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EN CIUDADES
Resumen:
Para além da dimensão estética, as práticas do graffiti possuem uma dimensão dos usos que é
igualmente relevante, a qual desloca e cria fronteiras, fazendo emergir cidades imaginadas que se
sobrepõem à cidade planejada. Pesquisar tais usos requer o acompanhamento dos processos de
pintura na rua e um intenso deslocamento, colocando desafios à prática etnográfica. O uso da
máquina fotográfica surgiu neste contexto e me levou a desenvolver uma atividade ao mesmo
tempo reflexiva e produtiva. No entanto, as fotografias ganharam novas dimensões dentro da
pesquisa, levantando perguntas não previstas: como produzir uma narrativa etnográfica dos usos da
rua através de palavras e imagens? Partindo desta pergunta e deste contexto, procuro lançar um
olhar sobre as possibilidades de construções de narrativas a partir do processo de edição de
documentários e da composição gráfica dos zines e publicações alternativas, os quais podem
fornecer modelos e inspirações para este segundo campo etnográfico.
* Desenvolve pesquisa de mestrado cujo projeto se intitula “Quem desenha na cidade, desenha a cidade? As “São
Paulos” fabricadas pelos usos da rua das práticas do graffiti”, iniciada em dezembro de 2015 e desenvolvida no âmbito
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS-USP), sob orientação
do Prof. Dr. Heitor Frúgoli Jr. e com apoio de bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – CAPES. E-mail: gabriela.leal@usp.br.
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Integro o coletivo APRAÇA, formado no início de 2015, por mim e por uma amiga, Larissa Molina, com o objetivo de
discutir diferentes dimensões do direito à cidade, tomado aqui enquanto categoria política, através de projetos culturais
no campo das artes visuais e publicações independentes. Ver APRAÇA. Disponível em: <http://www.apraca.cc>.
Acesso em 22 de abril de 2017.
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elaboração da escrita textual e visual do meu trabalho. Nesta pesquisa estética e metodológica
assumi o desafio de explorar novas técnicas narrativas de colaboração entre imagem e texto que
“possam contribuir para uma forma de divulgação do conhecimento que seja menos autoritária,
mais interativa e talvez mais evidente no seu processo de reconstrução da realidade que se quer
revelar” (Novaes, 2009, p. 44).
Mas, antes de avançar nestas contribuições, é preciso voltar um passo e apresentar a minha
pesquisa, cujo contexto, objeto e questões são fundamentais para a compreensão dos
empreendimentos e buscas estéticas que venho trilhando. A história desta pesquisa começa, pois,
com os pés no asfalto, em meio a latas de spray, rolinhos e galões de tinta látex; exposta às
interferências e surpresas meteorológicas de São Paulo; envolta pela diversidade de relações
capazes de se darem no espaço urbano e por um intenso (e extenso) deslocamento que esta mesma
cidade nos leva a fazer para explorá-la. São corpos, tintas e movimentos que se entrelaçam e, que
neste fazer, desenham nos muros ao mesmo tempo em que redesenham o espaço urbano. O corpo da
antropóloga entra em cena, com uma câmera na mão, impossível de passar imune, e acumula
experiências e vivências compartilhadas que revelam que as práticas do graffiti estão muito além
dos muros, o que contraria certos usos correntes do termo, já incorporado no vocabulário ordinário
daqueles que vivem em centros urbanos e grandes metrópoles, e que muitas vezes traz a falsa
impressão de ser autoexplicativo e homogêneo. Desde o início, ficou evidente que a compreensão
do que era referido e identificado como graffiti exigiria o deslocamento do olhar: era preciso
esquecer as superfícies do espaço urbano para descobrir não somente a via de acesso aos usos da
rua, objetivo central da investigação, mas também a chave de compreensão sobre o que é o graffiti
em São Paulo e, em particular, para os artistas com quem eu passei a trabalhar etnograficamente. À
medida em que acompanhava mais processos de pintura, participava de diferentes espaços de
sociabilidade e a adentrava um léxico particular, as representações e significados entorno destas
práticas tiveram seus sentidos adensados: neste contexto, graffiti refere-se a uma maneira de ser e
estar no mundo e a uma atitude diante do espaço urbano, que possui uma dimensão estética
importante, mas um fazer que é igualmente relevante. No entanto, esta compreensão não deve levar
a uma definição monolítica, pois o conteúdo que se nomeia não é homogêneo e estático. Ele se
amplia ou é reduzido de acordo com a vivência dos sujeitos e encontra-se em constante negociação
e disputa, muitas vezes abarcando nesta nomeação coisas que em parte convergem e em parte se
contradizem. Estão em jogo elementos estéticos, epistemológicos, econômicos e políticos. Mas, se
por um lado o conteúdo pode ser dissonante, por outro lado parece haver uma concordância quanto
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ao valor do rótulo graffiti. Fazer graffiti não se trata, pois, de um instrumento acionado pelos
sujeitos em determinados momentos, mas de toda uma outra coisa: há um investimento da
subjetividade na ação, é através da própria prática que eles se constituem. Como uma vez me disse
um dos meus interlocutores: “graffiti é existência antes de ser resistência”.
