Certa vez Dom. Pedro II estava na carruagem indo a um evento
oficial. Como estivesse atrasado, o cocheiro não poupou em castigar os cavalos para que andassem mais ligeiramente. Ao perceber, Dom. Pedro disse: “Vá devagar que eu tenho pressa”. Faz pensar o ritmo acelerado em que se vive e a correria por adquirir títulos, diplomas e capacitações, muitas vezes a custa de renunciar a bens morais mais elevados e importantes, como, por exemplo, um almoço em família. Em Sevilha muitos restaurantes fecham na hora do almoço, pois julgam que também o garçom tem o direito de almoçar com a esposa e os filhos.
No Livro “Alice no País das maravilhas”, do Lewis Carroll, há um
personagem bastante intrigante: o Coelho branco. Sempre atrasado e com compromissos inadiáveis. Há várias interpretações para esta figura peculiar. Uma válida é pensar numa metáfora do workaholic man pós Revolução Industrial. Há pessoas sempre o(culpadas) que nunca têm tempo. Estão sempre se mexendo. Correm de lá para cá. Reproduzem gestos, lugares comuns, cheios de vazio. Nas suas ações, denotam uma ausência de significado, carência de sentido. Vivem “comme il faut”, mas o dever pelo dever enfastia a longo prazo. Correm bem, mas fora do caminho, nas palavras de Santo Agostinho.
Há uma pergunta, retirada de um livro sapiencial, como a própria
palavra diz, carregado de sabedoria: "Que aproveita o homem com tanto trabalho?" A realidade do trabalho permite que o homem se aperfeiçoe e desenvolva a sociedade em que vive. Entretanto, o trabalho é sempre meio, nunca um fim em si mesmo. Corre-se muito, mas não se sabe para onde. O "para onde" faz toda a diferença. Ainda em “Alice”, quando, perdida na encruzilhada da vida não sabia por onde devia seguir, responde-lhe o gato: "Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve". Aliás, essa é a grande mensagem do “Senhor do Anéis”, de Tolkien: o homem é como um Hobbit, homo viator, homens que estão a caminho. Mas a caminho de onde?
Antes de se empreender uma viagem, a primeira coisa a fazer é
estabelecer o destino almejado e o percurso que se quer traçar. O ser humano possui a capacidade de estabelecer fins e eleger os meios adequados para persegui-los. Para além de todos os fins que nos propomos, a pergunta central da vida é identificar qual o nosso bem global, ou seja, aquele bem que é capaz de colmar todo o nosso anseio de plenitude.
A velocidade imprimida pela internet e a gama de informações
difundidas pelos mass media, fazem com que o homem moderno viva como o Coelho branco de Alice, ou como “os ladrões do tempo”, personagens criados por Michael Ende, em “Momo e o Senhor de tempo”. Roubam o homem de si. Procuram "fora"(distrações, dispersões, vícios, descontroles) o que só podem encontrar "dentro"(autoconhecimento, contrição, metanoia). Fecham-se "em si"(egoísmo) e não percebem que a felicidade é uma porta que se abre para "fora"(abrindo-se à realidade, aos outros, a Deus).
É sugestivo o diálogo que trava Momo com o Mestre Hora:
“Todo o tempo que não é percebido pelo coração é tão
desperdiçado quanto seriam as cores do arco-íris para um cego ou o canto de um pássaro para um surdo. Infelizmente, porém, existem alguns corações cegos e surdos, que nada percebem, apesar de baterem. - E quando meu coração parar de bater? - perguntou Momo. - Então - respondeu Mestre Hora -, o tempo terminará para você, minha menina. Podemos dizer também que é você quem volta através do tempo, através de todos os seus dias e noites, meses e anos. Você caminha de volta através da sua vida, até chegar ao grande portão redondo de prata, pelo qual certo dia você entrou. Então você volta a sair. - E o que há do outro lado? - Você estará no lugar de onde vem a música que já ouviu algumas vezes, bem baixinho. Mas então você fará parte dela, será um som dela.”
É preciso parar. Serenar. Fazer com que o tempo passe pelo
coração. Enchê-lo de sentido. Rever os fins desejados. Atualizar a inteligência e comprometer a vontade. Engajar a liberdade para algo que vá além de mim. Recalcular a rota, se for o caso. Sem pressa e sem pausa. Melhor: uma pressa lenta. Como diz o aforismo romano: Festina lente. Apressa-te lentamente.