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1.

O LIVRO CINZA
Uirá dos Reis
ÍNDICE

Depois do beijo o funeral 07


Mercúrio nas mãos e nos pés 14
Faca e algodão 17
Quatro Horas/Fulgurante e pastoral 20
A estação dos mortos 25
Lapidando o mistério sombrio 31
Metástase & Fúria 34
Eder 19 40
13 Dias 46
DEPOIS DO BEIJO O FUNERAL

veja que as veias abertas


(os caminhos obstruídos pelo vermelho do sangue)
nos faz sentir bem agora – a romaria traz nos
ombros as estátuas e nas mãos a cera
amarga sete dias funeral, ai, traz
nos calcanhares suas dores
e suas alucinações

a comida sem gosto e o cigarro, eder


o ruído que faz o talher do prato para a boca e para
o prato e para a boca e para o prato e para a boca
e erra a boca – jamais olhe para os meus olhos
enquanto como – e para o prato novamente, até cessar

no quarto branco a luz amarelada e os fantasmas


ruidosos do outro lado da janela – a vidraça suja
meu comportamento
entumecido e o
espelho quebrado
as crianças têm os ossos como os meus mas elas riem,
meu amor, lembrando a gente antes do dia de nossa
morte, antes do reisado derradeiro e do vexame na
praia – antes de você partir (o sol se pôs)
preciso ser mais forte agora ser mais verde agora
menos duro menos turvo menos cinza agora e bem
mais que um bom rapaz
é tudo muito rápido e ruidoso aqui, amor,
muito ferino o destino o futuro ferino o destino
– acidente –
e eu pergunto como está você
como está você?
e quem aqui me amaria, eder, de verdade, quem aqui
me amaria, ai, quem me amaria aqui? aquele senhor
de pernas miúdas e agulha no braço ou o outro de
pernas sempre abertas e de olhos amarelos?
todos lêem a bíblia, menos eu, amor
que te amo tanto, ai, sem
descanso e com azar
a lua cheia

(a chuva na vidraça escura e as ventosas da mulher)


o moreno tem aço no braço pinos como os que trarei
– tatuagem, ai –
(a chuva na vidraça escura e as ventosas da mulher)
sempre quis seu gosto amargo de esperma em mim
– agora estamos mortos –

jamais tive o poder


sobre as coisas jamais sobre as coisas sobre o
tempo e sobre as coisas jamais, ó, sobre as coisas sobre
tudo – jamais tive o poder!

e agora esse branco vira-se em bruma absurda


e traz nas entranhas esse cheiro de inferno
seres de rosto fundo mancos de todo o mundo
e eu
doente
enfermo
demente, quase doente
e mais triste que você, bem mais, meu bem,
bem mais triste que você

podem os quasi-mortos procriar?


e como nos sentiríamos se nos enlaçássemos
eu e você na hora de ruir os vidros
de afundar a testa
de perder os pés
como acha que teríamos pulsado (o nervo)
como nossos peitos teriam ficado e que
tipo de caco teríamos sido se tivéssemos
nos destruído juntos?
muito triste tudo tudo
e bem mais doente agora – os anjos vestiram
vermelho e nos ergueram até o pilar ruidoso

o inferno tem cheiro de éter

os vermes tentam me alcançar e eu perco a força


perco a força mas luto enfermo lutando mas não
adianta nada: ainda não tenho a quem me entregar

sem você meu amor minha morte minha doença


última minha varíola insana minha decadência morna
minha grande noite e minha dor – papoula ibérica –
minha lava afoita e meu mar azul minha onda fria e
meu mar oliva – o vento forte – minha onda oblíqua
minha lava amarga te amo
minha dor minha dor minha te amo
as águas me engolem e você sabe
era tudo brincadeira mas
agora é verdade – a decadência
a velhice em meus calcanhares
a doença aguda e a morte
em mim sim
é tudo verdade sim amor é tudo verdade como
sempre foi – a voz dissimulada (os pecadores estão mortos)
tudo verdade sabemos, não há mentira e nem mistério aqui
estou morrendo estou nervoso estou sozinho
e minto nunca eder minto nunca e nós sabemos disso
(a voz maculada e a transpiração): mais vinte dias
por favor mais cento e vinte ou cento e trinta
permaneça comigo por deus minha felicidade permaneça
comigo e me acompanhe no cortejo
– ele grita, cortando a pele/

a fome a avareza a enfermidade física a miséria


alucinada o rosto fundo os olhos fundos os nervos sobre
os lençóis as veias lambendo a maca o nervo aberto a veia
amarga o sangue qualhado e escuro os ossos sobre os
azulejos a água cinza e a vontade de sair daqui
: o mundo explode
não não não (com esperança, profano) estamos vivos, digo
sente o suor de minhas palmas sobre suas maçãs rígidas
estamos vivos pela metade estamos doentes, rapaz,
ferrugem entre os ossos de plástico
vivos, disse, respiramos lamacentos contra os vermes da
cidade

agora o silêncio me invade


as perna não andam sozinhas
os olhos não lêem nada – todos lêem a bíblia
trago nas costas o amargor do aço ainda
e na mente tem você
e daniel
e marcelo
e marcus
e marcelo
e daniel
eder
e daniel
estou faminto e não trago comigo nem fruto nem sorte
nem dinheiro muito – comigo, nem você, amor –
seu cheiro forte – mais doente agora

com a testa turva assim e os olhos maculados


pensam-me algo tirano, mordaz, assassino, governante
e mais!

mas sou apenas um sodomita, rapaz,


um sodomita que deseja seus carinhos e sua atenção
(a solidão, caralho, a solidão) estou quase morto
novamente e novamente sinto dores mas agora é bem
mais grave, é mais febril (agudo, disse) é bem mais
grave, ai, muito mais – o sangue sob o gesso e os
amantes enforcados nas estradas do passado arrebatado
(cidade grande) – girassóis corruptos
a fronte aberta e o horizonte sem cor o sangue sobre
a roupa – o sorriso cheio de esperança das crianças
se dissipa quando passo (o cigarro está queimando) e a
doença cresce nos transeuntes (a solidão) minhas veias
de plástico azul os ossos de metal poroso e o
dente-porcelana que uso sempre
que uso sempre
para mastigar a fome que, sabemos,
me consome me consome me consome me consome me
(a voz sumindo e as reticências)
mudaria tudo mas a maldição me tomou com suas mãos
de aço e seu sorriso estranho – essa paisagem é minha!
passo a mão em meu rosto para limpar o suor
e limpo sim – essa maquiagem é minha!
tateio a piscina funda na face
degusto o peso amargo do meu braço
ai meu braço escurecido e tão largo
meu braço escuro meu braço – as alucinações tomam força