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Existe um movimento relativamente recente de coletivos formados somente por mulheres que praticam o graffiti
(como por exemplo o Diurnas e o Efêmmeras) e que, além de se reunirem para pintar na rua, colocam em pauta
representatividade da mulher as relações desiguais de gênero na cena.
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(Ibidem, 2010, p. ix)6.
A tradição antropológica ainda nos coloca como norma a produção de conhecimento
prioritariamente textual. Sylvia Caiuby Novaes (2009, p. 43) mostra que sob este registro, os textos
são tidos como os responsáveis por traduzir nossa reflexão racional e objetiva sobre o observado, ao
passo que as imagens são consideradas como pertencentes ao campo do sensível. No entanto, ao
ultrapassarmos este muro de separação, é possível identificar convergências e compreender as
imagens como uma reconstrução e interpretação do observado, pois o olhar, continua Novaes,
Assim como as anotações dos cadernos de campo, as imagens produzidas através das
relações estabelecidas com os sujeitos com quem colaboramos etnograficamente produzem relatos e
são tão autorais quanto o conhecimento que será estruturado na forma de texto.
A respeito da colaboração entre texto e imagem, Andréa Barbosa (2009) nos chama atenção
para a potência contida nesta troca que possibilita “entradas e construções diferentes dentro da
temática trabalhada” (Ibidem, p. 72). Para a autora, tal interação provoca a expansão da visão e faz
emergir uma experiência sinestésica e afetiva que abre vias de construção do conhecimento que
“talvez possa nos levar a uma compreensão, de outra densidade, de alguns problemas
antropológicos” (Ibidem, p 74).
O processo de tradução, descrição e reflexão é uma escrita sobre o outro, mas também uma
escrita autobiográfica fruto de um rememoramento. Para Johannes Fabian (2013), tal caráter
autobiográfico não implica necessariamente em um impedimento, mas sim na condição de uma
“abordagem interpretativa” (Ibidem, p. 116), pois o percurso antropológico inclui uma economia do
tempo que requer envolvimento e imersão, mas também uma distância temporal e espacial para a
interpretação. No entanto, esta distância reflexiva não deve implicar em uma coisificação dos
sujeitos por localizá-los em nosso passado.
Na interação entre texto e imagem, o risco deste efeito alocrônico pode encontrar os seus
dois extremos: sua intensificação ou caminhos que ajudem a contorna-lo. Elizabeth Edwards (1996)
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“pelo que eles marginalizam, deslocam e colocam em movimento” (Fortun, 2010, tradução nossa)
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mostra como a fotografia está em constante trânsito no tempo e no espaço, o que constitui ao
mesmo tempo a sua força e fragilidade. Neste deslocamento, ela pode reforçar o efeito alocrônico
ao perpetuar o passado e produzir um discurso atemporal característico do “presente etnográfico”
criticado por Fabian. Como exemplo deste efeito, Edwards (Ibidem) lembra que um detalhe, fruto
do enquadramento, aliado a certas legendas pode transformar-se em um símbolo generalizador e
produzir estereótipos, como é o caso da criação de “tipos” através de legendas generalizadoras
como ““Um nativo típico”, “Uma beldade nativa”, “Um guerreiro” ou até “Um nativo usando um
graveto”” (Ibidem, p. 22). No entanto, Edwards também revela artifícios que não produzem a
coisificação dos sujeitos, como em We, the Tikopia, de Firth, onde as legendas sugerem a ideia do
encontro etnográfico ao nomearem os indivíduos, o que “liberta o sujeito de uma categorização
imposta pelas tendências generalizantes da fotografia e dos textos antropológicos” (Ibidem, p. 22).
