a
termelétrica de Soure no Estado do Pará. Nesse mesmo ano,
teve início a operação do primeiro PIE no Brasil, a empresa
americana El Paso, que se instalou na cidade de Manaus-AM
como solução para o racionamento que abalava a cidade,
vendendo energia ao valor de R$ 525/MWh, quase cinco vezes
maior que a média nacional à época. Data também de 1997 a
criação da empresa Manaus Energia S/A3, subsidiária integral
da Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), com
a finalidade de prepará-la para a privatização, prevista para o
ano de 1998. Neste ano também registra-se a federalização da
Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron); bem como a criação
da Boa Vista Energia S.A., subsidiaria integral da Eletronorte;
–– Em 1998 o Poder Executivo é autorizado a promover
a reestruturação da Eletrobras e de suas subsidiárias4.
A Eletrobras foi autorizada a adquirir o controle acionário
das concessionárias estaduais de distribuição de energia
elétrica: Ceal, Cepisa, Ceron e Eletroacre, incluindo-as no
PND – Programa Nacional de Desestatização. Nesse mesmo
ano foi criado o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Também se registrou a privatização da Companhia Energética
do Pará (Celpa), que foi arrematada pelo consórcio formado
pela Inepar Energia do Paraná e pelo Grupo Rede de São
Paulo, com 38% das ações da empresa sendo mantidas pela
Eletrobras5;
–– Também no ano de 1998, registra-se a publicação do Plano
Decenal de Expansão 2008/2007, elaborado pelo Grupo
Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos.
Ele constitui o primeiro documento dessa natureza publicado
após o processo de reestruturação do setor elétrico, trazendo

2
Esta empresa foi recentemente adquirida pela empresa franco-americana Dresser-Rander.
3
A antecessora da empresa Manaus Energia S/A foi a empresa Companhia de Eletricidade de
Manaus (CEM), controlada pela Eletrobras até 20/12/1980, quando a Eletronorte assumiu os
ativos da concessão. Até o ano de 2000, a Diretoria da Eletronorte assumiu a Diretoria da
Manaus Energia, quando então passou a ter diretoria própria.
4
Em conformidade com a Lei 9.619 de 02 de abril de 1998.
5
De acordo com Souza (2000, p. 60) “Em julho de 1998, o Grupo Rede/Vale Paranapanema
adquiriu a Centrais Elétricas do Pará (Celpa), por R$ 450,3 milhões”.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 341

como marca principal o fato de ter caráter indicativo,


diferentemente do caráter determinativo que caracterizava
outrora o planejamento. É oportuno salientar que o Brasil
vinha, em decorrência do Plano Real, por quatro anos
seguidos, apresentando altas taxas de crescimento do consumo
de energia elétrica, ultrapassando a taxa de 6% ao ano;
enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) crescia abaixo de 4%.
Dentre as ações estabelecidas no plano decenal destacam-se
os seguintes: i) construção da linha de transmissão Norte/Sul,
para viabilizar a conexão dos sistemas interligados S/SE/CO e
N/NE; ii) construção da linha de transmissão de 400/230 kV,
com capacidade de 200 MW e 780 km de extensão, para trazer
energia elétrica da Venezuela (Usina Hidrelétrica de Guri/
Santa Elena) até Boa Vista, em Roraima; iii) viabilização da
geração a gás natural para atendimento de Manaus, Porto
Velho, Macapá e margem esquerda do Amazonas, no Estado
do Pará, valendo-se do gás natural da Bacia do Solimões em
cumprimento ao estabelecido no Plano Brasil em Ação, do
Governo Federal; iv) previsão da interligação de Rio Branco/
AC ao sistema Porto Velho/RO, com desativação do parque
térmico de Rio Branco, no ano de 2000; v) construção da
Pequena Central Hidrelétrica de Oiapoque, de 7,5 MW, para
atendimento do interior do Estado do Amapá, e; vi) expansão
com termelétricas a óleo diesel para as localidades do interior
no âmbito dos sistemas elétricos isolados. Deve-se registrar que
as expansões, ao menos do interior, seriam viabilizadas com a
contratação de Produtores Independentes de Energia (PIE);
–– Em 1999 entra em operação a primeira etapa da interligação
Norte-Sul para unir os sistemas Norte-Nordeste e Sul-Sudeste-
Centro-Oeste, com o objetivo de viabilizar o intercâmbio
de energia no âmbito do Sistema Interligado Nacional
(SIN). Neste ano também é lançado o Programa Nacional
de Eletrificação Rural, denominado popularmente Luz no
Campo, objetivando suprir eletricamente áreas rurais de todo
o país. O programa foi posteriormente substituído por outro
programa governamental, o Luz para Todos;
–– A Eletrobras, no ano de 2000, assumiu o controle acionário da
Companhia Energética do Estado do Amazonas (Ceam), que
atendia o interior do Estado, sendo autorizada a incluí-la no
PND;

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342 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

–– No ano de 2001, a Eletronorte passa a comprar energia elétrica


da Vezenuela, via a operação da linha de transmissão que
possibilitou o escoamento da energia hidráulica do complexo
Guri-Macágua para a cidade de Boa Vista-RR;
–– No ano de 2001, registra-se forte crise na oferta de energia
elétrica no âmbito do SIN, em decorrência de um período de
falta de investimento na expansão da geração. Nessa ocasião
foi criada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
(GCE) e ainda a estatal Comercializadora Brasileira de Energia
Emergencial (CBEE), objetivando a compra de energia elétrica
emergencial;
–– Em 2002 é lançado o Programa de Incentivos às Fontes
Alternativas de Energia (Proinfa), não aplicável aos sistemas
elétricos isolados. No mesmo ano, o sistema elétrico que atendia
a cidade de Porto Velho-RO foi interligado ao sistema elétrico
que atendia a cidade de Rio Branco (AC). A interligação, ao
mesmo tempo em que possibilitou suprir a cidade de Rio
Branco com energia renovável proveniente da hidrelétrica
de Samuel, implicou o desligamento das termoelétricas que
atendiam esta cidade, ocasionando perda de arrecadação
significativa de ICMS para o Acre, uma vez que deixou de ser
necessária a aquisição de combustível para as termelétricas;
–– No ano de 2002 entra em operação a Usina Hidrelétrica Luiz
Eduardo Magalhães, no Estado do Tocantins, com potência
instalada de 902 MW;
–– No ano de 2003 são aprovadas novas regras para o setor
elétrico nacional. No novo arranjo passa a existir a Empresa
de Pesquisa Energética (EPE); a Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica (CCEE) e o Comitê de Monitoramento do
Setor Elétrico (CMSE);
–– Em 15 de março de 2004 registra-se a aprovação do novo
modelo institucional do setor elétrico, mediante a promulgação
das Leis n° 10.8476 e no 10.8487, com a ressalva de que o
mesmo não se aplicava aos sistemas elétricos isolados. Cabe
destacar os seguintes pontos no novo modelo: i) oferta de
menor tarifa como critério para participação nas licitações e
6
Essa lei criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com a atribuição de levar a efeito o
planejamento técnico, econômico e socioambiental dos empreendimentos de energia elétrica,
petróleo e gás natural e seus derivados e fontes energéticas renováveis.
7
Essa lei dispôs sobre a comercialização da energia elétrica.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 343

empreendimentos; ii) estabelecimento de contratos de venda


de energia de longo prazo e condicionamento da licitação dos
projetos de geração às licenças ambientais prévias; iii) criação
da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE),
do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e do
Comitê de Gestão Integrada de Empreendimentos de Geração
do Setor Elétrico (CGISE), e; iv) a Eletrobrás e suas controladas
foram retiradas do Programa Nacional de Desestatização;
–– Ainda no ano de 2004 registra-se o lançamento do Programa
Luz Para Todos, apresentado pelo governo federal não como
mais um programa de eletrificação rural, e sim como um
programa efetivo de inclusão social, com geração de emprego
e renda. O objetivo, no tocante à eletrificação, consistia na
universalização do serviço de energia elétrica até o ano de
2008. Para tal o governo federal aportaria parcela significativa
dos recursos necessários, cabendo pequeno percentual aos
estados e municípios;
–– No ano de 2006 entra em operação a Usina Hidrelétrica Peixe
Angical, no Estado do Tocantins, com potência instalada de
452 MW;
–– No ano de 2006, a EPE apresentou o Plano Decenal de
Expansão de Energia Elétrica (PDEE) 2006-2015, com
previsão de revisão anual. Considerando a importância do
instrumento mencionado como norteador do futuro do setor
elétrico nacional, é oportuno neste momento fazer uma parada
no histórico e observar a situação do setor elétrico na Região
Norte à época.
Com exceção das cidades de Belém e Palmas, que eram atendidas
pelo SIN – Sistema Interligado Nacional, as demais capitais da Região
Norte bem como os demais municípios eram supridos por Sistemas
Elétricos Isolados (SEIs). Ressalva-se ainda o caso da cidade de Boa
Vista – RR e seus arredores, que eram supridos por energia proveniente
da Venezuela.
É oportuno registrar que o SIN é constituído em sua maior parte
(90%) por usinas hidrelétricas construídas normalmente longe dos
centros consumidores. A operação interligada de geração, transmissão
e distribuição possibilita o intercâmbio de energia entre regiões, que
podem atuar como importadoras de energia nos períodos de estiagem
e como exportadoras nos períodos de chuva.

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344 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Os SEIs por sua vez, são constituídos por diversas unidades


térmicas e hidrotérmicas, com forte predomínio da geração com óleo
diesel, que operam desconectados da rede elétrica do SIN e próximos
aos centros consumidores. Nessa ocasião, a cidade de Manaus se
destacava nesse cenário por ser responsável por 50% do mercado de
energia elétrica no âmbito do SEI, sendo que 40% da energia produzida
era consumida pelo setor industrial, enquanto nos outros mercados o
predomínio era o consumo residencial.
Verificava-se à época índice de perdas elevadas nos sistemas
elétricos, tanto técnicas quanto comerciais, da ordem de 33,3% no total,
estando grande parte das perdas comerciais associadas à distribuição
de energia elétrica. É importante registrar que a média de perdas em
nível nacional à época era de 16%.
Além disso, verifica-se elevado endivamento de longo prazo das
empresas atuantes nos SEIs decorrente da compra de energia junto
aos PIEs. Também caracteriza o quadro econômico financeiro das
empresas o alto índice de inadimplência, com forte participação de
órgãos públicos, correspondendo ao valor da ordem de R$ 583 milhões
no ano de 2003.
Esse cenário torna evidente a ineficácia das ações no tocante ao
setor elétrico regional.
Nessa ocasião o planejamento realizado pelo setor elétrico
contemplava a interligação dos SEIs ao SIN. Até o ano de 2009, os
sistemas Acre/Rondônia já estariam interligados, e até o ano de 2011, se
interligariam os sistemas Manaus, Macapá e Pará (municípios situados
à margem esquerda do Rio Amazonas: Alenquer, Almerim, Curuá,
Faro, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Prainha e Terra Santa).
Retomando os marcos históricos, merecem destaque os seguintes:
–– Em maio de 2008 a Eletrobras cria a Diretoria de Distribuição,
unificando a administração das seguintes empresas: Amazonas
Distribuidora de Energia S/A; Distribuição Alagoas S/A;
Distribuição Roraima S/A; Distribuição Piauí S/A; Distribuição
Acre S/a e Distribuição Rondônia S/A. Para tal, em 2008, a
Manaus Energia S/A incorporou a Ceam – Centrais Elétricas
do Amazonas, passando o Estado do Amazonas a ser atendido
por somente uma concessionária, cujo controle acionário foi
assumido no mesmo ano pela Eletrobras. No ano seguinte a
empresa Manaus Energia S/A passou a se chamar Amazonas
Distribuidora de Energia S.A. Nessa ocasião foram anunciados

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 345

vultosos investimentos a serem realizados nas empresas do


grupo Eletrobras, de modo a torná-las rentáveis;
–– Em 2009 o sistema Acre-Rondônia é interligado ao SIN via
sistema de Mato Grosso. Registra-se ainda que entra em
operação no Estado do Tocantins a Usina Hidrelétrica São
Salvador, com potência instalada de 243 MW;
–– Em novembro de 2010, após um ano da chegada do gasoduto
Urucu-Manaus, entram em operação na cidade de Manaus
as primeiras usinas a gás natural, quais sejam: Tambaqui (95
MW), Jaraqui (76 MW) e Manauara (85MW); todas integrantes
do parque termelétrico da Petrobras. A geração com gás
natural foi viabilizada após longos anos de discussão acerca da
logística de transporte do gás, e com a perspectiva de redução
de custos da energia elétrica;
–– No ano de 2011 passa a operar a Usina Hidroelétrica de Estreito
no Estado de Tocantins, com potência instalada de 1.087 MW;
–– Em 30 de março de 2012 entram em operação as primeiras
máquinas da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio
Madeira, no Estado de Rondônia, com capacidade nominal de
3.150 MW, cuja construção teve início em setembro de 2008;
–– Em 11 de setembro de 2012 o governo federal publica a MP
5798, objetivando reduzir o custo da energia elétrica para
consumidores residenciais e empresas. Tal redução, estimada
em 20%, se daria pela antecipação da renovação das concessões
de empresas do setor elétrico;
–– Em julho de 2013, a linha de Transmissão Tucuruí-Manaus
foi concluída, no entanto, não foi possível entrar em operação
devido a atrasos nas obras necessárias para distribuir a energia
recebida, situação esta que persiste até o momento. Situação
idêntica está se verificando no trecho Tucuruí-Macapá em que,
embora a licença de operação pelo Ibama tenha sido concedida
em janeiro de 2014, e estando, portanto, a linha construída, ela
não pode ser usada por atraso nas obras de responsabilidade
da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). É oportuno
registrar que, de acordo com a Portaria MME no 258/2013, os
SEIs somente serão considerados conectados ao SIN quando
efetivamente atenderem todas as condições técnicas, inclusive
8
A MP 579 foi transformada na Lei 12.783 publicada em 11 de janeiro de 2013.

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346 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

para distribuição, o que até o momento não ocorre com o


Sistema Manaus e com o Sistema Macapá. Enquanto não forem
cumpridas as exigências técnicas, as regras para esses sistemas
serão as dos Sistemas Elétricos Isolados. Salienta-se ainda que
após a interligação do Sistema Manaus ao SIN a participação
dos SEIs na carga total do país será inferior a 1%;
–– Em setembro de 2013 entra em operação a primeira turbina
da hidrelétrica de Jirau, instalada no Rio Madeira, no Estado
de Rondônia, com capacidade instalada total de 3.750 MW.
A licença de instalação da usina foi concedida pelo Ibama em
2009;
–– Em 26 de novembro de 2013, entrou em operação comercial a
primeira linha de transmissão de energia elétrica do complexo
hidrelétrico do Rio Madeira, no Estado de Rondônia.
Esse empreendimento, que interliga o Norte ao Sudeste, com
2.385 km é o maior empreendimento em extensão em corrente
contínua em nível mundial;
–– Ao longo de 2013 observou-se problema relacionado com o
baixo índice de chuva aliado ao crescimento acima do normal
do consumo de energia elétrica, decorrente da redução das
tarifas de energia elétrica, combinado com a redução de
tributos sobre eletrodomésticos e ainda a implementação
do programa “Minha casa melhor9”, que objetivava equipar
de eletrodomésticos as residências contruídas no âmbito do
programa “Minha casa, minha vida”10.

Cenário atual do setor elétrico na Região Norte


É importante neste momento preliminarmente observar a
efetividade do conjunto de medidas adotadas pelo governo federal no
âmbito do setor elétrico regional.
Observa-se que, de acordo com dados do Grupo Técnico
Operacional da Região Norte (GTON), o índice de perda médio dos
sistemas isolados do Norte, para o mês de janeiro de 2014, foi da ordem
de 36,7 %, portanto, pior que o registrado no ano de 2006 (33,3%).

9
O beneficiário do programa Minha casa, minha vida, passou a contar com crédito de
R$ 5.000,00 para compra de móveis e eletrodomésticos, que pode ser pago em até 48 parcelas.
10
P rograma do Governo Federal de financiamento para aquisição de casa própria.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 347

Vale ressaltar que no âmbito da Companhia Energética de Roraima


(CERR), o índice registrado foi de 62,9%.
Outro indicador relevante é o índice IASC da Agência Nacional
de Energia Elétrica – Aneel que mede a satisfação do consumidor de
energia elétrica. O quadro 1 apresenta o resultado da avaliação da
Aneel para o ano de 2013.

Quadro 1. Índice IASC-Aneel verificado para empresas da Região Norte no


ano de 2013.

Empresa IASC (%)


Companhia de Eletricidade do Acre S/A 40,17
(Eletrobras Distribuição Acre)
Amazonas Distribuidora de Energia S/A 54,64
(Eletrobras Amazonas Energia)
Centrais Elétricas do Pará S/A (Celpa) 46,73
Companhia Energética de Roraima (CERR) 43,16
Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins 60,70
(Celtins)
Centrais Elétricas de Rondônia S/A 57,24
(Eletrobras Distribuição Rondônia)
Boa Vista Energia S/A 58,73
(Eletrobras Distribuição Roraima)
Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) 38,43
Fonte: Construído a partir de informações contidas no site da Aneel (BRASIL. Aneel, 2013).

Adotando como referência o índice IASC-Aneel obtido para


o Brasil no ano de 2013 (60,41%), verifica-se que a Celtins é a única
empresa que atingiu índice superior ao nacional, estando as demais
muito abaixo da média, demonstrando a grande insatisfação do
consumidor com a qualidade do serviço de energia elétrica que lhe é
ofertado.
O setor elétrico regional vive em dois ambientes regulatórios,
quais sejam: o do SIN e do Sistema Isolado.
Na figura 1 pode-se observar a malha de transmissão de energia
elétrica existente, bem como a expansão prevista. A figura evidencia a

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348 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

continuidade da interligação dos sistemas elétricos isolados do Norte


com o SIN, uma vez que está prevista a conexão do Sistema Manaus ao
Sistema Boa Vista, o que interligaria a última capital da Região Norte.
É inevitável observar que a Região Norte se transformou em
exportadora de energia elétrica de base hídrica para outras regiões
do país. A potência instalada em hidrelétricas no Estado do Tocantins
é da ordem de 2.915,4 MW, enquanto a demanda máxima do sistema
da empresa Celtins, que atende esse mercado, é da ordem de 225 MW.
Tem-se ainda o caso da produção de eletricidade via hidrelétricas no
Estado de Rondônia, com capacidade bastante superior à demanda dos
sistemas Rondônia e Acre.
Em que pese a grande contribuição energética da Região Norte
para as demais regiões do país, o consumo de energia elétrica per capita
interno no ano de 2013 foi de 1.173 kWh/ano, enquanto a média
nacional ficou aproxidamente 40% superior (1.638 kWh/ano).
Além disso, embora o número de domicílios supridos por energia
elétrica tenha aumentado em virtude do Programa Luz para Todos,
deve-se observar que a tarifa de energia elétrica da classe rural na
Região Norte, no período de 2005 a 2014, teve acréscimo de 22,6%,
inferior somente à taxa de crescimento da tarifa da classe serviço
público (23,2%).
É oportuno mencionar o elevado índice de pobreza que assola a
região, sendo registrado no ano de 2010 o valor médio de 15,41%. Para
o mesmo ano o IDHM médio da Região Norte foi de 0,683, abaixo da
média nacional (0,727).
No ano de 2014 finda a vigência do Programa Luz para Todos,
entretanto, verifica-se ainda a existência de grande contingente
populacional na área rural dos estados da Região Norte sem acesso ao
serviço de energia elétrica.
É mister relembrar que o Luz para Todos foi apresentado à
sociedade como um programa de inclusão social. No entanto, as
denominadas ações integradas, de responsabilidade dos comitês
gestores estaduais, detentoras da missão de alavancar as ações geradoras
de emprego e renda, não lograram êxito. Para referendar essa assertiva
tem-se o caso do Estado do Amazonas, o maior da região, que após dez
anos de execução do referido programa implantou somente um Centro
Comunitário de Produção (CCP), principal estratégia do programa
para geração de emprego e renda.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 349

Figura 1. Malha de transmissão do SIN.


Fonte: ONS (2014).

No geral, a geração de emprego e renda verificada não ocorreu de


forma induzida, decorrente da articulação entre as esferas municipal,
estadual e federal como previsto; portanto, os resultados ficaram pouco
defensáveis. Assim, o programa apresenta como indicadores de avanço
basicamente a quantidade de unidades consumidoras atendidas e de
quilômetros de rede elétrica construída.
É relevante, para caracterizar adequadamente o cenário, registrar
que poucos são os estados da Região Norte que possuem uma secretaria
de energia ou que suas agências reguladoras de serviços públicos
concedidos mantenham convênio com a Aneel para fiscalização das
empresas do setor elétrico.

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350 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A ausência do poder público estadual no debate e na condução


do setor elétrico regional contribui para que políticas inadequadas
sejam levadas a efeito, ou ainda, que os recursos energéticos da região
sejam explorados sem as devidas compensações, como o caso dos
recursos hídricos para geração de energia elétrica. De acordo com a
Carga Magna brasileira, a tributação na comercialização de energia
elétrica deve ocorrer no destino, e não na origem. Assim, os tributos
que poderiam estar sendo utilizados para saúde, educação, segurança
e outros fins coletivos de interesse da Região Norte, decorrentes da
comercialização de energia elétrica produzida pelas hidrelétricas
Tucuruí, Santo Antônio e Jirau, que suprem outras regiões, são utilizados
para aumentar a desigualdade regional no país, ficando internalizada
somente parte dos recursos de royalties por uso de recurso mineral e o
passivo socioambiental.
O cenário descrito torna inconteste a afirmação que a política
energética para a Região Norte continua fortemente dissociada da
política de desenvolvimento regional.

Visão prospectiva do setor


elétrico à luz do cenário atual
Para compreender a complexidade do desafio de estabelecer
um cenário futurístico para o setor elétrico na Região Norte, é mister
mergulhar sobre a problemática em que vive o setor elétrico brasileiro.
Preliminarmente deve-se observar que as medidas iniciadas pelo
governo federal via a MP 579, no ano de 2012, levaram a consequências
que, até o presente momento, causam grande preocupação e incertezas,
dentre as quais destaca-se a perda de receita decorrente da redução
tarifária e consequente desvalorização das ações das empresas do setor
elétrico11. Dessa forma, a capacidade de investimento das empresas
ficou fortemente comprometida.
O regime hidrológico brasileiro também tem sido objeto de grande
preocupação devido a sua relação direta com a geração hidráulica, o
que afeta diretamente a operação do SIN, com consequentes impactos
na Região Norte, que cada vez mais está integrada ao mesmo.
Para melhor compreensão dessa situação, Souza (2014, p. 15)
assim explica:
11
As ações ordinárias da Eletrobrás em 4 de setembro de 2012 custavam R$ 13,09 e em março
de 2014 o valor ficou em R$ 6,60, por sua vez o valor das ações preferenciais decresceu, nesse
mesmo período, de R$ 18,63 para R$ 10,88.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 351

O sistema elétrico brasileiro funciona com base no


denominado ‘Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro’
que neste ano completa 10 anos, e que foi concebido como
resposta à crise energética setorial que levou ao racionamento
nos anos de 2001 e 2002. Portanto, todo o ambiente e
estratégias definidas objetivavam garantir a segurança no
abastecimento. Assim, as distribuídoras assegurariam o
atendimento integral do mercado, celebrando contratos de
longo prazo para aquisição de energia via leilões. Registre-
se que, predominantemente, a geração de eletricidade
brasileira é levada a efeito via hidrelétricas. Ocorre que o
regime hidrológico vivenciado no período de 2012 a 2014 foi
pouco favorável ao enchimento dos reservatórios. Atualmente
o nível nos reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste
é de 36% e de 42% no Nordeste, o que tráz preocupação
com relação ao abastecimento. Analisando essa situação
somente do ponto de vista da oferta e demanda, o Brasil não
precisaria se preocupar, embora algumas ações para conter o
consumo sejam recomendáveis. Entretanto, deve-se observar
que houve decréscimo na capacidade de regularização dos
reservatórios nos últimos 10 anos, caindo de seis para cinco
meses e com previsão de chegar a quatro meses em 2020.

Soma-se a esse cenário o impacto das ações ambientais sobre os


projetos de hidrelétricas, como se pode depreender da manifestação
do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, acerca da evolução
da capacidade de regularização dos reservatórios das hidrelétricas
brasileiras, transcrita a seguir:
Embora a hidroeletricidade continue sendo predominante
até 2017, o acréscimo desse tipo de fonte (17.837 MW, em
14 UHEs), incluindo a incorporação ao SIN das UHEs Balbina
e Coaracy Nunes, já em operação, através da interligação
Tucuruí-Manaus-Macapá-TMM, se dará por usinas com baixo
ou nenhum grau de regularização anual ou plurianual (usinas
com pequeno ou nenhum reservatório de regularização).
Desse total de 17.837 MW, apenas 680 MW estão associados
a usinas com reservatório de regularização. Esse fato se
deve às restrições de ordem ambiental, com requisitos de
ações mitigadoras cada vez mais rigorosos, o que acaba por
inviabilizar a construção de reservatórios de regularização
e/ou a inviabilidade econômica de formação de grandes
reservatórios em regiões como a Amazônia, por exemplo,
caracterizada por potenciais hidroelétricos de baixa queda e
altas vazões no período chuvoso, o que exigiria investimentos

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352 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

antieconômicos para o represamento das vazões nas estações


úmidas. (ONS, 2013 apud SOUZA, 2014, p. 16).

É relevante mencionar que a capacidade de reserva no lago


das hidrelétricas pode ser menor que as consideradas pelos agentes
responsáveis pelo planejamento e operação do setor elétrico. Tal
perspectiva deve-se ao fato de o último levantamento ter sido realizado
há vinte anos, sendo muito provável que tenha ocorrido assoreamento
das margens dos reservatórios, reduzindo sua capacidade de
armazenamento.
Outra questão a ser destacada para o cenário de disponibilidade
de energia elétrica é a grande quantidade de obras em atraso em todo
o país. No período entre 1998 a 2013, a Aneel outorgou 526 projetos
de usinas que até o momento não foram iniciados, correspondendo a
15.438,19 MW. Além disso, tem-se 191 empreendimentos cuja execução
estão atrasadas correspondendo à potência instalada de 20.518,21 MW.
Caso tais empreendimentos estivessem operacionais, corresponderiam
a uma capacidade de geração adicional de 35.956,40 MW, ou seja,
26,35% da capacidade total brasileira.
Merece observar também a não execução de empreendimentos
de transmissão de energia elétrica, com destaque para os associados a
usinas eólicas que há mais de um ano estão construídas.
Souza (2014, p. 16) assim se manifesta acerca dessa situação:
Este cenário vem impondo a entrada em operação de
termelétricas, o que implica ofertar para as distribuidoras
energia a custos maiores, sem que isso esteja sendo refletido
nas tarifas ou custeado por outra forma. Assim, o poder
público enfrenta um prejuízo, por decisão política, que chegou
a R$ 30 bilhões até a presente data. Ocorre que parte do
recurso prometido pelo Governo Federal às concessionárias
será pago mediante aumento tarifário.
Diante desse quadro, especialistas estão recomendando a
adoção de medidas para redução do consumo, e o governo
federal, em face do processo eleitoral que será vivenciado no
corrente ano, está relutando em seguir as recomendações.
Entretanto, o cenário energético aponta como inevitável que
tais ações sejam levadas a efeito a partir de 2015.

Ressalta-se que estimativas de especialistas indicam perda para


empresas na ordem de R$ 60 bilhões, considerando o declínio do valor
das mesmas na Bolsa de Valores.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 353

Diante das perdas econômicas, várias empresas tiveram que


reduzir seus custos implementando planos de demissão voluntária, o
que levou à redução da capacidade técnica, e a magnitude do impacto
é de difícil previsão.
Salienta-se que no ano de 2015 vencem as concessões das seguintes
empresas de distribuição que atuam na Região Norte: Boa Vista
Energia S/A; Companhia Energética de Roraima (CERR); Companhia
de Eletricidade do Amapá (CEA); Amazonas Distribuidora de Energia
S/A (AmE); Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron), e; Companhia de
Eletricidade do Acre (Eletroacre).
Se a motivação para renovar as concessões na geração e
transmissão foi a redução das tarifas, na distribuição o governo objetiva
ganhos de qualidade e solvência financeira das empresas. Salienta-se
que não sendo renovada a concessão, será levado a efeito processo de
licitação exclusiva dos ativos, e o controlador que assumir a empresa não
terá nenhum compromisso com os recursos humanos remanescentes,
o que tem gerado forte inquietação do corpo de empregados dessas
empresas. É importante lembrar que o índice IASC da Aneel mostra
que os consumidores não estão satisfeitos com o serviço, o que depõe
contra a renovação das concessões.
Diante de tantas incertezas o que é possível vislumbrar é a
continuidade da exploração do potencial hídrico da região, sem que
se perceba movimentação no sentido de assegurar para a Região
Norte compensações à altura dos benefícios proporcionados às demais
regiões. De acordo com o planejamento do setor elétrico o potencial
hídrico da Região Norte estará totalmente explorado nos próximos 15
a 20 anos.
Não se pode ter a expectativa de que a legislação ambiental vigente
será capaz de frear esse processo ou colocá-lo em perspectiva diferente
do que vem ocorrendo historicamente. Para corroborar a assertiva,
deve-se observar que o Brasil, enquanto signatário da Convenção da
Diversidade Biológica, quase duplicou sua área protegida na última
década, sendo que 93% da área está na Região Amazônica. Por outro
lado, a proibição da entrada em áreas protegidas, mesmo que para
estudos, caiu por terra diante da publicação da Portaria MMA n° 55 de
17 de fevereiro de 2014, que tornou legal a realização de estudos para
aproveitamento hidrelétrico em áreas protegidas.

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354 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A Eletrobras, por sua vez, vem disseminando o conceito de Usinas


Plataforma12, como modelo de hidrelétrica mais ambientalmente
adequado para a Região Amazônica.
Quanto à universalização do serviço de energia elétrica caso
as concessões sejam renovadas, é possível vislumbrar o aumento da
quantidade de consumidores atendidos em face dos movimentos que
se verificam junto ao MME, Aneel e Eletrobras.
Em que pese haver perspectivas para o aumento de consumidores
atendidos, há que se questionar a qualidade e a quantidade de energia
que está sendo ofertada, bem como a estratégia de inserção do serviço
de energia elétrica.
Caso o atendimento seja feito a diesel, o cenário será de uso de
energia não renovável, de elevado custo e sem potencial de agregar
emprego e renda local em sua cadeia produtiva.
Além disso, tendo como balizadores os resultados do Programa
Luz para Todos, verifica-se que a universalização do serviço de energia
elétrica, mesmo que seja alcançada, não oferece indicadores que
apontem para resultados socioeconômicos à altura das expectativas
e merecimento dos povos da região. Em que pese o contingente
populacional que passou a ter acesso à eletricidade na região nos
últimos dez anos, não se verificou nesse período progresso significativo
no cenário socioeconômico regional.
O uso de tecnologias de energias renováveis vem sendo perseguido
pelo governo federal via instrumentos regulatórios.
Nesse particular destaca-se a regulamentação do Microssistema
Isolado de Geração e Distribuição de Energia Elétrica (MIGDI)
e do Sistema Individual de Geração de Energia Elétrica com Fonte
Intermitente (SIGFI), via Resolução Normativa n° 493, de 5 de junho
de 2012.
As unidades consumidoras atendidas por esses sistemas deverão
ser enquadradas conforme a disponibildade mensal de energia
constante do quadro 2.
12
Segundo a Eletrobras, as Usinas Plataformas, são um conceito de usina hidrelétrica derivado
das plataformas maritímas de exploração de petróleo, consistindo em empreendimento
cercado pela floresta; onde os canteiros de obra serão menores, sendo desmontados ao final
da obra e a área reflorestada; além da adoção de uma série de outras medidas para mitigar
impactos socioambientais.

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 355

Quadro 2. Disponibilidade mensal de energia para os sistemas MIGDI e SIGFI


regulamentadas pela ANEEL.

Disponibilidade Consumo de Autonomia


Potência mínima
mensal garantida referência mínima
(W/UC)
(kWh/mês UC) (Wh/dia/UC) (horas)
13 435 48 250
20 670 48 250
30 1.000 48 500
45 1.500 48 700
60 2.000 48 1.000
81 2.650 48 1.250
Fonte: Brasil. ANEEL (2012).

Também merece registro a Resolução Normativa ANEEL n° 482,


de 17 de abril de 2012, que instituiu a microgeração13 e minigeração14
distribuída, possibilitando ainda, que o consumidor possa ser
remunerado pela energia que venha injetar na rede elétrica por meio
do sistema de compensação de energia elétrica.
A mencionada legislação cria perspectiva de mercado para
tecnologias de energias renováveis tanto no meio urbano quanto no
rural.
No entanto, é preciso observar que os mencionados instrumentos
regulatórios não são suficientes para superar as barreiras existentes,
quando o assunto é difundir tecnologias de energias renováveis na
Região Norte. Dentre elas, merecem destaque as seguintes: (i) falta de
inventário de recursos energéticos renováveis; (ii) baixo quantitativo
de pessoal qualificado no quadro das concessionárias para realização
de levantamentos, projetos, instalação e operação de tecnologias de
energias renováveis; (iii) as tecnologias de energia renováveis geralmente
apresentam custos mais elevados de instalação que a geração a diesel;
(iv) permanência do subsídio para a geração a diesel e para o transporte
de óleo diesel; e (v) inexistência de incentivos fiscais e creditícios locais
13
Central geradora de energia elétrica com potência instalada menor ou igual a 100 kW e que
utilize fontes com base em energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada.
14
Central geradora de energia elétrica, com potência instalada superior a 100 kW e menor ou
igual a 1 MW para fontes com base em energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração
qualificada.

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356 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

capazes de atrair não somente os empreendimentos de geração de


energia elétrica, mas também a cadeia produtiva associada a eles.
Em síntese, entende-se que há oportunidades importantes
a serem aproveitadas, que assegurariam um cenário futuro mais
promissor da área energética para os povos amazônicos. Entretanto,
tais oportunidades só serão aproveitadas com a mudança de postura
do poder público na esfera de estados e municípios, sobre os quais
recai a responsabilidade pelo estabelecimento e condução da política
energética em sua esfera administrativa em consonância com a política
nacional.

Visão prospectiva do setor elétrico


à luz da experiência acadêmica
Sem a pretensão de apontar soluções salomônicas para cenário
tão complexo quanto o descrito, registro aqui algumas visões que
considero factíveis para os problemas apresentados, alicerçado na
experiência obtida ao longo de mais de 20 anos de atuação profissional
como professor, consultor e pesquisador na área de energia.
Primeiramente lancemos o olhar aos recursos energéticos
locais vis-à-vis as opções tecnológicas passíveis de seu aproveitamento.
É oportuno registrar que não discorreremos acerca de toda a gama de
possibilidades.
A energia solar, mãe de todos os demais recursos energéticos,
representa importante recurso a ser explorado. Nesse particular é
mister esclarecer que, embora a Região Norte não detenha os melhores
índices de radiação solar do Brasil, o pior caso brasileiro é maior em
torno de 40% que o melhor índice de radiação da Alemanha, que por
sua vez apresenta um programa robusto de aproveitamento de energia
solar para geração de energia elétrica via sistemas fotovoltaicos.
É oportuno deixar claro também que a energia solar pode ser
usada tanto para geração de eletricidade via sistemas fotovoltaicos
quanto para produção de calor via sistemas solares térmicos.
Os sistemas fotovoltaicos apresentam custos bastante superiores
aos sistemas térmicos, particularmente os utilizados para aquecimento
de água, embora venham revelando custos decrescentes. Porém deve-se
registrar que, ao se analisar a adoção de sistemas fotovoltaicos, deve-se
fazê-lo à luz do contexto em que será utilizada, não sendo adequado,

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 357

sem uma prévia análise, afirmar que os sistemas fotovoltaicos são


inviáveis ante os custos envolvidos na implantação dos mesmos.
Análise mais detida também deve ser feita com relação ao
uso de sistemas solares para aquecimento de água na Região Norte.
De primeira mão muitos consideram que, pelo fato de a região registrar
altos índices de temperatura ao longo de todo o ano, não haveria
razões para uso de tecnologias de conversão de energia solar em
energia térmica. Entretanto, um olhar sobre o uso final da eletricidade
não deixará dúvidas que a adoção de tais tecnologias reduziria o
consumo de eletricidade atualmente empregada para aquecimento de
água em chuveiros elétricos, com grande uso em hotéis; para cocção
de alimentos e para lavanderias, a custos bastante competitivos, uma
vez que tais tecnologias gozam de linhas de financiamento específicas,
além da isenção de IPI – Imposto sobre Produto Industrializado.
Outro recurso importante a ser considerado é o hídrico.
Tal recurso vem sendo explorado largamente na região e os planos
governamentais apontam que tal tendência se manterá para os próximos
anos. Entretanto, deve-se observar que historicamente os esforços
se concentraram nos estudos para implantação de aproveitamentos
destinados à geração de grande quantidade de energia de forma
centralizada, com a construção de centrais hidrelétricas.
Nesse sentido, foi desconsiderado o potencial para mini, micro e
pico hidrelétricas15, ou ainda o potencial para geradores hidrocinéticos16.
Portanto, os estudos de inventário das oportunidades de instalação de
tais tecnologias em muito contribuiriam para sua difusão na região.
Os recursos do reino vegetal não poderiam ser deixados de
fora dessas reflexões. Inúmeras são as experiências acadêmicas
desenvolvidas na Região Amazônica que evidenciam a viabilidade
técnica de aproveitamento energético de biomassa local, seja ela de
origem extrativista seja decorrente de plantio.
Em que pese a larga diversidade de recursos existentes,
nossas reflexões se deterão somente em duas oportunidades para
aproveitamento energético de biomassa.
A primeira oportunidade se relaciona com a tecnologia de
gaseificação de biomassa. Os gaseificadores se constituem, de maneira
15
A s minicentrais possuem potência entre 100 kW e 1 MW; as microcentrais possuem potência
entre 1 kW e 100 kW e nas picocentais a potência é abaixo de 1 kW.
16
Geradores hidrocinéticos são equipamentos que fazem a conversão da energia cinética de
cursos d’água em energia elétrica, sem a necessidade de construção de barragens.

