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1. Mesa 2 do Colóquio ______ : Metodologias de pesquisa em psicanálise - Alfredo N.

Jerusalinsky, Christian Dunker, Rinaldo Voltolini.

Maria Eugênia

Christian Dunker
Vou fazer alguns comentários aproximativos à questão da metodologia em
psicanálise, parabenizando o pessoal que fez a montagem do congresso por esse título
“metodologias de pesquisa em psicanálise”. Esse título, por si só, já avança a questão para
além de uma espécie de compasso de espera onde o tema da metodologia da pesquisa em
psicanálise permaneceu durante muito tempo. Ou seja, a crença de que há um e somente
um método de pesquisa em psicanálise, o que sugere uma confusão entre o método
pesquisa e o método tratamento. Isso acabou servindo mais para deter o avanço da
criatividade metodológica do que fazê-la progredir. É sorte nossa que as pesquisas
avançaram assim mesmo, ou seja, estou apresentando a idéia de que a tradição de
pesquisa psicanalítica avançou mais que a própria reflexão sobre seu método.
Queria começar lembrando a vocês um ponto de partida bastante comum para esse
tema que é a definição de psicanálise apresentada por Freud no artigo Dois Verbetes de
Enciclopédia, de 1923, no qual ele define a psicanálise (1) como um método de investigação
de processos mentais, de outro modo quase inacessíveis, (2) um método baseado nessa
investigação para o tratamento de desordens neuróticas e (3) uma série de concepções
psicológicas adquiridas por esse meio, e que vão se juntando, umas às outras, para
formarem uma nova disciplina científica. Chama atenção, que nas três abordagens
definicionais sobre a psicanálise, Freud em duas delas emprega a noção de método. Bom,
mas aqui há um desdobramento: método de investigação e método de tratamento.
Duas acepções que a tradição psicanalítica vem enfatizando como coextensivas, ou
seja, não se separa método de investigação de método de tratamento. No entanto, essa
ênfase na não separação tem deixado de lado a pergunta sobre, enfim, qual é o tipo de
especificidade que se encontra no método de investigação e no método de tratamento e
quais as diferenças efetivas que existem entre um e outro. Em uma acepção mais genérica
se poderia considerar o próprio tratamento psicanalítico como uma espécie de pesquisa.
Como o professor Luis Carlos Nogueira costumava enfatizar: a pesquisa do inconsciente.
Então, essa relação entre psicanálise e pesquisa é uma relação inclusiva, ou seja, se trata de
pesquisa, ali onde se trata de psicanálise. Portanto, a oposição não é entre pesquisa e
clínica ou entre pesquisa e tratamento. Poderia-se argumentar que esta inclusão trivializa a
noção de pesquisa O médico também pesquisa os sintomas de seu paciente através de
exames, anamneses e observações clínicas, nem por isso há qualquer dificuldade em
distinguir o tratamento da pesquisa. Ocorre que na medicina, com exceção do misterioso
efeito placebo, jamais se supõe que a mera participação na pesquisa contenha em si
qualquer efeito terapêutico adicional. Aliás, é exatamente por isso que a pesquisa é
possível; tratamentos idênticos geram resultados idênticos e comparáveis entre si. O método
de investigação, pelo qual se executa esta comparação, é inteiramente diverso do método
pelo qual se investiga os sintomas do paciente. Ocorre que o método pelo qual a psicanálise
realiza sua investigação científica não é inteiramente diverso do método que ela põe em
curso nos tratamento. Ambos devem respondem ao critério fundamental da transferência.
Outro marco continuamente repetido para pensar a questão de método em psicanálise
é justamente essa separação, essas duas categorias que acabei de introduzir, que Lacan
apresenta em Proposição de 9 de outubro de 1967, mas agora para distinguir a psicanálise
em intensão, ou seja, a didática, o tratamento psicanalítico qualquer, e a psicanálise em
extensão, onde entra a presentificação da psicanálise no mundo, os interesses, a pesquisa, a
ideologia. Aqui se postulam três referentes para a abordagem da psicanálise em extensão,
no simbólico o Édipo, como único mito moderno; no imaginário, a identificação, e o no real a
segregação, que tem por horizonte o fenômeno dos campos de concentração.
Nesse argumento do Lacan a psicanálise em intensão e a psicanálise em extensão
estariam ligadas, ao modo de uma banda de Moebius, por um elemento conector que seria a
transferência. Comentando um pouco isso, me parece que essa é uma indicação não muito
boa para pensar a questão do método em psicanálise. Por três motivos:
Em primeiro lugar, é uma indicação temática, afirma, por exemplo, que o tema da
segregação, o tema do pai, o tema do complexo de Édipo ou da identificação definiriam um
campo de pesquisa. Ora, nenhuma indicação temática ela é suficiente pra gerar condições
de investigação metodológica. Nenhum método se define pelos temas aos quais ele se
aplica, essa é uma condição secundária, subsidiária. O tema não é o objeto. Em segundo
lugar, essa referência à psicanálise em extensão, parece ter por objeto o campo da cultura e
da sociedade. Aliás, todas as categorias que Lacan elege pra designar cada uma desses
subtipos da psicanálise em extensão, situam-se de forma disjuntiva entre cultura e
sociedade. Isso é muito interessante. Mas, de toda forma, leva a discussão para um caminho
que não contempla um aspecto fundamental do método de pesquisa em psicanálise. Esse
aspecto é a clínica. Ou seja, a confusão aqui é que clínica é nome de um método de
investigação, como por exemplo o método clínico de Piaget, mas clínica é também o nome
reduzido para a experiência do tratamento e para a sedimentação de certas regularidades
“clínicas” que via de regra designam a psicopatologia.
Clínica – e eu vou defender aqui essa idéia - é uma noção que ultrapassa a noção da
experiência do tratamento. Um dos motivos desse embaralhamento da questão de método
em psicanálise é a identificação irrefletida entre clínica e tratamento. Receber pacientes,
escutar pacientes, faz parte da clínica, mas a clínica é algo muito mais extenso – para
reempregar a noção de Lacan. Acho que essa sobreposição é equivocada, em primeiro lugar
porque a clínica é um dispositivo histórico que antecede a psicanálise, isso é textual em
Lacan. Há uma passagem em Psicanálise e suas Relações com a Realidade (1968) onde ele
diz: certamente a clínica antecede a psicanálise. Se a psicanálise acrescenta ou não algo ao
campo da clínica, ainda está em discussão, ainda não sabemos. Ou seja, a posição de
Lacan é hesitante em relação a esse ponto.
Então, o que devemos considerar por clínica? Acho que há duas conotações
principais. Primeira, o próprio tratamento, mas a segunda é pensá-la como um dispositivo, ou
seja, a clínica como uma espécie de estrutura que antecede a psicanálise e que, no entanto
a psicanálise subverte os elementos dessa estrutura, reinventa os elementos dessa
estrutura, sem abandonar essa estrutura como tal. Essa é uma idéia que eu vou colocar aqui
em discussão com vocês. Ou seja, do que era composta a clínica clássica? A clínica que, por
exemplo, Paul Bercherie descreveu, que Foucault examinou. Quais são seus elementos
irredutíveis? Aqui vou ser um tanto sumário. Há quatro elementos:
Primeiro lugar e antes de tudo há a semiologia. Uma palavra que deveria ter
despertado nossa atenção há mais tempo. Qualquer estudante de medicina, por onde é que
ele começa? Primeiro, segundo ano, aula de semiologia médica. Nós identificamos e
entregamos o termo, até pela sua origem histórica, ao campo da medicina. Ou seja, quem
fala de semiologia já está imerso no discurso, na ordem médica. Isso me parece
desnecessário. Primeiro, porque semiologia era exatamente a palavra pela qual Saussure
designava esse campo mais vasto de estudos sobre a linguagem no sentido não só da
linguagem verbal. Estudo dos signos, Semeion, signo. Portanto se a gente for apelar para o
argumento da precedência histórica, antes de se falar em semiologia médica, a gente teria