No contexto do trabalho que venho desenvolvendo junto aos artistas do graffiti, uma
primeira escolha que se colocou refere-se ao uso ou não uso dos nomes de rua7 dos meus
interlocutores. No entanto, o que era ainda uma dúvida no início da pesquisa, acabou por se definir
pela conjuntura que envolve o tema atualmente na cidade de São Paulo, com o aumento da
criminalização e punição da prática8. Neste cenário, optei por suprimir as referências diretas aos
nomes, o que afetou diretamente a construção da narrativa textual e visual e me levou a procurar
recursos para preservar as suas identidades sem, ao mesmo tempo, produzir generalizações que
suprimissem as particularidades dos encontros e relações que foram estabelecidos em campo.
Seleção e sequenciamento
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Pintar na rua implica um processo de auto-nomeação que acompanha a iniciação destas práticas e a conformação da
identidade de cada artista. Ao longo de suas trajetórias, este acaba sendo o nome pelo qual são conhecidos e estão
representados nas tags (assinaturas em tipografias identificadas com o estilo visual do movimento hip hop), é o nome de
rua.
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Desde janeiro de 2017, com a mudança de gestão da prefeitura municipal da cidade de São Paulo, práticas como o
graffiti e a pixação tornaram-se alvo de repressões policiais, detenções e apagamentos com a implantação do “Programa
Cidade Linda” e da institucionalização do processo de criminalização com a aprovação da Lei “Disque-Pichação”.
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“campo intelectual” (Strathern, 2014, p. 353), em que a antropóloga e o antropólogo passam a
estabelecer diálogos com seus próprios registros, sem, no entanto, cortar totalmente os laços com o
primeiro campo, “pois, como descobre o pesquisador, a escrita só funciona se ela for uma recriação
imaginativa de alguns dos efeitos da própria pesquisa de campo” (Ibidem, p. 345). Contudo, este
meu processo imaginativo se deparou com um desafio inicial que ao mesmo tempo impedia o seu
desenvolvimento: em meio a tantas imagens produzidas em campo, como selecionar e construir um
sequenciamento narrativo em diálogo com as minhas reflexões? Quais outros recursos estéticos e
processuais poderiam auxiliar na não reprodução do efeito alocrônico? Voltei-me então para os
filmes documentários a fim de descobrir procedimentos e inspirações para a minha própria
empreitada, encontrando algumas pistas nas discussões a respeito da seleção e sequenciamento das
imagens.
Na análise da imagem como conhecimento, David MacDougall (2009) nos ensina que a
seleção e sequenciamento, ao concatenar imagens em cenas, instaura e deixa transparecer a voz do
cineasta que, neste fazer, tem a intenção de “colocar o espectador numa relação específica com um
tema e criar uma progressão de imagens e cenas para entende-lo”(Ibidem, p. 67). Para Eliane de
Latour (1996), esta é uma etapa estimulante e consiste em um processo de “cortar-juntar-colar” que
“permite que se penetre no cerne de seu sujeito” (Ibidem, p. 48).
O procedimento de seleção e sequenciamento nasce com o que depois veio a ser chamado de
documentário, nas primeiras décadas do século XX, tendo duas linhas teóricas principais, o
impressionismo francês, com a fotogenia9, e o construtivismo soviético, com a montagem (Nicholls,
2005). Este último nos traz pistas interessantes para o presente contexto. O conceito de montagem
defendia procedimentos que suplantassem “a reprodução mecânica da realidade para construir algo
novo de uma forma que só o cinema poderia conseguir” (Ibidem, p. 124), sendo um dos pioneiros
em trazer a voz do cineasta para o primeiro plano. O homem da câmera (1929), de Dziga Vertov, é
o principal ícone desse conceito de organização e sequenciamento, que “adota uma voz poética, mas
também analítica e reflexiva” (Ibidem, p. 125), sobrepondo imagens com o objetivo de chocar o
espectador e produzir novas descobertas. Aleksandr Rodchenko (Rodchenko apud Nicholls, 2005,
p. 130), artista soviético que se consagrou na fotomontagem, foi profundamente influenciado pelas
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De acordo com Bill Nicholls (2005), para os impressionistas franceses, “a fotogenia refere-se àquilo que a imagem
cinematográfica oferece para complementar o que é representado ou que é diferente do que é representado. (...) A
imagem tem um ritmo cativante e uma mágica sedutora todos seus. A experiência de assistir a um filme difere da de
olhar para a realidade de maneiras que as palavras só conseguiriam explicar imperfeitamente” (Ibidem, p. 124-125)
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técnicas de Dziga Vertov, e ressalta que este agrupamento de fotografias revelava uma figura
complexa, afastando-se de um “retrato sintético”.
