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Fundamentos em Ecologia - Ecologia de Populações

Ecologia: histórico, definições e enfoques atuais

1) Histórico

As raízes da Ecologia recaem nos estudos ligados à História Natural algo que, em essência,
é tão antigo quanto o homem. Os Egípcios e babilônicos aplicaram métodos ecológicos
para combater as pragas que assolavam suas culturas de cereais no vale do rio Nilo bem
como na Mesopotâmia (Odum, 1977). Os gregos (Hipócrates, Aristóteles) produziram
textos claramente ecológicos (Allan, 1970).

Passada a idade média, período caracterizado pelo domínio da Igreja que adotou uma visão
aristotélica da natureza, ou seja, que tudo foi criação divina e como objeto de Sua perfeição
não havia necessidade de mudança nos sistemas naturais que estariam eternamente em
equilíbrio. Após o renascimento houve um gradual abandono dessa visão e surgem novas
contribuições ao estudo ecológico. Antonie Van Leeuwenhoek (1632-1723), naturalista
holandês, mais conhecido por ter inventado o microscópio, também estudou e evidenciou a
importância das cadeias alimentares e a regulação de populações (Dubois et al., 1988).
Gaunt (sec. XVI) foi o pioneiro da demografia. Ele trabalhou em censos da população
humana na cidade de Londres e reconheceu a importância da determinação quantitativa das
taxas de nascimentos, mortalidade, da determinação da razão sexual e da estrutura de idade
das populações. Outro naturalista, Buffon (1756) assinalou que existem "forças" capazes de
contrabalançar o crescimento populacional, ou seja, o princípio básico da regulação
ecológica das populações.

As contribuições mais importantes para o estabelecimento da ecologia moderna


aconteceram somente ao final do século XVIII e durante a primeira metade do século XIX.
Malthus (1798) determinou que as populações podem crescer em ritmo exponencial
(modelo densidade independente) enquanto que os recursos de que elas necessitam crescem
em ritmo aritmético. Verhulst (1838) derivou a curva logística de crescimento populacional
(modelo densidade dependente). Farr (1843) descobriu a relação existente entre taxa de
mortalidade e densidade de uma população.

Na realidade, Darwin (1859) e Malthus (opt. cit.) mudaram a idéia platônica de que a
natureza sempre esteve em 'equilíbrio perfeito' (visão aristotélica) e a base para esta
mudança de pensamento está nos seguintes fatos:

a) muitas espécies foram extintas no decorrer dos tempos

b) existe competição causada por pressão populacional

c) a seleção natural e luta pela existência são mecanismos evidenciáveis na natureza

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Enquanto isto, na Alemanha, Ernst Haeckel, em 1869, propôs pela primeira vez o termo
Ecologia (Ökologie). Literalmente este termo significa "oikos" (grego): casa; logie: estudo
(Begon et al.1990). Möbius (1877) introduziu a noção de biocenose, estudando uma
comunidade de organismos existentes num banco de ostras. Forbes (1887), estudando
ambientes aquáticos em Illinois, EUA propôs o lago como um sistema ecológico
independente ('microcosmo'). É considerado juntamente com Forel (1892, 1904), que
estudou o Genfersee (Lac Léman) na Suíça, e o alemão Thienemann (1926), um dos
pioneiros do da ecologia aquática, a limnologia.

Um nome ligado ao Brasil merece destaque especial. Os estudos realizados por Warming
(1895, 1909) no cerrado foram muito importantes para o desenvolvimento da ecologia
moderna. Os seus estudos fitossociológicos em comunidades de cerrado em Lagoa Santa
(MG) foram um dos primeiros estudos sobre ecologia terrestre de que se tem notícia
mundialmente.

No entanto, foi nos Estados Unidos que a ecologia recebeu um impulso definitivo para o
estabelecimento de seu status quo atual. Cowles (1899): descreve a sucessão ecológica nas
dunas ao sul do lago Michigan. Clements (1916, 1935) desenvolveu o conceito de evolução
de comunidade. A partir de seus trabalhos, a Ecologia desenvolve-se como ciência própria.
A principal unidade ecológica, o ecossistema, foi proposta por Tansley (1935).

2) Definições modernas de Ecologia

Apesar de seu desenvolvimento rápido, a ecologia ainda pode ser considerada uma soft
science, assim como a economia, onde ainda não existe uma fundamentação teórica rígida.
A maioria dos princípios elementares da ecologia tais como a noção de equilíbrio
ecológico, da sucessão ecológica, ou as formas de regulação das populações são
fundamentadas em modelos empíricos ou com sustentação experimental ainda muito
deficiente. Não é de se estranhar, portanto, que a ecologia seja definida de diferentes
formas segundo diferentes autores. Abaixo são fornecidas algumas destas definições:

a) Ecologia: história natural científica (Elton, 1927)

b) Ecologia: Estudo científico da distribuição e abundância de organismos (Andrewartha,


1961).

c) Ecologia: Biologia de grupos de organismos. Estudo da estrutura e função da natureza


(Odum, 1963).

d) Ecologia: Estudo científico das interações que determinam os padrões de distribuição e


abundância dos organismos (Krebs, 1972).

e) Ecologia: Estudo do meio ambiente enfocando as relações entre os organismos e seu


meio circundante (Ricklefs, 1980).

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De um modo geral todas a definições acima deixam claro que uma das funções básicas da
ecologia esta relacionada a três tipos de perguntas muito simples:

a) onde estão os organismos?

b) em quantos indivíduos ocorrem?

c) porque eles lá estão (ou não estão)?

Há, ainda, na ecologia moderna, limitações teóricas e metodológicas imensas para


responder satisfatoriamente a estas perguntas (principalemte a terceira).

Como toda soft science, a Ecologia necessita do uso intenso de conhecimentos que provem
de outras ciências. O ecólogo muitas vezes tem que assimilar e gerenciar uma grande
quantidade de informações que extrapolam o conteúdo básico da disciplina. O esquema
abaixo nos da uma idéia das interações e limites da ecologia com outras ciências do meio
ambiente.

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Figura 1 - Interacões entre a Ecologia e outras ciências. Em destaque, acima, as ciências
contribuem para o estabelcimento do corpo teórico da disciplina. Abaixo, algumas das
especialidades que fornecem as “ferramentas” para o estudo ecológico. A direita, outras
áreas onde a teoria ecológica vem sendo aplicada com freqüência cada vez maior.

O uso do conhecimento dessas ciências em Ecologia baseia-se em interações multi-, poli- e,


principalmente, transdisciplinares. Estas interações podem ser de três tipos básicos:

a) interações com outras ciências biológicas cuja doutrina é essencial para o


desenvolvimento teórico da ecologia moderna ("interações core)". Neste âmbito incluem-se
a microbiologia e a zoologia, por exemplo.

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b) uso de ferramentas de trabalho ou novas abordagens metodológicas que são fornecidas
por outras ciências ou especialidades. Nesta categoria, incluem-se a informática, a
estatística, as geo-ciências (sistemas de informações geográficas, p. ex.) e a demografia.

c) ciências aplicadas onde o conhecimento ecológico pode vir a ser aplicado: medicina,
direito ou as engenharias.

3) Enfoques atuais da ecologia

Na ecologia moderna podemos dividir seus enfoques em duas categorias:

a) enfoque descritivo: História natural. Levantamentos da fauna e da flora. Esse foi o


primeiro enfoque dado a ecologia. O acumulo de informações e geralmente enorme e há
riscos de que o foco central da pesquisa nunca seja atingido.

b) enfoque experimental: teste de hipóteses através de experimentos de laboratório e/ou


campo. Nesse tipo de enfoque existe sempre o risco de se cometerem simplificações
grosseiras com o conseqüente distanciamento da realidade.

c) enfoque de modelagem: uso de sistemas computacionais que simulam o comportamento


dos ecossistemas. Esse tipo de enfoque compartilha a critica dirigida por muitos ecólogos
ao item (b), ou seja, os modelos computacionais sempre pressupõem uma simplificação dos
ecossistemas.

A questão central em ecologia é a determinação das causas da distribuição e abundância de


organismos. Isto pode ser avaliado tanto ao nível da comunidade quanto ao nível das
populações. Desta maneira, a ecologia divide-se da seguinte maneira:

c) autoecologia: ecologia de populações;

d) sinecologia: ecologia de comunidades.

Por razões históricas e de limitação de conhecimentos, dividiu-se também o estudo


ecológico em ecologia vegetal e animal.

e) ecologia vegetal (restringe-se a um nível trófico),

f) ecologia animal (os produtores do ecossistema são ignorados).

A divisão em ecologia de comunidades e de populações é, ainda hoje, muito empregada


pelos ecólogos, dada a grande diferença entre os métodos de estudos aplicados em cada
sub-tipo. Entretanto, a divisão entre ecologia animal e ecologia vegetal está superada
considerando o crescente desenvolvimento dos aspectos integrados da ciência onde é
necessário o estudo simultâneo de diferentes níveis tróficos.

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Dado o pouco conhecimento acumulado nos maiores níveis de integração biológicos
(populações, comunidades e ecossistemas) não é de se estranhar que as 'leis' (princípios
universais) já existentes em outras ciências (física, química) inexistam ainda em ecologia.
Isto é típico das chamadas soft sciences quando contrapostas às chamadas hard sciences
(ecologia versus física, economia versus matemática). O estágio atual da ecologia pode
talvez ser comparável ao da química do século XVIII.

4) Unidades ecológicas

Como toda a ciência, a ecologia necessita de uma visão de seu objeto de estudo (a natureza)
em partes. Para isto ela faz uso da teoria dos sistemas. Um sistema é um conjunto cujos
elementos se unem através de propriedades calcadas na interação, na interdependência e na
sensibilidade a certos mecanismos reguladores de tal modo que eles formam um todo
unificado (Odum, 1963).

Os principais sistemas ou unidades biológicos são os seguintes: gens , células, órgãos,


organismos, populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera.

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Figura 2 – Níveis de organização em biologia. A ecologia ocupa-se dos níveis hierárquicos
iguais ou superiores a de populações.

A ecologia ocupa-se dos níveis iguais ou superiores ao das populações. Entretanto, alguns
conceitos são essenciais para que as unidades ecológicas possam ser melhor entendidas.
Estes conceitos são: espécie, raça, ecótipo, habitat e nicho ecológico.

4.1) Espécie: conjunto de indivíduos capazes de se reproduzirem e dar prole fértil (pelo
menos potencialmente). Exemplo: Homo sapiens, Entamoeba coli.

4.2) Ecótipo (raças ecológicas): são populações de uma mesma espécie que apresentam
grande dispersão geográfica, mas que estão fisicamente separadas. Seus limites de
tolerância ecológica, ou também chamados de “limites de Shelford”, variam segundo a

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população considerada. Quando estas variações têm base genética, as populações são
chamadas de raças genéticas. Quando estas variações tem uma base puramente fisiológica,
as populações são chamadas de raças fisiológicas (fenômeno da aclimatação).

A medusa Aurelia aurita apresenta os seguintes ecótipos: Aurelia aurita var. Halifax que
possui um ótimo de contração a 14 C (temperatura da água) e o ecotipo Aurelia aurita (var.
Tortugas mais adaptado as condições tropicais com um ótimo de contração a 29 C. A
macrófita Typha sp (Taboa) exibe várias raças adaptadas a diferentes regiões climáticas
(trópicos, sub-trópicos, z. temperada).

4.3) População: trata-se de um conjunto de indivíduos da mesma espécie que vive num
território cujos limites são geralmente delimitados pelo ecossistema no qual esta população
está presente. As populações são entidades 'reais' cujos atributos: distribuição espacial,
densidade, estrutura etária, taxas de crescimento (produto líquido entre taxas de natalidade,
mortalidade e migração) que podem ser estimados quantitativamente em condições naturais
ou experimentais. Exemplos de populações seriam: (a) Myrmecophaga t. tridactyla (bicho-
preguiça) no Parque Florestal do Rio Doce, Minas Gerais. (b) a população do molusco
planorbideo Byomphalaria straminea habitante de um lago tal como a Lagoa Santa, MG.
(c) o barbeiro hematófago Panstrongylus megistrus var. Sta. Catarina que pode ser
encontrado nas matas da Ilha de Florianópolis, SC (habitat natural).

4.4) Habitat: lugar onde uma espécie (ou mais de uma) vive. Neste local, os organismos
encontrarão, além do abrigo das intempéries do meio físico e de eventuais ameaças
biológicas (predação), alimento e poderão se reproduzir. Muitas vezes, o termo
microhabitat é utilizado para designar o local onde uma determinada espécie poderá ser
encontrada. O termo biótopo é entendido como o substrato físico enquanto que o habitat
poderá ter uma conotação desvinculada do senso geográfico (ex: tronco caído como habitat
de certos insetos coleópteros, tubo intestinal de vertebrados como habitat de nematóides
parasitas).

4.5) Nicho ecológico: unidade mais 'íntima' da distribuição de uma espécie. Pode ser
definido considerando vários aspectos abaixo relacionados:

4.5.1) nicho espacial (microhabitat): proposto por Grinnel (1917) como sendo o espaço
físico ocupado por uma determinada espécie. Exemplo: pele humana como microhabitat de
certos ácaros.

4.5.2) nicho trófico: o termo foi proposto por Elton (1927). É a posição do organismo
dentro de uma cadeia alimentar: produtor, herbívoro, carnívoro. O conceito apresenta
algumas limitações tais como nos casos de organismos que promovem o canibalismo, típico
de várias espécies de copépodes zooplanctônicos. Outra limitação seria a aplicação do
conceiro aos organismos essencialmente onívoros tais como o homem, por exemplo. Um
exemplo interessante para a diferenciação do nicho trofico é constituído pelos hemípteros
neustônicos Notonecta e Corixa. Eles têm o mesmo microhabitat, ou seja, vivem sobre a
película de água em áreas alagadas, mas têm nichos tróficos diferentes: Notonecta é
carnívoro e Corixa é herbívoro.

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O exemplo a seguir, extraído de Krebs, 1994 pag. 281), ilustra as respostas de densidade e
crescimento do inseto predados Notonecta hoffmanii em laboratório. A taxa de predação é
expressa pelo número de larvas de mosquito consumido por dia. O gráfico, abaixo, ilustra
que sob condições de muita comida, Notonecta cresce mais rápido.

Figura 3 - Respostas de densidade e crescimento do inseto predador Notonecta hoffmanii


em laboratório. A taxa de predação é expressa pelo número de larvas de mosquito
consumido por dia. Extraído de Krebs, 1994 pag. 281.

4.5.3) nicho hipervolumétrico: termo proposto por Hutchinson (1957). O nicho


hipervolumétrico seria o descritor exato da posição de um certo organismo dentro do
gradiente ambiental. Esse tipo de nicho envolve não só as condições ambientais exploradas
por este organismo: temperatura, pH, umidade, radiação solar ou o índice de chuvas como
também as interações bióticas tais como predadores, parasitas, competidores, etc. Levando
em consideração o nicho hipervolumétrico, pode-se dividí-lo ainda em duas outras sub-
categorias:

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4.5.3.1) nicho fundamental (ou máximo) ou nicho reduzido (ou realizado). Entende-se por
nicho fundamental como sendo o conjunto de todas as faixas de variações potencialmente
exploráveis por uma certa espécie.

4.5.3.2) nicho realizado refere-se à faixa ambiental na qual efetivamente pode ser
encontrada uma espécie num dado ambiente. Muitas vezes, o nicho realizado é
significativamente mais restrito que o nicho fundamental devido às interações com outras
espécies principalmente a predação e a competição. Exemplo desse termo seriam as
espécies do ciliado Paramecium caudata e P. aurélia. : Esses protozoários possuem o
mesmo nicho espacial e trófico. P. caudatum é eliminado porquê tem menor taxa intrínseca
de crescimento (max).

O nicho ecológico pode mudar com o desenvolvimento ontogenético, ou o sexo. Um


exemplo disso seria o díptero Culex sp. A larva é aquática e herbívora (consome algas e
bactérias de vida livre). As fêmeas adultas são aladas e hematófagas e os machos são alados
porém fitófagos (consomem seiva vegetal).

Segundo Odum (1977), embora o nicho hipervolumétrico seja conceitualmente muito


interessante, sua quantificação prática é virtualmente impossível de ser realizada. Margalef
(1977) acentua ser o conceito de nicho hipervolumétrico necessário para a ecologia teórica.
No entanto, devido a aplicabilidade reduzida do termo, trata-se de um conceito
aparentemente supérfulo segundo o parecer de alguns ecólogos. MacArthur (1968) fez um
interessante paralelismo entre nicho e fenótipo, no sentido que ambos são reflexos de
atributos intrínsecos dos organismos.

A noção da equivalência ecológica, ou seja, que existem organismos diferentes podem


desempenhar papéis ecológicos similares em ecossistemas diferentes (normalmente em
diferentes províncias biogeográficas) é um corolário da teoria do nicho ecológico, pois,
equivalentes ecológicos embora vivendo em distintas regiões do planeta têm o mesmo
nicho ecológico. Exemplos de equivalência ecológica seriam as árvores de início de
sucessão em florestas tropicais: Cecropia sp. vulgarmente conhecida como Embaúba
(Américas), Musanga sp. (África) e Macoranga sp. (Ásia). Todas estas três espécies de
árvores possuem madeira mole, crecimento rápido, típico de plantas pioneiras que vivem
nas bordas das matas ou em estágios serais iniciais de florestas pluvial tropicais.

O conceito de nicho pode ser muito importante para o estudo teórico e comparativo da
evolução de ecossistemas. A teoria do nicho pode explicar os padrões de diversidade
encontrados nos diferentes ecossistemas. Ecossistemas similares por sua vez podem ter
diferentes padrões de ocupação de nicho podendo existir ambientes nos quais vários nichos
ecológicos estejam vagos.

A noção do nicho ecológico também é muito importante para a ecologia aplicada. Um


interessante exemplo é a determinação dos limites de tolerância das espécies com o
consequente estabelecimento de espécies bioindicadoras de poluição ou contaminação
ambiental.

Fundamentos em Ecologia

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Ecologia de Populações (parte 1)

2.1) Definições básicas

População: É qualquer de grupo de organismos da mesma espécie ocupando um espaço


particular num tempo determinado. A população possui um determinado grupo de
parâmetros que podem ser quantitativamente determinados em condições experimentais ou
de campo.

Figura 1 – Imagem de uma população da alga verde (chlorophyta) Ankistrodesmus gracilis


cultivada em laboratorio. Essa espécie de alga e comum em ambiente eutrofizados sendo
considerada uma alga de boa qualidade nutricional para o zooplancton. Fotomicrografia de
Carla Macedo.

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Densidade: Refere-se ao número de indivíduos por unidade de área ou volume.

Um grande número de metodologias foi proposto para se avaliar a densidade de uma


população. Levou-se em consideração, por exemplo, se os organismos são grandes ou
pequenos, se são organismos sésseis ou móveis. Outro aspecto relevante refere-se ao fato
de que, algumas vezes, é necessário inventariar toda a população, como no caso de grandes
vertebrados em perigo de extinção. Na maioria dos casos, entretanto, apenas uma parte dela
deve ser inventariada. Neste caso, técnicas de amostragem com base estatística são
empregadas para se garantir uma representatividade adequada das amostras.

Em alguns casos, não é possível determinar a densidade absoluta de uma população, como
é o caso de se contar somente amostras não quantitativas (ex: plâncton coletado por uma
rede, onde não foi possível a correta determinação do volume filtrado). Ainda assim, é
possível a determinação da densidade relativa da população. Conta-se um número arbitrário
de indivíduos e determina-se o percentual de cada espécie em relação ao total.

2.2) Padrões de distribuição de espécies

2.3) Atributos demográficos de uma população

2.3.1) Natalidade: É um termo que descreve a produção de novos indivíduos por unidade de
tempo. Esta produção pode ser quantificada por nascimentos, postura de ovos, germinação
ou fissão celular (índices mitóticos). Dois aspectos devem ser diferenciados em relação à
produção: a) fertilidade e b) fecundidade.

2.3.2) Fertilidade refere-se à performance real de uma população, e está baseada no número
de nascimentos bem sucedidos. A fecundidade refere-se ao potencial fisiológico de
reprodução atribuído a uma dada população. A população humana apresenta uma
fecundidade igual a 1 nascimento/11 meses.fêmea em idade reprodutiva e uma fertilidade
média de 1 nascimento/8 anos.fêmea em idade reprodutiva. Naturalmente estas estimativas
irão depender do organismo a ser considerado. Uma ostra pode produzir de 55 a 114
milhões de ovos, os peixes irão produzir milhares deles, os anfíbios centenas e os pássaros
de 1 a 20 ovos. Já os mamíferos poderão produzir de 1 a 10 indivíduos/ciclo reprodutivo.

2.3.3) Mortalidade: Inicialmente deve ser distinguida a longevidade fisiológica daquela


ecológica. Isto deve levar em conta o fato de que, em Ecologia, é muito raro encontrar uma
população na qual a maioria dos indivíduos estejam morrendo por senescência. A maioria
dos indivíduos é predada, sofre doenças ou não escapa de catástrofes naturais. Uma
pequena enchente em um córrego, por exemplo, pode ser o fim para milhares de pequenos

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insetos habitantes da várzea. A longevidade da população humana sofreu grandes variações
ao longo do último milênio: na Roma antiga as mulheres viviam em média 21 anos; na
Inglaterra do final do século XVIII elas viviam cerca de 39 anos e nos Estados Unidos ao
início dos anos sessenta elas viviam em média 73 anos (Rabinovich, 1978). A taxa de
mortalidade pode ser estimada diretamente no campo pela técnica de marcação e recaptura
ou por tabelas de vida do tipo horizontal e no laboratório pelas tabelas de vida do tipo
vertical (vide abaixo).

2.3.4) Imigração e emigração: A dispersão (emi e imigração) muitas vezes não tem sido
levada em conta em censos populacionais. Em estudos de marcação e recaptura é comum
trabalhar com a taxa de diminuição que seria a resultante de mortalidade e emigração e taxa
de incremento que seria a resultante de nascimentos mais imigração.

A taxa de emigração pode ser distinguida da taxa de morte ao se estimar a taxa de


diminuição em dois quadrados de diferentes tamanhos. Sejam A e B dois quadrados de área
a e 4a.

Tabela III Relação perímetro área em retângulos de diferentes tamanhos

Quadrado Lado (l) Perímetro (p) Área (a) Relação p/a

A 1 4 1 4

B 2 8 4 2

A taxa de mortalidade dos indivíduos em A e B é igual. Se os indivíduos estão movendo ao


acaso, a taxa de emigração em B é duas vezes maior em A, já que a relação perímetro sobre
a área é 4:2 (A:B). A probabilidade de um organismo cruzar os limites de A é duas vezes
maior do que cruzar os limites de B. Imaginemos que as taxas de diminuição tenham sido
0.20 e 0.15, respectivamente em A e B. Se queremos determinar a taxa de mortalidade 'm' e
a taxa de emigração 'e' da taxa de diminuição observada nos dois quadrados podemos
supor:

0.15 = m + e

0.20 = m + 2e

Aplicando-se o multiplicador (-1) aos membros da primeira equação e somando-os com a


segunda equação temos:

0.05 = 0 + e

logo:

e = 0.05 (5%) e m=0.10 (10%)

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Usando o mesmo processo acima pode-se separar a taxa de nascimento da taxa de
imigração, usando o número de indivíduos não marcados na amostra.

Figura 2 – Atributos de uma população. A densidade de toda a população é a resultante dos


quatro atributos acima.

A relação entre os atributos acima descritos pode ser sumarizada na figura 2 acima. O
conhecimento da biologia de migração de uma espécie é, portanto, de grande importância
para o estudo de uma população. A seguir, fornecemos dois exemplos de migrações de aves
de longo curso, extraído de Ricklefs (1990)

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Figura 3 – Rotas migratórias de duas espécies de pássaros (golden plover e blackburnian
warbler) que migram entre as Américas. Exemplo extratido de Ricklefs (1990).

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2.4) Crescimento de População

2.4.1) Modelo Exponencial de Crescimento Populacional

Lotka (1922) demonstrou que uma população cuja distribuição em classes etárias não se
altere deverá crescer segundo a relação:

O modelo de crescimento exponencial é caracterizado por uma curva típica que é ilustrada
pela figura 4.

Figura 4 – curvas de crescimento explonencial para três populações hipotéticas com


diferentes valores de r e No (Pinto-Coelho, 2000).

Esse modelo pode ser formalmente definido pelas fórmulas abaixo:

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onde

u: taxa de crescimento instantâneo da população

No: tamanho inicial da população (em indivíduos ou biomassa)

Td: tempo de duplicação da população

Observação: freqüentemente, na literatura especializada, a taxa de crescimento instantâneo


de uma população pode ser representada indistintamente pela notação r ou .