o mundo seguirá seu curso e eu seguirei o meu –


para onde agora, para onde? antes de agora, naquelas horas
fui muito mais feliz, muito mais que eu

agora ouço vozes

todos lêem a bíblia e ninguém me ama tanto


quanto o fantasma que desejo (o espanto) ainda sim desejo
sim desejo ainda – o fantasma – e seu nome vem
(as sílabas ecoando) EDER ---------------------------------------------------------------
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----------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------EDER----------------------------
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----------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
gostaria tanto de pisar o chão
e de não sentir minhas veias nunca mais
– a agulha arde – minha testa funda –
meu amor miserável e minha paz tumefacta
os sinos dobram sempre
antes da hora mordaz (as sílabas se despedaçam)

sinto medo
como todos aqui sinto
medo e me sinto solitário
e penso que essa dor infinda
é demais pra mim
e sinto raiva e sinto
frio e sinto medo
e sinto frio e sinto medo
– o homem geme –
tento chorar mas tenho tanto ai tanto tanto tanto
medo ai jesus – eu sinto frio – muito mesmo tanto medo
que desisto – a lua cai – os pés se agitam

os sinos dobram

vesti o fardamento obscuro e caminhei sombrio


até o pátio cinza (amuleto) esperando pelos traficantes
de felicidade (a fertilidade sempre foge de mim)
colmeias gigantes descerão e me engolirão
fumaça e espuma
e me erguerão para longe e me levarão para longe
para bem longe dos outros daqui – o dia é vermelho
a velocidade na pesca e os olhos emocionados

quando voltar, as luzes terão se apagado


MERCÚRIO NAS MÃOS E NOS PÉS

Ai, aqueles dentes em minha pele apavorada.


Acreditamos que a lâmpada acesa indica a indignação contida
e que o escuro pode abrir portas

remar contra os funileiros


amamentar a luxúria
ser indigno
de verdade novamente
e nos render novamente ao encanto que as horas
famintas nos podem trazer. Acreditamos que o buraco na parede
tem grande significado – o estrondo hermético, afastado,
digerido em silêncio por seu corpo contra o meu –,
código contido, sem alarde, código
as mãos atadas.
Vinte e nove dias e nossas mãos ficariam
eternamente fatigadas. Para sempre. Muito tempo.

Seremos, ai, bem mais espertos agora


que estivemos quase mortos agora que os anjos mutilados
não nos cercariam mesmo que pedíssemos carentes – faz favor:
limpa meu rosto e lambe meus pés solitários – nem assim:
A areia morna entre os dedos dos pés e das mãos
e a agudeza estranha dos braços apontados para o ar,
como se ao perceber a direção do vento
pudéssemos mudar a direção de todo o resto
– de você, de mim,
daquela mulher afogada na beira da praia enquanto o sol
surgia e daquele menino que ainda (segredo) ainda sim,
sabemos que ainda ele anda escondido dentro
daqui (rasga a roupa com a voz mais grave e rouca que pode
e diz, vulnerável e infiel):
O que nos fez perder os passos naqueles dias de bruma
foi justo aquilo que você amava. E abrimos nossas bocas em
silêncio e ingerimos substâncias
Quilos de desgraça em nossas costas funerárias
Quilos de desgraça em/

correr contra o vento


navegar bruscamente contra a maré que enche

túnicas cintilantes e anéis de ouro


diamantes que jamais havíamos tocado
forasteiros que nos abraçaram e nos deram
os belos frutos de seus furtos, seus assaltos
e um beijo:
amar você e a seu falo proclamado minha estaca na
noite de frio e horror. Amar as velas acesas e as estrelas que,
nervosas, acendem o céu sem luar.

Por onde passo arranco pétalas


das flores mais bonitas que encontro no caminho e as mastigo
que é pra ver se vem pra mim um tantinho da beleza,
do perfume, aroma de vida e de água, de doce de leite marrom.
Fruta caipira, exata, de gosto selvagem e largo, de um cheiro róseo,
tranquilo – cheiro de segredo amaciado pelo tempo.

(as cercas sem arames ainda) os padrões se repetem


e os olhos se dissolvem
acredite em mim as mãos sobre as mãos e os dedos
que se acariciam,velozmente com
muito desejo e alguma dignidade:
Contei uns segredos e jurei amor, mas já não sei
/acredita em mim?
Aprendemos que os joelhos doem
quando a velocidade é tanta que sobra pé/falta chão
Aprendemos que limpar as veias e lamber agulhas
não é mesmo a mesma coisa
(ciranda na cabeça branca do senhor que salta como um louco,
de um degrau para o outro, e sorri,
o moribundo de cabelos brancos e nariz dissimulado)
Imediato poderíamos
Imediato poderíamos acreditar
– ofegante, aturdido, amargo, frágil –
Imediato poderíamos acreditar na luz que cegava os que
viveram muito antes de nós, aqui, sob o sol escaldante da cidade
que se enerva quando a noite vem. E fica tarde. Escuro.
As pernas ficam abertas, os olhos fecham, os braços estendidos
e os dedos que lutavam contra o vento se aquecem em
minha boca agora. Serventia aguada a que tenho e a que queres:
Tem mercúrio, vem
e pensávamos que poderíamos ir adiante
mergulhar contra as ondas e
morder os dentes de
Netuno Navegante e suas mãos marinhas
(algas flutuantes) que seguravam o dorso exposto
daquele que amamos ontem, enquanto a chuva caía.
Mais escuro e mais amargo agora o mar
Mais selvagem e mais febril agora
Mais letárgico – são seus olhos
ele disse são seus olhos
e eu me despedi

Adeus

Adeus aos que ficam agora que vou-me


em partida levando entre os dedos o grande segredo:
o caminho.
Não, não saberão para onde, nem saberão para que,
nem adianta (os deuses lambem as patas sujas dos cavalos flutuantes
e as deusas, nuas, dizem-me: Vem).
Sem mórbidos gritos de adeuses
nem aquelas encenações constantes
que conheço bem
Nada disso, obrigado, nada disso
Para longe de mim com vocês!
As nuvens formam cidades no céu
Nuvens coloridas no céu e suas mãos em mim
Suas mãos abrindo caminho e meu rosto alucinado
vendendo vinho, vendendo pedra, vendendo aço

Construiremos
nossa cidade na areia da praia
inconstante e reservaremos quartos para os outros
que, sabemos, chamaremos para nos acompanhar
: Podem vir? Querem mais? Água benta? Prato escuro?
Eles quererão, eu sei
e nossa magia – as nuvens rebeldes – faz pensar que podemos
que seremos que iremos partiremos fugiremos para longe, ai,
bem longe, quando tudo for doente como
quase sempre é

E ele diz: Apaga a luz e deixa a rua mais suave, amor:


Maribondos gafanhotos ratos lesmas baratas albinas que voam
lagartixas serelepes e serpentes de jardim, nada disso nós
veremos no escuro: sinto-me menos frágil assim.

