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AFRICANA NO BRASIL
Wagner Luíz de Almeida¹
José Luis Oliveira de Paula²
RESUMO
Trataremos, no presente estudo, de algumas das explicações
mais usuais para o fenômeno da adoção da escravidão africana
no Brasil a partir da segunda metade do século XVI, enfatizando
aquelas que privilegiam as discussões sobre as causas
superestruturais deste processo.
Posteriormente, faremos pequena referência a uma das formas
alternativas de resistência ao cativeiro, amplamente usada pelos
escravos africanos no Brasil, a negociação.
Palavras-chave: História do Brasil, Escravidão Africana,
Resistência.
SUMMARY
We will deal with in the present study to some the explanations
most usual for the phenomenon of the adoption of the African
slavery in Brazil from the second half of century XVI,
emphasizing those that privilege the argue on the super
structural aspects of this process. Later, we will make reference
to small one reference of the alternative forms of resistance to
the captivity, widely used for the African slaves in Brazil, the
negotiation.
Keywords: Brazil’s History, African slaver, resistance
INTRODUÇÃO
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economia brasileira durante toda a sua história
colonial: a pecuária, o algodão, a produção de alimentos para o
consumo interno, um complexo sistema de crédito e agiotagem.
Tudo isto nos passaria despercebido se, de acordo com a escola
do “sentido da colonização”, concebêssemos a monocultura
assentada nas plantations como sendo o agente regulador da
vida social e econômica no Brasil-colônia.
Por fim, quando queremos ter em mente a escravidão,
relação de trabalho que vigorou em nosso país por quase
quatrocentos anos, estamos nos remetendo a um passado
riquíssimo. Rico na concepção plena do termo, nas relações
sociais, no sincretismo religioso e na fusão cultural, tão presente
em nosso dia-a-dia.
Ao escravismo coube o mérito de ter sido um dos
elementos aglutinadores de três povos distintos (índios,
portugueses e africanos) que dariam, mais tarde, à cultura
brasileira traços singulares, como bem demonstra o livro de
Giberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933). A leitura
imprescindível desta obra nos atenta para o fato de que o
período colonial da história brasileira dificilmente poderá ser
compreendido satisfatoriamente sem se levar em conta os
fatores culturais e ideológicos do Brasil daquela época.
Ao priorizarmos somente as questões relacionadas à
economia ou à luta de classes, como almejam alguns
pesquisadores sociais alinhados à doutrina do materialismo-
histórico, teoria empírica sistematizada por Karl Marx (1818-
1883) e Friedrich Engels (1820-1895), segundo a qual a matéria
constitui propriamente o fundamento da realidade, corremos o
risco de estarmos menosprezando uma parte significativa dessa
história, uma vez que a vida na sociedade colonial brasileira foi
sem sombra de dúvidas muito mais complexa do que teriam
demonstrado muitos destes pesquisadores . Escravos e senhores
não eram e nem podiam ser movidos apenas por interesses
imediatos, de ordem material, como veremos mais adiante.
Estudar e entender este passado riquíssimo, cremos, é tomar
conhecimento de parte do que aconteceu com aqueles
indivíduos: índios, portugueses e africanos; homens e mulheres,
livres ou cativos, ao longo da nossa história.
O que implica, inevitavelmente, em irmos mais além 253
do contato com nomes e datas ou de esquemas generalizantes
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Em todo o período medieval, as disputas territoriais e
religiosas entre cristãos e bárbaros, demonstraram ser um
importante estímulo à manutenção das práticas escravistas
herdadas da Antigüidade. Na Europa do século XII, Tomás de
Aquino baseou-se nas idéias aristotélicas para formular uma
doutrina filosófica que tentava conciliar a fé cristã à razão
(Tomismo). O clero fundamentado nesta doutrina declarava a
escravidão dos povos bárbaros e infiéis (muçulmanos, asiáticos,
etc.) legítima.
Segundo os preceitos católicos da época todos aqueles
que se opusessem à fé cristã deveriam ser combatidos,
subjugados e convertidos compulsoriamente. Assim, o ato de
difusão da ideologia cristã era visto durante toda a Idade Média
como um propósito divino, uma missão a ser cumprida pelos
povos da Europa-ocidental (cristã) a qualquer custo.
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Vejamos agora com mais detalhes como as nações
ibéricas vieram implantar o sistema escravista em suas colônias
do Atlântico.
Logo após o período histórico comumente designado
de Grandes Navegações, época dos grandes descobrimentos
marítimos, era comum se dizer nas cortes européias que quem
não colonizasse suas terras além-mar não seria dono das
mesmas, por isso, lusitanos e castelhanos logo se apressaram em
garantir a posse de suas colônias na América por meio do
povoamento.
