Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
PARECER
120
Se a empresa receptora do investimento decor- A recusa do Banco Central do Brasil, não per-
rente da converslio já tiver participação de capital mitindo a transferência de titularidade do certifica-
estrangeiro (objeto, portanto, de anterior registro do de registro do capital correspondente l participa-
ordinário dessa participação), qualquer futwa re- ção acionária na empresa A, pelo fato de que na em-
messa ao exterior a titulo de retomo ou ganho de ca- presa MM foi feito investimento resultante de con-
pital ficará retida em depcSsito até o vencimento do versão, é, a nosso ver, ato abusivo e destituído 'de
prazo mfnimo de pennanência no Pafs e até o valor fomento de legalidade.
do montante da converslio, liberados, portanto, os Igual vício de legalidade se oferece quanto l
que excederem a esse limite (art. 14 da Resolução). exigência de que o sucessor na participação acioná-
Outra norma firma, ainda, a regra de que os re- ria na empresa A tenha que assumir compromisso
cursos provenientes da conversio, se aplicados na que se refere estritamente ao beneficiário da con-
aquisiçlo parcial ou total de investimentos estran- versão.
geiros, ficarão, igualmente, obrigados a reinvesti- O novo investidor sucede ao anterior com os
mento no Pafs, nio podendo, portanto, emigrar para mesmos direitos e deveres que o registro original do
o exterior (art. 18). capital estrangeiro confere ao titular origin4rio.
Uma e outra dessas disposições têm um sentido Se, a este dItimo, a lei garante - como de infcio
16gico. A indisponibilidade temporma do investi- evidenciado - direito de retomo de capital e de re-
mento - produto de converslo - operará tanto dire- messa de seus frutos quando verificadas as situaÇÕes
tamente como indiretamente, segundo o destino a previstas na lei prdpria somente com as limitações
ele atribuído. que desta decorrem, é de todo impertinente e esdrtt-
Sio essas vedações que tanto o receptor do in- xulo que se queira fazer incidir tratamento que o ato
vestimento, como o investidor, se obrigam a res- administrativo normativo detennina para os recur-
peitar no termo de responsabilidade que deve acom- sos da conversão, na hipcStese inexistentes.
panhar a proposta de converslio, como especifica a O exame dos efeitos jurCdicos que a venda das
carta-cin:ular nl! 1.779, de 22 de março de 1988, do ações da Agribahia S.A. possa produzir, seja quanto
Banco Central do Brasil. ao primitivo investidor, seja quanto ao novo, terá de
se realizar tão-somente lluz da legislaçlo especffica
Nada tem a ver, no entanto, essa modalidade de
(Lei nl! 4.131/62 e seu regulamento), em nada in-
ingresso condicionado de investimento com o regi-
fluindo o regime estabelecido na Resoluçlo nl!
me jurídico de anteriores investimentos (ou mesmo
1.460/88, que rege situaçllo diversa, cuja causalida-
de novos investimentos) que tenham ocorrido ou
de é a inversão de recursos provenientes da conver-
venham a ocorrer nos termos da legislação pnSpria,
são de dívida externa.
ou seja, em razio de ingresso de capital ou bens que
Em sfntese, somos de parecer que a decisio do
nada tenham a ver com a converslio e foram ou serio
Banco Central do Brasil, constante do telex a que
objeto de registro nos termos da Lei nl! 4.131/62.
alude a consulta, invocando a Resoluçio nl!
A tais investimentos a referida lei garante trata- 1.460188, viola direito subjetivo do investidor e,
mento definido e especffico, mediante o qual os potencialmente, de terceiros que a ele venham legi-
efeitos do registro (de que o certificado é titulo de timamente a suceder, pelos meios regulares de di-
legitimação) do assegurados ao investimento, se-
reito.
gundo as regras que regem o retomo do capital ou a
remessa de ganhos que tenha legitimamente produ- IV
zido.
lU, no caso, direito subjetivo que a lei outorga LIMITES DO PODER NORMATIVO
ao titular do registro e, obviamente, não pode ser
excluído ou reduzido por ato administrativo nonna- Em tópico anterior ficou, a nosso ver, demons-
tivo, se esse fosse (e, como visto, não E) o sentido da trado que a Resoluçlo nl! 1.460188 não abolia o en-
Resoluçio nl! 1.460188. tendimento esposado pelo Banco Central do Brasil
E se assim é em relação l prdpria empresa re- na decisio denegatória que assumiu.
ceptora da converslio, muito menos poder-se-á pre- Ao direito adquirido do investidor, fundado em
tender aplicar qualquer vedaçio dela decorrente a texto de lei e expresso em certificado de registro de
outra empresa que não participou nem se beneficiou sua participação acionária na Agribahia S.A., Dé-
do investimento oriundo da conversão. nhwna limitação ou restriçlo pode, quer direta-
a indiferente, no caso, se o investidor estran- mente, quer indiretamente, ser oposta em funçIo de
geiro tem participaçio acionária de ambas as em- haver investido, em outra empresa, o resultado de
presas, cada qual dotada de personalidade jurídica conversão 'de dívida externa.
pnSpria. Para expungir, contudo, qualquer ddvida rema-
A e~ia limitativa, que é prdpria do investi- nescente, vamos apreciar, ad argw/'UIIIllIndllln, o
mento vinculado l converslio, poderá acompanhá-lo fundamento invocado, como se verdadeiro fosse,
em sua destinação. Nilo interfere com direitos outros embora, como visto, careça de substlDcia.