A luz da lua sobre os muros nos faz crer que jamais


nos afogaremos

– Entrega suave o teu peito, rapaz, e deixa eu morder tuas orelhas.


FACA E ALGODÃO

Me perder por entre os prédios todos


caçando aquele que me amamentou
Encontrá-lo novamente
Encontrá-lo novamente e nos divertir
Aquele que remou-me os braços
e que quis
Perguntei se estávamos
pelo caminho certo e respondia sereno como se
seus pés descalços fossem, ainda assim, imaculados
claros como leite e primavera
seus pés – suas narinas abanavam e os pelos
pareciam poder me tocar – o asfalto de cor nenhuma
– sinais de guerra e de desejo súbito – primaveril
e eu pensando matutando que a pele e aquele
cheiro doce e bom, olhos de amêndoa, tudo
isso e a pele são como remédio/Ele disse:
concentração, amor,relaxa os punhos,
deixa os membros moles,
respira fundo e tem concentração, amor
e continua

Me perder por entre os prédios todos


caçando aquele que me amamentou
Encontrá-lo
Encontrá-lo novamente e mostrar que ainda temos
sei sabemos nós ai temos um ao outro não é verdade
diz pra mim que é verdade o que digo por favor ó
por favor ó diz pra mim que o que sinto eu só sinto
por que sentes tu primeiro e nós sabemos sei
sabemos não sabemos meu querido, diz pra mim/
Ele disse: Eu lavo os pratos

Me perder por entre os prédios todos


cintilando no asfalto que reluz e cega e faz tremer
o chão braços e pernas e a cabeça fica leve
qual brinquedo das crianças que fomos, mais moços,
antes do amanhecer/Deixa-nos assim, braços como
asas, voando sobre suas cabeças
antes do amanhecer
Sal e Pedra
Lua Nova
Breu
É você
Em mim direitinho,
meu garoto, direitinho e faceiro como
sei que quer e sabe, como sabe que queremos, direi-
tinho, por favor, ó, meu garoto, direitinho,
direitinho assim

O estranho foi apalpar-lhe as pernas em busca


de serafins

Me perder por entre os dedos


do caçador forasteiro, aquele que me amamentou
Aquele de sorriso fértil e lábios de faca e algodão
Aquele de unhas claras e pescoço de marfim
Perguntei se sabíamos
o caminho e me respondia sereno como se
suas asas fortes fossem, ainda assim, mais frágeis
que eu, claras como leite e primavera
suas asas – suas costas sucumbiam e suas ancas
pareciam poder me tocar – asfalto de cor nenhuma
– sinais de guerra e de desejo súbito – primaveril
e eu sentindo percebendo
que a pele daquele de cheiro doce e bom,
olhos de amêndoa tudo isso e a pele são como
remédio/Ele disse: Dê de ombros, amor, esquece os punhos,
respira profundo em mim e continua, amor, continua
até que o dia amanheça

(O mundo está dentro de mim)


QUATRO HORAS/FULGURANTE E PASTORAL

A escuridão dos lábios e os dedos soturnos.


Sabemos o que nos espera n´alvorada vindoura, meu amor. Deixe os dedos escolher-
em o caminho, deixe os lábios sentirem que nós somos mais famintos agora que a luz
nos falta, agora que o sangue é quente. Agora, que o sol voraz dorme por entre as per-
nas da serra que é maior que nós. Deixe os dedos sentirem o calor de nossos corpos e
deixa sentir também a leveza do tecido e a leveza da nudez:

Se não procriaremos, de qualquer maneira nos revelaremos sórdidos, como os outros


(os olhos vermelhos e descrentes, as pupilas amargas, os cílios inconstantes como as
ondas que vão e vêm): Sê menos covarde, amor, e deixa eu velar teu sono, deixa eu
dormir teus pesadelos, enfiá-los em caixa de zinco coberta por acre arame e sê de
mim como sou. Mesmo que o tempo despenque e as alucinações nos voltem, mesmo
que os anos arrebentem nosso caminho insano, mesmo assim, mesmo que o dia da
libertação acesa nunca chegue para nós, sê menos covarde e se abra e me deixe en-
trar. Mas seus lábios são escuros e os dedos são soturnos ainda – difícil é lutar e
manter as palmas ágeis, abertas contra o vento que engole a maré. Descobre o prazer
das luvas. Descobre o prazer do beijo. Descobre o prazer das mãos voadoras, incon-
stantes, como as ondas que amamos, como as nuvens, como os anjos que sabemos
inexistentes, como os deuses e suas leis infames, inaudíveis, dissolúveis, flutuantes:
Nada podem contra nós aqueles que não sabem o segredo que sabemos: A alvorada
morna nos entregará o leito, onde dormiremos e descansaremos e nos amaremos
outra vez, como sempre nós fizemos.

O dia chegará em breve e nossas retinas se destruirão – então me ama, então


me deixa entrar, amor, e se liberta que as coisas não mudarão assim, não assim, não
como andas tu fazendo.

O caminho quem descobre somos nós e mais ninguém.