que falar em semiologia como parte da teoria geral da linguagem. É um pouco nessa chave
que Lacan faz uma subversão da semiologia. É isso que ele faz quando traz noções como
significante, significação, da lingüística saussuriana, ou de Jakobson para a psicanálise. É
isso que está em jogo em noções como traço, letra, alíngua. É exatamente nesse ponto que
se costuma levantar um argumento fácil: ah, não, o signo, o significante, em psicanálise não
é o mesmo da lingüística. Por que não é o mesmo da lingüística? Porque há justamente essa
operação de subversão. Mas aí fica fácil, porque no campo lacaniano isso foi um problema
explicitamente discutido. Há estudos comparativos sobre a deriva de conceitos, há
confrontações de toda espécie sobre a teoria psicanalítica do chiste e a teoria discursiva do
chiste, há toda sorte de combinações entre as ciências da linguagem, ou as filosofias da
linguagem e a psicanálise. Há diretórios de pesquisa, teses, revistas científicas,
departamentos inteiros da literatura comparada às ciências neurocognitivas, utilizando a
psicanálise da melhor e da pior maneira possível. Em suma, o que é isso, senão pesquisa? E
pesquisa no sentido mais trivial e normativo que se pode imaginar.
Se a gente olhar o nascimento da psicanálise a partir da experiência freudiana com
Charcot, com a clínica da virada do século XIX, vamos ver que justamente se tratava ali de
uma movimentação em torno da semiologia, a semiologia da histeria. Charcot era um mestre,
um re-inventor da semiologia da histeria. A psicanálise foi inventada nesse giro, e, no entanto
acontece que hoje simplesmente não temos em mente essa categoria como elemento da
clínica. Associamos a semiologia com semiologia médica, associamos semiologia como um
tipo de semiose, vamos dizer assim, que é essa que mantém uma relação estável entre
signo e seu referente. Por quê? Porque semiologia médica está amparada e definida por um
olhar, não pela escuta. Um olhar cujo referente é o corpo. Olhar cujo referente está
determinado pela anatomopatologia. Aí outro ponto de subversão fundante da clínica
psicanalítica. Não é uma recusa da clínica, mas é uma recusa da clínica definida enquanto
clínica do olhar, portanto, se trata de reinvenção da semiologia. O que de fato a psicanálise
fez, historicamente, mesmo sem saber ou sem nomear assim sua prática de pesquisa. Tipos
de transferência, modos de defesa, formas de relação de objeto, modalidades de gozo. O
que é isso senão semiologia da escuta?
Argumento semelhante se poderia apontar para os outros três elementos que
compõem a estrutura da clínica, ou seja, a diagnóstica, a etiologia e a terapêutica. Ou seja,
se pensamos a noção de etiologia, e indexamos esta à ordem, médica, a etiologia se
transforma em quê? Numa certa apreensão da noção de causalidade linear, etc, etc. Estava
escutando o Domingos falar aqui no final da mesa anterior. O que define radicalmente a
metapsicologia psicanalítica desse ponto de vista? Uma nova teoria da causalidade. Antes
de pensar o sujeito, antes de pensar a própria linguagem, há que se tomar por referência
esse grande problema que é a causalidade em psicanálise. A noção de sobredeterminação
em Freud, séries complementares, ou tiquê e automaton em Lacan, isso aí atravessa a
psicanálise de ponta a ponta. Pode-se até reinventar uma ontologia para a psicanálise que
substitua a noção de causa por outra qualquer, não importa, ainda assim se tratará de
etiologia. Voltando a essa chave: etiologia não nos interessa. Porque etiologia é uma palavra
que está na medicina, pertence a esse território, então não vamos discutir isso. Mesmo que
Freud tenha escrito sete artigos sobre isso, vamos “esquecer” que um significante vale por
sua articulação e que sua valência é flutuante, pois neste caso o significante “etiologia” tem
um dono e seu uso vai nos comprometer com o pior.
Mas nós estamos discutindo isso, a partir de uma clínica subvertida, porque no fundo
a noção de etiologia em medicina é o que? É a expressão de um tipo de raciocínio que é o
raciocínio causal. A diagnóstica é um outro campo onde fica clara essa estratégia de
subversão empregada pela psicanálise. O Freud não inventa quadros. Aliás, o único quadro
que ele propõe, a parafrenia, é um fracasso. Então o que ele faz? Ele trabalha com a noção
de histeria, de neurose obsessiva, de esquizofrenia etc. Tudo bem, tem as neuroses
narcísicas também, mas que acabaram determinando uma confusão difícil de precisar. Ou
seja, se olhamos para o campo da diagnóstica, que vai muito além do diagnóstico, do ato de
conferir um nome para a coisa, o que temos é exatamente essa espécie de redescrição, de
reapropriação, marcada pelo que eu chamo aqui de subversão que a psicanálise faz em
relação a clinica clássica.
Eu digo isso porque entendo que estamos em uma posição muito interessante em
relação à medicina contemporânea, medicina baseada em evidências, pra dar uma
indexação pra coisa. Pelo seguinte: a clínica clássica está morrendo, está desaparecendo.
Hoje o que se faz em psiquiatria não é propriamente isso que eu estou apresentando a
vocês, isso que Foucault descreveu, que Bercherie descreveu. Disso os médicos se
queixam. Eles dizem: hoje, o que é a medicina? São protocolos e são exames. A idéia da
clínica como esse conjunto articulado, de feixes de racionalidade organizados pela noção
central de ato, de decisão, está se diluindo.
Por que eu digo que a psicanálise tem um lugar interessante? Porque nas instituições,
nos hospitais, ela lembra ao médico, à medicina, aos que cuidam de pessoas que sofrem, de
que ainda existe tal coisa chamada ‘a clínica’. Mas então, se consideramos a clínica nesses
termos, há que se pensar também a recuperação de certas, vou chamar isso de ‘formas
saber’ ou seja, tipos, texturas de saber que estão envolvidas nessas quatro operações, e que
devem, como condição estrutural, estar articuladas, devem estar numa relação de
covariância. Por exemplo, se você introduz um fato novo, uma evidência nova na semiologia,
todo o resto do conjunto deve se alterar. Isso deve ter conseqüências no campo da
diagnóstica, isso deve ter conseqüências no plano da terapêutica, e assim por diante.
Se há uma idéia, uma descoberta no plano da terapêutica, isso tem que reverter e
transformar a etiologia, a diagnóstica e a semiologia. Por isso que é clínica como estrutura,
não é a clinica como conjunto de descrições aleatórias, tipo DSM-IV, ou terapêutica reversa,
tipo dê o antidepressivo e depois resolvemos o diagnóstico. Isso deve ser matizado com
duas formas de saber que Lacan justamente apresenta no texto da Proposição, inclusive
essa é uma parte mais interessante da Proposição, enquanto texto metodológico. Há uma
separação entre psicanálise em intensão e extensão, mas há também dois saberes que
interessam ao psicanalista, dois tipos de saberes: o textual, cuja imagem é o sofista, o tao, o
budista, o Aedo (propagador de lendas), que tem que ver com essa prática da literalidade, da
escuta, com as estratégias de composição e de ressignificação. Esse parece um saber assim
mais palatável, injustamente reduzido ao universitário, e que Freud chamava de universitas
literarum. Mas há uma segunda categoria relativa ao saber que ele chama de referencial.
Ele diz: concernente, antes de mais nada, a efeitos de linguagem, entre aspas,
estruturas lógicas, ou em outras palavras, o que se conota na conotação. Que jogo dialético
interessante: geralmente a gente opõe a conotação à denotação, o sentido conotativo e o
sentido denotativo. Ele está dizendo assim: aqui no saber de extração referencial, se trata do
que está conotado na denotação. Estou enfatizando esse ponto por dois motivos. Primeiro
porque aqui sente-se a clara presença do Foucault no texto do Lacan. Sabe-se que nesse
período Foucault está às voltas com a redação de um texto muito importante, chamado
Arqueologia do Saber, um texto que, segundo E. Roudinesco, Lacan leu demoradamente, leu
