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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018

I – Introdução; o problema metodológico-jurídico


1. Questões prévias
Castanheira Neves, no seu “O papel do jurista no nosso tempo”, dirige ao «jurista», e até ao «direito», três questões
matriciais:
1. Porquê? – questiona-se aqui o fundamento da ordem de Direito; pretende encontrar-se, então, aquilo que
valida (dá validade) ao Direito como ordem.
2. Para quê? – pergunta-se pela função social do Direito; há uma alusão à exigência de assumir uma criticamente
a realização histórico-concreta da ideia de direito.
3. De que modo? – indaga-se qual o método para a realização do direito; é aqui colocada a enfâse no problema
metodológico de saber qual o caminho que culmina na decisão jurídica.
A problemática que nos ocupará reconduz-se a esta última questão: qual o método utilizado realizar o direito? No
fundo, pretende reproduzir-se o caminho, a trajetória, o percurso, etc. a realizar pelo julgador para a realização do
direito em concreto.
2. A dimensão da validade normativa e a dimensão metodológica
De entre as três questões acima elencadas, duas há que importa correlacionar entre si: o “porquê?” e o “de que
modo?”. Como se compreende, isto é o mesmo que dizer que o problema do fundamento do direito está
intrincadamente ligado ao problema da realização do direito.
De facto, não se pode compreender um qualquer modelo metódico-jurídico sem refletirmos problemática e
criticamente sobre a sua intencionalidade no quadro global do pensamento jurídico. O método jurídico é atualmente
uma dimensão problemática do direito: a compreensão de um determinado método jurídico implica a reflexão acerca
do próprio pensamento jurídico, isto é, do próprio direito como tal. Ora, a ligação entre estas duas questões – a
problemática do direito e o método jurídico – é operada pela metodologia.
De um modo esquemático, a questão exposta coloca-se da seguinte forma
Qual o fundamento do Direito? Qual o método de realização do
Direito?
Pergunta-se pelas exigências de Dimensão de Dimensão
sentido que estruturam e validade metodológica Incide-se sobre a experiência de
realização concreta do direito.
conferem validade ao sistema.
[De que modo?]
[Porquê?]

A dialética entre estes dois pólos é facilmente compreensível: por um lado, não podemos discorrer sobre o método
jurídico sem lhe associar uma específica intencionalidade (os pressupostos constitutivos do método radicam no
fundamento do próprio Direito como ordem); por outro, versar sobre o fundamento/validade do Direito pressupõe
uma referência ao método através do qual esse Direito é realizado concretamente.
3. Metodologia jurídica e conceito de Direito
No seguimento do que tem vindo a ser exposto, poderia colocar-se a seguinte questão:
“Qual é a conceção de «Direito» que sustenta a conceção metodológica propugnada?”
Por outras palavras, estar-se-ia a admitir que a reflexão metodológica mobiliza um conceito específico de Direito.
Ainda que se entenda que não é necessário que assim seja, importa distinguir duas noções:
 Conceito de classe: conjunto de caraterísticas cuja verificação é necessária para que se identifique uma
determinada figura;
 Conceito-arquétipo: experiência de aproximação em degraus, internamento diferenciadora das ordens ou
sistemas que vão ocupando esses degraus.
O conceito de “Direito” proposto pelo britânico Hart era um conceito de classe: o autor identificou um conjunto de
caraterísticas cuja verificação era necessária para que uma dada ordem social pudesse ser classificada como ordem de
Direito. Estamos aqui, como bem se vê, no seio de uma lógica de “tudo ou nada” – ou se encontravam preenchidas
todas as caraterísticas e se podia falar em ordem de Direito ou falhava uma ou mais dessas caraterísticas e não se
podia falar em ordem de Direito. Simmons, em crítica a esta conceção, propõe um conceito de Direito que se designa
de conceito-arquétipo: há um conjunto de traços gerais que caraterizam uma dada figura sendo as experiências sociais
integradas nessa figura sempre que se aproximem desse desenho genérico. Assim sendo, uma concreta realidade
social pode ser qualificada como ordem de Direito ainda que falhe numa das caraterísticas essenciais que lhe são
assacadas, bastando para tal que se aproxime suficientemente da noção genérica de “ordem de Direito”.

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É esta última a conceção propugnada entre nós. Entende-se que a ordem de Direito é conformada por “exigências de
sentido”, sendo estas os elementos com base nos quais se julga a experiência social. Esta é uma conceção axiológica,
ancorada em valores/princípios (e não em características estanques).
4. A relação entre o logos e o método
4.1 Tipos de relações
Metodologia:
Meta Odos Logos
Exigência de sentido (de um Exigência de um percurso (de um Exigência de racionalidade (de
objetivo ou fim específico) caminho ou modo de proceder) uma lógica, de um pensamento)
De acordo com a etimologia da palavra, a metodologia pode definir-se como:
“a razão ou o pensamento intencional de um método”.
De forma simplista, a metodologia visa compreender, de forma racional (logos), o método (odos) pelo qual se pretende
(meta) realizar o direito.
A este respeito, Fernando José Bronze vem propor um neologismo – “metodonomologia”. Às três dimensões acima
explanadas acresce uma quarta: o “nomos” – o juízo decisório concreto. No fundo, o que se pretende é sublinhar que
a metodologia deve desenvolver a reflexão sobre o método de realização do direito sem perder de vista o caso
concreto, isto é, a realidade jurisprudencial de aplicação do direito.
Neste contexto coloca-se uma questão: que relação intencional (meta) se estabelece entre o pensamento (logos) e o
processo (odos)? Na metodologia está implícita uma relação intencional entre a racionalidade/pensamento e o
percurso/caminho – de que modo elas se influenciam?
São três os tipos de relações que aqui podem estar em causa:
a) Relação de exterioridade construtiva: o método é puro objeto da razão – o pensamento/racionalidade impõe
à prática um percurso/caminho que deve ser seguido para a obtenção de um resultado. Neste contexto, o
«método» pode ser definido como: “um conjunto de procedimentos intelectuais ordenados segundo um plano
racional pré-estabelecido, aplicáveis a um dado domínio, em vista de um certo fim” (E.P. Haba). O pensamento
constrói um conjunto de regras que devem ser seguidas na prática. O método surge, então, como um artifício
racional, criado “de fora”, que se avalia pela sua aptidão para lograr o fim em vista. Do exposto resulta
claramente ser este um modelo prescritivo: um modelo que pré-determina um método e cujo seguimento
constitui critério de validade da prática.
b) Relação de imanência constitutiva: o método é o modus operandi da prática, apenas reconhecível a posteriori
através da sua análise explicitante. Ao invés do que acontece no tipo de relação atrás descrita, aqui o
método/percurso manifesta-se na prática, limitando-se a racionalidade/pensamento a reproduzi-lo. Aqui “as
práticas têm a sua própria força”. Este é um modelo de racionalidade descritivo, que não impõe qualquer
método, limitando-se a descrever aquele que já existe na prática.
c) Relação de reconstrução crítico-reflexiva: o método, visto como uma decorrência da prática, é olhado com
uma atitude criticamente reflexiva. Aqui o pensamento/racionalidade não impõe um método (ou percurso) à
prática mas também não se limita a descrever o caminho/método que dela decorre. A razão reconhece os
dados recolhidos da prática e pensa sobre eles de forma crítica.
Se o direito se diferencia universalmente como direito ao constituir e realizar uma específica ordem de validade, já o
sentido concreto da validade que constitui e realiza varia historicamente. Situem-se então as conceção que foram
atrás expostas:
Relação de exterioridade construtiva Relação de imanência constitutiva Relação de reflexão crítico-reflexiva
 Séc. XIX – positivismo jurídico  Época Medieval  Época Contemporânea
 Relação prescritiva  Relação descritiva  Relação prescritiva e descritiva
 Função legitimante  Função constitutiva  Função de validade crítica
O logos (pensamento ou racionalidade) O método impõe-se ao logos O método é reconhecido pelo logos
impõe o método (pensamento) (pensamento); o logos (pensamento)
reflete criticamente sobre o método
Às funções diversas enunciadas correspondiam, decerto, sistemas de valores, princípios fundamentantes e estruturas
institucionais também diferentes. Os pensamentos jurídicos revelam-se entidades culturalmente históricas. Daí, pois,
a profundas variações diacrónicas e as não menores diferenças sincrónicas do pensamento jurídico.
4.2 Perspetiva adotada
Às perspetivas metódicas enunciadas em a) e b) podem apontar-se as seguintes críticas:

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a) Relação de exterioridade construtiva: esta perspetiva ignora o sentido próprio da atual realização do direito –
um sentido problemático-concreto – e o método verdadeiramente exigido pela prática. Ao traduzir-se num
prévio enunciado de algoritmos metódicos, esta perspetiva não acomoda as necessidades materiais da
realização do direito, sendo, por isso, excessivamente formal.
b) Relação de imanência constitutiva: esta perspetiva não se adequa às exigências do nosso tempo, em que não
existe um consenso na prática. Limitando-se a descrever a prática efetiva da realização do direito, este modelo
esquece que, em face de uma pluralidade de práticas, é preciso uma reflexão crítica.
Apontados que estão os inconvenientes das duas relações método-logos mais radicais, importa agora esmiuçar aquela
terceira relação, com a qual concordamos. Não se pretende negar a importância da atitude pró-ativa do pensamento
jurídico (como sucede na relação de exterioridade construtiva), nem tão-pouco olvidar a relevância da análise da
prática para a criação de melhores soluções jurídicas; o que se pretende é, isso sim, demonstrar que nenhuma das
atitudes deve ser levada ao extremo – elas necessitam-se mutuamente. De facto, a reconstrução crítico-reflexiva
propugnada deve operar em dois momentos:
1. Momento analítico (ou teórico-descritivo) : descrição analítica da prática judicativo-decisória;
2. Momento normativo (ou prático-construtivo): prescrição de alternativas metódicas ao esquema vigente.
Nestes termos, a metodologia jurídica não se propõe a construir, sem mais, um método, mas também não se limita a
conhecer e descrever o método praticado. Verdadeiramente, o que se pretende é refletir sobre o problema da
realização do direito tal como ela decorre na prática, para criticamente a orientar. Portanto, a índole da metodologia
não será:
 Índole prescritiva (relação de exterioridade construtiva) – não pretende impor um método às práticas;
 Índole descritiva (relação de imanência constitutiva) – não se limita a descrever as práticas.
A índole crítico-reflexiva que reconhecemos à metodologia implica que ela assuma como ponto de partida a prática
realização do direito, dirigindo-se a ela reflexivo-criticamente.

Prática
Momento
analítico
Descri-
ção
Momento
normativo
Reflexão
- crítica .
Índole maioritariamente descritiva Índole tendencialmente prescritiva
4.3 A proposta de Stanley Fish
O autor de “Doing What Comes Naturally” convoca, a respeito da temática sobre que versamos, o conceito de
“comunidades interpretativas”.
= experiências coletivas autossubsistentes definidas por critérios de “correção profissional” no seio das quais
surgem projetos interpretativos e rotinas institucionalizadas.
Ora, poderia, segundo Stanley Fish, falar-se numa comunidade interpretativa de juízes, a qual se distinguiria da
comunidade interpretativa dos advogados, da comunidade interpretativa dos juristas académicos, da comunidade
interpretativa dos não juristas, etc. As comunidades interpretativas traduzir-se-iam num conjunto dinâmico de
referentes (cânones, códigos linguísticos, etc.) em permanente reformulação, com uma capacidade decisiva de
assimilação-conversão de padrões exteriores. Porque assim seria, toda e qualquer tentativa de reflexão metodológica
com uma intenção prescritiva ou crítica estaria condenada à improdutividade de um cálculo teorético, dominado por
códigos discursivos estranhos à prática em que pretende intervir. Apenas seria admissível uma análise explicitante,
respeitadora do dito “what comes naturally”. Portanto, aos demais juristas (designadamente, os juristas académicos)
não competiria refletir criticamente sobre a prática decisória dos juízes.
A esta conceção podem, contudo, ser apontadas falhas:
 Cada vez mais é posta em causa a unidade destes grupos e dos respetivos cânones e projeto interpretativo; a
comunidade de juízes não é hoje una, já que podemos reconhecer, na realidade prática, o juiz-administrador
(fruto do Estado Providência), o juiz-centro do sistema (saído da reprocessualização pós-instrumental), o juiz-
político, o juiz da comunidade de princípios, o juiz-maximizador da riqueza, etc. Há hoje uma pluralidade
radical dentro da própria comunidade dos juízos.
 Muitas das elaborações académico-metodológicas têm hoje expressão prática, assumindo a forma de
correntes jurisprudenciais. Daqui resulta não ser de separar de forma estanque a comunidade interpretativa
dos juízes e a comunidade interpretativa dos juristas académicos.

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5. O problema metodológico
5.1 O campo temático
À metodologia jurídica compete refletir criticamente o método da judicativo-decisória realização do direito. Impõe-
se, então, perguntar qual o âmbito da realização do direito. Noutros termos, pretende saber-se o que é efetivamente
realizar o direito. Sabe-se que a realização concreta do direito não se confunde com a mera aplicação de normas
pressupostas, mesmo que sejam as normas o critério dessa realização. De facto, na problemático-concreta realização
do direito concorrem momentos normativos-constitutivos que a transformam de mera aplicação de normas em
verdadeira criação de direito. Daí, aliás, que se reconheça como fonte de direito a jurisprudência.
5.2 A metodologia jurídica global
Esta conclusão não só põe em causa o esquema funcional do tradicional normativismo – a criação do direito compete
ao legislador e a sua aplicação compete ao juiz – como permite ainda um conceito alargado de realização do direito.
Efetivamente, uma conclusão nos termos que foram apresentados pode suscitar uma compreensão específica da
problemática aqui em causa. Isto porque se se propugna que a realização concreta do direito é jurídico-
normativamente criadora, então haveria também que admitir que a criação legislativa decidisse questões jurídicas. A
legislação assumiria a sua vinculatividade, não só positivamente, como também transpositivamente: a positivação de
normas jurídicas deveria ser vista como a consagração de uma interpretação determinante. Nestes termos, a
prescrição legislativa realizaria a sua “interpretação” jurídico-normativa mediante decisões jurídicas para uma
pluralidade abstrata de questões, pelo que o legislador só prescreveria nas leis juízos generalizados. Neste contexto
entendem-se as normas legais como decisórias posições sobre uma série de casos jurídicos.
Falar-se-ia, nos termos desta elaboração, numa realização do direito em sentido amplo, de modo a abranger:
 Prescrição legislativa » realização do direito em abstrato;
 Decisão judicativa concreta » realização do direito em concreto.
Daí que se fale, aqui, numa “unidade profunda do pensamento jurídico” – o legislador e o intérprete não fazem senão
partilhar os momentos sucessivos duma mesma tarefa. Na linha deste entendimento, tentou-se também aproximar
convergentemente os métodos legislativo e judicativo, no sentido de uma intenção metódica global. A este respeito
falar-se-ia em “unidade do método jurídico”. A compreensão deste método unitário, que deveria ser cumprido tanto
pela “criação” como pela “aplicação” do direito, realizar-se-ia através da “metodologia jurídica global”.
Esta posição mostra-se, na nossa visão, excessiva. Com efeito, ela só teria viabilidade se houvesse de aceitar-se uma
de duas teses redutivistas:
O julgador repete em concreto o legislador O legislador antecipa em abstrato o julgador
a) Positivismo jurídico: as prescrições jurídicas seriam Só poderia sustentar-se esta conceção se o legislador só
entidades auto-significantes e pré-determinariam a tivesse a estrita intenção de resolver juridicamente
sua própria aplicação; questões jurídicas (não relevando para a criação
b) Perspetiva estratégico-tecnológica: a realização do legislativa questões de natureza política, económica,
direito limitava-se a continuar a estratégia ambiental, de saúde e ordem pública, etc.).
programática efetivada através da legislação.
Falhas: Falha:
a) O positivismo jurídico está hoje superado, Importa distinguir a prescrição legislativa, com uma
reconhecendo-se consensualmente o efeito institucional e funcional índole político-social (ainda
criador da decisão judicativa; que com enquadramento jurídico), da realização do
b) O direito tem um valor próprio, é uma ordem de direito, de índole institucional e funcionalmente
validade, não devendo ser remetido a um papel judicativo-decisória e com uma intenção de
de mero instrumento. cumprimento da validade jurídica normativa.
Ora, de tudo o que foi dito conclui-se que a prescrição legislativa e a decisão judicativa concreta não podem ser vistas
como um todo unitário; são duas realidades que se diferenciam, designadamente nos seguintes aspetos:
 Diferenciação estrutural:
 Prescrição legislativa » as normas legislativas são regras imperativas;
Direito como thesis – sistema de regras político-sociais de organização e reforma
 Decisão concreta » o direito surge como critério e fundamento.
Direito como nomos – normatividade que valida a decisão concreta
 Diferenciação sistemática:
 Prescrição legislativa » sistema de regulamentação (lex);
 Decisão concreta » sistema axiológico (ius).