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358 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

simplista, em equipamento capaz de converter a energia contida na


biomassa in natura ou carbonizada em energia elétrica, por meio de
um processo de queima controlada e o uso de motor de combustão
interna ou externa.
Tais equipamentos podem ser utilizados para aproveitamento de
resíduos agroindustriais, tais como caroço de açaí, casca de cupuaçu e
casca de castanha-do-brasil.
A inserção desta tecnologia em agroindústrias asseguraria
destinação ambientalmente adequada aos resíduos, além de reduzir
os custos operacionais do processo produtivo aumentando a
competitividade do produto regional. Em alguns casos seria possível
comercializar com a concessionária a energia elétrica excedente,
aumentando a rentabilidade do empreendimento.
A outra oportunidade consiste na produção de etanol de
mandioca e seu uso, dentre outros, para geração de energia elétrica.
De todas as alternativas energéticas apresentadas, esta sem
dúvidas é a que maior debate requererá para sua implantação, embora
seja a que contenha maior potencial para transformar a realidade
energética e socioeconômica da região.
À luz da experiênvia vivenciada ao longo do projeto de P&D
intitulado “Geração de Energia Elétrica com Etanol de Mandioca
no Amazonas”, financiado pela empresa Amazonas Distribuidora de
Energia S/A, relacionam-se algumas informações relevantes em defesa
dessa alternativa energética, quais sejam:
–– a matéria-prima, a mandioca, é uma espécie nativa da Região
Amazônica, fazendo parte do cotidiano do produtor rural;
–– pesquisas desenvolvidas pela Embrapa possibilitam obter
cultivares com maior produtividade, adequadas aos ecossistemas
amazônicos de várzea e terra firme. A produtividade média na
Região Norte é de 10 ton/ha, enquanto a obtida no mencionado
projeto foi de 25 ton/ha;
–– um grupo doméstico tem condições de manter um plantio
numa área de 7 a 9 hectares, desde que não tenha que processar
o produto para, por exemplo, produção de farinha, uma vez
que o produtor teria que processar de 70 a 90 toneladas de
mandioca de forma manual e em condições insalubres, como
ocorre atualmente;

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 359

–– a produção de mandioca pode ser feita em áreas antropizadas,


podendo ocorrer em consórcio com outras culturas, tais como
feijão e banana;
–– há tecnologia nacional de implementos agrícolas para o plantio
e também para colheita de mandioca, e ainda para a produção
de etanol de mandioca, sendo a última produto de exportação;
–– é possível produzir etanol de mandioca a custos competitivos
com o etanol disponível no mercado. O projeto de P&D
mencionado demonstrou que, com poucos incentivos, é possível
produzir o etanol a R$ 2,48/litro. Salienta-se que tal valor é
referente a agosto de 2013, quando o preço do etanol era de
R$ 2,43/litro e R$ 2,79/litro, respectivamente em Manaus e no
município de Itacoatiara, a somente 270 km de Manaus, com
acesso pela rodovia AM-010 devidamente asfaltada;
–– existem equipamentos disponíveis no mercado nacional e
internacional para geração de energia elétrica com etanol,
variando de 24 kW até dezenas de MW. No Brasil têm-se
duas experiências consolidadas. A primeira, em operação
desde 14/12/2010, consiste em uma termelétrica pertencente
à Petrobras, instalada na cidade de Juiz de Fora – MG, com
turbina aeroderivativa de 43,5 MW que funciona com gás
natural e etanol. A segunda experiência consiste em dois
motogeradores de 250 kW cada, instalados na termelétrica
de Lindóia, no município de Itacoatiara/AM, sendo a única
instalação deste tipo no mundo, estando em funcionamento
desde 05/09/2013, fruto do mencionado projeto de P&D;
–– o uso de etanol de mandioca para geração de energia elétrica
reduz substancialmente o custo de transporte de combustível,
com impacto positivo direto no custo de geração e no
abastecimento das usinas nos períodos de vazante dos rios;
–– a produção de etanol de mandioca fixa mão de obra no meio
rural, podendo inclusive inverter o fluxo migratório que
atualmente é do meio rural para o meio urbano;
–– o uso desse energético alternativo contribuirá para a redução
das emissões de gases de efeito estufa, uma vez que ele poderá
substituir combustíveis fósseis usados atualmente para geração
de energia elétrica e também para o transporte terrestre e
fluvial;

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360 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

–– o uso da mandioca para geração de energia elétrica cria


escala para viabilizar economicamente a otimização da cadeia
produtiva, como por exemplo, fazendo uso dos resíduos
agrícolas, galhos e folhas para a indústria de ração e de
cosméticos;
–– a prorrogação, por mais 50 anos, dos incentivos para o Polo
Industrial de Manaus, possibilita vislumbrar a atração de
empresas para produção de equipamentos necessários para a
cadeia produtiva em questão, reduzindo os custos e ampliando
a geração de emprego e renda.
Em que pesem as incontestes alternativas energéticas
apresentadas, não se pode achar que a problemática energética é de
fácil solução.
Para que tais alternativas sejam exploradas com otimização dos
ganhos econômicos, sociais e ambientais, é fundamental a implantação
de um ambiente institucional adequado. Isto quer dizer que estados
e municípios adotem postura proativa no trato da problemática
energética regional. Nesse sentido propõe-se, à luz do processo que
vem se desenvolvendo no Estado do Amazonas, as seguintes medidas
para criação do mencionado ambiente.
–– criação do Conselho Estadual de Energia, a exemplo do que o
Estado do Amazonas fez via a Lei no. 3.782 de 20 de julho de
2013;
–– estabelecimento da política energética estadual, com amparo
legal, alinhada com a política nacional e com foco no estímulo
ao aproveitamento dos recursos energéticos renováveis locais e
às ações de eficiência energética. É importante que a política
energética estabeleça seu compromisso com o desenvolvimento
socioeconômico. Nesse particular, o Conselho Estadual de
Energia do Amazonas fez a primeira reunião do Grupo de
Trabalho constituído para elaborar a política energética do
estado, no dia 1° de outubro de 2014, dando início a esse
processo;
–– elaboração de um plano de trabalho contendo as ações,
programas e projetos para serem implementados em
horizonte de tempo de 5 (cinco) anos, com revisão anual, para
implementação e acompanhamento da política enregética
estadual. Dentre as ações, sugerem-se as seguintes: i) criação
de incentivos para a cadeia produtiva de tecnologias de

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Capítulo 13 • Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? 361

energias renováveis e de produtos e serviços associados à


eficiência energética; ii) elaboração do balanço e da matriz
energética estadual, que gerarão os indicadores adequados
para acompanhamento da efetividade das demais ações;
iii) criação de um programa de P&D para a área energética;
iv) criação de um programa de capacitação de formação de
recursos humanos na área de energia;
–– celebração de convênios, nos estados que ainda não o fizeram,
entre a Agência Reguladora de Serviços Públicos concedidos
estadual e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),
para fiscalização das empresas do setor elétrico.
Considerando que muitas das questões transcendem a esfera
de cada estado, necessário se faz que um ambiente seja criado para
integração entre as políticas estaduais e o interesse regional. Para tal
seria desejável a criação do Comitê de Política Energética da Região
Norte (CPE). Entende-se que o tema de grande relevância a ser tratado
de pronto consiste nas compensações adequadas para uso dos recursos
hídricos disponíveis na região.
Os recursos financeiros para manutenção dessas estruturas
administrativas poderiam advir dos royalties produzidos pelo setor
energético, inclusive da parcela que cabe à União.
Em que pese a grande ênfase dada nestas proposituras às
energias renováveis, considero que não se pode prescindir dos recursos
energéticos não renováveis. Por muito tempo ainda teremos que nos
valer dos combustíveis fósseis. Entretanto, não se pode esquecer os
danos socioambientais que o mundo vem vivenciando com tendência
de intensificação, dado o uso desses recursos, carecendo de medidas
urgentes para que possamos vislumbrar um futuro economicamente
viável, socialmente justo e ambientalmente correto.

Referências
BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Relatórios IASC.
2013. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br>. Acesso em: 11 out. 2014.

BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Resolução normativa


nº 493, de 5 de junho de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 jun. 2012. Seção 1, p. 103.

OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA (ONS). Mapas do SIN. 2014.


Disponível em: <http://www.ons.org.br>. Acesso em: 11 out. 2014.

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362 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

SOUZA, Rubem C. R. Energia renovável e eficiência energética no Estado do


Amazonas. Relatório Técnico. Manaus: GIZ, 2014.

SOUZA, Rubem C. R. Planejamento do suprimento de eletricidade dos


sistemas isolados na Região Amazônica: uma abordagem multiobjetiva. 2000.
Tese (Doutorado)- Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.

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Capítulo 14

A questão mineral
na Amazônia
Daniel Borges Nava

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364 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
Este trabalho se inspira no entendimento da Amazônia como
um lócus fantástico à construção de uma relação harmônica entre a
geodiversidade, a biodiversidade e a sociodiversidade.
Enquanto a história das outras regiões brasileiras e mundiais
reproduziu a exploração dos seus recursos em detrimento da natureza,
este capítulo discute a possibilidade de o bioma Amazônia poder
consorciar o usufruto da sua potencialidade mineral, bem como de
outros recursos naturais, com a conservação da floresta e das pessoas
que vivem na e da floresta.
Para tanto, é preciso analisar alguns desafios estratégicos para o
desenvolvimento do setor mineral na região.
Ressalto, como primeira observação, serem incipientes o
conhecimento geológico e o reconhecimento dos recursos minerais do
“continente amazônico”.
A Amazônia corresponde a uma das últimas fronteiras do
conhecimento geológico do planeta. Outras fronteiras, como as áreas
dos fundos oceânicos, do Ártico e da Antártida caracterizam-se pelas
dificuldades de logística à pesquisa e exploração.
Registra-se como a primeira planta industrial de mineração
em larga escala na Amazônia a descoberta e exploração do minério
de manganês da Serra do Navio, nas décadas de 1940 e 1950, de
responsabilidade da Indústria e Comércio de Minérios S.A. (Icomi)
(MONTEIRO, 2005).
Esse minério, utilizado na indústria do aço, foi muito demandado
mundialmente a partir de 1950, em função da política protecionista da
antiga União Soviética, na época, importante produtora de manganês,
que paralisou unilateralmente a exportação do seu minério, ato que
gerou a busca mundial por reservas alternativas, principalmente, para
o atendimento das demandas das siderúrgicas norte-americanas.
Tal fato contribuiu ao desenvolvimento do projeto de exploração
mineral de manganês – um empreendimento mineiro composto por
uma mina, vila residencial, uma ferrovia interligando Serra do Navio
e Santana e porto, na região do antigo território e atual Estado do
Amapá.
A partir do manganês da Serra do Navio, seguiu-se a descoberta
do ouro na região do Tapajós, Estado do Pará (anos de 1950); do

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 365

estanho no Estado de Rondônia e da bauxita do Trombetas, no Estado


do Pará (anos de 1960).
Ressalta-se, contudo, que os primeiros grandes investimentos
na produção do conhecimento da geodiversidade amazônica foram
realizados pelo governo federal nas décadas de 1970 e 1980, através do
Projeto Radares da Amazônia (mais tarde denominado Radambrasil),
que consistiu em extenso levantamento de dados sobre as características
físicas da região (figura 1).

Figura 1. Projetos de levantamentos geológicos básicos desenvolvidos na


Amazônia e localização das principais reservas minerais descobertas: nióbio,
estanho, potássio, diamante, ouro, chumbo, cobre, zinco, alumínio, cromo,
entre outras.
Fonte: Reis, 2006.

O esforço resultou no incremento das pesquisas geológicas e


descoberta de várias jazidas minerais, das quais se destacam as reservas
de caulim nos estados do Pará e Amapá; de estanho na região do
Pitinga, Estado do Amazonas; e as reservas de ferro, manganês, cobre,
ouro e níquel do projeto de Carajás, no Estado do Pará.
De fato, a maioria das atuais minas em exploração na Amazônia
está associada aos estudos exploratórios do projeto Radambrasil, que

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366 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

também definiram diretrizes aos primeiros projetos de infraestrutura


na região (abertura de estradas e construção de usinas hidrelétricas).
Um novo ciclo de geração de informações geológicas da Amazônia
deu-se somente a partir de 2003, com a retomada dos levantamentos
geológicos e aerogeofísicos básicos em todo o território nacional, através
do Programa Geologia do Brasil desenvolvido pelo Serviço Geológico
do Brasil (CPRM).
Em 2008, merece destaque o lançamento do Projeto Cartografia
da Amazônia. O trabalho, coordenado pelo Centro Gestor e Operacional
do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e executado pelo
Exército, Marinha, Aeronáutica e o Ministério de Minas e Energia,
através da CPRM (Serviço Geológico do Brasil), se propõe a concluir
as cartografias terrestres, geológicas e náuticas da Região Amazônica
até 2016 (BRASIL, 2008).
Os resultados das cartografias terrestre, geológica e náutica têm
por objetivo auxiliar o planejamento e execução dos novos projetos
de infraestrutura na Amazônia (rodovias, ferrovias, gasodutos e hidre­
létricas), além da demarcação de áreas de assentamentos, agronegócio,
elaboração de zoneamento ecológico-econômico e ordenamento
territorial, segurança territorial, defesa nacional das fronteiras,
escoamento da produção e desenvolvimento regional.
Naturalmente, são também grandes as expectativas para o
surgimento e descoberta de novos prospectos minerais na região.

A exploração mineral em áreas protegidas


O segundo desafio para o desenvolvimento do setor mineral
na Amazônia trata-se da regulamentação da exploração mineral em
áreas protegidas, terras indígenas e unidades de conservação de uso
sustentável.
Dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação
(CNUC) do Ministério de Meio Ambiente registram que 26,1% do
bioma Amazônia constituem unidades de conservação, o equivalente a
uma área de 1.094.094 km2 (BRASIL, 2012).
Da mesma forma, a maior parte em extensão do total das terras
indígenas brasileiras está concentrada na Amazônia – 98,42%. Segundo
o Instituto Socioambiental, existem 422 áreas indígenas, que somadas
formam um território com 111.401.207 hectares (INSTITUTO
SOCIAMBIENTAL, [2014?]).

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 367

O legado das políticas públicas de conservação da biodiversidade


e das populações tradicionais aplicadas à Amazônia torna-se, contudo,
peça frágil, contribuinte à existência de diversos conflitos de uso da
terra, uma vez que nem sempre foram e estão claros os critérios de
definição dos limites territoriais destas áreas protegidas.
Quando dos atos de criação destas unidades, percebe-se a
mínima e/ou ausente participação das instituições representativas
dos diversos setores produtivos. No caso do setor mineral, grande
parte destes territórios protegidos é desconhecida geologicamente,
ou está sobreposta às áreas de forte interesse mineral, o que dificulta
sobremaneira a sua exploração.
A Constituição Federal de 1988 dispõe em seus artigos 176 e 231 que
a exploração mineral em Terras Indígenas (TI) é permitida (BRASIL,
1988). Contudo, a falta de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional
que regulamente a atividade, item previsto no texto constitucional, tem
gerado diversos conflitos: a garimpagem ilegal e a evasão de riquezas
minerais na forma de perda de receitas e contrabando, a exemplo
da exploração de ouro nos rios Içana e Tiquié, região do Alto Rio
Negro, Estado do Amazonas, nas comunidades Baniwa e Tukano;
e a exploração de diamantes na região do Rio Roosevelt, Estado de
Rondônia, nas comunidades Cinta-Larga.
Cabe ressaltar que os estudos de Santos, Nava e Ferreira (2009)
concluem, ao discutir gargalos, potencialidades e perspectivas à
exploração mineral de TI no Estado do Amazonas (figura 2), que há
potencial para que ela ocorra racionalmente, salvaguardadas a oitiva e
a aprovação pelas comunidades envolvidas.
Para tanto, os autores recomendam: o investimento em
levantamentos detalhados dos recursos minerais economicamente viáveis
nas TI; o desenvolvimento de programas pilotos de aproveitamento
mineral; o estreitamento do diálogo entre as organizações indígenas,
agentes públicos e privados do setor mineral; e a promoção da inserção
da indústria de transformação mineral no Polo Industrial de Manaus
de forma a que se agregue valor aos subprodutos minerais.
Respeitando a diversidade de visões sobre o tema, deve-se
considerar como um bom estudo de caso sobre mineração em terras
indígenas: o monitoramento e reconhecimento das relações de
trabalho entre o Projeto Exploratório da Mina de Estanho do Pitinga,
localizada no município de Presidente Figueiredo (AM) e o Programa
Waimiri – Atroari, que apoia as comunidades indígenas locais. São

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368 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 2. Distribuição de minerais em TI no Amazonas.


Fonte: Compilado de Santos, Nava e Ferreira, 2009.

identificados neste caso avanços econômicos, sociais e ambientais que


podem colaborar ao texto de lei para a regulamentação das atividades
minerárias nas TI.
Quanto à relação entre mineração e unidades de conservação, a
observação das atividades do Projeto Carajás de exploração de ferro,
manganês, cobre, ouro e níquel dentro da unidade de conservação
Floresta Nacional de Carajás nos revela um instrumento interessante à
gestão ambiental e territorial da Amazônia.
Nas últimas décadas, esta região sul do Estado do Pará vem
apresentando significativas taxas de desmatamento, por força,
principalmente, da abertura de estradas e assentamentos fundiários,
bem como pelo desenvolvimento das atividades de exploração
madeireira e agropecuária (figura 3).
A parceria entre a mineradora e o Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vem permitindo, a
partir de instrumentos econômicos e de gestão e monitoramento
compartilhados, a preservação da Floresta Nacional de Carajás, uma
área de 392.725,14 hectares.

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 369

Figura 3. Cortes temporais de imagens de satélite,


identificando as taxas de desmatamento em contraponto à
preservação florestal da Unidade de Conservação Floresta
Nacional de Carajás (ICMBio), onde está localizado o
projeto de exploração da mina de Carajás desenvolvido
pela Mineradora Vale (IBRAM, 2013).
Fonte: Acervo do INPE, 2014.

Os terrenos associados à atividade de exploração mineral dentro


da Flona Carajás equivalem a aproximadamente 8.000 hectares,
um impacto relacionado a cerca de 2% da área total da Unidade de
Conservação.
Dados do ICMBio informam que além de abrigar o mais
importante projeto de mineração nacional, no interior da Floresta
Nacional de Carajás são realizadas ações de pesquisa científica,
conservação, visitação e proteção, destacando-se os estudos envolvendo
o gavião-real, a arara-azul grande e as atividades de observação de aves
(ICMBio, [2014]).

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370 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Eis, portanto, um modelo que pode e deve ser replicado às demais


unidades de conservação na Amazônia, considerando-se algumas
singularidades das atividades de mineração e/ou produção de óleo e gás:
(i) são reconhecidamente impactantes, mesmo que, territorialmente,
sua escala seja bastante pontual (qualquer exploração mineral implica
a retirada temporária da cobertura florestal); (ii) trata-se do usufruto
de recursos naturais não renováveis, ou seja, as reservas são finitas e
existe um tempo finito para o funcionamento da mina.
Embora muitos pesquisadores considerem, conceitualmente,
pelas características supracitadas, a exploração mineral uma atividade
insustentável e incompatível ao sensível bioma Amazônia, este trabalho
propõe e defende a tese do aproveitamento das riquezas minerais como
instrumento político de conservação da biodiversidade, e econômico,
pela sua capacidade de geração de riquezas com baixo custo ambiental,
em função dos insignificantes valores das taxas de desmatamento
associados à atividade.
Em última análise, defende-se ainda que a economia gerada possa
também promover a elevação dos indicadores de desenvolvimento
humano nas comunidades residentes nos territórios da mineração.
Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis comprovam as reduzidas taxas de desmatamento
relacionadas à atividade petrolífera: no histórico de mais de 60 anos
de atividades de exploração e produção de óleo e gás na Amazônia
(Figura 4), foi necessário o desmatamento de cerca de 540 km2 da
cobertura florestal original, área bem insignificante comparada ao
território do bioma.

Figura 4. Histórico
de atividades
de exploração
e produção da
indústria petrolífera
na Amazônia.
Fonte: ANP, 2014.

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 371

É preciso considerar também que é responsabilidade das empresas


mineradoras e petrolíferas, a partir dos condicionantes das licenças
ambientais de suas atividades, a recuperação das áreas degradadas
nas fases de pesquisa/exploração e lavra/produção, ação que pode ser
desenvolvida concomitante ao desenvolvimento da pesquisa e lavra e/
ou na etapa de fechamento da mina, quando da exaustão das reservas
minerais (figuras 5 e 6).

Figura 5. Clareira aberta e abandonada na fase de exploração de


óleo e gás na Bacia do Solimões (AM). Em destaque a recuperação
natural da cobertura florestal.
Fonte: ANP, 2014.

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372 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 6. Identificação da frente de lavra e das áreas


recuperadas por revegetação. Projeto Cadam de exploração de
caulim, localizado no Estado do Amapá.
Fonte: IBRAM, 2013.

A garimpagem na Amazônia
O desenvolvimento de políticas públicas que busquem a
formalização das atividades dos garimpos (exploração mineral
informal) na Amazônia constitui um terceiro desafio de forte apelo
social e ambiental.
É do final do século XIX e primeira metade do século XX que
os sertões amazônicos passaram a ser desbravados por seringueiros,
“gateiros”, agricultores de juta e malva e “marreteiros”, em sua maioria,
imigrantes nordestinos e asiáticos, muitos dos quais se tornaram
posteriormente garimpeiros, com o declínio da atividade original.
Dos ciclos extrativistas, o mais representativo e que permanece
até os dias atuais é o da garimpagem, que ocorre de forma cíclica, na
dependência direta dos preços internacionais dos metais.
Cassiterita (minério de estanho) e ouro são historicamente os
principais metais explorados pela garimpagem. Já a exploração de
diamante, quartzo, gemas e tantalita (minério de tântalo) têm existido
de forma intermitente e localizada.
Porém, dentre todos esses, o ouro é sem dúvida a grande atração
da cobiça garimpeira. São exemplos: a invasão garimpeira no Rio
Madeira e na bacia do Rio Tapajós, na década de 1970; a invasão do

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 373

território e atual Estado de Roraima, inclusive nas Terras Indígenas


Yanomami, nos anos 80; e Serra Pelada, o maior garimpo a céu
aberto no mundo (chegou a registrar a presença de mais de 80 mil
garimpeiros), no Estado do Pará.
Esses modelos caracterizaram-se por ser uma atividade ambien­
talmente degradadora, socioeconomicamente ineficiente e injusta,
movida pela lei do mais forte, da violência e da bandidagem.
Não há como se resolver a questão da garimpagem sem modi­
ficar-se a cultura, que, historicamente, movimenta a atividade.
Não há como se regularizar a atividade, tirá-la da clandestinidade e da
informalidade, sem a implementação de ações inovadoras.
Com o apoio do Ministério de Minas e Energia e considerando a
valorização do ouro no mercado internacional no período entre 2008
e 2012, observou-se o incentivo público às parcerias entre cooperativas
garimpeiras e empresas de mineração.
Em 2011, a empresa de mineração canadense Colossus Minerals
Inc. se associou à Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra
Pelada (Coomigasp), a fim de explorar de forma mecanizada o ouro
desse local. Com a interessante ideia inicial de implantar uma mina
subterrânea de ouro no antigo garimpo e desenvolver um programa de
recuperação ambiental das áreas degradadas, infelizmente, informações
recentes dão conta da situação falimentar do projeto, consequência de
corrupção, má gestão administrativa e de questionamentos sobre os
teores contratuais da parceria entre os cooperados.
Outra ação pública que merece destaque é a que vem sendo
desenvolvida pelo Governo do Amazonas na forma de extensão mineral
desde 2010. Mais de 3 mil famílias estão sendo beneficiadas com a
regularização da atividade de exploração mineral de ouro por balsas/
dragas no Rio Madeira.
Para tanto, foi aprovado no âmbito dos trabalhos do Conselho
Estadual de Meio Ambiente do Amazonas a Resolução CEMAAM
nº 014, de outubro de 2012, que estabeleceu novos procedimentos para
o licenciamento ambiental das atividades de lavra garimpeira de ouro
em rio e em terra firme no Amazonas, com destaque ao uso obrigatório
de um equipamento de proteção individual, o cadinho, utilizado na
recuperação de mercúrio metálico em amálgama ouro-mercúrio para
evitar a contaminação ambiental e reduzir a exposição do garimpeiro
durante o processo de queima na produção de ouro (figura 7).

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374 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 7. Cadinho, equipamento obrigatório


ao manejo do mercúrio durante a produção de
ouro em balsas e dragas no Rio Madeira (AM).
Fonte: Acervo do SEMGRH-AM, 2014.

O Governo do Amazonas vem trabalhando atualmente junto ao


Instituto de Pesos e Medidas do Amazonas (Ipem), na elaboração de
processo de certificação dos modelos de cadinho.
Entre os primeiros resultados do processo de licenciamento
das atividades garimpeiras no Amazonas, foram emitidas em 2012 as
primeiras notas fiscais de compra do ouro no município de Humaitá
(AM), a partir do trabalho de 40 dias de 93 garimpeiros cooperados
que atuam no Rio Madeira, movimentando uma receita da ordem
de R$481.103,15. Os trabalhos no Rio Madeira funcionam cerca de
7 meses, durante o período de sua vazante.
Assim, a chave da mudança da atividade de garimpo passa
pelo pleno estabelecimento dos conceitos e ações de associativismo

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 375

e cooperativismo e pelo apoio de uma política municipal, estadual e


federal que lhe dê sustentação com vistas a uma atividade de exploração
mineral que beneficie a população garimpeira local, apoiada no
próprio Estatuto do Garimpeiro, Lei Federal 11.685/2008.
Com mais de seis anos em vigor, o Estatuto no seu artigo 10º
dispõe que a atividade de garimpagem será objeto de elaboração de
políticas públicas pelo Ministério de Minas e Energia, destinadas a
promover o seu desenvolvimento sustentável (grifo nosso). E no artigo
12º apresenta como deveres e obrigações do garimpeiro: (i) recuperar
as áreas degradadas por suas atividades; (ii) atender ao disposto no
Código de Mineração no que lhe couber; e (iii) cumprir a legislação
vigente em relação à segurança e à saúde no trabalho.
O garimpo, portanto, trata-se de uma realidade amazônica que
deve ser enfrentada por políticas públicas e pelos diversos agentes
públicos e privados, dentro de uma visão econômico-social. Dados do
Zoneamento Ecológico Econômico da BR-163 registram que somente
na área da Província Aurífera do Tapajós (estados do Pará, Amazonas
e Mato Grosso) atua na exploração mineral do ouro uma população de
mais de 60.000 garimpeiros (BRASIL. SUDAM, [2006]).

Amazônia: um centro produtor


de commodities minerais?
Dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) preveem
um investimento do setor mineral no Brasil até 2016 da ordem de
76 bilhões de dólares, em que 31% dos investimentos serão feitos na
Amazônia, com destaque ao Estado do Pará.

Pará: principal estado minerador


O Estado do Pará é responsável por 25% do valor da produção
mineral brasileira. Em termos da Compensação Financeira pela
Exploração Mineral (CFEM) dos 1,8 bilhões de reais arrecadados
nacionalmente em 2012 pelo Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), 28,16% foram repassados ao Pará.
Segundo a Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e
Mineração (Seicom), são 171 minas em 55 municípios mineradores, com
participação de 26,3% no PIB do Pará. Em contraponto, a arrecadação
de ICMS da extração mineral equivale a 3,7%, em função das

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376 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

desonerações decorrentes de ICMS que estão asseguradas a partir da


Lei Kandir – Lei Complementar 87/1996, de incentivo às exportações.
Grande parte da produção mineral paraense, 87%, equivalente a
116 milhões de toneladas de minério, gerando um saldo de 13 bilhões
de dólares, é exportada in natura, sendo o carro-chefe o minério de
ferro (85%).
Segundo o Ibram, o Estado do Pará em 2013 respondeu por
72% das exportações de cobre e 29,3% do minério de ferro no Brasil.
Destacam-se como principais compradores a China, o Japão e os
Estados Unidos.
Dentre as principais empresas produtoras de bens minerais no
Pará estão Alcoa, Belo Sun, Cadam, CBE, Colossus, Imerys, Mineração
Buritirama, Mineração Caraíba, Indaiá, Mineração Rio do Norte
(MRN), Pará Pigmentos, Reinarda, Vale e Votorantim Metais.
Em termos de reservas minerais dos metálicos, o Pará possui 3,25
bilhões de toneladas de alumínio, 26,4 milhões de toneladas de cobre,
16,5 bilhões de toneladas de ferro, 4,13 milhões de toneladas de níquel
e 2.232 toneladas de ouro, segundo dados de 2009 do Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM). Destaca-se ainda a produção
de caulim e manganês.
A indústria de transformação de bens minerais no Pará teve início
em 1980. Segundo a Seicom, em 2012, o estado registrou 658 empresas
que transformam bens minerais metálicos e não metálicos em vários
produtos finais: alumínio, alumina, cimento, gusa, silício-metálico,
vergalhões de ferro e de alumínio, cabos, etc. Este segmento participa
em 15% do total das exportações do Pará.

A contribuição dos demais estados amazônicos


Dados do DNPM apontam o Amapá como o 13º lugar em
arrecadação de CFEM, entre os estados federativos. A arrecadação em
2013 chegou a 12 milhões de reais.
Os principais ativos minerais estão relacionados à produção
de minério de ferro nos municípios de Pedra Branca do Amapari,
Tartarugalzinho e Mazagão pelas mineradoras AngloFerrous, Zamapa
Mineração e Unangem; de minério de ferro e cromo, no município de
Mazagão pela Mineradora Vila Nova; pelo caulim explorado no Projeto
Cadam no município de Laranjal do Jari; e pela produção de ouro no
município de Pedra Branca do Amapari (BRASIL. IBRAM, 2013).

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 377

Simões (2009), em seu estudo sobre a história e os efeitos sociais


da mineração no Estado do Amapá, retrata os impactos da natureza
degradadora da atividade e reflete sobre a falta de planejamento
e fiscalização estatal quanto à inexistência de benefícios dela
decorrentes nas comunidades locais. A autora critica ainda como os
gastos municipais não conseguem promover benefícios atuais ou uma
economia alternativa, desconsiderando a certeza do esgotamento dos
recursos e a paralisação futura das atividades.
A gestão dos recursos minerais nos estados de Rondônia e Acre é
realizada pela mesma superintendência do DNPM.
O Estado do Acre, em função de sua geodiversidade, não possui
prospectos minerais significativos, à exceção da exploração de argilas
do polo cerâmico da capital Rio Branco. Novas perspectivas ao setor
mineral podem ocorrer no estado, a partir dos resultados das pesquisas
exploratórias para óleo e gás natural em blocos da Bacia Sedimentar
do Acre, recentemente licitados pela ANP.
O Estado de Rondônia, através da Companhia de Mineração
de Rondônia, possui reservas significativas de calcário agrícola na
região do município de Pimenta Bueno. Os recentes investimentos
na planta de beneficiamento realizados pelo governo do estado
reativaram e ampliaram a capacidade produtiva da mina, com atenção
ao atendimento das demandas do setor primário rondoniense.
Dados do DNPM apresentam a província estanífera de Rondônia
com perspectivas promissoras a receber investimentos no setor.
A existência de indústrias de fundição de estanho nos municípios de
Ariquemes e Campo Novo de Rondônia auxiliam o beneficiamento da
cassiterita em estanho com alto grau de pureza. A construção das usinas
hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio geram ao estado perspectivas
quanto ao atendimento em energia dos novos investimentos do setor
mineral.
São prospectos minerais importantes no Estado de Rondônia,
segundo dados de 2008 do DNPM: nióbio, rochas ornamentais, cobre,
ouro, diamante, manganês, wolframita, topázio, ametista e columbita.
Dados do Zoneamento Ecológico e Econômico do Estado de
Roraima (BRASIL. CPRM, 2002) apontam várias potencialidades
minerais: diamante, ouro, níquel, cromo, platina, nióbio/tântalo,
estanho, molibdênio, cobre-chumbo-zinco, rochas ornamentais, argilas
e areias.

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378 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Contudo, segundo o DNPM, há baixa produção mineral; Roraima


ocupa a última posição entre os entes federativos, está relacionada à
criação de áreas protegidas (unidades de conservação, terras indígenas,
assentamentos em faixa de fronteira). Os poucos prospectos existentes
estão relacionados à produção de agregados, rochas ornamentais e
água mineral.
O setor de mineração tem evoluído significativamente no
Amazonas na última década e, atualmente, é representativo de 20%
da economia do estado. De características ambientais singulares, o
Amazonas é o ente federativo da Amazônia com maior preservação de
sua cobertura florestal nativa – 97%.
A principal mina em atividade é a de estanho do Pitinga,
pertencente à Mineração Taboca, controlada pelo grupo peruano
Minsur, que gera grande volume de empregos, atividade econômica
e royalties ao Estado. Além do estanho, a Mineração Taboca produz
chumbo e ligas de ferro-nióbio-tântalo. A mineradora responde por
60% das necessidades de estanho nacionais. A província do Pitinga
possui reservas estratégicas de minerais de terras raras ainda pouco
estudadas.
O Amazonas possui significativas reservas de óleo e gás,
localizadas na Província Petrolífera de Urucu, bacia sedimentar do
Solimões, e de gás natural na região de Silves e Itapiranga, bacia
sedimentar do Amazonas.
As reservas de Urucu estão interligadas à região metropolitana
de Manaus, através do gasoduto Urucu-Coari-Manaus, o que permite o
aproveitamento do gás natural como insumo à geração de energia em
térmicas, em processos produtivos das fábricas do Polo Industrial de
Manaus (PIM), e no desenvolvimento futuro de um polo gás-químico
para produção de ureia/amônia, metanol e/ou poliestirenos.
A mina de calcário do Jatapu, município de Urucará (AM), atende
a produção de cimento no PIM. Sua singularidade está na distância de
680km entre a mina e planta industrial, único caso no mundo. Recentes
estudos realizados pela Secretaria de Mineração, Geodiversidade e
Recursos Hídricos do Amazonas identificaram horizontes de calcário
dolomítico, que está sendo aproveitado como insumo mineral agrícola.
Outro recurso mineral de alta relevância nacional que vem
sendo pesquisado no Amazonas é o sal de potássio – silvinita. As novas
descobertas de reservas de sais de potássio anunciadas no final de
2013 pela Empresa Potássio do Brasil confirmam definitivamente

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 379

o excepcional potencial geológico do estado, sendo os depósitos


considerados de classe mundial. Já foram identificadas reservas da
ordem de 2 bilhões de toneladas de KCl, em uma área que se estende
por mais de 400km.
Nos quatro anos de pesquisas na região, a Empresa Potássio
do Brasil1 descobriu quatro novas jazidas: Autazes, Itapiranga, Novo
Remanso e Itacoatiara, que se somam às duas jazidas conhecidas
e controladas pela Petrobras, Arari e Fazendinha (figura 8).
As jazidas descobertas estão situadas em profundidades que variam
de 680 a 1000 metros e apresentam teores médios de 33 a 40% de
KCl. No depósito de Autazes, as reservas de KCl já são superiores a
600 milhões de toneladas.

Figura 8. Distribuição das reservas de sais de potássio no Estado do


Amazonas. Em vermelho, as pertencentes à Petrobras e em amarelo, as da
Potássio do Brasil.

Os estudos de viabilidade técnica e econômica da jazida de


Autazes estão sendo realizados, estimando-se uma meta de produção
anual mínima de dois milhões de toneladas de cloreto de potássio
(KCl) e início de produção no primeiro trimestre de 2018.
1
Potássio do Brasil. Disponível em: <http://www.potassiodobrasil.com.br>. Acesso em: 01 ago.
2014.

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380 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Uma característica excepcional destes projetos está justamente


associada à localização das jazidas, em uma área com excelente
infraestrutura: disponibilidade de mão de obra qualificada; energia
conectada ao sistema nacional integrado a partir do Linhão de Tucuruí;
e hidrovias importantes como a do Rio Madeira e do Rio Amazonas.
Para o setor agrícola brasileiro, a grande vantagem é a utilização
da malha de transporte para exportação de grãos e produtos da região
do Cerrado. Certamente, o desenvolvimento e melhorias nas rotas de
exportação na Região Norte irão representar custos significativamente
mais baixos para aquisição e transporte do potássio para os centros
consumidores da região. Atualmente o mercado brasileiro importa
mais de 92% do potássio utilizado na produção agrícola.
Destacam-se ainda como reservas significativas do Amazonas: os
depósitos de caulim localizados no Distrito Agropecuário da Suframa,
Região Metropolitana de Manaus; as reservas garimpeiras de ouro no
Rio Madeira; e a maior reserva de nióbio do mundo, localizada no
Morro dos Seis Lagos, município de São Gabriel da Cachoeira, Região
do Alto Rio Negro.

Considerações finais
Nestas considerações finais, relembro palavras do Prof. Dr. Samuel
Benchimol que nos inspiram, assim descrevendo a Amazônia:
Não se traduz, apenas, pela sua biodiversidade da flora e fauna,
icnodiversidade, e fluviodiversidade e etnodiversidade, mas também
por ser uma das maiores províncias minerais do planeta, produtos
ferrosos e não ferrosos como hematita, manganês, caulim, bauxita,
cassiterita, cobre, ouro e diamantes, além da recente descoberta
da província de petróleo e gás de urucu, no Rio Coari, afluente do
Amazonas (BENCHIMOL, 2010).
De certo, o grande paradoxo ainda consiste ser a Amazônia a
região menos desenvolvida do Brasil e possuir imensas oportunidades
de crescimento econômico apoiadas no uso sustentável da biodiversidade
e de suas reservas minerais.
Neste sentido, reforça-se a tese de que a geodiversidade deve ser
encarada como um instrumento econômico importante à estratégia de
conservação da biodiversidade e sociodiversidade na região.
O governo federal apresentou em 2013 ao Congresso Nacional
um Projeto de Lei que dispõe sobre Novo Marco Regulatório ao Setor

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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 381

Mineral. Entre os diversos itens polêmicos, discutem-se mudanças


nas regras das Compensações Financeiras pela Exploração Mineral
(CFEM) e dos tributos inerentes à atividade de mineração.
Na Amazônia, o empreendimento mineiro recebe uma série de
deduções e isenções, a exemplo da redução do Imposto de Renda Pessoa
Jurídica. Caso o produto mineral seja exportado in natura, a empresa
de mineração recebe ainda isenção do Programa de Integração Social
(PIS), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(Cofins) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), o último relacionado ao disposto pela Lei Kandir. Tal modelo
tributário incentiva apenas o minerador de commodities, não criando um
ambiente favorável à verticalização, a partir da atração de indústrias de
transformação mineral.
O caso do maior ente arrecadador, o Estado do Pará, quanto
ao ICMS mineral é muito interessante. Em face do perfil dos
empreendimentos mineiros de larga escala para exportação, observa-se
que eles contribuem pifiamente, representativo de 2,8% da arrecadação
total de ICMS (dados de 2012). Segundo cálculos da Seicom, desde
a vigência da Lei Kandir (dados de 1990 indicavam que a indústria
mineral contribuía com 16% do valor arrecadado em ICMS), entre 1996
a 2012, o estado deixou de arrecadar em torno de 15 bilhões de reais.
A arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração
Mineral pelo Pará em 2012 totalizou 524 milhões de reais.
Dos 55 municípios mineradores do Pará, Parauapebas recebeu sozinho
81,58% do total arrecadado.
O atual modelo da Compensação Financeira pela Exploração
Mineral2 precisa ser aprimorado, pois se caracteriza pela distribuição
das arrecadações concentrada aos municípios produtores, o que gera
distorções em termos de justiça distributiva, agravando as desigualdades
entre os municípios do entorno.
Defende-se nas discussões do Marco Regulatório da Mineração
uma reforma tributária que amplie a capacidade de irradiação das
riquezas originadas pelos empreendimentos mineiros, seja pela
capacidade de incentivo à verticalização e atração da indústria de
transformação mineral, seja pelo apoio ao desenvolvimento de
arranjos produtivos locais de base mineral, seja pela ação da redução
das desigualdades em todos os níveis, inclusive, territoriais.
2
A arrecadação da CFEM é distribuída 65% ao município produtor mineral, 23% ao Estado e
12% à União.

