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Geografias, Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais

De 07 a 10 de outubro de 2013

A "TEORIA COMO CAIXA DE FERRAMENTAS": REFLEXÕES SOBRE O USO


DOS CONCEITOS NA PESQUISA EM GEOGRAFIA

VALTER DO CARMO CRUZ1

1. Introdução

Na aventura de fazer pesquisa, nos deparamos com algumas dificuldades e


obstáculos que às vezes nos impedem de avançarmos na produção do conhecimento. Uma
dessas dificuldades bastante comum entre os jovens pesquisadores, mas também
compartilhada por pesquisadores mais experientes, é a forma de lidar com a teoria e com o
conceito numa pesquisa. Desse modo, é bastante rotineiro encontrarmos, graduandos,
mestrandos e doutorandos angustiados por encontrar o conceito mais adequado aos seus
problemas e projetos de pesquisa.
Se esse quadro é comum a toda atividade de pesquisa, no campo disciplinar da
geografia assume cores e tons mais dramáticos, pois há ainda muita ambigüidade e
confusão no que se refere ao papel da teoria e dos conceitos como ferramentas intelectuais
para ler o mundo em nossa disciplina. O passado da geografia como uma ciência
essencialmente empiricista, que não valorizava o papel da teoria e do conceito na produção
do conhecimento, nos deixou como legado e herança uma grande dificuldade metodológica
para trabalharmos com os conceitos.
Assim, o uso do conceito torna-se uma tarefa quase exotérica, o que resulta em
duas atitudes distintas por parte dos geógrafos: a primeira é fazer do conceito apenas uma
espécie de ornamentação, algo que tem apenas o valor decorativo, desse modo, afirmando
o caráter empiricista da geografia. De outro lado, há uma espécie de superinflação de
reflexões epistemológicas e teóricas abstratas, onde o conceito torna-se uma espécie de
fetiche, que se torna um fim em si mesmo.
O que precisamos é construir uma forma alternativa de uso dos conceitos,
trabalhar as teorias e os conceitos como um dispositivo, uma "caixa de ferramenta" que
funcionam como alavancas que nos permitem pensar o mundo e suas problemáticas. Essa
visão é bem definida pelo filósofo Gilles Deleuze quando este afirma:
Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si
mesma. Se não há pessoas para utilizá−la, a começar pelo próprio teórico

1
Geógrafo, Doutor em Geografia e Professor do departamento e do Programa de Pós-graduação em
Geografia da Universidade Federal Fluminense- UFF. Email:valterdocarmocruz@hotmail.com

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que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento
ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem−se outras; há outras a
serem feitas. E curioso que seja um autor que é considerado um puro
intelectual, Proust, que o tenha dito tão claramente: tratem meus livros como
óculos dirigidos para fora e se eles não lhes servem, consigam outros,
encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um
instrumento de combate. (Gilles Deleuze, 1972 p. 71).

A citação acima é uma contundente afirmação de Deleuze retirada de um


famoso diálogo entre ele e Foucault sobre o papel do intelectual e da teoria no final dos
1960. Em sua intervenção Gilles Deleuze aponta para uma forma muito particular de
compreensão do papel da teoria e dos conceitos para o pensamento/ação. Segundo o
filósofo francês devemos tratar a teoria e os conceitos de maneira pragmática e
instrumental, nessa perspectiva, a teoria e os conceitos devem ser concebidos como
instrumentos, ferramentas, dispositivos que só ganham sentido no seu uso, no seu
funcionamento e não como algo que contenha um valor em si que se auto-justifique.
É a partir dessa perspectiva pragmática do uso das teorias e dos conceitos como
“caixa de ferramentas” que vamos esboçar uma proposta metodológica para operarmos com
os conceitos, pois, compreendemos o ato de fazer pesquisa como uma espécie de
“artesanato intelectual” que exige criação, esforço, repetição, paciência para que possa ser
construído e que não tem receitas prontas, formas e moldes acabados, é sempre uma
construção singular.O pesquisador como artesão intelectual, como qualquer trabalhador,
precisa de instrumentos, de ferramentas (teorias e conceitos) para realizar sua ação, essas
ferramentas podem ser adquiridas, emprestadas, aperfeiçoadas, deformadas e até
“roubadas” de outros autores2, assim como podem ser criadas, inventadas de acordo com
os problemas e questões enfrentadas por cada um na sua labuta de pesquisar. É preciso
encontrar outro modo de lidar com as teorias e os conceitos, de torná-los efetivamente uma
“caixa de ferramentas”. Eis o que faremos a partir de agora.