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 Diferenciação de intencionalidades decisivas:
 Prescrição legislativa » (1) autonomia juridicamente constitutiva (legislar é “criar” direito, ainda que
em respeito pelas dimensões positivo-constitucionais e axiológico-transpositivas do sistema); (2)
função de definir estratégias políticas e prescrever programas políticos-sociais (além da função de
resolver problemas jurídicos).
 Decisão concreta » (1) vinculação jurídico-normativa (ainda que não se neguem momentos normativo-
jurídicos constitutivos à função de realização do direito, ela está densamente vinculada); (2) função
de resolução estrita de problemas jurídicos.
5.3 Os modelos alternativos da realização jurisdicional do direito – critério da autonomia do direito
Para a determinação do campo temático da metodologia importa versar sobre o problema do sentido atual da função
judicial, da jurisdição e do juiz. Como visto, o logos (pensamento) não deve limitar-se a descrever a praxis, indo mais
longe numa reflexão crítica acerca dessa praxis (posto que propugnamos uma relação de reconstrução crítico-reflexiva
entre o logos e o método). É exatamente isso que nos propomos fazer de seguida: analisar criticamente os modelos
de realização concreta do direito propostos. Quanto a esta questão são várias as conceções existentes, todas elas
compreendendo a jurisdictio de forma distinta. Podemos qualificá-los segundo vários critérios, sendo o primeiro deles
o critério da autonomia do direito.
A este respeito importa enunciar algumas notas acerca da praxis atual:
 Transformação irreversível do sentido das leis: as leis são hoje prescrições de certas forças políticas que no
quadro do sistema político-estadual ou constitucional adquirem legitimidade e pelas quais se impõe um
programa de ação político-social;
 Assunção deliberadamente programática de uma estratégia político-social no todo da realidade social:
também a praxis social se politizou.
Neste contexto, o problema que se coloca é o problema da autonomia do direito e da possibilidade institucional da
sua afirmação. Esta questões suscitou a elaboração de modelos de juridicidade, entre os quais aqueles que se
apresentam de seguida:
 Normativismo legalista: este modelo surgiu no seio do liberalismo e iluminismo, fruto da conceção
antropológica que durante esse período se construi. A autonomia humana emerge, neste período, como valor
supremo, em superação da ordem teológico-metafísica transcendente aceite anteriormente. Esta
centralidade da autonomia humana repercutiu-se num enfoque na razão e liberdade humanas. Neste
contexto, surgem duas tendências do pensamento: o individualismo e o racionalismo. Este racionalismo
assenta na “razão cartesiana”: fundamentada nos seus axiomas e sistematicamente dedutiva nos seus
desenvolvimentos. Toda esta nova conjuntura veio exigir a institucionalização de um novo poder. O sentido
fundante desse novo poder foi, como é sabido, o “contrato social”. Em consequência da instituição deste novo
poder e da afirmação dos valores já expedidos, a legalidade torna-se radical: o direito seria a lei, e unicamente
a lei. Da igualdade, liberdade e demais interesses racionais resultavam direitos subjetivos, por intermédio do
contrato social. Ora, do que foi dito decorre claramente a afirmação da autonomia do direito – para o
normativismo o direito é autónomo porque constitui um sistema de normas gerais e abstratas pensado e
constituído antes do problema concreto. A sua aplicação prática resultava de um mero juízo lógico-dedutivo;
as normas criadas em abstrato pelo poder instituído pelo contrato social (o único poder legitimado para criar
o direito) projetavam-se na realidade dos facto subsuntivamente.
 Funcionalismo: o referente deste modelo é, já não o indivíduo, mas antes a sociedade como fenómeno
específico, com uma estrutura, componentes e uma dinâmica próprios. Neste âmbito, o direito é
funcionalizado à estruturação, regulação e à organização operatória global da sociedade, perdendo a sua
autonomia intencional e material. O direito converte-se, então, num instrumento ao serviço de exigências
provindas das instâncias e forças políticas, sociais, culturais, económicas, etc. Trata-se, portanto, da político-
socialização do direito. Esta elaboração surge com a emergência do Estado Providência e do “social” como
critério de todos os problemas humanos. Um dos meios jurídicos utilizados por este modelo de Estado é, como
referido, a legislação, a qual se torna um instrumento da própria ação política. A lei funcionalizada político-
socialmente passa a revestir novas formas (além da clássica lei geral e abstrata), como a “lei-plano” e a “lei-
providência”. Em suma, a autonomia do direito é aqui postergada para segundo plano, já que aquele passa a
ser um instrumento de prossecução dos fins do Estado.

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 Jurisprudencialismo: esta conceção é uma conceção que pode dizer-se “do homem-pessoa” – o direito, com a
sua normatividade axiologicamente fundada, está ao serviço de uma prática pessoalmente titulada e
historicamente concreta, com a intenção de realização do homem no seu direito e no seu dever ou na sua
responsabilidade. Esta é uma perspetiva de imanência microscópica, porquanto o direito é convocado pelo
homem concreto que vive e comunitariamente convive os acontecimentos práticos. A centralidade já não
recai sobre a lex em si mesma, mas sim sobre o ius, como ordem normativo-axiológica de validade que
sustenta os juízos práticos decisórios. O direito readquire a sua autonomia, assumindo-se como ordem de
validade, associada a exigências de sentido e a valores.
Finda a explanação destes três modelos de realização do direito, é proveitoso colocá-los em perspetiva:
Normativismo Funcionalismo Jurisprudencialismo
 Autonomia do direito  Instrumentalidade do direito  Autonomia do direito
 Paradigma da aplicação: o  Paradigma da decisão: o  Paradigma do juízo: o direito
direito é criado em abstrato direito tem um papel procura realizar determinados
(pelas instâncias legitimadas) instrumental face aos fins e valores e exigências de sentido,
para ser aplicado lógico- programas políticos, económicos constituindo, por isso, uma
dedutivamente em concreto. e sociais do Estado. ordem de validade.
 O juiz deve decidir com base  O juiz assume-se como “juiz-  O juiz deve decidir com base
num juízo subsuntivo (através tático”, devendo tomar as no juízo concreto que melhor
de um silogismo lógico- decisões que melhor realize os valores e exigências
dedutivo), pois só assim prossigam os programas de sentido que conformam o
cumpre o direito político-sociais que fundam o sistema, olhando o ius no seu
legitimamente criado – a lex. próprio direito. todo (e não só a lex).
Feito o enquadramento geral destes três modelos de realização do direito, importa agora atentar especificamente em
cada um deles, já que no seu seio surgiram conceções diversas.
a) Normativismo
O normativismo legalista nasceu do individualismo contratualista e foi exponenciado pelo jusracionalismo. Vejam-se,
então, as três dimensões deste modelo:
1. A sistematização » a projeção da razão axiomático-sistemática moderna no pensamento jurídico repercutiu-
se, como referido, na criação de sistemas conclusos de normas que se sustentavam em axiomas ético-racionais
e em postulados antropológico-racionais. Estes sistemas, porque fechados, não permitiam outra aplicação
concreta que não aquela que é veiculada pelo silogismo jurídico. A construção deste modelo assente num
sistema fechado fundado na racionalidade antropológica deveu-se ao pensamento de personalidades como
Hugo Grócio, Pufendord, Thomasius e Wolff.
2. A legalidade » os sistemas conclusos referidos eram construídos como sistemas de normas legais. Com a
codificação, o direito passou a resumir-se exclusivamente à lei. A ideia de legalidade e a ideia de sistema
conjugavam-se para dar lugar ao normativismo legalista. Pela legalidade imputava-se a constituinte
titularidade do direito exclusivamente ao legislador; pelo sistema postulava-se no direito uma racionalidade
intencional. Essa racionalidade intencional implicava que o direito fosse abstrato-dogmaticamente
determinável, isto é, que pudesse ser conhecido apenas através de uma estrita exegese, complementada por
uma lógico-formal conceitualização. Em suma, esta é a época do “direito-lei”.
3. O paradigma da aplicação » a realização do direito no seio do modelo normativista tinha necessariamente
que ocorrer através de uma lógico-dedutiva aplicação das normas legais. O juiz assumia-se como operador
impessoal, anónimo e fungível dessa aplicação. A este respeito pode falar-se em dualismo normativista: (1) o
direito só podia ser conhecido nas normas legais; (2) a aplicação do direito é subsuntiva porque ele já é
completamente conhecido previamente. O direito pressuposto nas normas, tal como aí se objetifica e
manifesta, apenas se repete na solução concreta – à realização do direito não é conhecida qualquer dimensão
constitutiva (criadora), porquanto o direito resume-se exclusivamente à lei. Admitir-se uma mediação
juridicamente constitutiva da realização do direito seria afirmar que o direito afinal não existia apenas nas
normas do sistema.
No fundo, se o direito devia constituir-se e manifestar-se num sistema de normas, então a projeção do direito na
realidade histórico-social não pode implicar qualquer possibilidade juridicamente constitutiva. Consequentemente, o
direito deve realizar-se por mera “aplicação”, a qual opera segundo um esquema que garante a relação entre o geral
da norma e o particular do caso sem implicações constitutivas – esse esquema seria o da lógica dedutiva, através do

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silogismo e da subsunção. Nesta linha, entedia-se que a realidade histórico-social não se oferecia como um acervo
disperso de factos, mas antes como unidades de acontecimentos histórico-socialmente estruturados. Toda esta
elaboração visava, no seu âmago, alcançar a estanque separação dos poderes: o legislador criava o direito e o juiz
limitava-se a aplicá-lo (não devendo assumir qualquer papel criador) – o juiz devia ser tão-só a “boca da lei”, limitando-
se a versar sobre a matéria de facto.
Na passagem do século este modelo foi posto em causa pelo movimento metodológico reformador que se vinha
afirmando. A análise à sentença judicial permitiu concluir pelo não cumprimento do paradigma do normativismo na
realidade. Negou-se, assim, a validade desse paradigma, tendo emergido novos modelos, nomeadamente os
construídos pelo “movimento do direito livre”, pela “jurisprudência dos interesses”, pela “jurisprudência sociológica”,
etc. A esta falha acresceu a crítica de que o normativismo, ao sustentar um sistema fechado em si mesmo, alienava o
direito da realidade social e furtava-se aos compromissos político-sociais, económicos, etc. emergentes.
b) Funcionalismo
O funcionalismo, como modelo de realização do direito, pode fazer-se assentar em três pressupostos:
1. A funcionalidade » na modernidade os fins deixaram de ser expressão teleológica de uma ordem onto-
axiológica para passarem a ser simples manifestações de pretensões subjetivas. Relativamente a esses fins, a
ação pretende-se funcional ou técnica, isto é, capaz de alcançar os objetivos e produzir os efeitos pretendidos.
Na modernidade o homem surge como ser dinâmico e evolutivo, capaz de novidade. Reconhecendo a sua
intervenção transformadora, o homem passa a ter uma visão do mundo axiologicamente neutra. Daí que o
próprio direito tenha assumido como parâmetro a funcionalidade, a eficiência, a performance – é com base
nesses parâmetros que se julga a ação/comportamento.
2. A razão instrumental » a racionalidade finalística (instrumental) vem contrapôr-se à racionalidade axiológica.
A razão radica agora na utilidade do comportamento para alcançar um resultado. Deixa de se perguntar ao
direito se o comportamento é moralmente bom ou recto e passa a perguntar-se se ele é útil. Tudo isto se
resume numa simples afirmação: a fundamentação cede à instrumentalização, a validade cede à eficácia ou
eficiência e os valores cedem aos fins.
3. O compromisso ideológico » a razão instrumental implicou a libertação da política, o pragmatismo filosófico e
o utilitarismo social.
O que especificamente carateriza o funcionalismo jurídico é a sua particular atitude perante o direito: o funcionalismo
pergunta “para serve o direito?” e não “o que é o direito?”. Esta conceção não vê no direito algo autónomo em si,
independente da sua finalístico-funcional operacionalidade. O direito é mero instrumento e não uma ordem autónoma
em si. O funcionalismo, nos termos expostos, assume diferentes modalidades, designadamente:
 Funcionalismo político: o direito é compreendido como um instrumento político, devendo assumir um
determinante objetivo político. Este funcionalismo ocupa um lugar à parte porquanto ele foi elaborado com
base num específico compromisso ideológico: o neomarxismo. O jurista político seria condição necessária para
a existência de uma nova sociedade política, assente nos ideais neomarxistas.
 Funcionalismo social: distinguem-se duas sub-modalidades:
 Funcionalismo social tecnológico: os modelos são, já não revolucionários, mas estratégicos, orientados
por critérios de performance. O direito e o pensamento jurídico são perspetivados como uma “social
engineering”, sendo a realização concreta do direito levada a cabo nos termos da “teoria da decisão”.
 Funcionalismo social económico: a sociedade e toda a prática social são consideradas segundo a
estrutura do mercado. Assim sendo, o direito só teria sentido na perspetiva da eficiência económica
(da maximização da riqueza).
 Funcionalismo sistémico: o direito é visto como um subsistema social, seletivo e estabilizador de expetativas,
segundo um código binário de lícito/ilícito, legal, ilegal...
A consequência para a função judicial de tudo isto não podia deixar de ser a seguinte: o paradigma deixa de ser a
aplicação (como ocorria no normativismo legalista) e passa a ser o da decisão. Estamos em face de uma particular
racionalidade que se traduz na opção entre soluções alternativas com vista a um pressuposto fim ou objetivo. Essa
opção deve ser orientada por um princípio de optimização na realização de um certo objetivo, escolhendo-se a solução
em função dos efeitos que melhor realizem esse objetivo. A “decisão” é, exatamente, a escolha de uma entre várias
opções. Daí que se fale aqui em “paradigma da decisão”. Isto implica, evidentemente, a atribuição de uma ampla
autonomia ao decidente. Neste contexto, compreende-se o apertado diálogo do funcionalismo jurídico com a ciência