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382 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

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BRASIL. CPRM. Zoneamento ecológico econômico da região central do estado


de Roraima. 2002. Disponível em: <http://www.cprm.gov.br/publique/media/
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Capítulo 14 • A questão mineral na Amazônia 383

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Capítulo 15

Ciência e tecnologia
no Amazonas
Ennio Candotti

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386 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

O documento do CGEE de dezembro 2013:


um diagnóstico1
O diagnóstico da ciência, tecnologia e inovação foi longamente
discutido em 2013 por grupos de trabalho que traçaram um quadro de
alguns dos desafios que o país, a sociedade amazonense e suas elites
dirigentes encontram para promover o desenvolvimento da Amazônia.
Os índices de desenvolvimento humano (IDH) da região reclamam
por políticas que promovam melhor distribuição da renda e permitam
que a ciência e a tecnologia possam contribuir para os objetivos de
desenvolvimento econômico, inclusão e justiça social.
O documento, logo em seu início, reafirma alguns dos princípios
que orientam propostas que há décadas têm sido sugeridas pelos
grupos de trabalho que se debruçam sobre o tema: “A transformação
sustentável dos ativos florestais pela biotecnologia... poderá atribuir
valor econômico à biodiversidade evitando ciclos efêmeros como o da
borracha e levando ao desenvolvimento sustentável da região”.
A transformação sustentável exige conhecimento da floresta para
melhor explorar seus ativos e distingui-los dos passivos. O estoque destes
conhecimentos (e os institutos capazes de promover sua multiplicação)
é muito reduzido para as dimensões amazônicas dos desafios postos
à ciência e tecnologia (C&T) e não há sinais de aceleração de seu
crescimento.
Fora o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o
Museu Paraense Emilio Goeldi, exceções, não há na região institutos
de pesquisa pura ou aplicada classificados entre os dez melhores
do país. Da Embrapa, dos 47 institutos instalados no país, apenas
nove encontram-se na Amazônia. Uma região que ocupa metade
do território nacional e, afirma-se, abriga grande parte dos ativos
florestais, zoobotânicos, hídricos e das reservas minerais do país.
Curiosamente, passados mais de 100 anos das primeiras tentativas
de Alexandre Barbosa Rodrigues, ainda não existe na cidade de
Manaus um jardim botânico com um banco de sementes, semelhantes
aos do Kew Garden de Londres (onde as sementes da borracha foram
climatizadas e adaptadas a outros climas e solos). Um centro onde se
estudem e conservem plantas e sementes da Amazônia atribuindo-lhes,
através do conhecimento, valor econômico.

1
PLANO de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento da Amazônia Legal.
Brasília: CGEE, 2013.

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 387

Os indicadores
O documento do CGEE preparado com a colaboração das
Secretarias de Ciência e Tecnologia e das Fundações de Apoio à
Pesquisa da Região Norte (Consecti e Confap) retrata de modo
severo o quadro da pesquisa científica na Amazônia e no Amazonas:
aqui se encontram cerca de 10 mil doutores ante 112 mil no Sudeste.
Mesmo sendo um indicador pouco significativo quando dissociado de
informações sobre a efetiva produção científica e tecnológica destes
quadros especializados, o número é 1/3 da média nacional em relação
à população. Deveriam ser mais de 35 mil. Na Amazônia vivem 13% da
população brasileira, enquanto no Sudeste, 46% . Se considerarmos,
no entanto, as dimensões do laboratório natural amazônico e seus
‘tesouros’ naturais a serem explorados, deveria haver 200 mil, um
número de doutores e laboratórios de pesquisa equivalente ao do
conjunto das demais regiões do país.
Os dados ilustrativos dos resultados das pesquisas e desenvol­
vimentos tecnológicos, a P&D, confirmam o caráter periférico da região:
0,3% das patentes nacionais são concedidas a institutos da Região
Norte, ante 70% no Sudeste onde, para bem da verdade, também lá os
números absolutos, em relação aos internacionais, são muito modestos.
Os indicadores do desenvolvimento tecnológico da Região Norte têm,
em relação ao Brasil, proporção semelhante, ou um pouco pior, aos do
Brasil em relação aos países centrais.
Os números relativos aos investimentos públicos federais em
C&T indicam posições semelhantes aos dos outros indicadores: 1,1%
dos investimentos do CNPq, Finep e Capes destinam-se à Região
Norte, enquanto o Sudeste recebe 78%. Novamente os números são
significativos apenas para compará-los com o Sudeste, ou com o
resto do país, uma vez que se investe pouco em C&T, cerca de 1,2%.
A porcentagem do PIB dedicado a P&D em países com economias
semelhantes à do Brasil é, em média, 2%.
A esses números devemos acrescentar dois dados relevantes que
também encontramos no documento das Secretarias de Ciência e
Tecnologia dos Estados da Região Norte (SECTS-Norte): a economia
da Região Norte contribui à economia do país com 8% do Produto
Interno Bruto (PIB), enquanto a Região Sudeste, com 51%. Uma
participação no PIB nacional seis vezes maior, para uma população
apenas três vezes maior. O PIB do Brasil, afirma-se, é o 7º do mundo.
O do Estado do Amazonas ocupa a 15ª posição no país.

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388 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Por sua vez, a produção científica avaliada a partir do número


de artigos publicados em revistas qualificadas (indexadas segundo
critérios internacionais) colocou o Brasil, em 2012, no 15° lugar no
mundo. Condição esta que contrasta porém com a dos indicadores de
patentes e inovações, que situam o Brasil na incômoda 64ª posição.
Vejamos agora os indicadores de IDH (indicador de desenvolvi­
mento humano): o Brasil ocupa a 85ª posição, correspondente a um
IDH 0,730, pouco abaixo da média da América Latina, que é 0,741.
Em relação ao Brasil, o IDH do Amazonas é de 0,780, pouco acima
da média brasileira, enquanto o Pará, mais populoso, está com 0,718,
abaixo da média nacional. Outros estados do Brasil, como o Espírito
Santo ou Santa Catarina, têm IDH 0,803 e 0,840, respectivamente.
Convém lembrar que o IDH, quanto mais próximo de 1, melhor:
a Noruega, por exemplo, tem IDH 0,955 e a Itália 0,881.

Os investimentos da Suframa em P&D


As empresas do Polo Industrial de Manaus (PIM), administrado
pela Suframa, registraram faturamento, em 2013, de R$ 80 bilhões.
Estima-se que a renúncia fiscal foi de aproximadamente R$ 25 bilhões,
correspondente às isenções fiscais oferecidas às indústrias para se
instalarem em Manaus, mediante contrapartidas em investimentos em
P&D.
O Decreto n° 6.008 de 2006 permite a concessão de isenção de
Imposto de Produto Industrializado (IPI), e parcialmente do Imposto
de importações II, para empresas de Tecnologia da Informação
(TI) que, ao se instalar na Zona Franca de Manaus, obedecendo às
condicionantes da Lei 8.387 de 1991, destinarem 5% do seu faturamento
bruto para pesquisa e desenvolvimento (P&D).
O Decreto 6.008 determina portanto que as empresas de TI
deveriam aplicar em 2013, ano em que o faturamento do PIM foi de
80 bilhões, cerca de R$ 800 milhões para P&D (o número é estimado
a partir da informação que cerca de 20% do faturamento do PIM é
devido a empresas que foram beneficiadas pelo Decreto 6.008).
Curiosamente, os números relativos ao investimento desses
recursos não estão incluídos nos indicadores de financiamento da
P&D, mencionados pelo documento do CGEE sobre a política de
C&T da Região Norte: cabe observar que o Decreto 6.008 permite
que esses recursos sejam destinados a todas as áreas de P&D, e não
apenas às TIs.

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 389

As indagações do TCU/AGU sobre


os investimentos em P&D
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU)2 pergunta:
i. Quem controla o efetivo uso dos recursos destinados à
P&D em troca da isenção fiscal de Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e da redução do Imposto de
Importações (II)?
ii. Qual tem sido a função do Comitê das Atividades de Pesquisa
e Desenvovimento na Amazônia (CAPDA), órgão técnico
de controle e assessoramento da Suframa na matéria? Um
conselho que conta com representantes do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Banco Nacional de
Desenvolvimento Econôomico e Social (BNDES), Ministério
de Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior (MIDIC),
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Banco
da Amazônia, Polo Industrial de Manaus (PIM), comunidade
científica local e do Governo do Estado do Amazonas.
iii. Com quais critérios foram aprovados projetos em P&D
financiados com os recursos do 5%? E com que critérios
foram avaliados seus resultados?
iv. Indaga também sobre a base de cálculo do faturamento sobre
o qual incidem os 5% para P&D e os instrumentos existentes
para verificar a fidedignidade das informações fornecidas à
Suframa pelas indústrias, e por ela divulgadas.

Do caráter público ou privado


dos 5% destinados à P&D
As indagações do TCU preocupam-se também em esclarecer a
questão do caráter público ou privado desses recursos. A determinação
é decisiva para definir quem é responsável pela seleção dos projetos a
serem financiados com os recursos dos incentivos. E, sobretudo, deveria
permitir a definição do significado e dos critérios e de avaliação dos
resultados.
2
TCU 004377/2010-9 e Acordão 1390/2012.

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390 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

O volume de recursos destinados à P&D, segundo o Decreto


6.008/2006, correspondentes aos 5% em questão, pode ser estimado
em mais de 4 bilhões de reais nos últimos dez anos3.
Quanto ao caráter público ou privado dos recursos, a Advocacia
Geral da União AGU/Consultoria Jurídica, Conjur do MCTI em
parecer n° 020/2005 indica que
[...] esses recursos (5% do faturamento das indústrias)
são privados, ainda que representem uma contrapartida
obrigatória para a fruição dos incentivos fiscais.

Para a Lei de Informática Nacional (Lei 8248/1991) o


incentivo é uma redução da alíquota do IPI. Para a Lei de
Informática da ZFM (Lei 8.387/1991), há isenção do IPI
e redução proporcional (uma alíquota entre 0 e 1 a ser
determinada conforme a composição dos insumos, nacionais
ou importados ) do Imposto de Importação (II).

Para ambas as leis o processo de produção, o PPB, não é


livre, devendo obedecer a um conjunto mínimo de operações
estabelecido por técnicos do MCTI e do MIDIC. A sua função
é aumentar o nível de insumos (materiais, componentes,
subconjuntos, mão de obra) nacionais na industrialização do
produto [...]

Ademais [...] todas as indústrias de bens e serviços de


informática, para fazer jus aos benefícios fiscais, devem
aplicar, no mínimo, 5% do seu faturamento bruto no mercado
interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de
informática, em atividades de P&D a serem realizadas no país,
conforme projeto elaborado pelas próprias empresas. Com
base em proposta a ser apresentada à Suframa e ao MCTI,
que deverão enquadrar tecnicamente os projetos segundo
critérios estabelecidos no Decreto 6.008/2006 tendo em vista
a finalidade precípua de ‘aumentar o nível de interferência
nacional na industrialização do produto’.

O mesmo Parecer do TCU (BRASIL, 2012), em seu parágrafo


95, diz:
3
Estimamos (os dados não são publicados pela Suframa) que esses recursos foram assim
distribuídos nos últimos dez anos: i) R$ 2.0 bilhões foram investidos segundo programas de
P&D definidos pelas próprias empresas ii) 800 milhões em pesquisas nas universidades e
institutos a critério do CAPDA e iii) 1,2 bilhão foi contingenciado pelo Ministério da Fazenda.

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 391

Ambas as Leis (8248 e 8387) contêm elementos distintos


caracterizadores da natureza desses recursos. Por exemplo,
há previsão em ambas que os investimentos em P&D devem
ser previamente definidos em proposta de projeto de pesquisa
apresentada pela própria indústria privada interessada
(parágrafo 3 do art. 2º 8387/1991 e art.11 da Lei 8248/1991),
o que denota o viés de natureza privada dos recursos. Do
mesmo modo, o legislador previu que as indústrias devem
anualmente elaborar e enviar aos órgãos competentes
um relatório descritivo das atividades de P&D (par. 7º, art
2º Lei 8387/1991 e par. 9º art. 11 Lei no 8248/1991). É de
notar que a denominação ‘relatório descritivo’ é singela, não
havendo em qualquer parte das leis referência expressa ao
termo ‘prestação de contas’, o que também aponta para a
natureza privada dos recursos. Posteriormente o Decreto no
6008/2006 em seu art. 29 utilizou o termo demonstrativo em
substituição ao descritivo.

Segue o Parecer (BRASIL, 2012), em seu item 96:


Por outro lado, sua aplicação é vinculada e ambas as leis
contêm dispositivos que permitem a exclusão dos benefícios
fiscais (par. 9 art. 2º Lei 8387/1991 e art. 9º da Lei 8248/1991)
para as indústrias que não cumpram certas atividades
previamente estabelecidas, no caso, atividades de P&D. Esse
descumprimento deve ser atestado por um órgão público.
Ademais, em ambos os casos os decretos regulamentadores
atuais preveem a possibilidade de glosa de dispêndios de
acordo com essas atividades (art. 32 do Decreto 6008/2006
e inc. II art. 35 Decreto no 5906/2006). Tais características
apontam para a natureza pública dos recursos.

Para concluir, no parágrafo 97 do Parecer (BRASIL, 2012), lemos:


Surge então a necessidade de fiscalizar se esses recursos
realmente estão sendo usados nas atividades vinculadas, de
onde emerge estranho contexto: a combinação de recursos
privados sob fiscalização de agentes públicos externos. Esta
equipe entende que os recursos aportados pelas indústrias, em
que pese serem privados, merecem tratamento coadunado aos
princípios ordenadores dos recursos públicos, eis que oriundos
da isenção fiscal condicionada. São privados, mas não estão
à inteira disposição do industrial. O acompanhamento da
aplicação desses recursos deve ser feito pelos órgãos públicos
incumbidos de gerir a política nacional de informática, no
caso a Secretaria de Política em Informática SEPIN/MCTI

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392 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

para o âmbito nacional e a Suframa/MIDIC para a Zona


Franca de Manaus.

Acrescenta, nos parágrafos 98 e 99 (BRASIL, 2012), algumas


considerações de caráter mais geral sobre o contexto e as finalidades
que justificaram as mencionadas leis:
A indústria brasileira é de origem montadora, como,
em regra geral, o é todo parque industrial de países em
desenvolvimento que não detêm o domínio do processo.
O principal fator de produção agregado é a mão de obra,
excluídas as inovações do processo. Para alterar esse quadro,
o investimento obrigatório em P&D foi instituído [...].

Ao que deveríamos acrescentar o domínio do processo produtivo


de componentes como pastilhas semicondutoras.
Observando ainda que no caso da Lei de Informática da ZFM (e
só na ZFM).
não há obrigatoriedade de aplicação apenas em TI, restando
abertas as possibilidades para qualquer área do conhecimento,
o que causa certa pulverização de esforços. A literatura nos
indica que essa abertura no escopo deve-se ao fato de que,
nessa região do território brasileiro (Amazônia Ocidental)
há carência em todas as áreas do conhecimento, e não seria
oportuno restringir os investimentos em apenas um tema,
como ocorreu no restante do país (BRASIL, 2012).

Os critérios de avaliação
O TCU questiona também em que grau os projetos submetidos
à Suframa e ao MCTI foram examinados, com que critérios seus
resultados foram avaliados, e se alguma instituição em decorrência da
avaliação foi descredenciada por não ter cumprido as metas propostas.
Deixou por isso de receber novos recursos ou foi obrigada a devolver os
que foram indevidamente gastos?
Insiste em perguntar se a avaliação ocorreu segundo critérios
objetivos, previamente definidos, e se os quadros da Suframa ou do
MCTI que efetuam as avaliações estão tecnicamente preparados para
realizar a missão com autonomia.
A questão da avaliação dos projetos de desenvolvimento
tecnológico, nos institutos e empresas, é questão central no sistema

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 393

de CT&I. De fato é ainda hoje objeto de discussão, e os critérios


até agora utilizados não têm sido tão severos quanto os vigentes
na avaliação do sistema de pós- graduação da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), dos critérios
que orientam a concessão dos auxílios de pesquisa pelo CNPq, ou dos
auxílios institucionais, a fundo perdido, concedidos pela Finep. Nestes
órgãos, em geral, as avaliações dos projetos são realizadas por comitês
especializados, independentes, imunes às opiniões e influências dos
dirigentes das instituições ou empresas financiadas ou da própria
agência financiadora, e são formados por avaliadores de experiência e
nível semelhante ou superior ao das lideranças científico-tecnológicas
do projeto avaliado.
O sistema para avaliação da pesquisa básica e formação de recursos
humanos em nível de pós – graduação foi implantado no início dos
anos 1980 na Capes e Finep e, antes mesmo, na Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e no CNPq. É semelhante
ao utilizado internacionalmente em países de reconhecida liderança
científica e tecnológica.
Nas décadas seguintes foi sendo aperfeiçoado em todas as
agências de fomento à pesquisa científica e seu sucesso é demonstrado
pelos bons indicadores da produção científica nacional no cenário
internacional.
Os modestos resultados obtidos nas classificações de inovação e
patentes de nosso sistema de P&D nas indústrias revelam que há muito
por fazer na avaliação dos projetos a ser financiados e dos resultados,
nas áreas tecnológicas.
Os valores crescentes envolvidos nos financiamentos da área
de P&D industrial tanto na Suframa como em outras agências de
governo, em decorrência dos incentivos fiscais concedidos em troca de
investimentos em P&D (telecomunicações informática, petróleo etc.),
recomendam que esses critérios de avaliação sejam progressivamente
aperfeiçoados e implementados com rigor e independência.
No entendimento do TCU, a avaliação da qualidade técnica dos
resultados dos projetos da Suframa, quando realizada, tem sido feita
por funcionários dedicados, mas que nem sempre estão habilitados
tecnicamente para a missão e sobretudo nem sempre são imunes às
opiniões dos órgãos de administração superior.
A Suframa é um órgão que, por administrar e promover a
implantação das empresas na Zona Franca de Manaus, não pode ser

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394 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

ao mesmo tempo avaliador da qualidade do resultado do uso dos


recursos nos projetos propostos e por ela aprovados. Trata-se de norma
elementar da boa administração consoante com as Disposições Gerais
de ‘publicidade e impessoalidade’ da Constituição em seu Capítulo VII
(Art.37) da Administração Pública.
Seria como se confiássemos a uma empresa que fabrica reatores
nucleares ou fármacos, a fiscalização da sua qualidade e segurança de
seu funcionamento ou produtos ou medicamentos.

Royalties de petróleo e água


Outra fonte de recursos para P&D são os royalties de petróleo
e geração de hidroeletricidade, ou pelo menos de uma parte deles
conforme a legislação (em reforma) determina. O petróleo paga aos
estados produtores R$ 13,80 por Mwh (PORTAL DA AGÊNCIA
NACIONAL..., 2015)4, enquanto a hidroeletricidade paga a eles R$
8,00 por Mwh (PORTAL DA PSR ENERGY CONSULTING AND
ANALYTICS, 2015)5 (além de recolher o ICMS no estado de consumo).
Trata-se de volumes de recursos significativos, da ordem de bilhões de
reais para os estados das regiões produtoras ou geradores de energia
elétrica. Mesmo que apenas uma parcela seja destinada à P&D, não
podem ser esquecidos em nossa contabilidade. O CT Petro operado pelo
FNDCT é financiado (ou era até 2012) com 25% da parcela do valor dos
royalties que exceder 5% da produção de petróleo e gás natural.
A definição da parcela dos royalties destinada à P&D tanto do
petróleo como da hidroeletricidade está sendo redefinida. Boa razão
para incluir o uso dessas fontes de recursos em nossas discussões.
Os recursos das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) da região
Norte poderiam dessa forma dobrar, uma vez que há importantes
hidroelétricas na região e outras estão sendo construídas ou planejadas,
além do que as reservas de gás e petróleo regionais são significativas.

Algumas reflexões sobre o que fazer


a) A primeira medida deveria ser a publicação pela Suframa
do levantamento dos valores investidos em P&D, as séries
4
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Disponível em <http://
www.anp.gov.br/>. Acesso em: 12 jun. 2015.
5
PSR, Energy Consulting and Analytics. Disponível em <http:// http://www.psr-inc.com.br/portal/
psr_ pt_BR>. Acesso em: 12 jun. 2015.

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 395

históricas dos recolhimentos, os contingenciamentos, as


instituições beneficiadas, os projetos e resultados obtidos nos
institutos credenciados e nas próprias empresas. O mesmo
deveria ocorrer com a parcela destinada à P&D dos royalties
do petróleo e da hidroeletricidade.
b) O TCU, em sua auditoria da Suframa, menciona entre os
itens de avaliação da P&D: teses, doutorados, trabalhos
publicados, processos, patentes e inovações de efetivo sucesso
de mercado.
c) Deveríamos relacionar os resultados obtidos ao volume de
investimentos efetuados nos projetos. Verificando se, com o
passar dos anos, os indicadores sinalizam um desenvolvimento
científico e tecnológico do estado e o aumento da participação
de insumos locais nos processos de produção das empresas
da ZF de Manaus.
d) Determinar com maior rigor a relação entre os objetivos finais
da legislação que regula a isenção de IPI e II, pensados para
alterar o quadro “de baixa participação do país no processo
de inovação“ com os itens que, nas leis acima, caracterizam
as atividades de P&D.
e) Deveria também ser definida uma sistemática de aceitação
ou rejeição dos projetos de pesquisa inovadores do Polo
Industrial, associada aos critérios de sua avaliação final.
É bom lembrar que toda inovação, para ser considerada
como tal, deve ter sucesso de mercado ao ser implementada.
f) É importante publicar e dar maior clareza à base de
cálculo dos recursos dos 5% (e dos royalties do petróleo e
hidroeletricidade) que devem ser aplicados em P&D . Como
também divulgar os convênios entre as empresas e institutos
de pesquisa bem como dar publicidade aos critérios com que
são periodicamente fiscalizados em sua execução.
g) Os investimentos do FNDCT – CT AM e dos royalties
deveriam ser orientados de modo coordenado com os
recursos dos incentivos da Suframa, e os investimentos em
infraestrutura do PAC ( Plano de Aceleração do Crescimento),
de modo a definir prioridades comuns e prover recursos
humanos e infraestrutura de laboratórios necessária para
sua efetiva implementação. Sempre levando em consideração
as premissas que os incentivos têm por objetivo ampliar a

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396 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

participação inovadora local no processo produtivo básico


das indústrias e ampliar a participação da engenharia local
na realização das grandes obras do PAC, além de contribuir
para elevar o IDH da região.
h) A formação de recursos humanos em todos os níveis de
especialização é processo que exige tempo e rigor nos padrões
de excelência das instituições formadoras. Não há exemplo
de sucesso na formação de quadros técnicos funcionais
apenas às demandas ‘operacionais’ das empresas. Os jovens
estudantes devem ser formados segundo padrões com
níveis internacionais de qualidade (ver o caso do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos PISA, promovido
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, OCDE). Qualquer atalho retarda a qualificação
do sistema e não forma os profissionais com níveis adequados
para responder aos desafios da competitividade da indústria
moderna.
i) Os institutos universitários formadores de recursos humanos
devem se guiar por padrões de excelência e competir no
cenário nacional com as instituições congêneres. A 77ª
posição da UEA e a 40ª da UFAM no cenário nacional (Folha
de S. Paulo de 8 setembro 2014) atestam grave distorção no
sistema de formação dos quadros técnicos no Amazonas,
particularmente se levarmos em consideração que estão
instalados em um ambiente industrial que movimenta 80
bilhões de reais por ano e destinam recursos da ordem de um
bilhão de reais por ano para P&D e educação superior. Estas
instituições, seguindo parâmetros nacionais que associam
PIB e avaliação das universidades, deveriam ocupar um
posto entre a 10° e a 20° posição!
j) A implantação da pós- graduação no país contribuiu para o
aprimoramento das instituições de ensino e pesquisa, básica
e aplicada, e oferece parâmetros de avaliação que obedecem
a critérios validados internacionalmente. As instituições de
formação de recursos humanos, pesquisa e desenvolvimento
da área da Suframa e em geral da Região Norte (com honrosas
exceções) não ocupam boa posição nas avaliações da Capes
dos cursos de pós-graduação ou no Índice Geral dos Cursos

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 397

das Instituições de Nível Superior, o IGC, realizada pelo


INEP/MEC6.
k) Afirma-se frequentemente que as instituições de ensino e
pesquisa da área da Suframa, que recebem recursos da Lei
6.008, deveriam realizar pesquisas aplicadas, funcionais
à demanda da indústria. Um equívoco, que sob pretexto
de funcionalidade ao sistema produtivo, “que as financia”
(expressão que o parecer do TCU questiona), inibe a
criação de núcleos de pesquisa básica necessários para
subsidiar a missão de formar recursos humanos de elevada
especialização.
l) Na história da ciência e da tecnologia do país, não há
exemplos de instituições que demonstraram excelência em
pesquisa aplicada e inovação tecnológica sem ter ao mesmo
tempo promovido a pesquisa básica de fronteira pelo menos
em algumas áreas do conhecimento.
m) Trata-se de núcleos de pesquisa capazes de promover
a reprodução do sistema, estéril se apenas dedicado às
aplicações funcionais às demandas das empresas. Sabemos
que as demandas do mercado têm rápida obsolescência, e a
formação de quadros deve se preocupar em dar à formação
científica bases sólidas e princípios abrangentes de maior
durabilidade.
n) A pesquisa básica dedica-se a desvendar o funcionamento
e a organização da natureza, explorar novas áreas do
conhecimento e a ensinar o que descobre. A internet, o laser,
o transistor, as técnicas do DNA recombinante, o domínio das
reações nucleares, a descoberta das ondas eletromagnéticas ou
o uso de veneno de serpentes no controle da hipertensão não
nasceram por demanda do ‘mercado’, mas em laboratórios
dedicado à pesquisa básica.
o) As pesquisas aplicadas, por sua própria natureza, exigem
conhecimentos e técnicas que frequentemente são substituídos
por outros em breves períodos de tempo (ver por exemplo
como mudaram os comandos das máquinas-ferramentas, ou
os sistemas de sequenciamento genético, a digitalização das
máquinas fotográficas etc).
6

Disponível em <http://portal.inep.gov.br/educacao-superior/indicadores/indice-geral-de-
cursos-igc>. Acesso em: 12 jun. 2015.

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398 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

p) Cabe à pesquisa básica preocupar-se com os princípios da


ciência em cada área, conhecimentos de maior permanência
temporal no quadro científico-tecnológico. Princípios estes
fundamentais na formação sólida dos quadros técnico-
científicos necessários para promover o desenvolvimento dos
processos produtivos inovadores.
q) Comprova estas observações a recorrente menção na
Amazônia, quando se pensa na construção de instituições
de ensino e pesquisa – básica ou aplicada – de nomes como
os de O. Gottlieb na química de produtos naturais ou na
biomedicina de J. Ribeiro do Vale, ou ainda de J. Dobereiner
na microbiologia, que construíram escolas de pesquisa
básica e constituem referências obrigatórias para a pesquisa
aplicada em suas áreas.
r) Na Amazônia, onde as incógnitas científicas e tecnológicas são
muito numerosas, tanto nas áreas básicas da biodiversidade
ou da geologia, como nas aplicadas da engenharia genética,
fluvial e ambiental, ou da antropologia e das ciências
sociais, dar prioridade à pesquisa aplicada como motor de
desenvolvimento revela a grave desinformação de influentes
segmentos das elites, empresariais e políticas, sobre a escolha
dos caminhos que deveríamos percorrer para promover o
desenvolvimento social e econômico (medido em IDH) da
região.
s) Uma recente publicação do BNDES (SIFFERT et al.,
2014) revela que os investimentos do banco em projetos
de infraestrutura na Amazônia, até 2020, somam mais
de R$ 100 bilhões: hidrelétricas, transporte de energia e
hidroviário, portos, eclusas, gasodutos, exploração mineral,
estradas, ferrovias.
t) No entanto, nada se fala nos documentos mencionados
anteriormente preparados pelo CGEE, com a colaboração
das Secretarias de Ciência e Tecnologia, dos modos de
participação da engenharia local para o projeto e construção
destes equipamentos de infraestrutura ou da formação
técnica necessária para que isso ocorra.
u) Basta citar, como exemplo, o fato de não se cogitar a neces­
sidade de construir um banco de sementes e microrganismos
capaz de armazenar amostras da biodiversidade sempre

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 399

mencionada, mas pouco estudada, ou um tanque fluvial de


provas fundamental para orientar a engenharia de construção
de portos, projetar barcos adequados ao transporte de cargas
em rios turbulentos, cujos níveis se elevam anualmente de
10 a 15 metros. Ou ainda permitir estudos de modelagem
do escoamento complexo das águas e do movimento dos
sedimentos dos rios.
v) Os investimentos e financiamentos do BNDES, da ordem de
R$ 100 bilhões para os próximos dez anos, para os projetos de
infraestrutra do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento)
poderiam estar vinculados (dedicando 5% do volume total de
recursos) a investimentos em P&D voltados ao apoio a projetos
de grande porte (eclusas, hidrelétricas de baixo impacto
ambiental em regiões de floresta etc.), para que efetivamente
contribuam para o desenvolvimento tecnológico da região,
evitem desastres ambientais e permitam que se forme e
fixe uma ‘massa crítica’ de competência capaz de promover
a produção de conhecimento sobre as riquezas biológicas,
sociais, culturais, ambientais e minerais da região.
w) Entretanto, o próprio BNDES administra o Fundo Amazônia
que financia projetos de P&D em conservação ambiental
e conhecimento da biodiversidade na Região Amazônica
e contribui com recursos de mais de R$ 500 milhões por
ano. Para estimar o volume de recursos investidos em P&D
na Região Norte, deveríamos somar a eles também os
investimentos em pesquisa do MEC e Capes nas universidades
e institutos, do Ministério da Saúde, da Defesa e de outros
ministérios. O desafio político maior é promover uma atuação
coordenada, dos diferentes órgãos de governo de fomento
às ações em P&D, com o Ministério de Ciência, Tecnologia
e Inovação, de modo que esses recursos contribuam para o
efetivo desenvolvimento da região.

Ciência, tecnologia e inovação


e o Polo Industrial da Zona Franca
Na mencionada publicação do BNDES, encontram-se alguns
gráficos que indicam respostas à pergunta: Contribuíram os incentivos
fiscais para promover a P&D de modo a oferecer às indústrias do PIM
(Polo Industrial de Manaus) a possibilidade de incluir no PPB crescente

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400 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

volume de insumos desenvolvidos localmente? Contribuíram para


melhorar os salários dos trabalhadores do Polo Industrial de Manaus?
Alguns gráficos de um dos artigos (LACERDA et al., ANO)7 do
livro retratam a evolução do faturamento, importações e exportações,
aquisição de insumos locais (nacionais):

Figura 1. Evolução do faturamento do complexo eletroeletrônico e do PIM


entre 1988 e 2012 em bilhões de dólares.
Fonte: Siffert et al. (2014, p. 170).

Figura 2. Importações do complexo eletroeletrônico e do PIM.


Fonte: Siffert et al. (2014, p. 170).

7
Flavia das Chagas Lacerda et alii. Atuação da Área Industrial do BNDES na Região Norte:
ações de fomento em torno das potencialidades locais.

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Capítulo 15 • Ciência e tecnologia no Amazonas 401

Figura 3. Exportação em % do faturamento exportado do complexo


eletroeletrônico e do PIM.
Fonte: Siffert et al. (2014, p. 171).

Figura 4. Aquisição de insumos locais do complexo eletroeletrônico e do PIM.


Fonte: Siffert et al. (2014, p. 172).

Observa-se nos gráficos 1, 2, 3, 4, que a evolução dos itens


retratada, ao longo de 24 anos, não sofreu significativas alterações, o
que pode indicar que a política de incentivos à P&D não correspondeu
às expectativas de promover a crescente participação dos recursos
humanos especializados locais e dos insumos e processos desenvolvidos
localmente. A mesma publicação 7, pag 170, indica que os salários dos
trabalhadores do PIM também não receberam no mesmo período
melhoras significativas.

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402 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Mais duas razões para repensar a Política de Ciência e Tecnologia


e Inovação para a Região Norte, particularmente na área de influência
da Suframa, e reconhecer ao TCU o mérito de ter apontado, em tempo,
ambiguidades e fragilidades no zelo com que preciosos e volumosos
recursos público-privados foram despendidos ao longo de décadas,
na promoção de projetos de P&D. Fragilidades que uma nova política
deveria corrigir.
A área de P&D tem se revelado estratégica no desenvolvimento
das nações e das regiões, e o fato de contar com uma legislação que
destina a seu desenvolvimento significativos recursos (considerada
importante conquista da Política de Ciência e Tecnologia na época
de sua formulação) é uma oportunidade que raramente se repete na
história. Seria imperdoável perdê-la.
A história é severa quando o silêncio prevalece.

Referências
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria TC
004.377/2010-9. Brasília, 2012.

LACERDA, Flavia das Chagas et al. Atuação da área industrial do BNDES na


região norte: ações de fomento em torno das potencialidades locais. Rio de
Janeiro: BNDES, 2014.

SIFFERT, N. et al. Um olhar territorial para o desenvolvimento: a Amazônia e


a atuação do BNDES. Rio de Janeiro: BNDES, 2014.

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Capítulo 16

Imensidão amazônica:
ciência e vida de
Samuel Benchimol
Lillian Alvares
Jaime Benchimol

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404 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Prefácio1
O futuro não acontece por si mesmo. O seu fabrico
é produto de ação planejada, da inovação, da iniciativa
privada, do desejo político e da sociedade para criar um
horizonte de vida, trabalho e bem-estar, que contemple a
todos sob o pálio da justiça e da fraternidade. A Amazônia
deve estar de braços e olhos abertos para receber esse
futuro.
(BENCHIMOL, 2012)

Nas páginas a seguir, a professora Alvares faz no artigo “Imensidão


Amazônica: Ciência e Vida de Samuel Benchimol”, o que considero
ser a melhor e mais completa síntese da obra do professor Benchimol,
segmentando-a cronologicamente para facilitar a compreensão do
leitor e a permitir a sua contextualização histórica.
A Amazônia foi a grande paixão intelectual de Benchimol,
que a ela dedicou a totalidade de seus 32 livros e mais de 70 artigos.
Suas publicações sobre a região tiveram escopo extremamente amplo,
incluindo, mas não se limitando às áreas de economia, sociologia,
antropologia, geografia, história e ecologia. Ainda assim, diante de
tão vasta contribuição, é possível destacar cinco conceitos centrais que
permeiam o seu pensamento e a sua obra, que comento brevemente
nos cinco parágrafos seguintes.
O primeiro apresenta os quatro paradigmas fundamentais para
projetos de desenvolvimento da Amazônia: ser economicamente viáveis,
ecologicamente adequados, politicamente equilibrados e socialmente
justos. Essas visões representam, na minha opinião, o equivalente
ao balanced scorecard da sustentabilidade da região. Os paradigmas
estabelecem os fundamentos para balizar macropolíticas públicas para
a Amazônia sugerindo critérios que permitem filtrar e enquadrar
projetos como sustentáveis.
O segundo conceito trata do fato de que a busca da vocação para
a nossa região deve colocar o homem no centro, e não à margem, da
equação e de nossas preocupações. Em seu livro “Zênite Ecológico
1
O prefácio foi escrito por Jaime Benchimol, empresário, filho do Professor Samuel
Benchimol. Mestre em Administração pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e lecionou
Microeconomia e Economia Monetária por 10 anos na Universidade Federal do Amazonas.
Desde 1996 é presidente das empresas Bemol e Fogás, ambas cofundadas por seu pai Samuel
Benchimol. Participa também dos conselhos da Uninorte, Sindigás, Câmara de Dirigentes
Lojistas de Manaus, Comitê Israelita do Amazonas e Prefeitura de Manaus.

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 405

e Nadir Econômico e Social”, Benchimol resume seu desconforto


com um mundo bipolar que exibe a dissociação entre a sociologia
e a ecologia, entre o homem e os recursos naturais. Segundo ele,
políticas públicas maniqueístas desconsideram a interdependência
do homem com a natureza e assim, têm retirado progressivamente
a base econômica de sustentação de grande parte das populações do
interior da região com a criação de numerosas restrições ambientais
que têm promovido o empobrecimento, falta de perspectivas e o êxodo
do homem do interior, mesmo daqueles engajados em atividades de
baixo impacto ambiental. O movimento ambientalista, a despeito de
seus méritos de preservação de recursos e preocupação com o futuro,
tem desconsiderado a presença e os direitos de sobrevivência de quase
25 milhões de habitantes da Amazônia.
Em 1990, com a publicação do artigo “O Imposto Internacional
Ambiental e a Poluição Nacional Bruta”, temos o terceiro conceito:
iniciaram-se as discussões sobre a necessidade de as economias e
agentes econômicos geradores de poluição e de carbono compensarem
financeiramente aqueles que renunciam ao direito de usufruir de
seus recursos naturais para preservar o meio ambiente para as
futuras gerações do planeta. O Estado do Amazonas, que conservou
intactos cerca de 97% do seu 1,5 milhão de quilômetros quadrados de
floresta original, por exemplo, merece ser compensado pelos “serviços
ambientais” (fixação de carbono, regulação do ciclo das águas,
conservação do patrimônio biogenético da fauna e flora, etc.) que
presta aqueles que poluem o meio ambiente ou utilizam um modelo
de desenvolvimento emissor de carbono na atmosfera. O conceito
de compensação entre poluidores e conservadores da natureza foi
apresentado por Benchimol, com destaque, na Eco 92 no Rio de Janeiro,
e desde então tomou a forma de créditos por redução na geração de
carbono e nas taxas de redução de desmatamento das florestas.
Benchimol argumenta repetidamente em sua obra, sobre o quarto
conceito, que a Amazônia é vasta e diferente demais para ser considerada
uma só. A sua geodiversidade, biodiversidade e ecodiversidade são tais
que necessitamos estudá-las, segmentá-las e compreendê-las para assim
promovermos ações e políticas em harmonia com suas verdadeiras
vocações. A adoção em 2012 de um novo código florestal para o Brasil
que desconsidera as grandes diversidades amazônicas é uma evidência
recente de quanto o país desconhece a região, ignora seus sistemas
ambientais, desperdiça seu potencial e desconsidera as necessidades de
seus habitantes.

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406 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Por último, o “Estatuto do Amazônida” (uma analogia ao


majestoso poema “Estatutos do Homem” do amazonense Thiago de
Mello) representa quase uma síntese do pensamento de Benchimol,
e por isso a professora Lillian Alvares o transcreveu integralmente
ao final do seu texto. Nele, Benchimol faz considerações sobre a
grandeza, continentalidade e importância da Amazônia para o
Brasil e para os brasileiros, destacando o seu rico potencial natural e
humano. Os “Estatutos” atribuem direitos e obrigações aos habitantes
da Amazônia de usufruírem desse potencial de forma responsável;
de realizarem investimentos em infraestrutura que permitam o
desenvolvimento de suas comunidades e economias; de buscarem a
educação, a ciência e o conhecimento; de protegerem as populações
indígenas assegurando-lhes suas terras e manutenção de suas
identidades culturais; de reagirem contra a intervenção internacional,
mas aceitarem a cooperação legítima e bem intencionada de cientistas
e instituições estrangeiras. Trata-se de um chamado para construirmos
com trabalho e responsabilidade o nosso próprio futuro.