várias vezes. É um texto no qual Foucault fala justamente de uma espécie de diferenciação
ou de tipologia dos saberes.
Ele diz: os saberes têm níveis de espistemologização, e acho que isso é interessante
porque esses níveis de epistemologização devem ser compatíveis. Eles devem ser
homogêneos com estratégias metodológicas. Essa é a idéia título deste encontro: de que
não há uma única metodologia em psicanálise. Mas então quais? Como organizar as
estratégias metodológicas? Eu penso que essa referencia à Foucault é útil. Ele diz: o
primeiro nível de epistemologização é o limiar de positividade, ou seja, o momento primitivo
onde uma dada prática discursiva, realiza uma primeira individualização, ganhando uma
autonomia temática na cultura. Vamos dizer assim: é quando uma forma ‘saber’ adquire uma
espécie de cidadania. Ela merece ser escutada, ela merece ser acolhida, ela é um objeto
potencial. E aí se trata de apresentá-la, de trazê-la a luz, dentro de uma certa discursividade.
O segundo limiar é o que ele chama de limiar de epistemologização, ou seja, surgem
modelos, críticas, práticas de verificação, etc. O terceiro é o que o Foucault chama de limiar
de cientificidade, e aqui começam a surgir então critérios formais, proposições. Entre o limiar
de epistemologização e o limiar de cientificidade, é onde encontramos a geração de
conceitos. O quarto e último limiar é o que ele chama de limiar de formalização, cujo único
exemplo para ele seria o da matemática.
Quando se vê essa força conferida pelo Foucault ao limiar de formalização, e se
acompanha os textos de Lacan contemporâneos, e principalmente posteriores a esse
momento que vão insistindo cada vez mais que na psicanálise se trata de formalização - que
o projeto é de formalização - a relação parece muito forte. Mas desde que se leve em conta
que o limiar de formalização é o último. Portanto ele supõe os anteriores.
Fazendo essas observações, penso que no contexto da pesquisa que se está
discutindo nesse congresso, para tentar lançar uma idéia, seria a seguinte: o que
corresponderia, em psicanálise, a essa transposição do limiar de positividade para o limiar de
epistemologização? Ou seja, isso que em outras ciências, em outros discursos,
corresponderia ao que se chama de descrição de um fenômeno. O fenômeno tem que ser
descrito. O paradigma epistemológico que Lacan freqüentava muito, principalmente antes
dessa fase (ou seja, principalmente Koyré), trouxe essa idéia de que não há descrição fora
do discurso, o que pode ser lido como: não há descrição fora da teoria, a teoria é que
comanda a descrição. Não há ciência fora de um discurso, mas a ciência não é este
discurso. Esse é um debate que acho que vocês conhecem também. Vivemos isso hoje em
dia agudamente: os pontinhos Capes, os pareceres entre pares, as revistas Qualis, os
indexadores, as certificações, as inspeções, os critérios de controle e avaliação. O que é
tudo isso ? Ciência ? De forma alguma. Isso é um discurso, no interior do qual a ciência às
vezes acontece.
Mas então, o que haveria se não há descrição, no sentido de apreensão empírica, de
uma intuição sensível, formação de uma representação e, portanto, confiança numa ligação
dessa representação com o objeto? Se não é assim que a psicanálise trabalha, nesse
primeiro limiar, o que está no seu lugar da descrição? Ou seja, por que não é assim que ela
trabalha? Porque, as objeções vão começar por: a psicanálise não traz consigo uma noção
de linguagem baseada na referência, ou no referente. Disso se passa rapidamente para
poesia, religião, metafísica ou moral.
Lacan fez um trabalho notável, um trabalho crítico extenso para mostrar que a função
referencialista da linguagem, quando pensada como condição da psicanálise como pesquisa,
só atrapalha a psicanálise, ela faz a gente começar a procurar o tempo das origens, o
momento inicial, o pênis como objeto real, quer dizer, um problema do referente. Se não há
apreensão pela via do uso referencialista da linguagem, portanto a impossibilidade do dado
em psicanálise, o que a gente poderia por no lugar? Minha idéia é de que o primeiro passo
no limiar de positivação é passar da descrição para a narrativitização. Essa é uma discussão,
não sei se o Alfredo lembra, a gente teve há anos atrás, enfim, sobre o estatuto da
narratividade em psicanálise. Se a noção de narração é compatível ou redutível à noção de
discurso, se tudo o que temos na noção de discurso inclui automaticamente tudo da noção
de narrativa. Ou seja, narrativização implica em quê? Estou pensando em Barthes, em
Todorov, pesquisadores que se dedicaram a entender o que é uma narrativa, e há várias
idéias interessantes desse pessoal. Pusemos de lado, afinal Lacan abandonou o
estruturalismo ao qual ele nunca pertenceu, e bobagens assemelhadas.
A primeira idéia interessante é a de que, ao contrário da descrição, uma narrativa
precisa de uma situação. Uma narrativa se define por isso. Uma situação inicial, uma
transformação, uma situação final. Situação é um conceito que Lacan critica em vários
momentos da obra. Minha impressão é que ele faz isso porque é um conceito muito
associado com Sartre. Sartre é um teórico da situação. Mas, deixando isso um pouco de
lado, a lembrança imediata é de que é uma palavra muito interessante porque vem de situs,
ou seja, lugar e ação. Situ-ação. Nos seus primórdios a topologia era chama da análise situs,
análise dos lugares. Para a psicanálise uma condição de seu método de investigação,
vamos dizer assim, não é a descrição, mas a narrativização. É que essa situação não deve
ser compreendida apenas com atualidade, com presença, mas o fundamental na estratégia
de narrativização na psicanálise é justamente a negatividade. Pensar uma situação a partir
de categorias do negativo, do que ela perdeu, ocluiu, excluiu para se constitui como tal, eis o
modus operandi de uma narrativização. É oq eu Freud faz, em todos os relatos de caso, mas
também em todos os textos que chamamos de clínicos. Ou seja, a falta, o furo, o corte, o que
impediu que algo se estabelecesse como fenômeno é justamente o que nos interessa tanto
na semiologia, quanto na diagnóstica ou terapêutica. O caso da etiologia me parece um
pouco diverso. Mas são todas categorias da ordem do negativo, e que impõem uma espécie
de critério metodológico para narrativizar uma situação. Por exemplo, tem aquela música que
sempre cito, acho que é do filho do Jacó do Bandolim, onde ele diz: naquela mesa ta faltando
ele. Quer dizer, é uma narrativizaçlão que descreve toda uma situação a partir da falta.
Faz parte da metapsicologia da psicanálise assumir esse valor estruturante da falta e
do negativo por extensão. A segunda condição de método a partir da instalação da situação
como organizada em torno do negativo é que uma situação só se narrativiza quando ela se
instala no tempo, quer dizer, narrativizar é temporalizar, fato ou movimento que uma
descrição não precisa fazer, aliás ela deve assumir o tempo como elemento constante para
melhor neutralizá-lo. Eu posso descrever simplesmente como uma sucessão de
acontecimentos, não como propriamente uma gramática temporal. Segunda condição de
método. Primeiro a abordagem do negativo, segundo, a introdução de categorias temporais.
A terceira condição é simples, não há narrativa sem narrador e não há narrador sem
narratário. O narrador não é o autor, é uma posição de discurso, exatamente como o analista
na transferência.
Eu tinha aqui um desenvolvimento a partir disso, para mostrar como dessa
temporalização da situação chegamos na idéia ou na noção de conceito por intermédio de
uma transferência. Isso faz justamente a passagem, em termos da epistemologia
foucaultiana, do limiar de positivação para um limiar de epistemologização. O conceito em
psicanálise deveria ser uma espécie de tradução ou de absorção dessa temporalidade, aliás
em acordo com a Tese lá primeira do Lacan, no seminário I. O conceito é ‘tempo’, tese de
Hegel que Lacan traz pra Psicanálise. Então, é essa idéia que eu queria trazer aqui pro
debate.

