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A capacidade de metamorfosear a própria
vida: tecendo os fios da resiliência
Dirigiu-se então para eles, cabisbaixo, para lhes mostrar que
estava pronto para morrer. Foi então que viu seu reflexo na água:
o patinho feio se transformara num magnífico cisne branco...
(Hans Christian Andersen, autor de
O Patinho Feio, apud Cyrulnik, 2004, p. 2)
Aparentemente, é mais fácil concordar sobre o que resiliência não significa do que sobre
o que a palavra significa. Resiliência não é simplesmente o oposto de risco. Não é o
sinônimo de algum fator de proteção. Não é algo que desejamos apenas para alguns
adolescentes. (Slap, 2000)
Nos primeiros anos, a resiliência é fácil, todavia, frágil. Conforme as reações do meio, as
centelhas de resiliência poderão se apagar, se desviar ou se reforçar até se tornarem uma
sólida maneira de agir. (Cyrulnik, 2004, p. 164)
Uma característica básica de nosso reino humano é que nós vamos além do nível rudi-
mentar da percepção da experiência, quando interpretamos os eventos que nos cercam
em termos de conexões e relações... São as conexões ou relações entre os eventos que
constituem seu significado. (Crossley, 2000)
Pouco tempo após nascer e até o dia de sua morte, o ser humano procura conexões
entre fatos, pessoas e com o mundo. Esse aprendizado inicia-se nas narrativas contadas
pelas famílias e pela sociedade. Ao narrar as situações que vivencia, cada pessoa vai
constituindo-se através das histórias que ouviu e das que conta, frutos de seus
engajamentos, suas relações e suas conexões com o mundo (Crossley, 2000). A lingua-
gem é fundamental nesse processo, mas a narrativa passa também por outras fontes que
não apenas a linguagem verbal, como os gestos e os sentidos manifestos e ocultos pre-
sentes na interação humana.
Quando a narrativa que se pretende compreender é a da própria vida de um
indivíduo, e não a de fatos históricos sociais ou sobre a vida de outras pessoas, não se
consegue discernir entre os fatos, as emoções e as interpretações pela própria incapa-
cidade do indivíduo perceber-se objetivamente e holisticamente. Investigando adoles-
centes que cometeram atos infracionais e seus irmãos não-envolvidos nesse meio,
identificou-se que os primeiros tinham uma visão mais idealizada da família e uma
interpretação minimalista de eventos violentos ocorridos nesse núcleo primário. Por
vezes, a descrição de um mesmo fato em que ambos os irmãos participaram mostrava-
se muito distinta, indicando as diferentes inserções afetivas e materiais existentes
entre os membros de uma família, bem como a unicidade da visão individual de cada
um (Assis, 1999).
Este livro baseia-se na perspectiva da visão que os adolescentes têm sobre si
mesmos, construída a partir das relações estabelecidas ao longo dos poucos anos de
existência, sob a influência da família, da escola, da comunidade e também da mídia.
Essas instâncias vêm “contando” histórias que preenchem o imaginário e estabelecem
conexões culturais que propiciam à pessoa entrelaçar partes de sua história em uma
malha mais complexa e dotada de significado.
O estudo sobre a visão de si mesmo – self – tem sido apresentado por diferentes
tendências teóricas. As abordagens humanistas consideram que o self existe como
uma entidade que pode ser descoberta e descrita como qualquer objeto do mundo
natural ou físico. O construcionismo social, por sua vez, acredita que o self é tanto
externo (formas de comportamento) quanto interno, sendo construído através da
interconexão com as estruturas sociais (especialmente a linguagem). Outros conside-
ram o sentido que se tem de si de forma mais interacional, como uma atividade, um
processo que acontece através das ações, relações e conexões que se estabelecem com
os outros (Crossley, 2000).
RESILIÊNCIA: ENFATIZANDO A PROTEÇÃO DOS ADOLESCENTES 25
Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em
nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está queren-
do desabrochar de um modo ou de outro. (Clarice Lispector)1
Cada um de nós tem que contar sobre si para sua própria audiência, pois, ao explicar
sobre nós mesmos para os outros, nós estamos freqüentemente tentando também nos
convencer. (Carr, apud Wood, 1991, p. 165)
A PROPOSTA DO LIVRO
a) resolução de ações: leva os planos até o fim; lida com os problemas de alguma
forma; aceita os fatos sem muita preocupação; é disciplinado; raramente pensa
sobre o objetivo das coisas; faz as coisas um dia de cada vez; é uma pessoa
com quem se pode contar em uma emergência; geralmente encara uma si-
tuação de diversas maneiras; normalmente encontra uma saída quando está
em uma situação difícil; tem energia suficiente para fazer o que deve ser
feito;
b) valores: sente orgulho de ter realizado metas em sua vida; é amigo de si
mesmo; freqüentemente encontra motivos para rir; sua vida tem sentido;
c) independência e determinação: mantém interesse pelas coisas; se necessário,
pode estar por sua própria conta; sente-se bem ainda que haja pessoas que
não gostam dele; é determinado;
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NOTAS