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“RAÇA” E FORÇAS ARMADAS

NA BAHIA OITOCENTISTA

KRAAY, Hendrik. Política racial, estado e forças armadas na época


da independência: Bahia, 1790-1850. São Paulo: Hucitec Editora, 2011.
417 p.

Dez anos após seu lançamento nos status. Esses grupos foram distinta-
Estados Unidos, aparece a edição bra- mente afetados pelas transformações
sileira desta importante contribuição em curso. Ao final do período alguns
ao estudo das forças armadas baia- sofreram mudanças substancias na
nas no período da independência. A sua composição, enquanto outros sim-
história militar neste livro atua como plesmente desapareceram como ato-
uma ferramenta para o entendimento res políticos. A hierarquia sobreviveu,
das conexões entre a política local e não sem sofrer adaptações ao novo
as questões nacionais numa época ambiente.
turbulenta. Hendrik Kraay examina o A análise realizada pelo historia-
Exército profissional e as milícias na dor canadense demarca os conflitos
cidade de Salvador entre 1790 e 1850. políticos soteropolitanos, revelados
Trata-se da trajetória de dois pilares da perspectiva dos diversos segmen-
da ordem em meio a transformações tos que integravam as organizações
na natureza do poder político. Os militares terrestres naquela cidade e
principais atores são: uma comunida- região vizinha. O pano de fundo é a
de senhorial ciosa da manutenção de crise do Império ultramarino portu-
suas prerrogativas, um oficialato guês e os esforços para a construção
cujas lealdades encontravam-se divi- de uma alternativa centralizada, numa
didas, um corpo de soldados interes- província estratégica para a consoli-
sados em manter um mínimo de au- dação da unidade territorial preten-
tonomia pessoal e uma força milicia- dida pelo nascente Império brasilei-
na em busca de reconhecimento e ro. O Exército e as milícias foram ato-

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res decisivos para a vitória do proje- que ordenavam oficiais e soldados
to unitário. Mas a adesão dos milita- tanto no Exército regular como nas
res à causa do Brasil não dirimiu as milícias segregadas. Esse trabalho é
incertezas quanto à lealdade dos qua- realizado através de uma pesquisa
dros castrenses em relação aos gru- minuciosa, que desvela os intrinca-
pos dominantes de uma das poucas dos mecanismos que conformavam a
áreas nas quais a luta pela indepen- cadeia de obediência. O autor demar-
dência resultou em combates e remo- ca as transformações na composição
ções. Segmentos dessas mesmas for- de soldados e oficiais do Exército e
ças terrestres forneceram contingen- das milícias a partir dos eventos ex-
tes que apoiaram os movimentos con- ternos, ressaltando as consequências
testatórios que desafiaram a solução dessas mutações nos alinhamentos
monárquica durante os quinze anos políticos posteriores. Esse detalha-
seguintes à Independência. A associ- mento enfatiza igualmente um dos
ação entre protesto político e insatis- problemas do texto: a complexidade
fação profissional é uma das quali- do ordenamento de classe e raça no
dades da narrativa. ambiente de Salvador. Ressalte-se
Alguns dos temas analisados já que raça é aqui apresentada como
são conhecidos do público brasileiro uma “construção social” (p. 24), an-
através de artigos publicados pelo tes que uma realidade biológica. Seus
autor: a profissionalização dos ofici- múltiplos enquadramentos na hierar-
ais no século XVIII, o recrutamento quia militar enfatizam a maleabilida-
de escravos, o papel da tropa na ges- de dos mecanismos de seleção e re-
tação da Revolta dos Periquitos, o crutamento de soldados e oficiais,
componente racial na eclosão da Sa- segundo uma linha de cor cujos con-
binada, a natureza relacional do re- tornos foram por vezes manipulados
crutamento militar, a reorganização para acomodar diferentes indivíduos
do Exército após o Regresso. Mas es- às classificações raciais de suas res-
tes temas aparecem aqui encadeados pectivas unidades. O fato de esses
de forma detalhada, alinhados a dis- mesmos indivíduos frequentemente
cussões que permanecem inéditas em negociarem sua “raça” com as auto-
língua portuguesa. Assim como per- ridades, ressalta a importância do
maneciam inéditos muitos dos Estado na “promoção e manutenção
mapas e gráficos agora apresentados da política racial” (p. 25).
nessa versão modificada da tese de Durante o período colonial, o cor-
doutorado do autor. po de oficiais era vinculado à elite
Um dos pontos altos do livro re- baiana. Essa associação devia-se ao
side na identificação das hierarquias nascimento ou às conexões pessoais