2. Sobre a natureza do conceito.

2
Roubar aqui nada tem a ver com o plágio, a cópia, desonestidade intelectual, segundo Gallo (2008,
p 75-6) para Deleuze, o ato de criar em filosofia é uma espécie de roubo, na medida em que cada
filósofo entra em contato com o pensamento dos outros, mergulha em seus campos problemáticos e
apropria-se de seus conceitos. Mas, uma tal apropriação, que é o próprio aprendizado, significa uma
re-criação, uma vez que os conceitos são deslocados de seu campo problemático para um outro
campo, o daquele que faz a experiência do pensamento próprio. Neste sentido, o roubo é o contrário
do plágio; plagiar é repetir, é fazer como, é imitar, é copiar. Roubar é repetir fazendo a diferença, é
fazer como inventando um novo jeito de se fazer, é inventar de novo.

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A geografia como qualquer campo disciplinar construiu ao longo de seu percurso


uma grande variedade de teorias, conceitos e categorias analíticas, mas há um razoável
consenso de que existem algumas categorias estruturantes desse campo científico: o
espaço, a paisagem, a região, o território, o lugar e, mais recentemente, poderíamos incluir
também o conceito de rede. Esses são considerados pela comunidade como aqueles que
conferem uma relativa identidade a geografia como ciência.Mas qual desses conceitos usar
nas pesquisas? Espaço, paisagem, território, região lugar ou rede? Quais as especificidades
e as diferenças entre esses conceitos? Qual desses é o mais adequado para o meu
problema de pesquisa? Que diferenças implicam em termos de análise da realidade sócio-
espacial escolher um desses conceitos ao invés de outro?
Esses são apenas alguns das perguntas e alguns dos questionamentos que
como fantasmas assombram os pesquisadores se deparam com o dilema de escolher os
conceitos mais adequados para realização de suas pesquisas, mas essa tarefa não é
simples, e torna-se muitas vezes uma empreitada angustiante devido à falta de clareza
sobre a natureza dos conceitos e suas especificidades como ferramentas analíticas.O uso
de um ou de outro desses conceitos nas pesquisas nem sempre é claramente justificada e a
distinção entre esses também carregam muitas ambiguidades, dificultando, muitas vezes,
sua operacionalidade. É como se muitas vezes a definição e o uso de um conceito fosse
uma decisão de fórum íntimo do pesquisador, apenas uma escolha de gosto, e não de uma
opção teórico-metodológica, aliás, não raro os conceitos ganham uma autonomia se
desvinculando de pressupostos teórico-metodológicos mais amplos, como se fosse possível
o uso do conceito isolado de uma teoria e de um método.
O ponto de partida para uma reflexão sobre o conceito é nos interrogarmos
sobre qual sua a natureza. Ontológica ou epistemológica? Por exemplo, qual a natureza das
diferenças entre conceitos como espaço, território e lugar? Quando falamos em conceitos
como espaço, território e lugar não há muito clareza sobre a natureza das semelhanças,
diferenças e especificidades entre esses conceitos. Normalmente o tratamento dessa
relação (proximidade, vizinhança, semelhança, mas também distanciamento, distinção e
contraste)entre esses conceitos é marcado por muita confusão, pois corriqueiramente não
há muita clareza se essas distinções são de natureza ontológica (no nível concreto da
realidade) ou epistemológica (no plano analítico, diferentes planos de análise e a partir de
bases teórico-metodológicas distintas).
A diferença é ontológica ou epistemológica? O caminho mais comum tem sido
uma distinção ontológica, os conceitos são vistos como se esses existissem como entidades