Apresentação
Não é possível sintetizar a grande obra de Samuel Benchimol.
Este artigo tenta trazer brevemente 60 anos dos resultados de seu
trabalho. Começa nos anos 1940, nos quais a característica mais
significativa foi seu amadurecimento intelectual: formação, primeiras
pesquisas e a realização do mestrado nos Estados Unidos. Prosseguindo
a análise, vêm os anos 1950, quando o conhecimento em Direito
advindo da graduação e o conhecimento em Economia oriundo do
mestrado capacitaram-no ao título de doutor na Faculdade de Direito
do Amazonas. Nessa década firma-se como professor e pesquisador.
Nos anos 1960 seus interesses são ampliados. A Amazônia já não é
mais vista apenas por uma perspectiva econômica, mas adquire
toda a dimensão humana, cultural, geográfica, biológica, política,
antropológica e social. A década de 1970 faz surgir o grande cientista-
humanista, quando sua primeira marcante publicação vem à luz:
“Amazônia: um pouco-antes e além-depois”. Era apenas o começo da
extensa aventura que ainda o aguardava.
Nos anos 1980, consolida sua posição de profundo especialista
na Região Amazônica, e com ela, a repercussão do seu trabalho. São
inúmeros artigos e participações em todo tipo de evento que trata de
pensar o futuro da Amazônia. A essa altura, seu nome já é referência

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 407

no Brasil e no exterior. Chegamos aos anos 1990. Aos 67 anos emerge


o gigante, o magnífico pensador da Amazônia que, só nessa década,
produziu 17 livros, sem contar as reedições, folhetos e artigos. Aqui
está o melhor de seu trabalho: “Amazônia: a guerra na floresta”;
“Romanceiro da batalha da borracha”; “Eretz Amazônia: os judeus na
Amazônia”; “Amazônia: quatro visões milenaristas e o excepcional”;
“Amazônia: formação social e cultural”. Os anos 2001 e 2002, ocaso
de sua vida, estão longe de trazer consigo o enfraquecimento criativo.
Ao contrário, escreve “Zênite ecológico e nadir econômico-social:
análises e propostas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”,
obra totalmente criada na Clínica Mayo e uma de suas mais marcantes
produções.
O impacto e a importância das obras de Samuel Isaac Benchimol
ultrapassaram as fronteiras nacionais e alcançaram o mundo. Sua
morte em 2002, aos 79 anos, deixou enorme vazio sobre a reflexão
e prospecção da região. Na esteira dessa ausência, sua obra continua
repercutindo, agora também nas novas gerações, nos novos pensadores
e nas novas políticas de desenvolvimento da Amazônia.

O amadurecimento intelectual
O amadurecimento intelectual de Samuel Benchimol começa
efetivamente no início dos anos 40. Em 1941, aos 18 anos, inicia o curso
de Direito na Faculdade de Direito do Amazonas. Concomitantemente
aos estudos de graduação, tem início sua longeva carreira docente
como professor de Geografia e História da Escola Primária Professor
Vicente Blanco.
Seus primeiros escritos caracterizam-se pela perspectiva pessoal.
“Versos dos verdes anos: poemas e haikais” escritos no período de
1942-1945 mostram a poesia contida no mestre, que se revelará
continuamente em muitas de suas obras. No mesmo ano de 1942, produz
também um relato pessoal do “Quarto centenário do descobrimento
do Rio Amazonas: diário de uma viagem pelo Rio Solimões até
Iquitos”, infelizmente, inédito. Seu conteúdo de acesso restrito trata
das impressões anotadas, dia a dia, da viagem realizada com um
grupo de estudantes de inúmeras cidades da Região Amazônica, em
comemoração ao descobrimento do Rio Amazonas por Francisco de
Orellana.
Um ano antes, em novembro de 1941, escreve “Roteiros da
Amazônia” como resultado da palestra realizada na Faculdade de

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408 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Direito de Recife a uma “entusiasmada embaixada de estudantes


amazonenses”. O conteúdo, de perspectiva histórica, mostra a
arrancada bandeirante do Planalto Paulista na marcha para o oeste,
na afirmativa de conquistar mais Brasil para o Brasil. Para valorizar
ainda mais esse movimento, Benchimol dá voz ao estudo épico-social
das Bandeiras do historiador Cassiano Ricardo ao usar a perspectiva
da “conquista do oeste brasileiro”, sobretudo pelo grupo nordestino.
Argumenta que, embora o deslocamento social tenha sido motivado
pelo clima que expulsou o homem da caatinga e a promessa econômica
da borracha, o conjunto de atrativos desprezava que, de fato, a região
era inóspita, confirmado com “cem mil vidas batendo à porta da selva
e sem ninguém para abrir”. No futuro, essa questão seria retomada no
clássico “Romanceiro da batalha da borracha”, de 1992.
Em 1946, marcas e impressões do período de estudante superior,
vividas entre 1941 e 1945, traduzidas no relato de expectativas
e compromissos profissionais que o aguardavam, produziram
“O bacharel no Brasil: aspectos de sua influência em nossa história
social e política”. Sua carreira docente mantém-se ativa, e entre 1943
e 1946 ministra a disciplina Economia e História Econômica do Brasil
na Escola Técnica de Comércio Sólon Lucena. Em 1946 ingressa como
docente de ensino superior na Faculdade de Direito do Amazonas, aos
23 anos, como professor substituto da disciplina Introdução à Ciência
do Direito.
O convívio no ambiente acadêmico influenciou o jovem
pesquisador Samuel a investigar e relatar em 1944 suas inquietações
sobre o cearense na Amazônia. O texto trata da imigração do
nordestino, em especial do cearense, quando e em que condições isso
ocorreu. Mostra que a Amazônia originou-se à imagem do cearense e
da seringa, chaves da formação social e econômica, devido à arrancada
sertaneja para a região. Esse trabalho mereceu a medalha de prata do
Prêmio José Boiteux, concedido pela Sociedade de Geografia do Rio
de Janeiro (SBRJ), por ocasião do X Congresso Brasileiro de Geografia,
com a presidência de honra de Getúlio Vargas. Cabe notar, do conjunto
de pareceres aos textos enviados ao Congresso, o que diz um dos
pareceristas sobre o conteúdo: “pelo original, magnífico e profundo
trabalho de antropogeografia e sociologia que nos ofereceu [...] pelo
documentário cujo valor impõe seja registrado naquela publicação,
quer pelo patriotismo e alto objetivo que o nortearam”.
Com os extraordinários resultados alcançados nesse trabalho,
com apenas 21 anos, realizou a pesquisa “O aproveitamento das

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 409

terras incultas e a fixação do homem ao solo”, publicada no Boletim


Geográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e
também apresentada no XVII Conferência Distrital dos Rotary Clubes
do Brasil, ambos em 1946.
Após essas iniciativas bem-sucedidas, Samuel Benchimol perce­
beu-se apto a avançar nos estudos e realiza sua primeira pós-graduação.
Entre os anos de 1946 e 1947, ele cursa o Mestrado em Economia na
Miami University, em Oxford, Estado de Ohio, universidade pública,
fundada em 1809.
Sua dissertação de mestrado trata do crescimento da cidade de
Manaus (“Manaus: The growth of a city in the Amazon Valley”). Traz
o cenário econômico e geográfico da Amazônia do ponto de vista da
sua condição social e ecológica, e os resultados dessa realidade para o
desenvolvimento da cidade de Manaus. Em grau menor, sua pesquisa
de mestrado também incide sobre a Sociologia, dando-lhe competência
e legitimidade para lecionar o tema na Escola de Enfermagem do
Amazonas.

De volta ao Brasil
De volta ao Brasil, o conhecimento em Direito advindo da
graduação e o conhecimento em Economia oriundo do mestrado
capacitaram-no ao título de doutor pela Faculdade de Direito do
Amazonas, defendendo a tese “Ciclos de negócios e estabilidade
econômica: contribuição ao estudo da conjuntura”.
Os resultados do aprofundamento na matéria são imediatos.
Nos anos que se seguiram lecionou Introdução à Economia; Introdução
à Economia e Repartição de Renda; e Ciência das Finanças e Direito
Tributário. Escreveu seu único livro da década de 1950, “Problemas
de desenvolvimento econômico: com especial referência ao caso
amazônico”, e firmou-se como professor de Economia Política e
Introdução à Economia nas duas décadas seguintes (1954-1974).
Coexiste com o mestre e doutor em Economia o empresário,
presidente da Bemol desde 1942 e diretor da Associação Comercial
desde 1945. Essa condição, própria dos homens empreendedores e
arrojados, veio à luz com a publicação “O Banco do Brasil na economia
do Amazonas”.
À singularidade de sua formação, seguiram-se a vivência e qua­
lidades já a ele atribuídas de especialista na árida temática econômica,

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410 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

a importante condição de presidente e relator da Subcomissão de


Crédito e Comércio, da Comissão Coordenadora dos Subsídios do
Estado do Amazonas para o Plano Quinquenal da Valorização da
Amazônia de 1954, quando apresentou o relatório “Planejamento do
crédito para a valorização da Amazônia: situação histórica e atual do
crédito no Amazonas, política de crédito necessária à mobilização, e
medidas complementares e colaterais”.

Ampliação do interesse
Samuel Benchimol experimenta atividade intelectual moderada
do início até meados dos anos 1960. Firma-se como professor de
Economia Política e de Introdução à Economia na Faculdade de
Direito do Amazonas e na Faculdade de Estudos Sociais. O momento
de estabilidade o conduz à reflexão, e de fato, aponta novos rumos ao
pensador.
A nova abordagem sobre a Amazônia, ampliada, acomoda-se
durante a primeira conferência que Samuel Benchimol profere.
A bordo do navio Lauro Sodré, dirigindo-se aos alunos da Escola
Naval de Guerra em 1969, ele apresenta as 12 variáveis independentes
e 49 opções estratégicas para o desenvolvimento da Amazônia, em
uma palestra intitulada “Variáveis e opções estratégicas para o desafio
amazônico”.
No final dos anos 60, precisamente em 1968, Benchimol publica
“Política e estratégia na grande Amazônia brasileira”, tornando claro
que sua avaliação de Amazônia não estará limitada a esta ou aquela
matéria, mas sim ao todo, ao conjunto de saberes sobre a Amazônia
que, na década seguinte, dos anos 1970, não de torna-lo profundo
especialista no tema.

Consolidação do cientista-humanista
Os anos de 1970 estabilizam verdadeiramente o interesse do
pesquisador. São lançados seis livros, dos quais se destaca “Amazônia:
um pouco-antes e além-depois”. A obra recebeu a segunda edição em
2010. Seria esse seu livro mais marcante? Do meu ponto de vista, um
dos mais expressivos. O maior está por vir, no final da década de 1990.
A curiosa análise que se faz do ponto de vista pessoal é: quando
Samuel escrevia? Como ele pode escrever 6 livros com média de
384 páginas cada um, entre 1977 e 1979, considerando que nessa

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 411

época a Bemol estava em fase de consolidação como grande empresa


e precisava tanto de seus fundadores? A única resposta possível está
no amor, na motivação e na dedicação com os quais se comprometia
com as coisas em que acreditava, e pelas quais trabalhou e estudou,
notabilizando-o de fato como forte personalidade no desenvolvimento
da Amazônia.
No final da década, Samuel Benchimol dedicou-se a tratar do
“Pacto amazônico e a Amazônia brasileira”, um folheto de 43 páginas
que lança as bases para a apresentação em 1979 de uma oikopolítica
para a Amazônia. Tal neologismo tenta caracterizar uma nova ciência
política interdisciplinar nascendo entre a fronteira da economia e
da ecologia, a fim de motivar o exaustivo trabalho de mensuração
e modulação realizado pelo autor, sobretudo para o entendimento,
desenvolvimento estratégico e modelamento econômico da região.

Repercussão da produção intelectual


A característica dos anos 1980 para Samuel Benchimol é a
repercussão do seu pensamento. Alguns eventos tornam-se particular­
mente marcantes para ele, como o Congresso de Americanistas
(International Congress of Americanists ou Congreso Internacional de
Americanistas). Foram ao todo seis participações, que tiveram início no
final dos anos 1980, com trabalhos relevantes sobre suas descobertas e
reflexões.
Outro destaque foi sua participação nos eventos da Fundação
Joaquim Nabuco, nos Seminários de Tropicologia, quando apresentou
“A floresta tropical úmida: aspectos ecológicos” (1981), “Grupos
culturais na formação da Amazônia brasileira e tropical” (1985);
“Trópico e meio ambiente” (1990) e “Eco-92: borealismo ecológico
e tropicalismo ambiental” (1992). No evento de 1985 conheceu
Gilberto Freyre, um dos mais renomados sociólogos do século XX,
que o reconheceu como o maior especialista na Região Amazônica
dentre os brasileiros. Em contrapartida ao elogio, Benchimol publicou
“O encantamento de Gilberto Freyre”, no qual mostra que esse grande
brasileiro, escritor que se dedicou à interpretação do Brasil sob os
ângulos da sociologia, antropologia e história, ficou fascinado pela
Amazônia. Cabe ressaltar que, nessa altura, o trabalho de Samuel
Benchimol já tinha alcançado tal envergadura, que seu nome era
conhecido e respeitado no país e no exterior.

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412 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Foram seis livros durante toda a década, de 1981 até 1989.


“Amazônia legal na década 70/80: expansão e concentração demográfica”
(1981); “Amazônia: andanças e mudanças” (1981); “Amazônia fiscal: uma
análise da arrecadação tributária e seus efeitos sobre o desenvolvimento
regional” (1988); “Manual de introdução à Amazônia: programa,
bibliografia selecionada, notas, mapas, quadros, material de leitura
para análise, crítica e reflexões” (1988 e reeditado em 1996); “Amazônia:
planetarização e moratória ecológica” (1989). O livro “Zona Franca de
Manaus: a conquista da maioridade”, de 1989, foi publicado em edição
bilíngue (“The Manaus Free Trade Zone: Coming of Age”). Entre esses,
destaca-se o “Manual de introdução à Amazônia”. Denso, é o resultado
da sua experiência docente na disciplina “Introdução à Amazônia”.
Da perspectiva pessoal, Samuel manteve-se fiel às suas tradições
e publicou em 1985 “Cobras e Buiuçus na Praça dos Remédios”, um
folheto de 20 páginas, que evidencia uma de suas facetas no legado ao
ensino e à pesquisa: a metodologia de estímulo ao aprendizado por ele
criada chamada Ordem do Mérito aos Cobras e Buiuçus, concedida aos
mais inteligentes e mais dedicados alunos da turma em determinado
semestre letivo.

O surgimento do gigante
A década de 1990 é a consagração plena do mestre, do
empresário, do pesquisador, do cientista. Aos 67 anos está para ter
início a maior produção científica e intelectual de Samuel Benchimol.
Toda a sabedoria, todo o conhecimento, toda a imensidão amazônica
estará contida nas páginas dos 17 novos livros por vir.
Em toda sua vida, Benchimol publicou 32 livros. Desses, mais
da metade (53%) foram nessa década. Podemos classificá-los de
acordo com as seguintes categorias. A primeira, como outrora, traz a
perspectiva pessoal. Em 1993 retrata sua experiência empreendedora
e pioneira na obra “Grupo Empresarial Bemol/Fogás: lembranças e
lições de vida” e “Manáos-do-Amazonas: memória empresarial”.
O segundo grupo refere-se às políticas fiscais e à tributação.
São eles: “Tributos na Amazônia: tesouro federal, seguridade social,
fazenda estadual”; “Fisco e tributos na Amazônia”; “Amazônia fiscal
1994: bonança e desafios”; “Amazônia 95: paraíso do fisco e celeiro
de divisas”; “Amazônia 96: fisco e contribuintes”, e “Zona Franca de
Manaus: pólo de desenvolvimento industrial”.

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 413

O terceiro grupo trata de comércio exterior. As obras são:


“Exportação e exportadores da Amazônia Legal em 1994”; “Exportação
da Amazônia Brasileira 1995/1994”; “Exportação da Amazônia
Brasileira e Comércio exterior da Amazônia Brasileira”.
O quarto grupo traz suas grandes obras, aquelas que selaram
sua passagem para o exímo pensador, cientista e especialista da
Amazônia. Aquelas que são referência de estudo e aprendizado a
todos que se iniciam ou se aprofundam em estudos amazônicos. São
elas: “Amazônia: a guerra na floresta”; “Romanceiro da batalha da
borracha”; “Navegação e transporte na Amazônia”; “Eretz Amazônia:
os judeus na Amazônia e o excepcional”; “Amazônia: formação social
e cultural”.
“Amazônia: a guerra na floresta” foi lançado em 1992 e reeditado
em 2011. A obra inicia localizando a Região Amazônica na riqueza
encontrada no espaço entre os trópicos de Câncer e Capricórnio.
O autor assegura que somente compreendendo a diversidade dessa faixa
intertropical, que inclui extensa variedade de geomorfologia, clima,
cultura e biologia, pode-se compreender a totalidade da Amazônia.
Ainda em 1992, o “Romanceiro da batalha da borracha” tem
como fio condutor breves trechos do “Velho Testamento”. É como
a recordação estimulada sobre a composição tríade do homem
da Amazônia: atavismo, preservação e desenvolvimento. Contém,
delicadamente, depoimentos ou cânticos dos soldados da borracha,
na maior diáspora vista a partir do Ceará para o exílio amazônico,
referindo-se aos Ciclos da Borracha I e II. São personagens e expressões
de denso valor sociológico e humano que Benchimol conseguiu captar.
“Eretz Amazônia: os judeus na Amazônia” recebeu duas edições
em 1998 e a terceira em 2008. A obra dedica especial atenção às quatro
gerações de judeus na Amazônia e mostra como o Brasil tornou-se a
maior nação judaica do mundo com cerca de 16 milhões de judeus e
cristãos-novos.
“Amazônia: quatro visões milenaristas” reúne os trabalhos de
1993 a 1998 que tratam dos modelos de desenvolvimento da região.
O primeiro, chamado “Modelo Amazonense de Desenvolvimento”
é baseado em incentivos fiscais e uso intensivo de alta tecnologia,
mas para Benchimol, destituído de nexos fortes com os recursos
naturais e humanos disponíveis. O segundo, “Modelo Paraense de
Desenvolvimento”, é mais realista – caracterizado pelo uso de recursos
minerais, hidrelétricos, florestais, agropecuário e pesqueiro –entretanto,

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414 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

traz alterações ostensivas aos ecossistemas primitivos. Ao longo


do percurso, o autor percebe um terceiro modelo em formação, o
chamado “Modelo Ambientalista”, segundo o qual o mundo inteiro
deveria pagar pelo não uso ou pouco uso da floresta e demais recursos
da Amazônia. Para ele, é um modelo de sustentabilidade duvidosa
do ponto de vista econômico, social e político, pois o mundo não
está preparado para pagar as despesas ambientais inseridas nos bens
produzidos segundo as normas e os parâmetros da ISO 14.000, nem
nos custos de santuarização e planetarização amazônica.
A última contribuição de Benchimol da década é “Amazônia:
formação social e cultural”. Lançada em 1999, teve a segunda
edição em 2008 e a terceira em 2009. Nela, o extenso legado sobre
o conhecimento amazônico de Samuel Benchimol traz extraordinário
estudo antropológico sobre a formação da sociedade amazônica.
A memória empresarial dos pioneiros foi documentada
magistralmente, registrando dados do período e histórias de como a
região conseguiu atrair considerável número de empresários de todas
as partes que buscavam (e ainda buscam) suprir a população de bens
e serviços com alto nível de competitividade em inúmeros segmentos
econômicos. Nesse aspecto, o livro demonstra que os únicos povos que
se mantiveram na pobreza foram os índios e os caboclos da região.
Os estrangeiros, incluindo italianos, sírio-libaneses e japoneses que
aportaram, prosperaram fazendo da região foco de desenvolvimento
de ciência e de tecnologia, de indústria e de agricultura, e atualmente
da biotecnologia tropical na trajetória do crescimento sustentável
combinando o uso dos recursos, a preservação dos ecossistemas e o
crescimento econômico.
Para encerrar sua participação em livros nessa década, destaco
o capítulo escrito para uma conceituada publicação para o país,
organizada pelo então ministro do Tribunal Superior do Trabalho,
Almir Pazzianotto Pinto. Intitulado “O livro da profecia: o Brasil no
terceiro milênio”, Benchimol escreve “A Amazônia e o terceiro milênio:
antevisão”.
A coleção “Manáos-do-Amazonas” foi concebida em três volumes.
O primeiro para apresentar a memória empresarial, quando o autor
descreve os pioneiros, tipos, personagens e líderes do empreendedorismo
na região: do comércio, da produção, da indústria e dos serviços. Esse
volume foi efetivamente o único a circular, em produção luxuosa, que
servirá de “memento, memorando e memorial”. Os volumes dois e

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 415

três jamais foram lançados, apesar de planejados. Ao segundo volume,


Benchimol estimou tratar da memória geoeconômica e política dos
quatro ciclos econômicos: o apogeu da borracha (1890 a 1910), a
crise e depressão (1911 e 1941), o ressurgimento a partir dos Acordos
de Washington, da Batalha da Borracha e da SPVEA (1942 a 1946)
e finalmente, a Zona Franca de Manaus, que se inicia em 1967, cujo
período áureo foram os anos da década de 1980. No terceiro volume
pretendia versar sobre a memória social e cultural de Manaus, com
a análise da influência dos diferentes grupos étnicos, culturais e
sociais que formaram a massa crítica da população amazonense, com
as suas contribuições, valores e identidades que abrangem a extensa
sociodiversidade dos grupos índios nativos, os migrantes nordestinos
do Brasil e mais aqueles provenientes do exterior.
Nesse período, sua participação nas comissões do Legislativo é
significativa. Escreve e apresenta os seguintes relatórios: “Africanização
econômica e balkanização ecológica da Amazônia” para a Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre a Internacionalização da Amazônia
da Câmara dos Deputados (1991); “Amazônia: crise no erário e na
economia” para a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (1992);
“Fatores atuais dos desequilíbrios e alternativas de desenvolvimento na
Amazônia Ocidental” para a Comissão Mista do Congresso Nacional
para o Estudo do Desequilíbrio Econômico Inter-Regional Brasileiro
(1992).
Em 1998 encerra sua carreira de professor, de presidente do
Grupo Bemol/Fogás e de diretor da Associação Comercial do Amazonas.
Naquele momento, como reconhecimento pelo seu valoroso esforço
acadêmico, recebe o título de Professor Emérito da Universidade
Federal do Amazonas.

O outono criativo
Os anos 2000 iniciam com a aula de despedida, saudade e
exortação na Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas. Em
2001, aos 78 anos, participa na Argentina do International Conference
on Essential Oils and Aromas, quando apresenta “Production of
brazilian rosewood oil, copailba balsam and tonka Beans”. No ano
seguinte, lança o último livro, “Desenvolvimento sustentável da
Amazônia: cenários, perspectivas e indicadores”, resultado de uma
palestra para o Seminário sobre o Potencial Econômico e Tributário
da Amazônia, realizado em Belém.

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416 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Também em 2001 surge “Zênite ecológico e nadir econômico-


social: análises e propostas para o desenvolvimento sustentável da
Amazônia”, lançado em 2001 e em segunda edição em 2010. O livro
revela a partir dos problemas e da singularidade amazônica, a
metáfora geoastronômica para mostrar a situação do apogeu ecológico
e perigeu econômico da região. O zênite ecológico seria então a parte
mais alta da esfera celeste, livre de poluição e degradação. Na esteira
desse conceito, as mudanças que deveriam haver na sociedade e na
economia para que a vida no planeta alcançasse condições ambientais
cujo legado a gerações futuras não estivesse comprometido. O nadir
econômico-social é, em contraposição, o resultado negativo da
combinação de fatores climáticos, metereológicos, de ordem espiritual
e religiosa, racial e de gênero, distância e isolamento que geraram baixa
produtividade das empresas, criações animais sem reconhecimento
de qualidade, manejo florestal inadequado, uso indiscriminado do
fogo, desmatamento, dificuldade em sair da pobreza, analfabetismo
formal e informal e políticas inadequadas. A edição de 2010 traz uma
novidade: incorpora ao texto o Estatuto do Amazônida, elaborado – e
muito caro a Benchimol – para a Conferência do Meio Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas no Rio de Janeiro em 1992.

Considerações finais
A antologia amazônica de Samuel Benchimol é única. Seu
esforço intelectual contribuiu vivamente para compreender um pouco
de toda a imensidão amazônica. Vibro ao ver citações de sua obra em
vários idiomas. As pesquisas em desenvolvimento regional, formação
econômica e territorial da Região Amazônica por todo o país trazem
inúmeras citações de seu trabalho. Sua obra é a Amazônia impressa,
em toda sua magnitude.
Pesquisador e Professor Emérito da Universidade Federal do
Amazonas, Samuel Benchimol surpreende não apenas pela amplidão
e domínio com que apresenta os temas relativos à Amazônia, mas
também como venceu os desafios paulatinamente até tornar-se o
excepcional educador e empresário que foi. Sua trajetória é referência
às novas gerações, pois sua vida é repleta de ensinamentos, de vitórias
e de intensos desafios.
Do amazônida apaixonado, conhecemos também o humanista
de vasta formação cultural, que se orgulha de pertencer a essa faixa
de terra, comparando-a com outras e destacando as potencialidades

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Capítulo 16 • Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol 417

e qualidades daqueles que aqui habitam. A constelação de livros,


folhetos, artigos, relatórios que ele produziu confirma a grandiosidade
do homem que viveu pela Amazônia e que dedicou sua inteligência a
estudar a realidade da região mais rica em biodiversidade do planeta.

Referências
BAZE, Abrahim. Samuel Isaac Benchimol: ensaio biográfico de um educador e
empresário. 2. ed. Manaus: Valer, 2012.

EVANGELISTA, Helio de Araujo. Congressos brasileiros de geografia. Revista


Geo-Paisagem online, Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, jan/jun 2003. Disponível em
<http://www.feth.ggf.br/congresso.htm>. Acesso em:24 jun. 2013.

FARIAS, Elson. Nova terra da promissão: a Amazônia de Samuel Benchimol.


Manaus: Valer, 2010.

MARCOVITCH, Jacques. Pioneiros e empreendedores: a saga do


desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo
(Edusp), 2007. v. 3.

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Capítulo 17

Ciência e políticas públicas


para o desenvolvimento
da Amazônia: homenagem
a Bertha K. Becker1
Ima Célia Guimarães Vieira
Roberto Araújo O. Santos Junior
Peter Mann de Toledo

1
Artigo originalmente publicado em Vieira, Santos Junior e Toledo (2013).

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420 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

A melhor homenagem que podemos fazer à querida professora


Bertha K. Becker é refletir sobre a importância de sua obra para a
Amazônia. Em janeiro de 2013, quando realizamos em sua homenagem
o I Simpósio sobre “Relações entre ciência e políticas públicas: propostas
de Bertha Becker para o desenvolvimento da Amazônia”, o professor
Francisco Costa evidenciou o desafio de discutir as contribuições de
um cientista nestes termos: “Na relação entre cientista e a política,
importa discutir a sua contribuição científica, a sua transformação em
protocolo de ação e a sua absorção como fundamento de praxis que
movem a sociedade e fazem a história” (SIMPÓSIO, 2013).
Em se tratando das contribuições de Bertha Becker, pode-se dizer
que sua reflexão teórica sobre a realidade territorial da Amazônia, a
dimensão geopolítica dessa estratégica região e as relações entre ciência
e desenvolvimento foram sempre associadas a propostas de soluções
aos problemas que afetam a região e que ameaçam de se tornar uma
“fronteira de pobreza”.
Para ela, o que identificava o saber geográfico era a possibilidade
de entender a combinação de múltiplas variáveis no território. E isso
ela fez muito bem e com rara lucidez. Sua geografia política apresenta
a Amazônia em toda a sua complexidade, revelando-a como exemplo
dos desafios enormes para a gestão sustentável do território; e, mais
do que isso, defendendo o papel estratégico do Estado brasileiro para
engendrar um novo modelo de desenvolvimento voltado à região.
Aliás, Bertha, em seu artigo intitulado “A (des)ordem global: o
desenvolvimento sustentável e a Amazônia” (BECKER, 1998), chama a
atenção para o uso do discurso do desenvolvimento sustentável como
instrumento político:
Assume-se que o desenvolvimento sustentável não se resume
à harmonização da relação economia/ecologia nem a uma
questão técnica. Representa mecanismo de regulação do
uso territorial que, à semelhança de outros, tenta ordenar
a desordem global. E, como tal, é um instrumento político.

Percebe-se, então, que o conceito de desenvolvimento sustentável


é visto pela autora como uma tentativa de ordenar o uso do território,
tendo implicações importantes para as políticas públicas planejadas
para a Amazônia.
Em seu livro “Geopolítica na virada do III Milênio” (BECKER,
2004a), as questões desenvolvidas em torno das políticas públicas para

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Capítulo 17 • Ciência e políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia: homenagem... 421

o território remetem à definição de critérios de regionalização e de


como o planejamento regional enquanto instrumento básico pode ser
usado para compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade para a
Amazônia. A defesa que ela fazia em prol da associação entre preservação
ambiental e desenvolvimento incluía a participação, empoderamento e
conscientização da sociedade nas decisões e medidas a serem tomadas
na região. Para ela, é perfeitamente possível desenvolver sem destruir
maciçamente a natureza, contemplando igualmente a articulação do
território com as populações regionais.
Em toda a obra de Becker, percebemos as principais linhas
de seus estudos, a exemplo da territorialidade como produto de
relações políticas em diversas escalas, das dinâmicas sociais e das
políticas públicas. Ao analisar o território, Becker tem a dimensão
de sua potencialidade em termos de capital humano e cultural, da
iniciativa política e do acesso às redes de comunicação e informação,
sem perder de vista as estratégias e as formas de influência das redes
políticas (BECKER, 2004b). Também se destacam em sua trajetória,
ampla e permeada de temas, a apresentação dos conflitos referentes
à conservação da biodiversidade e aos seus possíveis usos econômicos,
a problemática dos serviços ecossistêmicos e do cultivo do dendezeiro,
as mudanças no código florestal, o papel do Estado brasileiro no
planejamento regional, as relações internacionais e os compromissos
vinculados à agenda ambiental brasileira e global2.
Nossa geógrafa, ao longo de mais de 30 anos dedicados à Ama­
zônia, propõe uma estratégia fundamentada em três propostas, que
visam à utilização dos recursos da biodiversidade: o reconhecimento
da diversidade regional e da importância das cidades, a revolução
científico-tecnológica e a resolução da questão fundiária. Também
apresenta soluções para gerar trabalho e renda e subsidiar o plane­
jamento regional. Propõe, assim, um modelo que articula o complexo
verde com o complexo urbano, isto é, o uso não predatório da floresta
com cidades equipadas com serviços de consumo e de produção, e
conectadas em rede.
Em sua última apresentação pública, pronunciada na mesa de
abertura do simpósio em sua homeagem, Becker (SIMPÓSIO, 2013)
afirmou com convicção que:

2
Ver artigos, entrevistas e vídeos divulgados no blog “De Bertha Becker”, organizado com a
finalidade de difundir suas obras. Disponível em: <http://berthabecker.blogspot.com.br/>.
Acesso em: 10 jan. 2015.

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422 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Sustar o desflorestamento é imperativo, mas apenas proteção


ambiental não tem conseguido conter o desflorestamento e
nem gerar riqueza e trabalho demandados pelas populações.
O cerne do novo padrão de desenvolvimento é superar o falso
dilema entre a conservação, entendida como preservação
intocável, e a utilização, compreendida como destruição.
Produzir para Conservar é a meta para o novo paradigma
científico e tecnológico. Este novo paradigma deve ter como
base logística necessária as cidades que produzem os serviços
básicos para a cidadania e para a produção. Neste sentido,
deve-se priorizar a substituição de importações e a geração de
inovações, não somente tecnológica, mas também os serviços
ambientais e a cultura.

Nota-se em Becker uma intelectual lúcida, inquieta e compro­


metida com as questões do nosso tempo. Para Becker, o que caracteriza
um cientista é a paixão pelo que está estudando, «porque é isso que
preenche a vida». Também considerava a perseverança, a disciplina e o
comprometmento ético como fundamentais para a vida de um cientista.
Foi uma grande honra para nós ter Bertha Becker como amiga e
poder colaborar com ela em seu último e breve projeto sobre Ciência e
Políticas Públicas, no qual analisava essa relação a partir de seu próprio
caso.
Os desafios da Revolução Beckeriana, então, como bem
denominou Clement (CLEMENT et al., 2013, p. 1), ainda estão a
nos provocar – “uma verdadeira revolução científica centrada na
biodiversidade nacional e, em especial, na biodiversidade da Amazônia”.
Nesse aspecto, Becker, em seu último artigo, denominado “Amazônia:
crise mundial, projetos globais e interesse nacional (BECKER, 2012)”,
propõe renovar o quadro institucional de C&T na Amazônia, com
a criação de novos institutos de pesquisa e a integração com o setor
produtivo.
Será possível revolucionar a ciência brasileira e engendrar
políticas públicas rumo a um novo padrão de desenvolvimento para a
Amazônia, como tanto desejava Bertha Becker?

Referências
BECKER, B. K. A (des)ordem global, o desenvolvimento sustentável e a
Amazônia. In: BECKER, B. K. (Org.). Geografia e meio ambiente no Brasil. 2.
ed. São Paulo: Annablume/Hucitec, 1998. p. 46-64.

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Capítulo 17 • Ciência e políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia: homenagem... 423

BECKER, B. K. Amazônia: crise mundial, projetos globais e interesse nacional.


Revista Território, n. 16, p. 7-28, 2012.

BECKER, B. K. Amazônia: geopolítica na virada do III Milênio. Rio de Janeiro:


Garamond, 2004a.

BECKER, B. K. Uma nova regionalização para se pensar o Brasil. In:


LIMONAD, E.; HAESBART, R.; Moreira, R. (Org.). Brasil, século XXI: por
uma nova regionalização, processos, escalas, agentes/organizadores. São Paulo:
Max Limonad, 2004b. p. 11-27.

CLEMENT, C. R. Lins, J. et al. Uma revolução Beckeriana para a


biodiversidade brasileira. Jornal da Ciência, n. 4683, p. 1, mar. 2013.

SIMPÓSIO, 1., 2013, Rio de Janeiro. Relações entre ciência e políticas


públicas: propostas de Bertha Becker para o desenvolvimento da Amazônia.
Rio de Janeiro: BNDES, 2013.

VIEIRA, Ima Célia Guimarães; SANTOS JUNIOR, Roberto Araújo O.;


TOLEDO, Peter Mann de. Ciência e políticas públicas para o desenvolvimento
da amazônia: homenagem à Bertha K. Becker. Sustentabilidade em Debate, v.
4, n. 2, p. 257-260, jul./dez. 2013.