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política, com a sociologia e outras ciências sociais. O próprio funcionalismo pretendia assumir-se como ciência social
– a ciência de controlo social.
O “juiz político” pressuposto exerceria uma função decisória essencialmente funcional, teleológica, instrumental,
evolutiva e pragmática; a solução mais justa seria a mais adequada ao objetivo proposto pelo planificador social.
Nestes termos, assistir-se-ia ao declínio da “rule of law”, a qual seria superada pelo “judicial-power model”, no qual o
juiz é constitutivamente interventor, criador das soluções exigidas pelos fins e interesses sociais. A sua nova missão
imporia ao juiz que atuasse além do campo delimitado pela lei, que deixasse de ser um aplicador passivo de regras e
princípios pré-estabelecidos; ao invés, ele passaria a colaborar na realização de finalidades sociais e políticas,
comparando as alternativas e decidindo mediante a escolha de uma delas.
A este modelo apõem-se diversas críticas:
 O direito é submetido a uma radical instrumentalidade.
 É rejeitada a autonomia do direito.
 O funcionalismo pode representar, mais do que uma conceção do direito, uma alternativa ao direito qua tale,
podendo questionar-se se essa seria efetivamente uma correta via alternativa.
 O juiz é, no fundo, um militante político ou um administrador discricionário, com todos os problemas que isso
acarreta para a realização da “justiça”.
 São renunciados os valores e princípios, o sentido e as garantias que se vinculam ao Estado de Direito.
Em suma, o que deverá perguntar-se é: os benefícios porventura retirados deste modo de realização do direito
compensarão as perdas capitais que serão o seu preço?
c) Jurisprudencialismo
Esta terceira alternativa recusa os extremos dos dois modelos anteriores: nem se trata da autonomia formal do
normativismo, nem do instrumentalismo exponenciado do funcionalismo. O que o jurisprudencialismo propugna é,
isso sim, a autonomia de uma validade normativa material que se realiza no homem-pessoa.
São pressupostos deste modelo:
1. A antropologia axiológica » o jurisprudencialismo convoca uma recompreensão do próprio homem, com uma
mais profunda reflexão quanto ao sentido com que nos deveremos compreender e às exigências do nosso
compromisso de coexistência. Afirma-se o homem-pessoa, com todas as implicações axiológicas e éticas do
sentido de “pessoa”. No sentido de “pessoa” postula-se a sua dignidade absoluta, mas nega-se a sua
identificação ao “indivíduo” – recusa-se, portanto, o individualismo. Ademais, essa dignidade implica um
recíproco reconhecimento e compromissos comunitários (pois ser pessoa é viver em comunidade) o que se
traduz não só numa ética perante a pessoa como igualmente a responsabilidade ética da pessoa em relação
ao universo humano. Em palavras simples: o ser humano surge, além de sujeito de direitos, também como
sujeito de deveres.
2. A exigência de fundamento » o fundamento de validade convocado radica no postulado do sujeito ético, com
a sua liberdade reconhecida enquanto pessoa e assim com a sua igualdade entre iguais.
3. A instituição de uma validade » o direito só o é autenticamente com a instituição de uma validade (algo que o
legitime como ordem). O direito nem é tão-só objeto normativo para uma determinação estritamente racional
(normativismo), nem mero instrumento de um finalismo heterónomo (funcionalismo), mas sim axiológico-
normativo fim em si mesmo – ele próprio é um valor na validade que exprime. Esta validade convoca valores
e princípios jurídicos que se manifestam na consciência axiológico-normativo decorrente da consciência
jurídica geral da comunidade histórico-cultural.
A indeterminação normativa que é própria da fundante validade propugnada exige uma determinação de índole
dogmática a que são chamadas as normas legais, com a complementariedade da reelaboração doutrinal e dos
contributos jurisprudenciais. Depois, essa validade dogmaticamente determinada (através da lei, da doutrina e da
jurisprudência) enfrenta uma concreta problematização praxística nos casos decidendos, a exigir uma mediação
judicativa que realize a validade nessa prática.
“A dialética entre sistema e problema é a racionalidade jurídica a considerar”
O sistema jurídico começa sempre por delimitar e pré-determinar o campo e tipo de problemas suscetíveis de
surgimento; a experiência problemática, por sua vez, vem alargar-se e aprofundar-se, em termos de fazer emergir
novos problemas, implicando novas respostas. Daqui se concluir que o direito numa será um dado, mas sim
verdadeiramente um problema.

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As normas jurídicas positivas têm limites objetivos, intencionais, temporais e de validade, pelo que o sistema jurídico
tem necessariamente que ser mais amplo. Os valores e princípios normativos que são fundamentos regulativos do
próprio sistema são os últimos critérios de realização do direito.
Neste contexto, devem considerar-se 2 momentos na realização do direito:
a) A norma legal deve ser interpretada de acordo com a normatividade fundamentante constitutiva do sistema
jurídico, referenciada às intenções axiológicas da consciência jurídica geral.
b) A norma legal deve dialogar com as exigências específicas do caso concreto – o valor hipotético aferido
previamente em função da axiologia do sistema e da ratio legis é submetido a uma experimentação
problemático-decisória em referência à relevância jurídico material do caso concreto, podendo concluir-se
pela adequação do sentido hipotético, pela analogia entre a solução que dele resulta e a solução exigida pelo
caso ou pela sua inadequação (caso em que a solução deverá ser autonomamente constituída).
Desta dialética conclui-se ser indispensável uma mediação judicativa a realizar pelo operador em concreto (o juiz). Por
isso se fala, aqui, em paradigma do juízo (não numa lógica aplicação, como no normativismo, nem numa estrita
decisão, como no funcionalismo [vide: quadro supra]). Por “juízo” entende-se julgamento, no sentido de ponderação
prática. Se o juízo é a resolução de controvérsias práticas, importa referir que o seu critério são fundamentos, aqueles
em que a normatividade do sistema de validade se manifeste e determine.
5.4 Os modelos alternativos da realização jurisdicional do direito – critério da abertura do sistema
Um outro critério segundo o qual se podem classificar os modelos propostos de realização do direito é o critério da
abertura do sistema. Aqui distinguem-se fundamentalmente dois tipos de conceções:
Discursos de área aberta Discursos juridicistas
= o sistema jurídico não está “fechado”, nem sempre = o sistema jurídico tem a capacidade de oferecer
apresentando uma solução única para o concreto sempre uma solução jurídica única para qualquer
problema jurídico suscitado problema jurídico-concreto
O sistema jurídico é um sistema normativo concluso,
Sistema jurídico consagrando a lex solução para todos os problemas jurídicos
(em último caso, mediante analogia)(1)
Várias soluções/opções de resolução OU
O sistema jurídico traduz numa juridicidade ampla (ius) que,
Julgador decide escolhendo apenas uma em confronto com o caso concreto, oferecerá sempre apenas
uma solução – a axiologicamente mais correta(2)
 Funcionalismo  Normativismo(1)  Jurisprudencialismo(2)
6. O objeto intencional e o sentido problemático
Uma metodologia só chega a ser tematizada quando a prática racional do domínio que lhe corresponde se tenha
tornado problemática, e na forma específica de um problema de 2º grau. O jurista realiza o direito resolvendo os
problemas jurídicos concretos, e o problema da metodologia é o da própria realização do direito que se cumpre e tem
por conteúdo a resolução desses concretos problemas jurídicos. No fundo, perguntamo-nos pela problematicidade
jurídica em si mesma.
Ora, a problemática, para surgir como tal, exige a verificação de uma situação de crise. Assim também nos problemas
de 2º grau: a realização do direito é convocada quando se coloca um problema prático, isto é, quando há uma crise
numa situação jurídica concreta; a metodologia só é chamada quando, havendo sido convocada por um problema
prático, a própria realização do direito é posta também em crise, tornando-se ela própria um problema. Estamos hoje
num momento histórico-cultural de investigação metodológico-jurídica porque o pensamento jurídico está em crise.
E o pensamento jurídico está em crise porquanto ruiu o sistema dogmático-conceitual próprio do normativismo
moderno e continuado no positivismo legalista que até aqui imperava. A este respeito, dois pontos fundamentais
importa ter hoje presentes:
 O direito não é o “antes” da sua realização, pois só “na” sua realização adquire autêntica existência – “O direito
existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito. (...) O que não passa à realidade,
o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que o fantasma do direito” (Ihering)
 O nosso momento histórico-jurídico é um momento em que o positivismo jurídico se encontra superado,
sabendo-se que:
 O direito realizando não se encontra todo na normatividade prévia e dogmático-prescritivamente
positivada (nas normas legais);
 A realização do direito não se esgota na simples aplicação das prévias e positivas normas jurídicas.
6.1 O post-positivismo

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O reconhecimento da mediação normativo-juridicativamente constitutiva da realização do direito traduz uma
consciencialização metódica “post-positivista”.
Com o positivismo a criação político-material do direito, o pensamento e a metodologia dos juristas tinham-se por
puramente jurídicos, nos termos seguintes:
 O direito seria só o direito positivo:
 Exclusão de qualquer juridicidade com fundamento materialmente pressuposto e indisponível ou
natural (metafísico, antropológico, axiológico...);
 Compreensão do direito positivo como o direito vertido nas prescrições dos órgãos político-
socialmente legitimados para criar direito.
 O direito positivo relevaria normativo-juridicamente como forma, como estatuto normativo-formal: o direito
seria a estrutura ordenadora da vida social, a considerar em abstração da matéria social ordenada ou sem
referência a quaisquer intenções materialmente práticas, fossem elas a exigência da justiça, os valores ou os
fins político-sociais. Porque assim era, o pensamento jurídico compreendia a interpretação do direito em
sentido estritamente dogmático ou lógico-sistemático, e não em sentido teleológico.
 O pensamento jurídico dirigia-se teoricamente ao direito, considerado como objeto – ao pensamento jurídico
cabia conhecer o direito que é (de iure condito) e não o direito que deve ser (de iure condendo). O objetivo
metodológico era meramente cognitivo, de índole dogmática e formal (o jurista limita-se a conhecer o direito,
tal como o legislador o criou, e a aplicá-lo lógico-dedutivamente – “Método Jurídico”).
Esta conceção metodológica do pensamento jurídico positivista foi posta em causa por uma sucessiva compreensão
metodológica que designaremos de “post-positivista”:
 A teoria positivista da aplicação do direito é metodologicamente insustentável: a análise da postulada
aplicação tão-só lógica revelou que ela afinal (na verdade) determinada por ponderações normativas e
intenções práticas exigidas pelo mérito jurídico particular do caso. Daqui podem retirar-se duas conclusões:
 O pensamento jurídico pode ser visto como ciência no conhecimento dogmático de normas abstratas,
mas há que reconhecer jurisprudência na decisão concreta;
 A jurisprudência envolvida na decisão concreta é normativamente constitutiva no seu decidir concreto
O direito afirmado na decisão concreta não é a mera e repetitiva reprodução do direito abstrato aplicando, e
sim uma reconstitutiva concretização, integração e desenvolvimento prático-normativo desse direito abstrato,
segundo as exigências do caso. Em suma:
“A jurisprudencial decisão concreta revela-se também, afinal, criadora de direito.”
 O direito não é só forma, mas intenção material, e a índole do pensamento jurídico não é simplesmente lógico-
analítica mas normativo-teleologicamente constitutiva: o direito é, e deve ser, um regulativo material,
comprometido em valores, fins e interesses.
 A realização do direito não pode fazer-se unicamente através dos critérios do direito positivo: a interpretação
jurídica não pode prescindir da referência a fatores ou a elementos normativos extratextuais e transpositivos.
6.2 A decisão judicativa
A realização do direito traduz-se numa concreta decisão judicativa, a qual comporta dois momentos:
Decisão judicativa
Momento de juízo Momento de decisão
» resolução de uma controvérsia prática mediante uma » opção resolutiva que a si própria se afirma ou impõe,
ponderação argumentativa(c) racionalmente(b) radicada na voluntas e, por isso, desvinculada quanto
orientada(a) que conduz, por isso mesmo, a uma solução ao conteúdo e relativamente a qualquer pré-
comunicativamente fundada determinação
a) Modus operandi: discurso (= articulação
intencionalmente unitária entre sucessivos A decisão jurídica manifesta uma voluntas autoritária
elementos do pensamento) ou impositiva, porquanto traduz uma opção do julgador
b) Estrutura lógica: raciocínio (= cadeia ilativa que, que se impõe obrigatoriamente aos sujeitos da
orientada para um fim de conhecimento, conduz de
controvérsia decidenda
uma premissa inicial tida por adquirida a uma
conclusão final)
c) Índole: prático-argumentativa
! O juízo jurídico tem a função de reconduzir a decisão necessária (pois a controvérsia emergente do caso jurídico tem
que ser resolvida) à fundamentação necessária (na medida em que a decisão deverá justificar-se perante os seus