Essa característica da montagem por sobreposição de cenas conferia um movimento
particular aos filmes de Vertov, ao mesmo tempo que, em termos reflexivos, construía uma imagem
densa e complexa da realidade social apreendida. Este procedimento de encadeamento dos
fragmentos nos oferece caminhos que parecem ser interessantes para a característica e o tipo de
conhecimento que vem sendo construído na presente pesquisa, a qual se aproxima da etnografia
multisituada (multi-sited ethnography) elucidada por George Marcus (1995), a qual circunscreve
um objeto de estudo que não pode ser explicado etnograficamente a partir de um único local de
investigação, assumindo um caráter móvel e com trajetórias inesperadas. Em, O homem e a câmera
(1929), Vertov também produz um material multisituado, por assim dizer, da vida cotidiana
soviética e, através da seleção e organização, constrói e dá visibilidade às relações entre diferentes
situações, espacialidades e temporalidades. Para Marcus, do ponto de vista metodológico, o cineasta
é uma excelente inspiração para a etnografia multisituada (Ibidem, p. 106) e, eu acrescentaria, é
também uma importante referência estética para a elaboração da escrita textual e visual. A
justaposição de imagens possibilita recriar os encontros que se deram em campo e, ao mesmo
tempo, provocar no leitor a experiência do movimento, o que parece ser uma forma fortuita de
elaboração imaginativa dos efeitos da pesquisa de campo da qual fala Strathern (2014), ao mesmo
tempo que pode oferecer caminhos para evitar a construção de uma narrativa alocrônica (Fabian,
2013).
Jean Rouch, antropólogo e cineasta francês, foi profundamente inspirado pelo cinema de
Vertov. Como este, procurou na câmera o movimento, destacando-a do tripé e colcando-a em
deslocamento assim como os seus interlocutores, e, “nesse duplo movimento (...), ele explorou as
relações intercambiáveis entre o subjetivo e o objetivo” (Barbosa, 2009, p. 79). Para Sylvia Caiuby
Novaes (2009), Rouch foi “o único antropólogo a inovar efetivamente a partir do uso da câmera”
(Ibidem, p. 47-48), encontrando no processo de filmagem não somente uma possibilidade estética
de representação, mas também outras possibilidades do fazer antropológico ao desenvolver a
antropologia compartilhada, onde “os sujeitos de pesquisa participavam ativamente do processo de
filmagem e edição” (Ibidem, p. 47-48). Desta forma, se Vertov nos mostra inspirações de
sequenciamento e montagem, Rouch nos traz inspiração para um passo anterior: a própria seleção e
edição das imagens junto aos sujeitos.
Se, por um lado, as possibilidades acima discutidas a respeito da seleção e organização das
imagens nos oferecem caminhos interessantes enquanto processo de escrita visual e textual, por
outro lado, elas também nos lembram a necessidade do desenvolvimento de novas técnicas
narrativas e estéticas, no contexto da antropologia, que sejam capazes de, no trabalho impresso ou
digital, transmitir essas experiências de temporalidades, espacialidades e deslocamentos10.
McDougall (p. 62), ao discutir a imagem como conhecimento, também ressalta tal urgência, e nos
lembra que a capacidade de extrair novos conhecimentos do uso das imagens exige um olhar para
formas e meios diferentes dos utilizados habitualmente sob as regras acadêmicas.
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Reconhecemos que a produção imagética no trabalho etnográfico abre espaço a outras plataformas de disseminação
de conhecimento, como instalações e intervenções, no entanto, o presente trabalho tem como objetivo pensar na sua
expressão impressa ou digital em diálogo com os correntes formatos de documentos.
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Em outras áreas, como no caso da própria fotografia, o diálogo mais íntimo com o universo
da arte conceitual abriu caminhos para experimentações, expandindo as fronteiras da fotografia, que
deixou de ser um fim em si própria. Howard Becker (1996), na introdução de Explorando a
sociedade fotograficamente, mostra como esta interação permitiu que os fotógrafos descobrissem
novas fórmulas de apresentar as informações, inclusive em trabalhos que partiam de informações
sociológicas. Para Becker “esses novos formatos são bem adaptados à apresentação de ideias e
resultados científicos, mesmo não sendo a maneira clássica” (Ibidem, p. 96-97).