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Capítulo 18

Una realidad incontrastable:


lo andino-amazónico1
Rosalía Arteaga Serrano

1
En honor a mi amigo Janary Alves de Moraes, gran defensor de lo Andino Amazônico.

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426 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Ha sido una práctica generalizada el enfocar y analizar por


separado las realidades Andina y Amazónica, como si estos fueran
mundos diferentes, los que se viven en la gran cordillera que atraviesa
buena parte del territorio Latinoamericano, una cordillera que discurre
por Argentina, Bolivia, Chile, Colombia, Ecuador, Perú y parte de
Venezuela y una realidad geográfica constituida por una cuenca que
abarca cerca de siete millones de kilómetros cuadrados, un bioma de
aproximadamente siete millones y medio de kilómetros y que contiene la
mayor biodiversidad del planeta, así como cerca del 20% de las reservas
de agua dulce del mismo; esta cuenca está constituida por algunos
de los países que ya hemos mencionado, con excepción de Argentina
y Chile; a esos países andinos habría que añadir Brasil, Guyana,
Suriname y también el territorio de la Guyana Francesa, considerada
parte de los territorios de ultramar de Francia; como sabemos, este
espacio americano es parte de la Unión Europea, compleja paradoja
que pone de relieve el tema de los territorios conquistados, anexados
y hasta los que pudieran ser mirados como colonias, según una visión
que se extiende cada vez más, pero que, por otro lado, tendría que ver
también con el principio de autodeterminación de los pueblos.
De lo que se trata es de visualizar la complejidad de lo que se
ha dado en denominar Andes-Amazonía, un concepto que no está
suficientemente apropiado por quienes pertenecen a la región, y
tampoco aceptado por el resto de los integrantes de la Gran Amazonía,
que no ven todavía la relación e interdependencia de estas regiones que
se pueden estudiar en conjunto y determinar los estrechos vínculos que
las vuelven prácticamente inseparables.
Así, de mi experiencia como Secretaria General de la Organización
del Tratado de Cooperación Amazónica, durante el período 2.004
a 2.007 en que me tocó dirigir los destinos de esta importante
organización intergubernamental, y de mi imprescindible contacto
con las autoridades ministeriales de los ocho países miembros, sean
estas de Relaciones Exteriores, Ambiente, Defensa, u otras; encuentro
que todavía existen visiones parciales, no englobantes, que tratan de
enfocar solamente ciertos segmentos de la gran Amazonía, y no la ven
en su conjunto.
Por supuesto que, y de eso estamos seguros, se necesitan
también visiones y tratamientos focalizados, tanto de carácter nacional
como local para apuntar a situaciones específicas, y a la solución
de problemas peculiares de un determinado pedazo de territorio o
circunscripción territorial; pero no es menos cierto que si queremos

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Capítulo 18 • Una realidad incontrastable: lo Andino-Amazónico 427

apuntar a soluciones de largo aliento, a mejorar calidades de vida de


las personas que moran allí, a preservar esto que podemos llamar no
ya, como tradicionalmente se ha dicho, el pulmón de la humanidad,
pero si uno de los grandes definidores y modificadores del clima en
el mundo; asimilable, para una mejor comprensión, a una especie de
“aire acondicionado” del planeta; si nos referimos a su gran papel
regulador del clima no solo para la región, o para las Américas, sino
para territorios más vastos aún, del planeta entero, tenemos que hablar
de la Gran Amazonía, de la Amazonía continental o, mejor aún, de la
región Andino-Amazónica.
Solo una falta de óptica y de sentido común, que por desgracia
son bastante extendidos, puede prescindir de una comprensión
de lo que sucede con temas como el agua y la biodiversidad, que,
provenientes de los nevados y de las montañas andinas, sirven para
enriquecer los extensos territorios amazónicos, de esos de los que se
ha dicho: «Cuando un adulto camina en la selva, en la tierra, a cada
paso que da, en promedio pisa sobre cerca de 1.500 pequeños animales
pertenecientes a centenares de diferentes especies: son minúsculos
insectos, hormigas, polillas, pequeñas arañas, ácaros, crustáceos,
pequeños alacranes, caracoles, protozoarios, en fin, sin que se sepa se
tiene un verdadero «tratado de zoología» debajo de los pies. Esto sin
considerar los números mucho mayores de bacterias y hongos que se
encuentran en la misma área...” (MEIRELLES FILHO, 2006).
En algún momento de mi actuación al frente de la OTCA y
conversando con políticos brasileros, les preguntaba qué ocurriría
en el momento en que se cerrara la llave del agua que viene de los
Andes, lo que limitaría también el arrastre de la biodiversidad que las
aguas conllevan; un silencio meditativo se extendió por la sala, ante
el desastre que eso significaría para la gran llanura amazónica y para
el país o los países que se benefician, es decir los que se ubican en las
partes bajas o en el delta que forma la desembocadura; sin esas aguas
y sin esa biodiversidad de la que se alimenta a través de los ríos que la
nutren y que vienen aguas arriba desde los macizos andinos, otra sería
la realidad de esos territorios.
He tenido la suerte de contemplar esa desmesurada geografía
amazónica, y quedarme sorprendida frente al Encuentro de las Aguas,
como le llaman los brasileños al espacio en el que, sin mezclarse, por
largos kilómetros, se juntan la aguas de color de chocolate, con toda
la biodiversidad andina arrastrada por las aguas del río Marañón, que
ya recibe el nombre de Amazonas desde el territorio peruano, y las del

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428 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

río Negro, con aguas, como su nombre lo indica, negras, casi del color
de la coca cola, con grandes contenidos minerales, lo que hace que, por
ejemplo, puedan los visitantes bañarse en sus aguas; sin peligro de ser
atacados por mosquitos y otros animales fruto de esa diversidad.
El aporte de los Andes a la biodiversidad y a la riqueza
Amazónica es visible, es tangible, es palpable en ese encuentro de las
aguas, fácilmente puede verse, si se toma una embarcación desde las
cercanías del hotel Tropical en Manaos y se sigue la corriente, ese
caudal majestuoso que proviene de dos vertientes y que nos pone ante
uno de los más extraordinarios espectáculos jamás soñados.
Sin embargo, no podemos dejar de reconocer lo que la acción
humana está dejando como huella terrible en el planeta y que se puede
visibilizar en la Gran Cuenca Amazónica. De hecho, ya en períodos de
estiaje pronunciado, como el ocurrido en el año 2005, se pudo ver lo
que la carencia de lluvias en la parte alta de la cuenca, es decir en las
alturas andinas, ocasionó en estados como el de Amazonas en el Brasil:
Centenares de pueblos quedaron aislados por no tener vías adecuadas
de circulación, ya que los ríos constituyen esas únicas vías; la comida y
las medicinas escasearon de tal forma, que pusieron en peligro la vida
de miles de personas, que se sostuvieron gracias al envío por aire y a
prudente distancia, de vituallas y medicamentos necesarios; numerosos
pueblos indígenas sufrieron de hambre y en algunos casos el problema
de los suicidios de jóvenes se agudizó por la angustia y desesperación
frente a los fenómenos climatológicos, en los que, desafortunadamente,
sabemos que la mano del hombre no es ajena; puesto que lo que se
hace en cualquier lugar del planeta afecta a su conjunto y la evidencia
puesta de relieve por científicos a través de los informes realizados por
el Panel Intergubernamental sobre el Cambio Climático, IPCC, por sus
siglas en inglés, es incontrastable.
De igual manera, la disminución del tamaño de los peces de los
ríos amazónicos, constituye un síntoma de un mal manejo conjunto de
los recursos hídricos por parte de los países que constituyen la cuenca.
Así, los llamados grandes bagres: los pirarucús, tambaquís, dourados,
filhotes, matrinxás, que constituyen la base de la alimentación de
los pueblos amazónicos, sobre todo de los originarios y de los no
contactados, están disminuyendo su tamaño y su pesca se vuelve más
difícil, se demora más en su captura y cada vez escasean más.
Creo que uno de los problemas que podemos anotar en este
contexto, a más de esa visión de conjunto que anotaba, es la falta

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Capítulo 18 • Una realidad incontrastable: lo Andino-Amazónico 429

de miradas hacia lo alto, es decir, desde la llanura, la planicie, las


tierras bajas, hacia arriba, para saber de dónde viene la riqueza que se
disfruta en las tierras bajas, y la necesidad de interactuar, de explicarse
los fenómenos, de trabajar en conjunto, en políticas que permitan la
conservación y la sustentabilidad de lo que se tiene, contribuyendo por
ejemplo en programas de reforestación Andina; una especie de pago
por servicios ambientales; en mantenimiento de fuentes de recursos
hídricos, en preservación de la calidad de las aguas, tan afectadas
por ejemplo por temas como contaminación por mercurio y otros
productos que afectan no solo la calidad de las aguas, sino también la
vida de las personas de la región. Esto puede fácilmente deducirse de
estudios realizados por el experto brasileño Roberto Vilasboas, así como
también de relatorios que circulan luego de las reuniones periódicas
que sobre la contaminación en las aguas amazónicas se llevan a cabo
por grupos de expertos, pero también puede deducirse luego de viajar
por algunas regiones de la gran Amazonía y constatar cómo se realiza
la explotación aurífera en los diferentes países de la Amazonía.
El tema de la minería ilegal, debería ser abordado con políticas
conjuntas entre los gobiernos de la región, el uso indiscriminado del
mercurio está contaminando en forma muy seria todos los cursos de
agua de la Amazonía continental.
Estoy convencida de que un gran capítulo faltante es el
fortalecimiento real de las relaciones entre los países Andino-
Amazónicos, con una comprensión suficiente de que cualquier proceso
de Unidad Latinoamericana, no puede dejar fuera al 40% de su
territorio, que es el porcentaje que le corresponde a la región Amazónica.
No puede América Latina seguir considerando como marginales a las
tierras y a los pueblos que los habitan, y solamente tomados en cuenta
cuando se trata de extraer de sus suelos las innegables riquezas que
poseen.
Esto que he enunciado, pasa por un verdadero fortalecimiento
de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica, y no lo
digo por haber sido su máxima autoridad en años anteriores, sino
porque estoy convencida de que un multilateralismo bien aplicado, en
este caso, puede conducir a beneficios enormes para los países y para
los habitantes de esta zona.
Hay importantes programas en marcha: el manejo conjunto
de un proyecto de recursos hídricos fronterizos, con fortalecimiento
de los organismos de aguas en cada uno de los países miembros; la

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430 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

construcción del GeoAmazónico; proyectos de delimitación de la


Amazonía, de biodiversidad compartida, el análisis de la problemática
de contaminación por mercurio en la cuenca, un ambicioso programa
de turismo andino-amazónico, igual que uno de medicina, incluyendo
telemedicina, entre otros.
Tal vez un buen ejemplo a señalar, fue el proyecto que se
estructuró en base a las capacidades del INPE (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciales del Brasil), con los ocho países miembros de
la OTCA, así como con las experiencias del sistema SIVAN-SIPAN,
(Sistemas de vigilancia y de protección de la amazonía brasilera) en
cuanto a monitoreamiento satelital, que contó con el apoyo económico
de la Agencia Brasilera de Cooperación ABC, y que ayudó a encontrar
lenguajes comunes entre instituciones similares de los países
miembros, entendiéndose el rol importante que cada uno juega para la
sustentabilidad de la cuenca y del bioma y el indudable liderazgo que
el Brasil está llamado a jugar en la región.
La necesidad de actuar en conjunto se pone en evidencia en las
diferentes acciones, sobre todo de carácter fronterizo que se toman, y
forman parte del día a día de los pueblos que habitan en las fronteras,
pero también son indispensables cuando hablamos del flujo comercial
entre los países de la región.
El Ecuador presenta una debilidad al ser el único país de la
cuenca amazónica que no cuenta con fronteras con el Brasil, por ello
estamos obligados a atravesar territorios colombianos o peruanos en
nuestro tránsito terrestre, fluvial y hasta aéreo, para llegar hacia ese
gigante que con sus más de doscientos millones de habitantes, significa
un enorme mercado con infinitas posibilidades para el comercio;
lo lamentable es que estamos dejando de ejercer un liderazgo, que
pudimos haberlo tenido dentro de los países de la cuenca del Pacífico,
al contar con un puerto natural de las condiciones del de Guayaquil,
favorecido por el estuario del río Guayas.
Sin embargo, debemos pensar que estas dificultades son
superables, y pueden vencerse con ingenio y con tesón; las modernas
tecnologías, la ciencia, están en la capacidad de facilitar los procesos,
cuando hablamos de los beneficios de la aviación, o inclusive del uso de
embarcaciones planas, como la que utilizamos para transportar a más de
cien personas en el Flotel la Misión Orellana, en un intento de enraizar
el amor por la Amazonía en los jóvenes de los países signatarios de la
Organización del Tratado de Cooperación Amazónica, en un viaje que

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Capítulo 18 • Una realidad incontrastable: lo Andino-Amazónico 431

marcó la vida de los jóvenes participantes en el denominado “Recorrido


por los Caminos de Orellana”, que propusimos y organizamos en el
2.006.
La Amazonía, que aparece a veces como un espacio vacío, en
la mente de quienes desconocen este territorio, tiene mucho por ser
estudiado, definido, pero sobre todo respetado.
En este territorio habitan pueblos originarios, algunos no
contactados por la civilización occidental, como los famosos Taromerane
y Tagaeri, sobre los que tanto se ha escrito en estos tiempos, con el
fracaso del proyecto Yasuní, que fue una bandera de lucha del actual
gobierno ecuatoriano, pero que desafortunadamente abandonó,
frustrando una iniciativa innovadora y de solidaridad ambiental sin
precedentes. Hay pueblos no contactados en las Amazonías brasileña,
ecuatoriana, peruana.
También habitan la Amazonía los colonos, gentes que desde
otras regiones se han avecindado en sus diversos territorios, que les
ofrecieron solución a sus problemas sociales y económicos. En este
sentido, la zona norte del Brasil, recibe el flujo constante de personas
de escasos recursos que buscan trabajo, sobre todo provenientes del
empobrecido nordeste brasileño; en el caso ecuatoriano, no son pocos
los lojanos, azuayos, tungurahuenses, entre otros, quienes han decidido,
desde muchos años atrás el aventurarse a desbrozar un pedazo de
terreno, hacerlo sin los cuidados necesarios, y transformar esas tierras
de bosques y de selvas en pasturas para el ganado o en espacios de
monocultivo como el maíz, la palma africana, la soya, sin darse cuenta
de la fragilidad de la capa vegetal y de la necesidad de estas tierras de
imbricar los árboles variados, las vegetaciones diversas que se aúnan
y fortalecen las unas a las otras: por ello se habla tanto ahora de la
silvicultura y son tan cotizados productos que crecen al abrigo de los
árboles centenarios, que se benefician de la gran vegetación y que no
instalan el monocultivo en sus territorios.
La ganadería y la agricultura extensiva, le han hecho mucho
daño a la Amazonía. Tanto o más que las explotaciones petroleras y
las mineras, así como la extracción de maderas finas, por parte de los
madereros ilegales y la biopiratería comercial y hasta científica, que
son ilegalidades que deben combatirse.
Otro de los temas que no se mencionan, o que casi no aparece
en la numerosa bibliografía amazónica, es el hecho de que buena parte
de la coca que se cosecha en Colombia por ejemplo, se cultiva en la

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432 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Amazonía, y el daño que se hace a esta zona con fumigaciones, con


la introducción de precursores en los laboratorios clandestinos, es
inimaginable.
A pesar de que se habla y escribe mucho sobre la cuenca
amazónica, son pocos los datos que se analizan a profundidad en
cuanto al entorno humano. Por ejemplo no hay datos ciertos de cuántos
habitantes viven en la región. Se avanzan estudios al respecto por parte
de la Universidad Federal del Pará, y su núcleo de estudios amazónicos,
para establecer análisis demográficos.
Los mapas amazónicos son casi todos ellos realizados por
instancias extra amazónicas, así, tenemos mapas realizados por
el Smithsonian Institute, Joint Research Centre, WWF, IUCN.
Paradójicamente, el único mapa realizado por el antiguo Tratado de
Cooperación Amazónico es incompleto y ni siquiera abarca todos los
territorios de los países miembros.
Las definiciones de la Amazonía Continental son variadas,
dependen en mucho de lo que cada país considera como territorio
Amazónico. Brasil habla de la Amazonía legal, que va mucho más
allá de la Amazonía desde el punto de vista geográfico o desde el de
la biología, lo hace por motivos que tienen que ver con excenciones
tributarias, o con beneficios como los derivados de la zona franca de
Manaos, por lo que territorios de otros estados que no son enteramente
amazónicos, aparecen como tales; en cambio Bolivia no considera
dentro de sus denominaciones internas a la ciudad de Santa Cruz de
la Sierra como amazónica, por cuestiones geopolíticas, cuando quienes
estudiamos la región, incluimos a Santa Cruz como parte del bioma.
Puede definirse a la Amazonía, considerando la cuenca del río,
pero también por las poblaciones que la habitan, o tomarse en cuenta
los tipos de vegetales o de fauna que la pueblan, e inclusive remitirnos
a los estudios antropológicos o arqueológicos; estos últimos recién
empiezan a despegar, con importantes estudios realizados en Brasil,
Perú, Ecuador.
Especies tan importantes como el maíz y el cacao, de la familia de
los teobromas, como el cupuazú y también el maíz son originarios de
la Amazonía, forman parte de esa rica y en muchos casos inexplorada
flora, que tanto ha aportado hasta para la definición de nuestra
América mestiza y profunda.
Lo Andino-Amazónico está indisolublemente unido por una
realidad geográfica, que ahora va mucho más allá, tiene que ver con las

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Capítulo 18 • Una realidad incontrastable: lo Andino-Amazónico 433

conexiones de los pueblos, con su mutua dependencia, con la necesidad


del trabajo conjunto que puede aportar más que los discursos y las
pláticas a una necesidad de sobrevivencia que será la que marque
nuestras relaciones.

Referencias
MEIRELLES FILHO, João. El Libro de Oro de la Amazonia. São Paulo:
Ediouro, 2006.

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Capítulo 19

El largo e incierto
camino de la integración
fronteriza en la Amazonia
Carlos Gilberto Zárate Botía

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436 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
El discurso sobre la integración de los países amazónicos es algo
relativamente reciente y más aún lo son sus prácticas, en comparación
con el lento proceso de fragmentación espacial, territorial y social que
ha vivido la región desde que los imperios, por allá por fines del siglo
XV, pugnaban por hacerse al control de un pedazo del nuevo mundo,
en lo que hoy conocemos como la Amazonia o Pan-Amazônia.
Al final del siglo XVIII se consolidó una fractura que dio origen
a la primera gran división de la Amazonia, entre su parte alta, que se
presenta paralela a la cordillera de los Andes y que hoy conocemos
como Amazonia Andina y su contraparte, al oriente de la misma, que
corresponde a la Amazonia Brasilera, a pesar de que hoy, a comienzos
del siglo XXI, el mundo todavía asocia la región, de manera casi que
exclusiva, al nombre de Brasil, donde las Guyanas apenas alcanzan a
percibirse vagamente. La expulsión de la poderosa orden jesuita de los
dominios amazónicos de Portugal en 1759 y de su sección española en
1767, a la par que se trataban de implementar las reformas Pombalinas en
los primeros y las Borbónicas en la segunda, acompañaron el inevitable
desmoronamiento del régimen colonial ibérico en toda América, incluida
la Amazonia, propiciando el surgimiento de los Estados-nación.
Esta segunda gran división del espacio Amazónico estuvo
asociada a las revoluciones de independencia que dieron lugar a las
nuevas entidades nacionales, en un largo, complejo y desacompasado
proceso que se empezó a concretar en las dos primeras décadas del
siglo XIX, con el surgimiento de las repúblicas bolivarianas por una
parte, al final de varias guerras de independencia, y con el nacimiento
del Brasil como imperio separado de Portugal, por la otra. La forma
imperial del Brasil se mantuvo casi hasta el comienzo de la última
década de ese mismo siglo cuando tomó cuerpo, en 1889, la invención
del imaginario de la república brasilera tal como lo relata Carvalho
(1990). Entre tanto, el vasto territorio amazónico heredado por la
nueva república brasilera, a diferencia de las repúblicas andinas, no
perdió su unidad y por el contrario se continuó ensanchando con la
anexión de la región de Acre, a expensas de naciones aún débiles en
sus regiones orientales como Bolivia, en el año de 1903.
Por otro lado, la demarcación completa de la Amazonia Andina
solo se pudo dar en la última década del siglo XX, con el fin de un
prolongado conflicto entre Perú y Ecuador, al acordar la delimitación
definitiva de la Cordillera del Condor, en la alta Amazonia de ambas

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Capítulo 19 • El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia 437

naciones, luego de que las Guyanas se sumaran tardíamente al proceso


descolonizador americano iniciado a fines del siglo XVIII, con la única
excepción del territorio ultramarino francés que todavía subsiste.
La definición de las jurisdicciones nacionales en la Amazonia tanto
hispana como brasilera y en menor medida las Guyanas, fue orientada
de manera unánime por un concepto decimonónico que hoy se mantiene
casi incólume: el de la soberanía territorial. Este se acompañó y reforzó
con el despliegue y la implementación de rudimentarias políticas públicas
sectoriales que empezaron a tomar cuerpo, de manera incipiente y
precaria, cuando la Amazonia se tornó simultáneamente en la periferia,
o en el patio trasero, de todos y cada uno de los nuevos establecimientos
nacionales. En mayor o menor grado, éstas políticas buscaron reforzar
la idea de la soberanía nacional en sus respectivas Amazonias, a partir
de programas tanto de emplazamiento o reforzamiento de la presencia
militar, como de colonización y ocupación de éstas nuevas periferias
amazónicas nacionales.

La consolidación de las Amazonias Nacionales


esta presencia física en las fronteras amazónicas se apuntaló con
el enraizamiento de los imaginarios de la identidad nacional, tal como
ha sido descrito por Anderson (1993) entre otros, pero también a través
de la educación y la difusión de las lenguas nacionales, en puntos clave
de la frontera que resultó luego de la demarcación, pero también con el
establecimiento de instituciones estatales por lo general muy débiles, o
con la delegación y asignación de nuevas funciones estatales a entidades
como la Iglesia.
Los resultados de la acción estatal en las fronteras se han
hecho sentir desde que estas políticas y programas nacionales
comenzaron a implementarse, hacia la tercera década del siglo pasado.
Las consecuencias de la profundización de la diferenciación nacional
en la Amazonia se observan con la presencia de las políticas lingüísticas
nacionales basadas en el español y el portugués, sin mencionar el caso
de las Guyanas, que han terminado por imponerse al mezclarse con las
lenguas nativas, sobre todo en el caso de grupos étnicos cuyo territorio
traspasa los límites nacionales en muchas zonas. Esta combinación de
lenguas y dialectos con fuerte influencia nacional a lo largo de toda
la frontera entre la Amazonia brasilera y las amazonias andinas, ha
venido remplazando a las llamadas lenguas “gerales” creadas al amparo
de la presencia misionera colonial, con el propósito de viabilizar la

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438 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

comunicación entre los colonizadores europeos y las sociedades nativas,


para garantizar la difusión de la fe católica y optimizar el comercio,
entre otras cosas.
La definición de las fronteras nacionales en la Amazonia
también propició la implementación de una organización tributaria
y la instauración de puestos de aduana en los países herederos
del establecimiento hispano y de “mesas de rendas” por el lado
brasilero, para regular el comercio fronterizo bajo bases nacionales.
Simultáneamente, se empezaron a suscribir e implementar los convenios
y acuerdos comerciales y aduaneros necesarios para regular el tránsito
de mercancías y personas a través de los nuevos territorios nacionales.

El surgimiento de políticas de frontera


la nueva realidad fronteriza de las tres primeras décadas del siglo
XX también obligó a los países de la gran Amazonia a impulsar o a
readecuar, según su propio criterio y capacidad, la organización política
y administrativa del espacio nacional, así como las instituciones estatales,
con una mayor atención a los espacios limítrofes. La expresión de estos
cambios se puede ver, en el caso brasilero, cuando se intensificaron las
acciones estatales en algunos puntos estratégicos de la extensa frontera
amazónica brasilera y se decidió reconocer a la población indígena al
asignarle una función decisiva en la construcción de la nación al convertir
parte de ella en “guardias de frontera” (LIMA, 1992, p. 166) con la
creación, en 1929 del Servicio de Fronteras y la Inspetoria Especial de
Fronteiras (LIMA, 1992, p. 165). Esto era parte de una política que se
ha venido perfilando hacia el final de la segunda mitad del siglo XX y
que se condensa en la figura de “faixa de frontera”. Esta “faixa” consiste
en una extensión promedio de 150 kilómetros paralela a la línea de
frontera de Brasil con los demás vecinos.
La “faja de frontera” se considera indispensable para salvaguardar
la seguridad nacional brasilera, por lo que el componente militar
sigue siendo predominante. Su administración y gestión dependen en
última instancia del Ejecutivo a través del Ministerio de la Integración
Nacional, en consonancia con una Política de Defensa regida por
el Conselho de Segurança Nacional y pensada para responder a las
“amenazas externas”, entre las que destaca la situación asociada al
conflicto armado colombiano (MONTEIRO, 2009, p. 43).
Por su parte, las naciones andino amazónicas también han
venido desplegando una mayor acción estatal desde que delimitaron

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Capítulo 19 • El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia 439

sus fronteras con Brasil, con diferente éxito y consistencia. El conflicto


entre Perú y Colombia que se presentó en 1932-33 cuando un grupo de
loretanos apoyados por miembros de las fuerzas armadas de la región
amazónica peruana se tomó la población fronteriza de Letícia, como
rechazo de la entrega que el Perú había hecho del trapecio amazónico,
incluida esa población, a Colombia, luego de que el Congreso peruano
ratificó en 1928 el Tratado Lozano-Salomón firmado en 1922 por los
dos países; afectó fuertemente las relaciones entre estos dos países y
en menor medida las que estos tenían con Brasil. Por ejemplo, marcó
el carácter del proceso de ocupación seguido por Colombia luego de
la devolución del trapecio que, como se sabe, se dio con el concurso
de la Sociedad de Naciones en 1934. A partir de allí, Colombia inició
programas de colonización militar con base en miembros del ejército y
de la Policía Nacional que se instalaron durante el conflicto y después
de su finalización, a lo largo del río Putumayo, que desde la firma del
Tratado hace de frontera entre Colombia y Perú1.
Algunas de las acciones posteriores al fin del conflicto han estado
acompañadas de un esfuerzo por diseñar instrumentos cercanos a lo
que podríamos llamar propiamente una política de fronteras, entendida
como un cuerpo jurídico y normativo explícito para orientar la actividad
estatal de estos países en las zonas limítrofes. En el caso colombiano esta
política se ha venido consolidando en las tres últimas décadas (1880-2010)
aunque con muy pocos resultados prácticos, mientras que en el Perú
apenas a comienzos de la segunda década del siglo XXI se tiene, según
la misma cancillería peruana2, la reglamentación de una ley marco para
el desarrollo e integración fronteriza. No obstante la reciente aprobación
de esa ley, debe reconocerse que el Perú, sobre todo en los últimos años
ha adelantado mayores y mejores acciones que Colombia para consolidar
la presencia estatal en la frontera con este último país.
La formulación de estas políticas de frontera y en particular la de
Brasil se han orientado por el espíritu de la defensa de la soberanía y la
seguridad nacionales y últimamente por emprendimientos económicos
basados en ideologías desarrollistas como respuesta a la necesidad de
integrar cada una de las fronteras a sus respectivos espacios y economías
nacionales (ACEVEDO, 2013). En ese sentido las políticas de frontera
tanto de Brasil como de los países andino amazónicos han contribuido
a consolidar a todo lo largo del siglo XX la fragmentación de la región
amazónica dentro de los marcos nacionales, que se empezaron a crear
1
Ver al respecto el libro de Zárate Botía (2008).
2
Nota de prensa de la Agencia EFE de abril 4 de 2013.

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440 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

desde fines del siglo XIX y es solamente a partir de las últimas décadas
donde en estas políticas empiezan a vislumbrarse de manera más clara,
la necesidad de la cooperación y las posibilidades de una integración
fronteriza.

Fallas en las políticas públicas


y las políticas de frontera
desde cierta perspectiva, podría pensarse que con el discurso
de la integración amazónica los países pretenden, al menos en las
palabras, desandar y corregir en pocos años algunos de los aspectos
de los largos procesos de fragmentación política y administrativa, que
se presentaron primero con la presencia de los imperios coloniales y
en los dos últimos siglos transcurridos del periodo republicano, con
las sabidas consecuencias que llevaron a la casi total aniquilación,
desplazamiento y/o subordinación de la población indígena de la
región, la misma que vivió allí desde hace siglos y parte de cuyos
descendientes aún vive en las áreas de frontera. Lo que es indudable es
que el contexto, las condiciones y las realidades actuales de estas zonas
de frontera han cambiado sustancialmente, no tanto desde el punto de
vista de su articulación con el resto de cada nación, que continúa siendo
un deseo en todos los países amazónicos, sino desde la perspectiva de
las transformaciones sociales y la constitución de complejas sociedades
de frontera que, a pesar de todo y confirmando la desarticulación
mencionada, continúan siendo invisibles e invisibilizadas por los
Estados y por las sociedades nacionales.
La causa de esta invisibilización, o por lo menos de parte de
ella, así como de la continuidad de la desarticulación, tienen que ver
precisamente con las fallas de las políticas públicas nacionales y como
éstas se han intentado implementar en las zonas de frontera y con los
problemas de las políticas de frontera mismas, en particular. Estas fallas
no solamente son de diseño; cuando corresponden a visiones políticas
cortoplacistas de los gobiernos; cuando su estructura, su capacidad y
sus alcances reales distan mucho de corresponder a lo que se consigna
en la normatividad, que se supone debe ser implementada en todo el
territorio de cada nación; cuando predomina una mentalidad y unas
prácticas excluyentes, discriminatorias, autoritarias y centralistas con
respecto no solo a la periferia amazónica sino a su población, las mismas
que se agudizan por el desconocimiento de las fronteras. En el mejor
de los casos, cuando se implementan políticas sectoriales orientadas

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Capítulo 19 • El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia 441

casi que exclusivamente a mantener la soberanía del territorio y la


defensa del Estado y se descuidan por completo las políticas sociales
y en general aquellas destinadas a atender a la población fronteriza,
que también se suponen son de responsabilidad de ese mismo Estado y
de sus instituciones. Todo esto sin contar, como ya se dijo, con que las
políticas fronterizas no han sido pensadas precisamente para integrar
a los países vecinos sino, casi siempre, para defenderse de ellos.
El desconocimiento de los Estados acerca de su propia población
fronteriza o de las dinámicas económicas, sociales y culturales que
suceden en y a a través de los límites nacionales, está en la base del
fracaso de muchas de las políticas públicas y de las políticas fronterizas
de todos los países de la Pan-Amazônia. Dicho en otros términos: en las
zonas de fronteras, como tal vez en ninguna otra parte de los territorios
nacionales, se evidencian las mayores dificultades para la articulación
económica y política en los procesos de constitución y consolidación
de los Estados nación de la región amazónica. En parte esto sucede
por el hecho de que en éstas regiones se encuentran, coexisten y se
entremezclan sociedades de distinto origen y adscripción nacional;
regímenes jurídicos divergentes y sistemas políticos contrastantes.
Es para esto para lo que ni los Estados, ni las políticas públicas, ni las
políticas de frontera parecen estar muy preparados.
A pesar de la suscripción de acuerdos binacionales relativos al
registro y a la movilidad de personas y bienes, desde mediados del
siglo pasado, por ejemplo entre Brasil, Perú y Colombia, muchos de
los fenómenos y procesos que suceden a través de estas fronteras, han
quedado por fuera de la posibilidad de la aplicación de las normas ya
sea porque estas son muy generales, por una parte, o muy estrechas
e inadecuadas para las condiciones particulares de las dinámicas de
la frontera, por la otra. Este que parece ser un hecho negativo desde
la perspectiva de la pérdida de control social por parte de cada Estado
sobre su población, puede verse como una ventaja desde el punto de
vista de la integración y corresponde a una de las características de la
frontera, consistente en la intensa movilidad trans o interfronteriza de
la gente que vive en las áreas de contacto de éstos países.
Los intentos de implementación de políticas públicas y fronterizas
que ponen todo tipo de trabas no solo físicas sino simbólicas e
institucionales para garantizar la defensa de la soberanía, diferenciar la
organización estatal y acentuar la división nacional de la Amazonia, no
han podido controlar o impedir la ocurrencia de diversos fenómenos
que ocurren cotidianamente a lo largo de las extensas fronteras

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442 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

amazónicas y sobre cuyo conocimiento deberían sustentarse las


propuestas de integración fronteriza. Entre estos podemos mencionar
la intensa movilidad interfronteriza de la población; la constitución de
redes complejas de parentesco entre brasileros, peruanos, colombianos,
venezolanos y ecuatorianos, entre otros; el contacto, mezcla y convivencia
de los miembros de diferentes grupos étnicos; la interculturalidad y el
multilingüismo a través de las fronteras o los conflictos por tierras,
para no hablar de las igualmente complejas redes transfronterizas
de comercio, intercambio y transporte de recursos provenientes de la
diversidad faunística y florística de la región o el comercio, legal, ilegal
e informal de una infinidad de productos que van y vienen a través de
los porosos e incontrolables intersticios de las fronteras.

El discurso y las prácticas de


la integración fronteriza en la Amazonia
los acuerdos y convenios de cooperación aduanera y comercial
que se han firmado entre los países amazónicos son tan antiguos como
los Tratados que definieron su delimitación y de alguna manera están
contenidos en ellos, con lo que se confirma también en la Amazonia
el hecho, poco analizado, de que el surgimiento y consolidación
del sistema de Estados-nación con los procesos de delimitación y
demarcación, afirmó la necesidad de crear mecanismos para regular
de manera conjunta los espacios que fueron negociados o finalmente
aceptados conjuntamente, confirmando que la construcción de
las fronteras internacionales no son un asunto de cada Estado por
separado, como lo pueden ser los frentes de expansión interna, sino
frutos de acuerdos y negociaciones de dos o más naciones, con reglas,
condiciones y requisitos diferentes.
El reconocimiento de que las fronteras son el resultado no solo de
disputas, conflictos y guerras sino también de negociaciones y acuerdos
debería servir para repensar, o por lo menos para matizar, la utilidad de
conceptos como el de la soberanía nacional y la seguridad del Estado,
en el diseño, la formulación y la gestión de las políticas de frontera de
nuestros países. Como se ha dicho en otra parte y sucede en todas las
fronteras, no se puede pensar en la historia de pueblos como la Letícia
colombiana sin pensar simultáneamente en la Tabatinga brasilera o en
la población de Santa Rosa en la orilla peruana del Amazonas3, todas
conformando una subregión trasnacional. Esta frontera fue el resultado
3
Ver Zárate Botía (2008, p. 48-49).

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Capítulo 19 • El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia 443

del contacto y la interacción permanente de sociedades nacionales y


locales de diverso origen nacional y étnico, por lo que la planeación de
su destino o su futuro económico, social y cultural debió y debería ser
un asunto transnacional, aunque como veremos esto que parece tan
obvio sigue siendo un deseo y apenas una posibilidad.
En la práctica, las intenciones de promover la cooperación y la
integración fronteriza de los países amazónicos, como sucede en buena
parte del mundo, con la posible excepción de la comunidad europea, se
han convertido en un largo, sinuoso e incierto camino, con un mínimo
impacto en las condiciones de vida de las poblaciones fronterizas
y cuya resolución final está muy lejos de convertirse en realidad.
La responsabilidad de esto, además de factores que ya se han expuesto,
radica en que cada país ha surtido un prolongado proceso de búsqueda
y formulación de políticas de frontera endógenas y autistas, un asunto
de política interna, donde se mezclan desproporcionadamente los
imperativos de la afirmación nacional, la seguridad y la soberanía,
que son los predominantes, con las necesidades, las posibilidades y las
oportunidades de la integración con los vecinos, que son secundarias o
subsidiarias. Por eso la política brasilera de la “faixa de fronteira” se ha
concebido como un asunto de política interna en extremo centralista
y no como herramienta para la integración. Igual sucede, aunque en
menor medida, con las políticas de frontera de Colombia o de Perú,
que a pesar de contener algunas buenas intenciones en materia de
integración, se concibieron, tramitaron y aprobaron por separado
desde los centros políticos, en distintas épocas y contextos en relación
con los otros países y a espaldas de las realidades y las necesidades de
las poblaciones fronterizas.
Por otra parte, los procesos de integración fronteriza de los países
amazónicos han tenido que transitar un camino paralelo, no menos
lento, improductivo e incierto que el anterior, a través de convenios y
acuerdos binacionales, que se viabilizan a través de figuras como las
Comisiones de Vecindad que son concebidas, organizadas y manejadas
desde los centros políticos, por las respectivas cancillerías de cada país,
con agendas definidas también allí, con muy baja participación local y
también con muy poca incidencia en la transformación de la precaria
situación social y económica de las poblaciones de frontera.
Tampoco puede pasarse por alto que en la primera década del
presente siglo se han venido ejecutando propuestas de integración
económica interregionales y megaproyectos como los contenidos en la
iniciativa de Integración de Infraestructura Regional Suramericana,

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444 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

IIRSA que surgió en una reunión de presidentes de América del sur


en el año 2000 en Brasilia. Hay que tener en claro que esta propuesta
está concebida para garantizar la construcción de la infraestructura
física necesaria para la incorporación plena de la Amazonia al actual
sistema económico global, a través de la extracción de materias primas
del suelo y el subsuelo amazônico (BAINES, 2013) y además, que esta
propuesta no está pensada para la integración fronteriza propiamente
dicha, ni para facilitar la comunicación entre los pueblos y sociedades
fronterizas entre sí, ni mucho menos. Por el contrario, las primeras
ejecutorias de esta iniciativa han empezado a afectar los derechos
territoriales y la vida de muchas comunidades indígenas que habitan
las fronteras de Brasil con sus vecinos amazónicos, poniendo de
presente la profunda contradicción y distancia entre los discursos de
los gobiernos, que hablan de supuestas bondades de la integración y el
descomunal impacto social y ambiental derivado de la implementación
de estos megaproyectos (BAINES, 2013, p. 40).
A pesar de las dificultades mencionadas y de la lentitud de los
cambios en las estructuras jurídicas y políticas, se empieza a abrir
camino la necesidad de intensificar la cooperación en general y de
la integración fronteriza en particular, como la única opción no sólo
para dinamizar y fortalecer las precarias economías fronterizas sino
principalmente para resolver los problemas de convivencia de los
pueblos fronterizos amazónicos, para garantizar su inclusión en los
procesos políticos y sociales y finalmente para mejorar sus condiciones
de vida y sus culturas.
Las políticas fronterizas actuales de países como Colombia y
Perú contemplan la conformación o fortalecimiento de mecanismos
orientados a facilitar la integración fronteriza con los demás países
amazónicos, mediante la posibilidad por ejemplo de adelantar acuerdos
y convenios entre entidades y municipios fronterizos. Desde hace poco
más de una década, atendiendo una resolución de la Comunidad
Andina de Naciones, Colombia y Perú emprendieron conjuntamente
la definición e implementación de una Zona de Integración Fronteriza,
ZIF, que tiene como eje el rio Putumayo, el cual demarca la frontera
entre estos dos países. Los resultados de este proceso aún están por verse
dadas las dificultades de coordinación binacional, la falta de capacidad
institucional, sobre todo de la contraparte colombiana, la ausencia de
interlocución, participación y organización de las sociedades locales
binacionales y, en fin, las complejas condiciones físicas, ambientales y
socioeconómicas de esta frontera.

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Capítulo 19 • El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia 445

En el caso brasilero, programas como el Plan de Desarrollo


Regional 2004-2007, pensado para disminuir las desigualdades
regionales (BRASIL, 2007), entre otros programas sectoriales, se ven
constreñidos por la política de “faixa de frontera” y propenden por
la modificación de las normas de protección ambiental y los derechos
territoriales de los pueblos indígenas (BAINES, 2013, p. 41). Por su
parte, el Congreso Brasilero ha venido discutiendo varias “Propostas
de Emenda a Constituição” para modificar y actualizar esa política al
reconocer que ella va en contravía de la realidad internacional y que
por tanto hay la necesidad de una “ressignificação das fronteiras em
um mundo globalizado” (SPRANDEL, 2013, p. 42). En comparación
con las actuales políticas fronterizas de Perú y Colombia estos cambios
de Brasil apenas significan una tímida apertura hacia una integración
que no supera las visiones desarrollistas y que en el caso de la Amazonia,
no prevé cambios sustanciales en las políticas de seguridad y soberanía
de este país4.

Conclusiones
Según lo expuesto, hay pocas probabilidades de que en unos
pocos años se puedan modificar sustancialmente las condiciones
que dieron origen a las actuales normas y políticas de fronteras de
los países amazónicos, aunque no hace falta que esto suceda para que
tanto Brasil como las demás naciones andino amazónicas continúen y
profundicen las acciones para poner en práctica programas como el
IIRSA que como se dijo promueven la integración física y económica de
la Amazonia a través de megaproyectos de infraestructura a contrapelo
de sus consecuencias sociales y ambientales. Esto por supuesto no
tendrá gran incidencia en las condiciones sociales y económicas de
muchas poblaciones fronterizas, con excepción tal vez de aquellas que
se constituyan en puestos de paso o control obligado de las mercaderías
y productos que saldrán de la región.
La política de fronteras de Brasil que se expresa en la “faixa
de frontera” tampoco tendrá grandes cambios, como no sean los de
adecuar las normas y los instrumentos jurídicos y políticos, para intentar
dinamizar la economía regional amazónica interna y promover la
integración, desde arriba, sin modificar los postulados de la soberanía
4
Las propuestas discutidas en el Congreso brasilero contemplan la reducción de la “faixa de
fronteira” a 50 kilómetros de ancho en los estados del sur mientras que en la Amazonia esta
franja permanece inalterada (SPRANDEL, 2013, p. 43).

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446 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

y la seguridad, que han llevado a la militarización de gran parte de


la frontera amazónica brasilera. La prueba acida para demostrar ésta
hipótesis podría estar asociada a una eventual firma de un acuerdo de
paz entre el gobierno colombiano y las FARC, que se espera ayude a
poner fin al prolongado conflicto interno, que ha tenido como uno de
sus principales escenarios a la Amazonia colombiana y a sus zonas de
frontera. Como se sabe, la amenaza externa que para el Brasil supone
la presencia de las Farc y en menor medida el negocio del comercio
de drogas de uso ilícito, han constituido el principal pretexto de los
gobiernos brasileros para mantener una abultada presencia militar a
lo largo de la frontera entre Colombia y Brasil. Entonces la pregunta
que surge es: si en caso de una acuerdo de paz en Colombia esta
presencia disminuiría y en qué medida, o si llevaría a cambios en la
políticas de seguridad y defensa; a modificar la política de “faixa de
frontera” o a redireccionarla para enfrentar problemas y conflictos que
siguen siendo prioritarios en las fronteras como los relacionados con
el control de las economías ilegales de recursos naturales renovables y
no renovables, que sin embargo también deberían verse positivamente
afectados por el fin del conflicto armado colombiano, o los permanentes
y crecientes conflictos por la posesión y el uso de las tierras que les han
sido reconocidas o que reclaman los pueblos indígenas pero que hoy
ambicionan empresarios y empresas de todo tipo.
La continuidad y profundización de los enfoques desarrollistas
que promueven todos los gobiernos amazónicos, sin excepción, y que
amenazan con extraer una riqueza en minerales que se concentran
también en las zonas de frontera, permitirían develar las contradicciones
entre los discursos aparentemente ambientalistas e indigenistas de los
gobiernos de la región y la continuidad de las prácticas de integración
económica extractivistas, con el resultado de una integración económica
a costa de la continuación y aceleración de la destrucción de los
ecosistemas y las culturas amazónicas, en particular de los llamados
pueblos en aislamiento voluntario que son los más vulnerables y que
viven en las zonas de frontera.
Como van las cosas, estos procesos de integración basados en
macroproyectos como el del IIRSA podrían realizarse y generalizarse
de manera relativamente rápida en toda la Amazonia, en comparación
con aquellos procesos de integración que también se están presentando,
que transcurren a ritmos paquidérmicos y que requerirían de su
agilización. La integración por esta vía sería no solo demorada sino
también compleja. Estos última suponen la modificación de las políticas

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Capítulo 19 • El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia 447

públicas nacionales y la compatibilización de las políticas de frontera de


los países, que no dejaran de corresponder a los intereses nacionales y
a los de los grupos de poder que los manejan, así como la dinamización
y puesta en marcha real y efectiva de los acuerdos binacionales, que en
las zonas de contacto de tres países que existen en varios puntos de la
Amazonia deberían ser trinacionales.
La disyuntiva es clara: por la primera vía la integración significará
la aceleración de la destrucción de la riqueza biológica y cultural de
la Amazonia mientras que por la segunda habrá espacio para una
integración fronteriza horizontal, inclusiva y no destructiva de la región.
No obstante esta última requiere de tiempo, de la transformación de
los enfoques y prácticas centralistas en materia de fronteras y de la
implementación decidida de las herramientas de la comunicación y
acción conjunta que los gobiernos han diseñado o diseñen para hacer
realidad la integración fronteriza.