Rinaldo Voltolini
Acho que pra todos nós que somos psicanalistas e estamos na universidade é sempre um
desafio pensar no local em que estamos e o que fazemos da psicanálise aí. Evidentemente
pela nossa pertença à universidade, o tema da pesquisa se torna importantíssimo. Então,
quando vi o tema dessa mesa e o que ele convocava dizer, vi que havia várias portas de
entrada. Minha primeira dificuldade foi exatamente me localizar em termos de que porta eu
escolheria, já que me sinto convocado a vários ângulos dessa discussão. Então, escolhi um
deles, e o critério para essa escolha teve a ver com alguma coisa que tem nessa pesquisa
que sempre me deixa um pouco inquieto, portanto o lugar de onde vou falar é o lugar de
quem sustenta uma polêmica.
Mas acho que, na direção do que o Alfredo mencionava na intervenção dele na última mesa,
debate não combate. Bom, eu acho que a questão da pesquisa em psicanálise na
universidade ela surge, de imediato nos convoca a observar uma certa tensão justamente
pela herança da tensão do que significa a história da psicanálise e das relações da
psicanálise com a universidade. Eu vou partir de um lugar comum que é uma observação
que Lacan faz no seminário XI, quando ele está às voltas com responder, exatamente às
relações da psicanálise com a pesquisa, ele então cita uma frase do Picasso em que ele diz
assim: eu não procuro: acho. Com essa frase ele está apontando, na minha opinião, duas
coisas que me importam aqui desenvolver um pouco. A primeira delas é que há uma certa
dicotomia entre procurar e achar.
De um lado poderíamos dizer que o procurar já nos induz a achar uma determinada coisa.
Por exemplo, o próprio Lacan faz no mesmo seminário uma observação de que o Piaget só
encontra aquilo que procurou, definindo que há uma certa indução, eu acho aquilo que
procuro, mas por outro lado, e isso me parece mais provocativo, dá a entender que é
possível achar sem estar procurando. Esse lado é que me parece interessante. Que
demanda que pensamos uma certa abertura pro inédito, pro inesperado, pro inusitado. Que
me parece estar mais do lado que do que é o trabalho em psicanálise e o outro lado,
digamos, aquilo que o achar já está induzido pela procura, estaria mais do lado da pesquisa
dita universitária.
O problema passa a ser aí quando pensamos, então eu ouvindo o Christian ia vendo como
de certa forma cruza com questões que eu fui atravessando quando pensava no tema, que
essa história das confusões que se pode ter entre uma metodologia do tratamento e uma
metodologia de pesquisa, e também porque a gente de certo modo é convidado a pensar
que pesquisa em psicanálise não poderia se dar totalmente desconectada daquilo que a
perspectiva do tratamento põe em jogo. A grande pergunta que a gente tem na universidade
é como a gente pode fazer pesquisa sem se desconectar da perspectiva analítica. Isso, acho
que vem de uma observação porque quando a gente tenta definir então que tipo de pesquisa
a gente ta fazendo a gente vai girando sobre certos temas. E um dos que surgem, e me
parece bem elucidativo, é a idéia de pesquisa aplicada, idéia de aplicação.
Digamos assim, talvez na clínica a gente tivesse que dizer, ou reconhecer ou partir do ponto
de que se trata de um saber que tem a ver com implicação, e não com aplicação. Tanto
Freud como Lacan insistiram muito nessa idéia de que a clinica não é um saber de aplicação.
Quer dizer, não se trata de se ter uma teoria com a qual você vai para escutar o paciente, e
aplicar essa teoria, que isso seria uma clínica da constatação, bastante comum na clínica
médica, mas tem um giro aí que é feito na clínica analítica e que não passa por aí. Mas
quando a gente fala em pesquisa aplicada, dá pra entender de imediato porque a gente
recorre a esse termo. A gente recorre a esse termo porque a gente ta pensando nas
possibilidades da psicanálise para além do seu setting original.
Então quando a gente pensa em falar de outro assunto, mas a partir da psicanálise, a gente,
uma das relações que a gente pode pensar que isso tem e a relação de aplicação. O
problema da relação de aplicação é justamente porque se a gente está nessa postura de
aplicação, a psicanálise entra aí – vou usar uma expressão que a M. Cifali usa que é a
expressão de que a psicanálise entra aí como teoria mestra. Ela até faz uma observação
interessante, porque ela diz que estaria aí o retorno, assim como falamos do retorno do
recalcado, taria aí um retorno, na posição do Freud, daquilo que se recusa na análise de
educativo. A psicanálise entraria aí numa posição extremamente educativa, que é a de
ensinar o outro campo sobre coisas que são específicas do campo dela. E ela faz algumas
observações, que são uma espécie de observações diagnósticas de que a gente está diante
de uma teoria mestra, então ela diz assim: aquilo que dentro são hipóteses, na aplicação
viram certezas. Essa é uma primeira observação que ela faz.
Então toda discursividade do Freud acerca de dizer que essas hipóteses estão aí até que a
clínica demonstre o contrário, quando se trata de ir pra fora, isso rompe, esse movimento
cessa. Então, o que é hipótese, dentro, fora vira certeza. Outro elemento diagnóstico aí: ela
diz que diferentemente do que o analista faz com seu paciente, que é nunca prescrever-lhe
papéis ou conselhos, quando a teoria é aplicada o que mais se faz é isso: prescrição de
papéis e de conselhos. Ta aí um indicativo da posição de mestria. E aí ela faz algumas
observações sobre os riscos disso. Um deles é que uma vez que se assuma a posição de
mestria, é uma teoria entre outras, então, tanto podemos usar essa teoria para pensar certas
coisas como outra que a gente pode colocar igualmente no lugar, porque todas ocupariam
esse lugar de prescrever papéis, ou de prescrever conselhos. Daí, eu lanço em função desse
pequeno desenvolvimento que to fazendo agora, uma primeira pergunta provocativa, no
sentido da polêmica como eu mencionava de inicio, se as noções de pesquisa e aplicação
não seria antinômicas. Se quando a gente ta aplicando a gente não ta pesquisando. No
sentido de que não se está buscando um saber, não está formulando um saber. Então, se o
termo ‘pesquisa aplicada’ não seria paradoxal. Fora disso, então, nos restaria uma idéia que
eu acho que a psicanálise e ninguém antes dela coloca isso em jogo que é a idéia de
implicação, por oposição à idéia de aplicação. Porque quando Freud se debruça sobre asse
assunto de que resultados teríamos se fizéssemos uma clinica aplicada, eu tenho um opinião
de que ele ta tratando esse assunto quando fala naquele texto sobre análise selvagem, que é
um momento em que ele, se referindo àquele médico, o médico que tinha atendido a
paciente que então chega até ele naquele instante, ele diz dos riscos que tem quando a
teoria da psicanálise é aplicada, desconectada de uma clínica, desconectada de uma
implicação. E quando eu to falando de implicação eu to o tempo inteiro me aproximando da
idéia de transferência. Ou seja, o médico tinha dito à paciente, nada mais, nada menos, que
ela, para segurar aqueles sintomas histéricos, tinha que arrumar um amante. Ou seja, tenha
relações sexuais, já que a histeria tem a ver com falta de relações sexuais, digamos.
O que ele chama de interpretação selvagem seria a construção de um saber fora da
transferência. Há um saber que se constrói no interior da transferência e que como é que ele
se constrói? Ele se constrói com de algo que tem a ver com esse acho sem procurar. Porque
o saber da aplicação é aquele que se constrói do que tem a ver com o procurar e achar, mas
aí é um achar induzido por aquilo que eu procuro. Então, minha questão, já especificando
com a história da pesquisa aqui da gente, eu sempre me indaguei com relação ao uso dos
indicadores ou do que eles se tornariam. Domingos fez uma observação que pra mim foi
muito importante, que é essa história de que talvez a gente não deva ficar esperando que os
indicadores tenham valor significante no meio médico, até porque acho que isso se decide
por tensões de discursividade, não se decide por intenções pessoais, quer dizer, alguém no
meio médico quer escutar isso como significante.
Clavreul tem uma frase importante sobre isso, ele diz: um bom médico é um péssimo
analista. Pra ele fazer a clínica médica ele não pode suspender essa escuta signica pra
colocar-se uma escuta significante. Então, eu não acho que a gente deva esperar que esses
indicadores virassem significantes, e isso não desmerece nem um pouco a existência deles,
mas acho que a gente também não poderia perder de vista o fato de que na discursividade
médica é fundamental que eles se tornem signos. Quer dizer, inevitável e fundamental.
Então, minha segunda pergunta vai nessa direção: de que maneira esses indicadores não
podem funcionar, na perspectiva da aplicação da psicanálise. Não da implicação, mas na
direção de um procuro e acho, mas acho só aquilo que procuro. Bom, e uma última idéia
então, pra fechar o raciocínio, é que aos poucos, lendo os textos da pesquisa eu fui me
dando conta, e essa tem a ver com outra observação que a M. Cifali faz, que nos encontros
entre discursividades diferentes, ela se levanta uma pergunta: o Freud quando falava em
pesquisa aplicada ele alimentava a esperança de que nessa aplicação, alguma coisa da
psicanálise transformasse o campo que ta sendo aplicado. Mas ela pega uma metáfora, que
ele escreve numa carta ao Pfister, em que ele indica que ele tinha receio também de que, ao
mesmo tempo que há um risco de eu ir lá para transformar um campo, há um risco de
quando eu chegar lá, o meu campo ficar transformado. Esse duplo movimento: quem
vencerá?
Fui me dando conta de que lendo os textos da pesquisa, há um série de significantes que a
gente vai usando que são do meio médico. “Prevenção”... São palavras que são mais típicas
do meio médico do que do meio psicanalítico. Inclusive a própria idéia de saber acumulado,
essa idéia que temos de que os indicadores têm a ver com saber acumulado em psicanálise.
Mas se a gente leva a sério o que diz a Roudinesco sobre a história de a psicanálise mais se
parecer com a história de um romance, no sentido de que são encontros litigiosos de
dissidências, do que com a história de uma disciplina científica, no sentido de um saber que
se acumula, a gente estaria diante de uma teoria em litígio. Como é que a gente fala de litígio
e de acumulação junto? Essas idéias parecem contraditórias.
Então, to pensando que tem algumas coisas que vão na pesquisa, e ouvi a Rosa fazer a
intervenção dela aqui também, achei bem interessante porque nunca tinha pensado que
esse poderia ser um dos efeitos: a extensão do tempo da consulta. Isso me parece digno de
nota porque parece ter a ver com o impacto do discurso analítico sobre a prática médica,
porque uma das grandes discussões atuais é o quanto o discurso médico é a origem do que
empurra essa discussão de que a análise demora muito. Análise demora muito, temos que
ser mais pontuais. E eles tão demorando mais. Fecho por aqui.