Se temos a taxa líquida de crescimento (Ro) podemos facilmente calcular a taxa instantânea
de crescimento (r) observando a fórmula:

onde:

Ro é a taxa finita ou líquida de crescimento ou o número de fêmeas por fêmea.geração;

T é o tempo de geração.

Qual é a diferença entre estas duas taxas? A taxa finita Ro tem uma lógica fácil de ser
compreendida em termos demográficos ao passo que a taxa instantânea de crescimento é
mais fácil de se trabalhar matematicamente. Ro pode ser estimada a partir de tabelas de vida
(como se verá abaixo) e pode ser definida como sendo o somatório do produto entre o
número de sobreviventes (lx) e de nascimentos (mx) em cada classe etária dentro de uma
população.

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Raramente, na natureza, as populações obedecem ao modelo exponencial de crescimento
por longos períodos. Elas normalemte têm uma taxa de crescimento real menor do que max
(* ou potencial biótico), uma vez que várias perdas podem ocorrer. A taxa de crescimento
real de uma população, que pode em alguns casos ser até negativa.

No entanto, há situações genéricas sob as quais pode-se esperar crescimento exponencial de


algumas espécies:

a) quando há introdução de uma nova espécie no ecossistema,

b) novos habitats foram criados (fechamento de um reservatório, por exemplo).

Há casos na literatura onde um genuíno crescimento exponencial pode ser observado em


circunstâncias naturais:

a) a alga diatomácea Asterionella formosa pode crescer exponencialmente durante o spring


bloom (florescimento primaveril, um período restrito a algumas semanas) em muitos lagos
temperados;

b) áreas de ressurgência marinha,

c) roedores em climas temperados e árticos durante a sua estação de crescimento.

A população humana tem tido um crescimento que pode ser descrito pelo modelo
exponencial. Observe, no entanto, que a taxa r vem crescendo também ao longo do tempo
(crescimento super-exponencial).

A tabela a seguir, resume os dados sobre o crescimento populacional nos últimos 450 anos:

Tabela V Expansão da população humana nos últimos séculos.

Ano Bilhões de Indivíduos

1650 0.5

1750 0.75

1830 1.0

1900 1.6

1950 2.5

1960 2.8

1970 3.6

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Se uma população segue o modelo geométrico, é possível estimar o seu tempo de
duplicação (t) apenas conhecendo sua taxa de crescimento populacional (r). Imaginemos
que no instante t a população deverá ter o dobro do seu tamanho inicial que seria No.

Assim, no instante t vamos ter:

Aplicando o modelo geométrico, temos:

Se r é conhecido temos que:

A população humana, em vários países do terceiro mundo, possui um r ao redor de 0.033.


Qual seria o tempo de duplicação (t) desta população se ela segue o modelo exponencial?

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2.4.2) Modelo de crescimento Logístico (Verhulst, 1838)

Este modelo caracteriza-se por uma associação entre a densidade de uma população e sua
taxa de crescimento. Por esta razão, é também chamado de modelo densidade-dependente.
A população pára de crescer ao atingir uma densidade máxima (K), definida como sendo a
capacidade de suporte do meio. Em baixas densidades (K tende a 0), o crescimento é
aproximadamente exponencial e em altas densidades (N tende para K) o crescimento tende
a ser zero. O modelo logístico pode ser definido pelas seguintes fórmulas:

onde:

Nt: tamanho da população no tempo t;

K: capacidade de suporte (densidade máxima prevista pelo modelo);

r: taxa de crescimento (potencial biótico);

e: base de números naturais (e = 2.71827);

a: constante de integração.

Esta curva pode ser facilmente ajustada a partir de dados de laboratório (N, K e t). Para o
cálculo da curva logística, utiliza-se uma análise regressão linear dada pela equação abaixo.
A inclinação da reta é a taxa de crescimento per capta (r) é a interseção em y e (a) é a
constante de integração.

A forma integrada da curva logística pode ser observada na equação abaixo onde a é uma
constante de integração e é a base dos números naturais (e = 2.71827).

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onde:

Nt : refere-se ao tamanho da população no instante t;

rm, K e t: como nas fórmulas acima.

A Figura 5 ilustra o modelo de crescimento logístico, que é do tipo densidade- dependente,


ou seja, a taxa de crescimento depende do tamanho populacional. A diferença entre o
crescimento exponencial e o logístico, em termos de área de curva, é chamada de
resistência ambiental (omega).

Figura 5 – Curva de crescimento populacional do cladocero Moina micrura cultivada em


laboratprio com a alga Ankistrodemsus gracilis segundo o modelo logístico. Dados obtidos
no laboratório de ecofisiologia de organismos planctônicos da UFMG (Macedo, 1999).

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Há várias evidências experimentais suportando esse modelo. A mais famosa delas foi
publicada por Gauss (1934), onde é feito um estudo sobre a dinâmica populacional de dois
Paramecium: P. aurelia e P. caudatum. Pearl (1927) observou que leveduras
(Saccharomices) podem crescer segundo um modelo logístico. Jacobs (1947) cultivou
Escherichia coli em meio aeróbico sob temperatura (35 C) e pH constantes e contínuo
aporte de comida e obteve como resposta o crescimento logístico. Chapman (1928)
observou que colônias do coleóptero Tribolium crescem segundo um modelo logístico. Park
et al.(1964) observou, entretanto, que culturas de Tribolium, embora cresçam segundo uma
curva logística, não se estabilizam em torno de K. Há um lento e contínuo decréscimo (800
dias). Birch (1953) observou a ausência de estabilização em K para o coleópetro Calandra.
A figura acima demonstra a grande aderência ao modelo que é obtida cultivando cladóceros
no laboratório (Macedo, 1999).

A falta de estabilidade em torno de K apresentada por várias populações sob suposto


crescimento logístico levou a proposição de modelos alternativos:

a) time-lag: depende de N de uma maneira não uniforme;

b) modelos estocásticos ou probabilísticos.

Uma população que obedeça ao modelo logístico deve obedecer aos seguintes critérios
(Rabinovich, 1978):

a) qualquer que seja a natureza do novo indivíduo, o efeito em r é o mesmo. Todos os


indivíduos são idênticos, ou seja não há efeito da idade ou sexo sobre a taxa de
crescimento;

b) o efeito depressivo da densidade sobre a taxa de crescimento é sentido instantaneamente,


ou seja, não há time-lag (ou tempo requerido para se observar uma dada resposta);

c) a população se encontra numa condição estável de distribuição de idades;

d) o efeito depressivo da densidade sobre a taxa de crescimento é linear;

e) as taxas instantâneas de natalidade e mortalidade (b e m) são as determinantes da taxa


instantânea de crescimento () e não mudam ao longo do tempo. Isto significa que tanto as
condições ambientais bem como o genótipo dos indivíduos são constantes ao longo de
gerações sucessivas.

Uma das principais características do modelo logístico é a dependência do crescimento em


relação a densidade de uma dada população em um dado instante. Sendo assim, deve ser
possível expressar r em função da capacidade de suporte do meio (K) e da densidade da
população (N). O conjunto de equações abaixo procura demonstrar matematicamente essa
dependência.

22
A taxa de crescimento rm pode ser interpretada como sendo a capacidade inata para crescer
em números. É um parâmetro característico para cada espécie e pode variar segundo o
ambiente ou as condições experimentais. A taxa rm é uma capacidade inata sendo atingida
por uma particular combinação de condições do meio em conjunto, definidas como sendo
ótimas. O termo "ótimo" deve ser encarado com reservas. Na realidade condições ótimas
podem significar condições controladas e especificáveis. A importância deste parâmetro
está em sua utilidade para simulações e modelizações.

A tabela abaixo fornece algumas destas taxas para roedores e insetos.

Tabela VI Taxas de crescimento (r e G) em diferentes populações de vertebrados e


invertebrados

Organismo rm (dia-1) G (dia) Ro

Microtus agrestes (r) 0.0125 141.8 5.9

Rattus norvegius (r) 0.0147 217.8 25.9

Tribolium castaenum (i) 0.101 55.6 275.0

Calandra oryzae (i) 0.109 43.4 113.6

Obs: roedor (r), inseto (i).

23
Módulo 1 - Ecologia de Populações

Aula 3 - Ecologia de Populações (parte 2)

1) Populações (Técnicas demográficas)

Tabelas de vida: Foram inicialmente desenvolvidas por demógrafos sociais trabalhando a


partir de dados censitários de populações humanas. Elas reúnem as mortalidades específicas
por idades. Há dois tipos de tabelas:

a) tabela estática ou vertical: É baseada num 'transecto' de uma população num tempo
definido. É produzida por um levantamento censitário;

b) tabela de "coorte" ou horizontal: É baseada no estudo de um conjunto de indivíduos da


mesma idade (coorte) durante toda a sua vida.

Estas tabelas se diferem apenas na maneira na qual são coletados os dados que servirão de
partida para os cálculos. Elas serão idênticas se o ambiente não mudar e se a população
estiver em equilíbrio.

A montagem de uma tabela é feita a partir da estimativa de uma série de parâmetros


demográficos, dentre os quais podem ser citados:

x: intervalo de idade

lx: número de sobreviventes ao início da idade x

dx: número de indivíduos mortos no intervalo x a x+1

qx: taxa de mortalidade durante o intervalo x a x+1

ex: esperança média de vida no início da idade x

Lx: média de probabilidade de sobrevivência entre duas idades sucessivas

Tx: número total de dias que restam de vida aos sobreviventes que tenham alcançado a
idade x.

Primeiramente deve-se estabelecer um intervalo de idade (x) compatível com as


caracteríticas do desenvolvimento ontogenético da espécie estudada. Em seres humanos, x
é usualmente igual a 5 anos, em veados, x cai para 1 ano e, em ratos silvestres, x é igual a
apenas 1 mês. Uma das principais características de uma tabela de vida refere-se ao cálculo
seqüencial das colunas, ou seja, dados os intervalos de idade (x) e o número de
sobreviventes por classe etária (lx), todos os outros parâmetros podem ser calculados.

24
A tabela 1 sumariza a forma convencional de se representar os diversos parâmetros
necessários para a montagem de uma tabela de vida. Ela foi construída com dados de uma
população de insetos (afídeos), onde o valor de lx inicial foi de 1000 e o intervalo de idade
de apenas 1 dia. Após 6.5 diaæ, todos os indivíduos estavam mortos.

25
Tabela 1 Tabela de vida das fêmas do afídeo Aphis fabae construída a partir dos dados de
Dixon & Walther (1971) in Rabinovich (1978).

x lx dx qx Lx Tx Ex
0.5 1000 0 0 1.000 4.185 4.185
1.5 1000 0 0.000 0.995 3.190 3.190
2.5 990 10 0.010 0.910 2.195 2.210
3.5 830 160 0.192 0.670 1.285 1.548
4.5 510 320 0.627 0.435 0.615 1.205
5.5 360 150 0.417 0.180 0.180 0.500
6.5 0 360 1.000 0.000 0.000 0.000

Passaremos, a seguir, ao cálculo das taxas de crescimento populacional a partir dos dados
de uma tabela de vida.

Parâmetros necessários:

É possível, a partir de uma tabela de vida, calcular as taxas líquida e instantânea de


crescimento de uma população. Para isto são necessários os cálculos descritos a seguir:

Consideremos os seguintes parâmetros:

Ro: taxa líquida de reprodução, ou seja o número de fêmeas que é produzido por uma fêmea
em seu tempo de geração

T: tempo de geração, ou seja, é o tempo médio de geração entre duas gerações sucessivas

r: taxa intrínseca de crescimento natural ou simplesmente taxa de multiplicação instantânea

l: taxa finita, ou seja, ao contrário da taxa instantânea, é o número de indivíduos que se


junta à população por unidade de tempo.

mx: número de nascimentos por fêmea

lx: probabilidade de se estar vivo na idade x.

Fórmulas:

26
Exemplo: tomemos a tabela de vida de Aphis fabae (Rabinovich, 1978) e recalculemos
algumas colunas.

Tabela 2. Tabela de vida de Aphis fabae.

x (dias) lx mx lx.mx x.lx.mx


0.5 1.000 0 0 0
1.5 1.000 0 0 0
2.5 0.990 13.40 13.27 33.18
3.5 0.830 11.90 9.88 34.58
4.5 0.510 4.60 2.35 10.58
5.5 0.360 4.60 1.66 9.13
6.5 0.000 0.00 0.00 0.00
Totais 34.50 27.15 87.46
Ro = 27.15 fêmeas/geração.fêmea

Considerando os dados da tabela acima podemos então calcular os parâmetros básicos da


tabela de vida do inseto:

27
A determinação de Ro é também de fundamental importância em muitos estudos sobre
produção secundária já que a quantidade de biomassa produzida por unidade de tempo em
uma população por unidade de tempo pode ser calculada a partir dos dados de abundância,
da taxa líquida de crescimento (Ro) e do peso dos indivíduos.

3.2) Estrutura em idade


Uma das técnicas utilizadas para descrever a estrutura de uma população refere-se ao uso
de pirâmides de distribuição de idades. Uma população em crescimento geométrico, com
taxas de mortalidade e fertilidade constantes, manterá uma distribuição de idades constante.
Isto quer dizer que sua pirâmide de idades não se alterará com o aumento da densidade.
Esta distribuição de idades pode ser obtida a partir de tabelas de vida ou de fertilidade. A
principal forma de mostrar a estrutura em idade de uma população é através da pirâmide de
idade. Há três tipos básicos de pirâmides. Todos eles estão representados na figura 1.

28
Figura 1 – Pirâmides de idade hipotéticas ilustrnado três estruturas etárias possíveis de
serem encontradas em uma população.

3.3) Curvas de sobrevivência


Estas curvas são a expressão gráfica da coluna lx de uma tabela de vida. A coluna lx pode ser
trasformada em probabilidade de sobrevivência, uma vez que representa a proporção de
indivíduos vivos numa determinada classe etária (x). Se lx (na forma de probabilidade) for
representada graficamente em função do tempo, obtém-se a chamada curva de
sobrevivência. Quatro tipos fundamentais de curvas de sobrevivência são reconhecidos:

Tipo I: As mortes massivas ocorrem apenas nas etapas finais. A proporção de sobreviventes
é constante durante quase todas as etapas do ciclo vital. Ex: população humana.

Tipo II: Há um número constante de indivíduos morrem durante todas as fases do ciclo vital
Ex: certas populações de insetos e aves.

Tipo III: O número de indivíduos que morrem a medida que a população envelhece é cada
vez menor e é sempre uma fração constante da população. Ex: vários invertebrados.

Tipo IV: A mortalidade afeta sobretudo os jovens. Ex: espécies com estágio larval tais como
peixes e moluscos.

29
Figura 2 – Tipos de curvas de sobrevivência encontradas nas populações.

O tipo de curva pode variar dentro de uma mesma espécie dependendo das condições
ambientais, sexo e genótipo dos indivíduos. Pearl (1928) demonstrou que moscas de fruta
com asas vestigiais tinham uma curva de sobrevivência do tipo II enquanto que aquelas de
asas normais apresentavam uma curva do tipo I.

30
3.4) Regulação de Populações
Ainda no velho testamento há relatos sobre flutuações de populações principalmente relatos
sobre pragas de gafanhotos e de roedores. Cole (1951) fez uma revisão na literatura sobre
flutuações populacionais e chegou a formular alguns tipos mais freqüentes de flutuações
(tabela 3):

Tabela III Ritmos de oscilações em diferentes populações de vertebrados e invertebrados.

Organismo ritmo de oscilação (anos)


roedores 3-4
perdizes 6
aves produtoras de guano (Chile) 7
coelhos 8
estrela-do-mar 14
lince 8-11

Na realidade, Cole observou que existem muitos organismos (mamíferos) que fazem um
ciclo de 3 a 4 anos e outros que sofrem oscilações periódicas entre 9 e 11 anos. Mas quais
são as verdadeiras causas destas flutuações? Este tem sido um dos temas centrais em
Ecologia já que trata-se de um fenômeno de ocorrência generalizada, porém, de causas
pouco conhecidas.

A seguir, fornecemos um exemplo extraído de Ricklefs (1990, pg. 363), sobre um estudo
clássico de laboratório demonstrando, de modo inequívoco, a existência de ciclos
endógenos nas populações. Trata-se de um estudo realizado com a mosca berne de
carneiros, Lucilla cuprina, publicado por Nicholson em 1958. No gráfico superior, temos os
ciclos propriamente ditos e, no gráfico inferior, está representata a distribuição de idades
(ecofases) da população, obtida a partir de uma tabela de vida como a vista na primeira
parte desse capítulo. As linhas verticais, no gráfico superior, referem-se aos números de
adultos que emergiram dos ovos.

31
Figura 4 - Ciclos endógenos em uma população de inseto parasita, a mosca berne de
carneiros, Lucilla cuprina. Exemplo extraído de Ricklefs (1990, pg. 363).

Existem "escolas" em Ecologia que são certas linhas de pensamento originadas por um ou
mais pesquisadores com idéias similares e com 'longa' história de publicações interligadas.
Em relação às teorias que procuram explicar as flutuaçoes de populações, podemos citar
pelo menos três grandes escolas do pensamento ecológico:

1) Escola de Andrewartha-Birch: tal linha de pensamento procura explicar o fenômeno das


oscilações populacionais com base no ambiente e suas flutuações;

2) Escola de Nicholson-Bailey: as flutuações das populações seriam causadas por fatores


denso- dependentes tais como a falta de espaço ou de alimento;

32
3) Escola de Wynne Edwards ou da autoregulação: baseada em fatores endógenos
(genéticos, fisiológicos ou comportamentais).

Price (1975) fez uma revisão sobre as teorias sobre controle de populações. Um resumo
sobre estas teorias é dado no quadro a seguir:

33
Tabela IV – Fatores intrinsecos (denso-dependentes) e extrínsecos capazes de regular as
densidades das populações, segundo Price (1975).

34
Módulo 1 - Ecologia de Populações

Aula 4 - Interações entre as espécies

1) Introdução

As interações entre as espécies podem tanto ser classificadas com base no mecanismos de
interação quanto nos efeitos que estas interações causam reciprocamente. Uma
classificação dos principais tipos de interação, com base nos mecanismos de atuação destas
interações, é dada a seguir:

1.1) Competição: duas espécies usam um recurso limitante (alimento, luz, água) causando
prejuízos recíprocos

1.2) Predação: um animal consome outro animal inteiro ou partes dele

1.3) Herbivoria: um animal consome um vegetal inteiro ou alguma de suas partes (caule,
folhas, frutos, flores e sementes)

1.4) Parasitismo: Associação onde o parasita depende obrigatoriamente metabolicamente de


um ou mais hospedeiros para completar o seu ciclo vital

1.5) Doença: Associação entre um parasita patogênico e um ou mais hospedeiros onde o


parasita causa impacto nocivo em termos genéticos, fisiológicos ou anatômicos

1.6) Mutualismo: Associação entre duas espécies onde pode haver ou não benefícios
mútuos

1.7) Simbiose: Associação entre duas espécies mutualísticas onde exista um claro benefício
recíproco.

Alguns autores não separam parasitas e doenças bem como não reconhecem as diferenças
entre o mutualismo e a simbiose. Outros autores restrigem a simbiose quando além de
benéfica é obrigatória para a sobrevivência de um dos parceiros.

As micorrizas fúngicas são muito comuns nas florestas tropicais e são também conhecidas
como exemplos de mutualismos muitas vezes mutualismos que envolve uma relação de
simbiose obrigatória. No caso das endomicorrizas, os micélios que são massas de finos
filamentos de fungos, invadem as raízes das plantas e formam uma rede chamada de

35
arbúsculo. Essas estruturas funcionam como raízes extendidas e são capazes de captar
nitrogênio e fósforo a distâncias e concentrações que não seriam captadas pelo vegetal
superior. As ectomicorrizas formam uma estrutura em forma de chapéu que envolve as
raízes da planta. De um modo geral, as micorrizas obtem das plantas hospedeiras a matéria
orgânica necessária para o seu metabolismo e, em troca, imobilizam nutrientes limitantes
em solos muito pobres, produzem reguladores do crescimento, diminuem a susceptibilidade
da planta a doenças uma vez que estimulam as plantas hospedeiras a produzirem uma
miríade de inidores químicos.

Figura 1 - Três tipos de micorrizas fungicas encontradas nas plantas superiores (extraído de
Smith and Smith, 1998, pag. 218). Trata-se de uma relação tipicamente simbiótica, pois as
micorrizas obtém das plantas hospedeiras a matéria orgânica necessária para o seu
metabolismo e, em troca, facilitam a retenção nas plantas de nutrientes limitantes em solos
muito pobres

2) Competição

A competição e a predação são as interações que mais tem atraído a atenção dos ecólogos
talvez pelo fato de ser frequentemente observáveis na natureza.

A competição por sua vez pode ser subdividida nos seguintes tipos

36
2.1) Competição intraespecífica: quando ocorre entre os membros de uma mesma espécie
ou mais precisamente entre os membros de uma dada população vivendo numa área
geográfica definida.

2.2) Competição interespecífica: quando ela ocorre entre organismos pertencentes a duas
espécies diferentes.

Nem sempre é fácil estabelecer se duas espécies estão ou não competindo por um
determinado recurso. Wiens (1989) estabeleceu alguns critérios que estabelecem uma
escala gradual de certeza para se afirmar se duas espécies estão em competição:

a) Existência de padrão biogeográfico do tipo tabuleiro de xadrez onde a presença de uma


espécie em um dado local praticamente garante a ausência da outra (checkerboard pattern).

b) Existência de sobreposição no uso de recurso potencialmente limitante.

c) Existência de competição intraespecífica.

d) O uso do recurso por uma espécie dificulta o seu uso pela outra.

e) Uma ou mais espécies é negativamente afetada.

f) Outras hipóteses (predação?) não podem explicar satisfatoriamente os padrões


biogeográficos observados.

A competição pode ainda ser subdividida de acordo com a forma em que se manifesta nos
organismos:

a) Competição por recurso (resource competition ): ocorre quando um dado número de


organismos de uma dada espécie ou de espécies diferentes usam um dado recurso que esteja
sendo limitante.

b) Competição por interferência ou explotativa (contest or interference competition ) ocorre


quando os organismos envolvidos na interação causam algum tipo de malefício ou prejuízo
mesmo se o recurso disputado não esteja necessariamente em falta.

Existe ainda um outro tipo de competição. Em 1972, MacArthur sugeriu que a competição
poderia ocorrer simultaneamente entre várias espécies que ele definiu como competição
difusa. Este seria o caso de uma espécie exercer seus efeitos sobre várias outras.

A natureza do recurso limitante numa interação competitiva pode variar muito. Em plantas
ele pode ser a luz, o espaço e nutrientes (freqüentemente o fósforo ou nitrogênio). Mas
pode haver competição por polinizadores ou agentes dispersores, por exemplo. Entre os
animais, o recurso limitante pode ser alimento, sítio de oviposição ou nidificação ou abrigo
para eventuais predadores.

37
A competição para se manifestar não exige a presença física e simultânea dos eventuais
competidores. Um animal que se alimente de uma planta durante o dia pode competir com
outro que seja ativo somente à noite. Outro ponto relevante refere-se a presença da
competição. A maioria dos animais que vivem ao redor de um dado organismo não são seus
competidores. Assim, a competição se manifesta precisamente somente nos casos
assinalados acima. Num recife de coral, existem dezenas ou mesmo centenas de espécies de
peixes vivendo lado a lado. Estes organismos são em geral muito especializados nos
recursos que exploram e a maioria deles não estão em competição entre si.

38
2.1) O modelo de Lotka-Volterra

Diversos modelos tem sido propostos para explicar a competição entre os organismos. Um
modelo considerado clássico foi proposto por Lotka (1925) nos Estados Unidos quase que
simultaneamente por Volterra (1926) na Itália. Tal modelo ficou reconhecido como sendo o
modelo de Lotka-Volterra.

O modelo de Lotka Volterra é um modelo determinístico baseado em equações diferenciais


relacionando a taxa de crescimento dos organismos competidores a dois coeficientes de
competição, os alfas.

O crescimento de duas espécies (1 e 2) pode ser definido de acordo com o modelo de


crescimento logístico descrito abaixo:

onde:

N1 e N2: tamanho das populações das espécies 1 e 2

t: tempo

r1 e r2: taxa intrínseca de crescimento per capta das espécies 1 e 2

K1 e K2: capacidades de suporte do meio ou densidades assintóticas previstas pelo modelo


logístico para as espécies 1 e 2.

As duas espécies têm diferentes necessidades de recursos e para crescerem usam diferentes
quantidades dos recursos disponíveis. Deste modo, uma dada quantidade de alimento que
seja limitante irá proporcionar o crescimento de diferentes densidades finais das duas
espécies acima consideradas. É isto o que quer dizer os diferentes K's nas equações acima.

O modelo de Lotka-Volterra propõe o uso de dois coeficientes, (alfa e beta) que na


realidade tentam converter as diferenças específicas no uso dos recursos em uma unidade
comum. Assim a expressão abaixo:

onde

39
alfa é o fator de conversão para expressar uma dada quantidade de indivíduos da espécie 2
em indivíduos equivalentes da espécie 1.