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cristalizadas através do casamento, do cravista. O Exército se tornou mais
apadrinhamento ou da parceria em dependente de suas carreiras, de-
negócios. Predominavam os nativos monstrando o início de um novo ci-
da província, situação que homoge- clo de profissionalização; e deixaria
neizava esse corpo pela origem geo- de ser baiano para tornar-se brasilei-
gráfica. Essa composição modificou- ro, num impulso que responderia aos
se paulatinamente ao longo do pri- esforços do Regresso para dotar o
meiro reinado quando ocorreu um Império de um poder militar consis-
esforço de nacionalização da corpo- tente. O resultado foi o empobreci-
ração. Neste momento aconteceu um mento da oficialidade, “que passou a
primeiro expurgo nos quadros, com constituir um componente da classe
a expulsão dos oficiais que tomaram média, com seus membros dependen-
partido do constitucionalismo portu- do do Estado para sua sobrevivência
guês. O corpo militar foi novamente frequentemente precária” (p. 264).
reduzido no início da década de 1830, Um tema recorrente no livro é a
quando a Regência liberal licenciou incapacidade da administração mili-
a maior parte daqueles nascidos em tar para organizar essas forças cor-
Portugal, juntamente com parcela porativamente. Nem a disciplina pro-
expressiva dos brasileiros e conside- priamente militar nem os arranjos de
ráveis segmentos da tropa que regres- colaboração entre governo e entes
sara da Guerra Cisplatina (1825-28). privados funcionavam como planeja-
O Exército era visto como uma do. Essas limitações ilustram algumas
garantia precária para a manutenção das dificuldades para construir o Es-
da ordem, pois sua composição hete- tado em meio aos problemas que afe-
rogênea e pouco profissionalizada taram as administrações coloniais e,
representava uma fonte potencial de posteriormente, monárquicas, numa
instabilidade. Sua desmobilização província cuja lealdade ao Estado
resultou de uma iniciativa nacional, imperial foi construída de forma he-
mas foi bem vista pelas lideranças sitante. Uma questão central era a
locais, agora agrupadas em torno da enorme permeabilidade social da cor-
recém-criada Guarda Nacional. So- poração. Segundo Kraay, durante o
mente ao final da década de 1830 um período colonial o Exército não con-
corpo renovado emergiria. Mas en- seguia isolar seus soldados da popu-
tão seus oficiais dependeriam muito lação. Essa situação limitava a abran-
mais das conexões internas à institui- gência das normas disciplinares, mui-
ção do que de contatos com a elite to distantes daquelas que orientariam
baiana. Nesse período desapareceram as instituições europeias da mesma
os generais oriundos do engenho es- época. A disciplina era limitada por

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uma “interação complexa entre sol- cito de cidadãos, tal como apresenta-
dados, oficiais e civis” (p. 19). Essa da pelo primeiro imperador, contra-
constatação afasta-se do prisma das riando as intenções dos reformado-
forças armadas como espaço opres- res militares como Raimundo da Cu-
sivo, proto-penal, ordenado pelo có- nha Matos, que se inclinavam por um
digo de Lippe, que orientou muitas sorteio para a seleção de praças e pela
das análises sobre o Exército nos anos abolição de castigos físicos que apro-
finais do período colonial. ximavam a condição de soldado da
Distante dos padrões disciplina- de escravo.
res das organizações europeias, o Na segunda metade da década de
Exército na Bahia constituiu um es- 1830, a rotatividade dos batalhões re-
paço de interação entre o Estado e os tirou tropas baianas da cidade, promo-
diversos grupos que habitavam Sal- vendo simultaneamente a vinda de
vador. A baixa capacidade disciplinar contingentes de outras províncias. Es-
da instituição permitia o surgimento sas medidas colaboraram para distan-
de canais de negociação que limita- ciar os soldados da população. A na-
vam a aplicação dos castigos físicos cionalização da guarnição de Salva-
e das punições em caso de deserção. dor e o envio de baianos para lutar
O autor demonstra as dificuldades contra revoltas federalistas alhures afe-
para enquadrar disciplinarmente os taram os vínculos pessoais que orde-
soldados já que faltavam até mesmo navam as vidas dos soldados. Mesmo
os recursos para estabelecer quartéis, assim, a hierarquia foi incapaz de iso-
fortalezas e prisões que efetivamente lar completamente esses praças do
apartassem fisicamente os praças do entorno social. A guarnição de Salva-
espaço urbano que os circundava. dor permaneceu distante do padrão das
Ao longo do Primeiro Reinado instituições totais, tal como descritas
teve início o processo que acabou pelo trabalho clássico de Ervin
com as barreiras legais ao recruta- Goffman.1 Tratava-se ainda de um
mento de não brancos, que seria con- Exército do antigo regime, com sérios
solidado com a Lei de 1837. Alguns problemas de organização e baixo grau
anos mais tarde o representante di- de profissionalismo, a despeito dos
plomático britânico na cidade descre- esforços empreendidos pelas autorida-
veu a grande maioria do Exército des para modernizá-lo.
como “composta de negros livres” (p. As milícias apresentavam um qua-
291). A disciplina foi reforçada prin- dro diferente, já que eram organiza-
cipalmente através da aplicação ge-
neralizada do açoite, mas essa práti-
1
ca quebrou a promessa de um Exér- Ervin Goffman, Manicômios, prisões e
conventos, São Paulo: Perspectiva, 2003

