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São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

O CARNAVAL ESTÁ EM MARCHA


O ANTROPÓLOGO DAVID GRAEBER DEFENDE
QUE O CAPITALISMO SERÁ SUPERADO SEM
REVOLUÇÕES QUE TOMEM O CONTROLE DO
ESTADO E QUE A DEMOCRACIA MAJORITÁRIA É
INSEPARÁVEL DA VIOLÊNCIA ESTATAL

DAVID GRAEBER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ondas de desilusão sobre as possibilidades de mudança


social não são novidade. O século passado às vezes parece
uma contínua sucessão delas. Cada geração cresceu na
crença ingênua de que a tecnologia, o progresso ou a
dialética a catapultaria para um mundo melhor, somente para
ver essa esperança desmoronar (nas trincheiras da Primeira
Guerra Mundial, na Grande Depressão, no Holocausto, na
bomba...). Não está totalmente claro se hoje estamos no meio
de uma dessas ondas.
O colapso da fé nas mudanças revolucionárias após o
desmoronamento dos regimes marxistas foi seguido quase
imediatamente de uma nova onda de movimentos sociais
visionários, inspirados principalmente pelos zapatistas, que
efetivamente contiveram o neoliberalismo global. As elites
mundiais começaram a entrar em pânico e, como tendem a
fazer as elites globais quando entram em pânico, tentaram
iniciar uma guerra: uma tarefa nesse caso muito facilitada
pelo súbito ressurgimento, desafiando as velhas economias
do Atlântico Norte, de uma economia-mundo muito mais
antiga, baseada no oceano Índico, com seu candidato a avatar
político, Osama bin Laden. O resultado é, mais que qualquer
outra coisa, um momento de confusão.
O que estamos presenciando é definitivamente uma desilusão
sobre as possibilidades de se mudar o mundo tomando o
controle do Estado. Mas parece-me que esse é realmente um
sinal positivo, e que de fato estamos vivendo um momento
muito esperançoso. Porque a antiga estratégia de mudar o
mundo apoderando-se do Estado -que em última análise não
passa de um mecanismo de violência- sempre foi
criticamente defeituosa. Existem motivos pelos quais um dia
ela pode ter parecido realista. Mas nunca poderia funcionar
realmente.
Filósofos liberais tendem a aparecer
nessas conjunturas com novas
razões pelas quais é impossível uma
verdadeira transformação radical.
Os filósofos liberais são artistas do
desespero

O fato de os revolucionários e os reformadores sociais a


estarem abandonando amplamente abrirá, em última
instância, um mundo de possibilidades. Ele nos permite, por
um lado, repensar completamente o que entendemos pelo
termo "democracia".
Para chegar a esse ponto, porém, precisamos imaginar uma
maneira de nos livrarmos dos argumentos dos filósofos
liberais, que tendem a aparecer nessas conjunturas com
novas razões pelas quais é impossível uma verdadeira
transformação radical. Isso não é tão difícil, na verdade. Os
filósofos liberais são artistas do desespero. Muitas vezes
parece que sua própria existência é uma tentativa de elucidar
o que um marxista à moda antiga chamaria de contradição
social: a existência de um grande grupo de classe média
razoavelmente confortável que, coletivamente, adota
princípios sociais -igualdade, liberdade, justiça social- que,
se levados a suas conclusões lógicas, implicariam que a
sociedade precisa mudar de maneiras muito fundamentais.
Sua tarefa, ao que parece, é apresentar constantemente novos
motivos pelos quais esses princípios não poderiam ou não
deveriam ser levados a suas conclusões lógicas. Pelo menos
parece haver um mercado permanente para esse tipo de
argumento. Na verdade, é tão forte a demanda que os
próprios argumentos não precisam fazer muito sentido
lógico. Às vezes parece que quase qualquer coisa serve. Nas
décadas de 1980 e 90, por exemplo, muitas pessoas
consideradas inteligentes nas universidades começaram a
adotar avidamente teorias que afirmavam que o reformismo
liberal -buscar uma melhor situação para as minorias e os
grupos de identidade marginalizados, celebrar estilos de vida
subversivos etc.- era na realidade a coisa mais radical que se
poderia fazer, muito mais radical do que, por exemplo, algo
que pudesse contestar o capitalismo ou o Estado (essa
posição foi chamada de "pós-modernismo"). Hoje em dia
isso finalmente está começando a parecer um pouco tolo,
especialmente depois da insurreição global contra o
neoliberalismo, por isso a nova tendência é argumentar
exatamente o contrário.
Quando para os pós-modernos não havia mais grandes
sistemas totalitários e tudo estava reduzido a fluxos e
fragmentos (e todos deveríamos ignorar a interminável
expansão do mercado mundial, o maior e mais totalitário
sistema da história mundial, que naquela época tentava
subjugar absolutamente tudo), agora o argumento tornou-se
precisamente o oposto. O capitalismo é um enorme sistema
totalitário que subjuga tudo o que toca. Portanto, não adianta
tentar combatê-lo.