Desta maneira as equações que expressam as interações competitivas entre duas espécies
pelo modelo de Lotka Volterra são as seguintes:

onde:

alfa: coeficiente de competição ou fator de conversão de indivíduos da espécie 2 em


unidades equivalentes da espécie 1.

beta: coeficiente de competição ou fator de conversão de indivíduos da espécie 1 em


unidades equivalentes da espécie 2.

Os demais termos são os mesmos da equação do modelo logístico para duas espécies 1 e 2.

Figura 1 – Isoclinas de crescimento nulo. As isoclinas são linhas com propriedades


semelhantes em um modelo gráfico e que normalmente dividem áreas que representam
dierentes comportamentos do sistema considerado, como no caso, um sistema composto
por duas espécies concorrentes (Pinto-Coelho, 2000).

40
Estas equações podem ser graficamente expressas graficamente (Figura 1).

As diagonais nestes gráficos indicam isóclinas onde o crescimento é nulo. Estas diagonais
juntamente com as coordenadas definem espaços de crescimento positivo e negativo.
Abaixo das diagonais temos crescimento positivo e acima delas crescimento negativo,
ambos representados por setas.

Figura 2 – Resultados possíveis da interação competitiva entre duas espécies segundo o


modelo de Lotka-Volterra (Pinto-Coelho, 2000).

O que aconteceria se colocássemos as duas espécies juntas? Existem três possibilidades: a)


espécie 1 ganha e extingue a espécie 2; b) espécie 2 ganha e a espécie 1 vai a extinção e b)
há coexistência entre ambas as espécies (Figura 2).

Quando K1 for maior do que o equivalente em densidade da espécie 2 (K2/beta) e K2 for


menor do que o equivalente em densidade da espécie 1 (K1/alfa) significa que a espécie 1
irá ganhar a competição. A espécie 2 irá ganhar no caso de K2 ser maior do que (K1/alfa) e
o equivalente em densidade da espécie 2 (K2/beta) for maior do que K1. Haverá
coexistência estável sempre que os equivalente em densidades para ambas as espécies
forem maiores do que as capacidades de suporte delas. A coexistência no entanto será
instável ser as capacidades de suporte de ambas as espécies forem sempre maiores do que
os equivalentes em densidades para ambas as espécies. A figura abaixo ilustra estes
possíveis resultados.

41
2.2) O modelo de Tilman

Uma das maiores críticas ao modelo de Lotka-Volterra refere-se ao fato de que, embora
sendo um modelo confortável do ponto de vista matemático, ele não trata biologicamente a
questão da competição. É um modelo do tipo caixa-preta onde não existe qualquer ênfase
aos possíveis mecanismos da competição.

Tilman (1977, 1982) apresentou um modelo baseado no uso de recurso pelas espécies
potencialmente competidoras. Uma das maiores vantagens do modelo refere-se a
capacidade de interpretação gráfica das interações entre as espécies. Esta interpretação
gráfica baseia-se nas isóclinas de crescimento nulo vistas acima que são plotadas em
relação aos recursos considerados para cada uma das espécies envolvidas.

Figura 3 – Isoclinas de crescimento nulo para uma espécie considerando dois recursos r1 e
r2 potencialmente limitantes para o seu crescimento. Os eixos 1 e 2 representam gradientes
de concentração dos recursos 1 e 2, respectivamente.

A determinação destas isóclinas baseia-se no Modelo de Monod que por sua vez está
alicerçado na cinética de Michaelis Menten. Trata-se de uma curva de saturação que
relaciona a disponibilidade de um certo recurso à taxa de crescimento per capta das
espécies (vide módulo sobre ecologia de processos). Quando temos dois recursos (r1 e r2)
são definidas duas isóclinas que por sua vez definen no gráfico r1 versus r2 duas regiões
distintas: a) uma região onde existe o crescimento da espécie (dN/dt > 0) e b) outra região
onde o crescimento da espécie é negativo (dN/dt < 0). O crescimento é mulo sobre as linhas
das isóclinas (Figura 3).

42
Figura 4 – Resultados de interações competitivas segundo o modelo de Tilman entre duas
espécies a e b, considerando os recursos potencialmente limitantes 1 e 2. Os eixos ca e cb
representam, respectivamente, os vetores de consumo de recursos (determinados pelas taxas
de consumo) pelas espécies consideradas (Pinto-Coelho, 2000).

O resultado da interação competitiva entre duas espécies pelo modelo de Tilman baseia-se
na posição relativa das isóclinas das espécies para os recursos considerados (Figura 4). A
figura acima ilustra as diferentes possibilidades da interação competitiva entre duas
espécies para dois diferentes recursos. As diferentes regiões do gráfico estão numeradas e
significam o seguinte:

1) área onde nenhuma das espécies pode sobreviver,

2) área onde apenas a espécie A sobrevive,

3) área onde a espécie A ganha a competição,

4) área de coexistência (estável ou instável),

5) área onde a espécie B ganha a competição,

6) área onde apenas a espécie B pode sobreviver.

O tipo de equilíbrio na região (4) poderá ser estável ou instável. Isto irá depender
basicamente dos vetores indicando as taxas de consumo dos recursos para as espécies (Ca e
Cb).

43
O modelo de Tilman reúne algumas importantes características. Em primeiro lugar ele
opera sob condições de equilíbrio dinâmico; em segundo lugar ele apresenta uma boa
fundamentação biológica o que não é o caso do modelo de Lotka-Volterra e, em
consequência, ele já foi verificando experimentalmente (Lampert & Sommer, 1993).

3) Predação

A predação pode ser genericamente definida como sendo o ato de um animal consumir
outro organismo para dele se alimentar. Este ato envolve na maioria dos casos a morte da
presa.

Figura 5 – Ecofases da larva do díptero Chaoborus brasiliensis. Essas larvas são


organismos raptoriais sendo exclusivamente predadoras de zooplancton a partir do terceiro
instar. Fotomicrografia obtida no laboratório de ecofisiologia de organismos planctônicos
por Jose Fernandes Bezerra Neto. Organismos coletados no Parque Ecológico da Lagoa do
Nado, Belo Horizonte (MG).

Pode-se definir cinco tipos diferentes de predação:

1) Carnívoros de primeira ordem: são os predadores típicos consumidores de herbívoros.

2) Carnívoros de topo de cadeia (ou de segunda ordem): predadores de canívoros.

44
3) Herbívoros: podem consumir uma planta inteira ou partes dela tais como sementes,
frutos, flores ou raízes.

4) Insetos parasitóides: predadores que depositam seus ovos sobre ou próximos ao


hospedeiro que será subsequentemente consumido pelas larvas do parasitóide.

5) Canibais: são predadores que consomem indivíduos da própria espécie.

A predação é um dos fatores ecológicos mais importantes pois afeta não somente as
populações mas também toda a comunidade. Neste capítulo trataremos dos efeitos da
predação sobre as populações individualizadas já que os efeitos da predação sobre a
comunidade serão discutidos no módulo seguinte.

Normalmente os modelos de predação são aplicáveis separadamente para populações de


gerações discretas e contínuas.

3.1) Gerações discretas

Uma população de presas deverá crescer na ausência do predador segundo o modelo


logístico:

onde:

Nt e Nt+1: Tamanho da população no instante t e t+1

t: tempo de geração

B: inclinação da curva reprodutiva

Zt: (Nt - Neq): desvio presente observado na população em relação à densidade de equilíbrio.

Esta equação receberá um termo de subtração na presença de predadores. Isto pode ser feito
observando o modo como atuam os predadores. Eles podem consumir as presas segundo
uma taxa constante ou então podem apenas consumir as presas quando elas superam um
determinado número. Mas se a densidade do predador depender da densidade da presa, isto
vai implicar numa flexibilidade da densidade do predador que irá depender da densidade da
presa. Neste caso, a equação acima passaria a ser escrita da seguinte forma:

onde:

45
Nt+1: tamanho da população de presas na geração t+1

Pt: tamanho da população na geração t

C: constante medindo a eficiência do predador

Considerando que a taxa de reprodução dos predadores depende do número de presas, a


população do predadores será estimada da seguinte forma:

onde:

Pt+1: tamanho da população de predadores no instante t+1

Pt: tamanho da população de predadores no instante t

Nt: tamanho da população de presas no instante t

Q: eficiência da utilização de presas pelos predadores

A população de predadores teria um crescimento exponencial se a população de presas


fosse constante. Isto efetivamente pode acontecer se houver por exemplo entrada de presas
no sistemas via imigração.

O próximo passo seria estimar a taxa máxima de reprodução tanto de presas quanto de
predadores. Para a população de presas, isto pode ser feito considerando o número de
predadores muito baixo, próximo de zero. neste caso, a taxa de reprodução poderia ser
definida da seguinte forma:

onde:

R: taxa de reprodução finita da população de presas

A população de predadores, considerando que a população de presas esteja em equilíbrio e


a população de predadores seja ainda baixa temos:

46
onde

S: taxa de reprodução finita máxima da população de predadores.

Q: eficiência de utilização das presas pelos predadores

Neq: população em equilíbrio das presas.

Este modelo pode ser visualizado com um exemplo hipotético fornecido por Krebs, 1994.
Considere R= 1.5 e Neq= 100. Neste caso o valor absoluto da inclinação da curva
reprodutiva será 0.005. O valor da eficiência do predador seria C= 0.5 e o valor da
eficiência do uso das presas pelos predadores seria de Q= 0.02.

As equações dos predadores e presas seriam então:

O resultado dos cálculos realizados com uma população de presas No = 60 indivíduos e


uma população de predadores Po = 1.8 podem ser vistos no figura 6.

47
Figura 6 – Modelo simulando um sistema presa versus predador, com gerações discretas
Pinto-Coelho, 2000).

3.2) Gerações contínuas

Um modelo com boa aceitação na literatura para populações que apresentam gerações
contínuas foi proposto por Rosenzweig & MacArthur (1963). Este é um modelo gráfico
baseado em isóclinas representadas por linhas onde a taxa de crescimento da população de
presas é zero. A população de presas tende a permanecer em algum ponto desta linha.

Este modelo de predador-presa parte de pressuposições simples:

a) Quando a população de predadores for suficientemente alta a população de presas irá


declinar. Esta região do gráfico seria a região A do gráfico abaixo.

b) Na região B, existem poucos predadores a tal ponto de não impedir um controle via
predação do crescimento da população de presas.

48
Figura 7 – Isoclinas de crescimento nulo para uma população de presa (H) com gerações
continuas (Pinto-Coelho, 2000).

Imagine um tipo de experimento onde sejam determinados os pontos de crescimento


positivo e negativo da população de presas. A fronteira entre regiões de crescimento
positivo e negativo será a isóclina de crescimento nulo da população de presas (Figura 6).

Se uma população de presas estiver em equilíbrio ela deverá estar necessariamente em


algum ponto desta isóclina. A isóclina terá sempre uma forma convexo assimétrica à direita
já que a população de presas sofrerá uma autoregulação em densidades muito altas.

Figura 8 – Isóclinas de crescimento nulo para uma população de predadores (P) com
gerações contínuas (Pinto-Coelho, 2000).

Agora considere uma população de predadores com alta seletividade de presas e que esteja
com limitação de alimento sob baixa densidade de presas. Quando o número de predadores
for alto, a população deles sofrerá decréscimo. A fronteira entre as zonas de crescimento
positivo e negativo será a isóclina da população de predadores. Note que esta isóclina
assume uma forma bem diferente da isóclina das presas (Figura 7).

49
Figura 9 – Modelo de interação presa versus predador ambos com gerações continuas. O
sistema estaria em equilíbrio no ponto C (Pinto-Coelho, 2000).

A sobreposição das isóclinas gera um modelo de interação presa-predador hipotético que


pode ser vista na figura 8. O ponto C é um ponto de equilíbrio tanto para a população de
presas quanto para a população de predadores. Este gráfico define quatro quadrantes
delimitados pelos vetores. No quadrante superior direito ambas as populações são grandes e
então o vetor assinala decréscimo para ambas as populações. No quadrante inferior direito,
as presas estão diminuindo em número e os predadores estão aumentando. Deste modo o
vetor aponta para cima e para esquerda. O quadrante superior esquerdo aponta para baixo e
à esquerda, indicando que as presas voltaram a aumentar e os predadores estão ainda
decrescendo. Finalmente o quadrante inferior esquerdo representa uma região de mútuo
crescimento (vetor apontando para cima e para a direita).

Figura 10 – Sistema presa versus predador, onde o predador é apenas limitado pela
disponibilidade de presas (Pinto-Coelho, 2000).

50
Considere uma situação extrema onde o predador é apenas limitado pela disponibilidade de
comida, ou seja, de presas. Neste caso, a isóclina dos predadores seria uma reta vertical,
sem dobras uma vez que não há qualquer autolimitação (Figura 9). Este é um sistema
estável que se disturbado do equilíbrio tenderá voltar através de oscilações convergentes ao
ponto de equilíbrio C. O equilíbrio não será mais estável se o predador for muito eficiente.
Neste caso, significaria dizer que a linha vertical da isóclina dos predadores seria deslocada
para à esquerda.

Figura 11 – Sistema presa versus predador como ilustrado na figura anterior, exceto que o
predador e mais eficente, causando a instabilidade do sistema (Pinto-Coelho, 2000). Esse
tipo de interação foi muito bem descrito por Paine (1966) estudando os efeitos da remocao
de predadores em um costao rochoso no litoral do oceano Pacifico (EUA).

Quando a isóclina dos predadores estiver à esquerda do ponto mais alto da isóclina das
presas, inexiste equilíbrio estável (Figura 10) e, em caso de distúrbios, as oscilações irão
girar indefinidamente em torno do ponto de equilíbrio C. A amplitude destas oscilações
dependerá basicamente da amplitude do distúrbio. O modelo de Rosenzweig-MacArthur,
como vimos, pode prever uma vasta gama de situações, incluindo desde o equilíbrio estável
até violentas oscilações que podem levar à extinção de presas e predadores. Este modelo
possui, portanto, importantes aplicações na gestão e conservação de ecossistemas na
medida que pode auxiliar a compreensão dos efeitos de distúrbios ambientais na dinâmica
de animais ameaçados de extinção.

51
Módulo 1 - Ecologia de Populações

Aula 5 - Metapopulações

Uma metapopulação é definida como um conjunto de populações conectadas por


indivíduos que se movem entre as elas (Hanski & Gilpin, 1991). A formação de
metapopulações é favorecida pela fragmentação de habitats, cada população ocorrendo em
um fragmento, embora metapopulações possam também ocorrer em habitats contínuos.

A teoria de metapopulações suplantou a teoria de biogeografia de ilhas pelo seu poder em


explicar a dinâmica das populações em áreas fragmentadas. Os mosaicos ou fragmentos de
matas (patches) causam profundos impactos em espécies que requerem grandes áreas para
sobreviver. Essas espécies são conhecidas como espécies de interior e tendem a desaparecer
rapidamente em áreas deflorestadas ou impactadas. Enquanto isso, outras espécies
adaptadas às condições de borda ou de ecótono passam a ser dominantes nessa situação.
Espécies de interior podem se manter em fragmentos se houver um manejo adequado que
garanta a imigração a partir de áreas maiores contíguas. Esse é um dos novos desafios da
gestão ambiental moderna.

O exemplo a seguir, extraído de Smith & Smith (1999) , pág. 287, ilustra bem a questão da
fragmentação dos habitats e a relação entre espécies de borda e de interior. Os quatro
gráficos ilustram as probabilidades de ocorrência de quatro espécies de pássaros duas sendo
de borda (Dumetella carolinensis e Turdus migratorius) e duas sendo de interior
(Helmintheros vermivorus e Seiurus aurocapillus). Tratam-se de espécies de pássaros
existentes na América do Norte (Estados Unidos e Canadá, principalmente). As
probabilidades de ocorrência para cada uma dessas espécies variam de forma não linear
com o tamanho do fragmento sendo claramente visível que as duas espécies de interior
apresentam maiores probabilidades de ocorrências em fragmentos de área maior ou igual a
32 hectares.

52
Figura 1 - Metapopulações que surgem com a fragmentação dos habitats. Probabilidades
de ocorrência de quatro espécies de pássaros duas sendo de borda (Dumetella carolinensis e
Turdus migratorius) e duas sendo de interior (Helmintheros vermivorus e Seiurus
aurocapillus). As probabilidades de ocorrência são maiores para as duas espécies de
interior em fragmentos de área maior ou igual a 32 hectares. Extraído de Smith & Smith
(1999) , pág. 287.

Em uma metapopulação, populações podem ser ganhas por colonização de manchas vazias
de habitat, e são perdidas por extinção local. Levins (1969) formulou o primeiro e mais
simples modelo para lidar com a variação no tempo do número de populações em uma
metapopulação (representação gráfica na figura 1):

Onde dp/dt é a proporção de manchas ocupadas pela espécie num determinado tempo t; e é
a taxa de extinção local e m é a taxa de colonização de manchas vazias. Observando a
equação, percebe-se a analogia com modelos de dinâmica populacional. Uma
metapopulação é uma população de populações, sendo que m é um análogo da natalidade
e/ou imigração, e é um análogo da mortalidade e/ou emigração.

53
Figura 1 - Uma metapopulação como proposta por Levins. Círculos representam as
manchas de habitat. (escuros são manchas ocupadas pela espécie). Linhas indicam
movimentos de dispersão. Linhas pontilhadas são os limites das populações. Pagilia e
Fernandez in Pinto-Coelho (2000).

O tamanho de uma metapopulação, no modelo de Levins, é definido como a proporção de


manchas ocupadas. Uma metapopulação é pequena ou porque existem poucas manchas
com características que a permitam ser ocupada ou porque apenas uma pequena fração das
manchas existentes está ocupada, apesar de muitas outras serem passíveis de ocupação. No
primeiro caso existe uma restrição do ambiente, no segundo a própria biologia dos
organismos restringe o tamanho da metapopulação.

Em uma revisão de estudos empíricos sobre metapopulações, Harrison (1991) propôs que o
conceito clássico raramente se aplica na Natureza. Na visão clássica de Levins, uma
metapopulação era composta de conjunto de populações mais ou menos equivalentes em
suas probabilidades de colonização e de extinção. Além disso, o modelo de Levins assume
que as manchas de habitat são similares em tamanho e fisionomia. Harrison verificou que a
maioria das metapopulações encontradas na Natureza se encaixa melhor em um de quatro
modelos alternativos (Figura 2):

1) Continente-ilha ("mainland-island"): há uma população dita nuclear, maior, que nunca se


extingue, e que serve de fonte de colonizadores para as populações satélites, periféricas e
menores, que se extinguem com frequência, mas que estão sendo continuamente
substituídas por recolonizações (Figura 2A).

2) População em manchas ("patchy population"): um conjunto de populações entre as quais


movimentos de indivíduos são tão frequentes que nunca chega a ocorrer extinção. Se
encaixa na definição de metapopulação dada acima, mas tendendo em direção ao extremo
"população única" do contínuo (Figura 2B).

54
3) Metapopulação em desequilíbrio ("non-equilibrium metapopulation"): onde não há fluxo
de indivíduos entre os fragmentos; populações são apenas perdidas pouco a pouco por
extinção a qual não pode ser compensada por recolonização. (Figura 2C).

4) Um caso intermediário que combina as primeiras duas situações acima. Há um núcleo


formado por um conjunto de populações pequenas mas conectadas com tanta frequência
que o núcleo como um todo nunca se extingue, e serve como fonte de recolonização para
várias populações periféricas, mais isoladas, que estão sempre se extinguindo e sendo
substituídas (Figura 2D).

Figura 2 - Quatro modelos de metapopulações: A) Continente-ilha; B) População em


manchas; C) Metapopulação em desequilíbrio e D) Combinação de A e B. Os círculos
escuros representam manchas ocupadas. As linhas indicam movimento de dispersão. Linhas
pontilhadas são os limites das populações. Pagilia e Fernandez in Pinto-Coelho (2000).

55
.

Uma alternativa aos modelos de metapopulação é o chamado sistema "fonte-escoadouro"


("source-sink systems"). Para uma determinada espécie um habitat de boa qualidade
ambiental produz um excesso demográfico. Esse habitat é chamado de fonte. Habitats
pobres têm um déficit demográfico, e são chamados de escoadouros. As populações que
vivem nesses últimos podem não persistir sem migração vinda dos habitats fonte.

O sistema "source-sink" é frequentemente considerado como um caso particular de


metapopulação. Realmente ele comporta os processos de extinção e recolonização, e se
enquadraria bem no modelo continente-ilha (Figura 2A). Entretanto, duas diferenças podem
ser levantadas (Dias, 1996). A primeira é que o que distingue um habitat "fonte" de um
"escoadouro" são características intrínsecas, isto é, um habitat é considerado "bom" em
virtude de aspectos internos, tais como quantidade e disponibilidade de recursos,
diversidade de habitats, etc. Os modelos metapopulacionais não levam em conta as
diferenças fisionômicas entre as manchas de habitat.

A outra diferença é que a extinção das populações "sink" ocorre de forma determinística, na
ausência de imigração da "source". No modelo original de metapopulações todas as
populações são equivalentes, e a extinção ocorre principalmente devido à fatores
estocásticos.

Apenas as taxas de nascimento e morte não são suficientes para determinar se uma
população é fonte ou escoadouro (Watkinson & Sutherland, 1995) além do que essas taxas
não são fáceis de serem estimadas no campo. Por exemplo, uma população que vive em um
ambiente escoadouro pode ser considerada como fonte se ela for amostrada em um período
subsequente a uma catástrofe natural. Essa população pode estar experimentando um
crescimento exponencial, já que foi reduzida para níveis inferiores à capacidade de suporte.
Um outro problema é que não é fácil determinar o que é um habitat "bom" para uma
determinada espécie (Dias, 1996). Outros parâmetros populacionais, como variação da
densidade populacional e taxas de reposição da população devem ser utilizados.

O conceito de sistema fonte-escoadouro é importante para conservação, e pode fornecer


subsídios para a tomada de decisões mais eficazes do que aquelas baseadas apenas na teoria
clássica de metapopulações. Identificar habitats "fonte" e priorizar sua conservação é
fundamental para a manutenção de populações regionais. Um exemplo é a utilização desse
modelo em estratégias de manejo do falcão peregrino norte-americano (Wooton & Bell,
1992)

56
Ecologia de Comunidades

Comunidades e Ecossistemas

1) Introdução

Möbius (1877) foi um dos primeiros a tentar caracterizar uma comunidade. Ele estudou
bancos de ostras em regioes literâneas e notou que existe uma interdependência entre os
organismos presentes no que ele designou por biocenose.

A Comunidade pode ser também definida como o conjunto de todas as populações de uma
dada área geográfica (Odum, 1963) ou como a parte viva do ecossistems (Clark, 1954). É
comum o uso do termo biocenose por ecólogos europeus em lugar ao de comunidade.

Os organismos de uma biocenose atuam em reciprocidade com o meio físico sendo


influenciados por ele (i.e: temperatura e pluviosidade) e também modificando-o de modo
característico (ex: pH do solo, composição e quantidade de compostos orgânicos da água do
mar).

2) Outras definições de comunidades

2.1) Comunidade: É qualquer conjunto de populações numa determinada área ou habitat.


Ela pode ter os mais variados tamanhos. Segundo Krebs (1972), muitos dos termos
relativos à comunidades vêm da Ecologia Vegetal.

2.2) Comunidade: É uma associação entre populações interativas (Ricklefs, 1980).

2.3) Comunidade: É uma reunião de populações numa determinada área ou habitat físico
definidos. É uma unidade ecológica pouco definda. (Odum, 1977).

2.4) Comunidade: É um conjunto de espécies (populaçoes) que ocorrem conjuntamente no


tempo e no espaço (Begon et al., 1990). Segundo este autor, o estudo da comunidade
pressupõe o estudo de ecossistemas.

A fitossociologia deu uma grande contribuição ao desenvolvimento da ecologia de


comunidades. Os estudos sobre ecologia vegetal enfocaram mais componentes estruturais
das comunidades (i.e: classificação, ordenação de comunidades). Alguns conceitos
acessórios são muito usados por ecólogos vegetais e são úteis para o mehor entendimento
de comunidades:

1) Associação: É uma comunidade florística de composição definida (mas abstrata). Ela é


composta de "stands" que são unidades concretas de vegetação observáveis no campo.

57
2) Taxocenose: A caracterização de comunidade varia segundo os objetivos pretendidos.
Essa caracterização pode obedecer a critérios taxonômicos, funcionais e morfo-
fisionômicos. A taxocenose é um grupo com identidade taxonômica que pode ou não
possuir similaridade em suas distribuições geográficas ou papéis ecológicos. Exemplos:
copépodes do Lago Dom Helvécio, Parque Estadual do Rio Dioce, ácaros no solo do
cerrado em Lagoa Santa, orquidáceas na Serra da Piedade, hemípteros da Serra do Cipó que
incluem tanto sugadores de seiva vegetal como alguns predadores vorazes.