Alfredo Jerusalinsky

Em primeiro lugar lhes agradeço a Rinaldo e a Christian, o conjunto de problemas que


colocaram, problemas ricos, interessantes, que pertencem ao âmbito das dificuldades que a
psicanálise tem com a ciência. Dificuldades que, digamos, tomam diferentes corpos. Por um
lado, às vezes essas dificuldades tomam o viés de um debate epistemológico, mas também
eu diria nas suas conseqüências mais drásticas, tomam o viés de conduzir a práticas
completamente enfrentadas, uma e outra. E fazendo obstáculo à interrogação recíproca,
porque acaba nesse último viés, se praticando uma aplicação, no sentido que Rinaldo nos
trazia, tanto de uma como de outra teoria. Porque a aplicação se distingue, na verdade, de
um modo recente (100 anos tem esse modo de ver a questão da aplicação) se distingue de
uma prática interpretativa. Digamos, a aplicação deriva de um conhecimento já feito, e que
então ele vai moldar, destrinchar, ordenar, classificar o fenômeno de acordo com esse
conhecimento já feito, terminado, concluído.
Quer dizer, a extensão da pesquisa que uma aplicação nos propõem é muito curta. Porque
vai muito mais para fora da teoria, que para replicar no interior da teoria e levá-la a se
interrogar. É como se fazendo uma aplicação déssemos por certo certas conclusões, e bom,
elas vão servir para ordenar o mundo. De fato, Freud aprecia esse exercício, o exercício da
aplicação, eu diria, por dois motivos. Um, porque Freud tinha a pretensão de produzir através
desse trânsito pela ordem do saber, produzir conhecimentos, e então poder aplicá-los. Esse
é o primeiro motivo. O segundo motivo, me parece ser, em Freud, da simpatia com que ele
enxergava esse exercício, é que ele precisava de provas da consistência de sua teoria, e
demonstrar sua aplicabilidade aos fenômenos dos mais diversos, lhe trazia o benefício de
uma comprovação que poderia exibir para os cientistas.
Agora, a diferenciação entre saber e conhecimento se opera a partir da modernidade,
inclusive alastramos na nossa língua dificuldades para distingui-las conceitualmente uma da
outra. Está contaminado. Trabalhosamente nos situamos na diferenciação, e diria por um
esforço epistemológico. Certamente a psicanálise é uma disciplina que nos permite distinguir
claramente entre uma coisa e a outra. Então, quando nos vemos diante da proposta de uma
pesquisa com instrumentos psicanalíticos, ou com a pretensão de atravessar o campo
psicanalítico, temos inevitavelmente que nos perguntar algumas questões. A primeira é
quanto de saber e quanto de conhecimento estarão em exercício nesta pesquisa, porque o
que esteja de conhecimento de exercício será da ordem de uma aplicação, e o que esteja na
ordem do saber em exercício, estará na ordem da ignorância, da interrogação, e do
inconclusivo. E certamente eu diria que tivemos a sorte no nosso grupo de contar com um
notável conjunto de colegas, a quem agradeço sinceramente o trabalho porque é um
privilégio estar num grupo desses, que permitiu justamente essa polêmica que eu
mencionava antes, permitiu o exercício desse confronto entre quanto de saber e quanto de
conhecimento, quanto de aplicação e quanto de interpretação vamos ter aqui. Ou quanto de
eficácia de um saber em exercício, ou seja, uma ignorância que interroga.
Tivemos a liberdade de criar um âmbito de pesquisa que contemplasse com certa liberdade
estas questões. Sem partir então de uma posição dogmática, psicanalítica ou metodológica,
que nos obrigasse a priori a responder então, no terreno de um conhecimento conclusivo a
priorístico. O campo conceitual dessa pesquisa, apoiado numa série de conhecimentos que a
psicanálise produziu no seu exercício clínico ao longo de 100 anos, que produziu
conhecimentos, conhecimentos que são aquilatáveis à psicanálise. Apoiados nesses
conhecimentos, nós tentamos um exercício deles que não tivessem como essência eles
mesmos. Quer dizer que tentamos salvar algo da prática propriamente psicanalítica que não
é da ordem do conhecimento, e senão que da ordem da interrogação.
Se nós fossemos interrogados exaustivamente por um metodólogo muito experiente e muito
astucioso, popperiano, seguramente haveria mais de uma dúzia de questões que não
saberíamos responder quanto à consistência interna desta pesquisa. Eu tentaria, com
franqueza, burlá-lo, arma-lhe algumas armadilhas retóricas, oferecê-las para que se alimente
nutridamente para desviá-lo das questões que queremos preservar, que são justamente
estas questões de inconclusão. Por exemplo, se nós tivéssemos que responder acerca,
como estava-se discutindo hoje com Domingo e a dra. Ana Maria, tivéssemos que responder
sobre as conseqüências sobre o espírito pediátrico dessa pesquisa, não saberíamos
responder. Nós temos uma expectativa de que as coisas melhorem.
Mas o que é melhorar para nós? Isso quer dizer que melhorar para nós é introduzir uma
negatividade, como Christian colocava, ou introduzir uma suspensão desse saber tão
necessário ao âmbito médico, como Rinaldo nos trazia. Então, poderíamos dizer: o discurso
médico pode se prejudicar. Quer dizer, uma das conseqüências poderia ser que removamos
dos pediatras a certeza com que é necessário que operem. Estamos introduzindo um risco
no ato médico. Vamos falar claro. Agora, a questão é se vale a pena introduzir esse risco.
Porque, eu diria, o prejuízo que o pediatra vai sofrer, na nossa leitura ao menos, é de
benefício para a criatura de que se trata.
Quanto menos certeza houver num âmbito onde as certezas nos são pertinentes, ou seja, ter