A ESTAÇÃO DOS MORTOS

Átila.
O trem que segue para Maracanaú
está vazio agora
Sirenes, buzinas velozes, sinais fechados,
cal, pedras pontiagudas,
bitolas estridentes,
carvão, o cheiro de osso queimado
nas ruas e a bruma espessa,
estranha, no cair da tarde
em Maracanaú
Pensar que um dia deitamos
(quando sorrimos o sorriso ávido)
Pensar que tudo é para-sempre agora e
só, essa solidão que nós sabemos
– o que te desesperou –
isso que nos comove o peito,
que nos faz atentos, tristes, moribundos
Tua dor que é minha e tua e só agora
sei, só agora que o sol aterrador
desperta a cidade suja e só agora que
o silêncio invade os vagões vazios do trem
que segue para Maracanaú
Trem vazio e triste
como somos eu, tu e tantos outros que,
sedentos, quererão e
desistirão e
lançarão mão do Destino de Espanto Covarde,
da Vida Que Nunca Acorda
Essa dor que nos aprisiona o peito,
essa solidão atroz, esse sentimento mudo
e violento e amargo, essa coisa
visceral e triste, isso é muito, é demais
cá dentro e é por isso – e só por isso –
que tu tentas a libertação,
a criação do Grande Mito,
a pintura em tons de cinza,
a reprodução fantástica,
Átila, do que torce o intestino
e te fere
e te faz sangrar
e te faz sofrer
profundo
cortante, o vulto
lâmina aguda
solidão mortal
Toca teu baixo afinado que canto as
canções que queres e estaremos bem
naquele instante veloz
E tu, ai, tão solitário e frágil – como sou
– doente como estou agora – e tu,
sutil, tecendo essa vida absurda com fios
que não existem, essa vida bruta e muda
(a cidade é barulhenta e por isso –
e só por isso? – não nos ouvem muito bem)
Farei um cortejo para ti
e chamarei os outros e tomaremos as
ruas, os pátios abarrotados de gente,
de carne que flutua e anda e
destruiremos os canhões imundos e
te ouvirão
te conhecerão
te farão maior
te perceberão
pois nós somos muitos, somos vários,
somos enormes – e frágeis
e estamos sós
e é por isso que não ouvem nossa voz
quando gritamos de dor e choramos
quando arranhamos nossa pele
quando mastigamos vidro
quando quedamos enlouquecidos
quando pedimos silêncio, ai, silêncio
que essa dor é muita, essa dor que nós
sentimos, essa dor é muita aqui
mas eles nunca escutaram
eles nunca perceberam que cresce-
mos e agora nos sentimos inúteis e sós
Tua voz em minha boca e minha boca na
boca de todos os outros que,
como nós,
sentem violentos os
sentimentos desse mundo de
fardas e violações,
esse mundo de plantações ordinárias
de gente faminta e vulgar
de depredações
espanto nervoso
medo absoluto
estrabismo amargo
lentidão funesta
pachorrice eterna
demência que nunca acaba,
que nunca cessa, nunca se dissipa, ai,
nunca o vento leva para longe de nós,
para longe, para longe, para bem
longe de nós,
nunca o vento leva
Átila.
Não veremos mais o mar e
nem deitaremos mais à sombra da
grande mangueira e
conversávamos e
brincávamos de fazer carinho,
de ser doce, ser amigo, ser
honestamente amável
e agora não
O vento agora em minhas costas
pardas e a solidão me toma
me consome
me adota
O cheiro daquelas ruas e a
paisagem, tudo isso vem e foi
contigo, Átila, que pintei
naquelas tardes
os quadros que estão plantados
aqui, bem dentro aqui, bem longe deles
– um segredo bom e vão, de gosto
gostoso, quase infância,
quase eternidade
na rede
balançando
o ritmo manso
a cozinha pequena
e nós em nossa meninice sorridente
(o sol se punha)
e nos levantamos e, mãos dadas,
fomos passear, sentindo o cheiro de tudo,
de Fevereiro a Janeiro e poderia ser
assim, mas não foi
e nem será
não mais, sabemos
É preciso um tumulto, um estrondo
que destrua tudo, que destrua a todos,
é preciso isso, esse lixo amargo,
desesperador? É preciso,
pois eles nos rejeitaram e o farão sempre
Calarão nossa língua, nossa garganta
que é feita de angústia e de medo
Nos farão bizarros sempre,
para sempre
e que dor perceber isso,
perceber que a nós não é dado o que
mate nossa sede, nossa fome interior
e é por isso – e não só por isso – que
que o que te fere, fere a mim
e fere a todos os outros também –

e se não fere, deveria


LAPIDANDO O MISTÉRIO SOMBRIO

Lapidando o mistério sombrio, enervando a carne morta

Beijando os lábios ferozes – mudos – e grandes da Besta,


aquele rapaz veloz de braços movimentosos e testa de
sal e areia, mostrando o tempero da carne:
Você sorrindo e suando –
o mundo atroz

Nós de bruços,
deitados sob a lua acesa, amarela e branca,
pedindo socorro às estrelas,
acariciando a terra
de sal e areia, como a testa do rapaz ou o mar profundo,
que engole estrelas ao longe lá bem longe
da cidade – que miragem – furta-cor:

Me dá um beijo (o fantasma) e morde meus calcanhares


Uma brutalidade amena, por favor, a meninice,
e mãos de espuma na areia:

– Me pede abrigo e te dou


Pensei sereno o caminho embriagado,
mergulhado até os braços – que antes agitavam ondas,
antes abriam o mar – mas num era não
Levantar, erguer-se, mostrar o pescoço escuro sobre
as ondas, levitando, tirando do chão os pés, mexendo
os joelhos para trás e para frente,
tão suaves e esquecidos

que em nada nós pensaríamos


(pensa bem) poderia ser assim
mas estamos com os pés submersos, sob os nervos
sob a cidade ferina – água na boca – que nunca moveu-se
pro alto, nunca nutriu-se de ar, de vento na testa de sal e
areia, como a testa do rapaz, como a minha, como a testa
dos fantasmas que lideram o motim e como a testa dos
que beberão do óleo na garrafa plástica do tempo que
se anuncia, camarada, meu querido, meu rapaz
de bronze e marfim (beijar os ombros e mastigar o intestino)
Me deixa deitar contigo, sentir o gosto acre de seu
beijo lentamente, beijo de ódio e amor

e o fantasma: Pensa que o domínio ascende, ou que


as estrelas sucumbirão a nós, pensa isso, mas você es-
quece que nós somos como forasteiros nesse lado da
cidade, cidade de braços que acolhem
apertam
sufocam
cidade que nos invade, aturdida, brincando de ter nas
mãos o nervo dos cidadãos, como somos eu e você e a-
queles outros que sabemos como nós, aqueles outros
que confundem os transeuntes: me pede um beijo
e estamos conversados –
eu sou todo aplausos, sorriso largo e sem farpas, olhos
de brilho confuso, sentindo os sentidos todos:
Ignore os que passam pela porta e gritam gritos de
horror, ignore-os e me beija (o fantasma), antes da bom-
ba explodir
que somos frágeis e podem nos engolir tão facilmente,
os outros, de braços como armas, socos de gigante,
mãos de arame e aço, podem nos engolir
Cruz na bunda d´enjeitados:
Suportamos, querido, e suportaremos mais ou
suportaríamos, meu fantasma precioso, meu rapaz
de queixo amazônico, de braços que sobem e descem e
que nunca param, nunca deixam de falar –
e fala, por favor, mais um pouquinho, fala leve e fala
rápido, não demora, ai, meu fantasma, que meu lamen-
to me cansa
e me agita
e me deixa sem ação
e me faz querer morrer contigo,
despir-me da crina selvagem para
nunca mais, para muito além daqui das
ondas que nos engolem e nos expelem
e nos engolem e nos expelem e nos
Pediu minhas mãos solícitas enquanto franzia a testa
contra o frio vai-e-vem da maré que nos abarca escrota
a maré escrota dos braços até a nuca a maré que nos
afoga

e agora estamos tontos,tortos sob o vidro estilhaçado


e sob o muro que virou-se em grande duna
grande duna de entulho – o som das sirenes –
ouve o som em silêncio e não demora sentirá um medo
agudo um medo ai tão profundo que os olhos nada verão:
Nos cercará o escuro, ele disse, com toda a certeza do
mundo