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das pela interseção de cor e classe. pessoalmente o braço de um oficial
Milícias brancas, negras e pardas ini- português” (p. 203), utilizaram-se do
cialmente protagonizaram o esforço contexto político para ampliar sua li-
reformista da monarquia lusitana para derança entre os negros livres e liber-
envolver os diversos componentes da tos. Muitos eram libertos ou tinham
população livre na defesa do territó- relações muito próximas com estes,
rio. Nesse campo, a militarização da demonstrando o potencial da guerra
sociedade fez parte de um esforço para a ampliação das oportunidades
mais geral, envolvendo grupos espe- aos membros da milícia. Mas esses
cíficos no esforço pela manutenção privilégios ficaram restritos a negros
da ordem, dada a incapacidade do livres e libertos, deixando de fora os
Estado de monopolizar o exercício escravos, de acordo com os padrões
legítimo da coerção. Nesta discussão hierárquicos estabelecidos.
encontra-se outra contribuição impor- O estudo sobre a organização da
tante do texto: aquela que diz respei- Guarda Nacional em Salvador é úni-
to às alternativas abertas pela inde- co por abranger o período de transi-
pendência, especialmente ao oficiala- ção durante o qual as milícias deram
to negro das milícias, cuja adesão à lugar àquela instituição. Trata-se no-
causa do Brasil foi recompensada vamente de uma medida que teve ori-
com reconhecimento e status. Os ofi- gem no centro político do Império,
ciais dos “Henriques” se alinharam mas cujas consequências afetaram a
às forças pró-independência, atitude organização política na cidade de
que lhes valeu o reconhecimento so- Salvador. Com a ascensão dos regen-
cial e político que seria fundamental tes moderados, a dissolução das mi-
para a consolidação da sua liderança lícias e a criação da Guarda Nacio-
durante a década de 1820, emergin- nal em agosto de 1831, os oficiais dos
do “como um pilar do regime impe- “Henriques” perderam seus poucos
rial pós–independência” (p. 202). privilégios e vantagens. Em Salvador,
Os oficiais negros optaram simul- a criação de uma “milícia cidadã”
taneamente pela independência e pela estigmatizou o oficialato das milíci-
defesa da ordem escravista. Ao assim as negras, criando ressentimentos que
agirem foram recompensados pelo levariam vários oficiais desse grupo
imperador, que reforçou suas posi- a aderir à Sabinada em 1837. Como
ções com melhores salários, influên- afirma o autor:
cia e carreiras. Indivíduos como o
Paradoxalmente, foram as reformas
capitão preto Joaquim de Santana liberais da década de 1830 que lan-
Neves, que estava no centro do con- çaram os oficiais pretos, defensores
flito da independência, “quebrando do regime imperial durante toda a