certeza acerca de se um rim filtra ou não filtrar é fundamental. Aí, não removamos a certeza.
Mas, prorrogada a conclusão, além do âmbito do rim, para que se estenda ao âmbito do
sujeito. Ali estamos num campo de inconclusão, onde, como nossa colega de Curitiba
marcava. Que se alonga a entrevista médica. Vai sair mais caro para o SUS. Também é,
digamos, um prejuízo que a psicanálise está introduzindo. É possível. Quer dizer, nós não
podemos argüir a nosso favor nessa pesquisa – por isso dizia que teríamos que distraí-los
um pouco. Não podemos argüir a nosso favor nessa pesquisa, a brevidade, a certeza, a
conclusão, a velocidade, a poupança. Quer dizer que são todos atributos da pesquisa
popperiano.
Bem, qual é nossa metodologia? Primeiro se trata conceitualmente de um estudo de
precondições e suas conseqüências. Estatisticamente se trata de um estudo de correlação.
Enquanto a finalidade é a prevenção e o objetivo é transformar a postura clínica do pediatra
e de demonstrar a validade das contribuições psicanalíticas, e introduzir a psicanálise no
campo da ciência, sem renunciar a sua essência. Digamos, esses são nossos objetivos nada
modestos. Cristina tem aspirações sádicas conjuntis(?). Evidente que esse conjunto de
definições não encaixam bem entre si. Eu, como leitor assíduo de metodologia, diria: não
encaixam bem. Mas, se a gente ler qualquer pesquisa popperiano vai ver que ela consiste
em numa hipótese escrita num papel translúcido, uma conclusão também escrita num papel
translúcido que é exatamente a inversa especular da hipótese.
Quanto mais encaixe e menos discrepância haja entre um perfil e outro perfil de letras ali
desenhadas, melhor, e no meio, como que num sanduíche, coloque um coquetel de idéias
interessantes que contenha uma certa narrativa das coisas, e ali nós temos o critério de
verdade popperiano. Quer dizer que no recheio do sanduíche sempre vamos encontrar a
ordem da inconclusão. A conclusão de qualquer tese é sempre um esforço. Um esforço para
que encaixe. Então, nós, com essa perspectiva da inconclusão, podemos responder em certo
capítulo à exigência da correlação estatística, podemos, em outro, estabelecer a relação
entre precondições e conseqüências, e não se trata de conseqüências pontuais, se trata de
risco. Quando baixa o sistema imunológico, por exemplo, temos uma situação de risco, mas
não sabemos qual é a doença que vai vir. Bom, se trata da mesma coisa. Sabemos que
quando faltam indicadores estamos em situação de risco, mas não sabemos qual a doença
que vai vir. Quer dizer, essa criança está em piores condições de se defender no âmbito de
seu desejo ou na sua condição de sujeito desejante. Tem menos chances.
No que diz respeito à prevenção, Freud tinha aspirações de prevenção. Eu diria que a
esperança de Freud de que a psicanálise contribuísse para que houvesse uma sociedade
menos neurótica, porque contribuiria a um debilitamento do recalque, que essa esperança de
Freud se cumpriu. Nós, certamente, hoje temos uma sociedade menos neurótica, temos uma
sociedade mais perversa! E a psicanálise pode muito bem ter contribuído a isso sem se
propor, porque sabemos que o resultado sempre escapa de nossas intenções. Então,
poderíamos falar de toda a bondade de nossas intenções nesta pesquisa. O único que
podemos tirar a limpo é que prevenção é possível. Seus resultados saberemos a posteriori.
A outra questão que podemos saber é que a necessidade de manter um certo nível de
dúvida, de interrogação nos indicadores, quer dizer que eles não sejam biunívocos, é
fundamental e que a detecção do risco de que estamos falando não é correlativa a um certo
tipo de afecção. Quando a gente toma um indicador como, por exemplo, o olhar recíproco
entre a mãe e a criança, e aparece como negativo, é freqüente e certamente em psiquiatria
se toma como signo inequívoco de autismo, mas não é! Precisamente, pode ser exatamente
o contrário. Quando aparece o maltrato de uma criança, a criança também nega o olhar e
ela, por ser maltratada, tem que estar num alerta constante, ela tem um registro completo de
tudo o que acontece ao seu redor e o outro, em lugar de resistir se torna persecutório. Ou
seja, que a negativa do olhar não é em si ? de nenhuma afecção psíquica. Digo para tomar
um exemplo, um exemplo bastante folclórico. Então, nós não pretendemos com esses
indicadores detectar uma doença determinada. Por isso que nossa pesquisa é aberta quanto
a risco.
Risco de que? Não sabemos. Risco, poderíamos dizer de modo genérico, a que algo nas
nuances da constituição desse sujeito psíquico não funcione, funcione mal. Dê um resultado
indesejável. Indesejável para quem? Bom, aí é outro capítulo. Nós podemos continuar os
desdobramentos da argumentação dessa pesquisa no campo analítico. Bom, em outro
campo, tentaremos satisfazer o que permitirá que esse instrumento se introduza justamente
para suspender a certeza da intervenção pediátrica exatamente no ponto em que precisa ser
suspenso. Ou seja, naquele onde o organismo é o que falha nos seus automatismos. Temos
que diferenciar os automatismos do organismo, do psiquismo.
Se nós tratamos o psiquismo de acordo com esses automatismos, provocamos a extensão
do automatismo neurovegetativo, sob a forma de aumotatismos mentais(?). Isso que (?)
colocava claramente. Quer dizer, há uma indução iatrogênica. Na verdade, o que nós
pretendemos frear, é essa indução iatrogênica, ou resumir tudo nesse âmbito dos
automatismos ou de estender os automatismos para o âmbito onde eles não devem
funcionar. Bom, só isso.