Os argumentos de Heath
A última versão desse argumento foi apresentada
recentemente pelos filósofos canadenses Joseph Heath e
Andrew Potter. É a seguinte: o capitalismo é invencível
porque qualquer meio que você empregue para contestá-lo -
uma nova subcultura subversiva, alguma nova forma de
rebelião jovem, um movimento social revolucionário, uma
tentativa de desenvolver um sistema alternativo de troca- é
em última instância apenas mais um estratagema de
marketing. Os capitalistas vão simplesmente apanhá-lo e
vendê-lo de volta para você.
Na verdade, o capitalismo precisa de rebelião para se
reproduzir. Por isso, eles afirmam, tudo isso simplesmente
faz parte da própria lógica interna do capitalismo. Portanto,
vamos apenas esquecer as tentativas de contestar o sistema.
É melhor operar dentro dele, pedir a seus representantes
políticos para limitar os piores abusos, empregar incentivos
de mercado para encorajar as corporações a não poluir tanto
e assim por diante. Você sequer conseguirá isso se minar
seus esforços fazendo exigências radicais em excesso.
O argumento é perfeitamente circular. Ele define princípios a
partir de sua conclusão. Se o capitalismo nunca poderá ser
derrotado, então, sim, todos os movimentos anticapitalistas
estão em última instância destinados a serem reabsorvidos
pela lógica do capitalismo. Se o capitalismo é um sistema
total cuja lógica abrange tudo, então, é verdade, qualquer
coisa que pareça se opor a ele é somente mais um aspecto do
capitalismo. Mas apenas dizer isso não prova nada.
Na verdade, argumentos como esse invariavelmente
começam a parecer ridículos no momento em que são
colocados em algum tipo de perspectiva histórica maior.
Deixe-me dar um exemplo revelador.
Os camponeses da Europa medieval costumavam realizar
grandes festas carnavalescas em que zombavam de seus
superiores feudais e encenavam fantasias elaboradas de uma
terra sem reis ou senhores, onde eles podiam se fartar com a
abundância de comida e bebida. Isso certamente parece
muito subversivo. Os teóricos sociais, porém, há muito
afirmam que na verdade não é. Realmente, tudo faz parte do
sistema feudal -uma maneira de deixar os camponeses
liberarem energia, brincar de rebelião, se desintoxicar, de
modo a serem mais capazes de voltar a sua vida rotineira de
labuta.
Muitas pessoas usavam esse argumento já na época (uma
grande parte do motivo pelo qual os senhores aceitavam esse
tipo de coisa). É basicamente o mesmo argumento de Heath e
Potter: como o feudalismo é um sistema totalitário que
sempre existirá, esses atos de rebeldia realmente são apenas
uma parte de sua própria lógica interna. O problema é que o
feudalismo não existe mais.