Bibliografía
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Capítulo 20

El cambio climatico y
sus efectos en las areas
inundables de la Amazonía
Luis Campos Baca

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450 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introducción
La Amazonía es un territorio de altísima diversidad socioambiental
en proceso de cambio acelerado. Cubre una extensión de 7.8 Millones
de Km2, sobre 12 macrocuencas y 158 subcuencas, compartidas por
4.969 municipios y 68 departamentos/estados/provincias de nueve
países: Bolivia (6.2%), Brasil (64.3%), Colombia (6.2 %), Ecuador (1.5%),
Guyana (2.8%), Perú (10.1%), Surinam (2.1%), Venezuela (5.8%) y
Guyana Francesa (1.1%). En la Amazonía continental viven 33 millones
de personas y un total de 385 pueblos indígenas. Un total de 610 areas
Naturales Protegidas y 2.344 territorios indígenas ocupan el 45 % de
la superficie amazónica (RAISG, 2012).
La diversidad de ecosistemas con los que cuenta la Amazonía
no ha permitido focalizar los análisis sobre sus espacios inundables, a
pesar de que son los más importantes de todo este vasto territorio.
El conocimiento en el uso de las zonas inundables es un legado
que los primeros pobladores de la Amazonía fueron dejando a sus
generaciones futuras. Hoy en día, el uso de estas zonas no es muy
diferente al realizado por los primeros pobladores hace miles de
años. La pesca, la agricultura de subsistencia realizada en terrenos
aluviales, la extracción selectiva de madera para la construcción
de infraestructuras o el aprovechamiento de la fauna típica de esta
áreas, son actividades que se realizan hace miles de años y que han
proporcionado alimento y calidad de vida a las comunidades humanas
asentadas en estos frágiles espacios.
No cabe duda de que el potencial de estas zonas inundables es
enorme. Para muestra un dato: en la Amazonía peruana se consumen
un total de 80.000 toneladas métricas de pescado al año y en toda
la cuenca amazónica continental un total anual de 900.000 toneladas
métricas.
No obstante, y a pesar de que ha pasado ya medio siglo desde la
ocupación europea y 50 años de moderna investigación sobre la ecología
de las zonas inundables, aún no se ha entendido su funcionamiento ni
se conoce con certeza su sofisticada estructura. Este desconocimiento
ha generado una serie de políticas inadecuadas para estas zonas que
no han favorecido el desarrollo con inclusión de los pobladores que las
habitan, emprendiendo una serie de actividades que son poco o nada
sostenibles y que ponen en peligro su conservación.

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Capítulo 20 • El cambio climatico y sus efectos en las areas inundables de la Amazonía 451

Las areas inundables en la Amazonia


La agricultura es la principal actividad que se desarrolla en estas
zonas, el poblador la complementa con otras actividades que también son
de suma importancia para la supervivencia en la Amazonía. La pesca,
por ejemplo, desarrollada en las áreas inundables de la Amazonía,
puede ser considerada como una de las principales actividades que
permite al poblador conseguir el aporte de proteínas necesario para
su supervivencia.
Las zonas inundables albergan multitud de ecosistemas que son
de vital importancia para la Amazonía y para el correcto intercambio
de carbono. Los aguajales, por ejemplo, son enormes extensiones
dominadas por la palmera de aguaje Mauritia flexuosa, que funcionan
como ecosistemas filtradores del agua y captadores de carbono.
Es importante destacar que todas las actividades desarrolladas
en estas extensas áreas están influenciadas por los ciclos anuales de
creciente y vaciante de los ríos. Los efectos del cambio climático en la
Amazonía afectarán inicialmente y de manera directa a estas zonas
inundables, rompiendo el ritmo vital que les da la vida, provocando
enormes pérdidas económicas, amenazando la diversidad biológica y
la vida humana que depende de las mismas.
Para poder conservar estas áreas y mitigar los efectos que el
cambio climático pueda causar en las mismas, debemos adoptar una
mirada integral que nos permita tomar acciones adecuadas para
salvaguardarlas.

Agua
El agua en la cuenca amazónica juega un rol fundamental para
el mantenimiento de su dinámica ambiental, social, económica y
paisajística. Perú comparte con Ecuador, Colombia, Brasil, Bolivia y
Chile, 34 cuencas trasfronterizas, distribuidas en la cuenca del pacifico
(9), Amazonas (17) y Titicaca (08).
El ciclo hidrológico amazónico comprende tres sistemas
principales: el sistema fluvial, el sistema subterráneo, llamado RIO
HAMZA, que es más ancho pero más lento y el sistema atmosférico, en
eterno movimiento y alimentado permanentemente por los fenómenos
de convección, tan importantes y vitales para la Amazonía, al producir
el 50% de las precipitaciones que se dan en la región.

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452 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

El cambio climático posiblemente disminuirá la intensidad


de las lluvias por convección, forzándonos a poner mayor esfuerzo
en conservar la calidad de las aguas fluviales y subterráneas, con el
objetivo de nivelar la pérdida provocada por el efecto climático. Evitar
la deforestación, sin duda, ayudará a conservar de manera más eficaz el
almacenamiento de agua en el subsuelo y evitará el empobrecimiento
de los suelos.

Bosques
Si bien, es cierto que los bosques amazónicos son sistemas ecológicos
que capturan eficientemente el CO2 de la atmosfera, mitigando el
calentamiento global, también pueden ser una fuente potencial de
carbono. La tala y la quema de los mismos pueden aumentar la emisión
de CO2 al ambiente, favoreciendo el aumento de temperatura y la
disminución de las lluvias por convección. De hecho, cuando los árboles
son talados, mueren y se descomponen, contribuyendo significativamente
al aumento de las emisiones de gases invernadero, ya que el carbón que
almacenan en vida es liberado lentamente al ambiente.
Se calcula que la tala y quema de los bosques incorpora anualmente
de 1.000 a 2.000 millones de toneladas métricas de carbono al ambiente,
que sumadas a las 6.000 toneladas métricas emitidas por los procesos
industriales, se convierten en una bomba de tiempo para el planeta.
Los bosques de las áreas inundables pueden paliar de manera
significativa la emisión de gases de efecto invernadero, ya que tienen
una capacidad elevada de captar carbono, abriéndose la posibilidad de
ofertar estos bosques en los mercados internacionales de captación y
mitigación.
Por este motivo, debemos poner todos los esfuerzos para frenar la
tala indiscriminada del bosque amazónico, poniendo especial énfasis en
los bosques de las áreas inundables, ya que es la única forma de mitigar
los efectos del cambio climático en la Amazonía. La puesta en valor de
los bosques en pie permitirá mejorar la capacidad de adaptación de
las comunidades indígenas y rurales a los efectos del cambio climático.

Cambio climatico por circulacion


de los Mares y Amazonía
Es urgente continuar trabajando con los modelos de simulación
existentes, ya que estos nos permitirá entender y predecir la influencia

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Capítulo 20 • El cambio climatico y sus efectos en las areas inundables de la Amazonía 453

que tienen las corrientes oceánicas y sus temperaturas sobre las sequías
e inundaciones en la Amazonía peruana.
La diferencia de temperaturas entre el ecuador y los polos,
es uno de los principales factores que inciden sobre la circulación
atmosférica. Si esta situación se modificara, generaría un cambio
importante en todo el ciclo climático de la Amazonía. Recordemos
que casi el 20% del agua dulce del mundo se concentra en la cuenca
amazónica, por lo que los cambios podrían afectar de manera global
a la totalidad del planeta.
Otro aspecto a tener en cuenta son los efectos que los cambios
en el clima tendrán sobre la vegetación de las áreas inundables.
Recordemos que la vegetación de estas áreas ha necesitado miles de
años de evolución para soportar las condiciones adversas de humedad
y calor. Los cambios pueden romper esta adaptación, generando serios
problemas para la supervivencia de la vegetación típica de estas áreas y
el sostenimiento del equilibrio climático en el planeta.

Foresta tropical y carbono


El cambio climático provocará una redistribución de ciertas
especies forestales en alturas superiores. Teniendo en cuenta que la
foresta tropical juega un rol principal en la captura de carbono, estos
cambios pueden ser vitales para mantener el equilibrio existente.
Como mencionamos anteriormente los bosques son auténticas
esponjas de carbono, pero también pueden convertirse en potenciales
emisores de esta sustancia, todo dependerá del grado de deforestación
que se genere en los mismos y en los procesos de cambio que se
suscitarán en el nuevo escenario.
Es muy probable que con el cambio climático, el aumento
de CO2 y otros gases en la atmosfera, se afecte de manera mucho
más directa a los bosques tropicales. Estos cambios pueden romper
el equilibrio existente entre la absorción y la emisión de carbono.
El aumento de temperatura y la reducción de las lluvias por convección
provocarán una disminución de la humedad del suelo, disminuyendo
las capacidades del suelo para absorber carbono. El porcentaje actual
de bosques deforestados en la Amazonía favorecerá el impacto del
cambio climático, generándose un bucle de destrucción y generación
de carbono que provocará un aumento en la temperatura global.

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454 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Áreas inundables:
profundizando en su conocimiento
Las áreas inundables poseen unos de los suelos más fértiles de
la Amazonía baja. La potencialidad de estos suelos es enorme. Para
evitar un mal uso de las mismas es necesario desarrollar procesos
de microzonificación ecológica económica que permitan extraerles
el máximo provecho, sin el peligro de afectarlas o interferir en los
procesos que las rigen.
El pulso hídrico, característico de la selva baja, controla la
ocurrencia y la distribución de las plantas y animales en las zonas
inundables, condicionando la forma de vida, la producción, el
intercambio de nutrientes y el equilibrio térmico en estas zonas. Las
áreas inundables están por ello íntimamente asociadas a los procesos
de creciente y vaciante, convirtiéndose, el subir y bajar de las aguas, en
el latido que da vida a las mismas.
El estudio de estas áreas y de cómo afectan los procesos de creciente
y vaciante a las mismas, es vital para poder mitigar los posibles efectos
que provocará en ellas el cambio climático. La ejecución de estudios
basados en sistemas de modelamiento permitirá reducir los riesgos
inherentes a los procesos de cambio, así como explicar la importancia
de estas zonas para el equilibrio de la Amazonía.

Impactos del cambio climatico sobre la


biodiversidad y los ecosistemas
El cambio climático afectará la fisiología, fenología y los procesos
biológicos, ecológicos, limnológicos y económicos sociales en la
Amazonía peruana.
Hay evidencias claras sobre los efectos que el cambio climático
tiene en la biodiversidad amazónica. Después de la sequía del 2005
vivida en la Amazonía, muchas especies de frutales nativos fueron
afectados en sus procesos edafológicos, sobre todo en la calidad,
cantidad y época de fructificación. Algunas especies como el umarí, el
camu camu, el pijuayo o el aguaje sufrieron estos cambios. En la selva
alta, especies como el café, el cacao o el maíz produjeron mucho menos
y en algunos casos fueron perjudicadas por plagas y enfermedades
hasta entonces controladas.

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Capítulo 20 • El cambio climatico y sus efectos en las areas inundables de la Amazonía 455

Hay evidencias claras de que el cambio climático está incidiendo


en la época de reproducción, en la distribución y en la supervivencia de
algunas especies de fauna silvestre. Algunas aves se han trasladado a
zonas que no son las tradicionales. Los mamíferos terrestres sufren en
exceso los efectos de las inundaciones extremas, mientras los mamíferos
acuáticos disminuyen sus poblaciones en épocas de sequía.

Desconocimiento como obstaculo principal


Si bien, es cierto que existen grandes potencialidades para
aprovechar la capacidad de los bosques amazónicos en las negociaciones
de mitigación y adaptación al cambio climático, también es real que
existen muchos problemas que debemos superar. El desconocimiento
silvicultural de muchas especies, la incapacidad de adaptación de las
políticas de desarrollo a las reales necesidades de las comunidades
rurales amazónicas, la débil capacidad del estado para otorgar la
propiedad de los territorios a estas comunidades, el desconocimiento de
la diversidad y su valor para cada uno de los ecosistemas en peligro, el
desconocimiento de la fisiología de los ecosistemas y sus interrelaciones
bióticas y abióticas, son algunos de los problemas con los que tenemos
que lidiar habitualmente.
Este desconocimiento existente puede ser un freno para afrontar
coherentemente y decididamente el cambio climático. Frente a este
desconocimiento hay que poner en marcha mecanismos que nos
permitan afianzar conocimientos más profundos sobre los aspectos
sociales, culturales y económicos de la Amazonía, sobre la climatología
y los futuros escenarios climáticos, sobre los recursos hídricos y
forestales, sobre la forma más eficaz de conservarlos, sobre la agricultura
adaptativa y la asunción de la seguridad y soberanía alimentaria, sobre
la gestión sostenible de los riesgos, etc.
Para ello, se hace necesario un levantamiento de información
y una sistematización de experiencias globales sobre adaptación y
mitigación del cambio climático (Sistema ALLPE, Proyecto SIVAN-
SIPAM, etc). La elaboración de una guía metodológica adaptada a la
diversidad de nuestra Amazonía nos permitirá establecer líneas de base
científica que permitan desarrollar actividades destinadas a mitigar los
cambios y adaptar a la población a los mismos.
Debemos reorientar la investigación a los procesos de
diversificación geográfica existente de la fauna silvestre y acuática
entre cuencas, a las migraciones regionales para crecimiento y

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456 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

reproducción de los grandes bagres, a la diversificación ecológica y


geográfica de plantas y animales en el área de influencia del arco
de Iquitos, a la redistribución de especies producto de los cambios
climáticos, percibidos ya en la Amazonía baja, a la diversificación de
plantas y animales a lo largo del gradiente de la Amazonía baja y del
piedemonte andino.
Es urgente desarrollar estudios de la adaptación incipiente
de plantas y animales a los cambios climáticos registrados hasta la
fecha, entender los procesos complejos de adaptación y cambio de la
biodiversidad amazónica nos permitirá establecer pautas para mitigar
los extremos cambios futuros y fortalecer las capacidades de adaptación
de las poblaciones rurales afectadas.
Es un hecho que la conectividad cercana de las áreas forestales
altas a los hábitats de los diferentes regímenes de inundación ha
favorecido al desarrollo de eco tipos de especies de altura resistentes
a las inundaciones. Estos procesos de adaptación de especies de altura
pueden darnos parámetros para comprender los procesos cambiantes
relacionados al cambio climático.

Qué hacer
Debemos detener la pérdida de bosque tropical y fomentar la
reforestación y manejo de los ecosistemas con base científica. Para esto las
Universidades amazónicas (UNAMAZ), Instituciones de investigación
global, la OTCA, la FAO, el Banco Mundial, CIAM y las instituciones
del Gobierno Nacional, en alianza con la sociedad civil y la cooperación
internacional, deben complementar acciones integrales que posibiliten
la ejecución de políticas que valoren y premien el manejo sostenible
de los ecosistemas por la población local, fomentando el verdadero
desarrollo sostenible, un desarrollo basado en las necesidades locales
y adaptado a la realidad ecológica y económica de cada zona o región.
Hay serias deficiencias en la aplicación del conocimiento científico
por la débil cooperación entre científicos, políticos y planificadores.
Hay que establecer redes de investigadores que permitan compartir
conocimientos y logros, fomentando la colaboración interinstitucional
y la ejecución de proyectos compartidos entre regiones y países.
La investigación debe estar focalizada a proyectos modernos,
adaptados a la nueva realidad, que estén integrados y que promuevan el
manejo adaptativo de las áreas inundables. Únicamente con la ejecución

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Capítulo 20 • El cambio climatico y sus efectos en las areas inundables de la Amazonía 457

de proyectos en estas zonas inundables podremos comprenderlas mejor


y predecir los escenarios futuros relacionados con el cambio climático.
Debemos tomar un camino moral que nos permita reducir las
emisiones de lujo y transferir tecnologías que aminoren las emisiones
de sobrevivencia y alcanzar las metas de desarrollo sostenible que
promueve. Para ello debemos dar las bases científicas para hacerlo
bien, focalizando las acciones en las áreas inundables amazónicas, ya
que estas juegan un rol importante en la dinámica amazónica y en el
clima global.

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Capítulo 21

Logistica de transporte
Ecuador-Manaos:
Red Amazónica de
Información Socioambiental
Georreferenciada
(RAISG-2012)
Salomón Jaya Quezada

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460 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Antecedentes
Paul Marcoy en 1847 realiza una travesía de 4 meses desde el litoral
del Pacífico Peruano y desciende por el río Amazonas hasta Belém do
Pará; la expedición Georgesca – Pipera recorrió 40 mil kilómetros a
inicios de los ochenta a bordo del Piñero “Niculima” en los ríos Orinoco,
Amazonas y de la Plata, quien concluyó que: “ En el Transporte Fluvial
se consumen tres veces menos combustible que por el sistema Férreo
y siete veces menos que por el sistema automotor por tonelada y por
kilómetro; de igual manera se reduce la contaminación ambiental”.
Por tanto, los ríos no solo contaminan ocho veces menos, sino
que cuestan dos terceras partes menos como medio de transporte,
además que produce cinco veces más alimento que la tierra en una
misma cantidad de tiempo (OTCA, 2006).
La interconexión de las Cuencas Hidrográficas Amazónicas por
el transporte multimodal respecto a sus ‘Corredores de Transporte’ fue
señalada como de interés regional en la Primera Reunión de ministros
de Transporte en los países de la ex TCA (hoy OTCA) realizada en
Manaos los días 26 y 27 de abril de 1991. Estos corredores son:
–– El Corredor Belém (Br) – Iquitos (Pe) pasando por Manaos.
–– El Corredor Interoceánico conectado al puerto Esmeraldas en
el Ecuador en el Océano Pacifico (convenio Ecuador – Brasil de
1958 a través de una carretera pasando por Quito hasta Puerto
El Carmen de Putumayo, continua por el río Putumayo, hasta
el Brasil para llegar por el Amazonas a Manaos- Belém), en el
océano Atlántico (OTCA, 2006).
En el año 2000 nace en Brasilia la iniciativa IIRSA que pretende
integrar a sud América a través de las infraestructuras de transporte,
energía y telecomunicaciones. 10 son los ejes estratégicos de desarrollo,
uno de ellos es el eje del Amazonas que integra a Colombia, Brasil,
Ecuador y Perú. Estas iniciativas no han prosperado de manera
significativa por falta de un diálogo amplio de los actores políticos y
sociales de la región. El CETIF de la Universidad Central del Ecuador
fue un actor muy importante con sus consejos técnicos y logísticos.

Logística de transporte Ecuador-Manaos


La logística para movilizar cargas y personas desde Ecuador
hacia Manaos podría tener tres modos de transporte: El aéreo y el

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 461

bimodal terrestre-fluvial. El aéreo ya tuvo su experiencia, con vuelos


Quito – Manaos – Quito y Guayaquil – Manaos – Guayaquil, no le fue
rentable por poca demanda. El bimodal terrestre fluvial tiene dos
fases claramente definidas en Ecuador, el tramo terrestre desde los
cuatro puertos marítimos del Pacifico hasta los embarcaderos de los
ríos Putumayo, Aguarico, Napo y Morona están en buenas condiciones
para una carga de alto tonelaje y volumen, mientras que el fluvial tiene
muchas particularidades como por ejemplo es el más económico y con
baja contaminación ambiental, pero no siempre tienen buenos calados
para la navegación segura durante todo el año.
La cuenca Amazónica tiene hidrovías que permiten unir las
poblaciones enclavadas en ella y este es el único modo natural, los
otros, no siendo naturales no son fácilmente controlables y los impactos
son de enormes consecuencias en perjuicio de la humanidad.
Los ríos Putumayo, Aguarico, Napo y Morona pueden ser
utilizados desde Ecuador a Manaos para el transporte de personas y
para carga pequeña durante todo el año, restringiendo su volumen
de carga en los meses de estiaje por los bajos calados. Se requiere de
políticas claras y sustentables con los países vecinos y de la cuenca del
Amazonas para implementar flotas de transporte bien estructuradas
que presten servicio a la sociedad en general que lo requiere para sus
actividades diarias. La integración debe ser sobretodo social, cultural,
y turística, controlando que el transporte de grandes cargas genere
impactos ambientales irremediables.

El transporte y la globalización
La globalización en la economía ha dado un cambio tan marcado
que cada vez se ve muy diferente a los que se veía hace pocos años
atrás, esta globalización de la economía obliga a que los países por más
pequeños o de bajo desarrollo que sean, estén obligados a entrar en
este proceso, u orientarse hacia la globalización en lo sustentable como
principio de supervivencia.
Los países y las empresas deben incurrir en la gestión de una
cadena de suministros SCM a nivel global, regional, nacional y local,
como una primera aproximación para enfrentar la fusión de las
economías.
El establecimiento de más multinacionales en cualquier lugar del
planeta, hace que los países desarrollen un modelo de consumismo

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462 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

masivo, y para entender esas demandas se necesitan de redes de


comunicación y de transporte, con todas las implicaciones que ello
conlleva.
Las oportunidades y los retos del tráfico portuario mundial
a los que se enfrentan los países en desarrollo debido a la creciente
globalización de los servicios logísticos portuarios son inminentes.
Está previsto que la utilización de la actual capacidad de
las terminales a nivel mundial alcanzaría el 96% en 2014, lo que
provocaría una congestión, debido al actual crecimiento de tráfico de
contenedores y la demanda futura prevista, los países están tratando de
ganar terreno en cuanto a la creación de capacidad en la manipulación
de contenedores.
El tráfico portuario mundial de contenedores (TEU) continúa
ampliándose en un 13% desde unos años atrás.
Si tomamos como ejemplo el polo industrial de Manaos, este
ofrece mayores incentivos fiscales para traer la inversión directa como
lo tiene con la China. En este contexto nuestra región debe sentarse a
discutir el futuro de la integración de sus pueblos.
El extraordinario Boom del comercio mundial y el incremento
de las relaciones entre los países, producen una inmensa cadena de
requerimientos y de infraestructura (puertos, carreteras, puentes, vías
férreas, aeropuertos, estudios ambientales, socioculturales, energía,
telecomunicaciones, etc), lo que han obligado a los países en vías de
desarrollo a reafirmar sus ventajas comparativas y desarrollar las
ventajas competitivas (modelos eficientes y optimización de recursos:
financieros, humanos, geopolíticos, entre otros) en busca de mayores
economías de escala.
El Departamento Nacional de Infraestructura de Transportes
(DNIT) de Brasil, como medida para fortalecer la ventaja comparativa
en transporte fluvial ha dispuesto de una inversión de aproximadamente
8.000 millones de dólares, para la creación de tres grandes hidrovías
como son la de Paraná-Tiete, la de Tocantins y la de Teles Pires-Tapajós.
Asimismo Ecuador está invirtiendo en carreteras, en puertos marítimos
y fluviales, centrales hidroeléctricas y telecomunicaciones con el
propósito de desarrollar su país proyectado a la integración regional.
Para enfrentar la revolución del comercio mundial, el concepto
Estado – Nación está pronto a desaparecer, las relaciones internacionales,
los acuerdos multilaterales, la eliminación de barreras fronterizas

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 463

implica apertura de los países a un conjunto de pueblos, gobiernos y


territorios. La manera de acoplarse al fenómeno de la globalización
es fomentar la integración y desarrollo regional entres los países
tercermundistas y para ello se ha diseñado ejes de integración extra e
inter regional con los países desarrollados. Los países sudamericanos
crearon la iniciativa IIRSA como mecanismo de trabajo conjunto en los
sectores de Comunicaciones, Energía y Transporte.
Es necesario investigar y trabajar arduamente en este tipo
de proyectos para el desarrollo regional y mejora en términos de
competitividad internacional.
El papel de las alianzas estratégicas entre los países es de vital
importancia para el logro de un comercio equilibrado entre los países
vecinos: Ecuador, Colombia, Perú y Brasil, por ejemplo.
El transporte intermodal se concibe como un elemento de
racionalización y mejora de la calidad del transporte de mercancías. Se
basa en una mayor cooperación entre todos los modos de transporte,
siendo un puntal clave para la mejora de los costos en la cadena logística,
incluyendo en el precio final de las mercancías en los mercados de
destino, por ejemplo, Asia – Ecuador – Perú – Brasil.
La coordinación y cooperación en el ámbito de la inter modalidad
de mercancías se refiere tanto a los modos de transporte como a las
competencias inter administrativas, pues en el ámbito internacional, la
globalización y la nueva economía mundial exigen mejoras constantes
en los procesos logísticos.
En la estructura del plan intermodal para el transporte de
mercancías se necesita los siguientes requerimientos:
–– Estructura de una red intermodal para la región (Ecuador –
Perú – Brasil),
–– Corredores intermodales nacional e internacionales,
–– Nodos en la red inter modal (marítima, aérea, fluvial, carretera,
ferroviarios),
–– Planes de coordinación territorial entre los Estados,
–– Planes de coordinación de políticas de infraestructuras de
servicio del transporte,
–– Planes de coordinación de actuaciones públicas y privadas,
–– Planes de coordinación de normativas y en el marco
institucional.

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464 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Dentro de los ejes viales Ecuador – Brasil, en la parte fluvial, es el


río Napo el más estudiado, parte desde el puerto Itaya, en una distancia
de 2900 Km hasta Manaos. A este puerto de Itaya pueden arribar
cargas por vía terrestre desde los cuatro puertos marítimos del Ecuador:
Esmeraldas, Manta, Guayaquil y Puerto Bolívar, en una distancia media
de 900 kilómetros. Existen tres ejes fluviales adicionales que son el
río Morona, el río Aguarico y el río Putumayo, pero Ecuador hasta el
momento no los ha definido como potenciales ejes de navegación, por
razones de: seguridad, técnicas, ambientales, étnicas y sociales.

Oportunidades en el transporte de la Amazonía


El potencial que ofrece la Amazonía Ecuatoriana en términos
de dinamismo económico e industrial es enorme, sin embargo, aún es
inmenso el desafío que enfrenta el Gobierno Central, el regional, los
empresarios y, en general, la población de dichas regiones para lograr
el esperado desarrollo.
El incremento en el movimiento comercial en la Amazonía,
genera no solo empleo directo e indirecto, sino un evidente beneficio
al empresariado vinculado al transporte terrestre, fluvial y aéreo, por
la mayor demanda de este servicio. Con ello, el ‘círculo virtuoso’ se
produce naturalmente: mayor consumo de combustible, lubricantes,
repuestos, entre otros insumos que consume la industria.
En referencia al transporte terrestre la asociación con el transporte
fluvial es más que necesaria, en esa zona el sector es muy informal y
está dirigido sobre todo a transporte de materiales de construcción
como adoquines, bloques, cemento, hierro, acero, tuberías, entre otros,
como se puede observar en la fotografía.
La red física que prima para transportarse dentro de la región
Amazónica es la fluvial, pero aunque esa red tenga una cierta
cobertura, no siempre tiene accesibilidad debido fundamentalmente a
los costos del combustible para las embarcaciones un galón de gasolina
de 92 octanos cuesta USD 2.00 y de diesel USD 1.00 en Ecuador, en
función de los bajos volúmenes de pasajeros y de carga. Esto quiere
decir, que el modo fluvial tiene bajos precios en la tarifa únicamente
cuando el transporte es de grandes volúmenes, y en la región no
se presenta tal condición; sumado a las condiciones de pobreza, los
viajeros no tienen los recursos económicos para poder usar los medios
y por lo tanto no es suficiente con que existan los corredores fluviales
para que tengan accesibilidad.

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 465

Figura 1. Barcaza con cargo de adoquines desde Puerto Itaya


(Ec) a Iquitos (Pe) por el río Napo.
Fonte: O autor (2014).

El transporte en la Amazonía tiene una importancia social que


va más allá de la simple movilización de carga o personas, que hace
que los pequeños puertos en la región sean de mucho interés para las
poblaciones locales. Esta importancia social es un atributo central de la
identidad o la “cultura” amazónica, y este es un dato muy importante
de tomar en cuenta en un análisis de los puertos y su potencial. En tal
sentido, si se toma en cuenta a los puertos por una simple medida
de escala, la mayoría de ellos no presenta una gran importancia
cuantitativa, pero eso se revierte cuando el potencial está medido en
una visión integrada del desarrollo de la región, tanto económica como
social.
Los puertos fluviales y embarcaderos flotantes tienen distintas
características técnicas y es posible observar las siguientes categorías:
a) poblaciones sin instalación técnica a la orilla del río, que utilizan
muelles naturales por la formación del río con sitios cambiantes durante
el año; b) muelles fijos de madera; c) muelles/puertos del tipo flotante
grandes y pequeños; d) muelles con plataforma fija, como se ve en las
siguientes fotografías.
Los cursos de agua del río Napo son de difícil navegación, por
sus bajos calados, crecidas, ramificaciones, bancos de arena, palizadas,
etc; sin embargo, aún las reducidas cantidades de mercancías que se
transportan por estas vías representan una gran ayuda para la muy
necesitada población de la zona, que carece de otras vías y medios

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466 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 2. Puerto Itaya río Napo (Ec).


Fonte: O autor (2014).

Figura 3. Embarcadero flotante en Nuevo Rocafuerte, río Napo (Ec).


Fonte: O autor (2014).

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 467

Figura 4. Deslizador que transporta pasajeros /turistas a petroleras y


centros turísticos, río Napo (Ec).
Fonte: O autor (2014).

confiables de transporte y comunicación. La ciudad Francisco de


Orellana a orillas del río Napo (Ec), actualmente es la entrada hacia
la Amazonía ecuatoriana y regional, por lo tanto juega un rol pivotal
para las cargas que van y vienen.
En general, la carga es movilizada de forma no “unitizada”.
La carga movilizada por el río Napo puede ser categorizada de la
siguiente manera:
–– Carga para el uso regional que está conformada de productos
alimentarios y de consumo.
–– Carga de otros productos para el mercado regional.
–– Carga para la industria petrolera: cemento, acero, piedra,
camiones y equipo (RoRo).
El transporte fluvial en la Amazonía Ecuatoriana está organizado
de maneras muy diferentes, por ejemplo el relacionado a las actividades
de la industria petrolera se realiza por una empresa que cuenta con el
material flotante necesario para satisfacer la demanda. La flota para
estas actividades se constituye de barcazas y plataformas.
El transporte para el consumo local es realizado con lanchas
con motores fuera de borda y, en distancias más cortas con el “peque

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468 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

peque”. En general, la producción de la región no tiene un mayor


alcance por la falta de instalaciones adecuadas de almacenaje, y por
falta de escala de producción.

Figura 5. Plataformas en el río Napo que va de Puerto Itaya (Ec)


a Tabatinga (Br).
Fonte: O autor, 2014.

Figura 6. Motores “Peque-Peque” y fuera de borda (400HP), para


embarcaciones pequeñas y medianas, río Napo.
Fonte: O autor, 2014.

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 469

En el transporte fluvial Ec-Br, las poquísimas embarcaciones que


parten de puerto Itaya (Ec), generalmente tienen que atracar durante
cinco días o más hasta que el río Napo, por el cual navegan, alcance
una profundidad necesario para poder seguir en el viaje, (los estudios,
batimétricos, hidrológicos e hidráulicos son muy limitados),como se
puede observar en la fotografía.

Figura 7. Embarcación acodada en el río Napo (Ec) por falta de


calado suficiente, rumbo a Tabatinga (Br).
Fonte: O autor, 2014.

Con un buen estudio del eje Ecuador-Manaos se potenciaría las


exportaciones ecuatorianas a países de la cuenca amazónica, Colombia,
Perú y Brasil y, captar carga en “tránsito” de la ruta Asia-Brasil. Este
eje Ecuador-Manaos sería un corredor intermodal que funcionará
vía fluvial, por carretera, aérea e incluso marítima en el caso de las
mercancías que vayan hacia el Asia.
Un corredor de transporte multimodal que integre el océano
Pacífico con el océano Atlántico, a través de Ecuador sería una vía
alterna pero claro en pequeña escala, al Canal de Panamá para esto se
está construyendo el puerto fluvial en el río Napo en el sector de Belén
Providencia y así completar el trayecto desde el Océano Pacífico hasta
la frontera con el Perú.

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470 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 8. Construcción del puerto Providencia, río Napo (Ec).


Fonte: O autor, 2014.

Desde Puerto Providencia (Ec) a Cabo Pantoja (Pe) hay 200 Km.
de recorrido, y una barcaza tardaría de 2 a 3 días de viaje, y desde
Cabo Pantoja hasta Manaos hay 2.684 Km. que se cumplirían en un
tiempo de 12 a 16 días de viaje. Por lo tanto, la ruta fluvial tiene un
recorrido total de 2884 Km, que dependiendo de las condiciones
del río, se cumplirían en aproximadamente de 14 a 19 días de viaje.
El trayecto fluvial se presenta de la siguiente manera:
Puerto Providencia – Nuevo Rocafuerte (Paso de Frontera con
Perú) – Cabo Pantoja (Pe) -Iquitos (Pe) – Tabatinga (Br) – Manaos (Br)
En el comercio con Brasil los principales productos exportables
corresponden a la industria de bienes y servicios intermedios; entre
los más importantes están los insumos para la industria, de alimentos
y bebidas, repuestos y accesorios para la industria del transporte,
materiales para la construcción, etc.
Brasil a través de Manaos, importa alrededor de 2,2 mil millones
de dólares anuales en mercaderías provenientes de Asia, parte de esta
movimiento captaría la Ruta Ecuador – Manaos, consolidando así la
integración con los otros países vecinos como son Perú y Colombia, que
también se beneficiarían con el proyecto.
Existe producción Ecuatoriana que actualmente se negocia con
Brasil a costos muy elevados debido a la falta de infraestructura y
utilización de otros medios y rutas de transporte no tradicionales como
es el río Napo.

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 471

Un corredor que pase por la zona amazónica ecuatoriana podría


reducir los costos de transporte y tiempos de recorrido de la carga
importada, como por ejemplo la materia prima importada por las
fábricas de Manaos que es originaria de Japón y China y de otros países
del lejano Oriente.
El intercambio entre estos países vecinos se verá reducido o
debilitado sin la utilización de nuevas vías de transporte. Ciudades
como Iquitos (Pe) con poblaciones del orden del medio millón de
habitantes, Letícia en Colombia y Tabatinga en Brasil, ciudades que
son potenciales clientes compradores de varios productos ecuatorianos
y que actualmente tienen un abastecimiento de todo tipo de productos
única y exclusivamente por vía Fluvial y en pocos casos aérea

Seguridad durante la navegación


En los viajes fluviales realizados por las embarcaciones de
PORTONAPO desde Ecuador tanto a Perú como a Brasil, se pudo
confirmar que la seguridad en estas rutas son garantizadas con
destacamentos militares en los siguientes Puntos:
–– En Ecuador: Pañacocha y Nuevo Rocafuerte
–– En Perú: Pantoja, Mazan, Iquitos, Santa Rosa
–– En Colombia: Letícia
En Brasil: Tabatinga, São Paulo de Olivença, Fonte Boa, Coari,
Manacapuru, Manaos entre otros

Principales proyectos ejecutados desde Ecuador hacia


Iquitos (Perú)
Para las compañías Conduto Ecuador y Conduto Perú, se
transportó equipos de construcción para el Proyecto Pluspetrol en
Perú.
Para las Compañías Harbert Internacional y Conduto Perú
se transportó un taladro de perforación y equipos de construcción,
desde Puerto Providencia (Ec) hasta Iquitos (Pe), el peso total fue de
1.300 Ton.

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472 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Figura 9. Transporte de equipos de construcción en barcazas


sobre el río Napo, 2014.
Fonte: O autor, 2014.

Principales proyectos ejecutados desde Ecuador hacia


Manaos:
Para la empresa Andrade Gutiérrez se transportó tres vehículos
todo terreno ATV, vehículos que estaban en el país por los diferentes
proyectos que la empresa estaba realizando.

Principales proyectos ejecutados desde ecuador hacia


Letícia-Colombia y Tabatinga–Brasil:
Se transportaron productos agrícolas, carga seca y refrigerada
desde el Ecuador, por un peso total: 150 Ton.

Oportunidades para el desarrollo de


las infraestructuras logísticas
El país no cuenta con plataformas logísticas multi-operador,
pero comienzan a aparecer iniciativas concretas del Sector Público,
actualmente, el proyecto más importante de una plataforma es el

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 473

centro logístico en la zona franca de Quito, el proyecto es promovido


por el Estado pero será financiado por inversionistas privados.
Los Gobiernos de los Estados de la Amazonía occidental están
promoviendo el desarrollo de la Plataforma logística en la región.
En Colombia existe una gran variedad de proyectos de
plataformas logísticas promovidos por la iniciativa privada.
El Gobierno Nacional ha decidido intervenir para asegurar que
plataformas logísticas cuenten con estándares de calidad y cumplan
con su función de entes facilitadores del comercio
El desarrollo logístico tiende hacia un modelo mixto, donde el
Estado asume el papel de planificador de las localizaciones estratégicas,
a la vez que valida y controla el desarrollo de los proyectos puramente
privados.

Problemas en las aduanas


Puerto Bolívar (Ec)
Entre los principales problemas que tiene a nivel de aduanas, el
puerto de Puerto Bolívar tiene la falta de adaptación entre los horarios
del Puerto y los horarios del resto de los servicios con competencia en
la actividad portuaria, tales como aduanas, migración.

Guayaquil
La inexistencia práctica del tránsito aduanero interno, costes
suplementarios graves para el comercio, y, falta de operación
independiente de los puertos para desconsolidar y consolidar las
mercancías.

Manta
Falta de adaptación de las disposiciones nacionales sobre
tránsito aduanero y cabotaje marítimo interandino a las exigencias
de los tráficos previstos para Manta, la falta de adaptación de las
prácticas aduaneras a las decisiones andinas sobre Tránsito aduanero y
Transporte Multimodal.

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474 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Tránsito aduanero Ecuador – Perú


La inseguridad se ha convertido en uno de los temas más
relevantes en las ciudades latinoamericanas, en parte, debido al
incremento de su magnitud, a las nuevas formas que asume y a los
impactos sociales, económicos y ambientales que produce. Sin embargo,
en las zonas de frontera, las cuales generalmente se encuentran alejadas
de los centros urbanos principales, la situación tiene características aún
más particulares y complejas. Ante esto, se hace necesario posicionar
dicha problemática en el debate público, con la finalidad de conocer
la realidad cotidiana de las poblaciones fronterizas, definir políticas
públicas certeras y, además, reducir la distancia que existe entre los
planes implementados desde la capital (centro) y los problemas que
tiene la población del cordón fronterizo (periferias).
En la actualidad, la frontera no es solo el punto de encuentro de
dos o más Estados, sino también una zona de flujos transfronterizos
que opera como puerto o plataforma internacional de integración. Por
esto, las políticas no pueden responder solo a un manejo tradicional
de una línea de frontera a través del control militar, diplomático,
migratorio o aduanero, sino que deben ser proactivas para producir
impactos positivos en regiones que se encuentren situadas más allá de
la propia zona de frontera.