3) Guilda: grupos de organismos que têm maneiras semelhantes para sobreviver. Segundo
Root (1967), guildas são compostas exclusivamente por organismos que exploram a mesma
classe de recursos de maneira similar. Uma guilda não pressupõe identidade taxonômica
entre seus componentes. Esta semelhança é basicamente ecológica, normalmente em termos
de alimentação. Exemplo: pássaros insetívoros, insetos fitófagos em crucíferas ou roedores
e formigas granívoros.

As comunidades podem ter uma identidade florística (taxocenose) ou fisionômica (floresta


decídua). Os botânicos tendem a usar o termo comunidade com uma nuânce mais geral e o
termo associação dentro de um contexto específico

Os zoólogos tendem a usar o termo comunidade tanto num sentido genérico (vide
definiçoes acima) quanto no sentido de associação ou guildas. Os estudos sobre ecologia
animal tenderam a enfocar aspectos dinâmicos das comunidades (i.e: fluxo de energia,
cadeias alimentares).

3) Propriedades das Comunidades:

As comunidades exibem certas propriedades estruturais e funcionais cujo entendimento


pode facilitar o seu estudo bem como a compreensão do uso operacional do conceito. As
principais propriedades são:

3.1) presença de muitas espécies numa determinada área

3.2) recorrência da "comunidade" no tempo e no espaço

3.3) presença de mecanismos homeostáticos: estabilidade dinâmica/ steady state


(superorganismo).

4) Atributos das comunidades

Assim como a população, a comunidade pode ter vários de seus atributos mensuráveis no
campo:

4.1) composição específica,

58
4.2) formas de crescimento

4.2) diversidade (riqueza e equitabilidade)

4.3) estrutura espacial (estratificação, zonação)

4.4) estrutura trófica

4.5) dinâmica temporal (ciclos diurnos, sazonais e sucessionais)

4.6) fenômenos de interdependência (simbioses sensu latu).

Esses atributos tentam conferir um aspecto mais concreto ao conceito de comunidade sendo
portanto usados para a sua própria caracterização. A seguir, vamos nos ater em alguns
desses atributos:

4.1) Composição específica:

Trata-se do catálogo de espécies que compõem a comunidade. Embora seja algo


aparentemente simples, tal atributo é um dos que mais dificuldades impõe ao ecólogo. Em
primeiro lugar, ele exige uma detalhada investigação com a finalidade de se levantar e
identificar todas as espécies presentes na comunidade. Em muitos casos, isto é muito difícil
senão praticamente impossível como é o caso da fauna de macroinvertebrados bentônicos
de ambientes lóticos (rios). Tal comunidade é formada de formas imaturas cuja
identificação é muitas vezes impossível de ser efetivada sem o auxílio de entomologistas
especializados. Outro ponto de conflito refere-se à presença de espécies exóticas,
introduzidas, ocasionais ou transitórias. Como proceder com espécies típicas da zona
litorânea, que ocasionalmente invadem o zooplâncton?

4.2) Forma de Crescimento e Estrutura:

Tais formas incluem tanto categorias maiores de crescimento: árvores, arbustos, ervas,
epífitas lianas e musgos bem como categorias detalhadas: folhas largas (latifolidas), folhas
aciculiformes, perenifólia, decídua, etc. A estrutura pode enfocar tanto a dimensão vertical,
ou seja, a estratificação ou disposição fisionômica vertical bem como a zonação ou arranjo
horizontal dos elementos componentes da comunidade ('patch').

Uma das classificações de formas de vidas mais conhecidas na literatura foi proposta pelo
botânico dinamarquês C. Raunkier em 1903. Ele dividiu as plantas segundo qual o tipo de
tecido embrionário ou de meristema que fica inativo em períodos de estresse climático
(inverno ou seca), ou chamados tecidos pereniais tais como os bulbos, tubérculos, certos
tipos de raízes e sementes. Ele reconheceu seis tipos principais de formas de vida,
representados na figura abaixo (modificada de Smith e Smith, 1999, pág. 273): (a) as
fanerófitas com estruturas perenes expostas ao ar; (b) as quemófitas que apresentam suas
estruturas perenesa até 25 cm do solo; (c) as hemicriptófitas que possuem as estruturas

59
perenes junto à superfície do solo; (d) as criptófitas que apresentam as pereniais no solo,
sob a forma de rizomas ou outras estruturas que as protegem contra o frio ou a seca; (e) as
terófitas que são as plantas anuais tendo todo o seu ciclo vital (semente a semente)
realizado em uma única estação de crescimento e as (d) epífitas que possuem raízes aéreas
vivendo sobre outras plantas.

Figura 1 – classificações de formas de vidas proposta pelo botânico dinamarquês C.


Raunkier em 1903. Ele dividiu as plantas segundo qual o tipo de tecido embrionário ou de
meristema que fica inativo em períodos de estresse climático (inverno ou seca), ou
chamados tecidos pereniais tais como os bulbos, tubérculos, certos tipos de raízes e
sementes. Figura extraída de Smith e Smith, 1999, pág. 273.

4.3) Diversidade, riqueza e dominância:

As comunidades diferem muito entre si em relação ao número total de espécies que


possuem bem como em suas proporções. Nem todas as espécies são igualmente importantes
na determinação da estrutura da comunidade. Algumas espécies podem ter suas
abundâncias muito mais elevadas que outras espécies dentro da comunidade. Esta
característica é, na realidade, muito comum devido às diferenças eco-fisiológicas ligadas ao
tamanho, posição trófica ou atividade metabólica dos organismos. Muitos autores
sustentam que espécies dominantes são aquelas com maior sucesso ecológico. No entanto,
devemos lembrar que espécies não-dominantes podem, em alguns casos, exercer uma força
controladora dentro do ecossistema. Estas espécies são chamadas de espécies-chaves
(keystone species). Outro ponto importante, refere-se à raridade. As espécies raras são
muitas vezes desprezadas nas análises quantitativas. Recentemente, no entanto, estão
aparecendo artigos na literatura ecológica enfocando a importância de se trabalhar com
estes indivíduos.

60
Abundância Relativa:

São as proporções relativas das diferentes espécies dentro da comunidade. Estas proporções
são fundamentais, por exemplo, para o cálculos dos índices de diversidade, equitatividade,
dominância.

4.4) Estrutura espacial

As comunidades igualmente apresentam padrões muito nítidos e recorrentes em termos da


disposição e arranjo espacial de suas espécies. O esquema a seguir, modificado de Smith &
Smith (1999), pág. 274, ilustra a zonação encontrada nas comunidades lacustres e de uma
floresta.

Figura 2 - Zonação encontrada nas comunidades lacustres e de uma floresta. Modificado


de Smith & Smith (1999), pág. 274.

4.5) Estrutura Trófica:

Relações alimentares dentro da comunidade que determinam o fluxo de energia e a


dinâmica dos ciclos de materiais entre produtores, herbívoros e carnívoros. A
conectividade, po exemplo, é uma caracterítica muito útil, sendo definida como o número
real de ligações tróficas existente numa dada comunidade dividido pelo número

61
teoricamente possível de ligações tróficas para um determinado número de espécies
presentes.

Todos os atributos podem ser estudados em comunidades em equilíbrio ou em mudança


(temporais: sucessão, espaciais: zonação).

Alguns exemplos de comunidades:

Exemplos:

a) comunidade de cerradão em Paraopeba, MG,

b) brejos de taboas no Parque do Rio Doce, MG,

c) comunidades de estuários ao longo da costa do Maranhão,

d) comunidade de invertebrados em um tronco em decomposição.

As áreas litorâneas representam interessantes exemplos de comunidades:

a) comunidades estuarinas de águas rasas,

b) recifes, manguezais e costões rochosos,

c) restingas, dunas e praias arenosas,

d) comunidadades estuarinas de sedimentívoros em lagunas,

e) comunidades de costões rochosos.

5) A Natureza da Comunidade

É a comunidade algo mais do que uma mera abstração feita por ecólogos a partir de uma
vegetação que está mudando continuamente? A partir desta questão, três escolas se
desenvolveram:

a) Escola de Clements-Tansley: Comunidade como unidades discretas da vegetação


(superorganismo). Clements (1916, 1936) foi um dos primeiros a tentar identificar
mecanismos homeostáticos controladores da ordem interna das comunidades;

b) Escola de Gleason (Gleason & Cronquist, 1964): Comunidade é uma coleção de


populações com as mesmas exigências ambientais, ou seja, a composição da comunidade é

62
consequência da resposta em termos de limites de tolerância de cada espécie às variações
do meio;

c) Escola de Wisconsin (Whittaker, 1954, 1962, 1967, 1970): Vegetação é um continuum.


Whittaker (opt. cit.) estudou a variação da composição florística das florestas na América
do Norte ao longo de gradientes ambiantais (i.e: umidade, altitude).

6) Evidências sobre a natureza da comunidade

Um dos pontos que mais debates tem causado refere-se sobre as evidências da real
existência das comunidades. Ao contrário das populações, as comunidades muitas vezes são
vistas como meras abstrações utilizadas pelos ecólogos. É a comunidade uma unidade real?
A existência das comunidades pode talvez ser comprovada pelo uso dos seguintes critérios:

A natureza da comunidade pode ser determinada a partir de critérios ligados a mensuração


do grau de associação a partir de unidades amostrais (stands). Esse grau de associação pode
ser determinado com base nos seguintes atributos:

6.1) similaridade/dissimilaridade

6.2) continuidade/descontinuidade

6.3) relações de distribuição

6.4) relações dinâmicas

Vamos trabalhar um pouco com esses conceitos:

6.1) Similaridade/Dissimilaridade:

Se a associação representa uma comunidade, então elas coexistem em grupos de stands


similares entre si, mas claramente diferentes de outros stands de uma segunda associação.

6.2) Continuidade/Descontinuidade

Se as associações são unidades naturais, os contatos entrestands das duas associações


devem ser claros e descontínuos. Na natureza, três tipos de contatos (ecótonos) são
encontrados: definido, difuso e em mosaico (Krebs, 1972). O contato entre a 'prairie' e a
'deciduos florest' é claro, agudo e definido. O contato entre a floresta boreal e a tundra é um
mosaico bem definido. Nas zonas tropicais e, em especial nos cerrados, a transição entre
mata galeria e campo úmido é do tipo definido e a transição entre cerrado e mata estacional
é na maioria dos casos difuso e impreciso.

63
6.3) Relações de distribuição

Se os "stands" que compõem uma comunidade são similares, todas ou muitas de suas
espécies têm distribuições similares. Existem vários índices de similaridade literatura.

6.4) Relações dinâmicas

Se a associação é uma unidade natural, as populações das diferentes espécies que a


compõem devem estar unidas numa rede organizada por interrelações obrigatórias.

Existem vários métodos para se determinar a presença e o grau da associação de espécies


dentro de uma comunidade.

A presença e o grau dessas associações estão ligados aos fatores limitantes da distribuição e
abundância das diferentes populaçoes. Estes fatores podem ser bióticos (i.e: predação) ou
abióticos (i.e: clima). Alguns autores discordam deste tipo de afirmação. Whittaker (1962)
sugeriu que o somatório das interações (vide tabela abaixo) de uma comunidade obedeceria
uma distribuição normal. Isto implicaria numa independência entre estrutura de uma
comunidade e o grau de interrelações ali existentes e, por conseguinte, uma comunidade
não poderia existir baseada apenas nestas interações.

Deve-se observar, contudo, que grande parte dos estudos sobre a natureza das comunidades
foram realizados em florestas temperadas e que nos trópicos esta situação pode ser
diferente.

Qual é o grau mínimo de interações entre as espécies necessário para que tenhammos uma
comunidade? Infelizmente esta é uma questão ainda em aberto... A noção mais atualizada
da natureza da comundade aproxima-se daquela visão de Gleason (escola individualista):

64
- as espécies estão distribuídas individualisticamente, de acordo com suas próprias
características genéticas e ecológicas

- as populações da maioria das espécies tendem a mudar gradualisticamente ao longo de


gradientes ambientais

- a maioria das espécies não estão em associações obrigatórias com outras espécies. Logo a
combinação de espécies variará continuamente no tempo e no espaço.

- a classificação e ordenação das comunidades naturais é uma um tanto artificial, mas serve
à ciência ecológica dentro de uma perspectiva de dividir e classificar para entender e
conhecer a aperente complexidade caótica de um ecossistema. No entanto, esta
classificação não corresponde necessariamente à estrutura formal de uma comunidade,
podendo inclusive estar "contagiada" pela metodologia/objetivos do
pesquisador.Adicionalmente, estudos paleobotâncos reforçam a idéia do continuum na
vegetação.

4) Ecossistema

Termo proposto por Tansley (1935) para designar a reunião entre todos os organismos e o
meio físico onde vivem. Hoje em dia, uma definição de ecossistema muito usada em
Ecologia seria a seguinte: qualquer unidade que inclua a totalidade dos organismos
(comunidades) de uma área determinada, que atuam em reciprocidade com o meio físico de
modo que uma corrente de energia conduza a uma estrutura trófica, a uma diversidade
biótica e a ciclos biogeoquímicos (Odum, 1977).

Os ecossistemas podem ser divididos em seus componentes estruturais e funcionais. O


correto entendimento da imporetancia desses componentes na manutenção de sua
integridade é fundamental em estudos voltados para a preservação e recuperação dos
ecossistemas. Assim, a criação de áreas de reserva voltadas apenas para a preservação de
espécies ameaçadas de extinção muitas vezes não leva ao objetivo esperado (a preservação
de uma dada espécie) uma vez que os processos mantenedores do ecossitema não foram
levados em consideração.

65
Aspectos estruturais do ecossistema:

- Substrato físico (sólido, líquido e gasoso),

- Componentes bióticos:

- Produtores

- Consumidores

- Predadores

- Desintegradores

- Regeneradores

- Substâncias inorgânicas (particuladas, dissolvidas).

- Substâncias orgânicas (particuladas e dissolvidas).

- Clima.

Aspectos funcionais do ecossistema

- Dinâmica espaço-temporal incluindo as variações de diversidade e riqueza ao longo de


gradientes.

- Fluxo de energia.

- Teias, redes e cadeias de alimentos.

66
- Ciclos de nutrientes.

- Sucessão e evolução.

- Controle (cibernética).

Os ecossismtemas podem ser classificados ou agrupados segundo alguns de seus atributos:

a) primitividade (presença no tempo geológico)

b) padrões definidos sejam eles fisiográficos, climáticos, biológicos e/ou geoquímicos.

c) equilíbrio dinâmico (flutuações regulares, mecanismos homeostáticos).

O entendimento do papel funcional das comunidades e de grande importância. Considere o


seguinte tema para ser discutido em classe: como repovoar um reservatório com peixes?
Devemos usar peixes típicos e originários do rio que exisitia antes do represamento ou
espécies exóticas? Quais os fatores ecológicos envolvidos nessa decisão?

67
Fundamentos em Ecologia - Ecologia de Comunidades

1) Classificação de comunidades

No capítulo anterior, foi ilustrado como podem ser estudados o tipo e o grau de associação
existente entre um par de espécies. No entanto, ao considerar mais de três espécies, a
situação torna-se bem mais complexa. A análise multiespecífica envolvendo toda a estrutura
da comunidade tem sido muito criticada na literatura. No entanto, mesmo os críticos mais
consistentes admitem que este tipo de abordagem pelo menos possui uma grande
conveniência metodológica. Neste tipo de abordagem não é importante o fato de que as
comunidades comunidades podem ser vistas como unidades discretas ou não. O ponto de
partida deste tipo de análise são os modelos multidimensionais (geométricos ou não), que
sintetizam os dados em uma escala bi- ou tridimensional.

1.1) Critérios de classificação (Pielou, 1977)

As comunidades ecológicas são unidades muito complexas na natureza. Elas podem


abranger centenas de espécies com os mais variados modos de vida. Como estas espécies
interagem entre si? A resposta a esta pergunta pode ser dada através da classificação dos
elementos (espécies) desta comunidade. A classificação das comunidades segue critérios
definidos a saber:

a) hierarquia vesus reticulada

Uma classificação baseada em critérios hierárquicos vai necessariamente criar uma


estratificação na qual determinados elementos se subordinam a outros em diferentes níveis
de organização. Ao contrário, uma classificação reticulada não irá criar classes menores ou
maiores e mais abrangentes. Ela irá apenas traçar as relações de similaridade ou
dissimilaridade porventura existentes.

Os esquemas a seguir procuram ilustrar os dois tipos de classificação.

68
Figura 1 – Duas formas de classificação de comunidades: classificação hierárquica e
reticulada (Pinto-Coelho, 2000).

b) divisiva versus aglomerativa

Outro critério importante refere-se ao modo como os elementos são selecionados. Um


critério divisivo irá partir do todo para as partes enquanto que um critério aglomerativo irá
partir das partes (espécies) para o todo. Embora tal critério possa parecer muito abstrato, ele
será fundamental na aplicação dos diferentes métodos estatísticos a serem empregados.

a) divisiva: o todo é subdividido

b) aglomerativa: as partes formam um todo

c) monotética versus politética

A classificação será monotética quando utilizar apenas um atributo da comunidade para


separar ou agrupar os seus elementos. Podemos, por exemplo, classificar a ocorrência dos
indivíduos em uma comunidade terrestre a partir do pH do solo. Por outro lado, a
comunidade poderá ser classificada através do uso de diferentes atributos tais como o pH
do solo, a taxa de umidade, os teores de nutrientes. Neste caso temos uma classificação
politética.

a) monotética: grupos são individualizados com base em 1 atributo

b) politética: grupos são individualizados com base num elenco de atributos

69
2) Análise de gradientes

A ecologia tem como definição central o entendimento dos padrões de distribuição das
espécies seja no espaço seja no tempo. As comunidades terrestres e aquáticas apresentam
padrões de distribuição espacial de suas espécies que muitas vezes são nítidos e outras
vezes são difusos. Nesse capítulo, iremos tratar de uma das primeiras abordagens sistêmicas
no estudo da estrutura das comunidades: a análise de gradientes. O gráfico a seguir ilustra a
distribuição das províncias biogeográficas no Canadá.

Figura 2 – Biomas e ecorregioes da América do Norte (Canadá). Esses biomas foram a base
de estudos fitossociologicos muito importantes que estabeleceram os patamares dessa área
em Ecologia na primeira metade do século XX.

Nessa região, existe um gradiente de comunidades muito nítido, em escala quase que
continental, com predomínio de tundra ao norte, passando por vários tipos de formações de
florestas boreais (coníferas) que são substituídas por florestas decíduas (laurencianas ao
leste e diversas províncias no oeste (British Columbia ) que finalmente cedem espaço às
grandes pradarias no centro-oeste do país. Nesse mesma região, em um estado limítrofe ao

70
Canadá, o estado de Wisconsin (EUA) foram realizados os mais famosos estudos de
análises de gradientes que passamos a detalhar a seguir.

Como já exposto anteriormente, R. Whittaker e a escola de Wisconsin defendem a idéia de


que a vegetação é um complexo contínuo. Estes autores desenvolveram o método da análise
de gradientes. Este é um método interessante porque permite ao ecólogo uma nítida visão
das comunidades mesmo nos casos de não haver limites precisos entre elas.

O passo inicial consiste na tomada de amostras ao longo de um gradiente ambiental


(altitude, umidade, latitude). Quando não há um gradiente óbvio, utiliza-se da técnica de
ordenação que consiste basicamente em agrupar (ordenar) as amostras entre si a partir de
um ou mais índices de similaridade ou de importância. Por exemplo, para cada "stand",
composto por vários quadrados, podemos calcular os seguintes índices:

Feito isso, determina-se o valor de importância (VI) para cada espécie (i) dentro o "stand"
considerado:

Neste caso o valor de importância irá variar de 0 a 300 (0 <= VI <= 300).

A seguir, todas as espécies são rearranjadas segundo os valores arbitrários de similaridade


(Notas de 1 a 10) que foram chamados números de adaptação de clímax (NC) por Brown &
Curtis (1952).

Iremos tratar aqui de uma amostra de 05 espécies que apresentam distribuições muito
diferentes dentro da área estudada. A tabela a segur, apresenta os números de clímax para
essas espécies, extraídos de Krebs (1994), pág. 440.

71
Espécie Número de
Clímax
Pinus banksiana (jck pine) 1
Pinus resinosa 3
Pinus strobus 5
Tsuga canadensis 8
Acer saccarum (sugar maple) 10

Estes números são, na realidade, uma escala arbitrariamente estabelecida pelo pesquisador
com base em uma ou mais características ambientais tais como higrofilia, xeromorfismo,
defesa a predadores, etc. A próxima etapa refere-se à determinação do índice de
continuidade (IC) para cada "stand".

onde:

s: número total de espécies

i: i-ésima espécies

NC: Número de Clímax

VI: Índice de similaridade

IC: Índice de continuidade. Ele é uma medida subjetiva do gradiente ambiental, sendo
calculado para cada "stand".

A seguir plota-se o valor de IC para cada stand contra o valor de VI de cada espécie dentro
de cada "stand".

72
As críticas da escola individualística em relação à análise de gradientes baseiam-se em três
pontos básicos (Daubenmire, 1966):

a) o método sempre "força" os dados a caírem num contínuo.

b) os "stands" que estão sujeitos a um forte gradiente ambiental não estariam em equilíbrio
estável (steady state). A questão do equilíbrio ecológico é aqui mais uma vez invocada.
Como se verá ao longo deste curso saber se uma comunidade está ou não em equilíbrio
estável é essencial não só para a sua descrição ecológica, mas sobretudo pelos aspectos
aplicados tais como a conservação e recuperação ambiental.

c) a análise de gradientes assume que todas as espécies apresentam características


ecológicas similares, exceto seus nomes e abundâncias relativas que variam segundo um
gradiente ambiental.

3) Escolas na classificação de comunidades:

A classificação de comunidades usa diferentes métodos estatísticos e ecofisiológicos e duas


escolas ou linhas de pensamento podem ser individualizadas:

73
a) escola européia (fundada por Braun-Blanquet): Esta escola é baseada na identificação e
classificação das comunidades a partir de espécies-chaves (ou espécies diagnóstico).

b) escola americana (britânica): As comunidades seriam classificadas com base na


presença/ausência de certas espécies dominantes.

É importante observar que o conceito de "continuum" não é incompatível com a


classificação de comunidades.

Padrões de distribuição espacial das espécies

Regiões de composição florística similar e que produzem comunidades típicas são


chamadas províncias geográficas. Os limites geográficos em escala regional devem ser
compatíveis com os limites estabelecidos numa escala continental. Os limites entre duas
províncias são chamados de "zonas de tensão". Uma província é composta por várias
associações. Estas associações podem ter diferentes graus de similaridade (Greig-Smith,
1964). O índice de similaridade pode ser usado aqui uma vez mais para comparar diferentes
associações:

onde:

a: número de espécies presentes na comunidade 1

b: número de espécies presentes na comunidade 2

c: número de espécies presentes em ambas as comunidades

Exemplo:

A tabela a seguir ilustra o cálculo de um índice de similaridade:

Tabela Número de espécies comuns ( C) e típicas em duas associações hipotéticas:

74
Cálculo do índice de similaridade entre as associações:

75
Ecologia de Comunidades

Aula 3 - Teoria da Biodiversidade

1) Introdução

O estudo da biodiversidade é um capítulo básico na Ecologia de comunidades. Refere-se ao


estudo das relações quantitativas entre riqueza e abundância de espécies dentro das
comunidades. Wallace (1878) foi um dos primeiros a reconhecer a importância da
diversidade na caracterização das comunidades. Ele verificou que, nos trópicos, a
diversidade das comunidades é muito alta. MacArthur & Wilson verificaram que ilhas
longínquas e ou pequenas têm menos espécies do que ilhas próximas e extensas. Como
podemos explicar estas tendências?

Como estão distribuídas as abundâncias de diferentes espécies em uma comunidade? As


informações básicas usadas são as seguintes:

S: número total de espécies

N: número total de indivíduos

N1,N2,N3,...,Ni: número de indiv. da cada espécie

Nesses números, estão os dois conceitos fundamentais da teoria da diversidade : a riqueza


em espécies e a equititividade entre elas, ou seja, as suas proporções relativas. Na ilustração
abaixo (extraída de Magurran, 1996, pág. 8), quando comparados as áreas A e B, A seria
mais diversa porque possui três espécies de mariposas enquanto B tem apenas uma.
Entretanto, não existe qualquer diferença entre o número total de espécies entre as áreas C e
D. O sítio C possui quatro espécies sendo que cada uma delas aparece com três indivíduos.
A área D também possui quatro espécies sendo que uma delas é particularmente abundante,
tendo nove indivíduos e as demais com apenas uma ocorrência. Dessa forma, embora as
áreas C e D tenham a mesma riqueza em espécies de mariposas, a maior equitatividade
observada em C faz dessa área uma área mais diversa. Embora o exemplo seja simples, ele
ilustra o tipo de quantificação que será feita nos modelos a serem discutidos no capítulo.