Revoltas camponesas
Na verdade, se reexaminarmos os registros, descobriremos
que praticamente todas as grandes revoltas camponesas na
história européia começaram durante o carnaval (o Primeiro
de Maio era o equivalente inglês -e é por isso que hoje é o o
feriado internacional dos trabalhadores; as rebeliões
populares na Inglaterra quase sempre irromperam no
primeiro de maio). É verdade que as revoltas reais tenderam
a ser reprimidas com grande brutalidade, mas tiveram um
papel importante para produzir o mundo de hoje -no qual os
descendentes daqueles camponeses europeus realmente
vivem em um mundo sem reis ou senhores, em que eles
podem se fartar com uma abundância aparentemente infinita
de comida e bebida (mas, obviamente, chegar a isso
acarretou certos problemas imprevistos).
Então o capitalismo está destinado a seguir o caminho do
feudalismo (ou como quisermos chamar hoje o sistema
medieval)?
Parece inevitável.
Veja como aqueles que afirmam o contrário, que o
capitalismo sempre existirá, quase nunca nos dizem
exatamente o que eles pensam sobre o capitalismo.
Geralmente há uma razão para isso. Geralmente eles só
podem defender sua tese alternando constantemente entre
definições completamente contraditórias.
Por exemplo: muitas vezes ouvimos o argumento de que o
capitalismo existe há 5.000 anos e que, portanto, é tolice
queixar-se da existência do McDonald's ou Starbucks ou
outras óbvias emanações do capitalismo. Se você definir o
capitalismo como, digamos, "pessoas ricas usando seu
dinheiro para ganhar mais dinheiro", então certamente pode
afirmar que ele existe há muito tempo. Mas nesse caso você
também teria de admitir que o capitalismo conseguiu existir
por pelo menos 4.950 anos sem criar algo remotamente
parecido com uma franquia de lanchonetes.
Usar esse argumento para considerar esse fato como
inevitável parece muito estranho. Mesmo fazer uma versão
mais sofisticada desse argumento -digamos, definir o
capitalismo como um sistema mundial em que a economia
global é dominada por financistas e industriais privados
movidos pela necessidade de continuamente expandir suas
operações e conquistar lucros sempre maiores- e dizer que
portanto o capitalismo existe desde 1492, ou talvez 1750,
também significaria que uma economia mundial capitalista
ainda pode encontrar espaço para fenômenos como o Império
Otomano, a União Soviética ou as elaboradas redes de troca
de porcos na Papua Nova Guiné. Em outras palavras, quase
qualquer coisa. Ainda há espaço para experiências sociais.
Alternativamente, se definirmos o capitalismo como um uma
vasta máquina movida por enormes corporações e consumo
de massa determinado a abraçar todo o globo, então
estaremos lidando com uma criatura que existe em uma
parcela minúscula, quase infinitesimal, da história mundial.
Honestamente: qual é a probabilidade de que um sistema que
existe há apenas algumas décadas dure pelo resto da história
humana? Realmente acreditamos que, se a China, por
exemplo, tornar-se a hegemonia global no final do século, o
mundo será conduzido exatamente da mesma maneira? Qual
a probabilidade de que daqui a 50 ou cem anos o mundo seja
dirigido por corporações maciças empregando trabalhadores
assalariados, vendendo seus produtos por meio de redes de
consumo e envolvidas numa expansão interminável em busca
de lucros?
Colocada nesses termos, a pergunta torna-se óbvia. A
questão não é se o capitalismo em sua forma atual será
substituído. A questão é pelo quê: uma forma diferente de
capitalismo? Um sistema totalmente novo? Um conjunto
heterogêneo de sistemas econômicos? E, é claro, alguma
coisa que substitua o capitalismo será melhor ou ainda mais
catastrófica para a maioria da população mundial? Ao insistir
que o capitalismo em sua forma atual é o fim da história,
estamos efetivamente nos excluindo do que provavelmente
será uma das mais importantes conversas na história humana.
O que é a democracia?
"Todo mundo ama a democracia. Todo mundo odeia o
governo. Anarquismo: isso é exatamente democracia sem
governo" -"The Crimethinc Collective".
Neste ponto posso voltar à minha tese principal.
O motivo pelo qual considero este momento particularmente
esperançoso é que os revolucionários e até os reformistas
sociais começaram a perceber que não é possível realizar
seus objetivos tomando o controle do Estado. Grande parte
da frustração dos últimos anos veio da percepção de que, se
desafiarmos o capitalismo tentando dominar o governo,
provavelmente terminaremos (como colocou recentemente
meu amigo Andrej Grubacic) como [Jean-Bertrand] Aristide
[presidente deposto do Haiti], como [Fidel] Castro ou como
Lula -derrubado, presidindo apesar de si mesmo algum tipo
de horrível Estado policial, ou sendo obrigado a abandonar
quase todos os princípios que o inspiraram a tentar se eleger.