Portugal e Espanha, donos de vastíssimos territórios
recém encontrados, então se viram diante de um enorme
problema: como ocupar suas terras? Para os espanhóis esta
questão seria solucionada com muito mais rapidez graças ao
numeroso contingente populacional de autóctones que
habitavam seus territórios, as relações de produção já evoluídas
existentes entre os mesmos e a descoberta precoce de metais
preciosos que logo atraiu milhares de aventureiros para o Novo
Mundo.
Já a coroa lusitana, há tempos, vinha correndo sérios
riscos de perder sua colônia americana para diversas nações
inimigas, mais notadamente a França, que não se conformava
com o Tratado de Tordesilhas e, por isso, seus navios visitavam
freqüentemente nosso território para negociar pau-brasil e
produtos nativos diretamente com as tribos indígenas do litoral.
A coroa francesa alegou por muito tempo o princípio do uti
possidetis que determinava que só a ocupação efetiva do lugar
garantia o direito de propriedade.
Portugal que sofria um enorme déficit populacional
causado pela peste negra (século XIV) e pelas batalhas pela
reconquista de parte de seus territórios na península Ibérica,
durante muito tempo ocupados pelos mouros, não dispunha de
um número suficiente de colonos para enviar ao Brasil-colônia.
Além disso, havia o medo de que a abundância de terras aqui
existentes funcionasse como um estímulo para que os homens
livres vindos da Europa se tornassem pequenos proprietários
autônomos, voltando os seus esforços exclusivamente para a
constituição de lavouras de subsistência ou que visassem o
comércio local, o que, fatalmente, impulsionaria a economia 257
colonial rumo à auto-suficiência administrativa-econômica.
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impulsionada por ela.
O Brasil-colônia, em pouco tempo, se tornou o maior
produtor mundial de açúcar, tendo sua produção como pano de
fundo, toda uma gama de atividades ditas “secundárias” mas de
vital importância para o próprio sucesso da lavoura canavieira,
porém, como já dissemos antes, Portugal não dispunha de
colonos na quantidade necessária e nem podia enviá-los a
“Deus-dará” para matar a fome de braços trabalhadores da
colônia. A saída mais cômoda e econômica encontrada foi
então a adoção imediata de regimes que empregassem a mão-
de-obra dos nativos aqui encontrados através do trabalho
compulsório ou semicompulsório.
Portugal possuía vasta experiência na pratica do
escravismo. Desde as suas origens, os lusitanos valiam-se do
regime escravista para remediar a baixa densidade demográfica
e a conseqüente falta de mão-de-obra causada por ela,
principalmente na sua região setentrional.
ESCRAVIZANDO O NATIVO
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do que ocorrera na América Portuguesa, a escravidão
indígena na parte castelhana do continente somente em poucos
casos regionais foi superada pela escravidão africana.
Até a pouco tempo, muitos historiadores sequer
mencionavam a escravidão nativa em seus trabalhos. Outros
alegavam que um dos motivos da substituição do escravo nativo
pelo africano, no Brasil-colônia, por volta de 1550, teria sido
uma conseqüência direta de uma suposta "indisposição natural"
do índio brasileiro ao trabalho regular.
Atualmente, este raciocínio é objeto de
questionamentos. Tachar o nativo como um ser preguiçoso e
inadaptável ao trabalho, mesmo sendo este compulsório, é
julgá-lo de modo etnocêntrico, tendo como base os mesmos
valores e concepções do colonizador europeu.
Sheila de Castro Faria chega a citar que: "Em Sergipe do
Conde, por exemplo, grande engenho da Bahia, mais de 90%
dos escravos eram índios, em 1572." (FARIA, 1997, p.33) Quase
um século depois, em 1637, o bandeirante Pedro Teixeira
aprisionava milhares de índios na região do Amazonas para
vendê-los nas prósperas lavouras de algodão maranhenses.
Baseando-se nestes exemplos e em muitos outros,
pode-se concluir que a substituição do escravo nativo pelo
africano no Brasil-colônia não pode ser explicada,
satisfatoriamente, por meio da tese já ultrapassada da
inadaptação do índio ao trabalho, uma vez que os nativos
brasileiros sempre foram escravizados ao longo de toda a nossa
história colonial.
Ciro Flamarion Santana Cardoso enumera vários
obstáculos à escravidão indígena e que, para ele foram
determinantes para a "preferência" do africano como escravo.