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"reais" uma completamente distinta e externas umas das outras. Mas há também posições
que afirmam que os conceitos são construções intelectuais, instrumentos analíticos que
distinguem uns dos outros no plano epistemológico e nada tem haver diferenças "reais" no
nível ontológico. Essa ambiguidade requer uma maior clareza de qual é a natureza do
conceito, pois grande parte dessa ambiguidade é fruto da falta de clareza e passa pela
própria forma como a natureza do conceito foi pensando historicamente pelas diferentes
correntes do pensamento filosófico.
Segundo Haesbaert (2009) ao longo do percurso histórico, encontramos
posições que se estende no interior de um amplo continuum que vai desde a posição
estritamente realista até aquelas completamente idealistas.
O conceito, ao longo da história, se estende no interior de um amplo
continuum que vai desde a posição estritamente realista de alguns que o
consideram como um retrato fiel da "realidade" e que, ao ser enunciado,
parece carregar consigo o próprio "real", até, no outro extremo, a posição
idealista em que o conceito não passa de um instrumento, uma técnica, um
"operacionalizador" que não tem outro compromisso senão o de servir ao
pesquisador enquanto instrumento de análise (HAESBAERT, 2009: 96).

Ainda segundo Haesbaert (2009) na Geografia os espectros dessas posições


assumem seus extremos muito claramente no que se refere ao conceito de região. É bem
conhecido o contraponto entre a visão de "um certo" La Blache empirista objetivo, cuja
"região-personagem" aparecia inscrita na própria morfologia da paisagem, e um Hartshorne
idealista, depois "radicalizado" por posturas neopositivistas que viam a região como simples
"classificação de áreas", totalmente variável, portanto, conforme o critério adotado pelo
pesquisador. Neste último caso, longe da visão idealista objetiva que vê no conceito um
"reflexo" do real, trata-se de um idealismo subjetivo que restringe o valor do conceito ao
próprio universo do sujeito pesquisador (HAESBAERT, 2009: 97).
Essas duas posturas extremas são pouco promissoras, precisamos
compreender que o conceito é construção social, isso implica em nos afastarmos do
positivismo empirista que analisa o conceito como simples formas de divisão e taxonomia do
real, como se este fosse pré-existente e exterior a linguagem e a representação,
conseqüente tem sua significação independente de qualquer ato de conceituação. Mas o
fato de consideramos o conceito uma construção social isso não significa que esse possa
ser uma escolha totalmente arbitrária, especialmente em ciências sociais, onde há um
compromisso dos conceitos com referenciais empíricos. Mas levar em conta a "realidade" e
os problemas reais não significa voltar a um empirismo positivista, pois a construção de
qualquer conceito implica numa operação onde o vetor é sempre do racional para o real.

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Neste sentido, segundo Haesbaert (2009) o conceito nunca pode ser confundido
com o "real" ou com o "empírico", pois eles nunca serão a mesma coisa -- por isso, mais
queuma "re-apresentação" diferenciadora do "real", o conceito é um instrumento, uma"medi-
ação" (no sentido concomitante de "meio-ação") a que recorremos para sua compreensão,
mas que nunca se restringe, de modo algum, a este caráter "mediador" ou de"meio", já que
o conceito também, sempre, acaba por acionar, "fundar" realidades.(HAESBAERT,
2009:97).
Assim, o conceito não deve ser procurado, pois não está ai para ser
encontrado. O conceito não é uma "entidade metafísica", ou um "operador
lógico", ou uma "representação mental". O conceito é um dispositivo, uma
ferramenta, algo que é inventado, criado, produzido, a partir de condições
dadas e opera no âmbito mesmo destas condições. O conceito é dispositivo
que faz pensar, que permite, de novo, pensar. O que significa dizer que o
conceito não indica, não aponta uma suposto verdade, o que paralisaria o
pensamento; ao contrário, o conceito é justamente aquilo que nos põe a
pensar. Se o conceito é produto, ele é também produtor: produtor de novos
pensamentos, produtor de novos conceitos; e, sobretudo, produtor de
acontecimentos, na medida em que é o conceito que recorta o
acontecimento, que o torna possível (GALLO, 2008: 43).