76
Os diferentes modelos de curvas de espécie-abundância são consequências das inúmeras
tentativas de isolar padrões nesses números acima, independentemente do tipo de
comunidade considerado. O objetivo central destes modelos é achar uma distribuição de
probabilidades com um pequeno número de parâmetros (1-3) que variam de uma
comunidade para outra.

Quando um ecologista considera o número de espécies numa pequena área com


uniformidade de habitat, o grau de especialização em relação aos recursos dentro deste
habitat é importante. Quando ele considera o número de espécies numa região maior, o grau
de especialização em respeito ao habitat deve ser adicionalmente considerado (Tabela 1).

Tabela 1: Dados hipotéticos de riqueza em espécies em duas regiões com diferentes


comunidades. A regiões A e B apresentam cada uma delas cinco habitats, habitados por
espécies com diferentes níveis de especialização (largura de nichos).

77
Suponha que os habitats encontrados nas regiões A e B possam suportar no máximo 10
espécies. Na região A as 10 espécies são generalistas e podem habitar todos os cinco
habitats disponíveis. Na região B, as espécies são generalistas e só podem habitar num
único habitat. Por conseguinte, toda a região poderá conter 50 espécies já que em cada
habitat uma comunidade específica será encontrada.

O exemplo acima ilustra os dois tipos de diversidade: a diversidade alfa ou local e a


diversidade beta ou regional. As regiões A e B têm a mesma diversidade alfa, mas a região
B tem uma diversidade beta maior. A diversidade alfa depende da capacidade do habitat em
suportar um certo número de espécies o que é função do grau de competição entre as
populações das diferentes espécies. A diversidade regional depende do grau de substituição
de umas espécies pelas outras em diferentes habitats.

2) Medidas de diversidade de espécies:

A diversidade biológica pode ser acessada usando diferentes índices e modelos estatísticos.
O uso destes índices, contudo, é limitado uma vez que todos eles apresentam limitações que
impõem um

elevado conhecimento ecológico do sistema em foco.

2.1) Riqueza em espécies

A medida mais simples é o número de espécies encontradas numa comunidade. Devem ser
excluídas as espécies acidentais, exóticas e eventuais imigrantes ocasionais. Embora seja a
maneira mais usual de se iniciar estudo da estrutura de uma comunidade, tal critério tem a
limitação básica de não levar em consideração os padrões de abundância das espécies.

Tabela 2: Riqueza em espécies em duas comunidades hipotéticas

78
A comunidade II é intuitivamente mais diversa. Lembrar que o número de espécies pode
variar com o esforço amostral.

2.2) Distribuições estatísticas

Uma característica encontrada em várias comunidades é a existência de poucas espécies


com elevadas abundâncias e muitas espécies com diminutas abundâncias. Neste sentido,
alguns modelos estatísticos foram propostos para estudar a comunidade a partir das relações
abundância de indivíduos por espécies. Os modelos dados a seguir são os mais citados.

2.2.1) Série Logarítmica (Fisher, Cobert & Williams, 1943):

A série logarítmica de Fisher é um modelo que tem sido aplicado com sucesso em
comunidades relativamente simples, governadas por um único recurso. Ela é definida pelas
equações abaixo:

79
que corresponde basicamente ao desenvolvimento da série a seguir: série: alfa.x,
alfa.x²/2, ..., alfa.x3/n

Se S e N são conhecidos, pode-se então solucionar um sistema de equações para alfa e X. O


parâmetro deste modelo é o alfa que pode ser obtido pela solução das equações abaixo para
alfa e X:

onde:

S: número de espécies por amostra

80
N: número de indivíduos por amostra

alfa: índice de diversidade

X: incógnita.

Segundo May (1975) esta série pode ser dada aproximadamente pela fórmula:

A figura 1 ilustra três comunidades com alfas variando entre 1.5 e 8.5. Observe que o
número final de espécies é dependente do valor de alfa. X não é afetado pelo esforço
amostral. O parâmetro alfa também não é afetado pelo esforço amostral e é propriedade
intrínseca da comunidade sendo proporcional a S. Na realidade, o parâmetro alfa pode ser
tratado como um índice de diversidade.

O número de espécies com r indivíduos é dado pela fórmula

onde:

nr: número de espécies com r indivíduos

O modelo de Fisher não funcionou para todas as comunidades por ele testadas. Com esta
distribuição, é possível estimar S*, ou seja, o número real de espécies da comunidade.

2.2.2) Distribuição log-normal (Preston, 1948):

Preston sugeriu expressar o eixo das abscissas (onde estão as abundâncias específicas)
numa escala geométrica. Quando esta conversão é feita, a abundância relativa leva a forma
de "sino", típica da distribuição normal. Pelo fato do eixo dos x ser expresso em escala
logarítmica (por convenção na base 2, mas outras bases numéricas podem igualmente
serem usadas), a distribuição passa a ser chamada log-normal. Esta distribuição pode ser
definida pela fórmula:

81
onde:

yR: número de espécies que ocorrem na r-ésima oitava

yo: número de espécies da classe modal (pico do sino)

a: constante de dispersão a = sqrt (2.s²)

oitava : R = log2 N/No

e = 2.71828

As oitavas nada mais são do que a expressão geométrica das abundâncias dos indivíduos
(dados logaritimizados):

R = 0 log2 (N/N)

R = 1 log2 (2N/N)

R = 2 log2 (4N/N)

R = 3 log2 (8N/N)

R = 4 log2 (16N/N)

A oitava Rn refere-se à oitava da classe modal, isto é aquela classe onde ocorre o maior
número de espécies.

O modelo log-normal de Preston explica um grande número de comunidades. O esforço


amostral normalmente "força" a curva para a direita, mas não altera a sua forma. Desde que
nós não podemos capturar toda a comunidade, haverá sempre uma parte da curva (espécies
raras) que não é representada pela curva. Em consequência, a curva resultante é uma curva
truncada assim como a log-série. Preston (1962) demonstrou que as curvas log-normal para
a maioria das comunidades biológicas, têm uma configuração especial que ele chamou de
distribuição canônica, ou seja, os parâmetros a e yo são interrelacionados. Isto significa que
em se sabendo o número de espécies da comunidade pode se especificar todos os outros
parâmetros da curva. De posse do parâmetro a, a diversidade pode ser prevista apenas
sabendo o número total de espécies se a comunidade se enquadrar no modelo log-normal
canônico.

A figura 2 ilustra o modelo log-normal de Preston para três comunidades hipotéticas. A


altura do pico do sino depende fundamentalmente de So, ou seja o número de espécies da
classe modal.

82
A curva log-normal permite estimar o total de espécies, incluindo as espécies ainda não
coletadas.

onde:

Rn: oitava onde ocorre o número total de indivíduos é máximo

Rmax: oitava onde a espécies mais abundante se situa.

Para a maioria dos casos vale a relação a seguir:

83
Há muitas evidências de campo indicando que o modelo log-normal se aplica em várias
situações:

a) mariposas na Inglaterra

b) algas fitoplantônicas no mediterrâneo

c) serpentes do Panamá

d) pássaros de New York (USA).

No entanto, este modelo tem gerado algumas críticas:

- não há justificativas biológicas para a lei da curva log-normal

- a distribuição canônica assume o estado de equilíbrio estável (stready state ).

2.2.3) O modelo broken-stick de MacArthur

Este modelo está baseado em interações competitivas entre as espécies de uma


comunidade. Os padrões até então conhecidos dependem em grande parte do tipo de
organismo coletado. O modelo de MacArthur baseia-se na organização biológica da
comunidade. A abundância de cada espécie é determinada pela partição randômica dos
recursos distribuídos ao longo de um contínuo de diferentes tipos de recursos. Os recursos
são considerados como se estivessem distribuídos ao longo de um bastão (stick em inglês).

O esquema a seguir ilustra uma partição aleatória de um recurso (uma dimensão ilustrada
pelo segmento ou bastão horizontal) onde foram realizadas cinco partições aleatórias,
gerando segmentos ocupados por seis diferentes espécies. Cada segmento corresponderia
ao nicho explorado por cada espécie ao longo do recurso (bastão) considerado.

84
O comprimento dos seguimentos é proporcional à abundância relativa das espécies. Se os
segmentos são arranjados proporcionalmente numa escala logarítmica decrescente, então a
distribuição dos segmentos será aproximadamente linear.

O modelo broken stick pode ser descrito pela seguinte fórmula:

onde:

Na/N : número de indivíduos da espécie a

S: número total de espécies

a: a-ésima espécie

85
A figura 3 ilustra o modelo de MacArthur para três comunidades hipotéticas. Observe que o
número de espécies de cada comunidade é um parâmetro deste modelo e não uma
consequência deste como nos modelos da série logarítmica e log-normal. Observar que a
medida que cresce o número de organismos a curva se torna proporcionalmente mais
inclinada.

Segundo May (1975) o modelo do Broken-Stick pode ser dado pela equação:

Características biológicas deste modelo

- Os recursos estão distribuídos continuamente ao longo de uma única dimensão.

- Todos os recursos disponíveis são utilizados e não há sobreposição de recursos (em inglês
resource overlap ).

86
- O número de espécies é uma premissa do modelo e não uma consequência dele (como na
distribuição log-normal).

- A comunidade deve estar em equilíbrio (steady state ) e deve ser saturada em espécies, ou
seja, não deve haver nichos ecológicos vagos.

- As abundâncias relativas são determinadas por partição ao acaso dos recursos entre as
espécies.

- A competição interespecífica exclui o "niche overlap".

O modelo de MacArthur foi testado com sucesso em comunidades caracterizadas por


indivíduos de grande tamanho, possuindo ciclo de vida longo (pássaros, gastrópodes,
predadores, ofiuróides). Espécies de ciclo de vida curto e de pequeno tamanho (artrópodes
do solo, nematóides, fitoplâncton) não se enquandram nesta distribuição.

MacArthur sugeriu que apenas as espécies que se encontram em equilíbrio estável


poderiam se encaixar neste modelo e as espécies oportunistas tais como muitas espécies de
insetos e outros pequenos organismos não se encontram em equilíbrio estável. Hoje
sabemos que tais suposições são muitas vezes errôneas e que mesmo em comunidades
caracterizadas por pequenos organismos pode haver equilíbrio estável (ver, por exemplo, a
teoria da competição de Tilman mais adiante no curso).

A maioria das previsões feitas pelo modelo do "broken-stick" podem ser feitas por outros
modelos. O modelo de MacArthur é muito enfraquecido ao se considerar que os outros
modelos, que não incluem competição interespecífica, chegam as mesmas conclusões. Um
exemplo seria o modelo exponencial proposto por Cohen (1968): As populações das
diferentes espécies variam ao acaso com o tempo e a frequência cumulativa seria dada pela
equação

Neste modelo não há nenhuma interação, nenhum dimensionamento de recursos e não há


equilíbrio. As abundâncias das espécies variam ao acaso com o tempo, independentemente
das outras e a equação acima nos dá a distribuição de frequências cumulativa prevista pelo
modelo de Cohen.

87
No modelo exponencial de Cohen, as abundâncias das espécies não são determinadas pela
competição como modelo de Mac Arthur (broken stick ). Muitos modelos de distribuição de
espécies como o exponencial de Cohen ou o modelo de comunidade aberta visto na figura 4
são suportados por inúmeras observações de campo e não se baseiam em interações
competitivas.

Uma forma clássica de apresentar os modelos de distribuição de espécies é dada a segur.


Trata-se do gráfico relacionando as espécies em função das abundâncias ordenadas para
cada comunidade. Nesse tipo de gráfico, a abndância de cada espécie é plotada segundo a
sua posição (rank) na lista de abundâncias crescente em uma escala logarítmica. As
abundâncias podem tanto serem plotadas em termos absolutos ou relativos (%). Usa-se
também outras medidas tais como índices de valores de importância ou de cobertura para a
vegetação. O exemplo dado a seguir mostra a curvas hipotéticas para os principais modelos
bem como curvas obtidos de dados de campo (modificado de Magurran, 1996, pag. 14). Os
dados ilustrados nessa figura vêm de um estudo clássico publicado por Whittaker (1970).

88
89
2.3 Índices de diversidade

Margalef sugeriu o uso da teoria da informação (que mede o grau de


ordenação/desordenação dentro de qualquer sistema) para as comunidades biológicas.
Basicamente se usa dois tipos de informações:

a) número de espécies

b) número de indivíduos de cada espécie

Podemos prever qual será a próxima espécie a ser capturada? Há uma função que mede esta
incerteza (Shannon-Wiener).

onde

s: número de espécies

pi: proporção da amostra contendo indivíduos da esp. "i".

Quanto maior for o valor de H, maior será esta "incerteza".

voltemos às duas comunidades simples (c1 e c2) consideradas acima:

Tabela 3 Número de espécies em duas comunidades biológicas hipotéticas (c1 e c2).

Hc1 = -[0.99.log(0.99) + 0.01.log(0.01)] = 0.056

Hc2 = -[0.50.log(0.50) + 0.50.log(0.50)] = 0.693

90
Estes valores suportam a idéia de que a comunidade 2 é mais diversa. Esta função só pode
ser usada em amostras tomadas ao acaso em um comunidade muito grande. A função de
Shannon-Wiener reflete dois atributos básicos:

número de espécies

equitabilidade

Como medir a equitabilidade? Há várias maneiras. Uma delas é dada a seguir:

H max parte do pressuposto que todas as espécies têm a mesma abundância. Neste caso pi =
1/S.

Por convenção usa-se o logaritmo na base 2 para o cálculo dos índices de diversidade. Isto
é porque o logaritmo na base 2 expressa os resultados em unidades binárias que são as
preferidas na teoria da informação. No entanto, não há qualquer restrição para o uso de
outras bases (e, 10). Para obter o logaritmo na base 2 pode-se usar as seguintes relações:

observação:

ln 2 = 0.69314

log10 2 = 0.30103

Outras medidas de diversidade derivam da teoria de probabilidades. Simpson propôs a


seguinte pergunta: Qual é a probabilidade de que duas espécies tomadas ao acaso em uma
comunidade de tamanho infinito pertençam à mesma espécie? Esta probabilidade é medida
pela função:

91
onde a somatória dos quadrados das abundâncias relativas indica a probabilidade de que os
organismos sejam da mesma espécie enquanto que a subtração deste somátorio de 1 indica
a probabilidade de que os organismos sejam de espécies diferentes, ou seja, ela mede a
diversidade.

Ao considerarmos as comunidades da tabela acima e aplicarmos o índice de Simpson,


teremos:

D1 = 1 - [(0.99)²+(0.01)²] = 0.02

D2 = 1 - [(0.50)²+(0.50)²] = 0.50

Neste capítulo vimos que os parâmetros alfa de Fisher, a de Preston e os índices de


diversidade H (Shannon-Wiener) ou D (Simpson) são alguns exemplos de medidas
quantitativas para descrever a diversidade da comunidade. Existem outros índices de
diversidade que poderão ainda serem encontrados na literatura. Uma lista dos principais
índices com os algorítimos de cálculo e suas limitações é fornecida em Magurran (1988).

92
Ecologia de Comunidades

Aula 4: Biogeografia: padrões biogeográficos

1) Diversidade e Latitude

Um dos padrões mais notáveis observados na riqueza de espécies em diferentes


ecossistemas refere-se ao aumento do número de espécies em regiões tropicais e equatorais.
Segundo Krebs (1972), um quadrado de 4 hectares numa floresta da Malásia tem cerca de
375 espécies de plantas. Um mesmo quadrado em área florestal de Michigan (USA) tem
cerca de 10 a 15 espécies de plantas. Este padrão tem sido observado para diferentes tipos
de organismos. A mirmecofauna (formigas) também pode ser usada para evidenciar o
padrão de aumento da riqueza em espécies a medida que se diminuem as latitudes:

O aumento do número de espécies em direção ao equador não se restringe somente aos


ecossistemas terrestres. Nos oceanos, esse padrão pode também ser evidenciado. O número
de copépodes calanóides no Oceano Pacífico aumenta em direção ao Equador:

93
A ictiofauna de ambientes limnéticos parece também obedecer ao padrão de aumento do
número de espécies em direção aos trópicos:

Além da latitude, outros gradientes podem influenciar a riqueza em espécies dos


ecossistemas:

a) topografia (altitude);

94
b) leste oeste (longitude);

c) barreiras geográficas (cadeias montanhosas);

d) efeito-península (há queda na diversidade).

9.2) Teorias que explicariam o gradiente latitudinal

Várias teorias têm procurado explicar o aumento da riqueza em espécies observado nos
ecossistemas situados a baixas latitudes. Abaixo são apresentadas algumas delas:

a) Hipótese do tempo (Fischer, 1960)

Existem inúmeras evidências indicando que os ambientes tropicais são os mais antigos da
biosfera e, portanto, as espécies vivendo nestes locais teriam tido simplesmente mais tempo
para evoluir. Além disso, a taxa de evolução seria maior em temperaturas maiores, uma vez
que as populações de climas mais quentes apresentam em geral menor tempo de renovação
(turn over time). Os exemplos abaixo ilustram este ponto:

a) Lago Baikal (muito antigo) está situado na Rússia (Sibéria) e apresenta 580 espécies
invertebrados de bentônicos;

b) Great Slave Lake (recente) está situado no Canadá e conta com apenas 4 espécies de
invertebrados bentônicos.

Ambos os lagos acima estão situados na mesma faixa latitudinal e apresentam grandes
dimensões.

b) Heterogeneidade espacial (MacArthur).

Existem dois tipos de diversidade: a)diversidade alfa (local) e b) diversidade beta


(regional). Habitats muito variados e heterogêneos favoreceriam o aumento da diversidade
uma vez que ofereceriam maiores combinações de microhabitats e nichos ecológicos. Nos
trópicos, os ecossistemas freqüentemente apresentam grande diversidade de habitats e de
formas de vida. Nas florestas úmidas tropicais, por exemplo, temos as lianas, epífitas
(bromélias), sapopemas, raízes aéreas e trepadeiras. Todas estas estruturas apresentam
substratos que são colonizados por organismos altamente especializados em com alto
endemismo. Este é o caso de copépodes e anfíbios em bromélias epífitas. Nas savanas
tropicais, os cupinzeiros também oferecem inúmeras possibilidades para o abrigo e
alimentação de diversos tipos de vertebrados e invertebrados.

c) Competição (Dobzhansky, 1950)

Esta hipótese prediz que nos trópicos haveria maior competição entre os organismos o que
induziria uma crescente especialização no uso dos recursos disponíveis e, por conseguinte,
um maior número de nichos. Maiores chances de interações coevolutivas "sensu strictu"

95
(gene a gene) e muitas adaptações específicas, como por exemplo os insetos fitófagos. A
riqueza de insetos fitófagos com alta especialização é uma das principais características
estruturais de muitas comunidades tropicais.

d) Predação (Janzen, 1970)

Em contraste com a hipótese anterior, a maior taxa de predação observada em muitos


ecossistemas tropicais manteria a competição interespecífica em níveis baixos e, com isso,
permitiria a convivência de um número maior de espécies (sobreposição de nichos).

e) Estabilidade climática (Sanders, 1969)

Ambientes tropicais foram menos pertubados nas diferentes eras geológicas. Sofreram
menos glaciações.

f) Produção biológica (Connell e Orians, 1964):

Ambientes tropicais têm em princípio maior produção biológica. Esta regra apresenta
muitas contradições, como por exemplo, os crustáceos quidorídeos em lagos dos Estados
Unidos e da Dinamarca onde a maior diversidade ocorre no ecossistema menos produtivo..

9.3) Biogeografia de Ilhas

Darwin foi um dos primeiros naturalistas a constatar que as ilhas apresentam diferenças
notáveis em relação à estrutura das comunidades se comparadas com os continentes mais
próximos. As ilhas podem ser vistas como armadilhas onde algumas espécies são capazes
de chegar e colonizar.

96
Pode-se dizer que a visita de Darwin no HMS Beagle ao arquipélago de Galápagos a cerca
de 600 milhas da costa ocidental da América do Sul equatorial foi fundamental para tudo o
que Darwin escreveria a partir de então (Fig. 1).

97
O arquipélago de Galápagos, com sua exuberante e exótica fauna e flora, não exerceu
somente grande fascínio ao jovem cientista. Suas acuradas e metódicas observações o
levaram a descobrir importantes padrões biogeográficos e ecológicos. O caso dos tentilhões
é emblemático. Existem várias espécies dessas aves no arquipélago evoluídas
provavelmente de um ancestral comum que provavelmente imigrou da América do Sul em
algum ponto do passado. Nas ilhas do arquipélago, as diferentes populações dessa espécie
primitiva, ao encontrar toda uma série de nichos vagos, foram selecionadas de tal modo que
as barreiras geográficas (ilhas) logo induziram ao aparecimento de espécies bem
dierenciadas morfologicamente. Em algumas ilhas, pode aparecer apenas uma espécie,
como é o caso da ilha de Crossman onde apenas G. fuliginosa está presente. Em outras
ilhas, tais como na ilha James, ocorrem três espécies: G. fuliginosa, G. fortis e G.
magnirostris. O fato interessante é que onde as espécies cohabitam, elas apresentam forte
diferenciação morfológica tal como pode ser observado pela morfologia diferenciada dos
bicos em G. fuliginosa e G. fortis em um grande número de ilhas (Fig. 2). Mas onde tais

98
espécies ocorrem isoladamente, tal diferenciação morfológica é reduzida ou mesmo
ausente.

As ilhas podem ser vistas como um microcosmo num senso evolucionário. De um modo
geral, o número de espécies em uma ilha depende de dois fatores básicos: a) o seu tamanho
e b) a distância do continente mais próximo. Ilhas grandes e próximas aos continentes
possuem mais espécies do que ilhas pequenas e localizadas em posição mais afastada dos
continentes.

O número de espécies numa ilha está relacionado à sua área da seguinte forma:

onde:

S: número de espécies;

A: área da ilha em Km²;

c: constante (esp/Km²);

z: inclinação da relação linear entre S e A.

Na realidade, pode-se interpretar esta relação através de um modelo linear:

Para as espécies de plantas nos Galápagos temos:

Para os pássaros da Nova Guiné temos:

Para anfíbios no arquipélago das Índias Ocidentais (West Indies ), no Caribe temos:

99
Preston (1962) notou que z tende a ser 0.3 para várias comunidades insulares. Nos
continentes, z tende a ser menor (0.15<z<0.24). O acréscimo de novas espécies é menor a
medida que a área aumenta nos continentes.

Em 1972, MacArthur e Wilson propuseram a teoria da biogeografia de ilhas. Este modelo


pressupõe que as comunidades atinjam um equilíbrio dinâmico (steady state ), onde o
número de espécies de uma dada ilha resulta da combinação de duas taxas distintas: a taxa
de imigração, que traz novas espécies para a ilha e a taxa de extinção que remove espécies
do pool (reservatório) total de espécies presentes na ilha. Ambas as taxas estão relacionadas
não-linearmente com o número de espécies presentes na ilha a qualquer instante (S).
Enquanto que a taxa de imigração diminui com o aumento de S, a taxa de extinção é
afetada positivamente por S (Figura 3)

100
Do modelo temos que:

101
a) distância ao continente mais próximo (fonte de espécies): afeta basicamente a taxa de
imigração;

b) tamanho da ilha: afeta basicamente a taxa de extinção.

Fases de colonização de uma ilha

Tendo em vista esses fatores, a colinização de espécies em uma ilha deveria seguir a
seguinte ordem:

a) rápida colonização inicial com espécies que não se interagem entre si;

b) fase interativa onde a competição e predação casacão uma redução na diversidade;

c) novo aumento na diversidade através da sucessão e substituição de novas espécies;

d) queda nas taxas de imigração e extinção a longo prazo.

A teoria da biogeografia de MacArthur e Wilson se tornou muito popular não só porque ela
conseguia explicar os diferentes padrões biogeográficos encontrados em ilhas espalhadas
por todos os oceanos mas também porque ela poderia ser aplicada em áreas continentais
que tivessem sofrido os efeitos de algum tipo de isolamento. Uma recente aplicação, pode
ser vista nos fragmentos florestais originados durante o desmate de grandes florestas. Esses
fragmentos se comportam em muitos aspectos como "ilhas". A teoria da biogeografia de
ilhas - como toda teoria - gera , no entanto, algumas questões abertas ainda instigam os
ecólogos:

a) Porquê mais espécies não podem ser acomodadas numa ilha "x"?

b) Quais são as verdadeiras causas biológicas da extinção?

c) São as taxas de imigração e extinção realmente independentes?

d) Quais efeitos causariam o manejo artificial sobre estas taxas?