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destinatários). A decisão é intrinsecamente manifestação da vontade humana, pelo que o juízo cumpre aqui a função
de lhe conferir racionalidade fundante. De facto, ao juízo jurídico compete reverter a voluntas à ratio. Isto sem prejuízo
de não ser possível a realização do direito exclusivamente através do juízo; daí, aliás, que se fale em “decisão
judicativa” – a decisão será sempre necessária neste processo. Por muito que o juízo confira racionalidade à realização
do direito, não se pode negar que um momento decisório: por um lado, a realização do direito é efetuada por um
poder (o poder jurisdicional) que, como tal, tem que ter um espaço de atuação, não devendo ser cingido a uma
racionalidade previamente determinada (caso contrário colocar-se-ia um problema de separação de poderes); por
outro lado, haverá sempre que ser tomada uma decisão que, como resultado da atuação humana, é insuscetível de
ser absolutamente dominada pela ratio. Uma vez que as controvérsias práticas são todas elas únicas e irrepetíveis e
que o decisor é um ser humano, a realização do direito nunca poderá ser completamente racional: há circunstâncias
concretas que assumirão maior ou menor relevância consoante o caso e consoante a visão do julgador. Assim se
compreende a interconexão entre os dois momentos referidos. De forma sintética:
“O juízo sempre será sustentado por uma decisão; a solução da ratio amparada pelas opções da voluntas.”
Antes de pronunciada, não se poderá dizer que a solução-decisão será necessariamente a que venha a enunciar-se ou
que outra diversa seja de todo impossível – só a decisão dirá qual a solução concretamente aplicada. Contudo, uma
vez prescrita, a decisão deverá revelar-se objetivo-racionalmente fundamentada no seu concreto sentido prático-
normativo – a decisão autoritária deve sustentar-se num juízo, num raciocínio argumentativamente fundamentante.
Ora, se o juízo constitui e exprime uma fundamentação, terá de implicar decerto fundamentos e critérios. Além dos
fundamentos e critérios empírico-factuais relativos ao caso decidendo, serão fundamentos e critérios aqueles
prescritos pelo direito positivo vigente (normas, princípios, etc.). Assim sendo, o juízo é o “ato” que simultaneamente
converte a lex em decisão e reconduz a decisão a uma fundamentação.
!! De tudo quanto foi dito resulta ser o juízo o objeto intencional da metodologia jurídica – é ele a ponte entre o direito
positivo vigente (a juridicidade) e a decisão concreta (a realização do direito em concreto). O “caminho” realizado pelo
juízo será o definido por um modelo metódico. É sobre esse modelo metódico que versa o nosso estudo subsequente.
O modelo metódico referido compreende dois momentos:
1. Momento formal: esquema operatório a seguir (o “caminho”);
2. Momento material: racionalidade específica que através desse esquema se faz juízo decisório.
7. O problema do tipo de racionalidade num contexto dominado pela pluralidade das razões
Por “ratio” pode entender-se a relação entre certa conclusão e certos pressupostos, materiais ou formais, que
discursivamente a sustentam, conferindo-lhe sentido ou concludência. Uma conclusão diz-se, assim, racional quando
é sustentável pela referência a certos pressupostos, através de uma mediação estrutura do pensamento. Portanto, na
antítese da “razão” temos a “intuição” ou a “emoção”, enquanto atitudes vivenciais sem mediação do pensamento e,
portanto, sem pressupostos de fundamentação e justificação. Isto permite-nos dizer que a racionalidade é
caraterística de tem ou se propõe ter validade objetiva, a qual se afere pela capacidade de fundamentação e pela
criticabilidade da mediação racional-discursiva das afirmações desse pensamento.
O conceito geral de “razão” e de “racionalidade” exposto conhece três modalidades básicas:
Racionalidade lógico-formal Racionalidade cognitivista (teórica) Racionalidade prática
Exemplos: Sub-tipos: Sub-tipos:
 Jusracionalismo moderno; 1. Racionalidade teórico-especulativa; 1. Racionalidade axiológica(a) vs
 Normativismo do séc. XIX. 2. Racionalidade teórico-explicativa; Racionalidade finalística(b);
3. Racionalidade teórico-funcional 2. Racionalidade formal ou
processual(a) vs Racionalidade
material ou substancial(b)
7.1 Racionalidade lógico-formal
A racionalidade lógico-formal, também designada racionalidade de pura discursividade, traduz-se na relação entre
proposições num modo de inferência necessária, segundo regras que exprimem uma estrutura estritamente sintática.
[NOTA: importa distinguir a sintaxe, que nos ocupa, de outras figuras próximas:
Semântica Sintaxe Pragmática
= Ramo da linguística que = Parte da linguística que se dedica = Parte da linguística que estuda o
estuda o significado das ao estudo das regras que regem a uso da linguagem, tendo em conta
palavras. organização e relacionação dos a relação entre os interlocutores e a
constituintes das frases influência do contexto.
Portanto, a sintaxe abstrai-se quer do significado das palavras, quer do uso que delas é feito.]

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Há aqui um recurso à “lógica formal”: ciência da verdade de proposições com fundamento unicamente na forma.
Dois exemplos de modelos históricos que convocaram esta racionalidade lógico-formal são o jusracionalismo moderno
e o normativismo do séc. XIX. Vejam-se os seus traços essenciais:
 Jusracionalismo moderno » o jusracionalismo moderno, configurado por nomes com Wolff, Hobbes, Pufendorf
e Grócio, convocou a racionalidade lógico-formal para erigir um sistema assente no direito natural. O direito
natural revelar-se-ia em axiomas antropológicos (= enunciado que procurava captar o que era essencial no
Homem) , empírico-naturalisticamente descobertos. Tais axiomas, ético-racionalmente assumidos, seriam o
ponto de partida para um processo de dedução lógica: do axioma obter-se-ia o sistema normativo mediante
uma desimplicação lógica. Os princípios e normas que constituíam o sistema eram, portanto, “extraídos” do
axioma que fundava o sistema; esse processo de “extração” traduzia-se na realização de um conjunto de
deduções lógicas. [Ex.: para Hobbes o axioma advindo do direito natural consistia na “natureza iminentemente social
do Homem”. Desta “premissa” eram extraídas todas as normas e princípios que constituíam o sistema jurídico.]
 Normativismo dogmático » com o normativismo do séc. XIX o silogismo judiciário ganhou absoluta
centralidade no campo da racionalidade. O silogismo judiciário traduzia-se, exatamente, na utilização da
subsunção e da lógica estritamente formal para retirar conclusões através da articulação entre dois
enunciados relacionados entre si. As normas seriam interpretadas em abstrato para que no momento da sua
aplicação a subsunção operasse pura e simplesmente, sem mais. Entendia-se, então, que o Direito devia ser
conhecido na sua abstração, não devendo o momento de aplicação implicar qualquer tarefa constitutiva.
Consequentemente, o aplicador do direito (juiz) limitar-se-ia a verificar se os factos são subsumíveis à norma
(previamente interpretada em abstrato). Este foi o esquema que, em traços gerais, conformou o “Método
Jurídico”. O silogismo judiciário referido apresentaria a seguinte estrutura:
Premissa maior » Norma = previsão + consequência (A tem como consequência B)
Premissa menor » Subsunção do caso à previsão da norma (C subsume-se a A)
Conclusão » Aplicação da consequência da norma ao caso (C tem como consequência B)
7.2 Racionalidade cognitivista ou teórica
A racionalidade teórica traduz-se num discurso de referência objetiva: pretende obter-se uma “verdade” objetiva,
buscando-se o direito-objeto à realidade. O cognitivismo jurídico mobiliza sempre um discurso teorético e a estrutura
sujeito-objecto que lhe corresponde: caraterizando-se o sujeito por uma intenção cognitiva (de contemplação,
explicação, compreensão) e por uma intenção cognitiva que, enquanto tal, se dirige ao direito (direito assim mesmo
pressuposto e referido como uma realidade auto-subsistente – o objeto). Esta conceção pode ser resumida no
princípio filosófico propugnado por Thomas de Aquino “adequatio rei et intellectus”, que significa, numa tradução
aproximada, “a verdade é a adequação da inteligência à realidade”. Em suma, em todo o objectivismo jurídico o direito
vai pressuposto como objecto, como uma entidade objectivamente subsistente (seja social, seja normativo-cultural).
Por isso, essa realidade admite a interrogação (e a discussão) sobre o seu modo-de-ser (o que é o direito?) para que a
aplicação prática possa ter lugar.
Podemos discernir 3 sub-tipos de racionalidade cognitivista ou teórica:
1. Racionalidade teórico-especulativa: os princípios e os valores (que os princípios normativamente especificam)
aparecer-nos-iam como entidades absolutamente transcendentes (com uma racionalidade e uma organização
próprias), que o sujeito deveria apenas contemplar; o aplicador do direito lê-interpreta essa realidade
absoluta, a histórica e universal (realidade com uma racionalidade inscrita nela própria) sem ter que a
reconstruir, com o intuito de a verter num sistema normativo capaz de fundamentar as soluções prático-
argumentativamente construídas para as controvérsias. Em suma, a resolução dos casos concretos resultava
de um processo especulativo/intelectual em que o aplicador do direito procurava adequar os princípios e
valores transcendentes à realidade decidenda.
Jusnaturalismo pré-moderno:
Fala-se a este respeito num “monismo metódico”: a realidade (o “Ser”) abrange tanto os objetos físicos e
materiais como os princípios e valores transcendentes. O direito descobrir-se-ia, então, sucessivamente,
através do conhecimento dessa realidade objetiva na sua plenitude e perfeição. Ora, a projecção destes
princípios (obtidos metafisicamente) na prática das acções humanas exige uma mediação argumentativa
(realizada pelo julgador) que culmina numa construção de juízos-julgamentos não necessários (apenas
prováveis ou verosímeis). Deste modo, a experiência de autonomização do direito transforma-se em tarefa
prática de resposta a controvérsias, tudo com base na mera contemplatio.

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2. Racionalidade teórico-explicativa: esta racionalidade resume-se à circunstância de cada elemento objetivo
referenciado encontrar a sua razão de ser ou fundamento explicativo em outros elementos objetivos, segundo
uma certa conexão, conexão essa universal e, por isso, necessária para todos os elementos objetivos da
mesma natureza. Aqui as “teorias” são hipóteses explicativas universais comprovadas e a “explicação” será a
inferência dedutiva dessas teorias relativamente a concretas condições de facto. Assim, o discurso racional
será válido se sustentado teoricamente numa experiência (empiricamente) comprovada.
3. Racionalidade teórico-funcional: neste âmbito a realidade é considerada como condição e possibilidade para
a consecução de certos fins propostos ou programados, segundo uma relação funcional (função-efeitos) ou
um esquema técnico (meio-fim) – o sujeito contempla a realidade com o intuito de compreender a
possibilidade de realização de certos fins ou de produção de certos efeitos. Assim sendo, a validade traduz-se
na adequação ou aptidão do objeto-direito para a prossecução do fim visado, havendo racionalidade sempre
que se conclui pela eficácia ou eficiência.
7.3 Racionalidade prática
A racionalidade prática distingue-se das duas anteriores:
 Racionalidade lógico-formal » a racionalidade prática não se limita a sustentar a solução apresentada numa
inferência lógico-dedutiva e/ou subsuntiva;
 Racionalidade cognitivista ou teórica » a racionalidade prática não funda a solução alcançada numa referência
objetiva da qual se extrai a normatividade (numa relação sujeito-objeto).
Efetivamente, a ratio prática traduz-se numa atividade comunicativa, numa relação entre sujeitos segundo um
esquema sujeito-sujeito: manifesta-se numa troca comunitária e dialógico-dialética de argumentos. Pretende-se,
portanto, a validade em sentido prático. Assim sendo, esta é uma racionalidade dirigida menos à razão, em si, e mais
às razões mobilizáveis na sua situada dialética prática de uma controvérsia.
Também esta racionalidade conhece sub-tipos, que serão apresentados em dois conjuntos dicotómicos:
a) Racionalidade axiológica vs Racionalidade finalística
Racionalidade axiológica Racionalidade finalística
» comportamento humano que tem o seu fundamento » comportamento humano que tem o seu fundamento
em princípios ou normas, sendo que o sujeito se o benefício ou o prejuízo, orientando-se segundo meios
determina como uma pessoa de razão que compreende tidos como adequados para alcançar fins
o mundo do ponto de vista da rectidão e da moralidade subjetivamente concebidos
Há uma crença consciente no valor ético, religioso ou Há a expetativa de que o comportamento leve à
outro do comportamento em si, independentemente produção de determinado resultado, querido
do resultado racionalmente pelo sujeito
Ideia de rectidão Ideia de utilidade
No que diz respeito à racionalidade finalística importa referir uma nota importante: com ela a prática converte-se em
técnica. A fundamentação, porque baseada numa relação finalística, cede à instrumentalização – o fundamento deixa
de ser material (verificação da viabilidade prática do comportamento) para ser instrumental (intuito de obter um
determinado fim/efeito). Mais do que se fundamentar nas suas qualidades intrínsecas, o comportamento
fundamenta-se no resultado que se pretender alcançar – é essa a verdadeira razão que está por detrás dele, e não a
concreta atividade comunicativa que demostrou a sua possibilidade prática. Porque assim, a racionalidade prática
finalística acaba por se aproximar à já exposta racionalidade teorético-funcional. Ora, importa saber o que é que
teoricamente as distinguiria:
Racionalidade teorético-funcional VS Racionalidade prática finalística
» contemplada a realidade objetiva (o direito), » estando definidos os fins a alcançar, a sua validação
averiguar-se-ia a possibilidade de produção de certos radicaria em procurar o comportamento cuja prática
efeitos e a eficácia de certas medidas para o conseguir tenderia a proporcionar esse resultado
Ajustam-se os fins à realidade objetiva Ajustam-se os comportamentos aos fins
Atentem-se em alguns exemplos de construções elaboradas a partir do conceito de racionalidade finalística:
 Racionalidade científico-tecnológica » a racionalidade seria uma engenharia social. Perante uma qualquer
instituição perguntar-se-ia: tendo em consideração os fins visados, está esta instituição bem organizada para
os servir? Portanto, as instituições seriam avaliadas de acordo com a sua eficiência e adequação. De acordo
com tal avaliação, seriam tomadas as decisões necessárias (justificadas, exatamente, por surgirem no contexto
exposto).