Nessa perspectiva Deleuziana exposto por Gallo (2008) o conceito é


considerado como uma ferramenta, um dispositivo, algo que funciona. Assim, precisamos
considerar o seu funcionamento como um dipositivo com suas características
inerentes.Segundo Deleuze os dispositivos são um espécie de novelos marcados por um
emaranhado de linhas, pontos e curvas. As principais linhas de um dispositivo são: as linhas
de visibilidade/enunciação, as linhas de força e linhas de objetivação . Num diálogo com
essa formulação inspirada na filosofia deleuziana poderíamos dizer que todo conceito possui
uma linha de visibilidade/linha de enunciação, uma linha de força e uma linha de
objetivação, sendo essa configuração que dá especificidade a cada conceito.

2.1-Linhas de visibilidade/ linhas de enunciação

As linhas de visibilidade e as linhas de enunciação e o que nos permitem ver e


falar, essas linhas criam regimes visibilidades e dizibilidades que incidem sobre a realidade
criando o visível e o invisível ou que é enunciável e o que não é. Cada conceito produz uma
linha, um regime de luz que ilumina de um certo modo a superfície do real, dando forma,
contorno, maior nitidez e resolução a certos aspectos, dimensões e fenômenos da realidade,
do mesmo modo que produzem uma contraluz, penumbras e sombras que obscurecem,
secundarizam outros elementos da realidade. Do mesmo modo que cada conceito cria uma
nova linha, um novo regime de enunciação, que torna possível, que justifica, legitima, mas

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também interdita e que exclui determinados modos de falar, narrar sobre determinados
aspectos e determinadas problemáticas a realidade. Assim, cada conceito inaugura novas
capacidades perceptivas, novas sensibilidades frutos das novas linhas de visibilidade e
enunciação que cada conceito inaugura quando é criado, inventado ou usado .
Assim, por exemplo, quando falamos que o conceito de território tem como foco
fundamental a questão do poder e da política e que o conceito de lugar nos permite fazer
uma leitura que tem como foco a dimensão da experiência vivida, do cotidiano, a dimensão
mais poética, sensível e subjetiva da dimensão espacial, o que estamos indicando são os
diferentes regimes de luz e de enunciação que cada conceito inaugura sobre a realidade
sócio-espacial, estamos falando das linhas de luz e de enunciação de cada conceito, aquilo
que permite vermos e falarmos de certos aspectos da realidade num primeiro plano e
secundarizarmos outro. No conceito de território o poder e a política estão o foco das linhas
de luz e de enunciação, em contrapartida a experiência sensível e poética está nas sombras
e penumbras do conceito, já no conceito de lugar aquilo que apreendido com alto grau de
resolução é muito mais uma poética do espaço do que a política do espaço, as questões
que envolvem o poder e conflito estão nas sombras e penumbras das linhas de luz do
conceito de lugar.
As linhas de visibilidade e de enunciação é que criam e instaram a
especificidade contrastante entre os conceitos, pois, nas zonas de penumbra os conceitos e
seus problemas se aproximam e se ordenam com semelhanças, assim, por exemplo,
quando olhamos a linhas de luz e enunciação entre as principais conceituações de território
e lugar há uma clara diferença entre o foco desses conceitos, mas quando olhamos para o
aspecto periférico de cada conceito, nas suas zonas de sombra vemos elementos que se
assemelham como, por exemplo, da questão do pertencimento e da identidade que tanto um
quanto outro conceito recobre parcialmente.