O CLERO E A ESCRAVIDÃO
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Para os jesuítas, os africanos deveriam ser gratos aos
lusitanos, por terem esses lhes dado aquela oportunidade de
"purificarem" suas almas através do cristianismo. Observemos
como esse raciocínio está claramente expresso no sermão
décimo quarto do padre Antônio Vieira: “Oh se a gente preta
tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera
bem quanto deve a Deus, e a sua santíssima Mãe por este que
pode parecer desterro, cativeiro, e desgraça, e não é senão
milagre, e grande milagre!” . (VIEIRA, 1907, p.47)
Cientes também da necessidade de trabalhadores, sem
os quais a colônia passaria caso a escravidão não fosse mantida,
como já na época, advertia o jesuíta Antonil: “Os escravos são as
mãos e pés do senhor de engenho. Sem eles no Brasil é
impossível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter
engenho.” ( ANTONIL, 1955, p. 47), os membros da
Companhia de Jesus logo se valeram de todo o aparato
ideológico cristão-medieval para apoiarem a escravidão
africana nas terras brasileiras.
É possível termos a dimensão do quanto era importante
essa opinião do clero. Basta lembrarmos que a Igreja Católica foi
à detentora do monopólio educacional durante o período
colonial brasileiro e que pensar diferente do clero era
considerado uma heresia. Toda a vida na colônia era assim
organizada e regida, tendo como parâmetros de referência os
ensinamentos e dogmas daqueles religiosos que não se furtavam
diante da necessidade de interferirem na realidade social e
política da colônia sempre que julgavam ser preciso.
Para que entendamos de forma clara e abrangente
todos os aspectos que envolveram a transição da escravidão
indígena para a escravidão africana no Brasil, é preciso que
também notemos estes fatores ideológicos e religiosos tão
fundamentais para aquele acontecimento.
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mesmo nos setores pecuários e de produção de
alimentos destinados ao consumo interno da colônia.
Ainda sobre o tráfico negreiro, uma outra afirmação
muito presente nos livros didáticos brasileiros propõe que a
escravidão indígena foi, aos poucos, sendo abandonada no
Brasil, devido ao fato de o apresamento e escravização do nativo
ser um negócio interno-colonial e que, portanto, não gerava
lucros à burguesia portuguesa, ao passo que o comércio
intercontinental de africanos possibilitava o enriquecimento
daquela aristocracia residente na metrópole e ligada
diretamente à atividade do tráfico negreiro.
A pesquisa minuciosa de nossa economia colonial, feita
pelo historiador João Fragoso (1992) , baseada na análise de
inventários pós-mortem compreendidos num período de
cinqüenta anos (1770-1820) da história brasileira, como
diversos outros estudos, confirma a fragilidade deste argumento,
demonstrando o caráter endógeno-colonial do tráfico de
escravos africanos para o Brasil-colônia.
A RESISTÊNCIA AO SISTEMA
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pedir licença. ( REIS; SILVA, 1989, p.123-124)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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apenas de maneira parcial por muitos destes
pesquisadores, por isso, foi nossa intenção neste artigo
demonstrar que a vinda dos escravos africanos para o Brasil-
colônia, a partir do século XVI, foi parte de um processo
complexo e abrangente que não poderá ser analisado,
satisfatoriamente, através de um único viés, seja ele o
econômico (materialismo-histórico), o político ou ainda o
cultural-religioso.
Ao nosso ver, a necessidade de a coroa lusitana tomar
posse efetiva da sua colônia na América através do povoamento,
durante o século XVI, associada às dificuldades de se implantar
um sistema produtivo rentável baseado unicamente na servidão
indígena (população nativa pouco numerosa, resistência,
epidemias e oposição jesuíta), já anteriormente discutidas,
constituíram juntas um imperativo para que a falta dos
trabalhadores exigidos pela lavoura, fosse suprida pela
introdução da mão-de-obra escrava de origem africana no
Brasil-colônia. Cremos por tanto na múltipla casualidade
(política, demográfica, cultural-religiosa e econômica) deste
fenômeno.
Nossa conclusão teve como fundamento uma pesquisa
bibliográfica, durante a qual foram consultados diversos trabalhos
relacionados com o tema da escravidão indígena e africana no
Brasil-colônia. Com mais destaque àqueles produzidos nas
décadas de 1980 e 1990, que, apesar de representarem
atualmente a palavra mais recente em relação ao tema, não são
uma versão definitiva. Pois, “ Por mais que se creia Ter chegado a
verdade absoluta, é necessário que se admita que essa verdade é
sempre aproximativa e nunca total”(DAU; DAU, 2001, p.15) .
Não podemos nem devemos, portanto, esperar esquemas
generalizantes, frases feitas e nem verdades absolutas quando o
assunto é o estudo do passado e da história de um povo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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perspectiva. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
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