9.4) Equilíbrio ecológico

A teoria da biogeografia e outros modelos recentes em Ecologia pressupõem a existência de


equilíbrio dinâmico. No entanto, Hutchinson (1959) publicou um artigo clássico, sobre a
questão da diversidade da comunidade planctônica. Ele descreve o plâncton como uma
comunidade rica em espécies aparentemente existindo em um meio altamente homogêneo,
a coluna d'água de lagos e oceanos. A este aparente paradoxo, entre a homogeneidade do
meio e a riqueza de formas de vida e de espécies do plâncton, Hutchinson nomeou de
"paradoxo do plâncton". Segundo esse autor, o aparente paradoxo explica-se a partir da

102
premissa de que a comunidade planctônica estaria sendo continuadamente disturbada por
forças físicas e químicas e os gradientes seriam insuficientes para o estabelecimento de um
equilíbrio dinâmico estável. Desta maneira, a ausência de equilíbrio seria o fator
responsável pela manutenção de uma alta diversidade na comunidade planctônica. Na
realidade, sabe-se hoje que a comunidade planctônica pode atingir, pelo menos
teoricamente, uma alta diversidade mesmo sob condições de equilíbrio dinâmico. Mas o
ponto levantado por Hutchinson permanece, ou seja, a existência de condições de equilíbrio
dinâmico nem sempre é garantida nos ecossistemas.

O equilíbrio ecológico, muitas vezes, tem sido definido em termos muito subjetivos em
Ecologia. Recentemente, Pimm (1984) propôs formas bem objetivas para se medir tanto o
equilíbrio quanto a complexidade das comunidades. Estas formas estão sumarizadas no
quadro a seguir:

riqueza número de espécies presentes

número de interações tróficas existentes


conectância relacionado ao número de interações tróficas
possíveis
Complexidade
efeito da densidade de uma espécie na taxa de
força de interação
crescimento de outra espécie

o quão igualmente estão distribuídas as


equititividade
abundâncias das espécies

um sistema é estável se todas as variáveis


estabilidade retornam ao estado de equilíbrio após um
distúrbio

rapidez com a qual o sistema retorna ao


resiliência
equilíbrio após um distúrbio

o tempo em que uma variável permanece


Estabilidade persistência
inalterada após um distúrbio

o grau de mudança exibido por uma variável


resistência
após um distúrbio

qualquer medida de dispersão associada às


variabilidade variações das densidades populacionais no
tempo (s, s2, CV)

Variáveis de densidades (número de indivíduos) por unidade


abundância
Interesse de área ou volume

composição o catálogo específico das espécies da


comunidade

103
abundância de um o somatório das densidades de um dado nível
nível trófico trófico

104
Módulo 2 - Ecologia de Comunidades

A influência da competição na estrutura da comunidade

1- Introdução

Muitos ecólogos acreditam que a competição interespecífica pode desempenhar um papel


central e determinante na estrutura das comunidades. Gause (1934) enunciou o famoso
princípio da exclusão competitiva que afirma que duas espécies não podem ocupar o
mesmo nicho ecológico. Ele atribuiu o fenômeno a competição interespecífica. No entanto,
os limites existentes dentro de várias comunidades para a similaridade, ao lado dos padrões
de empacotamento de nichos, limitam seriamente a ação da competição dentro de uma
comunidade, através de uma limitação do número de espécies antes que o nicho
hipervolumétrico seja totalmente preenchido. Isto quer dizer, que em ecossistemas 'reais'
não seria propriamente uma surpresa se fosse constatada a existência de nichos vagos.

A competição interespecífica agiria através da exclusão de espécies ou determinando


precisamente quais espécies podem coexistir dentro de uma comunidade. A questão central
refere-se a determinação da importância destas considerações teóricas, ou seja, qual é o
papel real da competição na estruturação das comunidades. Infelizmente esta é uma
pergunta muito difícil de se responder dada a dificuldade de se medir a competição de
modo experimental. Sabe-se que as vezes ela é importante e também que em outros casos
ela não é importante. Isto não basta para provar o seu papel real dentro dos ecossistemas.

Outro aspecto relevante é que, por definição, a competição não pode ser muito importante
uma vez que, neste caso, levaria a extinção de espécies deixando então de existir. A
predação, por outro lado, a medida que se intensifica tende a desencadear uma série de
mecanismos retroalimentadores de tal modo que ela se afrouxe novamente, porém a
predação permanecer no cenário ecológico.

Em uma revisão sobre a importância da competição publicada por Schoener (1983) a


competição seria importante em 89% dos estudos realizados em ecossistemas terrestres, em
91% das investigações conduzidas em ecossistemas lacustres e fluviais e em 94% das
pesquisas ecológicas realizadas nos oceanos.

Em outra revisão publicada no mesmo ano, Connel (1983) inventariou 527 experimentos
realizados com 215 diferentes espécies agrupados em 72 trabalhos científicos publicados
em 6 periódicos de grande renome. Ele conclui que a competição interespecífica foi
importante em pelo menos 40% dos experimentos científicos o que corresponderia a cerca
de 50 dos trabalhos analizados. Já a competição intraespecífica seria importante em apenas
17% dos trabalhos considerados nesta revisão. Connel também demonstrou que a
competição interespecífica era mais relevante em organismos marinhos e em organismo de
maior tamanho.

105
Outra importante conclusão no trabalho de Connel é a de que sempre que há uma
diferenciação do nicho, a competição intraespecífica torna-se bem mais intensa o que não
quer dizer que a competição interespecífica não seja importante, mas por outro lado, seria
mais provável encontrar indícios de competição dentro de guildas funcionais do que fora ou
entre elas.

Segundo Begon et al. (1990), estas revisões, entretanto, não revelam certos bias
(tendências) e tendem a exagerar a importância relativa da competição uma vez que:

a) muitos jornais podem ter uma tendência editorial a publicar trabalhos que cheguem a
certos tipos de conclusões (tais como aqueles que colocariam a competição como algo
muito importante);

b) os revisores podem ter um bias no sentido de terem escolhido apenas os papers (artigos)
mais 'interessantes';

c) muitos autores que chegaram a conclusão em suas pesquisas de que a competição não
seria importante, podem ter ficado frustrados e não terem publicado os seus trabalhos.

Além disso, há comunidades muito importantes onde não foram encontradas muitas
evidências de que a competição seja, de fato, muito importante. Uma destas comunidades
seria composta pelos insetos fitófagos, que constituem o grupo mais diversificado de
organismos de toda a biosfera. Este organismos correspondem a cerca de 25% de todos os
organismos vivos (Southwood, 1978). Schoener (1983) notou que havia poucos trabalhos
sobre competição com insetos fitófagos.

Strong et al. (1984) revisaram a literatura sobre insetos fitófagos. Eles encontraram
evidências de que a competição esteja presente em apenas 44% dos trabalhos sendo que
destes, em apenas 20% dos casos, a competição intra-específica foi realmente importante.
Além disto, há muitos casos de nichos vagos em comunidades de insetos fitófagos.

Lawton (1984) estudou os sítios de alimentação e os diversos tipos de herbivoria que são
observados na pteridófita Pteridium aquilum em três continentes diferentes. Na América do
Norte (Novo México), por exemplo, os herbívoros atacam principalmente as folhas
enquanto que na Inglaterra os herbívoros atacam os caules (rachis, costa e costulas), além
das folhas. No Novo México não existem insetos galhadores, enquanto que eles estão
presentes em plantas da Inglaterra e da Nova Guiné (Papua). Os insetos mastigadores são
os predominantes na Inglaterra, enquanto que os insetos minadores são os principais em
Papua. Tal exemplo, ilustra que podem existir nichos vagos ma comunidade de insetos que
exploram os recursos em Pteridium, mesmo considerando que esta é uma planta muito
antiga e euritópica. Este é um exemplo de que nem todos os nichos ecológicos estão
ocupados nos ecossistemas, exatamente o contrário de que seria de se esperar caso a
competição (ainda) fosse a força delimitante na sua estruturação.

De maneira mais geral, os herbívoros são raramente limitados por comida e deste modo não
devem estar competindo seriamente por recursos (Slobodkin, 1967). Por outro lado, seu
alimento tem baixa qualidade nutricional e, em muitos casos, está protegido quimicamente

106
ou morfologicamente. Além disto, os insetos fitófagos sofrem muito com a ação de
predadores e parasitóides. Este dois últimos fatores podem, na realidade, estar limitando
muito mais seriamente os insetos fitófagos do que a competição.

Há casos onde a competição é potencialmente intensa, mas as espécies nunca coexistem,


como é o caso das espécies gregárias num ambiente descontínuo e fragmentado (patchy
environment ). Atkinson e Shorrocks (1981) simularam o possível efeito da
heterogeneidade espacial sobre a coexistência de espécies competidoras e demonstraram
que com o aumento da heterogeneidade a coexistência é favorecida (figura 1).

A simulação de Atkinson e Shorrocks (1981) explica porque a competição interespecífica é


muito baixa nos ambientes heterogêneos (patchy environments) normalmente explorados
pelos insetos fitófagos.

Um argumento que os defensores da importância da competição na estruturação do


ecossistemas usam é o seguintes: as espécies podem não estar competindo agora pelo fato
de que a seleção no passado agiu através da diferenciação de nichos de modo que ela fosse
minorada. A este fenômendo, Connel atribuiu o nome de ghost competition (competição
fantasma).

107
Não há fortes evidências de que a competição imediata possa ter um poder de organizar
estruturalmente as comunidades. A pergunta que se coloca neste ponto é: como seria a
comunidade se a competição fosse realmente importante? Segundo Begon et al. (1990), três
critérios básicos devem ser observados:

a) Em primeiro lugar, os competidores em potencial deveriam exibir um alto grau de


diferenciação de nicho;

b) esta diferenciação deveria estar refletida em diferenciação morfológica e ou


comportamental;

c) os competidores sem diferenciação de nicho não devem coexistir e devem ter


distribuições negativamente associadas.

2- Diferenciação de nicho

As abelhas do gênero Bombus estudadas por Pyke (1982) no Colorado USA constituem um
bom exemplo de comunidade moldada com base em diferenciação de nicho a partir da
competição. Elas se constituem em uma guilda uma vez que formam um grupo de espécies
que exploram a mesma classe de recursos de maneira similar (Root, 1967). As abelhas
foram divididas em quatro grupos caracterizados em termos da dimensão da probóscide e
do comprimento da corola das plantas visitadas. As abelhas com probóscide longa, tais
como B. appositus, preferiam as plantas com corola também longa especialmente
Delphinium barbeyi (figura 2). As abelhas de probóscide curta, tais como B. sylvicolla, de
maneira análoga, preferiam plantas com corola extremamente curta tais como certas
compositae e Epibolium angustifolium. Abelhas com probóscides medianas, tais como B.
flavifrons, visitavam plantas com corola de tamanho variável. Havia também uma abelha,
B. occidentalis, de probóscide curta que conseguia se alimentar em plantas de corola longa,
já que era capaz de cortar, com suas mandíbulas potentes, a base da corola destas plantas.
Pyke encontrou uma tendência caracterizada por domínio de sempre uma espécie de
probóscide longa, uma espécie de probóscide média e uma espécie com probóscide curta
em cada localidade estudada ao longo de um gradiente altitudinal (2900-3700 m). Este seria
exatamente o padrão a ser esperado se a comunidade fosse moldada pela competição
interespecífica.

108
A competição interespecífica deve ocorrer prioritariamente dentro das guildas, mas isto não
significa necesariamente que os membros de uma guilda estejam sob competição.
Adicionalmente, nem sempre é fácil decidir se organismos explorando a mesma classe de
recursos pertencem a uma guilda ou não. Considere por exemplo, associações de formigas e

109
roedores do deserto que se alimentam de sementes estudadas por Brown e Davidson (1977).
A remoção experimental de uma destas comunidade implica em aumento em termos de
biomassa da outra. Formariam estas duas associações uma única guilda? Elas usam o
mesmo recurso porém com algumas diferenças. As formigas predam sementes de vários
tamanhos de acordo com a frequência de ocorrência das sementes no solo. Já os roedores
preferem as sementes maiores e são especialmente eficientes em explorar densas
agregações de sementes enterradas no solo. Estas diferenças põem em dúvida a inclusão
destas duas associações numa única guilda.

Outros fatores além da competição podem estar influenciando a estrutura de uma


comunidade. Nas águas da costa dinarmaquesa existem cinco espécies de Gammarus. G.
duebeni, G. zaddachi, G.salinus, G. locusta e G. oceanicus se sucedem ao longo de um
gradiente de crescente salinidade da água. O padrão de distribuição espacial destas espécies
em Limfjord, a primeira vista, pode paracer ser o resultado de competição interespecífica já
que os nichos realizados destas espécies são nitidamente mais restritos que o nicho
fundamental. Fenchel e Kolding (1979) demosntraram que estas espécies são capazes de se
entrecruzarem produzindo porém prole estéril em laboratório. Assim, os padrões de
distribuição espacial destas espécies pode também ser interpretado como sendo apenas um
mecanismo para evitar o cruzamento interespecífico já que forças seletivas muito poderosas
certamente estão agindo no sentido de evitar este tipo de cruzamento ocorra na natureza
(figura 3).

110
Há ainda outros bons trabalhos demonstrando a ausência de competição interespecífica em
locais onde ela era em princípio esperada. Strong (1982) estudando abelhas tropicais
chrysomelidae que se alimentam em Heliconia não encontrou qualquer evidência de que
esta guilda estivesse limitada por competição. Elas parecem estar sendo controladas
prioritariamente por predação ou parasitismo. Outras contribuições nesta direção podem ser
vistas em: Lawton e Strong (1982) e Strong et al. (1984).

3- A diferenciação do nicho em comunidades de plantas

Não existem grandes dificuldades encontrar explicações convincentes da estrutura das


comunindades ou guildas de animais baseadas em competição. O problema seria apenas o
escasso número de provas convincentes. O mesmo não acontece em Ecologia Vegetal. As
dificuldades já começam a aparecer ao se procurar explicações convincentes para certos
padrões de comunidades de plantas. Parodiando Hutchinson que em 1959 formulou a
famosa pergunta: Why are so many kinds of animals (Porquê existem tantos tipos de
animais)? Begon et al. (1990) sugere que uma questão muito mais atual seria: Why are so
many kinds of plants (Porquê existem tantos tipos de plantas)? Hoje sabe-se que existem
pelo menos 300.000 espécies de plantas diferentes.

Uma das teorias mais aceitas que procura explicar os padrões de competição em plantas foi
propostas recentemente por Tilman (1982). A competição por recursos (resource
competition ) seria definida com base numa análise gráfica a partir das isóclinas de

crescimento nulo (ZNGI : zero net growth isoclines ). O crescimento das espécies seguiria o
modelo da cinética de Michaelis Menthen que é definido pela fórmula:

onde:

r max: taxa de crescimento máximo

r: taxa de crescimento observado

K: cte. de saturação definida quando r = 0.5.r max

S: concentração do substrato

111
Tilman demonstrou que toda espécie tem um ponto de crescimento nulo: se a taxa de
reprodução r for igual a taxa de mortalidade m para uma dada concentração do substrato R*
então esta concentração definirá o crescimento nulo para esta espécie. Tilman observou que
cada espécie tem um ponto R* específico (equilibrium resource requirement ).

Quando se considera dois recursos, r1 e r2, haverá dois R*. Ao se variar r1 mantendo r2
constante R*1 se transforma nas Zero Net Growth Isoclines (ZNGI) vistas acima, o mesmo
acontece com R*2 quando r2 varia tendo r1 como constante. As isóclinas ZNGIr1 e ZNGIr2
geram um plano no espaço r1 versus r2. Cada espécie, portanto, tem o seu plano no espaço
r1 versus r2. Assim, as posições relativas destes planos específicos definirão o resultado da
interação competitiva entre suas espécies quaisquer:

112
Cyclotella e Asterionella são duas algas diatomáceas importantes em certos lagos
oligotróficos. Asterionella ganhará a competição toda vez que as concentrações de fósforo
da água reduzirem a um nível que não suporta crescimento algum em Cyclotella, mas esta
alga por sua vez ganha a competição quando os teores de sílica forem tão baixos a ponto de
não comportarem mais qualquer crescimento de Asterionella.

113
114
A coexistência de muitas plantas com exigências diferentes de recursos pode ser explicada
através da teoria de Tilman se levarmos em conta a existência de uma variabilidade
ambiental. Isto foi demonstrado para plantas terrestres tais como gramíneas e leguminosas
(Turkington et al. 1977) em pastagens canadenses, onde a competição estaria regulando a
estrutura destas comunidades herbáceas. Eles notaram que as espécies positivamente
associadas podem não competir, ao passo que as espécies negativamente associadas
competiam entre si, ou seja, as espécies com requerimentos similares de solo tendiam a ser
negativamente associadas. No entanto, nem tudo foi explicado pelos autores:

a) havia algumas exceções no estudo;

b) poderia haver outros recursos além daqueles que foram considerados no estudo;

c) será que o número de espécies que seguem as tendências isoladas (positivamente ou


negativamente associados) seria significativamente maior do número ditado pelo acaso?

d) não se sabe se estas plantas (gramíneas e leguminosas) efetivamente competem pelos


nutrientes considerados.

Outro exemplo clássico das distribuições negativamente associadas como resultado de


interações competitivas foi dado por Diamond (1975) nas ilhas Bismarck a leste da Nova
Guiné. Nestas ilhas, duas ou mais espécies ecologicamente similares têm sempre
distribuições mutuamente exclusivas.

Begon et al. (1990) sumarizam o status quo das evidências sobre a importância da
competição na estruturação das comunidades:

a) a competição interespecífica é uma razão plausível e possível para explicar a organização


de comunidades. Faltam, porém, as provas;

b) a competição interespecífica foi demonstrada apenas em um pequeno número de


comunidades;

c) a competição passada ou fantasma (ghost competition ) pode ser sempre invocada para
explicar padrões presentemente isolados nas comunidades;

d) as comunidades escolhidas pelos ecólogos, embora interessantes, podem não ser típicas.
Muitos estudos onde a competição foi rejeitada deixaram de ser publicados;

e) sempre há explicações alternativas para a competição (vide exemplo dos Gammarus );

f) espécies na natureza tem nichos realizados normalmente menores que os seus respectivos
nichos fundamentais;

115
g) a hipótese recorrente para o caso da competição não ser importante na estruturação das
comunidades é a hipótese nula ou randômica.

4 - Modelos neutralistas e a Hipótese nula

Simberloff, Strong e outros ecólogos têm criticado o exagero das tentativas de explicar os
padrões nas comunidades baseadas puramente na competição. A teoria moderna da
competição prediz que deve haver um limite de similaridade entre as espécies competidoras
que induz a seus nichos estarem dispostos regularmente ao invés de randomicamente (ao
acaso) no espaço hipervolumétrico. Além disso, as espécies ecologicamente muito similares
deveriam ter distribuições geográficas diferentes. Mesmo no caso de existir evidências da
competição, deve-se questionar: como seria a comunidade caso não houvesse a
competição? Neste sentido foram propostos os modelos neutralistas que têm as seguintes
características:

a) não incluem interações biológicas;

b) são paralelismos da idéia da hipótese nula usada em estatística e baseiam-se na idéia


salutar de imaginar como seria o sistema se o fenômeno objeto de estudo não tivesse
qualquer relevância para este sistema;

c) estes modelos são muito úteis porquê permitem ao seu usuário raciocinar da seguinte
maneira: pode-se provar algo que seja estatisticamente diferente, mas é impossível provar
algo que seja estatisticamente similar a outro objeto.

Lawlor (1980) reexaminou os dados de Pianka (1973) sobre comunidades de largartos. Se a


competição fosse uma força importante na determinação da estrutura da comunidade, os
nichos deveriam estar homogeneamente dispostos e a sobreposição de nichos (niche
overlap) deveria ser menor do que os valores previstos pela teoria neutralista. O modelo
randômico seria considerado se cinco ou mais das cem simulações realizadas produzisse
um overlap médio menor que o valor real. No caso das comunidades de largartos, os
valores excepcionalmente baixos encontrados por Pianka indicam que a competição é
realmente importante para a comunidade de largartos.

Em outros casos, no entanto, foi demonstrado que as informações fornecidas por modelos
neutralistas não diferem significativamente dos dados empíricos. Strong et al. (1979)
examinaram dados sobre a avifauna de três áreas geográficas distintas:

1) ilhas das Três Marias (México)

2) Ilhas do Canal Californiano

3) Arquipélago de Galápagos.

116
Em todos estes arquipélagos, cada ilha possuía apenas uma pequena fração do número total
do 'pool' de espécies. Estas comunidades naturais foram comparadas com 100 comunidades
simuladas no computador arrajadas ao acaso. Havia comunidades 'nulas' que continham o
mesmo número de espécies de cada família como continham as ilhas estudadas, mas
composição específica de cada comunidade nula era estabelecida por sorteio ao acaso a
partir de um pool inicial que sempre correspondia a um dos pools de cada arquipélago
considerado. Várias medidas lineares do tipo: razão de comprimento entre pares de espécies
contíguas foram usadas. A competição interespecífica seria aceita caso estas razões
alométricas fosse significativamente maiores nas comunidades reais do que aquelas
encontradas nas comunidades nulas. Se a competição fosse importante seria de se esperar
uma diferença maior do que o acaso nestas variáveis alométricas. Strong et al. (1979)
observaram que, na realidade, estas razões não eram suficientemente maiores nas
comunidades naturais e que, portanto, a competição não deveria ser uma força muito
importante para manter a estrutura destas comunidades. É contudo interessante notar que
estas conclusões levantaram uma grande controvérsia na literatura (Grant and Abott, 1980;
Hendrickson, 1981; Simberloff and Boeklen, 1981; Strong and Simberloff, 1981; Schoner,
1984 e Simberloff, 1984). Segundo Begon et al. (1990) os principais pontos em que se
basearam os críticos foram:

a) houve imprecisões estatísticas no trabalho de Strong e colaboradores;

b) as comparações foram feitas em espécies dentro de famílias e a competição é esperada


de acontecer dentro de guildas;

c) as conclusões foram tiradas com base na fauna total o que tenderia a diluir os padrões
eventualmente assinalados para grupos menores;

d) os pools de espécies são em si mesmos comunidades que foram influenciadas pela


competição interespecífica e, portanto, os modelos neutralistas ao usarem os mesmos pools
podem ter embutido estes efeitos em si mesmos.

117
Ecologia de Comunidades

Efeitos da Predação sobre a estrutura das comunidades

1- A predação como uma fonte de distúrbio

A grande diversidade observada em diferentes comunidades é, sem dúvida, um dos maiores


enigmas da Ecologia. Pela teoria da competição seria de se esperar que espécies com
potencial inferior de competição fossem em algum ponto do tempo levadas a extinção. Se
isto fosse verdadeiro, a diversidade de uma comunidade seria explicada por uma partição de
recursos entre espécies feita de tal maneira que cada espécie usaria uma porção definida dos
recursos disponíveis, fração esta que não seria compartilhada por nenhuma outra espécie
desta comunidade, pelo menos em sua totalidade. No entanto, esta argumentação se baseia
em duas premissas não necessariamente válidas:

a) Se a competição é uma força realmente importante isto implica que os recursos são
limitantes. No entanto, há várias situações nas quais certos distúrbios sejam eles biológicos
(predação) ou não (tempestades, fogo) mantêm as densidades populacionais em um nível
muito abaixo (em termos de exploração dos recursos disponíveis) daquele que seria
necessário para levar uma espécie a extinção.

b) Se um recurso realmente está limitante e a competição realmente está operando, então a


espécie superior em termos competitivos teria que inevitavelmente excluir aquelas
competitivamente inferiores. No entanto, este processo, o da exclusão competitiva, exige
certas condições de equilíbrio dificilmente verificáveis sob condições reais.
Heterogeneidade espacial e temporal dos ecossistemas são aqui invocadas.

Neste ponto, deve ser feita a distinção entre teorias de equilíbrio e de não equilíbrio. Uma
teoria de equilíbrio, tal como a da diferenciação de nicho, ajuda-nos a fixar atenção em
certas propriedades do sistema no ponto de equilíbrio. O tempo e a variabilidade espaço-
temporal não são essenciais a priori. Uma teoria do não-equilíbrio concentra-se no
comportamento do sistema fora de seus pontos de equilíbrio e especialmente, concentra-se
no estudo da variabilidade temporal e espacial observada nos ecossistemas.

A predação pode ser vista como um distúrbio uma vez que as atividades dos predadores
levam a um distúrbio no curso normal de uma dada sucessão. Neste sentido, a predação
pode ser comparada a ação de patógenos. Assim a predação, doenças e tempestades podem
ser vistas como mecanismos pelos quais novos 'espaços' são criados no ecossistema.

118
Neste contexto, os herbívoros podem ser considerados como predadores de plantas. Darwin
já tinha notado os efeitos da herbivoria sobre as pastagens. Ele notou, por exemplo, que os
efeitos de predadores generalistas sobre a estrutura da comunidade podem ser muito
diferentes daqueles causados por predadores especialistas. Os ecólogos podem usar estes
'distúrbios' como uma ferramenta experimental no sentido de usá-los como agentes no
processo de se investigar como uma comunidade realmente está funcionando.