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 Racionalidade estratégica » a racionalidade finalística, ao ter-se especificado sobretudo nos pensamentos
económico e político como racionalidade estratégica, foi a base das designadas “teorias racionais da decisão”.
O comportamento racionalizado segundo os esquemas função-efeitos ou meios-fim converte-se em
comportamento racional estratégico quando são apresentadas várias possibilidades de ação entre as quais se
opta em termos hipotético-condicionados por aquelas cujos efeitos optimizam a possibilidade de prossecução
do fim ou objetivo. Assim, a “racionalidade estratégica” traduzir-se-á na justificação da escolha entre as
diversas possíveis ações com base em critérios ou regras determinados por um “princípio da optimização” na
realização de certo objetivo. A este respeito, é de referir as definições apontadas a dois conceitos primordiais:
 Ação = comportamento objetivamente determinável com previsível efeito social;
 Decisão = escolha finalística entre diversas possibilidades orientada pelos fins pretendidos.
Portanto, as “teorias da decisão” têm por objetivo a definição de regras e modelos estratégicos de decisão,
com base numa análise teórico-analítica da ação finalizada. Neste contexto, o que determina a decisão não é
o facto de ser uma decisão justa ou verdadeira, mas antes a circunstância de ser uma decisão ótima em dadas
condições e em relação ao fim pretendido. É agora momento de, para melhor compreender esta construção,
diferenciar as várias situações em que a decisão é adotada:
1. Decisão em situação de certeza: o problema reduz-se à comparação dos resultados possíveis e à
escolha do resultado preferível;
2. Decisão em situação de risco: os resultados das ações só podem ser considerados em termos de
probabilidades, por concorrerem na situação circunstâncias apenas estimáveis na sua probabilidade
de relevância para o resultado; a escolha recairá sobre a ação com melhor probabilidade;
3. Decisão em situação de incerteza em sentido estrito: o decidente terá de atender a circunstâncias
desconhecidas, considerando a sua relevância para o resultado das ações, decidindo de acordo com
essa relevância e a sua influência nos resultados;
4. Decisão em situação de incerteza competitiva: os decidentes são dois ou mais, numa situação de
adversários, de tal modo que relevam os efeitos da ação de um na ação-reação do outro, pelo que
cada um deles deverá decidir tendo em consideração tanto a ação dos outros como a sua reação aos
efeitos da sua própria ação.
“Teoria dos jogos”
Uma vez que a decisão se traduz numa escolha entre alternativas, há que considerar um quadro de
coordenadas da decisão, as quais implicarão um conjunto de factores, com base nos quais se construirá o
enunciado de regras que servirá de base à decisão. Em qualquer comportamento decisório há que distinguir
as “variáveis quanto aos fins” (o que se quer), os “parâmetros de ação” (o que se pode fazer) e as “variáveis
relativas ao meio” (os efeitos de cada alternativa). O sistema de valores segundo o qual se decide não é, note-
se, uma ordem axiológica, mas simplesmente uma escala de preferência. Por último diga-se que o modelo sob
análise só poderá sustentar uma concreta decisão se se verificarem três “axiomas”: (1) axioma da comparação
– as alternativas hão-de ser comparáveis entre si; (2) axioma da assimetria – as alternativas hão-de ser
diferentes entre si e nos seus efeitos; (3) axioma da transatividade – a preferência de “a” sobre “b” e de “b”
sobre “c” há-de significar a preferência de “a” sobre “c”.
Este último modelo é o exemplo paradigmático e com maior aplicação prática da racionalidade prática finalística.
b) Racionalidade substancial/material vs Racionalidade processual/formal
Racionalidade substancial/material Racionalidade processual/formal
» as validades que se pretendem manifestar são a » as validades são legitimadas através do processo
expressão de um fundamento material (modo procedimento ou operatório) seguido
A conclusão, ou decisão, ou pretensão, tem-se por A conclusão, ou decisão, ou pretensão, tem-se por
válida porque justificada por algo materialmente válida porque a sua constituição resultou de um
pressuposto, de natureza ontológica, antropológica, determinado procedimento
axiológica, sociológica
O essencial é o modo de obtenção
O essencial é o conteúdo
O exemplo histórico mais expressivo de uma racionalidade substancial/material foi o “jusnaturalismo clássico”. Tal
conceção assentava numa racionalidade de tipo substancial na medida em que todo o sistema era construído com
base num fundamento de ordem ontológica – o Direito Natural, parte do cosmos e imodificável pelo Homem. A
racionalidade processual/formal manifestou-se, nomeadamente, em correntes como o contratualismo e o neo-

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contratualismo políticos. Estamos aqui em face de conceções segundo as quais a ordem vigente seria legitimada pelo
processo representativo que lhes deus origem: os titulares da soberania (povo) conferiria, mediante “contrato”, a
legitimidade para criar a normatividade aos seus representantes nomeados, não relevando para efeitos de validade o
conteúdo que estes viessem a dar a essa normatividade.
É possível articular as 4 categorias de racionalidades práticas até aqui enunciadas da seguinte forma:
Racionalidade axiológica Racionalidade material
Racionalidade finalística Racionalidade formal
Quanto a esta última associação há que realçar a circunstância de os pressupostos histórico-culturais que lhes servem
de base serem fortemente afins. A racionalidade finalística é o resultado final da compreensão da ação imposta pelo
pensamento moderno – ganham centralidade as ideias da subjetividade humana e da racionalidade empírico-
científica, em superação do onto-axiológico. Enquanto que a compreensão pré-moderna referia a ação humana a uma
pressuposta ordem de sentido onto-teleológico, a modernidade entende o mundo de forma axiologicamente neutra,
caraterizado pela facticidade empírica e causalidade. Portanto, uma perspetiva mecânica vem tomar o lugar da
anterior perspetiva teleológica, e o esquema causal substitui a ordem de valor. Neste contexto, os fins deixaram de
ser expressão teleológica de uma ordem onto-axiológica, passando a ser simples manifestações de pretensões
subjetivas; relativamente a tais fins, a ação é uma possibilidade causal, avaliando-se pela sua eficácia ou eficiência. A
ação deixou de se reportar ao bem, ao justo, ao válido, passando a convocar a utilidade, a oportunidade, a eficiência,
a eficácia, a performance, etc. Porque este é o contexto que rodeia a racionalidade finalística facilmente se
compreende que ela venha convocar uma racionalidade formal ou processual: recusados que estavam os sistemas de
valores pré-modernos, então a racionalidade material deixava de se achar adequada; ao invés, ganha centralidade
uma racionalidade processual ou formal, que fazia sustentar a ratio no seguimento de um procedimento metódico,
independentemente do conteúdo material do discurso. Todo este enquadramento é acompanhado, no virar para o
século XX, da renúncia, pela ciência, a uma verdade absoluta, tomando o seu lugar a verdade afirmada pelas suas
operatórias metodológicas – a verdade já não era um valor absoluto, mas antes um valor alicerçado no
reconhecimento comunitário do procedimento metódico seguido. O Homem reconhece que não pode apreender a
verdade absoluta das coisas porquanto não lhe é possível tudo conhecer para ter certezas; passa então a alicerçar a
verdade das suas teses no seguimento de um determinado procedimento comunitariamente aceite como o mais
correto. Portanto, no universo prático, só haveria possibilidade de sentidos constituídos pela intersubjetividade (só se
admitiam relações sujeito-sujeito; as relações sujeito-objeto eram ilusões já que o ser humano não consegue
apreender o mundo exterior tal como ele é) e esta só poderia pretender-se enquadrada pelo jogo de um
institucionalizado encontro procedimental. Em suma, num horizonte em que se negou o cognitivismo clássico, deixou
de haver lugar para posições materialmente fundadas (porque o conteúdo do discurso nunca corresponderá a
qualquer verdade absoluta, na medida em que esta não pode ser conhecida), sendo que só as posições processuais
impediriam que a alternativa consistisse no subjetivismo/relativismo (também não seria admissível que cada Homem
criasse a “sua” verdade, pois isso traduzir-se-ia num anarquismo). Deste modo, a afirmação de uma racionalidade
finalística, em alternativa a uma racionalidade axiológica, implicou necessariamente a afirmação de uma racionalidade
formal/processual, em alternativa à racionalidade material.
Todavia, o que tem vindo a ser dito não exclui em absoluto um pensamento fundamentante material, nem mesmo um
pensamento axiológico. Apenas exclui o entendimento tradicional de pensamento e fundamentação materiais, que
levavam pressuposta uma relação sujeito-objeto (onde o “objeto” é uma entidade absolutamente transcendente e
autónoma perante o sujeito). Como referido, tal relação vê-se substituída por uma relação sujeito-sujeito, pelo que
também o fundamento da prática terá de se adequar a este novo entendimento das coisas. Ora, os fundamentos
materiais práticos deixam de ser pensados como entidades absolutas autossubsistentes, passando a ser reconhecidos
como auto-pressuposições humanas de sentido.
Uma importante conclusão a retirar de todo este enquadramento que foi o mote do nosso tempo e do pensamento
jurídico contemporâneo é a de que, atualmente, a alternativa jusnaturalismo/positivismo não tem de ser considerada
como uma alternativa absoluta. Veja-se:
Jusnaturalismo Positivismo
 O direito compete à autonomia cultural do Homem,  O direito não é meramente o resultado de uma
sendo, tanto no seu sentido como na sua vontade orientada por um finalismo de
normatividade, uma resposta culturalmente oportunidade (mera expressão de contingências
humana ao problema da convivência social; político-sociais).

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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018
portanto, o direito não pode ser visto como uma  A prática jurídica, com a sua intencionalidade
manifestação da “natureza”. constituída pela distinção válido/inválido, refere
 O direito não é “descoberto” pela razão teórica, sempre no seu sentido e convoca na sua
antes sendo constituído por exigências humano- normatividade certos valores e princípios que
sociais particulares. pertencem a uma certa cultura.
Podemos então afirmar que é hoje reconhecido um ponto intermédio entre estes modelos radicais: a prática jurídica
é vista como uma autopressuposição axiológico-normativamente fundamentante e regulativamente constitutiva: os
princípios jurídicos fundamentais, fruto da “consciência jurídica geral” de uma certa comunidade, surgem como
dimensão ético-jurídica do direito, sendo certo que a normatividade, ainda que neles inspirada, é criação humana, em
vista das exigências sociais e das finalidades a que se pretende atender.
8. O problema da racionalidade jurídica
O problema da racionalidade jurídica traduz-se na questão de saber que tipo de racionalidade especificamente
corresponde ao pensamento jurídico na sua tarefa de realização do direito. Note-se que todas as racionalidade
aludidas têm sido assumidas pelo pensamento jurídico com o objetivo de cumprir essa tarefa.
Dois fatores têm sido determinantes a este respeito:
1. Conceção do direito pressuposta pelo pensamento jurídico;
2. Atitude intencional do pensamento jurídico perante o direito.
Sublinhe-se, a este respeito, que a mesma conceção do direito tem admitido atitudes intencionais diferentes e a
mesma atitude intencional não exclui não exclui conceções diversas do direito.
Faça-se, então, um escurso pelas racionalidades jurídicas.
8.1 Racionalidade tradicional
Tradicionalmente o direito é visto como objeto e o pensamento jurídico assume uma intenção teorética – podendo
esta assumir índoles diversas, designadamente:
 Índole teorética ontológico-dogmática » o direito seria apreensível através do conhecimento da “natureza”;
 Índole teorética normativo-dogmática » o direito seria apreensível conhecendo-se apenas e exclusivamente
aquele que se encontrava positivado (pelas instituições políticas com legitimidade para tal);
 Índole teorética empírica » o direito seria apreensível através da observação da dinâmica social.
Em comum todas estas vertentes têm o princípio de que o jurista cumpriria todas as suas tarefas (inclusivamente, a
tarefa do decidir concreto) através de um conhecimento (do ato de conhecer). Portanto, o jurista decidiria
conhecendo. E isto porque, por um lado, o direito iria pressuposto ou dado, isto é, não dependeria de qualquer
“decisão”, da voluntas do decisor (seria um dado objetivo); e porque, por outro lado, a juridicidade deveria assumir-
se numa intenção de verdade, ou seja, de captar objetivamente a verdade intrínseca das coisas.
Postularam esta atitude as seguintes conceções do direito e pensamentos jurídicos:
Jusnaturalismo Positivismo jurídico Realismo jurídico
» o direito era visto como “objeto” » o direito era visto como “objeto” » o direito era visto como “objeto”
na medida em que seria inferível de porque se reduzia ao direito já porque seria um facto social ou
entidades ontológicas (o “cosmos”, posto pela decisão política (ao psico-social (cujo conhecimento só
a “natureza”) ou antropológicas (a direito imposto, criado pelas era possível através da observação
natureza do Homem). instâncias políticas competentes) da realidade social/sociológica)

Têm em comum uma conceção normativista e estritamente dogmática do O direito determinar-se-ia “como
jurídico, ainda que pensadas de forma distinta: facto” e “nos factos” e as decisões
 Jusnaturalismo (moderno-antropológico): normativismo ontológico jurídicas seriam compreendidas
axiomaticamente deduzido » a única normatividade reconhecida como factos psicológicos e factos
seria deduzida imediatamente de entidades antropológicas; sociais (empiricamente explicáveis e
 Positivismo jurídico: normativismo formal » a única normatividade previsíveis)
reconhecida era legitimada por ser criação das estruturas políticas.
O realismo jurídico, sobretudo o realismo escandinavo, ficou marcado por uma ampliação do objeto da “ciência do
direito”: o seu estudo deveria recair não só sobre as normas jurídicas (legislativas e judiciais) mas também sobre os
comportamentos-decisões dos tribunais e dos seus juízes. Isto porque tais decisões são vistas, pelo legal realism, como
o resultado de um conjunto de fatores psicológico-individuais, ideológico-culturais, económicos, políticos, etc.
Entendia-se, então, que estudando tais comportamentos se conseguiria prever semelhantes comportamentos no
futuro. O direito seria também uma “previsão” do que os juízes decidiriam provavelmente em concreto. Nas palavras

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de H. Eckmann: “como direito vale o que os tribunais têm atualmente por direito ou a previsão do eles terão como tal
no futuro”. Trata-se, pois, de uma radical adoção da racionalidade teorético-explicativa.
Ao invés, tanto o positivismo como o jusnaturalismo orientavam-se por intencionalidades que acabavam por culminar
na lógica. Evidentemente que os sustentáculos desse pensamento jurídico-lógico eram distintos, mas a nível
metodológico os dois modelos apresentavam conceções analógicas. Vejam-se os pontos em comum e as diferenças
destas duas racionalidades:
Positivismo jurídico Jusnaturalismo
 Propunha-se a apreender e determinar o  Propunha-se a apreender e determinar o
direito segundo uma razão reprodutivo- direito segundo uma material e fundamentante
dogmática – conhecer o direito seria reproduzir “lei da razão”, uma razão jurídica de sentido
a normatividade vertida em direito positivo filosoficamente constitutivo – conhecer o
(deveria procurar-se conhecer, em abstrato, o direito seria conhecer as entidades ontológicas
sistema jurídico-legal) ou antropológicas do qual ele emanaria
 Utilização de uma dogmática sistemático-conceitual e dedutiva: em ambos os casos, o sistema jurídico
constituído era o resultado de um pensamento estritamente lógico, assente da dedução e na conceitualização
das normas jurídicas que, por isso, formavam, no seu conjunto, um todo harmonioso;
 Os sistemas constituídos eram sistemas fechados de uma auto-subsistência racional: a aplicação do direito
seria realizada com recurso à dedução lógico-subsuntiva (o papel do juiz seria, pura e simplesmente, aplicar
subsuntivamente a norma ao caso concreto, não se lhe reconhecendo qualquer intervenção constitutiva); este
“paradigma da aplicação” determinava que não fosse reconhecida a possibilidade de lacunas no sistema – ele
seria auto-subsistente, bastando deduzir a conclusão da normatividade em todo e qualquer caso.
Ora, já ficou patente a recusa atual de uma racionalidade de índole formal e lógica. De facto, o pensamento jurídico
na sua tarefa de realização do direito não pode ser dogmático-logicamente determinista. E não o pode ser porquanto
se entende que a realização concreta do direito assume a natureza de mediação constitutiva, ou seja: aplicar direito
em concreto é também criar direito. Está hoje afastada a ideia de que o julgador se limita a aplicar (logico-
subsuntivamente) o direito pré-disposto; ao invés, atribui-se à função jurisdicional uma tarefa constitutiva da
juridicidade. Daí que a racionalidade teorética tradicional (em qualquer dos modelos apresentados) tenha sido
superada e substituída por outras.
A estas críticas acrescem outras particularmente dirigidas ao realismo jurídico, designadamente:
 Não oferece uma verdadeira racionalidade jurídica (uma racionalidade passível de ser assumida pelo
pensamento jurídico no desempenho das suas funções), mas antes uma racionalidade psicológica ou
sociológica que sucede ter o direito como objeto (uma racionalidade que tanto poderá aplicar-se ao direito
como a outras dimensões da vida social).
 Preocupa-se excessivamente com o “contexto de investigação” e ignora o problema do “contexto de
fundamentação” – a fundamentação de uma concreta decisão jurídica tem que ser normativa, não podendo
basear-se numa explicação empírica (o juiz tem que fundamentar a sua decisão com base na normatividade
vigente, não podendo fazê-lo com base em motivações psico-sociológicas).
 A perspetiva adotada é própria de um “ponto de vista externo”, porquanto explica, para um expectador não
participante, as decisões proferidas ou provavelmente a proferir, mas não responde à questão de saber como
deverá o julgador decidir em concreto (do ponto de vista do julgador, esta conceção nada adianta).
8.2 A racionalidade da “social engineering”
Uma outra atitude, mais do nosso tempo, é aquela que compreende o pensamento jurídico como uma tecnologia.
[Nota: a expressão “tecnologia” deve aqui ser encarada no sentido de “aplicação do conhecimento técnico e científico para
determinados fins”.]
O direito é agora concebido como um instrumento, isto é, como um “meio” para atingir um fim, estando, por isso,
submetido a uma racionalidade finalística e funcional. Isto significaria a remissão do pensamento jurídico para o
domínio das “ciências sociais”, ficando assim afastada a sua índole normativa.
Esta conceção, bem como a designação “social engineering”, foram introduzidos por E. Pound. Para o autor a tarefa
do jurista passaria apenas por “reconhecer o problema (da dificuldade quanto aos critérios de valor) e compreender
que este se lhe apresenta como sendo uma questão de garantir todos os interesses sociais (...) de manter o equilíbrio
ou a harmonia entre esses interesses”. Consequentemente, a ordem jurídica consistiria no “processo de ajustar
pretensões contraditórias e de encontrar soluções de compromisso entre necessidades ou desejos contrapostos”.
Assim, o direito passaria a cumprir a função de garantir a realização dos interesses humanos, impedindo o desperdício