2.2.Linhas de força

Mas, os conceitos são se resumem as linhas de visibilidade/enunciação, não se


restringem a esse jogo de presenças e ausências, de falas e silêncios que as linhas de luz e
enunciação produzem, não são uma simples operação ópticas, são também relações de
força e poder, os conceitos criam linhas de força que rasgam o caos do real, instituindo
realidades, classificando, hierarquizando visões e di-visões do mundo social. Os conceitos
não são somente descritivos ou reveladores do mundo e da realidade, mas eles são

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também constitutivos e produtores do mundo e da realidade. Isso implica em ver os


conceitos como ferramentas analíticas, mas também como dispositivos ético-político de
intervenção no mundo. Neste sentido, ao produzirmos ou ao usarmos um determinado
conceito não estaremos realizando uma mera operação cognitiva, mas ao mesmo tempo
uma ação epistêmica ética e política.
Assim, o fato de que o conceito de território ter seu foco, sua linha de luz e
enunciação sobre o fenômeno do poder, dominação/resistência/conflito e colocar na sombra
e penumbra outros elementos como dimensão da experiência mais subjetiva e sensível das
práticas sócio-espaciais tem implicações éticas e políticas concretas, do mesmo modo que o
regime de luz que o conceito de lugar lança sobre o real permite chegarmos à densidade e
espessura existencial do viver, também tem claras implicações éticas e políticas. Seguindo
esse raciocínio parece pertinente a formulação de Gallo (2008) quando afirma que:
(...) a criação de conceitos é uma forma de transformar o mundo; os
conceitos são as ferramentas que permitem ao filósofo criar um mundo à
sua maneira. Por outro lado, os conceitos podem ainda ser armas para a
ação de outros, filósofos ou não, que dispõem deles para fazer a crítica do
mundo, para instaurar outros mundos. (...)Que não se faça uma leitura
idealista do conceito: não se trata de afirmar que é uma idéia (conceito) que
funda a realidade; num sentido completamente outro, o conceito é imanente
à realidade, brota dela e serve justamente para fazê-la compreensível. É por
isso que o conceito pode ser ferramenta tanto de conservação como de
transformação. O conceito é sempre uma intervenção no mundo, seja para
conservá-lo, seja para mudá-lo. (GALLO, 2008 p. 35-36).

2.3.Linhas de objetivação

Assim as linhas de luz e de força criam as linhas de objetivação que são uma
espécie de lente de objetivação, lente para ver o mundo, instaurando uma forma especifica
de compreensão e intervenção no mundo, ou melhor, dizendo uma forma de compreensão-
intervenção no mundo. Essas linhas de visibilidade/enunciação/força/objetivação remetem
diretamente a questão dos problemas ou campo de problematizações de onde um conceito
emerge e também ao solo epistemológico/teórico/metodológico que o sustenta.

3. Pressupostos metodológicos para se trabalhar com conceitos

Para trabalharmos metodologicamente com um conceito é necessário


aprofundarmos pelo menos cinco questões que revelam a natureza e as propriedades dos

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conceitos3. a) A primeira envolve a relação entre os conceitos e problemas ou entre a


criação de conceitos e o campo de problematizações que dá sentido à existência de um
conceito. b) A segunda refere-se à relação entre o conceito e o plano de imanência ou o
solo nepistemológico/campo teórico-metodológico a partir do qual ele opera. c) A terceira
questão envolve a natureza complexa e heterogênea do conceito; d) A quarta está
relacionada com o caráter assinado de cada conceito, com o locus de enunciação de cada
conceito; e) E, por fim, a última questão se refere à dimensão histórica de um conceito, a
relação entre a historicidade, validade e legitimidade de uma criação conceitual.