A questão não é se o capitalismo em


sua forma atual será substituído. A
questão é pelo quê: uma forma
diferente de capitalismo? Um
sistema totalmente novo?

É por isso que o movimento por justiça global foi iniciado


principalmente por grupos que rejeitavam explicitamente a
idéia de tomar o governo, e em vez disso se apoiavam em
idéias desenvolvidas na tradição anarquista -auto-
organização, associação voluntária, ajuda mútua-, mesmo
que apenas raramente usassem a palavra "anarquista" (a
preferência era geralmente por: horizontalidade, autonomia,
associativismo, autogestão, zapatismo... Mas, como diria a
maioria dos anarquistas, os rótulos não importam). Nos
últimos anos, muitos sentiram-se encorajados por seu próprio
sucesso a buscar o poder, ou pelo menos a começar a
trabalhar com os que o buscam. Os resultados foram
ambivalentes, para dizer o mínimo.
Há bons motivos para isso. Se há um grande tema no
movimento por justiça global, é a reinvenção da democracia.
Os Estados, porém, nunca podem ser genuinamente
democráticos, e as pessoas estão começando a percebê-lo.
Para compreender o que quero dizer seria útil voltar aos
revolucionários do século 18 que criaram os primeiros
modelos do que hoje chamamos de constituições
"democráticas". Todos eles eram abertamente hostis à
democracia, que entendiam como algo nas linhas da antiga
Atenas, em que a comunidade como um todo toma suas
decisões por meio de debates em assembléias públicas. Eles
tendiam a ver Atenas como um exemplo de regime da turba.
Os federalistas norte-americanos também foram explícitos ao
insistir que com a verdadeira democracia seria impossível
sustentar o aparato de força necessário para manter as
grandes desigualdades de propriedade. Eles adotaram como
modelo a "constituição mista" da República Romana, que
combinava elementos de monarquia (um presidente),
aristocracia (o senado) e alguns elementos democráticos
limitados.
O que tornou tudo isso possível, é claro, foi a idéia
relativamente nova de representação política. Originalmente,
os representantes populares eram na verdade embaixadores,
que "representavam" os interesses do povo diante do
soberano. Sob as novas constituições republicanas, os
poderes do soberano passaram aos próprios deputados, que
governavam em nome do povo.
Foi somente quando a franquia se estendeu mais
amplamente, nas décadas de 1830 e 40, candidatos populistas
na França e nos Estados Unidos começaram a ganhar
eleições chamando-se de "democratas" e seus adversários
foram obrigados a imitá-los, que as repúblicas foram
rebatizadas de "democracias". O fato de as elites políticas
terem sido obrigadas a mudar a terminologia é testemunho
do poder persistente da idéia democrática: que pessoas livres
deveriam governar seus próprios assuntos. Mas foi
exatamente isso: uma mudança de terminologia, e não de
forma. Como os conservadores norte-americanos às vezes
ainda apontam: os EUA não são uma democracia, são uma
república.
Mesmo as maiores conquistas da forma de governo
republicana se baseiam na supressão do autogoverno
popular: os princípios de liberdade de expressão e liberdade
de reunião, por exemplo, só se tornaram direitos sagrados e
inalienáveis no exato momento em que se estabeleceu que a
expressão e a reunião públicas não seriam meios reais para se
tomar decisões políticas, mas no máximo meios de protestar
contra decisões tomadas pelos governantes.
De fato, a própria idéia de um "Estado democrático" sempre
foi uma espécie de contradição em termos. "Democracia"
refere-se a um sistema em que "o povo", seja como for
definido, governa seus próprios assuntos. Um Estado é um
aparato de coerção sistemática destinado a obrigar as pessoas
a obedecerem ordens sob a ameaça de violência. Elementos
de ambos podem no máximo existir em uma proximidade
desconfortável, mas nunca misturar-se. Mesmo nos Estados
mais democráticos, por exemplo, os mecanismos pelos quais
a violência é de fato exercida -polícia, tribunais, prisões-
operam sobre princípios completamente autoritários.
Se alguém chegar a sugerir que algum aspecto desse sistema
seja democratizado -digamos, permitindo que os júris
operem fora das ordens de juízes-, provavelmente receberia a
mesma reação horrorizada que alguém que propusesse uma
constituição democrática na época de Carlos Magno ou da
rainha Elizabeth. "Mas isso significaria o governo da turba!"
Como Michael Mann observou recentemente, os Estados
sempre parecem ter a necessidade de citar "o povo" em
tribunais e locais de execução, ou seja, no momento em que
infligem julgamento ou punição, para justificar seus atos.
Mas o povo não pode realmente ser envolvido. Ainda mais
porque nas repúblicas liberais nunca está muito claro quem é
realmente "o povo". Mann sugere que são exatamente os
esforços pragmáticos para elucidar essa contradição, usar o
aparato da violência para identificar e constituir um "povo",
que aqueles que sustentam esse aparato consideram dignos
de ser a fonte de sua autoridade, que no pior dos casos foi
responsável por pelo menos 60 milhões de assassinatos
somente no século 21.