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dos recursos escassos. O objetivo desta linha de pensamento é o de convocar o pensamento jurídico para a preparação
ou definição, através do direito, das soluções socialmente mais convenientes, que já não soluções axiológico-
normativamente válidas. Consequentemente, a utilidade sobrelevar-se-ia à justiça, os valores substituir-se-iam pelos
fins e legitimação axiológica ou normativa seria substituída pela legitimação pelos efeitos. Neste contexto, o
entendimento de todo o universo jurídico também se transformaria:
a) O direito passaria a ser visto como uma estratégica político-social;
b) A decisão concreta assumir-se-ia como uma táctica de execução daquela estratégia;
c) A função judicial seria uma instituição funcionalmente adequada àquela estratégia.
Identificam-se, relativamente a cada um destes momentos da engenharia social, modelos metódicos específicos:
a) Direito: a prática racional de Hans Albert
O modelo metódico proposto por Hans Albert, na sequência de Popper, consubstancia-se na aplicação do modelo
epistemológico do “racionalismo crítico” ao domínio jurídico-social.
= a ciência é a resolução de problemas pela formulação de hipóteses explicativas sujeitas, não a uma direta
comprovação ou verificação, mas a uma crítica “falsificação”, através de experiências decisivas que solicitariam outras
hipóteses alternativas com que as primeiras se haveriam de confrontar.
Nos termos já mencionados, com advento do séc. XX, a cientificidade entra em crise. Entre outras considerações, a
ciência moderno-contemporânea veio renunciar à pretensão de uma verdade absoluta, própria do clássico
pensamento ontológico-metafísico. Entendeu-se que a afirmação da verdade absoluta não era possível na medida em
que o ser humano não podia tudo conhecer (e só assim poderia ter certezas absolutas). O que a ciência podia e devia
fazer era procurar reduzir os erros das teorias explicativas, através da sua “falsificação”. Em vez de se elaborarem
novas teses explicativas com pretensão absoluta, deveria testar-se as teses já existentes, de modo a encontrar as suas
falhas para as substituir por outras. A este respeito convoca-se, comummente, um exemplo elucidativa: o que se veio
afirmar foi que o homem não poderia ter a pretensão de afirmar que “todos os cisnes são brancos” (uma verdade
absoluta), pois ele não viu todos os cisnes que existem; o que a ciência deveria fazer era experimentar essa tese
(observando um grande número de cisnes), procurando falsificá-la – se fosse encontrado, por exemplo, um único cisne
negro, então poderia afirmar-se legitimamente que “nem todos os cisnes são brancos” (esta sim é uma asserção
“verdadeira”, no sentido que a ciência contemporânea lhe imputava).
Hans Albert vem transpor estas considerações, inicialmente elaboradas no domínio científico, para o domínio da
prática social. (1)No pressuposto do contexto histórico-social determinar-se-iam heristicamente os “fins” e as “ideias”
regulativas que a sociedade se proporia e que constituíam o seu “plano de sociedade” ou “programa político”. Para a
realização desses fins e o cumprimento dessas ideias, mediante a resolução dos problemas que surgissem, (2)constituir-
se-iam modelos metodológicos que deviam obedecer ao princípio da congruência, da realizabilidade (a solução deve
ser possível relativamente às circunstâncias a que vai referida) e da explicabilidade (a construção e aplicação da
solução têm de ser esclarecidas pelo conhecimento científico dos seus elementos constitutivos, da condicionalidade
empírica e das consequências desses elementos). (3)Os modelos desta forma constituídos seriam aceites ou recusados
consoante os efeitos que deles resultassem, em confronto com os efeitos que seriam suscetíveis de resultar dos
modelos alternativos. Importa, a este respeito, retirar duas conclusões:
1. As soluções (modelos) oferecidas seriam só soluções hipotéticas, sempre submetidas a uma experimentação
racional social (ou “falsificação”) em função das suas condições de realização e seus efeitos;
2. A conceção apresentada é uma tecnologia social sem caráter normativo, a qual superaria o pensamento
teológico-dogmático que era veiculado pelo tradicional pensamento prático-normativo.
Em suma, para H. Albert, também no domínio das ciências sociais, designadamente no domínio jurídico, as soluções
seriam alcançadas através da experimentação de várias soluções alternativas, procurando-se falsificá-las e averiguar
qual a que se mantinha menos permeável a erros. [NOTA: os números (1), (2) e (3) acima colocados identificam as fases do processo.]
b) Decisão concreta: a teoria da decisão de Walde e Killian
A referida “teoria da decisão” começa por observar que o tradicional método dogmático-normativo não seria o
determinante das decisões concretas, não passando de uma forma de legitimação a posteriori dessas decisões. Daí
que tal método pudesse ser legitimamente substituído. Ademais, o próprio sistema jurídico atual justificaria essa
substituição, com a sua contínua passagem de leis conservadoras e orientadas por regras para leis de sentido evolutivo
e orientadas pelos efeitos (Walde), e com o avanço de leis orientadas funcionalmente e o recuo de leis constituídas
clássico-condicionalmente (Killian).

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Ora, em alternativa ao tradicional método dogmático-normativo, a “teoria da decisão” propõe um método que parte
da questão de saber se um determinado conceito jurídico pode ou não ser considerado como preenchido. A resposta
positiva ou negativa a esta questão resultaria de saber que efeitos uma ou outra dessas respostas provocaria e se
esses efeitos, tendo em conta o fim da norma e segundo a perspetiva do julgador, seriam ou não desejáveis. De um
modo genérico, tudo dependeria da determinação concreta das “condições de aplicação” do conceito-norma. Mas
essa determinação apenas se poderia realizar mediante uma seletiva valoração das circunstâncias concretas. Veja-se,
então, de forma esquemática, o percurso que levaria à concreta decisão:
O conceito jurídico está ou não preenchido?
Preenchido Não preenchido
Quais os efeitos que resultariam de se considerar preenchido Quais os efeitos que resultariam de se considerar não
o conceito jurídico no caso concreto? preenchido o conceito jurídico no caso concreto?

Efeitos desejáveis do Efeitos indesejáveis Efeitos desejáveis do Efeitos indesejáveis


relativamente ao fim da relativamente ao fim da relativamente ao fim da relativamente ao fim da
norma norma norma norma
Conceito preenchido Conceito não preenchido Conceito não preenchido Conceito preenchido
Como ficou demonstrado, tudo dependeria do fim da norma, na medida em que seria ele que se assumiria como
parâmetro para ajuizar negativa ou positivamente dos possíveis efeitos alternativos; esses efeitos seriam depois
submetidos aos axiomas próprios da “teoria da decisão” – axioma da comparação, axioma da assimetria e axioma da
transatividade – para se concluir pela sua desejabilidade, ou não. Deveria, portanto, reconhecer-se uma conexão entre
a situação concreta, o fim da norma e os efeitos da decisão do juiz.
Este método tem como nota fundamental a circunstância de não se propor oferecer um “algoritmo de decisão”. Ao
invés, reconhece a intervenção pessoal decisiva do julgador, ainda que enunciando as condições a seguir para
salvaguardar a racionalidade do método.
c) Função judicial: o modelo do juiz tecnocrata de F. Ost
O modelo de “justiça científica”, que “é essencialmente funcional, teleológica, instrumental, evolutiva e pragmática”,
implica que seja tida como mais justa a solução mais adequada ao objetivo proposto pelo planificador social. Porque
assim seria, ficariam remetidas para segundo plano as considerações respeitantes a valores materiais e relativas a
regras formais. O “juiz-árbitro” do sistema legalista-liberal é substituído por um juiz que participa efetivamente na
realização de políticas determinadas e tem como função assegurar a melhor regulação dos interesses em causa. Neste
contexto, o juiz atua não só no momento da controvérsia, mas também antes e depois: antes, o juiz está investido
numa missão de prevenção, de aconselhamento, de orientação; depois, o juiz mantém-se responsável pelos interesses
em causa e pode rever as suas decisões. Como se vê, a função judicial surge com uma nova configuração: a “nova
missão” do juiz impor-lhe-ia uma atuação além do campo fechado dos direitos subjetivos determinados na lei. O juiz
é responsável pela promoção de interesses finalizados por objetivos sócio-económicos, regulados em sistemas de
normas técnicas. Ele já não é o aplicador passivo de regras e princípios pré-estabelecidos, passando a colaborar na
realização de finalidades sociais e políticas: o seu papel consiste em comparar sistematicamente objetivos alternativos.
Neste âmbito, também o direito teria de sofrer uma alteração: as obrigações cujo respeito o juiz deveria assegurar
passam a assumir a forma de diretivas flexíveis ou standards e os direitos subjetivos assumem-se como simples
interesses. Na base de tudo isto estaria, sempre, a ideologia tecnocrática, com a sua legitimação pela performance ou
eficiência: uma coisa é boa se ela se mostra adequada ao fim prosseguido. A lógica da performance acaba por se
sobrepor à própria desejabilidade do objetivo prosseguido, de tal forma que a relação valorada ou normativa seria
substituída por uma relação causal. Toda esta mutação transformaria o juiz em administrador e levaria à
instrumentalização do direito.
Aqui chegados, e vistas as diversas especificantes modalidades desta perspetiva de realização do direito,
impõe-se apreciá-la criticamente.
Atende-se, desde já, nas falhas que se podem apontar a esta conceção:
 O critério segundo o qual será tomada a decisão não pode consistir nos efeitos dessa decisão, pois isso:
 Significaria sacrificar a certeza jurídica;
 Implicaria a violação do princípio da igualdade (os efeitos variam consoante a realidade concreta);
 Levaria à desconsideração da função social do direito, que é a redução da complexidade normativa
pela constituição de um sistema dogmaticamente autónomo.

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 Estes modelos acentuam a sobrejuridicização da sociedade como consequência da sobressocialização do
direito, levando à sua sobreposição;
 Levado até às últimas consequências, este modelo resultará como um sistema político-jurídico em que o
direito deixa de ser uma normatividade de garantia com uma axiologia própria e converte-se num instrumento
relativizado ao a posteriori da sua performance; de igual forma, a função judicial passará a ter como escopo a
intervenção político-social. Verificando-se estas circunstâncias, desapareceria o Estado de Direito como o
conhecemos, transformando-se este num Estado de mera administração.
 O modelo tecnológico só seria concludente se teórico-empiricamente se puder definir um transitivo sistema
de preferências que não tem que pedir a outro tipo de racionalidade a sua definição e susbsistência, e isso é
hoje considerado impossível: entende-se, de forma consensual, que não é possível converter as preferências
individuais em preferências sociais transitivas (enunciado a partir daquelas uma teoria social de preferências).
Essa conversão só seria possível se reunido um conjunto de condições que se julgam irrealizáveis:
 Serem ilimitadamente admissíveis todas as ordens de preferências individuais logicamente possíveis;
 Serem as alternativas preferíveis por todos os indivíduos também preferidas na decisão social;
 Não se alterar a preferência social sobre um par de alternativas ainda que se altere uma preferência
individual relativamente a uma terceira alternativa que não foi objeto de escolha;
 Não existir um “ditador” que imponha uma qualquer preferência ou um sistema de preferências.
A demonstração desta impossibilidade, designada por “teoremas de impossibilidade de Arrow”, obriga a
concluir que o modelo tecnocrata tem que convocar outras instâncias externas para definir as preferências.
 A função judicial acabaria convertida numa função executiva: ambas as funções teriam uma intenção
finalístico-consequencial e ambas se norteariam por um princípio estratégico-eficiente.
A crítica principal que se impõe é, necessariamente, esta última. Verificando-se a conversão referida, a função judicial
veria subvertido o seu sentido, já que o que a diferencia no elenco das funções capitais do Estado de Direito é,
exatamente, o facto de o juiz se apresentar como um “terceiro imparcial”, que faz cumprir o direito. É esta a função
que dá a dimensão “de Direito” ao Estado e à comunidade em geral. E o direito não é mais do que um sistema de
validades, materiais e formais, que se impõe a todos os tipos de poder e na vida da interação comunitária. Sem esse
sistema de validades não temos “direito”. O que foi dito não tem de significar, sublinha-se, total irrelevância ou
indiferença dos resultados das decisões; o que se pretende demonstrar é que a intenção decisória não deve ser
orientada exclusivamente por programas de fins. Neste caso não se afirmavam nem se cumpriam validades, antes se
atuando segundo compromissos de oportunidade e mediante cálculos variáveis de eficácia.
No que diz especificamente respeito à concreta “teoria da decisão”, é certa a sua viabilidade nos domínios da decisão-
programação legislativa, da decisão-execução administrativa, da discricionariedade decisória, da decisão de relevo
jurídico tomada pelas “partes” de uma concreta relação jurídico-processual, etc. Porém, pergunta-se: este modelo
decisório será também apto no domínio da realização judicativa do direito? A resposta deverá ir no sentido negativo.
De facto, se compreendemos a realização do direito como a afirmação problematicamente em concreto de uma
validade normativa vinculante, então o fundamento dessa realização terá de ser esta validade normativa. Daqui resulta
que, por um lado, a fundamentação da decisão seja normativa, e não uma fundamentação baseada em efeitos
empíricos; por outro lado, a vinculação da decisão (não obstante a mediação do juízo do decisor), o que acarreta a
exclusão da escolha entre várias alternativas decisórias.
Noutro prisma, uma “teoria de decisão” de índole tecnológica como a que nos ocupa pressupõe dois pólos
fundamentais: (1) uma “base de informação”, compreendendo os necessários conhecimentos empíricos, legislativos
e tecnológicos e (2) uma “base de valoração”, traduzida num sistema de hierarquização de preferências. Ora, é, desde
logo, duvidoso que a base factual pressuposta pela problemática da decisão jurídica convoque para a prova da questão
de facto uma intenção cognitiva exclusivamente empírico-teorética e não uma intenção de “verdade prática” (de
justiça no caso concreto). Em outro ponto de vista, quanto àquela base de valoração, entende-se que os princípios e
fundamentos de valoração se alteram continuamente no tempo e na sua complexidade excluem uma rígida
hierarquização. A isto acresce que a especifica problematicidade de cada caso concreto convocará diversos
fundamentos de valoração, pelo que não é defensável uma sua hierarquização lógico-abstrata. Poderá então afirmar-
se que a pretensão de matematização da decisão jurídica não pode aspirar a cobrir todos os pressupostos de
racionalização de tal decisão.
O que foi dito não é em nada alterado mesmo se considerado o particular relevo dos efeitos no quadro da “teoria da
decisão”. E não o é por razões de duas ordens:

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 Se os efeitos forem vistos como o critério radicalmente decisivo, segundo um princípio autónomo de
performance ou de eficiência » aqui uma decisão será eficiente se maximizar o global rendimento líquido, isto
é, se as vantagens que produzir forem superiores aos prejuízos que porventura provoque. Uma tal opção terá
que confrontar-se com duas objeções capitais:
 Objeção axiológica: a eficiência não coincide nem garante a justiça;
 Objeção metodológica: a praxis não pode dispensar um quadro estabilizado de referências que, no
seu a priori, lhe seja institucionalizado – sem esse a priori institucionalizado, a praxis seria uma
abertura anárquica, impedindo a comunicação significante, a consistência das expetativas e a
previsibilidade das ações.
Absolutizar os efeitos como critério prático-decisório, com a sua contingência empírica e o seu a
posteriori, seria condenar a praxis à imprevisibilidade e inconsistência.
 Se os efeitos forem vistos como critérios críticos das preferências segundo as quais se hierarquizam as soluções
em alternativa » esta consideração dos efeitos teria como efeito a “falsificação” das preferências, sempre que
a hierarquização alcançada se mostrasse inconveniente, inadequada, inaceitável. O sistema de preferências
seria, assim, submetido a uma ponderação prática orientada por critérios práticos que se impõem às próprias
preferências (fundamentadas no critério dos efeitos) – os efeitos deixam de ser entidades empíricas e passam
a ser fatores práticos que implicaria a alteração das soluções propostas de modo a permitir uma alteração
subsequente dos efeitos e, por isso, das preferências.
8.3 Racionalidade prática contemporânea
Excluídas criticamente, quer a perspetivação teórica do direito, quer a perspetiva funcional, abre-se espaço para uma
terceira posição: a racionalidade prática. Esta racionalidade parte da prática (o “agir” de condição comunitária e de
sentido intencional) e distingue-la da técnica (o “fazer” de adequação eficiente) – a prática estrutura-se numa relação
sujeito-sujeito, enquanto que a técnica surge no contexto de um esquema meio-fim.
! Segundo a racionalidade prática, o direito é uma validade axiológico-normativa da realização problemática, em que
o pensamento jurídico é chamado a resolver problemas práticos numa atitude prático-jurisprudencial. O ponto capital
estará, portanto, em entender o direito como problema de uma validade problemático-judicativamente realizanda.
O direito constitui-se (também) na sua realização prática pelo que o pensamento jurídico, convocando uma
específica validade axiológico-normativa, deverá assumir uma atitude prático-jurisprudencial.
No fundo, com a racionalidade prática o pensamento jurídico deixa de encarar o direito como um “objeto” que se
pretende conhecer para depois aplicar (racionalidades teoréticas) ou como um sistema lógico fechado (racionalidades
lógico-formais). Na sequência das transformações de mentalidade ocorridas no séc. XX (com a crise do pensamento
científico) deixa de se crer em verdades absolutas – o conhecimento humano deixa de ter como objetivo encontrar
“A” verdade. Assim, no domínio do direito, já não se pretender obter soluções verdadeiras (como se existisse uma
única solução correta – a solução válida/verdadeira), mas sim soluções razoáveis, verosímeis. Entende-se que o
discurso jurídico é também um discurso de probabilidade, e não de certeza. Assim, em substituição da relação sujeito-
objeto que o pensamento jurídico propugnava na Época Moderna (com as racionalidades teoréticas), agora a decisão
jurídica surge no seio de uma relação sujeito-sujeito: o julgador não procura uma verdade absoluta que, por o ser,
torna a sua decisão racional; ao invés, procura convencer os destinatários da sua decisão que esta é a mais razoável
dentre as várias possíveis – há aqui uma relação comunicativa, uma dialética, cujo objetivo é demonstrar que, apesar
de serem várias as decisões possíveis, há uma que se mostra mais correta/provável/verosímil. Daí a extrema
importância que o caso concreto surge neste contexto: é o contexto casuístico que permitirá sustentar a decisão
proferida, porquanto a normatividade se deverá ajustar ou adequar às circunstâncias de cada caso.
Mas se é a racionalidade prática que se impõe genericamente no nosso tempo, impõe-se perguntar se essa será uma
racionalidade prática de índole material ou de índole procedimental.
8.3.1 Racionalidades práticas de índole procedimental
Entendendo-se que a concreta decisão jurídica é o resultado de uma opção entre várias alternativas, então só processo
judicativo se decide efetivamente. A racionalidade assumiria, então, uma índole procedimental: um discurso racional
seria aquele que se fundasse num concreto procedimento legitimado. Entende-se que fundamentar a decisão
judicativa em algo materialmente pressuposto será insuficiente, porquanto todos os sistemas são mais ou menos
lacunosos e abertos e caraterizados por uma indeterminação normativa e vaguidade linguística. Assim, mais do que o
seu conteúdo (referido a uma materialidade), o que torna a decisão racional é o facto de ela ter sido alcançada no
contexto de um processo judicativo-decisório reconhecido.

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No âmbito da racionalidade prática de índole procedimental podem identificar-se duas modalidades distintas:
a) Racionalidade tópico-retórica
A racionalidade tópico-retórica traduz-se num pensar dialético (alicerçado num raciocínio) de controvérsias praticas
que mobiliza as referências prático-culturais perfilhadas pelos membros esclarecidos de uma certa comunidade
histórica, em ordem a operar com esses critérios segundo uma argumentativa dialética inventada situacionalmente,
na qual participam os interessados no problema, com o objetivo de chegar a um consenso.
Racionalidade tópico-retórica
“Tópica” “Retórica”
= teoria dos lugares-comuns (fontes donde se podem tirar = arte de usar a linguagem para comunicar de forma eficaz
provas aplicáveis a todos os assuntos); arte de argumentação e persuasiva; conjunto de regras relativas à eloquência cujo
mediante o uso de opiniões correntes na sociedade, com o fim objetivo é a criação de um texto fortemente persuasivo,
de encontrar uma solução para um determinado problema. através de um uso correto da linguagem
 No domínio do direito, traduz-se num raciocínio que  No domínio do direito traduz-se no uso correto da
parte dos problemas, e que mobilizando referências linguagem jurídica para articular as premissas
prático-culturais comungadas na sociedade pretende alcançadas em ordem a obter uma conclusão
para eles encontrar uma solução específica. fundamentada e legítima.
Caraterísticas:
 Índole problemática: a tópica, como teoria, parte das
controvérsias práticas;
 Análise de premissas: a tópica dedica-se à afirmação e
compreensão de premissas, isto é, dos antecedentes
lógicos da conclusão;
 Utilização de lugares-comuns como argumentos
iniciais do diálogo: a tópica encontra as premissas
necessárias através do recurso a lugares-comuns, ou
seja, a ideias consensualmente aceites e com grande
força persuasiva.
Em suma, a racionalidade tópico-retórica, construído por Theodor Viehweg, partia dos problemas ou controvérsias
concretos, mobilizando a seu respeito os lugares-comuns ou topoi que se lhes aplicassem. Por “lugares-comuns”
haverá que compreender argumentos estandardizados aceites por todos os membros de uma comunidade histórica
(ou pela maioria ou pelos mais qualificados). A tópica, quando aplicada ao domínio do Direito, considerava como
“lugares-comuns” as normas jurídicas, princípios, decisões jurisprudenciais, etc. que constituem a ordem jurídica (a
normatividade). Portanto, ao lado dos tópicos universalmente aplicáveis, de que falam Aristóteles e Cícero (na tópica
tradicional/clássica), existem tópicos jurídicos (aplicáveis especificamente à disciplina do Direito); tais tópicos serão os
argumentos utilizados na solução de problemas jurídicos, e que podem contar neste domínio com a concordância
geral. Assim sendo, partindo do caso e convocando a normatividade, o julgador deveria considerar as posições
apresentadas pelas partes, as quais iriam usar a retórica para justificar o seu raciocínio. Note-se que os “lugares-
comuns” (aqui, as fontes do direito) não são hierarquizados pela tópica, antes sendo vistos num plano de igualdade.
Consequentemente, a prevalência, por ex., de uma decisão jurisprudencial anterior sobre uma norma legal seria
possível em concreto, desde que o raciocínio que levou a essa prevalência fosse convincente. Com base numa
discussão/debate entre todos os interessados (as partes e o juiz) procurar-se-ia alcançar um consenso quanto à
solução a dar à questão decidenda. O juiz surge quase como um “mediador”, que se limita a convocar os topoi
aplicáveis in casu e a procurar aproximar as pretensões das partes com recurso à retórica.
b) Racionalidade argumentativa
Chaim Perelman, na sua “La Novéle Rhetórique”, inaugura a passagem da retórica para a argumentação. Na sua
tentativa de encontrar uma terceira via entre o racionalismo lógico (a racionalidade lógico-formal e teorética) e o
subjetivismo intuitivo, o autor recuperou a teoria da argumentação clássica: o discurso racional não é o que assenta
em premissas “verdadeiras” (porquanto a época contemporânea se carateriza, como já referido, pela recusa das
verdades absolutas – o homem não pode pretender classificar as premissas discursivas em absolutamente verdadeiras
ou absolutamente falsas), mas sim aquele que é sustentado por argumentos fortes (que legitimarão, aos olhos da
comunidade, o conteúdo da premissa, mesmo que não se consiga comprovar a sua veracidade de forma absoluta).
Assim sendo, a racionalidade argumentativa, como racionalidade prático-procedimental, vem acentuar a estrutura
discursiva, as condições, os princípios e as regras da argumentação como instrumentos que emprestam racionalidade
à realização judicativo-decisória do direito. Também aqui se pretende, como finalidade última, o alcance de um
consenso, o que consistira no critério último de validade do discurso.

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A racionalidade argumentativa, como modelo discursivo, estrutura-se em redor de um acervo de categorias nucleares,
cumprindo-se no respeito por um conjunto de exigências éticas e na obediência a regras eminentemente pragmáticas.
As categorias nucleares da racionalidade argumentativa, em torno das quais são criadas as regras da argumentação,
são as seguintes:
 Controvérsia: concreto problema jurídico;
 Interlocutores: sujeitos da acção comunicativa;
 Auditório:
 Macroscópico » comunidade de pessoas em situação de inferência prática;
 Microscópico » pessoas que, circunstancialmente, são recetores do discurso ;
 Referente: sistema da normatividade jurídica vigente.
 Procedimento: trâmites que devem ser seguidos na troca de argumentos.
A racionalidade argumentativa foi desenvolvida por autores como Habermas e Alexy.
O primeiro autor estrutura o seu modelo no conceito de “razão comunicativa”: a racionalidade de um discurso
assentaria numa argumentação alcançada através do cumprimento de regras da ação comunicativa que são extraídas
de uma situação discursiva ideal (na qual não há forças coercivas externas e em que há igualdade entre os
intervenientes). No fundo, o discurso racional é aquele que é suficientemente plausível, de tal modo que seria acolhido
numa situação discursiva em que se encontram cumpridas regras de ação comunicativa que asseguram que única
força a influenciar a aceitação das afirmações sustentadas é a força da argumentação.
O segundo autor, por sua vez, vem sublinhar que o discurso jurídico é um caso particular do discurso prático geral. A
sua individualidade radicaria na circunstância de que com as decisões jurídicas se pretender veicular um discurso
conforme com o ordenamento jurídico vigente. A não arbitrariedade de uma decisão jurídica dependeria do respeito
pelas regras da argumentação, de modo a não se subverter o significado da normatividade vigente.
As racionalidades tópico-retórica e argumentativa acabam por convergir nos pontos fundamentais, de tal
modo que possa falar-se numa “racionalidade tópico-argumentativa”. Embora a racionalidade tópico-retórica dê
maior enfâse ao problema, aos critérios e à pragmática criada para o caso e a racionalidade argumentativa coloque a
tónica no discurso, nos princípios e nas regras da dialética, a verdade é que ambas procuram intencionalmente
alcançar um consenso, como último critério de validade. Ademais, a tópica implica a argumentação, pois é com recurso
a esta que faz atuar a dialética; e a argumentação implica a tópica, pois é através desta que buscar os seus argumentos.
! A argumentação e a tópica são duas nuances de uma global racionalidade tópico-argumentativa.
Racionalidade tópico-argumentativa
Tópica Argumentação
Os argumentos que sustentarão o discurso dialético são Os “lugares-comuns” são inseridos num discurso dialético
“lugares-comuns” (= ideias standard aceites que, por respeitar as regras da argumentação, permitirá a
comunitariamente); eles constituem as premissas com base extração de uma conclusão suficientemente plausível,
nas quais se formulará o discurso argumentativo verosímil e fundamentada
Deste modo, um enunciado normativo seria válido se fosse o resultado de um procedimento como o exposto:
recorrendo-se à tópica encontravam-se os topoi concretamente aplicáveis ao caso; subsequentemente, eles seriam
convertidos em argumentos e inseridos num discurso dialético do qual resultaria a decisão judicativa – uma decisão
suficientemente provável ou razoável para ser aceite como legítima pelos seus destinatários.
Como defendia Alexy, esta seria uma racionalidade que se assumiria como sub-tipo da racionalidade prática geral,
sendo que a sua especificidade estaria nas vinculações normativas dessa argumentação (os topoi seriam, como
referido, extraídos da normatividade) e na indispensabilidade do “processo judicial”.
A este modelo de racionalidade prática procedimental podem apôr-se algumas críticas:
 O fundamento das decisões judicativas é, para a racionalidade tópico-argumentativa, o consenso persuasivo
a posteriori. Sucede, porém, que o referido consenso deve ser visto como mero resultado e não como
fundamento. De facto, o decidir jurídico pressupõe uma validade a priori, que, por radicar na normatividade,
está antes da própria decisão. Enquanto que o consenso denota a concordância de todos os indivíduos (com
a decisão já tomada), a validade traduz uma pressuposição trans-individual (com base na qual se decidirá).
Portanto, o consenso é o que vem depois da decisão já tomada, não a podendo fundamentar, e a validade é
o que vem antes, exprimindo um juízo previamente admitido de forma universal.
 Os topoi e os argumentos são entre si equivalentes. Porém, as objetificações da normatividade (fundamentos
e critérios jurídicos) beneficiam de presunções de vigência (de validade, autoridade, justeza, racionalidade,
operatividade e prestabilidade) e, por isso, têm de prevalecer sobre os demais topoi. Noutros termos: não