Pálidos, você e eu, pedindo socorro às estrelas


METÁSTASE E FÚRIA

a zona morta, isolada por suas


doenças, suas ruas de esgoto e mangueiras,
seus prédios de cores muitas, os carros
de febre e insônia, as motocicletas
de vinho e maconha, suas lojas milenares e
seus esgotos que vão dar no mar
aldeia indigesta
a zona morta apresenta aos comandantes
os peregrinos pagãos – nós não queríamos
mas foi assim
sete dias em seu rastro faro-fino
na gaveta seu retrato e você dentro de mim
sete dias nada feito bem maior que o
desespero é seu sangue dentro aqui
foi gostoso o que fizemos
transfusão arrebatada
foi gostoso o que fizemos quando o dia
lentamente abriu seus braços
lastro, rastro, cidadãos enfileirados
foi gostoso e quase frio como a morte
aldeia indigesta
em suas veias corre minha avó e suas
dores sem fim, em suas veias corre minha
avó de sua própria morte, corre foge devagar
pra não cair novamente sobre o fêmur em pedaços
foge devagar foge depressa eu prometo
tentaremos ajudar
o céu é um lugar onde há sinos e anjos
sobre as nuvens – o paraíso que não chega,
não desperta, nunca vem, paraíso de merda,
sabemos, paraíso de mentira e merda
aldeia indigesta
mulheres delfinas deitadas acorrentadas
dentro aí por suas dores singulares seus
remédios caros seus sinais metástase
fúria e caixões mulheres delfinas sobre os
colchões, em suas ruas, sua merda, sua
merda alucinada, em sua ruas de esgoto
e festa, de mangueiras e crianças
sufocadas
suas ruas de semáforos gigantes, assas-
sinatos insanos, estupros desmiolados,
tráfico indigente, alucinação contida,
nada presta em você, sempre soube
nada presta nada presta
aldeia indigesta
poderíamos fazer de novo, trocar o sangue
mais uma vez, poderíamos evocar espíritos
e celebridades, evocar os mortos e trazer
de volta o amor já há muito morto,
seu homem de paletó,
avô velho, mãos serenas, avô que nunca
eu vi / de volta seu amor e seu sorriso
sem dores nem câncer nem nada
poderíamos colher as uvas do vinho de
outrora amaciar o caju com os pés
fazer vinho suco água inventar estórias
bobas sobre um passado tranquilo
sadio sem engodos nem vulcões um pas-
sado repleto de boas lembranças boas
recordações – cidade grande – galos rios
brincadeiras sexuais no banheiro com
os primos e depois as coisas todas as bom-
bas e facas e tiros no crânio do cara
(revólver comum faca cara)
aldeia indigesta
a zona morta, isolada por suas
doenças, suas ruas de esgoto e mangueiras,
seus prédios de cores muitas, os carros
de febre e insônia, as motocicletas
de vinho e maconha, suas lojas milenares e
seus esgotos que vão dar no mar
aldeia indigesta
em suas casas tenho amigos
inimigos amantes covardes pessoas em
vão pessoas feridas e minha avó em
seu baço seu estômago seus ossos
em seu coração ferino vive minha avó
morre minha avó dança minha avó
desperta avarenta para o sol nascente e
me leva contigo
me leva pra longe
bem longe daqui desses porcos covardes
de olhos de faca de olhos de tiro e mãos
de cilada constante – me leva pra longe
d´aldeia indigesta
a zona morta apresenta aos comandantes
os peregrinos pagãos – nós não queríamos
mas foi assim
sete dias em seu rastro faro-fino
na gaveta seu retrato e você dentro de mim
sete dias nada feito bem maior que o
desespero é seu sangue dentro aqui
foi gostoso o que fizemos
transfusão arrebatada
foi gostoso o que fizemos quando o dia
foi gostoso e quase frio como a morte
quase amor aquele dia
acauã berrando sobre os tetos da aldeia
rasga-mortalha no céu sempre opaco
querubins nunca pousam na janela
manga espada e leite em pó
nessa aldeia indigesta
que nas veias traz gemendo e urinando
minha avó de olhos rasos, de pulmões
doentes, fracos, de pescoço enrugado,
mãos azedas, dedos brancos como a crina
do cavalo que pintei quando criança no
jardim de sua casa longe disso longe dela
dessa aldeia indigesta
a memória guarda a voz em falsete bem
dado por delfina a tarde na cadeira de
balanço, palha entre os dedos imberbes
da dona da casa delfina, de frente pra praça
dos pássaros, cururus gigantes e o louco
que falava com as formigas
crianças nunca se deitam
já faz tempo, muito tempo e eu penso que
assim nós não iremos tão mais longe
desse inferno desse infarto fardo azedo
peito puro peito aberto imaculado
já faz tempo, tanto tempo que não sei o que
é pecado

a zona morta, isolada por suas


doentes sem cura, suas ruas de esgoto e
mato ralo, seus prédios de cores muitas,
os carros de febre e insônia, as motocicletas
de vinho e maconha, suas lojas milenares e
seus esgotos que vão dar no mar
aldeia indigesta
EDER 19

Agora que o mar me fere


(olhos obsessivos mastigando o asfalto
e a areia) sinto uma enorme falta
de você
que me despiu solene e me disse
Os atalhos todos ficam do outro lado –
e eu acato – sorrio sincero e
acato – a visão do fim
do mundo – suas veias sobre as minhas
– e nossas mandíbulas tortas sob
o algodão frio do lençol
Agora que a tarde é morna
(boca submissa sob a multidão que
grita) sinto uma enorme falta de mim
mesmo que abria a porta e cantava
canções de alento enquanto você dormia
Para onde, meu amor, nós partiremos
onde foi que nos perdemos
para onde agora, que não mais
estamos juntos, partiremos, meu amor?
Agora que a noite é quente
(olhos sem descanso para os lados
e para trás) sinto uma enorme vontade
de sentir seu cheiro novamente,
amor, e de agarrar em seus ombros –
fustigação elevada – brincando de ser/
não ser – os dias e seus venenos
Me perco entre a sala e o banheiro,
quebro espelhos, rasgo roupas,
pinto o cabelo com lama e me esfrego
no chão, na cama de lençol branco,
nas paredes do corredor, grito
seu nome em silêncio,
escrevo seu nome no chão da
cozinha e me deito sobre ele enquanto
a comida esfria – sabemos dos riscos
severos que rondavam seu mocó,
amor, e o quão terrível poderia
ser a coisa toda se fosse
maior o inverno: enquanto cuidávamos
do seu olho – você de joelhos e eu sobre
os ombros – queríamos nunca dormir