3.1. Relação entre conceito e problema/campo de problematização

O que leva um autor a formular, produzir, criar um conceito? Ou ainda o que nós
faz escolhermos trabalhar, usar um conceito e não outro na realização de nossas
pesquisas? Essas questões implicam em perguntar sobre a razão da existência dos
conceitos. Deleuze e Guattari (1992) nos apontam um caminho fundamental, para
respondermos a essas questões, para esses autores todo conceito só pode ser
compreendido a partir do problema ou do campo de problematizações no qual foi criado e
formulado, pois, todo conceito é criado e formulado a luz de problemas específicos,
problemas estes que podem ser reformulados e recolocados de maneiras diferentes ao
longo da história. Gondar (2005:13) inspirada em Deleuze afirma que "um conceito não
surge do nada, e tampouco é um ápice de uma história linear, cujo progresso ou o
aperfeiçoamento exige a sua definição, como se ele existisse em larva desde o inicio dos
tempos". Para a autora o conceito é uma tentativa de responder a um feixe de problemas
que se constrói, de maneira contingente, em um determinado momento, em outros termos,
"um conceito não surge do aprimoramento das idéias, mas da emergência de um campo
problemático que exige novas categorias do pensamento que lhe façam face". Assim, o ato
da criação dos conceitos está diretamente ligado a questões e problemas aos quais se
supõe que eles respondam.

3
Nossas reflexões estão diretamente inspiradas nas formulações de Deleuze e Guattari(1991) e nos
comentários de Gallo (2007) sobre a obra desses filósofos. Contudo, trata-se de um diálogo livre, de
uma apropriação “bárbara” das ideias, uma leitura assinada, pois os autores localizam suas reflexões
sobre o conceito, exclusivamente, no campo da filosofia, único domínio, segundo os autores, em que,
de fato, criam-se e inventam-se conceitos.

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Portanto, qualquer conceito só pode ser compreendido a luz dos problemas ou


do campo de problematizações no qual um referido conceito foi criado e inventado. Assim,
cabe perguntar quais problemas ou campo de problematizações estão ligados aos conceitos
criados no campo da geografia? Conceitos como espaço, território, lugar a que problemas
querem responder? É o problema subjacente a cada conceito que vai definir o foco analítico
do conceito, as linhas de visibilidade/enunciação, as linhas de força e as linhas de
objetivação. Assim, mesmo que os conceitos de espaço, lugar e território se aproximem,
tenham semelhanças, pois todos têm um objetivo comum que é nos ajudar a fazeruma
leitura das espacialidade/ou geograficidade do social, os problemas, as questões que cada
desses conceitos nos permitem visualizar e tratar são distintas por conta dos problemas
diferentes que cada conceito buscar responder.

3.2.A relação entre conceito e plano de imanência/ solo epistemológico

Não podemos tomar os conceitos como elementos isolados, pois eles estão
envolvidos em uma atmosfera mais ampla, os conceitos são criados partir de um solo
epistemológico/teórico/metodológico específico, todo conceito traz as marcas desse plano.
Cada conceito é uma tentativa de dar conta de questões especificas construídas num
determinado momento histórico, a partir de um solo epistemológico e de um campo teórico-
metodológico próprio, pois todo conceito está localizado, ele brota de um solo
epistemológico específico a partir do qual é formulado o problema que ele supõe responder,
isso implica que todo conceito opera a partir de um campo teórico-metodológico específico e
é a partir dessas referências que os conceitos nos permitem fazer uma leitura-intervenção
singular no mundo.
Quando nos itens anteriores falávamos que os conceitos de território e lugar
tinham linhas de luz, linhas de força e linhas de objetivação distintas e portando implicavam
em diferentes leituras da espacialidade /geograficidade do social, estávamos falando que
tais conceitos respondiam a questões e problemas distintos, estes problemas também foram
formulados a partir de solos epistemológicos e campos teórico-metodológicos distintos, são
planos de imanência que rasgam o caos do real de maneira diferentes inaugurando
horizontes e possibilidade singulares de compreensão-intervenção no mundo.
Assim, por exemplo, faz diferença se um conceito como o de lugar é construído
a partir do solo epistemológico da fenomenologia (Geografia humanista) ou do materialismo
histórico (geografia marxista) ou ainda a partir do pós-estruturalismo (Geografia pós-