2- Efeitos de predadores generalistas

Uma interessante comparação pode ser feita observando, por exemplo, os efeitos da
pastagem de lebres e a ação de cortadores mecânicos de ervas. As lebres são mais seletivas
do que as máquinas que aparam o gramado e isto pode ser evidenciado pela ocorrência ao
redor das suas tocas de certas plantas que lhe são inaceitáveis: Atropa belladonna, Urtica
dioica e Solanun dulcamara e Sambuca nigra. No entanto, em muitas localidades os efeitos
de pastejo das lebres assemelha-se ao produzido pelas máquinas de cortar grama. As lebres
não são nativas nas ilhas britânicas e foram lá introduzidas provavelmente no século doze.
Os efeitos iniciais das lebres sobre a vegetação das ilhas devem ter sido enormes. Mas com
o passar do tempo atingiu-se um novo equilíbrio na vegetação e este equilíbrio pode ser
disturbado se as lebres forem experimentalmente excluídas do ambiente. Isto foi o que
fizeram Tansley & Adamson (1925) em South Downs (Inglaterra). Os efeitos desta
intervenção logo se fizeram notar no sentido de que poucas espécies de ervas logo se
tornaram dominantes. Em 1954 a virose myxomatose foi introduzida na Inglaterra e esta
doença dizimou consideravelmente as populações de lebres. A vegetação respondeu
inicialmente com um aumento no número de plantas de flores perenes seguido por
sucessivos decréscimos no número de espécies de gramíneas tal como observado no
experimento de Tansley & Adamson (figura 1). Níveis normais de populações de lebres
aparentemente mantêm certas gramíneas com tendência a tornarem-se dominantes sob
controle. No entanto, ao se aumentar exageradamente a pressão de pastejo, a diversidade
diminui uma vez que os roedores tendem a modificar seus hábito alimentares incluindo
espécies que normalmente não são consumidas e levando-as provavelmente à extinção. Isto
foi o que demonstraram Zeevalking & Fresco (1977) em dunas arenosas.

119
Mesmo um herbívoro totalmente não seletivo, tal como um cortador de grama, poderá ter
uma ação diferenciada sobre a vegetação. Espécies mais altas serão afetadas com mais
intensidade. Espécies com raízes muito desenvolvidas ou estruturas de estoque de energia
localizadas sob o solo poderão ser beneficiadas. Assim os efeitos de um predador não
seletivo sobre a estrutura da comunidade serão diferenciados, e o grau de diferenciação
dependerá do grau com que cada presa consegue suportar o seu efeito. Se as plantas que
mais sofrem com a herbivoria são as plantas dominantes então a herbivoria causará um
aumento de diversidade.

3- Efeitos de predadores especialistas

Ao longo dos costões rochosos de Nova Inglaterra (USA), o herbívoro mais abundante é o
molusco Littorina littorea. Este organismo se alimenta de uma gama variada de algas
porém exibe uma forte preferência por espécies de pequeno porte de com tecidos tenros,
particularmente pela alga verde Enteromorpha. As algas menos preferidas são algas
vermelhas tais como Chondrus crispus e algas amarelas do gênero Fucus spp.

Lubchenko (1978) notou que a composição específica de poças d'água localizadas na faixa
das marés (tide pools ) em costões rochosos variava de modo drástico. Havia locais com

120
uma dominância quase que exclusiva de Enteromorpha e outros que por sua vez eram
dominados por Condrus. Para testar se o pastejo de Littorina era responsável por estas
diferenças, a pesquisadora removeu todos os moluscos de um stand (entenda-se por stand
uma área amostral de tamanho e forma definidos, contendo uma amostra da comunidade
em estudo) dominado por Condrus. Havia um stand-controle no qual os moluscos não
haviam sido retirados. Lubchenko observou que nos stands nos quais as populações de
Littorina haviam sido retiradas, Enteromorpha e outras algas efêmeras imediatamente
tornaram-se abundantes. Ela não notou nenhuma alteração significativa nos stands controle.
Ficou claro que a presença de Littorina era a responsável pela dominância de Chondrus
(figura 2). Em outro experimento, foi demonstrado que a adição de Littorina a unidades
amostrais de espaço ( stands ) onde predominava a alga Enteromorpha, em um ano, causou
uma redução de percentagem de cobertura de 100% para 5%. Esta demora é devida ao lento
crescimento, algo que é típico da alga vermelha. Uma pergunta que ficaria seria a seguinte:
Porquê então existem stands nos quais Littorina está ausente. Este animal exibe uma fase
larvar planctônica e, por conseguinte, tem um alto poder de dispersão. No entanto, nos
stands dominados por Enteromorpha existe o carangueijo Carcinus maenas que é um voraz
predador de indivíduos jovens de Littorina. O elo final desta teia alimentar é representado
por gaivotas ( 'gulls' ) que são predadores dos carangueijos. As aves (gulls ) são
especialmente eficazes em eliminar os crustáceos onde a cobertura das algas verdes está
reduzida, ou seja, nos stands dominados por Chondrus. Assim, existem melhores chances
para o recrutamento das populações de Littorina nos stands dominados pela alga vermelha,
exatamente aqueles onde a qualidade do seu alimento é pior.

121
De uma maneira geral, a predação seletiva pode levar a um aumento de diversidade se a
presa preferida for dominante. No entanto, se a presa preferida for subdominante, a
predação levará a uma diminuição da diversidade. Isto é exatamente o que ocorre nos
stands emergentes de algas (que ficam expostos a atmosfera por longos períodos). Nestas
condições, Lubchenko observou que a alga verde era inferior competidora em relação as
algas vermelhas e marrons. Littorina, nestas áreas, pode facilmente extinguir as populações
das algas verdes, causando então um abaixamento da diversidade.

A zona intertidal das costas do Pacífico nos USA foi o palco dos estudos pioneiros
publicados por Paine (1966) enfocando a influência de um carnívoro, a estrela do mar
Pisaster (Heliaster), que se alimenta de organismos sésseis tais como mexilhões (Mytilus )
e cracas (Acorn ). Paine removeu, experimentalmente, todas as estrelas-do-mar de certo
número de stands, no caso um retângulo 2x8m e repetiu periodicamente este procedimento
ao longo de alguns anos. Em intervalos regulares a densidade de invertebrados bem como o
percentual de cobertura de algas foi inventariado. Havia ainda uma área adjacente que
permaneceu intocada e que era também regularmente monitorada. A remoção da estrela-do-
mar (P. orchraceus ) provocou mudanças dramáticas na estrutura da comunidade. A craca
Balanus glandula se estabeleceu inicialmente muito bem. A seguir, cedeu lugar para
Mytilus californicus que finalmente tornou-se dominante. De todas as algas originalmente

122
presentes, apenas uma permaneceu no stand. No geral, a remoção da estrela causou a
extinção de 7 espécies na área experimental (figura 3).

Ao que parece, a função básica do equinoderma predador consiste em manter a área


razoavelmente 'limpa', dando espaço para que espécies competitivamente inferiores possam
também se estabelecer.

4- Efeitos de predadores parasitas e doenças

Predadores seletivos causam um aumento de diversidade numa comunidade se suas presas


preferidas são competitivamente superiores. Parece haver uma boa correlação entre o grau
de palatabilidade e altas taxas de crescimento. Seria de se esperar que espécies dominantes
em locais onde a predação é reduzida fossem mais susceptíveis a um eventual aumento da
predação uma vez que tenderiam a realocar recursos energéticos na direção do aumento da
eficiência de competição em detrimento de seu potencial de defesa.

Mesmo predadores generalistas tendem a ter um efeito positivo sobre a diversidade. Isto
porque a taxa de predação será maior sobre as espécies mais abundantes que por sua vez
seriam aquelas superiores em termos de competição.

123
Densidades intermediárias de predação seriam mais benéficas para a manutenção da
diversidade uma vez que predadores com abundâncias muito reduzidas podem não evitar
que haja a exclusão competitiva entre presas. Por outro lado, um excesso de predadores
poderá levar a espécie de presa preferida a extinção.

O papel de predadores, parasitas e doenças na formação e manutenção de uma determinada


estrutura de comunidade será mais significante naquelas comunidades onde as condições
físicas e químicas são menos severas ou mais previsíveis (Connel, 1975).

Os efeitos dos animais sobre as comunidades onde vivem vão muito mais além do que a
mera retirada de animais. Organismos cavadores ou que fazem edificações tais como
térmitas ou formigas causam uma heterogeneidade local permitindo novas colonizações e
causando microsucessões. Grandes herbívoros podem aumentar o 'patchiness' de nutrientes
em uma comunidade através de suas fezes e urina que são depositadas de maneira irregular
no solo.

5) Teoria do forrageamento ótimo (optimal forager )

Existem vários modelos sobre otimização na escolha das presas: Emlen (1966), MacArthur
e Pianka (1966), Schoener (1969 a e b), Rapport (1971), Cody (1974), Pyke et al. (1977). O
grau de especialização reflete a largura ótima na escolha de presas.

Normalmente a busca de uma presa envolve diferentes fases que demandam um certo
tempo. Dentre elas podemos citar o tempo de procura, perseguição, manipulação, ingestão e
assimilação de uma presa. Se é verdade que um predador deve maximizar os seus ganhos
energéticos na obtenção de uma dada presa, isto significa em assumir que esses tempos
definidos acima devem ser minimizados. Quando a soma:

for mínima, tem-se a dieta ótima.

124
Em sistemas mais produtivos, é de se esperar que o tempo de procura por um determinado
tipo de presa seja menor. O modelo de MacArthur e Pianka (1966) prevê um aumento da
especialização com um aumento da produção biológica (Figura 4).

6) Teoria da predação de sementes

Outra teoria interessante ligada aos possíveis efeitos dos predadores na estruturação das
comunidades foi desenvoldida a partir dos estudos de Janzen sobre predadores de sementes
de árvores em florestas tropicais (Janzen, 1970). Esse modelo talvez possa ajudar a
entender a alta diversidade de plantas existentes nas florestas tropicais (Figura 5).

125
Janzen observou que a taxa de sobrevivência de plântulas era maior em distâncias
intermediárias da planta-mãe. Próximo à planta mãe todas as sementes eram facilmente
consumidas pro predadores de sementes. A medida que a distância da planta mãe crescia,
crescia também a probabilidade de sobrevivência da semente e eram maiores as chances de
desenvolvimento da plântula. Embora o número total de sementes por área decresça
rapidamente com o aumento da distância, a taxa de recrutamento é máxima em uma
distância intermediária da planta adulta. No entanto, um ponto aberto na teoria de Janzen
refere-se ao fato de que a sua teoria não explica porque existem tantos predadores de
sementes especializados nos trópicos.

7) Teoria do tamanho-eficiência

As interações entre peixes planctófagos e o zooplâncton foi o ponto de partida de uma das
mais importantes teorias sobre os efeitos da predação na estruturação das comunidades.

126
Brooks e Dodson (1965) publicaram um estudo sobre os efeitos da introdução de um peixe
clupeídeo planctófago no lago Cristal, EUA (Figura 6).

127
A introdução de Alosa causou uma dramática modificação no zooplâncton que passou a ser
dominado por espécies de pequeno porte tais como Bosmina e Ceriodaphnia. Os grandes
microcrustáceos tais como Daphnia e Heterocope desapareceram do lago. Na ausência do
predador, esses grandes microcrustáceos, principalmente Daphnia, dominam o
zooplâncton, já que são filtradores mais eficientes. No entanto, os peixes planctófagos
predam visualmente, consumindo preferencialmente os maiores organismos. Essa teoria
demonstrou como o zooplâncton pode ser estruturado pela predação e como organismos
competitivamente inferiores podem se estabelecer de forma estável em um dado
ecossistema.

8) Teoria da "cascata trófica"

A teoria clássica supunha que a dinâmica do ecossistema seria controlada, em princípio, por
fatores físico-químicos, principalmente a disponibilidade de nutrientes. Esses fatores
abióticos regulariam e ditariam a ordem de magnitude do fluxo de energia a partir dos
produtores primários. A essa visão convencionou-se chamar de concieito bottom up, ou
seja, de baixo para cima.

O conceito de espécie-chave, a teoria do tamanho eficiência e as experiências acumuladas


sobre a biomanipulação levaram à formulação de uma teoria mais ampla segundo os
predadores poderiam controlar não só o nível trófico imediatamente abaixo, mas sim toda a
comunidade e mesmo a disponibilidade de nutrientes no ecossistema. Essa teoria, chamada
de teoria da "cascata trófica" foi proposta por Carpenter et al. (1985). Segundo essa teoria, a
estrutura da comunidade é resultado direto da pressão de predação exercida pelos
predadores de topo, que não mais seriam regulados pela disponibilidade de presas e sim, de
modo oposto, regulariam a sua disponibilidade.

Carpenter et al. (1985) demonstraram que, em muitos lagos, os peixes piscívoros podiam
efetivamente controlar as populações dos peixes planctógfagos. A diminuição da predação
sobre o zooplâncton, acarretava uma maior taxa de herbivoria sobre o fitoplâncton que em
conseqüência diminuía a sua biomassa total (Figura 7). Esse novo enfoque deu origem a
uma série de estudos com o emprego de mesocosmos (enclosures ) ou limnocurrais, onde
foram feitos experimentos de manipulação de peixes na tentativa de comprovar a teoria. Em
uma revisão desses estudos, De Melo (1992) ressalta que a maioria dos estudos falhou em
comprovar a teoria da cascata trófica e que os efeitos top down nem sempre se soprepõem
aqueles que vem da base da cadeia (bottom up ).

128
129
Módulo 2 - Ecologia de Comunidades

Sucessão Ecológica

1) - Introdução

Uma das mais interessantes características observadas nas comunidades refere-se ao fato de
que elas mudam continuamente o seu estado. Isto é muito evidente quando há um distúrbio
externo tal como o fogo ou uma enchente. Mas mesmo se as comunidades estiverem em
equilíbrio, tal estado é dinâmico. Há uma constante troca de espécies que estão
continuamente saindo e entrando no sistema.

A sucessão ecológica refere-se a uma sequência de mudanças estruturais e funcionais que


ocorrem nas comunidades mudanças estas que em muitos casos seguem padrões mais ou
menos definidos.

A base conceitual para a sucessão foi estabelecida por Clements (1916 e 1936). Ele
estabeleceu alguns dos conceitos mais importantes:

a) sucessão primária: seria aquela que ocorre em substratos recém formados. Ela envolve
modificações substanciais do ambiente causadas direta ou indiretamente pelos organismos
pioneiros.

b) sucessão secundária: ocorre em comunidades pré-existentes seguindo a um certo


distúrbio natural ou não.

A foto a seguir, ilustra esse tipo de sucessão, em uma pequena clareira aberta pela queda de
uma árvore em uma floresta. A queda da árvores abre espaço no dossel para a penetração de
luz o que permite o broto de plântulas. O tronco, por sua vez, oferece rico substrato para o
desenvolvimento de uma microflórula (líquens, musgos, etc) que dá nutrição a uma variada
gama de invertebrados e pequenos mamíferos. A foto foi tirada pelo autor, no Parque
Montremblant, província do Quebéc, a cerca de 170 km ao norte de Montreal.

130
c) estágio seral: toda seqüência sucessional envolve a existência de estágios mais ou menos
definidos ao que se convencionou chamar de estágio seral. O ponto de convergência seria o
estágio final ou clímax. Cada região tem um clímax defnido basicamente pelas condições
climáticas regionais, ou o clímax climático. Variações locais podem ocorrer muitas vezes
como reflexo de mosaicos pedológicos (afloramentos de calcário). Neste caso, fala-se em
clímax edáfico.

Na realidade os conceitos introduzidos por Clements refletem a sua visão da comunidade


como um super-organismo capaz de controlar e modificar o meio ou o substrato físico.

2)- A síntese de Odum

Uma das sínteses mais usadas no estudo da sucessão foi proposta por Odum (1969). O autor
faz uma comparação entre estágios serais pioneiros e fases mais maduras da sucessão
usando diferentes atributos dos ecossistemas. Esta comparação pode ser sumarizada na
tabela abaixo:

Atributos do ecossistema estágio imaturo clímax


Energia <1 ou >1 =1
1 Produção/respiração alta baixa
2 Produção/biomassa baixa alta
3 Biomassa/fluxo energético alta baixa
4 Produção líquida linear herbívoro) teias (detritos)

131
5 Cadeias alimentares
Estrutura
6 Matéria orgânica total pequena grande
7 Nutrientes inorgânicos fora da biomassa intrabiotizados
8 diversidade (riqueza) baixa alta
9 diversidade (equitatividade) baixa alta
10 diversidade bioquímica baixa alta
11 zonação e estratificação baixa bem organizada
História de Vida
12 Especialização de nicho ampla estreita
13 Tamanho dos organismos pequeno grande
14 Ciclos de vida curtos/simples longas/complexas
Ciclagem de nutrientes
15 Ciclos mineirais abertos fechados
16 Trocas entre meio abiótico e os organismos rápidas lentas
17 Papel dos detritos pequeno grande
Pressão de seleção
18 Forma de crescimento seleção r seleção K
19 Produção quantidade qualidade
Homeostasia
20 simbioses internas não desenvolvida desenvolvida
21 Conservação de nutrientes pobre boa
22 Estabilidade (resistência) pobre boa
23 Entropia alta baixa
24 Informação baixa alta

Umas das características desta tabela refere-se ao uso tanto de atributos estruturais
(diversidade, zonação e estratificação, por exemplo) quanto de atributos dinâmicos
relacionados à produção, ciclagem e homeostasia do sistema.

3)- Os modelos de Connel e Slatyer

Connel & Slatyer (1977) propuseram três modelos descrevendo diferentes mecanismos que
poderiam explicar as mudanças ocorridas ao longo de um processo sucessório. Estes
modelos são os seguintes:

132
a) Modelo Facilitador

Este modelo assume que apenas certas espécies pioneiras seriam capazes de colonizar uma
área livre de organismos originada após um distúrbio. Estas espécies teriam a capacidade de
modificar o ambiente tornando-o apto a receber novas espécies com maiores exigências
ambientais.

Crocker & Major (1955) estudaram a sucessão numa geleira do Alaska, a Glacier Bay que
vem sofrendo uma retração desde o pleistoceno. O modelo facilitador foi evidenciado neste
estudo. As espécie pioneiras, principalmente Alnus crispa, enriquecem o solo com
nitrogênio e modificam o pH, tornando-o mais ácido. Estas modificações possivelmente
possibilitaram a invasão de novas espécies. De um modo geral, este modelo pode ser
aplicado a processos de sucessão primária que ocorrem em substratos recém criados natural
ou artificialmente.

a) Modelo de Tolerância

Neste modelo, as espécies pioneiras não estariam preparando o terreno para futuros
colonizadores. As espécies tardias poderiam chegar e se estabelecer logo no sistema porém
a dispersão de seus propágulos e o seu crescimento seriam muito mais lentos do que
aqueles das pioneiras. As espécies tardias neste modelo seriam capazes de sobreviver de
fórma saudável e vigorosa em qualquer estágio seral. O modelo da tolerância presta-se bem
para explicar a sucessão secundária observada em campos abandonados.

c) Modelo Inibidor

A sucessão de espécies se daria com a morte das espécies pioneiras. O modelo não prevê o
melhoramento do ambiente por espécies pioneiras nem redução de recursos (vide adiante).
Neste modelo, as espécies tardias somente invadem uma área quando as pioneiras morrem,
mas por outro lado não exigem qualquer melhoramento do ambiente que tenha sido levado
a cabo pelas pioneiras. Neste modelo, as espécies tardias ou secundárias apresentam maior
resistência, baixa taxa metabólica, alta resistência ao sombreamento e a extremos físicos e
químicos bem como estariam bem protegidas contra a herbivoria.

Um ponto importante na distinção entre os modelos refere-se à causa de morte das


pioneiras. No caso da facilitação e da tolerância, elas morrem com resultado da competição
por recursos (luz, nutrientes). No caso do modelo inibidor, elas morrem devido a distúrbios
locais causados por condições físicas ou ação de predadores.

4) - Matrizes de transição (processo de Markov)

A sucessão pode ser convenientemente modelada com o uso de matrizes de transição. Estas
matrizes são formadas a partir das probabilidades de ocupação do espaço disponível pelas
espécies presentes numa dada comunidade. Para que se possa entender o seu
funcionamento tomemos um exemplo muito simples, constituído por um ecossistema
hipotético composto por duas espécies.

133
Num processo sucessório em um ecossistema constituído por duas espécies um dado ponto
poderia sofrer as seguintes mudanças:

1:o ponto não tem nenhuma espécie no instante t e continua vago no instante t+1

2:o ponto está vazio em t e passa a estar ocupado pela espécie A em t+1

3: o ponto está vazio em t e passa a estar ocupado pela espécie B em t+1

4: o ponto está ocupado por A em t e passa a estar vazio no instante t+1

5: o ponto está ocupado por A em t e continua estar ocupado por A no instante t+1

6: o ponto está ocupado por A em t e passa a ser ocupado por A no instante B

7: o ponto está ocupado por B em t e passa a estar vazio no instante t+1

8: o ponto está ocupado por B em t e passa a estar ocupado por A no instante t+1

9: o ponto está ocupado por B em t e continua ocupado por B no instante B

Se quiséssemos representar as probabilidades de que todos estes eventos ocorram em todos


os pontos do ecossistemas teremos a seguinte matriz de transição:

0 A B
0 P00 PA0 PB0
A P0A PAA PBA
B P0B PAB PBB

Esta matriz representa todas as nove possibilidades acima. Em caso do ecossistema ser
composto por muitas espécies bastaria adicionar mais linhas e colunas englobando as
espécies presentes.

Um interessante aplicação das matrizes de Markov, refere-se ao modelo de Slatyer &


Connel que poderia ser descrito pelas seguintes matrizes:

Facilitação

No caso da facilitação a espécie pioneira A "abre" o caminho para que a espécie mais
exigente B possa colonizar um determinado ponto. Desta maneira não haveria a
possibilidade de que B ocupasse espaço vago ou que perdesse um determinado ponto para a
espécie ª

134
0 A B
0 + + +
A + + 0
B 0 + +

Inibição

Se a sucessão estiver sendo regida pela inibição, ambas as espécies não cederão espaços
previamente ocupados para a sua competidora. Neste caso não haveria chance para que as
probabilidades PAB e PBA fossem diferentes de zero.

0 A B
0 + + +
A + + 0
B + 0 +

Tolerância

No caso da tolerância ser a forma predominante numa dada interação, a espécie tardia num
processo sucessório deixaria as espécies pioneiras nos locais em que já se encontra e deste
modo a probabilidade PBA seria igual a zero.

0 A B
0 + + +
A + + 0
B + + +

Cíclico

No caso de um processo onde as espécies se alternam, as probabilidades de que um mesmo


ponto ficasse sempre ocupado pela mesma espécie seria muito baixa (PAA ou PBB).

0 A B
0 + + +
A + 0 +
B + + 0

135
Módulo 3 - Ecologia de Processos

Aula 1 - Ecologia Energética

1) Introdução

Os ecossistemas são unidades ecológicas abertas que estão em contínuo intercâmbio de


matéria e energia com o substrato. Entende-se por "Ecologia Energética" a parte dessa
ciência que estuda o fluxo de energia e as transformações de matéria nos ecossistemas. O
ponto central nessa parte não são mais as estruturas (como visto nos módulos I e II) mas
sim os processos. Nem sempre existe um paralelismo entre a magnitude das estruturas e
processos. Um exemplo muito claro nesse sentido é dado pela comunidade planctônica:
diminutos organismos, de ciclo de vida muito curto, com diversidade e riqueza
relativamente baixa (principalmente nos sistemas lacustres tropicais) mas que exerce um
papel muito importante no fluxo de energia, na dinâmica dos gases e na ciclagem de
nutrientes. Pode-se mesmo dizer que o fitoplâncton marinho é um dos maiores responsáveis
pelo equilíbrio da biosfera, notadamente pela absorção do excesso de gás carbônico
produzido pela queima de combustíveis fósseis.

Para que nos possamos entender um pouco sobre o fluxo de energia nos ecossistemas,
devemos apresentar inicialmente alguns conceitos básicos:

Energia: É a capacidade de realizar trabalho. Esta capacidade pode-se manifestar sob várias
formas: radiação eletromagnética, energia potencial ou incorporada, energia cinética,
energia química (dos alimentos) e calor.

1ª Lei da Termodinâmica: (Conservação da energia) A energia pode ser transformada de um


tipo em outro, mas não pode ser criada nem destruído. Exemplos destas transformações: luz
em calor, energia potencial em cinética.

2ª Lei da Termodinâmica: (Lei da Entropia, S) Nenhum processo que implique numa


transformação energética ocorrerá expontaneamente, a menos que haja uma degradação de
energia de uma forma concentrada numa forma mais dispersa (ou desorganizada). Assim
sendo, nenhuma transformação de energia é 100% eficiente. A entropia (S) é uma medida
de energia não disponível, que resulta das transformações energéticas. Sua variação é
sempre positiva em qualquer transformação.