Agora que o tempo é outro


só quero me despedir
13 DIAS

o mar frio e o céu tão feio que tivemos medo


eu e ele que tinha os olhos roxos e os lábios de marfim
as ondas colavam nas pedras e ardiam em nossa pele
minha e dele – éramos um

descobri por esses dias que nunca eu fui o único


nem o primeiro nem o satanás que o azucrinou na
infância perdida entre roubos e espancamentos
ele que traz no fundo dos olhos o sabor da castanha
e na pele aquele cheiro marrom
que me enlouquece as pernas e as mãos que me
enlouquece toda

o dia era feio e seus olhos eram roxos naquela tarde


de peitos desnudos e mãos sob as calças abertas
vacations only mas não quero assim
a cidade-dormitório de ondas de oliva não me deixa
descansar e nem ele sempre aqui insistindo
e eu digo vem e aproveita que ainda estamos
juntos e que sua bolsa ainda está aberta e nossas
pernas calças bocas olhos pernas calças bocas
ele tinha os olhos roxos naquela tarde de mar frio e
triste triste triste triste – enquanto eu cavalgava
ouvimos a canção ele disse:
repete que você precisa de alguém
e eu digo que fico
repeti e ele vestiu-se de minha espada e proclamou
nosso amor às ondas que sorriram frias e lhe mordi
as costas
ele quis o amor e eu quis o acaso ele quis assim
ele quis partir mas se arrependeu e lhe devotei o que
sobrou de mim tudo tudo

aprende que na madrugada as calçadas são


mais limpas e o vento é mais gostoso e aprende que
seus beijos fazem bem pra mim pra alguém como
eu nunca pude perceber que minhas mãos
estavam
sujas
muito silêncio
os olhos roxos do rapaz
ó, dai-me água e dai-me amor e senta aqui
depois
ele tem um cheiro que nunca me abandona
ele tem um cheiro que nunca me abandona
melhor que nem tente

ele tem um cheiro que me faz tão bem


falávamos do quão importante poderíamos ser um
ou sobre o quão terrível tudo ao redor
menos eu e você
e ele acreditava e eu o cercava com meus olhos
descrentes e a pilhéria dormia tranquila e abandonada
ele tinha os olhos roxos da porrada e o medo
e a fala mansa de quem quer dormir aqui
comigo
assim
posso ler seus lábios imóveis e ouvir sua voz
ó, dai-me água e dai-me amor e senta aqui
ó, faz por mim o que faço por ti
ele tem um cheiro bom e um gosto ainda melhor
– faço faço faço sim
aprecio seu desejo e seu sorriso aprecio de verdade
aprecio quando você me toca lentamente e forja
um desapego a tudo e a todos sempre
sempre
o jantar está servido
a comida é importante e a farinha essa minha língua
minha gengiva ainda tem seu gosto rapaz seu
aquela coisa que gostamos de sentir quando os dias
são escrotos e os olhos ficam roxos
disse beijo
aquelas coisas que não acontecem em dias de luz
e calor – a merda boiando na praia mas o seu beijo
e seu dorso também – você não teve medo
é especial
sempre soube
nunca precisou
me beija aqui
seus olhos
morde minhas orelhas e me olha bem no fundo
mastiga minha alma e o que sobrou
de mim
é seu
assim
tudo tudo tudo tudo aprendi a desligar-me
tudo tudo tudo tudo aprendi a afastar-me sem
sofrer tudo de novo
o ventre ainda é o mesmo e as veias continuam
aqui meu rapaz aqui sente vem senta e vê
aqui ainda meu rapaz de amêndoa e barro
meu rapaz de mamilos cintilantes e de lábios de marfim
meu rapaz meu rapaz enquanto ainda sua
bolsa está como estão as pernas e as calças e as
mãos os olhos sim e os olhos não
entrego-me assim sem pressentimento
nem malogro nada disso
entrego-me firme mergulho profundo
atravesso o oceano e deixo-me aberto pra você
que traz nos olhos as feridas dessa merda de lugar
isso tudo é pra você
mude tudo tudo muda de qualquer maneira mesmo
mude tudo de verdade e me inclua
estou contigo
assim
estou contigo e minhas mãos são suas
minhas mãos são pra você
os braços para o ar
e todas as coisas que foram rosnadas serão
esquecidas enterradas enfiadas na goela do destino
e seremos nós e esse mar de oliva solitária
e o céu que quebra as costas dos coitados
que caminham – eu & tu – sobre a terra
até o outro lado
a morada melhor é a morada do dia e foi sempre
assim como você ensina me apertando os braços com
sua língua em meu pescoço e suas mãos por todo
o corpo
gosto disso e
gosto disso também
ó, dai-me água e dai-me amor que me sinto tão
sozinho e triste aqui por hora solitário e quase morto
a índia velha nos ensinou a canção da partida
e a lua encarregou-se do resto
a multidão não estava
éramos eu e você
minha amêndoa minha costela meu barro meu pão
gosto disso em você mas disso num gosto não

(enquanto as nuvens escondem o sol


e a lua descansa tranquila, sua voz
contra a maré)

vento, ai, o seu sabor é outro


vento vento, sim, o seu sabor não é esse
que sinto tão fortemente (a suavidade
da força) entre meus dentes agora
não não não, vento, o seu sabor é outro
a chuva não chegará
os pátios descobertos e os olhos-chafarizes
entre os mercantes e os tolos da cidade grande:
– meu interior
a catedral é gótica de mentira e os lábios profanos
são seus enganos em mim (o cheiro de peixe na porta)
é tudo seu aqui, rapaz – eu repito –
é tudo seu aqui (pode me abraçar agora)

ele deita em meu colo


e tenta me explicar que a solidão não mata
muito mas a fome e a miséria,
muito mais
fico em silêncio, choro baixinho, falo nada, quase
nada e me rebelo nunca

a beleza dos lábios enquanto ele gemia, pensei,


ai, a beleza dos lábios do cara

(o vento na procissão)