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década de 1820, no campo liberal oficiais, a centralização do comando
radical (p. 329). não eliminou os problemas operacio-
nais, especialmente a resistência dos
Oficiais como o capitão de milí-
soldados da Guarda para cumprirem
cia Francisco Xavier Bigode que ape-
seus “deveres cívicos”, exceto em pe-
lou ao jovem imperador para que ex-
ríodos de emergência.
tirpasse o abuso de que se sentia víti-
O autor oferece uma contribuição
ma, “provando o quanto é de sua von-
original à história da administração
tade que a lei seja igual para todos”
militar, contestando com elegância
(p. 340). A dificuldade para alocar
algumas das teses clássicas sobre o
esses oficiais na força recém-criada
tema. São diversos assuntos simulta-
expôs os limites do liberalismo bra-
neamente abordados com predomi-
sileiro no período regencial, demons-
nância dos conflitos interinstitucio-
trando também a dificuldade do po-
nais. No decorrer do texto, a média
der central para adaptar as leis a con-
duração é repartida em vários cortes
textos regionais específicos.
temporais, nos quais os indivíduos e
A derrota da Sabinada em março
suas decisões tornam-se protagonis-
de 1838 eliminou definitivamente a
tas. Essas decisões envolvem os des-
influência desse grupo nos assuntos
tinos da capitania/província na crise
locais, já que o processo de exclusão
do Império marítimo lusitano e na
dos oficiais dos Henriques afastou a
adesão da mesma região ao Império
maioria daqueles classificados como
do Brasil, um processo longo e
negros do quadro de oficiais da Guar-
errático no qual triunfam os interes-
da Nacional. Após o fim da revolta,
ses senhoriais, ainda que ao preço da
foram também abolidas as eleições de
diminuição de sua influência sobre o
oficiais inferiores, eliminando uma das
corpo de oficiais.
principais características democráticas
O Exército se tornaria mais pro-
da nova corporação. Daquele momen-
fissionalizado e nacionalizado por
to em diante a Guarda passou a ser
volta dos anos 1850, distanciando-se
fortemente controlada pelo governo,
da influência direta dos grandes co-
antecipando futuras reformas que le-
merciantes e dos fazendeiros escra-
variam a sua completa centralização
vistas do Recôncavo. A Guarda Na-
em outras províncias no decorrer da
cional encerraria o ciclo das milícias
década seguinte. Nesse processo, a
segregadas, mas afastaria os oficiais
administração da milícia cidadã con-
negros anulando um dos poucos ca-
centrou-se nos grupos de renda mais
nais de ascensão social disponíveis a
alta que ocupariam os quadros de co-
este grupo. A adesão da província ao
mando e seleção da instituição. A des-
Império manteria a ordem escravista
peito do maior controle na seleção de

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e a influência do grande latifúndio. da no pós-independência pelos esfor-
Os soldados continuariam a ser uma ços do nascente Estado imperial para
parte visível e importante da cidade, nacionalizar a instituição. Este pano-
mas seu potencial desestabilizador rama é descrito a partir de uma pes-
fora sensivelmente diminuído, cir- quisa empírica soberba, que explora
cunstância que provavelmente contri- o peso das relações pessoais na con-
buiu para o fim das revoltas urbanas figuração das hierarquias militares.
em Salvador. Essas condições certamente colabo-
Deve-se ter algum cuidado para raram para que os soldados tivessem
não generalizar a situação baiana para maior autonomia. Por outro lado, o
todo o Império. Trata-se aqui de uma papel das milícias negras foi bastan-
guarnição urbana com alto índice de te peculiar, dado que ali houve guer-
voluntários e pouca mobilidade geo- ra contra os portugueses, circunstân-
gráfica. Essas características facilita- cia que potencializou as questões re-
ram certo relaxamento na execução lativas à lealdade e à adesão ao parti-
das normas disciplinares. A cadeia de do brasileiro abrindo espaço, ao me-
comando foi afetada pelos transtor- nos temporariamente, para a ascen-
nos da guerra e pelas tensões resul- são social pela via militar a setores
tantes dos deslocamentos produzidos socialmente subalternos.
pelos combates. As milícias desem- O trabalho de Kraay estuda a cons-
penharam um papel proativo na ade- trução do Exército da perspectiva pro-
são à causa da independência no con- vincial, constituindo uma referência
texto de clivagens sociais, raciais e para novas pesquisas que se dispo-
nacionais entre os membros do Exér- nham a analisar a construção do Esta-
cito profissional no período que an- do nas periferias do Império. Estudos
tecedeu a luta pela independência. A posteriores poderão comparar a situa-
hierarquia militar também foi afeta- ção baiana com a de outras regiões.
Vitor Izecksohn
vizecksohn@gmail.com
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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