Perguntas da audiência.

Octávio de Souza para Christian:


Bom, como sempre, gostei muito de escutar você falar, e a partir do que você falou queria
fazer um pedido de que você se alongasse um pouco mais. Vou destacar, primeiro o começo
de sua fala, quando você Insiste, lembra de uma coisa, dessa concomitância que haveria em
psicanálise e entre o método de pesquisa e a terapêutica. Ao pesquisar, eu estou praticando
um tratamento. Ao tratamento seria, como a gente concebe, a pesquisa que o próprio sujeito
faz sobre seu passado, sua história, seu sofrimento. Você chama atenção para isso.
Bom, corte, e no fim você vai trabalhar com essas duais categorias de descrição e narrativa.
É aí que eu queria que você se alongasse um pouco mais porque eu queria que você
dissesse o que você ta entendendo por narrativa, porque me parece que quando você fala de
narrativa, você não está apenas se referindo, por exemplo, a historiais clínicos. Se você
estivesse se referindo a historiais clínicos, eu estaria mais próximo de você do que imagino
que eu esteja, porque, a partir do que eu imagino que você esteja imaginando? Porque eu
acho que quando você fala historiais narratividade, você, pela porta de trás, ou pela porta da
frente, está introduzindo uma outra categoria que você também chamou atenção, que é a do
conceito, que certamente vai animar essa narratividade.
A narratividade, ela pode ser, no caso da pesquisa clínica, uma narratividade
metapsicológica. Onde você vai começar a fazer uma narratividade, mas interna a uma
determinada prática disciplinar. O que eu chamo atenção: existe todo um movimento da
psicanálise, principalmente da psicanálise mais dedicada ao tratamento das psicoses, ao
tratamento dos chamados casos limites - eu sei que vocês não gostam desse termo, mas
então vamos dizer ?, ou qualquer coisa assim que você queira, ? não classificáveis, ou
qualquer coisa assim, ? onde justamente a prática clínica da psicanálise, ela se vê, mesmo
no lacanismo, destacada dessa identidade pesquisa–tratamento, onde a gente, mesmo no
lacanismo, pensa: será que o psicanalista não tem que trazer um pouco de sua imaginação,
um pouco de si mesmo, um pouco de investimento libidinal pro tratamento, e isso escapa a
uma perspectiva apenas de pesquisa? Ou seja, será que não toda uma parte da psicanálise
que se dá mais no registro do amor do que no registro do conhecimento, do que no registro
do ? ou da ignorância, se você quiser se remeter aos lacanianos.
Entre os autores que se preocupam com isso, vai existir todo um grupo de autores que vai
querer que a teoria psicanalítica, ela seja mais descritiva do que metapsicológica, ou seja,
dentro dos seus termos, mais do que narrativa. Agora, esse descritivo deles se aproxima
muito de uma narratividade do que acontece numa situação, situação clínica, onde é claro
que existe uma narratividade, mas não uma narratividade que esteja produzindo conceitos, e
conceitos muito pesados em termos metapsicológicos, em termos transcendentais, onde há,
obrigatoiriamente uma tendência, como você falou, a uma teoria e uma fala abstrata. Então,
minha questão é essa.

Christian
Uma consideração muito interessante. É o que eu podia esperar de você pelo que tenho
acompanhado da sua produção e de seus movimentos teóricos e clínicos também. O que eu
quero com a noção de narrativa? Diferenciá-la da historinha, ou do ....

Octávio
Eu gostaria que você gostasse...

Christian
Não sei não, porque a narrativa nesse sentido, ela está fortemente associada a um tipo de
narrativa ruim, que não é narrativa. Eu estou pensando, por exemplo, e acho que a gente
teria que discutir os casos, a situação mais concreta, em uma autora, a Esther Bick. Você
deve conhecer, deve estar no seu trajeto de investigações. Quer dizer, o tipo de narrativa
que ela produz ali é uma narrativa de fato enriquecedora para a psicanálise, do ponto de
vista da clínica, clínica como eu tentei argumentar aqui, ou ela é uma espécie de suporte
referencialista, uma espécie de garantia, de conexão da experiência, do real, com certos
conceitos, que a partir de então seriam apresentados a partir da autoridade, do empírico, etc.
A gente teria que discutir, por exemplo...

Octavio
Nesse caso da Esther Bick você tem toda razão. Então, isso não é uma narratividade de um
historial clínico. Ta longe se ser. No caso da Esther Bick, onde você ta pegando os piores
momentos da Esther Bick, a maior parte da obra dela é feita de piores momentos, tudo bem,
não tem importância, ela é uma autora que teve o bom gosto de escrever três páginas que
são fundamentais pro papel da ? e tal, mas a gente não ta discutindo isso. Agora, é claro que
a Esther Bick, quando ela vai observar o bebê e descrever narrativamente o que ela ta vendo
no bebê, aí sim, você vai encontrar o que você procurou, é o aplacamento de uma teoria
sobre um conjunto de comportamentos do bebê. Tudo bem, aí você não tem propriamente
uma narratividade, você tem uma descrição, agora ...

Christian
Diferente do Daniel Stern, por exemplo...

Octavio
Não, mas eu to pensando assim, o que eu to pensando é o seguinte: será que nós vamos
fazer uma teoria que vai procurar se aproximar do campo experencial da psicanálise, e que
vai ser descritiva e vai ser narrativa, então eu to tentando não fazer uma diferença entre
descrição e narração, como você ta querendo fazer, ou será que nosso plano de
narratividade, ela vai incluir uma densidade conceitual extrema e vai fazer com que nossa
narratividade fique cada vez mais distante de uma situação afetiva concreta, clínica.

Christian
Exatamente essa vertente que eu gostaria de reter, separando mesmo dessa outra que eu
esto chamando de vertente mais descritivista. Ou seja, a relação muito próxima que existe
entre narração, narrador e experiência. Sim é que um conceito que dá pra trazer. Não há
tese em psicanálise, hoje em dia, que não cite o Benmjamin – Sobre o Narrador. Experiência
tem que ver com o tempo, tem que ver, enfim, com os modos de relação entre narrador e
narratário, com categorias de discurso, mas também com presença da experiência. Não sei
se a gente está tão distante assim.

Octávio
Mas é justamente essa oposição que você faz entre descrição e narração...

Christian
Pra manter a narração como narração.

Octavio
Mas aí, a narração, enquanto narração, pra você fazer essa distinção, você vai ter que incluir
uma transcedentalidade conceitual muito grande no seu ponto de vista. Aí você vai começar
a fazer uma narratividade de um plano conceitual. Você pega textos teóricos mais
complicados dos lacanianos, e que eles tem de narratividade? Têm o seu sentido.

Christian
Por isso é que eu esto convocando uma diferença entre semiologia e etiologia. São formatos
narrativos diferentes. E concordo contigo: a ausência dessa distinção, faz uma decolagem da
experiência, a narrativa passa a ser a narrativa de conceitos, um progresso de não sei o que,
e tal.