La seguridad en zonas de frontera


La frontera se encuentra en constante transformación porque es
un fenómeno histórico cambiante, fruto de las relaciones dinámicas que
se establecen entre las distintas fuerzas sociales, políticas y económicas
presentes en la región.
La creciente integración regional plantea una redefinición de las
fronteras en el entendido que el proceso de globalización parece licuar
las fronteras tradicionales debido a la apertura de los mercados y al
desarrollo tecnológico que se vive a escala planetaria.
Las fronteras retoman importancia como fruto de las asimetrías
principalmente del nivel de desarrollo, situación que genera espacios
propicios para la proliferación de mercados ilegales que convierten
estos espacios en puntos de crecimiento. Las asimetrías económicas en
la frontera generan ventajas competitivas que son aprovechadas por
grupos dedicados al comercio ilegal (contrabandistas, traficantes), tanto
por bandas organizadas de alta especialización en el cometimiento

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 475

de delitos, como de ciudadanos y sus familias que encuentran en esta


actividad una forma de lograr algún tipo de mejora en sus ingresos
familiares.
También hay que considerar que el segundo país consumidor
de coca a nivel mundial es Brasil, país que si bien no es limítrofe
con Ecuador, sí lo es fronterizo, tanto que forma parte de una tetra
frontera (Colombia-Letícia, Perú-Iquitos, Ecuador-Sucumbíos, y Brasil-
Manaos). La distinción entre límite y frontera es clave para entender
esta condición: mientras los límites son resultados de acuerdos políticos
entre países colindantes para señalar –incluso con hitos– una línea
hasta donde llega un país y empieza otro, la frontera es un espacio
regional de encuentro bajo la lógica de una región y de una dinámica
histórica.
Los límites marítimos del Ecuador también son parte de la zona
fronteriza, en razón de que los mejores puertos del Océano Pacífico en
Sudamérica se encuentran en Ecuador; lo cual convierte a la costa en
una frontera con destinos múltiples, por los vínculos que se establecen
con los mercados de Europa, Asía, México y los Estados Unidos. En
otras palabras, esta conexión proviene de la demanda que generan,
como mercado natural de la exportación de droga que sale desde
Colombia y Perú y que pasa parcialmente por el Ecuador.

Debilidades y fortalezas en
el transporte Ecuador – Manaos
Una de las principales debilidades y limitaciones en el transporte
Ecuador- Manaos es la capacidad física de puertos fluviales y calidad
de las hidrovías.
En lo que tiene que ver con el río, en época de estiaje, se
presentan restricciones a la navegación por la disminución de su
profundidad y la aparición de zonas críticas llamadas malos pasos,
como palizadas y bancos de arena, en tal sentido se hace necesario
eliminar las restricciones a la navegación y dotar a la vía fluvial de
la infraestructura y equipos necesarios a fin de poder mejorar las
condiciones de navegabilidad los 365 días del año y le transformen a la
vía rentable económicamente.
La ordenación de estas vías navegables para asegurar una
navegabilidad adecuada, impone resolver problemas hidrológicos y de
ingeniería en general que exigen estudios importantes al determinar

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476 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

cada proyecto, resultado de los cuales aparezcan soluciones que


permitan una navegación eficaz y segura.

Fortalezas
En cuanto a la infraestructura el Ecuador actualmente cuenta
con 4 puertos marítimos:
–– Puerto de Guayaquil
–– Puerto de Manta
–– Puerto de Esmeraldas
–– Puerto de Puerto Bolívar
De igual manera en el país se encuentran 4 aeropuertos
internacionales:
–– Aeropuerto Mariscal Sucre en Quito,
–– Aeropuerto José Joaquín de Olmedo en Guayaquil
–– Aeropuerto Eloy Alfaro en Manta
–– Aeropuerto Cotopaxi en Latacunga
Adicionalmente el Ecuador cuenta con proyectos futuros de
expansión y desarrollo tanto para puertos como para aeropuertos que
colaboran al crecimiento de la competitividad del país, estos son:
–– Proyecto de dragado del Puerto de Guayaquil
–– Proyecto de Transporte Multimodal Manta Manaos
–– Proyecto nuevo aeropuerto de Guayaquil
Estratégica localización geográfica en la costa del pacifico,
que otorga a los puertos del Ecuador una ventaja competitiva en el
desplazamiento de embarcaciones hacia los puertos de los principales
socios comerciales internacionales como son Estados Unidos y países
de Europa y Asia.
En lo ambiental, la logística del transporte Ecuador- Manaos,
debe considerar el riesgo ambiental para la integridad del bosque
amazónico y de la biodiversidad a lo largo de los corredores fluviales,
además de los impactos sociales, étnicos y culturales directos e
indirectos, muchos de ellos aún por determinarse. Lo propio puede
decirse del acondicionamiento de vías terrestres en el trayecto del
eje vial.

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Capítulo 21 • Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información... 477

En el área de influencia del Eje puede mencionarse la existencia


de emprendimientos de tipo productivo, extractivo y comercial, tales
como:
La actividad petrolera, ampliamente extendida en la región
amazónica ecuatoriana. Hasta 2008, se calculaba que aproximadamente
65% de ella se había dividido en bloques petroleros, sobrepuestos a
las áreas protegidas y tierras ancestrales de 10 grupos indígenas,
incluyendo algunos pueblos no contactados, como los Tagaeri y los
Taromenane en Ecuador. En los hechos, todo el oriente ecuatoriano
está intervenido por este tipo de actividades, que tienen al río Napo
como un importante curso para la movilización de sus productos.

Conclusiones
El proyecto Ecuador – Brasil: Eje vial Ecuador – Manaos,
consiste en habilitar un eje vial terrestre capaz de transportar grandes
cantidades de carga desde los cuatro puertos marítimos ecuatorianos
hasta un puerto de trasferencia ubicado en el río Napo (Ec), donde la
mercadería pueda ser embarcada en naves fluviales que atraviesen la
Amazonía Ecuatoriana hasta Manaos en Brasil, para el efecto se aplica
un régimen aduanero de transbordo con traslado, de esta forma se
puede obtener una disminución del tiempo de movilización de carga
en por lo menos 7 días.
La construcción del puerto de transferencia de carga en Belén
/ Providencia el río Napo (Ec) se ejecutará en el límite del Parque
Nacional Yasuní y de la Reserva Biológica de Limoncocha, y a pocos
kilómetros de la Reserva de Producción faunística del Cuyabeno; a
pesar de ello, los reportes financieros a los que se ha tenido acceso
estiman una reducida cifra para los estudios de impacto ambiental, a
pesar de que el puerto se construirá en una de las zonas ambientales
más frágiles del planeta.
No existe ningún estudio de valoración de los posibles daños
ambientales que se pudieran generar frente a los “beneficios”
económicos del proyecto Ecuador – Manaos.
El aumento del tráfico comercial por el río, alterará la dinámica
existente, en la que coexisten una gran variedad de especies faunísticas
y vegetales, con las comunidades que ancestralmente han vivido
asentadas en sus orillas, y para las cuales, el río Napo constituye un
elemento cultural central.

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478 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Mejorar la dinámica en la homologación de Sistemas Aduaneros


entre los países del Eje Multimodal Ecuador – Manaos.
Establecer una política regional para dinamizar el Eje, respecto
a la infraestructura, transporte y logística, como un proceso de mejora
continua y que requiere de revisiones y modificaciones periódicas, a
largo plazo, considerando que los resultados no son visibles a corto
plazo.
El déficit de infraestructura fluvial en Ecuador produce un
“Cuello de Botella” a la logística del transporte multimodal Ecuador-
Manaos.
Para la integración no basta con la conexión de la infraestructura,
es necesario y sobre todo tener acuerdos de pasos de frontera (CEBAF¨S)
entre los países vecinos y desarrollo de comunidades acordes al mundo
globalizado.
En los estudios de transporte multimodal de los tramos terrestre
y fluvial del Eje Ecuador – Manaos, deben participar los Centros de
Investigación de las Universidades de la Región.
En la logística del transporte Ecuador – Manaos es prioritario para
Ecuador resolver el principal “Cuello de Botella” que es el estudio de la
Capacidad de carga del río Napo que permita rentabilidad económica,
en la actualidad existe muy poca información, la cual demuestra que el
calado del río no permite navegar más allá de 7 meses al año con carga
superior a las 300 toneladas.

Bibliografía
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Capítulo 22

Tecnología amazónica:
realidad en Colombia:
Instituto Amazónico
de Investigaciones
Científicas SINCHI+-32
Luz Marina Mantilla Cárdenas
Carlos Ariel Salazar Cardona

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482 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Presentación
La cultura es un formidable puente de conexión de la sociedad
con la naturaleza. Para ello se requieren largos periodos de maduración
del conocimiento y de sus atributos, de organización de las fuerzas
integrantes de la sociedad, representado en sus formas jerárquicas de
distribuir el poder, el prestigio, el conocimiento, los recursos materiales
y simbólicos, las cargas y las responsabilidades.
Este es el gran legado de nuestras comunidades indígenas en
la región amazónica suramericana. Las tecnologías relativas a la
rotación de los cultivos, el mejoramiento de condiciones productivas
de los suelos, las técnicas de caza y pesca con todo su instrumental,
fueron traducidas en formidables mitos de creación, de distribución
de las poblaciones en el territorio, de experticias entre orfebres,
tejedores, talladores, cazadores, agricultores, pescadores. Un mundo
armónicamente organizado de acuerdo con las habilidades y los
recursos con que contaban (VAN DER HAMMEN, 1992).
Un neolítico largamente madurado se vio interrumpido de
forma abrupta hace quinientos años. Una nueva organización social
dio comienzo a formas de intervenir en el medio y un nuevo sistema
de aprendizaje y conocimiento se viene abriendo paso. El uso del fuego
como técnica para someter unos reducidos espacios para la producción,
esto es la chagra, es ampliamente usado por el nuevo poblador, con
resultados catastróficos.
En efecto, los fuegos controlados y de mínima escala para la
producción en las chagras indígenas, se mantiene como la técnica más
utilizada por el hombre mestizo, que en estos quinientos años viene en
un sostenido sometimiento de las amplias masas arbóreas tropicales de
la amazonia.
Sometida la tierra por medio del fuego a unos sistemas productivos
que como la ganadería extensiva, la agricultura en monocultivo,
comercial y de plantación –soya, sorgo, maíz, palmas oleaginosas-, los
cultivos de uso ilícito de gran tamaño, las pasturas introducidas, entre
otros, que han demostrado no ser sostenibles.
Aun hoy, y sabiendo que la fertilidad de los suelos tropicales se
conserva en la Fito masa y no propiamente en la capa superficial de
la tierra, se mantiene una fuerte estrategia para incorporar millones
de hectáreas a la producción agropecuaria. De aquí proviene el
desacople que la nueva sociedad tiene con los territorios que ha venido

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 483

a ocupar, y de igual manera, la necesidad de mantener, recuperar y


usar los conocimientos milenariamente cultivados por las comunidades
indígenas para mantener modelos sostenibles de producción.
Es propósito de este artículo abordar algunas de las consecuencias
que ha tenido el proceso de ocupación de la región por los mestizos y
otros grupos sociales, quienes haciendo uso indiscriminado del fuego
han configurado un espacio de notables contrastes. La región como
fuente inagotable de recursos constituyó la visión más extendida que
tenemos los colombianos de nuestra amazonia. En efecto, la quina, el
caucho, la zarzaparrilla, el oro, las maderas finas, las pieles y plumas,
el oro, el petróleo, la coca, entre los principales, han dado soporte
a reiterados ciclos de bonanza, que le han aportado muy poco a un
verdadero desarrollo fundamentado en el aprovechamiento de su
diversidad biológica y cultural.
La región amazónica ha propendido por estructurar una
estrategia de desarrollo que responda a sus particulares condiciones
geográficas, político –institucionales, socioeconómicas, étnicas y
ambientales. La riqueza ambiental de la región debe ser un factor de
desarrollo, y la política pública para ella debe ser uno de los instrumentos
necesarios para lograr mayor bienestar de sus habitantes. Es necesario
identificar el aprovechamiento sostenible de los recursos naturales que
debe plantear un modelo de gestión pertinente y de manera articulada
(MANTILLA, 2013).
El Estado Colombiano y la región Amazónica requiere de
un diseño de política pública que reconozca, articule e integre el
aprovechamiento sostenible de su biodiversidad a una visión de
desarrollo que esté fundamentado en su recursos y capacidades,
pues esta vasta porción de la geografía nacional con características,
potencialidades y problemáticas es distinta a la zona andina y costera,
cuyos esquemas de ordenamiento y administración territorial no son
homologables a las del resto del país.
La política pública y la implementación para el manejo sostenible
de la biodiversidad requieren de la interacción con los actores directos.
En términos de la Evaluación de Ecosistemas del Milenio, se menciona
que un conjunto efectivo de respuestas que aseguren una gestión
sostenible de los ecosistemas, requiere cambios sustanciales en las
instituciones y en la gobernanza, en las políticas económicas e incentivos,
en los factores sociales y de comportamiento y en la tecnología y los
conocimientos, los cuales podrían disminuir de manera considerable

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484 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

la severidad de los problemas ambientales y sociales en las próximas


décadas (MANTILLA, 2013).
Es necesario crear una nueva visión para la región. Esta es una
tarea titánica que con buen tiempo y reflexión mesurada, podrá arrojar
buenos resultados. Por ello el Instituto Amazónico de Investigaciones
Científicas SINCHI se orienta por los postulados del desarrollo
sostenible sobre la base del dialogo de saberes entre el conocimiento
tradicional indígena y de comunidades locales con los paradigmas del
conocimiento científico occidental.

Las plataformas tecnológicas:


Factor de regionalización
La amazonia colombiana no es homogénea (GUTIÉRREZ;
ACOSTA; SALAZAR, 2004). Este inmenso territorio de 483.160
kilómetros que representa el 42 % del territorio continental de país,
es un mosaico de manifestaciones sociales, culturales y por supuesto
tecnológicas.
Se estima que la región y los departamentos continuarán
creciendo en sus áreas urbanas manteniendo la tendencia tanto nacional
como mundial. El 45.32% de la población total (602.668 habitantes),
se encuentra ubicada en las cabeceras municipales, o áreas urbanas,
en tanto el 54.68% (727.021 habitantes) se halla en las áreas rurales,
selváticas y de asentamiento indígena de la región (RIAÑO, 2014).
Los departamentos más poblados son Caquetá con 465.487
habitantes y Putumayo con 337.054 habitantes. Analizados en la escala
departamental, es significativa la preferencia de los pobladores de los
departamentos de Caquetá, Guaviare y Putumayo hacia la localización
en área urbana, por encima incluso del promedio regional, con valores
del 58,73%, 57,54% y 47,98%. Sin embargo, el departamento de
Guaviare es el que presenta el cambio más dramático, pues entre 1993
y 2013 pasó del 39,16% al 57,54%. El departamento de Vichada, en su
fracción amazónica mostró una tendencia similar al pasar del 11,31%
de población urbana al 27,38%.
La parte occidental, densamente poblada ha hecho del fuego
y las herramientas basadas en el hierro y la electricidad su base
tecnológica para la transformación más profunda de los ecosistemas
que las comunidades indígenas utilizaron sosteniblemente durante
largos periodos de tiempo.

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 485

El uso intensivo de esta plataforma tecnológica viene siendo un


factor central en la regionalización o formas diferenciadas de usar los
territorios amazónicos. Una región occidental altamente intervenida
frente a una oriental de predominio de comunidades y territorialidades
indígenas. Para ello caracterizaremos cada una de las subregiones y las
implicaciones que las aplicaciones tecnológicas tienen en ellas. Véase
el mapa 1.

Figura 1. Subregiones de la Amazonia Colombiana.


Fuente: Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI, 2014.

Amazonia Noroccidental
Esta subregión corresponde al área de poblamiento continuo,
organizado en jerarquías de ciudades y pueblos a través de la red de
comunicaciones que integra el conjunto y cuya economía se basa en la
producción de mercancías. La matriz productiva predominante es la

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486 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

ganadería extensiva, las pasturas y las coberturas secundarias de bajo


porte. El uso masificado y permanente del fuego da cuenta de estos
paisajes.
Esta subregión hace parte de un enorme anillo de intervención
o poblamiento que rodea la periferia amazónica de todos los países
de la cuenca. Pertenecen a la actual Amazonia Noroccidental, el
departamento de Putumayo y parte de los departamentos de Caquetá
(occidente), Guaviare (noroccidente), Meta (suroccidente), Vichada (sur),
Cauca (la Bota Caucana) y Nariño (extremo suroriental). Esta subregión
ocupa actualmente, cerca del 35% de la Amazonia colombiana, siendo
la de menor extensión.
Se estructura a partir de los procesos de colonización acaecidos
en el piedemonte putumayense, caqueteño, metense y en el eje de
los ríos Ariari-Guayabero-Guaviare y se funda en una distribución
continua para la producción y circulación de mercancías, la cual ha
tenido como soporte la conformación de las redes de infraestructura
vial, a través de las cuales circulan los flujos sociales y económicos.
Se caracteriza por una mayor densidad demográfica, respecto a la
subregión de la Amazonia Suroriental. Su poblamiento es continuo
y forma grandes manchas o cinturones alargados que siguen las
principales vías de comunicación. La región constituye una expansión
de las áreas vecinas de antigua incorporación al mercado nacional
y por eso, en ellas predomina el colono blanco -culturalmente-,
presentando una total hegemonía sobre las poblaciones nativas de esta
subregión.
Su proceso de intervención de dinamizó de manera importante
desde fines de la década del cincuenta del siglo XX fundamentalmente
haciendo uso del fuego para el desmantelamiento de las masas arbóreas.
La región presenta en el año 2012 un área intervenida de 45.481
Km2 correspondientes al 9,41% del total regional. Allí se destacan las
superficies deforestadas, el paisaje dominante de pasturas y las áreas
urbanas.
La motosierra y el fuego dan cuenta de la más profunda
transformación sociocultural de la región. Por ello, esta región se halla
profundamente transfigurada con el mayor sistema de asentamientos
humanos –ciudades, cabeceras municipales, centros poblados de
colonos y campesinos, reducto de pueblos indígenas en fuerte proceso
de asimilación al campesinado de la región-, la mayor infraestructura
vial, de redes y servicios públicos domiciliarios.

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 487

Amazonia Suroriental
Se localiza a partir del límite anterior en dirección sureste y
corresponde al área predominantemente del bosque húmedo tropical,
donde vive una población dispersa, en su gran mayoría indígena y cuya
economía se basa especialmente en la subsistencia. En esta se hallan
inmersos los centros político-administrativos y los centros mineros,
pues son enclaves geopolíticos y económico-extractivos. Los enclaves
geopolíticos considerados son: Letícia y Puerto Nariño (Amazonas),
Mitú (Vaupés) y Puerto Inírida (Guainía).
Los enclaves económico-extractivos corresponden a: el municipio
de Taraira (Vaupés) y los corregimientos departamentales de Tarapacá,
La Pedrera, El Encanto y La Chorrera (Amazonas) y la inspección de
policía de Araracuara (Solano – Caquetá). Pertenecen a la Amazonia
suroriental, los departamentos de Amazonas, Vaupés y Guainía y parte
de los territorios del Caquetá (oriente) y Guaviare (suroriente). Su área
equivale al 65% de la región Amazónica Colombiana, siendo mayor
que la anterior. Pertenecen a la subregión parcialmente los municipios
de Solano, Puerto Rico y San Vicente del Caguán del departamento del
Caquetá, El Retorno, Miraflores y Calamar y San José del Guaviare en
Guaviare.
En la Amazonia Suroriental, la organización histórica del espacio
se ha dado a través de las vías de comunicación natural constituidas
por los ríos amazonenses, andinenses y sus principales tributarios. Los
actuales asentamientos de herencia milenaria son conformados por
grupos indígenas culturalmente diversos, localizados principalmente
en los departamentos de Guainía, Vaupés y Amazonas.
Las comunidades indígenas de esta subregión persisten en su
lucha por la preservación de su cultura, sus conocimientos y saberes,
así como sus plataformas tecnológicas, que son sin duda muy exitosas si
se considera que en estos quinientos años han podido hacer frente a los
múltiples embates que diferentes sociedades han hecho por apropiar
su patrimonio.

Las implicaciones de las aplicaciones tecnológicas


Así como el hacha de hierro fue la gran innovación entre los
pueblos indígenas a partir de mediados del siglo XIX, que incluso
modificó sus fundamentos míticos, la motosierra para el mestizo, es la
gran revolución tecnológica desde mediados del siglo XX.

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488 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

El uso continuo y a gran escala del fuego y la motosierra son


la plataforma tecnológica que explica el desarrollo de las principales
actividades productivas, las diferencias regionales, pero de manera
muy especial, la poca adaptabilidad social al espacio amazónico,
una vez introducidas las prácticas culturales de la praderización y su
consecuente sistema ganadero, concentración de la tierra y fomento de
actividades económicas.
Los conflictos socioambientales que vive la región se deben
al poco acople de la nueva sociedad con el medio ambiente. Los
valores culturales de explotación de la naturaleza mediante sistemas
productivos no sostenibles, la acumulación desproporcionada de la
tierra, el conflicto político y militar de los últimos cincuenta años
vividos en la región, son la consecuencia del malestar vivido por las
nuevas generaciones.

Tala selectiva y deforestación


De acuerdo con el indicador Tasa Media Anual de Deforestación
(TMAD), que mide la magnitud de la deforestación de los bosques
amazónicos, revela, por ejemplo, que durante los cinco años
analizados (2002 – 2007), se deforestaron 7.683 km2, con una tasa de
1.536 km2/año.
De acuerdo con el estudios realizado en el Instituto Amazónico de
Investigaciones Científicas SINCHI (MURCIA et al., 2011) el indicador
a nivel departamental, el proceso de deforestación se presenta en los
departamentos de Caquetá, Meta, Guaviare y Putumayo (pertenecientes
a la subregión Noroccidental) situación que coincide también con
los análisis a nivel municipal, pues los municipios con las más altas
pérdidas de bosque y tasas de deforestación corresponden a estos
departamentos (La Macarena, San Vicente del Caguán, Cartagena del
Chairá, San José del Guaviare, Puerto Guzmán, Cumaribo, El Retorno,
Calamar, Solano, Leguízamo, Miraflores, Uribe, Mapiripán, Puerto
Asís, y Puerto Rico.
Los resultados para toda la región evidencian que los pastos
tuvieron un incremento de 10.140,8 km2, con una tasa media anual
de praderización de 2.028 km2/año. Las áreas donde el proceso
de praderización fue más intenso coinciden con la subregión
Noroccidental, en los departamentos de Guaviare, Meta, Caquetá y
Putumayo (MURCIA et al., 2011). Este indicador es muy crítico en la
amazonia noroccidental en la que se observan las mayores tasas de

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 489

praderización con un aumento en área equivalente a 5.490,11 km2 y


una tasa media anual de praderización de 1.098 km2/año.
En cuanto a la praderización a nivel departamental los
departamentos que más área en pastos aumentaron corresponden a
los ubicados en la subregión Noroccidental, es decir Caquetá, Meta,
Guaviare y Putumayo (MURCIA et al., 2011), en contraste con algunos
de los departamentos ubicados en la subregión nor y suroriental, como
Vaupés, Amazonas y Guainía, los cuales presentaron una tasa media
anual de praderización mucho menor.
Situación que coincide también con los análisis a nivel municipal,
del indicador, pues los municipios con el mayor aumento en áreas de
pastos y tasas de praderización corresponden a La Macarena, San
Vicente del Caguán, Cartagena del Chairá, San José del Guaviare,
Puerto Rico, Puerto Guzmán, Calamar, El Retorno, Solano, Uribe,
La Montañita, Cumaribo, Miraflores, Puerto Asís, y Leguízamo, en
orden descendente, ubicados en la subregión Noroccidental.

Ganadería extensiva de altos impactos ambientales


La mayoría de los actores sociales asentados en el territorio
amazónico han tenido como primer y último propósito convertir en
zona ganadera esta región, cuyos suelos en su mayoría distan de ser
aptos para esa actividad. Por esta razón, de las cerca de cuatro millones
de hectáreas que hacia mediados de la primera década del siglo XXI
se encontraban dedicadas a las actividades agrícolas y pecuarias, la
inmensa mayoría, esto es más del 95%, estaban cubiertas de pasto.
Como es obvio, buena parte de la superficie convertida en
praderas se localiza en el noroccidente amazónico, toda vez que más
del 99% de esta superficie hace parte del anillo de poblamiento de
Caquetá (el 64,56%), Guaviare (el 15,22%), el sur del Meta (el 15,83%),
y Putumayo (el 3,47%), mientras que por las condiciones agroecológicas
de los suelos del suroriente, el suelo dedicado a la ganadería es
prácticamente inexistente: sólo 2403 hectáreas en Vaupés y Guainía,
cuyas jurisdicciones se extienden por cerca del millón ciento cuarenta
mil hectáreas (ARCILA, 2010).
Si bien esta actividad está muy extendida en la Amazonia
colombiana y es un determinante importante de la modificación de su
paisaje y de la afectación negativa de su biodiversidad, sus características
productivas distan de ser las mejores.

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490 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Las características de la ganadería presentan diferencias interde­


partamentales e intersubregionales, lo que se observa en el agregado
regional es el predominio de los pastos mejorados en relación con
los pastizales naturales y las praderas de corte. De acuerdo con la
información reportada por el Ministerio de Agricultura, sólo el 0,57%
de los pastos amazónicos son de corte, alrededor del 70% son pastos
mejorados y el resto corresponde a praderas naturales. En consonancia
con la estructura de uso del suelo que se acaba de plantear, la mayoría
de los pastizales mejorados que hay en la Amazonia colombiana
cubre los suelos de los departamentos del noroccidente amazónico y
de los municipios del sur del Meta que hacen parte de la subregión
Noroccidental, en particular, en el departamento de Caquetá
(ARCILA, 2010).
La promoción de la ganadería ha sido una política muy activa en
la Amazonia colombiana, sobre la base del fomento de la Braquiaria
decumbens. En efecto, alrededor del 72% de las praderas caqueteñas
corresponden a esta especie forrajera, cerca de las nueve décimas partes
de las del Guaviare también han sido objeto de la introducción de este
cambio tecnológico, lo mismo que el 55% de las del sur metense.
Articulado con el hecho que en el Caquetá se encuentra la mayor
parte de las praderas amazónicas, también es allí en donde se aloja el
grueso del hato bovino regional: cerca de las dos terceras partes de los
bovinos pastan en este departamento, 46% de los cuales pertenecen a
las ganaderías de San Vicente del Caguán.
La importancia ganadera de este municipio en el contexto
regional queda al descubierto cuando se observa que las 561.566 reses
que, hacia mediados del primer decenio del siglo XXI, integraban
el hato sanvicentuno superaban a las existentes en cada uno de los
departamentos amazónicos, individualmente considerados (ARCILA,
2010).
Pese a la incorporación del cambio técnico antes señalado y a
que la presencia de Nestlé presiona la demanda láctea por lo menos
en el Caquetá, la ganadería amazónica tiende a ser de doble propósito,
puesto que, por una parte, el 63% del hato regional son reses hembras
y el restante 37% son machos y, por otra, alrededor del 41% lo integran
vacas cuya edad supera los dos años.
A pesar, también, del mejoramiento técnico incorporado, pero
relacionado con la baja fertilidad de los suelos amazónicos, la actividad
ganadera que se desarrolla en esta región acusa limitaciones en la

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productividad. Un indicador de dichas limitaciones es que el pastoreo


de cada res exige, en promedio, dos hectáreas.
No obstante lo anterior, es pertinente señalar el efecto negativo
sobre el medio ambiente inherente a la ganadería en la Amazonia.
Frente a los propósitos, a las presiones y a la reivindicación que
esgrimen ciertos actores locales y regionales, conviene no perder de
vista que el departamento más ganadero de la región (Caquetá) tiene
una capacidad de sólo 0,51 cabezas de ganado por hectárea, que en
Guaviare ese indicador es apenas de 0,26 y que en San Vicente del
Caguán, en donde pasta la mayor parte del hato caqueteño, equivalente
al 30% de este sector agropecuario, la capacidad de sus pasturas sea
sólo de 0,47 reses por unidad de superficie (ARCILA, 2010).

Cultivos de uso ilícito


Después de la ganadería y de la agricultura tradicional, el
tercer renglón productivo del agro amazónico, en cuanto se refiere
a la cantidad de tierra que ocupa, es el cultivo de la coca, aunque la
superficie sembrada con esta planta se ha reducido drásticamente a lo
largo de la primera década del siglo XXI.
La magnitud de dicha reducción supera con creces la presentada
en el plano nacional. Es así que, mientras la superficie cocalera del
país pasó de 142.625 hectáreas en el año 2001 a 77.715 hectáreas en
2008, lo que representó una reducción del 45,5%, las 106.784 hectáreas
dedicadas a esta actividad en la Amazonia involucionaron en el
73,23% para convertirse en 28.582 hectáreas en el año 2008. En otras
palabras, frente a una reducción de los cocales nacionales cercana
a las 65.000 hectáreas, la contracción del cultivo en la Amazonia
colombiana significó que se dejaran de sembrar con dicha planta más
de 78.000 hectáreas. Los años 2012 y 2013 Colombia tuvo cultivos de
coca en 48.000 hectáreas, de ellas y para el último año, la amazonia
conto con 20.700 hectáreas (UNODOC, 2014).
Si bien es cierto que las áreas cocaleras amazónicas se han
reducido de manera considerable, no obstante se observa que en el
contexto intrarregional se mantiene más o menos la misma distribución
relativa de las áreas cocaleras que había a principios del siglo XXI, esto
es que al igual que en el año 2001, en el año 2013 el departamento de
Putumayo sigue siendo el mayor productor de coca de la Amazonia
colombiana (7.667), Guaviare el segundo (4.725), en tanto que Caquetá

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492 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

(4.322) y los municipios del sur del Meta se disputan el tercero y cuarto
puesto (Departamento de Meta 2.898).
Si se profundiza en el análisis y se considera el plano nacional,
se nota que todavía los departamentos de Putumayo, Guaviare y
los municipios septentrionales del Meta conservan los puestos de
vanguardia como productores de coca en Colombia, pero con la
diferencia de que las áreas que dichos territorios le dedican a este
cultivo no solo son muy inferiores a las existentes en los primeros años
del siglo XXI, sino que desde el año 2006 son ampliamente superadas
por las del departamento de Nariño. Por ejemplo, la superficie que
en 2008 se dedicó a sembrar coca en Nariño superó en cerca de
10.000 hectáreas los cocales putumayenses y triplicó los del Guaviare,
Caquetá y sur del Meta. Hoy, el departamento de Nariño cuenta con
13.177 hectáreas (UNODOC, 2014).

Alternativas científicas y tecnológicas


para el desarrollo sostenible
Frente al complejo panorama que presentan los sistemas
productivos arriba descritos, los débiles desarrollos tecnológicos
y sus altos impactos socioambientales, el Instituto Amazónico de
Investigaciones Científicas SINCHI viene adelantando con las
comunidades tradicionales de la región y sobre la base de un diálogo
de saberes y conocimientos, una serie de desarrollos científicos y
tecnológicos para el desarrollo sostenible de la región. Aunque con otra
escala geográfica y humana respectos a la gran ganadería, los cultivos
de uso ilícito o la minería, estos proyectos tienen la virtud de reconocer,
recuperar y fomentar formas adecuadas y de manejo integral de los
recursos amazónicos.

Valoración de los conocimientos


tradicionales indígenas
Los cambios producidos en el sistema de producción indígena,
así como el deterioro de los suelos disponibles para la producción, la
pérdida de especies y variedades tradicionales, las transformaciones
en cuanto al uso y manejo de las chagras, la vinculación cada vez más
intensa de los pueblos indígenas a la sociedad nacional y al Estado,
afectan cada vez más las actividades tradicionales y limitan las
posibilidades del ejercicio de una real autonomía alimentaria, en la

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 493

medida que permiten una notable dependencia de los recursos que


provienen del desigual sistema de mercado. Hacen que sea cada vez más
necesario entender los cambios en el sistema productivo indígena, así
como promover la revaloración cultural de las prácticas tradicionales
que permitan la sostenibilidad de sus sistemas alimentarios.
El Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI
desde el año 1998 adelanta procesos de investigación con los pueblos
indígenas de la Amazonia colombiana, encaminados al fortalecimiento
de los conocimientos tradicionales asociados con el uso de la
biodiversidad. Desde el año 2004 cuenta con una política de acción y
una estrategia institucional de trabajo con pueblos indígenas, que tiene
como objetivo principal fortalecer la presencia del Instituto Amazónico
de Investigaciones Científicas SINCHI en dichos territorios, mediante
la implementación de una estrategia integral que concibe continuar con
el trabajo sistemático de la investigación aplicada y la transferencia de
tecnología, con la participación de las diferentes etnias indígenas y sus
planes de vida, la cual ha contribuido a la protección y fortalecimiento de
los conocimientos tradicionales indígenas asociados a la biodiversidad.
Véase el mapa 2.

Figura 2. Resguardos Indígenas y Asentamientos Amazonia Colombiana.


Fuente: Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI, 2014.

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494 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

La seguridad alimentaria a partir


del fortalecimiento de la chagra guaviare
El pueblo indígena de los Guayabero cuyos asentamientos se
localizan en el resguardo El Barrancón en el área de influencia de
San José del Guaviare, es quizá una de las etnias más afectadas en
sus modos de vida, por el rigor del proceso de colonización en el
Guaviare. Particularmente, sus territorios se ven afectados por las
agudas condiciones sociopolíticas que se viven en el departamento
del Guaviare. Los impactos que se observan muestran un acelerado
empobrecimiento de los espacios cultivados y un bajo uso y manejo
de los recursos del bosque, básicos de su sistema de autosuficiencia
alimentaria.
El Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI –
Sede San José del Guaviare y la Corporación Ecogente, desde el año
2007 ejecutan el proyecto Recuperación de la diversidad tradicional
y aumento de la capacidad productiva de las chagras indígenas de los
Guayabero del Barracón (Municipio de San José del Guaviare), mediante
el cual se han emprendido acciones de recuperación de la diversidad
vegetal de uso tradicional a través de un vivero comunitario, y la
identificación de alternativas productivas las cuales se encaminan a
fortalecer sus modos de vida. La evaluación social efectuada con el
pueblo indígena Guayabero, determinando los principales fenómenos
y dinámicas sociales existentes y sus impactos sobre los modos de
vida, organizativos; recomendaciones que permitan estructurar una
estrategia institucional, para continuar apoyando el fortalecimiento
de los modos de vida de los Guayabero en el Resguardo El Barrancón;
identificación y formulación de un perfil de proyecto fruto de la
evaluación participativa con base en la priorización y concertación
social realizada.
Con base en la anterior información, se cuenta con un Programa
General que recoge la estrategia institucional que permitirá continuar
con el apoyo del Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas
SINCHI a este pueblo indígena. Se propone el fortalecimiento
de los procesos de recuperación de la soberanía alimentaria, y la
identificación de cadenas productivas, sobre la base de una cooperación
interinstitucional como una forma de atenuar la descoordinación a
nivel existente y causa del desgaste en la comunidad; junto con el
apoyo a las estructuras políticas internas del resguardo.

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 495

Establecimiento de chagras modelos (Amazonas)


Dentro de los resultados obtenidos del proceso de investigación
participativa realizada durante los últimos años, se cuenta con la
caracterización de las representaciones culturales sobre los usos y
manejos de las chagras indígenas de La Chorrera, Amazonas. Con ello
se están revalorizando los aspectos culturales base para garantizar la
transmisión de la tradición, hacia dos grupos poblacionales prioritarios:
las familias recién constituidas (monoparentales) y en general a los
jóvenes; lo anterior a través de la apertura de una chagra de abundancia
(Monifue Jakafa+) que recreará todas las normas establecidas por la
cultura y la tradición.
Tiene como propósito lograr la motivación de los jóvenes
con influencia no indígena a apropiar los espacios de la Palabra; la
identificación y recuperación de las semillas tradicionales que ya no se
cultivan, así como sus prácticas de cultivo, cuidado y uso; la identificación
y recuperación de las prácticas tradicionales de distribución de semillas
faltantes, el fortalecimiento de las actividades asociadas a la producción
y distribución de los productos de la chagra de abundancia.
En ese sentido, el Instituto Amazónico de Investigaciones
Científicas SINCHI motivó un proceso de concertación con los cabildos
indígenas para la formulación del proyecto: “Fortalecimiento de los
conocimientos tradicionales sobre el uso y manejo de las chagras,
que permita contar con abundancia de alimentos, en los pueblos
indígenas de La Chorrera”. Este proyecto tiene como propósito, que
las recomendaciones logradas con los anteriores cabildos indígenas
de la etnia Uitoto, se discutan e instrumenten con cada uno de los
22 cabildos indígenas de los pueblos indígenas Uitoto, Okaina, Bora y
Muinane, que hacen parte de la Asociación zonal indígena de cabildos
y autoridades tradicionales del Corregimiento La Chorrera.
Implementación de una línea de productos cosméticos y de aseo
personal a partir de ingredientes naturales de especies promisorias en
Mitú, Vaupés.
La propuesta se encuentra formulada teniendo en cuenta los
avances logrados en el proyecto ejecutado por el Instituto Amazónico
de Investigaciones Científicas SINCHI en el marco del Programa
Regional Amazonía OTCA-DGIS-GTZ, “Desarrollo de la cadena
productiva de ingredientes naturales en el municipio de Mitú,
departamento del Vaupés con proyección al subsector de la cosmética”,
2011-2012. Dicho proyecto permitió crear las condiciones técnicas y

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496 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

operativas para avanzar en la innovación y desarrollo participativo de


un paquete tecnológico para el aprovechamiento, cultivo, beneficio y
transformación de especies productoras de ingredientes naturales, por
lo cual involucró en su desarrollo a seis (6) comunidades.
El proyecto logró la identificación de un grupo de 14 especies
como posibles fuentes de ingredientes naturales, de las cuales se
seleccionaron 8 por su importancia alimenticia y potencial para
la industria cosmética con base en que poseían mayor cantidad de
compuestos biológicos de interés. Finalmente se logró la extracción
de ingredientes naturales a partir de las especies Huito (Genipa
americana), Mirití (Mauritia flexuosa), Achiote (Bixa orellana), Pataba
(Oenocarpus bataua) y Copoazú (Theobroma grandiflorum).
Así mismo, se llevó a cabo un proceso de fortalecimiento
organizacional para las asociaciones indígenas para robustecer las
capacidades para la producción y/o recolección del material vegetal,
además de promover sus fortalezas administrativas, organizacionales
y de gestión. Se fortaleció un núcleo de investigación que permitió
realizar la caracterización de las especies seleccionadas en el proyecto,
determinar sus propiedades y aplicaciones y finalmente desarrollar una
tecnología innovadora para la extracción de ingredientes naturales:
la extracción asistida por microondas (EAM). A partir de las especies
seleccionadas se obtuvieron ingredientes naturales para cosmética y se
está evaluando la incorporación de algunos de ellos en formulaciones
cosméticas.
Teniendo en cuenta estos resultados se plantea continuar
avanzando en la consolidación de una alternativa productiva sostenible
en el municipio de Mitú mediante el desarrollo de una línea de
productos cosméticos y de aseo personal a partir de ingredientes
naturales obtenidos de especies promisorias del departamento de
Vaupés, con la participación de las comunidades involucradas en el
proyecto previamente descrito.
Para finalizar, se presenta el proyecto Implementación de
indicadores de bienestar humano para pueblos indígenas, que permitan
evaluar sus modos de vida.
Las Autoridades Tradicionales Indígenas carecen de información
sobre los modos de vida indígena y sus territorios, de indicadores que
generen información y coadyuven a los procesos de empoderamiento
y gobernanza en la gestión de los recursos de la biodiversidad. En

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Capítulo 22 • Tecnología amazónica: realidad en Colombia: instituto amazónico de... 497

general, dar cuenta de las potencialidades de los pueblos indígenas,


sus territorios y recursos, más que de las carencias con las que han
sido descritos y analizados; de su realidad en el contexto regional, así
como el planteamiento y ejecución de propuestas de desarrollo, que
coadyuven a los procesos de empoderamiento y gobernanza de los
recursos de la biodiversidad.
Los IBHI identificados y diseñados, no cuentan todavía con
una aplicación concertada con los pueblos indígenas, cuyo resultado
genere una información que permita evaluar su pertinencia. De otro
lado, no se cuenta con una experiencia piloto que permita realizar
una aplicación de los IBHI, cuyos resultados se den a conocer a las
instituciones del Estado encargadas de gestionar información sobre el
impacto de las políticas públicas en los resguardos indígenas.
Para ello, el Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas
SINCHI tiene diseñados veinte (20) indicadores de bienestar humano
para pueblos indígenas (IBHI) en el departamento del Amazonas,
su aplicación permitirá la obtención de información necesaria para
adelantar una evaluación sobre el estado de los modos de vida en los
resguardos indígenas. Los IBHI están sustentados de acuerdo con las
siguientes capacidades: control cultural del territorio; agenciamiento
cultural autónomo; abastecimiento; logro de un ambiente tranquilo;
auto cuidado y reproducción.
En ese sentido, la información generada posibilitará valorar
las capacidades territoriales de los resguardos indígenas: activos
ambientales, culturales, sociales, económicos. Lo anterior, permitirá la
conformación de un sistema de monitoreo para su retroalimentación
periódica.
El proyecto pretende generar un proceso metodológico que
abarca: la socialización del sistema de IBHI para evaluar los modos de
vida en los resguardos indígenas; la realización de un ajuste a las hojas
metodológicas en referencia a las fuentes de información necesarias y
disponibles; concertación con los pueblos indígenas para la aplicación
de los IBHI.
Estos proyectos dan cuenta del compromiso del Instituto
Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI por que la esencia de
los planes de vida de todos los pueblos amazónicos logre su realización:
vida, territorio y pensamiento.