seus chinelos me serviram


como luva e o seu sorriso me serviu como prisão
e que bom

aprender que podemos caminhar


aprender que podemos caminhar para bem longe
e voltar – e que bom

como luva os seus chinelos, obrigado

há dias o tempo mudou desde que ficamos a sós


fecha a geladeira e acenda o fogão
que limpo a sala-de-estar
antes da noite a orgia foi grande
seu beijo – e porque? – seu beijo, ai, ai
aprender como remar estranho contra a maré
aprender como remar do mar até o sol
aprender como despir-se sozinho
aprender como dormir
aprender como se faz pra
manter-se vivo e tranquilo no olho do
furacão que os outros dias nos trouxeram e nos
deram de bandeja, assim, bem de graça, de
verdade (a grande morte em meus ouvidos)

muito especial o pesadelo que é – e porque? – o seu


beijo, seu beijo, ai, ai

da costela ele extrai o barro e o silêncio nunca


da costela ele extrai o barro e eu sou o forno
preciso me concentrar
da costela ele extrai o barro e o vento vem
das dunas podemos já ver o mar os índios nos
abrigarão (a igreja foi destruída) e nós procriaremos
ou tentaremos ou brincaremos
o céu não poderia ser mais azul e a areia não
poderia ser mais quente nunca
e nada foi tão melhor
que agora
ontem

peço que as estrelas despenquem do céu por nós


peço que os olhos da lua nos vigiem bem dali
peço que você me dê um beijo antes da partida e
peço que seja na estrada antes da partida
a jerusalém da praia sobre as ondas do mar e foi lá
que nos conhecemos foi sobre as ondas sim nas
pedras, lembra?
a diversão tomou conta de mim e ficamos nós
agora aqui e nunca mais – mas estávamos errados
coisa boa, coisa boa errar – decidimos costurar
o tempo

diante de agora as manhãs serão sempre diferentes


e os luares terão outro sabor, ele falou e eu concordei
pra mim também, disse, pra mim também e nos
beijamos, as mãos entre as pernas um do outro e
nossos olhos como espuma marinha, ondina absurda
o sabor do cacau ainda em nós e o limão

naquela tarde gostamos de nos encontrar e agora o


peito tem uma velocidade nunca vista antes nunca
vista antes a velocidade do peito agora –
diante de agora as manhãs serão sempre diferentes
e os luares terão outro sabor, ele repete eu concordo
novamente

após a comida nos despiremos para cavalgar


– as portas fechadas e a promessa

sim, podemos descansar agora

ajoelhar nossos enganos e abrir os braços


levemente, suavemente, nada da rudeza
costumeira nem do vômito audaz
nada disso
amor somente
e põe a palha na boca
e põe os dedos em minha boca
e põe os olhos em minha boca
e põe os olhos em mim mas
sim, podemos descansar agora
ajoelhar nossos enganos e abrir os braços
contei-lhe alguns segredos, pus minhas
costas sobre as suas
dei-lhe carinho
um pouco de
infâmia
de comida
suor
(sua doçura me revela que)
aquilo é o que nos fez bem – ele sabe o que
diz – foi aquilo, foi aquilo sim – os dentes se-
guram o sabor – um ramo de angústia e dois
maços de felicidade
20 copos de sabedoria e coragem, ó

foi preciso mais que uma manhã


para descansarmos os membros todos

senti o sol assustar minhas retinas mas


as entranhas dormiam tranquilas e o sonho era
bom – você faz bem – com soldados
que morriam sob as ondas do mar,
que era nosso e de mais ninguém

me segurou pelos braços tão delicadamente


que estremeci
e é sempre assim
vem, rapaz, e dorme dentro de mim
(manterei as retinas abertas)
nada do passado aqui, entre nós –
as lágrimas foram pro futuro, mas ainda nos
veremos, sei, ainda nos descobriremos
(um brinde pra ti e pra mim –
e os copos nunca se quebram)
dá-me um beijo de celebração e me tira a roupa inteira –
estou ocupado com suas coxas zeladoras e com seus
olhos de castanha doce e clara
dá-me um beijo de louvor e lembra que agora podemos
descansar, ajoelhar nossos engodos e despir o nosso corpo
no jardim de flores muitas árvores
de muito sabor por hoje podemos sim
sabemos

ler em seus olhos que seus lábios têm


vergonha e seu peito tem desejo

você disse que os amores eram fortes


e que os olhos poderiam assassinar/

gosto disso
arremesso amoroso um olhar
que traz a força precisa
de um veneno que destrua tudo
todo o resto do que éramos
antes de agora

antes de agora éramos outros


agora nós somos um
(o perfil do rapaz
aquele de olhos de estranha castanha
seu cheiro mudou tudo mudou
estamos ele me interrompe dizendo que sentirá
falta de algumas coisas)

a vitrola pára nunca e meu peito pulsa


pluviola, ai – não não vi a lua ainda
hoje estou faminto

a lua? nem eu faminto muito hoje

o perfil do rapaz esconde uma tristeza grande


e uma leve solidão – esse caminho eu desconheço
mas desejo descobrir – esse caminho

seus olhos são transparentes agora


que ele chora escondido e fala baixinho pra
ninguém ouvir – sei pois faço o mesmo

o caminho desconhecido traz o conforto mas


traz o medo consigo colado consigo apertado
traz o medo escondido nas cordas do violão

tudo foi destruído e como ficaremos


agora que tudo foi destruído
como ficaremos?
descobriremos sozinhos, com o tempo
(a lua entra pela janela – o sangue estanca)
e ponto
ele me diz, frágil e sujo
por enquanto estamos juntos, por enquanto
estamos juntos
por enquanto que estamos, ele diz,
podemos nos abraçar

ai, sentirei falta sim, meu bem –


ele interrompe

senti o peso das horas sobre os ombros


senti o peso das ondas contra minhas costas e
senti o peso das mãos colocadas suavemente
sobre meus quadris

na saída esperávamos
algo mais que compaixão e desespero
(o barco bêbado na maré) mas sobraram nossos pés
sujos e o gosto do sangue nas mãos
e só

já vi tudo sei de tudo como tudo ficaria eu sei


pensei por uns instantes que seríamos nós eu e você
mas a onda me engoliu
precisei de mais fôlego que os outros sei
ele está imóvel quase morto seu cheiro forte
me engolindo azucrinando aqui dentro aqui dentro e aqui dentro
a devoção
ai que o desejo é como reza é como esperma
o desejo é como pedra que não se lapida nunca e
nunca morre nunca estanca nunca finda (a maré)
nunca cessa nunca pára nunca pára nunca
a única verdade é que você tem fome
o resto eu invento
construo
aqui

já vi tudo e sabia como tudo ficaria


amanhã ele vai embora dizendo que meu beijo é bom
e que sou belo como o pôr do sol e que minhas mãos
lhe fazem bem (cozinho bem) e que meu pênis
está sempre aceso entre minhas pernas de avestruz

senti o funeral chegando e não me esquivei


senti o funeral chegando
senti o funeral chegando e não disse nada e não disse
não disse acende as velas todas e apaga a luz da
casa
moro perto do inferno e o inferno mora em mim
ele tem cheiro de peixe de mar frio e elegante ele tem
ele tem sabor de fruta uma madureza bruta
(o deseja é pedra que não se lapida nunca)
fosse algoz o horizonte mas o medo era grande de
verdade e os carinhos nos traziam para a praia
novamente
ó, dai-me água e dai-me amor que conseguiremos
mas tudo era mais perigoso
ó, faz por mim o que faço por ti
as sílabas ecoando