Octavio
Essa narratividade dos conceitos é que eu tava querendo te chamar a atenção, quer dizer,
quando você opõe à descrição, você fica com uma narratividade conceitual, onde você
introduz uma série de finalidades e pontos de vista, ponto de fuga, que não estão
necessariamente em todos os planos da experiência de vida.

Chrsitian
Não teria como trazer essa noção sem alguma articulação conceitual, estou, juro, tentando
fazê-lo de forma mínima, o conceito de situação, por exemplo, porque eu acho que no caso
da pesquisa que a gente está discutindo ela produziu uma espécie de micronarratividade
indexada à situação e tempo. São as duas únicas referencias mais conceituais que estou
exigindo pra esse conceito.

Pergunta
O professor Luis Carlos gostava de falar que a psicanálise inventou uma nova ciência que
não tivesse os parâmetros positivistas. Lembrei disso agora. A minha pergunta é a seguinte:
quando o Lacan apresentou aquele texto Psicanálise e Medicina, em 66, ele foi muito
criticado. Eu poderia dizer, então, que ele foi muito criticado porque ele apontou a ignorância
dos médicos, que não achavam, na medida em que eles procuravam um saber, ou também
porque um bom médico é um péssimo analista, ou porque a psicanálise fez uma subversão
da clínica clássica? Seria por causa disso?

Rinaldo
Só completar que nesse mesmo texto o Lacan fala que a psicanálise seria a última flor da
medicina. Mantendo aí uma certa relação. De algum modo ele diz que daquilo que a
medicina não dá conta, porque seu contorno obriga a construir uma borda, e alguma coisa
fica fora disso, é aí que a psicanálise entra.

Domingos
Quero fazer mais um comentário que uma questão, mas, primeiro agradecer as três
apresentações. São coisas essenciais que foram ditas aí, em termos conceituaias e de
instrumentos pra gente pensar a pesquisa. Mas uma coisa que me ocorreu é o seguinte. Tem
essa antinomia entre pesquisa aplicada ou a implicação, que está mais do lado da própria
análise, psicanálise em extensão ou em intensão.
O que eu pensei aqui foi assim: o sujeito, a rigor, ele não é pesquisado. Vamos dizer, no
sentido de uma pesquisa aplicada. Ele não é investigado, portanto, a pesquisa que a gente ta
fazendo, usando as definições que vocês usaram, é uma pesquisa aplicada, sem dúvida. Os
indicadores eles são, quando muito, alguma coisa que a gente possa dizer: um sujeito
passou por aqui. Agora, a gente sabe que se é uma pesquisa aplicada, e o sujeito não é
pesquisado, nesse sentido, ele quando se coloca dessa forma, ele vira outra coisa. Sintoma,
síndrome, doença, coisas previsíveis.
A minha pergunta é assim: Os indicadores e essa pesquisa não têm um potencial de
subverter esse sujeito fisgado por essas nomeações todas: sintoma, síndrome... Na medida
em que ele traz rastros do sujeito, através dos indicadores. Nesse sentido tem toda uma
discussão. Acho por exemplo, as relações dos resultados possíveis da pesquisa com a
medicina não se restringem a uma ampliação da semiologia

Rinaldo
Claro, isso é fundamental, faz toda a diferença.

Domingos
? Implicação também na formação médica. Acho que ela está desde o início com essa
intenção dita com todas as letras, alguns momentos esquecida, alguns mementos retomada.
Acho que ta sempre presente isso. Não sei se você concorda comigo, Alfredo. É isso.

Rinaldo
Te ouvindo, Domingos, lembrei de uma questão que é a seguinte: que também tem a ver
com as relações entre a psicanálise e a medicina. Acho que seria equivocado se a gente
partisse do pressuposto de tratar o psíquico como um outro órgão. Assim como a medicina
departamentaliza o sujeito, então o psíquico seria mais um, ao mesmo tempo em que acho
difícil, dadas as tensões do discurso médico, que uma vez que esse saber entre no discurso
médico, não funcione como tal. De novo o Clavreul, me lembro de uma observação que ele
faz que é interessante.
Ele diz que o equívoco maior estaria em supormos que é ignorância o que é recalque, não é
que o discurso médico ignore o sujeito, ele recalca. Então, não adianta enfiar goela abaixo.
Porque se a gente supõe que é ignorância, então vamos ensinar os médicos que o sujeito
existe. Mas, se a gente supõe que é recalque, a operação, de qualquer modo é interventiva.
Então, eu concordo totalmente com você de que não é tanto pelo grau de conhecimento,
quantidade de conhecimento que essa pesquisa poderia acrescentar ao saber médico, mas é
de que maneira ela vale como instrumento em si mesma para cutucar isso. Se a tendência
do discurso médico atual, cada vez mais na direção de excluir o sujeito, então, o que ela tem
de potencial de cutucar aí para que o sujeito se faça ouvir, minimamente.

Cristina
É aí que ela produz uma implicação, e não apenas uma aplicação.

Rinaldo
Exatamente.

Alfredo
Domingos, me parece que posso acrescentar alguma coisa ao que você diz pela via de
considerarmos a questão da verdade. Porque sabemos que a verdade tem uma relação
intrínseca com a repetição. E digamos, a repetição pode ser ou bem da experiência ou bem
do significante. É evidente que a medicina trabalha na repetição da experiência, no sentido
experimentalista. E ainda bem que é assim, digamos, a medicina funcionaria muito mal se
não funcionasse desse modo. A psiquiatria é outra história.
A psiquiatria sempre foi um capítulo à parte dentro da medicina, justamente porque sempre
lhe faltaram pelo menos dois capítulos. A anatomia que estava difusa, e a etiologia que
nunca se sabe. Então, dentro da medicina sempre andou com muletas. Mas, digamos,
estamos falando da pediatria. Para a pediatria a questão da verdade é a repetição de
experiências. E como toma experiência no sentido experimentalistra, estende esse critério
experimentalista para a questão da estrutura do desejo. E quando produz isso, é aí que
produz iatrogenia. Então, por exemplo, quando nasce uma criança com Síndrome de Down,
como o pediatra sabe que sua sexualidade não vai funcionar bem, porque em Síndrome de
Down a sexualidade funciona mal, quer dizer, funciona mal enquanto a termos reprodutivos,
em termos de risco. Funciona mal em sentido de que o amadurecimento é muito tardio. E
funciona mal porque, antecipa aí o pediatra: como ele pensa mal – estou falando uma
terminologia experimentalista – como ele pensa mal, não vai poder pensar bem a sua
sexualidade, portanto, é melhor cancelar esse capitulo, esqueça.
Tudo que tem a ver com o capítulo do desejo, que não se assujeita a essa lógica
experimentalista, é capturado por uma extensão dessa lógica experimentalista. Ou bem o
pediatra ? e reduz toda a questão da repetição da verdade ao campo do físico. Então, a
repetição significante é uma repetição da diferença. Quer dizer, quando passa o mesmo
significante pela segunda vez, pelo mesmo lugar, já não está no mesmo lugar. Então quer
dizer uma coisa diferente. Então o que nós estamos introduzindo aqui, me parece, isso que
justifica psicanaliticamente nossa pesquisa, ou nossa participação psicanalítica nela, é que
nós estamos introduzindo a dimensão do significante como bem a Dominique observou.
Nós estamos introduzindo um escorregamento da orelha do pediatra, um escorregão da
orelha do pediatra para o lado do significante. Seria interessante se pudéssemos cuidar que
não se produzisse aqui o risco inverso, do qual estávamos falando antes, de que a ordem
significante se intrometa justamente onde o signo semiológico tem que prevalecer. Esse é o
problema do exercício atual da pediatria. Porque os pediatras quando se metem em
psicanálise, interpretam a febre e a criança tem meningite.

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