A sociedade contra o voto


Então a nova idéia é voltar a algo semelhante à democracia
ateniense? Provavelmente não. Ou não exatamente. Se
examinarmos as comunidades ao redor do mundo que
administram seus próprios assuntos em uma base
relativamente igualitária -seja porque não há Estado ou
porque o Estado realmente não se importa com a
administração local-, descobrimos que essas comunidades
quase nunca usam o voto majoritário no estilo da Grécia
Antiga.
Quase invariavelmente elas têm algum tipo de processo de
consenso -todos os envolvidos na tomada de uma decisão,
mesmo que não gostem muito dela, têm de pelo menos
oferecer seu consentimento passivo. Isso realmente faz muito
sentido se não podemos -ou não desejamos- obrigar
fisicamente alguém a acatar a decisão do grupo. Porque é
muito mais fácil, em uma comunidade realmente igualitária,
descobrir o que a maioria das pessoas quer do que descobrir
como convencer a minoria a aceitar a decisão. A última coisa
que se deseja é realizar um concurso público em que a
minoria será vista publicamente como perdedora. Isso quase
certamente garantirá ressentimento e resistência.
O próprio voto majoritário parece ter nascido de uma
circunstância incomum: um sistema em que havia ao mesmo
tempo um ideal de que "o povo" devia tomar suas próprias
decisões e também um aparato de coerção capaz de impor
essas decisões a qualquer um que discordasse. A própria
Atenas foi uma espécie de anomalia histórica nesse sentido,
uma polis situada em algum lugar entre uma comunidade
tradicional autogovernante e um Estado real. (Vemos
vestígios dessas polis democráticas espalhados pelo mundo,
na Índia, na China e também no Oriente Médio, sempre nos
primórdios do registro histórico. Quase sempre elas foram
desprezadas pelos filósofos e poetas que são responsáveis
por preservar esse "registro histórico"; quase sempre elas
desapareceram em algumas centenas de anos e foram
substituídas por impérios, que duraram milênios. Esse é
incidentalmente um dos motivos pelos quais os argumentos
de que a democracia é de certa forma um produto da tradição
"ocidental" são tão ridículos.)
Na Grécia Antiga, a democracia era basicamente uma
instituição militar: como notou Aristóteles, as democracias
ocorriam nas cidades onde todos os homens adultos livres
estavam supostamente armados. Podemos ver claramente
como a lógica funcionava na "Anábasis" de Xenofonte, que
conta a história de um exército de mercenários gregos que de
repente se vê sem líder e perdido no meio da Pérsia. Eles
elegem novos oficiais e então realizam uma votação coletiva
para decidir o que farão. Em um caso como esse, mesmo que
a votação fosse 60/40, todos podiam ver o equilíbrio de
forças e o que aconteceria se as coisas realmente chegassem
a um conflito. Cada voto era, num sentido real, uma
conquista. Em outras palavras, essas foram formas mínimas,
muito cruas, de Estado, onde potencialmente não havia
distinção entre o aparato de tomada de decisões e o aparato
de coerção. O próprio eleitorado podia impor sua vontade.
Considerando tudo isso, é notável que o sistema raramente
tenha degenerado em guerra civil, mas não é de surpreender
que os revolucionários norte-americanos e franceses
suspeitassem dele. O sistema representativo que eles
inventaram era realmente apenas uma maneira de adotar uma
lógica parecida ao Estado burocrático moderno, em que o
aparato coercitivo foi entregue a especialistas.
O que temos hoje, então, é um mundo dividido entre uma
interminável sucessão de repúblicas. Algumas são mais
"democráticas" que outras, é claro: pelo menos no sentido de
que têm muito menor probabilidade de matar dissidentes e
maior probabilidade de permitir que os cidadãos
ocasionalmente escolham entre grupos diferentes de
potenciais governantes. (Quando poderes imperiais como os
Estados Unidos afirmam estar "disseminando a democracia",
por outro lado, tudo o que realmente querem dizer é que
desejam ver mais repúblicas com maior respeito pelo Estado
de direito, pelo menos na medida em que o direito seja
amistoso com os investidores estrangeiros.)
Assim como o capitalismo, as repúblicas desse tipo só
existem há um período muito curto do tempo histórico. Elas
não existirão para sempre. Certamente não existirão por tanto
tempo quanto as comunidades de pequena escala que
realmente se governam por consenso igualitário: estas
existem desde o início da história e continuam existindo
hoje, mesmo que escondidas em partes obscuras do globo.
O trabalho de criar alternativas genuinamente democráticas
apropriadas às condições modernas está apenas começando:
embora estejam ocorrendo esforços enormes, seja nos
"caracoles" de Chiapas, nas "asambleas" e fábricas ocupadas
da Argentina, nos conselhos de cidadãos norte-americanos,
ocupações e centros sociais da Itália, guetos da África do
Sul, ninhos de hackers de computador em toda parte e outras
brechas e fissuras na estrutura de poder mundial que
provavelmente ainda nem conhecemos. Parece-me que a
grande pergunta do dia é se um número significativo de
liberais, que afinal acreditam nos princípios de liberdade e
igualdade, eventualmente começarão a unir-se a eles ou se
continuarão buscando novas garantias de que nada que eles
façam realmente possa contribuir para um mundo
fundamentalmente melhor.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