Voltando o nosso olhar especificamente ao universo de possibilidades contidas nos
impressos, a prática de zines, apesar de não acadêmica, nos fornece inspirações e modelos que
poderão auxiliar no desenvolvimento de novas técnicas narrativas que utilizem texto e imagem em
diálogo com os temas pesquisados e a transpor uma outra barreira: entre forma e conteúdo. Os
zines11 são um veículo alternativo e independente de comunicação, geralmente produzido em baixa
escala e distribuído diretamente por quem o produziu. Como escreve Marcio Sno (2015), os zines
“surgem da necessidade de expressão de grupos específicos e tornaram-se campos férteis para
experimentações gráficas e textuais graças à sua total e irrestrita liberdade” (Ibidem, p. 19). Desde o
seu surgimento sob este termo, nos anos 1940, até os dias de hoje, eles abrigam novas
possibilidades expressivas e experimentações estéticas que de tempos em tempos passam a ser
adotadas e relidas por meios de comunicação fora do circuito underground. No últimos tempos, viu-
se a expansão das práticas de auto-publicação, de onde emergiu a categoria de “publicações
alternativas” (Ibidem, p. 22), as quais misturam características dos zines com as de publicações de
maior escala: “são publicações feitas em gráficas, distribuídas em um circuito parecido com o dos
zines (ou no mesmo circuito), mas com um acabamento caprichado e papéis de qualidade superior
ao nosso conhecido e manjado sulfite” (Ibidem, 22-23).
Este espaço de experimentação é, pois, um solo fértil para pesquisas de linguagens e
narrativas estéticas que misturam texto e imagem, abusando de sobreposições, cores e montagens
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Conforme Márcio Sno (2015), “o termo “fanzine” (neologismo formado pela contração dos termos ingleses fanatic e
magazine, ou seja, “revista do fã”) foi criado em 1941, nos Estados Unidos, por Lewis Russel Chauvene, que, na
apresentação de sua publicação Detours, proferiu em alto e bom som: “O que eu estou fazendo é um fanzine”. Mas qual
é a diferença entre os termos “fanzine” e “zine”? (...) Aqui no Brasil (e demais países da América Latina) é muito
comum não haver diferença de um termo para outro, o uso indiscriminado de ambos quase não faz diferença. Porém,
nos Estados Unidos e Europa essa divisão se faz bem clara e necessária, até para segmentar o público-alvo de ambos os
tipos de publicações” (Ibidem, p. 22-23)
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capazes de criarem um labirinto intelectual que guia os seus leitores ao mesmo tempo em que deixa
os percursos abertos, passíveis de serem ocupados por suas reflexões e pensamentos.
Imagem 1: Zine Asfalto #2, 2016, coletivo APRAÇA, São Paulo, Brasil.
Sobreposição de imagens analógicas digitalizadas, com textos dos seus
autores que refletem sobre a cidade que vêem a partir das suas escolhas de
deslocamento. Imagem cedida pelo coletivo.
Como produzir uma narrativa etnográfica dos usos da rua do graffiti através de palavras e
imagens? A pergunta que percorre implícita ou explicitamente a discussão precedente permanece
em construção, mas encontra caminhos possíveis e passíveis de serem percorridos a partir dos
procedimentos de montagem e de seleção do documentário, bem como na composição de uma
narrativa visual e textual que se inspire em conceitos e composições do universo dos zines e
publicações alternativas. Não existe uma fórmula, ao contrário, um único caminho somente
perpetraria a limitação expressiva com que nos deparamos em muitos momentos. A estética textual
e visual deve emergir da estrutura do próprio material de pesquisa e deve trabalhar para a
reconstrução imaginativa dos encontros, deslocamentos, temporalidades e espacialidades vividos
em campo, de forma a confrontar os leitores com estas mesmas experiências para que eles possam
criticar, concordar ou complementar as nossas produções.
Referências bibliográficas
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R. S. G. Hijiki. (Ed.), Imagem-conhecimento: Antropologia, cinema e outros diálogos (pp. 71-84).
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Brasil: Vozes.
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movimento, conhecimento e descrição (pp. 25-43). Petrópolis, Brasil: Vozes.
MARCUS, G. (1995). Ethnography in/of the World System: The Emergence of Multi-Sited
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Novaes, S. C. (2009). Imagem e ciência sociais: Trajetória de uma relação difícil. En A. Barbosa, y
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O’Hagan, S.. (3 de julho de 2014). The photographer who caught the heartbreak on both sides of
America's social divide. The Guardian. Recuperado de
https://www.theguardian.com/artanddesign/2014/jul/03/jim-goldberg-rich-and-poor-photography