(preciso de um verniz algo que entorpeça e


tenha um cheiro forte e que me expulse dessa febre
esse desejo essa coisa que me engole e aprisiona)

ele disse que se o mundo fosse outro e nele a


esperança habitasse ele poderia por vontade
entregar a mim o que quero quero quero de verdade
(as amêndoas adoecem tudo em mim
e as maçãs marrons do rosto me dão sempre isso
aqui – o dedo aponta a flacidez do peito imundo)
pensei que fosse de verdade o beijo e
pensei que fosse de verdade o fogo que
emanava
da cintura para cima mas errei o alvo escuro
e caí no poço fundo do desejo e do escárnio
é porque minha nuca está cansada e minhas ná-
degas ardem demais ele tenta se explicar

mas isso foi antes do amanhecer


já vendi carne já vendi revistas velhas já roubei
uns carros novos e já me dei de presente em
embrulho de natal mas hoje nada
nunca nunca de verdade
verei novamente aquele sorriso
que fotografei tão gravemente no banheiro de
azulejos marrons como a pele e de teto branco
qual
os dentes?

posso mudar tudo o que desejo


posso tudo
ele tenta se explicar
me afogo jamais
trago em mim as artimanhas e me faço vivo
obrigado
eu devotado
obrigado
cuide você do seu inferno (eu devotado)
/que vontade de pegar aquela boca e enfiar
em minhas palmas/lambi minha saliva que escorria
e limpei meu sangue
quem pensava o meu coração defunto se enganou
infelizmente enganou-se de verdade e/

ele tem cuidado


e me trata com carinho mas
ele partirá
ele partirá
me deixando aqui
parasita aqui – e nada
nada ainda nada
ainda que traga o futuro de volta
nada que seja remédio
que estanque esse vício, ai
coçam minhas pernas minhas mãos coçam
minhas pernas que não sabem descansar jamais
jamais pensei que o fogo me alcançaria
e eu sem pílulas nem nada aqui
relaxando sem amônia nem jasmim
pensei que conseguiria mas acho que não
acreditei no caminho errado e pedalei
até o sol (a expressão do rosto antes do coito)
aí errei demais – otimista demais a canção
aquele rapaz que tinha que era que foi
aquele rapaz

a criança de roupas coloridas


e um pênis entre as pernas: o genocídio
a criança diz: – não, obrigado, já engoli o bastante por hoje

meu amor socorreu as ondas todas


com o esgoto em seu sorriso e
outras coisas como a celebração contida
a ejaculação nas escadarias e a língua arrogante
entre as pernas nas virilhas no pescoço entre
os dentes entre os dentes amarelos e
nos mamilos marrons

a crina selvagem do rapaz de olhos castanhos


a crina selvagem do rapaz e eu lutando contra
a crina selvagem do rapaz de olhos castanhos
– a prece revolta:

sufocando sufocando (agora eu) sufocando sob


as ondas que se movem sem nenhuma precisão
o que poderia eu fazer, senhor, o que diabos
eu poderia fazer, caralho, de verdade
nada nada nada
nada até a margem que é seu lugar, criança
(a voz saída da maré e a ventania) nada até
ai e eu sufocando sob as ondas que se movem
sem nenhuma precisão:

funciono como narciso e você como o espelho


funcionamos bem assim

peço um segredo e você me dá um copo d´água


dizendo: olha dentro e bebe a água: empresto à
ti as doenças que temias mas que trago aqui comigo
dividiremos nossas mazelas e nosso amor

eu digo sim claro concordo põe enfia a doença


aqui em minhas veias em meus olhos minhas
nádegas talvez põe a morte onde quiser
(um sorriso contido e a frase: ficaremos nus)

eu disse sim e me joguei nu de sapatos


em punho dizendo gritando berrando proclamando
quem era o rapaz que dominava por instantes minha
alma morta e minha solidez minha acidez minha
paixão as algas em minha boca
doença todas as algas, é o que quero dizer
ai, ai minhas costas mudaram de cor
e meu sabor é outro agora
ai, ai amor
é muito difícil entender tudo
desse momento até o futuro
nascemos para perder, ele disse
eu sei, amor, sei disso sim, ai, ai, sei disso sim
posso arrastar como um furacão as chaminés
e os quintais posso berrar como acauã a noite toda e
muito mais: posso atirar contra os bufões e arremessar
toda a minha dor, meu bem, toda a minha dor
em você caso te encontre nascemos, ai
nascemos sim (o sorriso feroz e a fala) deixa o dia
amanhecer e partiremos, caso tenhas coragem e disse sei
repeti sei repeti e gaguejei sei sei sei sei sei sei sei sei sei
porque nada posso além disso posso nada
e você sabe amor
ai, sabe sim

as mãos tremem rebeldes e os lábios mudos


e inertes como as costas e cansados como os pés
a insegurança do meu amor levou-o
para longe e eu fiquei aqui
ele fingiu me detestar
e partiu, explico
partiu para bem longe daqui
você me deixou desnudo e me abandonou,
ele disse

você me deixou desnudo e me abandonou

penso que, por sorte, nunca tem inverno aqui


nunca tem inverno aqui nessa porra de lugar
(por sorte agora) e não vestirei preto nunca mais
(por sorte agora) as ondas voltam a me engolir
fazem de mim o que desejam e me afogam
na sua oliva e na sua dor – eu
deixo tudo
deixo tudo me atingir e sufocar
lembrando das cicatrizes e de como era bom
lambe-las ou ainda do cheiro constante de mar
que seus lábios me emprestavam sempre
lembrando das cores fortes de suas roupas e
do cheiro forte que elas traziam sempre
lembrar do dia onde o céu foi negro e triste, ai,
e seus olhos eram roxos

(o sangue havia cessado)

sua voz ecoando docemente e suas mãos

a roxidão translúcida de seus olhos e


minha palidez: somos assim, eu e você, amor
nunca esquecerei
o tempo passa rápido
nunca esquecerei
a roxidão translúcida de seus olhos e
minha palidez: somos assim amor (você dizendo)
somos assim

mas isso foi antes do amanhecer


1.
k

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