Anarquista, Graeber foi desligado de


Yale
Professor do departamento de antropologia da Universidade
Yale (EUA) até maio deste ano, David Graeber, teórico do
anarquismo, é o centro de uma das principais celeumas da
vida acadêmica norte-americana atualmente. A renovação de
seu contrato foi negada no início de 2005, após dois dos
quatro anos do padrão para professor associado na
instituição, apesar de o antropólogo ter realizado todas as
suas obrigações no período.
A decisão, não explicada pelo conselho do departamento,
que votou secretamente pelo seu desligamento, acarretou
manifestações dentro da própria universidade mas também
em outros centros de excelência de ensino de antropologia,
como o da Universidade de Chicago, que é um dos mais
importantes na área, e o da London School of Economics
(LSE).
Intelectuais de peso, como Marshall Sahlins -o principal
especialista em antropologia econômica vivo- e Maurice
Bloch -professor da LSE, que se manifestou afirmando que
Graeber é "o melhor teórico da antropologia de sua geração
no mundo"- se juntaram a outros quase 4.000 assinantes de
uma petição on-line que apoia o pedido de Graeber para que
seu caso seja reavaliado. O abaixo-assinado virtual pode ser
encontrado no site www.petitiononline.com/graeber.
Em seu apelo, Graeber protesta contra o fato de não ter
havido nenhuma justificativa para a decisão, o que
normalmente é obrigatório pela política da instituição.
Questionada, a direção de Yale disse que as razões para a
negação para renovar o contrato não poderiam ser reveladas.
Conhecido por teses anarquistas, Graeber tem reputação
internacional como professor e pesquisador. É autor dos
livros "Fragments of an Anarchist Anthropology"
(Fragmentos de uma Antropologia Anarquista", Prickly
Paradigm Press) e "Toward an Anthropological Theory of
Value - The False Coin of Our Own Dreams" (Para uma
Teoria Antropológica do Valor - A Moeda Falsa de Nossos
Próprios Sonhos, Palgrave Macmillan), além de ter
publicado artigos em mais de 12 idiomas.

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