de que seja titular a empresa receptora e, a fortiori, A Resolução n2 1.460188 é ato administrativo
os de qualquer outra empresa, ainda que coligada. emitido pélo Banco Central do Brasil, em cumpri-
121
mento de deliberação do Conselho Monetário Na- Finalmente, os atos administrativos nonnativos,
cional, no uso de poder nonnativo que lhe conferiu que ocupam o dltimo patamar da escala, não podem
a Lei nl! 4.595, de 1964, art. 4l!, incisos V e XXXI, dispor contrariamente seja i\ Constituição, seja As
para fixar diretrizes e nonnas da poUtica cambial e leis e regulamentos, que lhes são superiores.
baixar nonnas sobre operações de câmbio. À luz desse conceito fundamental i\ validade das
Exercitada antes do advento da Constituição de normas, torna-se evidente que a interpretação de-
1988, é irrelevante questionar a sobrevivência dessa fendida pelo Banco Central do Brasil, a par de dizer
ação nonnativa perante o art. 25 do Ato das Dispo- o que não se contém no texto da Resolução nl!
sições Constitucionais Transit6rias, mesmo porque a 1.460/88, pretende incutir-lhe efeito que desconhe-
revogação, de que ali se cogita, esti diferida para 31 ce a existência de um direito que a lei - nonna de
de maio de 1990 (Medida Provis6ria nl! 53/89), con- hierarquia superior - assegura ao titular de certifi-
vertida na Lei nl! 7.770, de 31.5.89, com efeitos cado de registro de capital estrangeiro que não tem
prorrogados pela Lei nl! 7.892, de 24 de novembro origem, ou vinculação, ao produto de conversão de
de 1989. dívida externa.
~ certo que - como tivemos ensejo de antes des- O direito pré-constituído e consolidado em tí-
tacar em parecer sobre a matéria (Revista iÚJ Comis- tulo autônomo de legitimação foi adquirido segundo
são de Valores Mobiliários, 4 (12):27 seg., abrJjun. a lei que disciplina a fonnação do investimento es-
1986) "o poder regulamentar do presidente da Re- trangeiro e esti abonado em certificado pr6prio e
pdblica não esgota o poder nonnativo do Estado" • autônomo, em razão do qual incidem as hip6teses
legais de retomo de capital ou de remessa de sua
Como também destacamos, em outra oportuni-
renda.
dade, entre as fontes materiais de direito se inscreve,
embora em secundária hierarquia, a existência de Em smtese: a Resolução nl! 1.460/88, ato admi-
atos nonnativos produzidos por autoridade admi- nistrativo nonnativo, não poderia (como, de fato,
nistrativa competente. não faz) dispor contra legem, vedando o que a lei
permite, limitando o que a lei não restringe, desco-
A ordem jurídica - dissemos então: nhecendo, em suma, direito adquirido e ato jJffdico
"(•••) se manifesta por meio de cfrculos concên- perfeito.
tricos que vão, sucessivamente, da Constituição i\ lei Portanto, se ad absurdum, fosse atribuível i\
material e formal, isto é, aquela elaborada pelos 6r- Resolução n2 1.460/88 o sentido que o Banco Cen-
gãos legislativos; desta aos regulamentos, por meio tral do Brasil a ela quer conferir (e, a nosso ver, sem
dos quais o presidente da República complementa e que proceda a exegese abusiva), se assim fosse, seria
particulariza as leis, e, finalmente, aos atos admi-
inconstitucional, por ofensa direta ao princfpio tra-
nistrativos gerais, originários das várias escalas de
dicional em nosso direito que resguarda o direito
competência administrativa. São constantes as nor-
adquirido e o ato jurídico perfeito (atualmente, art.
mas, de força obrigat6ria equivalente As leis e regu-
52, inciso XXXIX, da Constituição Federal).
lamentos, desde que a elas ajustadas, contidas em
portaria, ordens de serviço, instruções, ou (como no
caso atual) em meros despachos." (Revista de Direito
Administrativo, 46/248.)
V
A competência administrativa para editar atos
nonnativos (atos-regra, na terminolagia de Duguit),
PROCEDIMENTOS DE DEFESA DO DIREITO
quando legalmente autorizada, não é, porém, livre
DO INVESTIDOR·
ou indeterminada. Além da fmalidade especfflca a
que se destina, deve necessariamente submeter-se ao
O apontado vício de legalidade que macula a
princfpio de hierarquia entre as fontes do direito
manifestação do Banco Central do Brasil faculta ao
objetivo, importa dizer, subordina-se aos ditames e
titular do direito ameaçado de lesão o uso regular do
aos efeitos dos graus ou degraus superiores da nor-
direito de defesa.
matividade jurídica.
Confonne a conhecida doutrina de Kelsen: Poderá exercê-lo, na instância administrativa,
mediante pedido de reconsideração, ou por via re-
"(•••) a unidade das normas se constitui pelo fato
cursal.
de que a criação das de grau mais baixo se encontra
determinada por outra de grau superior, cuja criação Mais ainda, poderá obter prestação jurisdicional
é determinada, por sua vez, por outra contudo mais assecurat6ria do direito Uquido e certo, de que é ti-
alta." (Teoria general dei derec/w y dei Estado. Mé- tular, valendo-se do instrumento expedito do man-
xico, 1969. p. 146.) dado de segurança ou pelo recurso As vias ordinárias
de direito, perante a Justiça Federal.
Assim como as leis devem obediência As nonnas
superiores da Constituição (ou, se as descumprirem, ~ o nosso parecer, S.MJ.
serão leis inconstituciOnais), de igual modo os re- Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1989. - Caio
gulamentos, ato do presidente da República, devem Tdcito, professor titular na Faculdade de Direito da
respeito As leis (ou serão ilegais). UERJ.
122