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498 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Conclusiones
Desde el punto de vista territorial y poblacional, la Amazonia
es una región de una gran diversidad humana, social y cultural. Los
grupos sociales allí presentes, colonos, negros, campesinos, indígenas,
caboclos, habitantes urbanos, cada vez intensifican y articulan mayores
redes sociales y culturales, lo cual los expone a los procesos envolventes
de la modernidad, la globalización, la internacionalización de
aspectos sociales, económicos y culturales; configurándose como una
sociedad cada vez más compleja y necesitada de modelos de desarrollo
que concilien sus diversos intereses y necesidades, con la oferta y la
capacidad de sus múltiples y variados ecosistemas.
Un auténtico desarrollo tecnológico que atienda estos retos, pasa
por el diálogo de saberes entre el conocimiento indígena, el tradicional
desarrollado en estos últimos quinientos años y el científico occidental.
Por ello el Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas se orienta
por los postulados del desarrollo sostenible, enfoque que permite
conciliar la diversidad de miradas sobre un territorio biodiverso,
cultural y socialmente complejo.
La participación intersectorial es necesaria porque el uso
sostenible de la biodiversidad, no es solo responsabilidad de los
sectores ambientales, se requiere la participación de varios sectores
que promuevan y articulen intereses y recursos a través de los diversos
planes y programas de desarrollo de manera clara en una zona
geográfica que tiene unas ventajas importantes desde el horizonte de
la biodiversidad.
Las experiencias regionales que desarrollaron las entidades como
el Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI y otras,
dan cuenta de una construcción de arquitecturas interinstitucionales y
de procesos de concertación con las comunidades, pilares fundamentales
para garantizar el éxito de los emprendimientos, que deben ser
incorporados como ejemplos exitosos para que la biodiversidad, sea
considerada, en realidad, una posibilidad de desarrollo sostenible para
las poblaciones amazónicas.

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Nacional de Colômbia, Instituto de Estudios Ambientales, 1995.

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Capítulo 23

Abordagem escalar da tríplice


fronteira Brasil-Peru-Colombia
Ricardo Jose B. Nogueira
Thiago Oliveira Neto

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502 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

Introdução
A Amazônia brasileira constitui ampla região fronteiriça,
compartilhada com seis países e estendendo-se por uma linha de
cerca de 10.000 quilômetros. A rarefação dos pontos de contato é um
dado comum ao longo das díades existentes, certamente pela condição
locacional de a Amazônia ter se configurado numa região periférica
em todos os países. Interior do continente, distanciada dos litorais, foi,
gradativamente, sendo objeto de intervenção por parte dos países para
colonização, defesa e exploração dos recursos naturais.
A formação da fronteira entre o Brasil, o Peru e a Colômbia
remonta ao final do século XIX, período em que a procura do látex
fez com que as frentes de exploração se encontrassem num ponto
específico do Rio Amazonas, constituindo, assim, núcleos de apoio à
atividade comercial.
O objetivo neste artigo é demonstrar como um lugar de fronteira
é compreendido de modo diferente a partir da escala geográfica
de observação e como isto resulta em ações que afetam a vida das
populações desta tríplice fronteira.

As escalas geográficas da fronteira


Em geral as fronteiras aparecem apenas como um traço nas
representações cartográficas dos Estados nacionais, onde é possível
identificar sua extensão e com que outros Estados elas dividem a linha.
Este é um dado básico que permite ao observador reconhecer os limites
territoriais, principalmente quando os Estados-nacionais apresentam
contiguidade territorial, o que ocorre na maior parte dos casos. Outro
dado que certamente deve ser considerado em qualquer processo
de compreensão de condição fronteiriça é a dimensão territorial do
Estado-nacional e a relação existente entre a zona fronteiriça com o
interior do Estado-nacional e principalmente sua capital.
Embora este pressuposto seja oriundo da geopolítica clássica,
que considerava os aspectos físico-territoriais do Estado nacional
(superfície, forma, características naturais, etc.), não deve ser ignorado,
todavia não pode se tornar determinante. As particularidades de
cada Estado nacional, sua formação territorial definindo as relações
de vizinhança e convivência com o país lindeiro; suas políticas de
ordenamento territorial definindo prioridades de ocupação; suas
políticas econômicas e as dos países vizinhos são ingredientes

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 503

fundamentais para a compreensão fronteiriça. Assim é plenamente


compreensível encontrarmos no mundo uma diversidade enorme de
situações fronteiriças que não dependem dos aspectos físico-territoriais,
desde a tranquilidade da fronteira de cerca de 6 mil quilômetros entre
os Estados Unidos e o Canadá, até a explosiva situação da pequena
faixa de fronteira entre Israel e a Palestina.
Há nos trabalhos sobre a fronteira grande quantidade de
defi­
nições e classificações que procuram agrupar em tipologias
a diversidade a que nos referimos antes1. Contudo, para este
trabalho tivemos como inspiração a proposição de Lacoste (1988) da
“espacialidade diferencial” em que ele indica a necessidade de a análise
geográfica envolver as diversas escalas geográficas de um fenômeno.
Mais recentemente, Foucher (2009), que também indicou a existência
de funções para a fronteira – política, legal, fiscal e controle- aponta
que esta deve ser considerada instituição territorial e, como tal, opera
em escalas distintas e que nem sempre são complementares – nacional,
interestatal e regional e local.
Na tríplice fronteira em questão descreveremos, primeiramente,
as condições efetivas dos limites estabelecidos, e em seguida, faremos
as análises escalares, tomando, como marco de referência imediata, o
Estado brasileiro, e em seguida os outros dois países que compartilham
a linha fronteiriça.

A caracterização da tríplice fronteira


É do início do século XX a consolidação desta fronteira, que na
verdade começa a ser delineada ainda no século XVIII com o Tratado
de Madrid, entre Portugal e Espanha. Os mapas daquela época indicam
que somente a margem direita do Rio Solimões, acima da confluência
do Rio Japurá no ponto onde fica hoje a cidade de Tefé, pertenceria
a Portugal, e que a margem esquerda seria território espanhol.
Um século antes, em 1641, a expedição portuguesa liderada por Pedro
Teixeira atinge a confluência do Rio Napo com o Rio Maranon, muito
acima da atual fronteira, cerca de 300 quilômetros. Contudo, teve que
recuar diante das pressões até o lugar onde foi construído o Forte São
Francisco Xavier de Tabatinga.
Esse movimento mostra a disputa em torno dessa área, sendo,
porém, predominantemente português, apoiado pelos religiosos que
1
Conferir Martin (1992), Costa (1991).

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504 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

também estavam empenhados na conquista de almas na região. Tendo


como base a cidade de Belém, as expedições das Tropas de Resgates
subiam o Rio Amazonas/Solimões em busca de indígenas para os
diversos trabalhos nas vilas e povoados da calha dos rios.
Com o fim do Império Espanhol na América e o surgimento de
diversos países, decorrência da formação de lideranças regionais, as
negociações em torno dos limites são intensas. Do lado do Império
Português, a unidade em torno de um único Estado nacional facilitou a
negociação, pois em alguns casos o Brasil teve que esperar a resolução
entre os países, para, posteriormente, negociar com cada um deles.
Este foi o caso específico do Norte do Brasil, onde, na passagem
do século XIX para o XX, a exploração da borracha mobilizou um
contingente de população para a Amazônia, não apenas no Brasil, mas
no Peru, na Colômbia e na Bolívia. A história da formação territorial
brasileira tornou mais evidente a questão da fronteira com a Bolívia
em virtude da mobilização que existiu nesta área com a anexação
territorial do Acre. Na fronteira com o Peru e a Colômbia, a disputa se
deu entre eles, ficando o Brasil na retaguarda da contenda cujo ápice
ocorreu em 1930.
As negociações para o tratado de fronteira do Brasil com o Peru
começam em 1851, quando se referenda a díade que corre praticamente
ao longo dos rios, desde a nascente do ‘Javary’ até a foz e daí segue pela
linha Tabatinga-Apaporis, o que colocou como território brasileiro o
triângulo entre os Rio Solimões e Japurá; assegura também a livre
navegação dos barcos peruanos em rios brasileiros até o Oceano
Atlântico, uma vez que essa porção do território peruano é isolada do
restante do país pela cordilheira dos Andes.
O avanço brasileiro pelo princípio do Uti Possidetis até a fronteira
atual, em Tabatinga, recuou o território peruano. Outra perda
territorial peruana ocorreu para a Colômbia, exatamente na região
conhecida como Trapézio Amazônico, uma área entre o Rio Caquetá
e o Rio Amazonas, estratégica para a Colômbia pois era um acesso
deste país ao Rio Amazonas. Isto ocorreu no período da borracha, e
em 1930 o Peru mobilizou tropas na região tentando recuperar a área,
não alcançando o objetivo. As negociações com a Colômbia foram mais
tranquilas, pois se manteve o que já havia sido acordado com o Peru.
Na atualidade esse entroncamento fronteiriço é composto por
duas cidades – Tabatinga e Letícia – fortemente integradas, além
de outras menores, como Benjamim Constant, Atalaia do Norte, do

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 505

lado brasileiro; Caballo Cocha e Puerto Narino na Colômbia e vilas


e povoados peruanos com destaque para Santa Rosa e Islândia. Isto
promove intensa mobilidade da população trifronteiriça na busca de
inúmeros serviços distribuídos nas cidades, desde serviços médicos,
como a aquisição de produtos destinados às atividades produtivas, seja
da agricultura ou do extrativismo: a caça, a pesca e o extrativismo
vegetal, que envolve desde a retiradas de madeiras, para uso local e
exportação, até a retirada de frutos, folhas, raízes, seivas e sementes
para o consumo da população local. Além disso, não se deve esquecer
que as atividades sociais e de lazer mobilizam também a população da
fronteira. Felizmente a mobilização dessas tropas não é para o combate,
mas para o jogo de futebol, para torneios, para ritos religiosos, e mesmo
para a participação em festas cívicas nacionais.
É importante salientar a participação da tradição indígena neste
processo, com presença histórica, sendo hoje majoritária a etnia Tikuna,
dispersa num território imemorial que engloba áreas dos três países.
Atuam na produção agrícola e extrativa e também têm participação na
politica local. Adiante veremos sua vivência nesta fronteira.
Certamente um grupo que merece ser apontado neste momento
pela forte participação que tem na área em foco são os religiosos
da congregação conhecida como os Israelitas. Predominantemente
peruanos, habitando a zona rural e produzindo muita mercadoria,
são, antes de tudo, identificados pelo vestuário feminino, o uso do
véu e pela barba dos homens, que se destacam na paisagem, atuando
também no comércio ambulante local.

A fronteira na escala nacional: tratados e acordos


A concepção de espacialidade diferencial apresentada por
Lacoste (1988) para compreender os fenômenos geográficos permite,
em nosso entender, trabalhar analiticamente a fronteira, uma vez que
este lugar, sendo o limite da soberania de qualquer Estado nacional,
é primeiramente, influenciado por quaisquer alterações políticas ou
econômicas dos países vizinhos, do mesmo modo que os influencia
quando ocorrem mudanças internas. O ato estatal de fechamento da
fronteira, ou limitação de fluxos é representativo da capacidade que
o Estado possui de agir interescalarmente. Regra geral as normas
partem da capital para a fronteira. Acreditamos também que o
gradiente, ou raio de ação das medidas de controle tomadas para a
fronteira pelo centro de poder do Estado, é flutuante e acompanha

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506 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

a dimensão territorial dos Estados nacionais e a estrutura territorial


existente. O significado simbólico da fronteira é tão grande que
não raro observam-se discursos políticos que apontam a fragilidade
das fronteiras como causa das mazelas ou insegurança interna dos
Estados.
O Estado brasileiro possui longa linha de fronteira, com cerca
de 16 mil quilômetros de extensão, com grande diversidade desde o
extremo Norte ao extremo Sul. Um estudo que merece ser lembrado
procurou investigar as características particulares desta linha foi
aquele realizado pelo Programa Faixa de Fronteira, do Ministério da
Integração Nacional. O estudo, liderado pela professora Lia Osório
Machado, definiu a existência três arcos – Norte, Central e Sul, ao
longo da linha de fronteira.
Nossa atenção é exatamente sobre o Arco Norte, principalmente
nos limites entre Brasil, Peru e Colômbia. Contudo, procuraremos
apontar questões, situações e problemas tomando como referência
o lugar de onde falamos, acreditando que isto possa adensar os
estudos referenciados anteriormente. O fato de estarmos localizados,
de falarmos de algum lugar, indica, certamente, que isto permite a
identificação de outros elementos, variáveis, que compõem o enigma
da fronteira.
Na formação territorial brasileira, a relação capital-interior
sempre foi marcada por processos de conquista a partir do litoral.
As capitais aí instaladas sempre definiram os rumos dos processos de
ocupação territorial, tendo como motor a condição colonial, ou seja,
de fornecedor de produtos ao exterior através do litoral. A Amazônia
participa desta engrenagem inicialmente com as conhecidas “drogas do
sertão”, especiarias retiradas da floresta destinadas à exportação. Digna
de destaque aqui é a própria denominação criada para o lugar distante
do litoral, sertão, embora tal expressão nunca tenha sido assimilada
na região. Posteriormente, a região retorna à cena na República como
o lugar da extração de borracha. Melo (1984), estudando a relação do
Norte agrário com o Império, recupera um debate ocorrido na Câmara
dos Deputados, em que um deputado do Pará, ao pedir atenção à
Amazônia, é apartado por um deputado mineiro que pergunta onde é
esta região da qual fala o deputado.
De modo semelhante temos também o próprio uso da expressão
fronteira para designar a relação entre as partes componentes do
território brasileiro. Expressão utilizada por Frederich Turner para

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 507

explicar o processo de expansão americana para o Oeste, tornou-se um


conceito no Brasil para também designar a Região Norte do país como
o lugar da expansão da agricultura e da colonização. Ou seja, quero
dizer com isso que o emprego desta expressão teve origem geográfica,
partiu de um lugar para designar outro, sendo portanto, etnocêntrico.
Nesta região, de onde escrevo, nunca se soube de uso ou assimilação
desta expressão no sentido de fronteira econômica. Ao contrário,
compreende-se o significado da região como fronteira política.
Todavia, a escala de observação do Estado nacional brasileiro só
consegue apreender os fenômenos macroescalares e tomar decisões
bilaterais a partir deste nível de observação. Acordos e tratados tomam
como referência as grandes questões que envolvem os países fronteiriços
como formas de integração infraestruturais, acordos energéticos,
rodoviários, as taxações de produtos, ações que, supostamente,
possuem o mesmo efeito em ambos os países, no entanto, os efeitos são
diferenciados regionalmente.
A Amazônia brasileira passa a ser uma preocupação do Estado
nacional a partir do governo militar, quando ele define uma política
territorial de fato. Um dos principais nomes desse período foi o
geopolítico general Golbery do Couto e Silva, que argumentava a
necessidade de “inundar a hileia amazônica de civilização”, sendo os
mecanismos utilizados para tal a abertura de estradas, a colonização e
o estímulo à migração.
Vista como periférica, desocupada, sem civilização e com
potencialidades expressas na quantidade de terras e no subsolo, o
destino desta região não foi dado por ela própria, sequer por uma
elite regional constituída pela acumulação de capital resultante do
extrativismo. Observe-se que até então as fronteiras não eram objeto
de preocupação, afinal Peru e Colômbia não eram apontados como
perigo iminente ao território, muito menos a destruição da floresta
era tema de discussão. O eixo principal passava pela ocupação, pelo
desenvolvimento e pela segurança.
Na escala nacional vamos observar também que a Região
Amazônica aparece do mesmo modo para Colômbia e Peru. Em
ambos a região é periférica, de baixa densidade demográfica, repleta
de indígenas e de recursos naturais. Também não apresenta uma
integração física terrestre com os principais nós urbanos dos respectivos
países, sendo os rios e a aviação as formas de vínculo da capital com
esta região.

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508 Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento

No Peru, a Região Amazônica corresponde a 67% do território


estatal, sendo a ideia de “vivificar” as fronteiras plenamente expressa
para o Departamento de Loreto, cuja principal cidade, Iquitos, com
400 mil habitantes, é o ponto de contato com a região fronteiriça,
embora esta cidade também não tenha nenhuma conexão rodoviária
com a capital Lima. A cidade de Pucallpa, com 300 mil habitantes,
às margens do Rio Ucaiali, é o fim da linha rodoviária que parte de
Lima. Seu porto fluvial, por isso mesmo, apresenta grande movimento
de cargas (alimentos, bebidas, derivados de petróleo, etc.) e passageiros
com destino à Amazônia peruana, cujo destino final é a fronteira com
o Brasil e a Colômbia. De modo semelhante à Amazônia brasileira,
a região no Peru tem apresentado impressionante crescimento
populacional nos últimos 50 anos (HUALLPA, 2009).
As relações bilaterais entre Brasil e Peru foram intensificadas nos
últimos 20 anos em torno de questões associadas à integração rodoviária
com a inauguração de uma ponte sobre o Rio Acre ligando as cidades
de Assis Brasil, no Acre e Iñapari no Peru, e combate ao narcotráfico.
Avançam ainda no sentido de viabilizar relações mais estreitas entre
as cidades de fronteira, em questões como gestão de bacias e controle
da qualidade da água comum e ligação telefônica internacional com
tarifa local. Restam, contudo, acordos na área ambiental, uma vez
que a distinção de legislação tem causado problemas localizados na
fronteira. Argumenta-se que a falta de fiscalização permite o trânsito
de madeiras extraídas no Brasil para o lado peruano, onde existe
processamento de madeira para exportação, apesar de esse país ter
avançado bastante na criação de áreas protegidas.
Embora o Brasil tenha ampliado os acordos comerciais com a
Colômbia, é inegável que a relação com esse país é sensibilizada por
causa da existência da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC), cuja atuação nas fronteiras com o Brasil deixa
em alerta o Exército brasileiro. O narcotráfico é outro elemento que
exige das forças de vigilância brasileira uma ação intensa e constante
na zona fronteiriça.
As relações do Brasil com a Colômbia não se limitam à precaução
contra ilícitos. Há entre eles vários acordos de cooperação, no entanto,
a imagem construída a partir dos meios de comunicação indica a
Colômbia como um perigo para o Brasil, pois de lá viriam parte das
mazelas internas do Brasil.

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 509

A Amazônia colombiana tem uma historia de ocupação


semelhante àquela do Brasil, como área de expansão agrícola, ação
dos missionários religiosos, aberturas de rodovias, conflitos étnicos,
exploração de recursos naturais, pecuária, etc. O que termina dando
unidade a esta Amazônia internacional são as ações que os três países
definiram para a região, tanto no passado, quando procuraram
incorporá-la ao conjunto do território do Estado nacional, como no
presente, em que as ações, por força da pressão internacional, estão
voltadas à criação de unidades de conservação e resguardos indígenas,
respeito à diversidade e riqueza socioambiental.
Portanto, na escala nacional, o significado de fronteira está muito
mais associado às possibilidades de definição de tratados e acordos
de cooperação em diversas áreas e as formas de transito nas áreas
periféricas, procurando viabilizar ou ajustar assimetrias existentes.
Muitas vezes os chefes de Estados se encontram na fronteira, assinam
os pactos, trocam bandeirinhas nacionais, escutam os hinos cívicos,
demonstram-se gentilezas e encerram o evento com um aperto de
mãos voltado para os fotógrafos.

A fronteira na escala regional: periferia a integrar


Creio que a primeira discussão a ser posta aqui diz respeito
exatamente ao significado desta escala. Rigorosamente, a escala
regional está subordinada à escala nacional, supõe uma parte do todo
do Estado nacional, contudo sem uma simetria homogênea. Isto não
representa problema para nossa compreensão de fronteira na escala
proposta, apenas deve ficar patente que as dimensões regionais são
flutuantes, pois dizem respeito a uma grande diversidade de critérios
utilizados para sua definição, e que independentemente da dimensão
territorial de qualquer Estado nacional, a regionalização é um
pressuposto para a organização territorial estatal.
O que pretendemos apresentar aqui é como a dinâmica na
tríplice fronteira ocorre na escala regional tomando como referência
o ponto central da dinâmica fronteiriça. Assim, o aglomerado urbano
formado pelas cidades de Letícia e Tabatinga constitui a sede de uma
região que ultrapassa as fronteiras dos países, pois que a capacidade de
polarização exercida por esse entroncamento fluvial mobiliza recursos,
população e informação em torno dele. E mobiliza porque é uma região
que possui uma identidade criada a partir da condição de isolamento
relativo das respectivas sedes nacionais. Seu caráter geopolítico

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centralizou equipamentos e estruturas do Brasil e da Colômbia, dando


suporte à população regional/internacional. Além desse nó geopolítico,
será salientado o papel exercido pela cidade peruana de Iquitos, que,
apesar de distanciada da fronteira, participa da dinâmica regional.
Em nosso entendimento, uma região internacional tem por
característica a formação de uma área fronteiriça de influência mútua
em que seus habitantes circulam e se apropriam dos favores estabelecidos
pelas relações bilaterais existentes, tendo por limite o raio de ação de
um outro polo não fronteiriço, interferindo significativamente nisso os
constrangimentos da acessibilidade.
Iniciamos com a observação de que a Amazônia é uma região
periférica para os três países: geográfica porque não centraliza poder;
econômica porque não abriga dinâmica significativa no contexto
nacional; e política porque sua baixa representatividade nos fóruns
nacionais de decisão dificulta qualquer ação mais marcante no
cenário nacional. Na representação geral a Amazônia é uma área
verde, de floresta, despovoada, com vários grupos étnicos, talvez
rica em minérios, distante, um lugar de oportunidade, que deve ser
ocupada e preservada, sendo este paradoxo superado pelo artifício da
sustentabilidade.
Na escala regional esta fronteira apresenta vinculações diferentes
com os centros de poderes nacionais, isto porque a dimensão territorial
dos países impõe tal condição. Mais que isso, contudo, são as formas
de acessibilidade à zona fronteiriça que dão o dinamismo. A cidade
de Letícia não possui meios de articulação com a capital senão a via
aérea. Assim, além da proximidade do centro de poder, e a agilidade
da ligação aérea, a cidade colombiana foi transformada em capital de
um Departamento, subunidade do governo colombiano, e recebeu
a implantação de órgãos da República. A ligação aérea não apenas
aproximou a capital de sua fronteira como também permitiu, por
exemplo, que, diariamente, os jornais editados na capital estejam
presentes nas bancas de revista da cidade fronteiriça. Aparentemente
um dado simplório, mas isto significa estar presente.
A cidade de Letícia recebe estímulos fiscais do governo
colombiano como forma de dinamizar a fronteira. Isto permite à
cidade ter liderança nesse ponto da fronteira, capturando excedentes
do lado brasileiro. Uma unidade do Banco da República, uma sede
regional da Universidade Nacional da Colômbia, Instituto de Pesquisa
Social, hospital regional e outros aparatos civis e militares indicam o
significado geopolítico da cidade de Letícia.

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 511

No lado brasileiro, a cidade de Tabatinga possui uma situação


bem distinta de sua vizinha Letícia, quando a questão é o acesso à
capital da República. O primeiro ponto a ser destacado é que a
organização federativa brasileira coloca num plano hierárquico inferior
os municípios que não são capitais. No nível mais imediato a cidade
de Tabatinga subordina-se à capital Manaus, capital do Estado do
Amazonas, e a partir daí os pleitos são negociados com o governo da
federação. A existência no Brasil de uma faixa de fronteira, definida em
150 quilômetros para o interior do território sob domínio do governo
federal, limita determinadas ações do próprio Estado do Amazonas.
Isto define um distanciamento político. O isolamento físico também
limita uma conexão mais intensa desta fronteira com o restante do
Brasil. Chega-se a Tabatinga após uma viagem de cerca de sete dias de
barco partindo de Manaus.
Por via aérea o tempo é de cerca de duas horas, pois são
1.100 quilômetros a serem vencidos. Por mais que se queira argu­
mentar com a instantaneidade das comunicações, da informática, a
internet aproximando pessoas e lugares, o atrito do dado físico é algo
mais que real. Mobilizar pessoas e mercadorias na Amazônia tem sido
um desafio há algum tempo. A baixa densidade de população, a baixa
capacidade de consumo e a irregularidade de transportes constituem
marcas desta fronteira, que desenvolveu formas de mobilidade
adequada a tal condição.
A história da cidade de Iquitos está ligada à exploração de
borracha, pois aí estava uma das maiores empresas exportadoras deste
produto, a Casa Arana. Julio Arana foi um dos principais comerciantes
desta região, comprando borracha ao longo dos rios, arregimentando
índios para a coleta e adquirindo terras para assegurar o abastecimento
do caucho. Embora localizada a 400 quilômetros da linha de fronteira
entre Brasil, Peru e Colômbia, tem forte participação na dinâmica
fronteiriça. Com cerca de 400 mil habitantes é responsável pelo
abastecimento de grande parte da Amazônia peruana e a articulação
com a capital Lima, através de ligação aérea, pois do mesmo modo que
as outras cidades, não possui integração rodoviária. Devido aos preços
bem vantajosos, os derivados de petróleo são os principais produtos
que se destinam à fronteira. Movimentam motores marítimos de
potências diversas, máquinas agrícolas e motores de energia, ou seja,
equipamentos fundamentais à vida ribeirinha amazônica. Além desse
produto, os alimentos in natura e industriais descem o Rio Maranon
até a fronteira, muitos deles fazendo uma viagem desde os Andes

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peruanos. O trânsito de barcos ligando a fronteira à cidade garante


este abastecimento (ver mapa 1).

Mapa 1. Área da Pan-Amazônia sem acesso rodoviário, destacando a cidade


de Tabatinga, que se encontra no âmago dessa área.
Fonte: Software Q Gis, Org. Thiago O. Neto.

A fronteira na escala local: a vivência do lugar


Vimos até agora como os níveis escalares nacional e regional
compreendem o fenômeno fronteiriço. A diplomacia do nível estatal
com seus acordos e tratados, as negociações com os empresários
interessados em investimentos nos países com a segurança dada pelo
Estado; a prioridade para determinados segmentos; as cooperações
possíveis e a mobilidade fronteiriça compõem a pauta desses encontros
que sempre possuem larga visibilidade na mídia.
Na escala regional, de modo sintético, procuramos destacar,
em primeiro lugar, que a própria regionalização pode definir a área
fronteiriça e que a diversidade de situações existentes na formação
territorial dos Estados nacionais gera, consequentemente, condições
fronteiriças singulares. Apesar disso, há diversos trabalhos que,

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 513

como dissemos, tentam agrupar, através de tipologia, caracterizações


fronteiriças comuns.
Neste tópico trataremos da escala local da fronteira, ou seja,
do lugar fronteiriço em si, das relações vividas por seus fronteiriços,
que, de modo semelhante, serão tão distintos quanto forem os tipos
de fronteiras existentes; das atividades produtivas; das práticas de
usufruto da condição fronteiriça; e das ações do Estado no front do seu
território.
Foucher (2009) aponta, de modo peculiar, que nesta era de
globalização e integração de mercado, de ampliação de fluxos de
comunicação, também é necessária a ampliação de muros, cercas e
vigilância nas fronteiras; um muro foi derrubado como símbolo maior
de uma divisão ideológica, de pessoas, parentes e Estados nacionais;
ato contínuo outros tantos vêm sendo erguidos como proteção contra
migrantes indesejados, porque, segundo ele “o mundo, para ser
habitável, precisa de fronteiras”.
Não precisamos considerar essa afirmação de modo rigoroso,
afinal é importante lembrar que há também milhares de quilômetros
de linhas fronteiriças que têm sido realmente relaxadas, na própria
Europa, continente que tem ampliado sua integração regional
viabilizando a circulação interna de seus ‘nativos’, como tem recebido
o troco da colonização imposta por espanhóis, portugueses, ingleses
e franceses, na forma de pressão migratória das ex-colônias, desde a
outra margem do Mediterrâneo, até países asiáticos.
Na tríplice fronteira da qual procuramos compreender sua
dinâmica, a questão imemorial, histórica, remete às possessões coloniais.
Sempre aparecerão nos livros de História ou Geografia nacionais a
formação territorial indicando perdas e ganhos, as negociações e os
conflitos travados em torno do território. O entroncamento presenciou
mudanças e mobilizações mais intensas na passagem do século XIX
para o XX, por causa, como já apontamos, da extração de um recurso
natural, a borracha. Antes, no século XVIII, as negociações territoriais
entre Portugal e Espanha deixaram como herança esboços de limites
que, posteriormente, foram alterados e receberam interpretações
diferentes por parte dos Estados: enquanto para os brasileiros a
expansão territorial para o Norte foi um grande legado deixado pelos
portugueses, sendo visto com orgulho, para os Estados que saíram da
dominação espanhola, a história é contada como avanço sobre terras
de Espanha.

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A tríplice fronteira, denominada desde a década de 1930 por


Backheuser de puncti dolens, um ponto doloroso da inflexão geopolítica
brasileira, apresenta uma dinâmica territorial marcada por ações
estatais mais frequentes por parte do Brasil e da Colômbia, e menor
intensidade do Estado peruano. Isto se deve à maior integração existente
entre os dois núcleos urbanos – Tabatinga, no Estado do Amazonas
brasileiro, e Letícia, no Departamento do Amazonas Colombiano, que
abrigam representações institucionais de ambos os países.
Enquanto Letícia constitui uma capital de Departamento da
República colombiana, tendo portanto maior densidade de instituições
daquele Estado, Tabatinga é apenas um município na estrutura do Estado
do Amazonas. Ambas as cidades possuem cerca de 40 mil habitantes e
por isso mesmo é o principal ponto de encontro internacional de todo
o extenso Arco Norte. A condição fronteiriça possibilitou a implantação
de bases militares dos dois lados da fronteira. Do lado colombiano, o
controle do Trapézio Amazônico deve-se à disputa territorial com o
Peru na década de 1930. Encontram-se aí implantados o Comando del
Sur e a marinha colombiana. Do lado brasileiro, é importante lembrar
que aí foi o ponto limite atingido pela expansão portuguesa, quando
construíram o Forte de São Francisco Xavier de Tabatinga em 1766.
Do lado peruano, embora só exista o pequeno povoado de
Santa Rosa, a influência da cidade de Iquitos, localizada a cerca de
400 quilômetros, é importante para a região fronteiriça. A influência
é exercida através do abastecimento de mercadorias, da agricultura
(cebola, cenoura, batatas, beterraba, etc.), ovos e da indústria (cerveja,
refrigerante, derivados de petróleo, etc.), que contribuem para o
mercado local. O fluxo destas mercadorias é realizado por via fluvial
desde a cidade de Pucallpa, ponto de conexão rodofluvial.
Uma ação mais efetiva do Estado brasileiro nesta fronteira começa
na final da década de 1960, quando o Exército implanta uma colônia
militar; posteriormente a construção de um aeroporto e a criação de
um pelotão de fronteira, impulsionando a transformação do distrito
de Tabatinga em município em 1984, separando-se de Benjamin
Constant, localizada na outra margem do Rio Solimões, na foz do Rio
Javari, fronteira com o Peru.
A implantação e consolidação de unidades militares na área
foram suficientes para iniciar um processo de mudança na cidade,
com a criação, por exemplo, de uma vila militar disponibilizando
habitações para parte da tropa; a construção de um hospital militar

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 515

para cuidar da saúde; um hotel de trânsito para abrigar os recém-


chegados, e também uma agência do Banco do Brasil para fazer o
pagamento da tropa. Serviços privados também começaram a surgir
para atender a demanda proporcionada por mais salários na região,
embora uma parte deles seja carreada para a cidade de Letícia, que
disponibiliza uma variedade muito maior de produtos originários
de Bogotá. Além do Comando de Fronteira do Solimões, existem os
destacamentos de Estirão do Equador, no Rio Javari, fronteira com o
Peru; o destacamento de Ypiranga, no Rio Içá, e Vila Bittencourt, no
Rio Japurá, ambos na fronteira com a Colômbia. A partir deste ponto
começa a área de jurisdição do Comando de Fronteira do Rio Negro.
Mas essa região de fronteira passou a ser observada com maior
atenção desde a década de 1980 porque se transformou em corredor
de drogas, basicamente cocaína, oriundas do Peru e da Colômbia.
A situação se agravou na década seguinte com a atuação das Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e mesmo do grupo
guerrilheiro peruano Sendero Luminoso, hoje praticamente extinto, ao
contrário das FARCs, cuja atuação ainda é motivo de vigilância por parte
do Exercito brasileiro, principalmente na área conhecida como “Cabeça
do Cachorro”, distante cerca de 500 quilômetros ao norte de Tabatinga.

Figura 1. Veículos utilizados para realizar o transporte de


passageiros entre as cidades de Tabatinga e Letícia.
Fonte: Do autor, 2013.

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Outro fenômeno em expansão nessa região de fronteira é a


presença de peruanos pertencentes a uma seita religiosa denominada
“Israelita”. Facilmente identificados pela longa barba usada pelos
homens e pelo véu rosa usado pelas mulheres, têm ampliado a
produção agrícola e a atuação no comércio varejista da fronteira. Mais
recentemente, tem-se suspeitado que este grupo está plantando coca
para fornecer aos narcotraficantes. A estimativa é de que em todo o
Peru já existam cerca de 300 mil seguidores, cuja doutrina mescla
cristianismo e a cosmovisão do homem andino. A selva peruana
seria o lugar escolhido por Deus, para onde eles estão migrando e
até conquistando postos políticos locais. Podemos até afirmar que
hoje os Israelitas já são imprescindíveis ao abastecimento de Letícia e
Tabatinga.
Esta cidade, pela condição fronteiriça é, depois de Manaus, a que
possui a maior quantidade de órgãos federais no Estado do Amazonas:
Receita Federal, Polícia Federal, Justiça Federal, Ibama, Ministério
do Trabalho, Ministério dos Transportes, Suframa, além da Marinha.
Na área da educação, recebeu uma unidade do Instituto Federal de
Educação, que juntamente com a Universidade do Estado do Amazonas,
assegura formação de nível superior à população.
Em trabalho anterior (NOGUEIRA, 2007), procuramos também
compreender esta região fronteiriça a partir de outras contribuições,
que permitem interpretações diferenciadas. A pluralidade de
interpretações sobre a fronteira possibilita maior aproximação do
significado da fronteira e da ação dos seus mais diversos sujeitos. Assim,
afirmamos que para o Estado a fronteira é fronteira controlada, em
vista da permanente vigilância sobre ela, seja civil ou militar; contudo a
percepção da fronteira para as populações que não a habitam, que vivem
no interior e não na borda, é, regra geral, carregada de estereótipos,
pois a região é vista como escape ou lugar de realização para diversos
delitos, seria a fronteira percebida. Enfim, falamos de uma fronteira
vivida, procurando enfatizar que a população aí estabelecida possui
uma forma própria de interpretá-la, de apropriar-se das diferenças
nacionais ao seu modo e mesmo de elaborar uma representação sobre
o ser da fronteira. O fato de essa fronteira encontrar-se bastante
desconectada dos respectivos centros nacionais fortaleceu laços de
integração e complementaridade. A origem étnica indígena assegura
uma identidade cultural, e a exploração da borracha no passado e
produtos extrativos asseguram uma identidade no uso dos recursos
naturais, na paisagem e na história.

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Capítulo 23 • Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia 517

A tríplice fronteira em questão é, juntamente com o Alto Rio


Negro, a área do Brasil que possui a maior concentração de indígenas.
Predomina aí a nação Tikuna, distribuída pelos três países antes
mesmo da formação nacional de cada um deles. Foram repartidos
primeiro, territorialmente, com a consolidação dos países, e depois,
socialmente, por antropólogos e seus projetos de pesquisa. A instituição
de benefícios sociais dados pelo Estado brasileiro aos índios também
é objeto de problemas entre os Tikunas, pois o Brasil os concede aos
índios brasileiros e não aos índios da etnia.
Como região de fronteira, o Estado, ao deslocar seus
representantes para a manutenção da vigilância, das normas e da lei,
termina por criar atritos junto à população fronteiriça quando, sem
compreender o funcionamento histórico da fronteira, tenta impor a
abstração da lei. Isto se dá, por exemplo, na perseguição a pequenos
comerciantes que trazem produtos do outro lado da fronteira, seja
da Colômbia ou do Peru; mesmo quando perseguem as centenas de
comerciantes peruanos que abastecem a cidade de Tabatinga com
produtos vindos de Iquitos. Do mesmo modo, no lado colombiano, a
cada novo representante da Aduana, um novo atrito e conflito.
Outro exemplo é o setor de comunicações. Quando o órgão
regulador de radiodifusão brasileiro esteve na região, lacrou algumas
rádios que estavam irregulares e reativou a Rádio Nacional. Um dos
radialistas, que perdeu sua rádio, simplesmente atravessou o Rio
Solimões, a fronteira para o Peru, e instalou seus equipamentos,
transmitindo sua programação para os três países, dispondo de tanto
anunciantes como radialistas da Colômbia, do Peru e do Brasil. Líder
de audiência, deixa para trás a Rádio oficial que transmite parte da
programação de Brasília (figura 2).
Depois de cerca de 40 anos de implantação de pelotões militares,
eles já são mais aceitos pela população local, pois no início as relações
eram conflituosas. Hoje, mais do que segurança nacional, eles
representam para a fronteira poder de consumo com seus soldos para
os produtos colombianos, como locatários de imóveis, clientes distintos
para pequenas clínicas e serviços em geral. Se há no Sul do Brasil um
temor em diversas cidades em virtude do deslocamento de tropas para
a Amazônia, aqui existe certa animação a cada pelotão que chega.
Enfim, as festas oficiais e populares, organizadas por munícipes –
desfiles em dias nacionais, festas culturais, torneios de futebol, campanhas
de saúde etc, mantêm relações de integração transfronteiriças, que na

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verdade começam com a formação de famílias originárias dos três lados


desta fronteira.

Figura 2. Vista da cidade de Tabatinga para o Rio Solimões, onde


é notável a presença de embarcações que fazem o transporte
entre as cidades próximas; na outra margem se localiza a rádio
que mudou de lugar em decorrência das leis brasileiras, já que a
outra margem é do outro lado peruano.
Fonte: Do autor, 2013.

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