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moderna). Do mesmo modo, também podemos dizer que fazer uma leitura do conceito de
Território a partir de uma perspectiva semiótica (Geografia cultural) é bem diferente do que
fazer uma leitura do território a partir de uma abordagem do materialismo histórico
(Geografia marxista) ou de uma abordagem pós-estrututalista do território.

3.3. A relação entre conceito e complexidade/multiplicidade

Segundo Deleuze e Guattari (1992: p.27) não há conceito simples, todo conceito
é complexo, pois "todo conceito tem componentes, e se define por eles. Tem, portanto uma
cifra. Todo conceito tem um contorno irregular, definido pela cifra de seus componentes".
Assim, não há conceito construído a partir de único elemento, todo conceito é uma
multiplicidade "formado por componentes e define-se por eles; claro que totaliza seus
componentes ao constituir-se, mas é sempre um todo fragmentado, como um caleidoscópio,
em que a multiplicidade gera novas totalidades provisórias a cada golpe de mão"
(Gallo,2008).
Neste sentido, podemos entender que o conceito é uma questão de articulação,
corte e superposição, o conceito é um momento, um ponto de coincidência, de articulação e
condensação de vários elementos lógicos e históricos, criando uma configuração
singular.Entende-se, portanto, que um conceito nunca é criado do nada, mas, sim, de uma
multiplicidade de situações; é resultante de uma heterogênese de cruzamentos de
problemas, outros conceitos e acontecimentos.Neste sentido, todo conceito só ganha
sentido a partir do conjunto de outros conceitos, a partir de conjunto de relações e inter-
relações entre elementos e conceitos, construindo redes, teias, constelações e planos
conceituais. Sobre essa ordenação, conexão e inter-relação entre os conceitos no mesmo
plano de Deleuze e Guattari (1992) afirmam:
(...) os conceitos se acomodam uns aos outros, superpõem-se uns aos
outros, coordenam seus contornos, compõem seus respectivos problemas,
pertencem à mesma filosofia, mesmo se têm histórias diferentes. Com
efeito, todo conceito, tendo um número finito de componentes, bifurcará
sobre outros conceitos, compostos de outra maneira, mas que constituem
outras regiões do mesmo plano, que respondem a problemas conectáveis,
participam de uma co-criação. Um conceito não exige somente um
problema sob o qual remaneja ou substitui conceitos precedentes, mas uma
encruzilhada de problemas em que se alia a outros conceitos coexistentes
(Deleuze e Guattari 1992: p.30)

Neste sentido, para compreensão de um determinado conceito e, sobretudo,


para sua operacionalização é preciso entender os conceitos e sua complexidade e sua
condição relacional, suas relações de proximidade, vizinhança, semelhança, intersecções,
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sobreposições, mas também seus distanciamentos, distinções, contraste e diferenciações


em pelo menos em três níveis: no plano externo, interno e derivativo.
Neste sentido, ao trabalharmos com um conceito é fundamental buscarmos
traçar as coordenadas relacionais no plano externo desse conceito em relação ao seu
campo, por exemplo, ao trabalhamos com o conceito de território precisamos localizá-lo na
relação com os outros conceitos estruturantes do campo disciplinar da geografia como é o
caso dos conceitos de espaço, lugar, paisagem, região, rede etc. mostrando suas relações,
suas interseções, suas sobreposições e suas diferenciações contrastantes, enfim, suas
especificidades.
Já no que se refere ao plano interno precisamos analisar os elementos
conceituais, os conceitos que compõe o conceito território, pois segundo Gallo (2007) todo
conceito é o ponto de coincidência, de condensação, de convergência de seus componentes
que permitem uma significação singular, um mundo possível, em meio à multiplicidade de
possibilidades. Neste mesmo sentido, Deleuze e Guattari (1992:30) afirmam que:

É próprio do conceito tornar os componentes inseparáveis nele: distintos,


heterogêneos e todavia não separáveis, tal é o estatuto dos componentes,
ou o que define a consistência do conceito, sua endo-consistência. É que
cada componente distinto apresenta um recobrimento parcial, uma zona de
vizinhança ou um limite de indiscernibilidade com outro. (...) São estas
zonas, limites ou devires, esta inseparabilidade, que definem a consistência
interior do conceito.

Assim, para entendermos um conceito como de território precisamos explicitar as


definições e articulações que dão a configuração a este conceito, precisamos discutir os
elementos conceituais que dão consistência interna ao conceito de território tais como:
política, poder, ação, conflito, antagonismos, estratégia, tática, disciplina controle domínio,
apropriação etc.
Mas para além plano externo e interno que dão consistência e identidade ao
conceito ainda e necessário levar em conta o plano derivativo em que está envolvido o
conceito. Neste sentido, precisamos compreender os conceitos derivados, aqueles que
surgem a partir de um conceito central e nuclear construindo uma família, uma rede
conceitual que normalmente é mobilizada no seu conjunto, seguindo o nosso exemplo do
conceito de território podemos identificar uma família de conceitos derivados desse conceito
nuclear: territorialidade, territorialização, des-territorialização, re-territorioalização, identidade
territorial, direito territorial; justiça territorial etc.

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3.4.A relação entre conceito e locus de enunciação

Todo conceito é assinado, os conceitos são situado historicamente


pelas"marcas" e pela "assinatura" dos seus autores; Segundo Gallo (2008) todo conceito
énecessariamente assinado; cada autor, ao criar um conceito, ressignifica um termo da
língua com um sentido propriamente seu. A assinatura remete ao estilo filosófico de cada
um, à forma particular de pensar e de escrever. Assim, a criação de conceitos é uma
espécie de "assinatura do mundo": cada autor assina o mundo à sua maneira, por meio dos
conceitos que cria.
Mas entendemos que a "marca" e a "assinatura" dos autores no conceito está
para além do estilo filosófico e de sua singularidade como escritor, essas marcas tem a ver
também com a condição social, a situação e localização geo-histórica e bio-política dos
"sujeitos-autores" ou, seja, do lócus de enunciação de onde fala o autor que cria um
conceito. De onde falam os autores que formulam os diferentes conceitos na geografia?
Falam a partir de que contexto histórico-geográfico? A partir de que cultura e de que língua?
De que pontos de vista de Classe, raça e gênero? De que forma Essas diferentes formas de
localização social, geo-hitórica , geo-política e bio-política afetam, influenciam nas diferentes
formulações dos conceitos em geografia?

3.5.A relação entre conceito e historicidade

Todo conceito tem uma história. Entender a historicidade de um conceito


significa entender que ele é construído num momento histórico especifico a partir de
problemas também específicos, além disso, todos os conceitos são marcados por acúmulos,
heranças e continuidades dentro de um campo disciplinar, e de uma tradição teórica, mas
também por rupturas, descontinuidades e sobressaltos. Ainda devemos lembrar a radical
historicidade dos conceitos pela sua capacidade de duração e longevidade ou pela sua
defasagem e superação, pois os conceitos têm sua validade, capacidade de
operacionalização analítica e legitimidade política e ideológica exposta ao movimento da
história que aprofunda, redefine, re-significa ou supera-os.

4-Referências Bibliográficas

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Geografias, Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais
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