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pode sustentar-se uma igualdade ou paridade entre os “lugares-comuns” mobilizados no caso, pois há uma
hierarquia normativa que tem que ser considerada (por ex.: uma norma legal tem que prevalecer sobre a
consideração de “precedentes” judiciais).
 Na racionalidade tópico-argumentativa, a discussão é a única instância de controlo. Sucede, porém, que, na
realização judicativo-decisória do direito, essa instância de controlo tem que ser o terceiro imparcial de uma
autoridade institucional (o juiz). Ora, embora este terceiro deva ser instruído por aquela discussão, a verdade
é que ele tem autonomia judicativa – o juiz não pode limitar-se a ser um mediador do debate entre as partes;
ele tem que assumir uma postura autoritária e independente.
 O juízo que resultaria da aplicação dessa racionalidade seria válido se consistisse num juízo racional-
argumentativamente concludente. Todavia, o juízo decisório concreto terá de ser também normativamente
fundado no sistema jurídico vigente. Noutros termos, o discurso do julgador não pode obedecer simplesmente
às condições e regras do discurso da razão prática, terá que realizar em concreto a validade jurídica.
De tudo o que foi dito Castanheira Neves retira uma conclusão absolutamente fundamental: a decisão judicativa
deve ser orientada por uma racionalidade que, sendo prática, se afirme como material (e não procedimental).
8.3.2 Racionalidades práticas de índole material
Após a superação histórica das racionalidades teoréticas (e lógico-formais) e da recusa fundamentada das “tecnologia
social” nos termos expostos, expusemos também os motivos que nos levam a afastar as racionalidades práticas de
índole procedimental. Restam, então, as racionalidades práticas de índole material.
Com efeito, entende-se que a decisão jurídica haverá que realizar a validade normativa materialmente referida. O
discurso racional não será pura e simplesmente aquele que houver sido alcançado em cumprimento estrito de um
concreto procedimento, relevando também para estes efeitos o conteúdo desse discurso.
Neste contexto, podem identificar-se duas conceções de relevo:
 Racionalidade hermenêutica;
 Racionalidade narrativa.
Atente-se, então, na sua fundamental caraterização:
a) Racionalidade hermenêutica
A hermenêutica, como racionalidade e como método, é um pensamento dirigido à compreensão ou interpretação de
sentidos culturais dos textos no âmbito de um determinado, histórico e integrante contexto significante, e atua sempre
segundo específicos cânones. Transpondo o que foi dito para o domínio jurídico: o pensamento jurídico seria
sobretudo um pensamento interpretativo das fontes prescritas pelo sistema normativo vigente, com o objetivo de
obter delas os fundamentos e os critérios das suas decisões. As decisões seriam, portanto, racionais se traduzissem na
inserção interpretativa dos casos decidendos nesse sistema normativo. De forma simplista: o julgador, deparando-se
com um caso concreto, iria interpretar a norma aplicável à luz do contexto específico desse caso; dessa interpretação
resultariam os critérios decisórios segundo os quais seria proferida a decisão; assim, esta decisão seria “racional” se
traduzisse uma interpretação da normatividade suscetível de se inserir na ordem jurídica tal como ela é pensada
naquele contexto histórico-social e cultural.
Em suma, a hermenêutica não se confunde com a filológico-gramatical interpretação dos textos legais, levada a cabo
pelos autores positivistas. O que está em aqui em causa é o intuito de alcançar os sentidos culturais que estão
comunicados na normatividade (sobretudo, nos textos legais), a propósito de uma situação concreta.
A estas caraterizações da racionalidade jurídica podem ainda apontar-se algumas falhas, as quais evidenciam carateres
que caraterizam a decisão jurídica e que demonstram a impossibilidade de a ver como mero ato hermenêutico:
 A natureza do pensamento jurídico não é simplesmente significativo-compreensiva, mas também praxístico-
decisória » a intenção e as exigências do pensamento jurídico não se cumprem num simples “correto
compreender”, mas antes num (mais amplo) “justo decidir”. Os principais valores a considerar são a validade
e a justiça e não a inserção normativa ou a coerência narrativa das decisões.
Carater praxístico
 A compreensão dos fundamentos ou dos critérios objetivados numa prescrição normativa não basta para
decidir » a decisão concreta terá também como fundamento ou critério a mediação judicativa com a sua
dimensão problemática (o circunstancialismo concreto do caso), através da qual se constitui direito.
Carater constitutivo
 A concretização do direito não pode assumir caráter meramente especificante » a realização judicativo-
decisória do direito implica uma dialética entre a dimensão problemática (o caso concreto) e a dimensão

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sistemática (o sistema jurídico); assim sendo, o pensamento jurídico deve ter como seu referente máximo uma
normativa validade de histórico-concreta realização judicativo-decisória
Carater normativo
 O pensamento jurídico não procura reintegrar o caso decidendo no sistema global de validade significante,
procurando, ao invés, ajuizar decisoriamente do mérito normativo do problema prático-concreto desse caso
na perspetiva da validade dogmaticamente objetivada » a justeza decisória sobreleva-se à pura e simples
pragmática reintegrante, não bastando para a validade da decisão a sua conformidade com a ordem jurídica.
Carater judicativo
b) Racionalidade narrativa de Dworkin
Dworkin deu uma refundamentação ao entendimento da juridicidade que era veiculado pela racionalidade
hermenêutica. Os pontos-chave do seu pensamento eram os seguintes:
 À racionalidade jurídica corresponderia uma racionalidade “de valor”, na medida em que toda a comunidade
jurídica se deveria orientar por um “ideal de integridade” – os agentes do direito deveriam agir e decidir de
forma consistente e coerente, segundo determinados princípios orientadores de conduta.
 O direito deveria ser pensado como um “model of principles”: o sistema jurídico seria um sistema global de
princípios ético-jurídicos em que sempre se haveria de procurar o fundamento para uma única solução válida
(aquela que se mostrava correta e justa in casu).
 As decisões jurídicas admitiriam argumentos “de política” a nível legislativo, mas deveriam fundar-se tão-só
em argumentos “de princípios” a nível judicial.
 A validade normativo-jurídica das decisões afirmar-se-ia pela sua inserção consistente e coerente no sistema
normativo do direito. Os casos decidendos teriam de puder ser compreendidos, através dessas decisões, numa
coerência normativa com o sistema do direito.
Neste contexto, uma decisão jurídica racional teria de ser válida de dois pontos de vista:
Decisão jurídica
Consistência prático-institucional Normativo-intencional coerência
» a decisão deve ser coerente com a prática jurídica » a justificação da decisão tem que convocar como
institucionalizada fundamentos os valores ético-jurídicos do sistema
Aqui a racionalidade das decisões já não depende apenas de critérios jurídicos. O julgador deveria convocar vários
“códigos” (a moral, a ética, a política, o direito, etc.) com base nos quais iria avaliar a questão decidenda. Com base
nessa avaliação seria proferida uma decisão dita única, porquanto seria a única plausível tendo em conta todos esses
códigos – seria a decisão mais justa e correta no caso especificamente em causa.
c) Racionalidade teleológica de Castanheira Neves
Com base nas notas caraterizadoras acima apontadas à decisão jurídica que Castanheira Neves formula uma nova
conceção da racionalidade prática material: a racionalidade teleológica.
Depois de Ihering e Heck, a teleologia passou a ser dimensão caraterizadora do pensamento jurídico, em termos de se
poder dizer que o “finalismo” venceu o “formalismo”. O “formalismo” aqui considerado refere-se a um sistema
estrutural e conceitualmente definido a priori, como acontecia no positivismo jurídico e no jusnaturalismo, bem como,
de forma distinta, na hermenêutica e nas racionalidades prático-procedimentais. O “finalismo” referido, por sua vez,
não é, sublinhe-se, o finalismo tecnológico (da social engineerig), mas sim um finalismo que encontra sentido numa
prática normatividade material. A decisão jurídica já não é vista, como sucedia no finalismo tecnológico, como meio
técnico para alcançar os fins pretendidos; ao invés, ela manifesta um conteúdo prático com critério teleológico.
A teleologia pressuposta já não é a teleologia ontológica de Aristóteles: a ordem natural-transcendente é substituída
pela dialética humana da intersubjetividade. Em virtude desta substituição, a ação passou a ser intencional.
Inicialmente, a intenção foi encarada de um ponto de vista exterior. As soluções de exterioridade que surgiram a este
respeito foram as seguintes:
 Legalidade formal (Kant) » as intenções a prosseguir seriam as legalmente previstas;
 Princípio social de utilidade (Bentham) » as intenções a prosseguir seriam as que permitissem produzir a maior
quantidade de bem-estar;
 Estrutura sistemática de condições reflexivas (Luhmann) » as intenções a seguir surgiriam no contexto das
relações intra-sistemáticas (entre os sistemas sociais);
 Coativo programa de fins importo pelo poder (Ihering) » as intenções a prosseguir estariam integradas no
programa político a cumprir com o direito.

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Estas soluções, em termos de decisão jurídica concreta, traduziram-se no legalismo de aplicação, no passado, e na
decisão como táctica ou estratégia, no presente. Nenhum destes resultados (que se traduzem em racionalidades
lógico-formais ou finalísticas) se pode dizer “jurisprudência” na sua índole intencional.
Ora, entende-se então que intersubjetividade que agora carateriza-se a teleologia não tem que estar associada a uma
solução exterior. Numa solução de comunitária integração, dois aspetos caraterizam a teleologia:
 Os fins não justificam os meios: os meios devem ser submetidos a uma “ética de responsabilidade”, operando-
se uma concreto-situacional ponderação normativa;
 Os fins só podem afirmar-se e realizar-se validamente em referência ao contexto integrante em que
concorrem com outros (fins), do qual resulta o seu sentido, a sua preferência e os seus limites.
! Fica assim afastada uma concepção do direito enquanto tecnologia, porquanto os fins/intenções do direito são, não
fins exteriores a ele, mas sim as intenções práticas materialmente constitutivas do próprio direito. O decidir teleológico
refere uma validade: é um decidir que, embora prosseguindo determinados fins/intenções, não se converte num mero
instrumento; ao invés, veicula em si mesmo valores e princípios que se pretender efetivar no caso decidendo.
A racionalidade que aqui se propugna assente em quatro dimensões:
1. Dimensão de validade pressuposta;
Sistema normativo
2. Dimensão dogmática;
3. Dimensão da concreta problematização praxística;
Problema prático
4. Dimensão da mediação judicativa.
» A racionalidade jurídica consiste na dialética entre o sistema normativo e o problema prático «
De forma simplista, a racionalidade aqui propugnada parte, efetivamente, da consideração de fins/intenções que
devem prosseguir-se. No entanto, a decisão jurídica não é encarada (como aconteceu noutros modelos funcionais ou
finalísticos) como mero instrumento para a realização de fins ou intenções externos ao próprio direito. Ao invés, a
decisão jurídica parte das intenções do sistema normativo (intenções internas, e não exteriores, portanto) e procura
efetivá-las no problema prático. Assim sendo, os “fins” a prosseguir são, aqui, fins axiológicos, internos ao sistema, e
não fins económicos, políticos, sociais, etc. (como sucedia com os funcionalismos). O discurso ou decisão válido/a será
aquele/a que cumpra a intenção do direito no caso concreto, atendendo ao seu específico circunstancialismo e através
da mediação judicativa do julgador.
Assim, quando uma norma jurídica positiva puder ser utilizada como imediato critério normativo, essa norma será
apenas o eixo de um processo metodológico complexo: por um lado, a norma será amplamente transcendida, pois
convocar-se-á ainda a intenção normativo-jurídica manifestada pelo sistema e a concreta controvérsia a decidir; por
outro lado, a norma será interpretada de acordo com a dialética metodológica sistema-problema.
Entende-se, então, que, se é verdade que a intenção axiológico-normativa do direito se vai manifestando
objetivamente na normatividade do sistema jurídica, é também verdade que a problemática concreta vai abrindo
continuamente o sistema. Este processo é essencial à realização adequada e justa do direito, a qual se repercutirá em
decisões materialmente corretas (justiça do caso concreto) e normativamente plausíveis (legitimidade jurídica).
A fechar este tema, impõem-se duas últimas considerações:
 As normas jurídicas positivas padecem de limites objetivos, intencionais, temporais e de validade para cumprir
a intenção do direito que o sistema jurídico autonomamente implica.
Daí que o pensamento jurídico deva compreender a juridicidade a ultrapassar a normatividade positivada.
O que foi dito obriga à contínua referência àqueles valores e princípios normativos que, sendo os fundamentos
regulativos do próprio sistema, hão-de ser também os últimos e decisivos fundamentos-critérios da realização
do direito. Ademais, a irredutível abertura do sistema impõe ainda que a realização do direito interrogue
continuamente e se faça intérprete do consenso jurídico-comunitário, da consciência jurídica geral.
 A realização do direito traduz-se num diálogo problemático entre a norma (enquanto solução abstrata de um
pressuposto problema jurídico também tipificado) e as exigências normativas específicas do caso decidendo
compreendido autonomamente como um problema análogo àquele que a norma pressupõe e tipifica.
O sentido normativo de norma aferido em abstrato tem apenas um valor hipotético, devendo ser submetido
a uma experimentação problemático-decisória.
Daqui se concluirá ou (1)pela assimilação da relevância jurídica material do caso pelo sentido hipotético da
norma, ou (2)por uma analogia teleológico-normativa entre a solução oferecia por esse sentido hipotético e a
solução exigida pelo caso concreto, ou (3)pela inadequação entre ambas.

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