Os organismos vivos possuem uma característica termodinâmica essencial: eles conseguem


criar e manter um alto grau de ordem interna, ou uma condição de baixa entropia, que é
obtido através de processos biológicos contínuos e eficientes de dissipação energética.

136
A respiração "expulsa" a desordem obedecendo entretanto as limitações termodinâmicas. A
razão R/B (razão entre manutenção da estrutura e a respiração) foi cunhada por Schrödinger
como sendo a razão de ordem termodinâmica ou taxa de reposição ecológica.

Pesquisa: buscar na literatura valores de R/B ou R/P e discutí-los. (veja por exemplo o
quadro 3-5 em Odum, Pg 49).

2) Energia Radiante e o espectro da luz solar

Quase toda a energia que incide na biosfera é eletromagnética. Essa forma de energia tem
natureza dualística sendo uma pequena porção de natureza corpuscular e a outra, a maior
parte, de natureza ondulatória. A energia radiante compõe-se de dois campos: o campo
elétrico e o campo eletromagnético e é capaz de propagar-se no vácuo. A energia radiante
pode ser tipificada segundo sua quantidade (unidades de energia) e sua qualidade
(frequência/comprimento de onda).

O sol emite energia eletromagnética cujo comprimento de onda vai de centenas de metros
até valores inferiores a 10-10 metros. No entanto, cerca de 99% desta energia concentra-se
num espectro limitado a 0.15-4.0 m. A luz visível restringe-se entre 0.40-0.70 m (4000-
7000 Å).

Toda radiação eletromagnética propaga-se no vácuo a uma velocidade constante (c = 3.0 x


108 m.s-1). A relação entre a velocidade da luz, frequência (, letra grega nu) e comprimento
de onda (, letra grega lambda) é dada a seguir:

A luz violeta tem um comprimento de onda (lambda) igual a 0.43 m e a radiação na faixa
do infravermelho tem 0.76 m de comprimento de onda. Radiações com comprimentos de
onda abaixo do ultravioleta são designadas por raios: raio gama, raio X e raios cósmicos.
Radiações de comprimentos de onda superiores ao infra-vermelho são tradicionalmente
designadas por ondas: ondas de radar, ondas de rádio e ondas hertzianas. Estas ondas
possuem a capacidade de serem refletidas pela atmosfera. A vista humana é sobretudo
sensível ao amarelo e ao verde.

137
Em 1900, Max Planck enunciou a teoria quântica, ou dos quantas, que propõe que a luz
também tem uma natureza corpuscular, segundo a qual a emissão de energia radiante se faz
de forma descontínua, implicando numa estrutura "granular" de energia ou os quanta.

A constante de Planck (h) tem um valor provável de 6.625 x 10-34j.s. A energia de um


quantum de luz é igual a um fóton. Quanto menor for o comprimento de onda (lambda),
maior será sua frequência (nu) e portanto fótons na região do violeta são mais energéticos
do que na região do vermelho.

Dessa forma, podemos calcular exatamente o conteúdo energético de um dado


comprimento de onde. O exercício a seguir nos ensina como isso pode ser feito:

Qual é o equivalente molar do azul (lambda = 0.45m)

lambda.nu = c

nu = 3.0x 108 m . 0.45 x 10-6 m.s

nu = 6.67 x 1014 s-1

E (fóton) = h.nu

E = 6.67 x 1014 s-1 x 6.625 x 10-34 j.s

E = 4.42 x 10-19 j

E (mol) = 4.42 x 10-19 j x 6.0 x 1023 mol

E (mol) = 2.65 x 105 j = 6.3 x 104 cal = 63.4 Kcal

(1 cal = 4.18 j)

3) O ambiente energético da biosfera

A luz solar que atinge o topo da biosfera iluminada terrestre chega a uma taxa constante, a
chamada constante solar (1.94 cal/cm2.min ou 135.3 mW/cm2). Um máximo de 67% da
constante solar (~ 1.34 cal/cm².min) pode atingir a superfície terrestre. O esquema abaixo
ilustra que a radiação infra-vermelha é aquela que sofre as maiores transformações ao
passar pela atmosfera. Isso deve-se basicamente à absorção exercida nessa faixa espectral
pela água, gás carbônico e outros gases presentes na atmosfera.

138
A radiação solar sofre consideráveis modificações qualitativas e quantitativas ao atravessar
a atmosfera terrestre. Tais modificações são influenciadas por vários fatores dentre eles a
topografia, a latitude, o clima bem como composição gasosa da atmosfera. A água e o gás
carbônico absorvem ativamente a radiação na faixa do infra-vermelho. O esquema abaixo
ilustra as principais modificações que a luz solar sofre ao atravessar a atmosfera terrestre:

139
Faça um rápido exercício para treinar as mudanças de unidades: expressar a constante solar
em mW. A resposta é :E = (1.94 x 4.18) x 1000 / 60 = 135.3 mW/cm² .

Ozônio absorve quase toda a radiação de ondas curtas (UV<0.3 m) ainda nas camadas altas
da atmosfera (h>25 Km). Esta radiação é letal para os seres vivos. A radiação que chega à
superfície num dia típico ensolarado poderia ser assim distribuída:

140
A luz visível é aquela menos afetada quando atravessa a atmosfera. A dissipação energética
da radiação solar em termos relativos (%) em relação àquela que chega ao topo da biosfera
poderia ser descrita da seguinte maneira:

Na água, a radiação de maior comprimento de onda tal como a IR e vermelha são


rapidamente absorvidas. Desta maneira, a água tende a ter uma cor azulada com o aumento
da profundidade. No gráfico abaixo, temos representados os perfis qualitativos da radiação
que chega a diferentes profundidades em três tipos de águas (muito turvas, moderadamente
turvas e límpidas). Observar que, em águas muito turvas, somente uma pequena porção da
luz incidente consegue penetrar nos primeiros metros da coluna. Em águas límpidas (águas

141
pelágicas de oceanos tropicais), ao contrário, a luz pode penetrar dezenas de metros
principalmente aquela de menor comprimento de onda (cor azul).

Um ponto importante nessa fase de nosso estudo é realmente fixar a questão das
transformações de unidades. Dessa forma, faça o seguinte exercício: Expressar 800 cal.cm-
2
.dia-1 em Kcal.m-2.dia-1

800 cal.cm-2.dia-1

0.8 Kcal/0.0001 m-2.dia

8000 Kcal.m-2.dia

Não considerando os extremos da biosfera (regiões polares e trópicos áridos) valores entre
3000 e 4000 Kcal.m-2.dia ou 1.1 a 1.5 x 106 Kcal.m-2.ano podem ser considerados
representativos para a maioria dos ecossistemas.

A radiação líquida é resultante da relação: Rliq = Fluxo p/ baixo - Fluxo p/ cima . A radiação
líquida, Rliq na maior parte da biosfera, ou seja, entre os paralelos 40N-40S fica geralmente

142
na faixa dos 1.0 x 106 Kcal.m-2.ano (oceanos). Nos continentes, esse total é geralmente um
pouco menor, ou seja, 0.6 x 106 Kcal.m-2.ano (continentes). Rliq é responsável por
evaporação da água, geração de ventos térmicos, correntes oceânicas e calor. Qualquer fator
que diminua a saída desta energia provocará um aumento nas temperaturas da biosfera.

A clorofila absorve em especial a luz azul (0.4 m) e a vermelha (0.6 m). A vegetação
absorve fortemente o azul, vermelho e o IR-longo. O verde e o IR-próximo são mais
refletidos e isto possibilita o seu emprego no sensoriamento remoto para mapear a
vegetação. No IR-próximo concentra-se a maior parte da energia térmica solar concentra-se
no IR-próximo, sendo assim a planta ao refletí-lo está adaptando-se a evitar temperaturas
altas que poderiam ser letais. Mais adiante mostraremos como o sensoriamento remoto
pode monitorar zonas de maior produção biológica no planeta a partir da análise da
distribuição espacial da clorofila-a.

Os absorventes gasosos mais importantes da atmosfera são O2, O3, CO2, H2O, N2O e CH4. A
quantidade de radiação é quase constante no equador (7900-8200 cal.cm-2.dia-1). Nos pólos,
ela pode variar de zero a 1100 cal.cm-2.dia-1. O hemisfério sul recebe em média mais
energia que o do norte uma vez que a Terra está no perihélio durante o verão austral. O
fluxo diário de energia na maioria dos ecossistemas terrestres situa-se entre 100 e 800
cal.cm-2.dia-1.

Essas diferenças de incidência de radiação em função da latitude causam diferenças nas


temperaturas dos oceanos. Essas diferentes temperaturas (que podem ser mensuradas
através de satélites dotados de câmaras de infra-vermelho, como os satélites do serviço
meteorológico dos EUA, NOAA), causam diferenças de densidade da água, gerando as
correntes marinhas. As correntes marinhas são importantes na definição do clima da terra.
Abaixo temos um mapa gerado a partir de um satélite do NOAA (EUA) onde são mostradas
as diferentes temperaturas da água ao longo da costa do Brasil. Notar também as diferentes
temperaturas dos grandes reservatórios tais como Sobradinho (BA), Três Marias e Furnas
(MG).

143
Essas diferenças latitudinais, na incidência de energia solar, também podem serem vistas
sobre os continentes. O mapa, a seguir, fornecido pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, INPE, mostra os valores diários médios de radiação solar incidente no nordeste
do Brasil.

144
4) Unidades energéticas de radiação

Uma das maiores dificuldades na interpretação de textos em Ecologia Energética, refere-se


à abundância de diferentes unidades usadas nestes textos. Isto é consequência de que, em
Ecologia, trabalhamos ao mesmo tempo com ecossistemas e microorganismos. Sendo
assim, uma unidade adequada para expressar o conteúdo calórico de uma bactéria não
poderá ser usada para descrever o fluxo de energia em um lago. Conseqüentemente, resta

145
ao ecólogo se familiarizar com as unidades comumente usadas quando se quer medir o
fluxo de energia em diferentes compartimentos biológicos.

As unidades mais usadas seriam as seguintes:

1 cal = 4.18 J

1 Watt = 0.239 cal/s

Kcal.m-2.dia

cal.cm-2.dia-1

Watt.m-2

Unidades de iluminação (só espectro visível)

1 pé-vela = 1 lúmen.pé-2

1 lux = 1 lúmen.m-2 ( 0.1 pé-vela)

Embora não seja possível uma conversão acurada devido a variações no brilho de várias
regiões espectrais, uma equivalência aproximada seria:

1 cal.cm-2.min-1 = 6700 pés-vela

1 cal.cm-2.min-1 = 670 lux

146
Ecologia de Processos

Ecologia Trófica

1) Introdução

O estudo das interações tróficas é essencial para o entendimento do que se passa dentro de
um ecossistema. Este tipo de estudo demonstra de modo inequívoco o grau de interrelações
existente entre os organismos e aponta os principais elementos na manutenção da estrutura
do ecossistema.

Uma das formas mais tradicionais de se estudar a ecologia trófica está na identificação das
rotas alimentares dentro dos ecossistemas. Neste sentido a literatura ecológica demonstra
que existem basicamente quatro formas de se representar estas interações: a) cadeias
alimentares; b) teias tróficas; c) pirâmides energéticas e d) matrizes tróficas.

2) Cadeias Alimentares

Trata-se de uma sequência de eventos do tipo comer/ser comido dentro de uma


comunidade/ecossistema.

Exemplos:

a) mar: diatomáceas (algas do fitoplâncton) --> Calanus finmarchicus (zooplâncton) -->


Clupea harengus (arenque)

b) lagos: fitoflagelados (Rhodomonas) --> Daphnia (Cladocera) ---> peixes


zooplanctófagos (Alosa aestivalis).

c) geral: plantas --> herbívoros --> carnívoro 1º --> carnívoro 2º ---> carnívoro 3º

Existem alguns problemas para representar certos tipos de interações tróficas:

a) dieta variada

b) onívoros

c) canibalismo

d) mudança de nicho trófico ao longo do desenvolvimento ontogenético.

147
3) Tipos de Cadeias alimentares

Existem basicamente dois tipos de cadeias alimentares:

a) cadeia de pastoreio

Nestes sistemas predominam os herbívoros do tipo grazers ou pastadores especializados no


consumo de matéria vegetal viva de fácil digestão, alta produção biológica, tais como as
gramíneas ou fitoflagelados planctônicos (criptofíceas).

fitoplâncton --> zooplâncton --> peixes

gramíneas --> ruminantes --> felinos

b) cadeia de detritos

Ausência de predominância de consumidores de tecido vegetal vivo, ou seja, de pastadores


ou herbívoros (grazers ) especializados para consumir biomassa vegetal viva. Isso é o que
ocorre quando a vgetação possui elevados teores de celulose ou de lignina ou de
substâncias químicas (i.e: taninos) que dificultam ou mesmo impedem a sua digestão. Esse
tipo de situação é muito comum nas áreas úmidas e também em florestas tropicais:

Nas áreas úmidas os produtors primários mais importantes são as macrófitas que formam
uma grande quantidade de detritos que são consumidos por uma vasta gama de organismos
detritívoros (insetos, moluscos, fungos, etc). Esses organismos podem ser predados por
anfíbios que são o principal item alimentar de aves de rapina (falconiformes).

Nas florestas tropicais os principais produtores primários são as árvores que geram o
acumulo de matéria vegetal na serapilheira (´litter'). Esse importante recurso serve de
alimento para milhares de organismos do solo (colêmbolos, ácaros, anelídeos, nematóides,
coleópteros, etc). Pequenos mamíferos e aves insetívoras são especializados em consumir
essa fauna de invertebrados da serapilheira. Finalmente, as serpentes e as aves de rapina são
os predadores de topo.

4) Redes alimentares

Na natureza as relações tróficas geralmente não são tão simplificadas. Há carnívoros que
podem ter um amplo espectro de presas em potencial, que por sua vez alimentam-se de uma
variada gama de plantas. Embora estas redes possam ter uma razoável complexidade em
termos de expansão horizontal, como se verá adiante, há no entanto um limite vertical (ou
do número de níveis tróficos) para estas relaçoes tróficas. A existência de redes tróficas
complexas já foi reconhecida há muitas décadas. Um exemplo pode ser visto no mar do
norte (Fig. 1), mais específicamente nas relações alimentares do arenque adulto (Hardy,
1959).

148
Figura 1 – Teia alimentar do arenque no Atlântico Norte. As relações troficas do arenque
adulto foram descritas pela primeira vez por _______ (Hardy, 1959).

Normalmente à medida que o estudo de uma comunidade aprofunda-se novas ligações na


teia são acrescentadas. No entanto, uma análise quantitativa criteriosa poderá mostrar que

149
dentre muitas ligações possíveis, cadeias relativamente simples podem ser isoladas dentro
de uma rede alimentar muito complexa. Isto ocorre, por exemplo, quando um herbívoro
monopoliza os recursos disponíveis tal como seria o caso de certos organismos do
zooplâncton lacustre (Daphnia) que são capazes de consumir a grande maioria das algas
palatáveis (nanoplâncton) num curto espaço de tempo. Estes organismos causam o estágio
das águas claras (clear water phase) ao eliminarem grande parte da turbidez biogênica
causada pelas algas em suspensão na coluna d'água. Quando uma espécie é capaz de
monopolizar a disponibilidade de certos recursos essenciais ao meio, ela é chamada de
espécie-chave (keystone species).

5) Dinâmica e propriedades das teias alimentares

A existência de padrões recorrentes em diferentes teias alimentares pode ser observada pela
comparação das diversas teias já publicadas na literatura, que, em 1988, já somava 113 teias
publicadas (Lawton, 1989). Sugihara et al. (1989) ainda adicionam dados de mais 60 teias
alimentares dominadas por invertebrados.

Os principais atributos de uma dada teia alimentar são os seguintes:

a) Número de espécies na rede (S): é o número total de espécies presente numa dada rede.

b) Densidade de ligações (D): número de ligações tróficas associado a cada espécie


presente na rede.

c) Espécie trófica: conjunto de espécies que compartilham o mesmo conjunto de presas ou


são atacadas pelo mesmo predador.

d) Predador de topo: espécie que não é predada por nenhum predador na rede onde se
alimenta.

e) Espécies basais: organismos que não se alimentam de nenhuma outra espécie.


Usualmente eles são produtores primários.

f) Ciclos: Ocorre quando um organismo A se alimenta do organismo B que por sua vez se
alimenta do organismo C que se alimenta de A.

g) Conectância: número de interações tróficas realizadas dividido pelo número de


interações tróficas possíveis. Na realidade, existem várias formulas na literatura para a
concetância.

h) Nível trófico: número de ligações tróficas entre uma dada espécie na rede e a espécie
basal a ele associada. Pode haver uma espécie que ocupe simultâneamente mais de um
nível trófico.

i) Onívoro: organismo que se alimenta em dois ou mais níveis tróficos diferentes.

150
h) Compartimentos: ocorre quando existe um grupo com fortes interações tróficas. Em uma
dada rede pode haver certo paralelismo trófico, ou seja, a existência de vários
compartimentos relativamente indenpendentes entre si.

151
A figura 2 demonstra como se pode calcular alguns dos atributos em uma rede ou teia
alimentar.

6) Matrizes de transferência de energia

As conexões tróficas dentro de um ecossistema, ao nível de produção secundária se


expressam de maneira geral por uma matriz onde figuram todas as interseções possíveis
entre espécies. Nesta matriz, cada fila ou coluna corresponde a uma população e os
números significam as trocas tróficas que ocorrem entre elas. Uma vez que cada
combinação se repete duas vezes, aproveita-se a parte superior para, por exemplo, expressar
o que a presa perde em cada interação e a parte inferior pode expressar a produção obtida
em cada interação trófica. A razão entre estas duas variáveis representa portanto a eficiência
ecológica.

152
153
7) Pirâmides ecológicas

Mesmo as representações mais simplificadas de uma rede ou teia alimentar podem tornar
muito complexas. Em virtude disto, tem se buscado esquemas mais simplificados para
representar estas interações. As pirâmides ecológicas podem em certos casos ser de grande
utilidade para sintetizar estas interaçoes tróficas.

154
a) pirâmide de números: considera-se apenas a densidade (nº ind/área ou volume) em
diferentes níveis tróficos. Este tipo de representação não distingue a diferença de biomassa
entre as diferentes espécies que compõem o ecossitema.

155
b) pirâmide de biomassa: considera-se a biomassa (unidade de massa/área ou volume). Não
leva em conta entretanto a taxa de renovação/acúmulo desta biomassa ao longo do tempo.

c) pirâmide de energia: supera as limitaçoes citadas nos ítens a e b uma vez que elas
indicam a magnitude enerrgética das interações tróficas dentro dentro de uma comunidade
bem como as razoes de acúmulo de biomassa dentro do ecossistema. Demanda entretanto
grande quantidade de informações (produçao primária e secundária). Revela também a
importância da energia como um conceito unificador que permite comparar ecossistemas
completamente diferentes entre si.

8) Modelos trófico-dinâmicos

Um dos estudos mais importantes (e mais citados) em ecologia refere-se ao modelo trófico-
dinâmico de Cedar Bog Lake em Minnesota, EUA (publicado por Lindemann na revista
Ecology, 23:399-418, 1942). Trata-se de uma represantação de uma comunidade através do
fluxo de energia que ocorre entre os diferentes compartimentos desta comunidade.

Observações:

a) A respiração é proporcionalente maior em organismos heterotrófos

b) A relaçao entre energia utilizada / não utilizada é diferenciada entre produtores primários
e secundários

c) É baixa a eficiência das trocas energéticas entre diferentes níveis tróficos.

156
Módulo 3 Ecologia de Processos

Eficiências Ecológicas

1) Introdução

As proporções (ou razões) entre os fluxos de energia em diversos pontos ao longo da cadeia
de alimentos, quando expressas em percentuais sao designadas de eficiências ecológicas. O
fluxo de energia em um dado nível trófico pode ser desmembrado em diferentes modos.
Parte do alimento ingerido não é absorvida, sendo excretada sob a forma de fezes. Do total
assimilado, uma parte é destinada à manutenção do metabolismo basal (respiração). A parte
de energia assimilada restante, isto é, aquela não usada no metabolismo basal, é a produção
secundária. O esquema a seguir (Figura 1) ilustra as relações entre essas variáveis. Todas
elas, na realidade, podem ser usadas como estimadores do fluxo de energia entre dois níveis
tróficos diferentes.

Existem dois tipos de eficiências ecológicas: eficiências calculadas dentro e entre níveis
tróficos. O quadro a seguir resume os principais tipos de eficiências:

Quadro I: Quadro sinóptico dos principais tipos de eficiências ecológicas (modificado de


Odm, 1985):

157
Explicação
Tipo de eficiência
A. Entre níveis tróficos

eficiência de entrada de energia ou


Et / Et-1
eficiência de Lindemann

eficiência de utilização do nível trófico


Et/Pt-1 ou Et/ At-1
"t"

eficiência de assimilação do nível


At/At-1
trófico "t"

eficiência de produção do nível trófico


Pt/Pt-1
"t"

B. Dentro do nível trófico

Pt/At eficiência de produção

Pt/It eficiência de crescimento

At/It eficiência de assimilação

As eficiências ecológicas mais usadas partem da determinação das variáveis acima


assinaladas (Figura 1). A assimilação, por exemplo, pode ser calculada de diferentes modos.
Abaixo são ilustradas algumas destas maneiras:

A produção pode ser estimada pela seguinte equação:

2) Eficiências ecológicas ao nível dos produtores primários

A eficiência ecológica ao nível dos produtores primários é calculada a partir da taxa de


aproveitamento da energia solar que pode ser estimada pela fórmula abaixo:

158
onde:

phi : eficiência ecológica ao nível dos produtores primários.

As eficiências ecológicas dos produtores são geralmente muito menores do que aquelas
observadas em níveis tróficos superiores, exceção feita aos detritívoros que também
possuem eficiências muito baixas. Em termos genéricos, pode-se afirmar que as plantas têm
uma eficiência de assimilação entre 3 e 8 %. As plantas de metabolismo C4 possuem, em
geral maior eficiência de assimilação se comparadas às plantas C3. O quadro a seguir nos
dá uma idéia sobre essas diferenças:

Quadro 3: Eficiências de converão, produção e irradiância solar em algumas culturas de


plantas C3 e C4 (modificado de Begon et al. 1990)

Irradiação Produção
conversão
Planta Local (j.cm –2.dia- (g.m -2.dia-
1 1 (%)
) )
Metabolismo C3

1 Solanum tuberosa
Holanda 1670 23 5.4
(batata)

2 Solanum tuberosa
EUA 2850 37 5.1
(batata)

3 Oryza sativa (arroz) Austrália 2720 23 3.0

5 Gossypium hirsutum
EUA 2300 27 4.6
(algod.)

Metabolismo C4

1 Zea mays (milho) Inglaterra 1250 24 7.6

2 Zea mays (milho) EUA 3079 52 6.4

3 Pennisetum purpureum
El Salvador 1674 39 9.3
(forrag.)

4 Saccharinnum sp. (cana


Hawaí 1678 37 8.4
de acúcar)

159
3) Eficiências de fluxo de energia ao nível dos produtores secundários

Ao contrário das plantas, que apresentam uma grande uniformidade em seu metabolismo
energético (fotossíntese), os animais apresentam grande diversidade metabólica. Uma
maneira de quanticar estas diferenças é dada pelo cálculo das eficiências tróficas. Em
ecologia trófica existem vários tipos de eficiências.

- Eficiência de crescimento

Este tipo de eficiência é maior nos carnívoros e normalmente segue a seguinte tendência: E
(carnívoros) > E (herbívoros > E (detritívoros). A eficiência dos carnívoros gira ao redor
dos 10%.

- Eficiência de digestão

Esta eficiência é normalmente mais elevada nos homeotérmicos.

- Eficiência ecológica

Esta eficiência é normalmente mais alta nos pecilotérmicos ou ectotérmicos. Estas


eficiências podem ser calculadas com base em diferentes elementos (C, N, P) podendo
variar muito dependendo do elemento considerado. Por isto, é mais comum calculá-las
tomando como base unidades de energia (Kcal, KJ, etc). No entanto, as diferenças
observadas entre os diferentes elementos podem fornecer importantes informações
ecológicas.

As eficiências podem variar de modo expressivo, dependendo da natureza do animal. O


tipo de metabolismo (animais ectotérmicos e endotérmicos) e a posição trófica do animal
(herbívoros, carnívoros) são dois importantes fatores a serem considerados. O quadro
abaixo traz algumas eficiências ecológicas:

160
Quadro 2: Eficiências ecológicas de alguns tipos de organismos (modificado de Margalef,
1977)

Organismos A/I P/A P/I


Insetos 0.36-0.41 0.40-0.50 0.05-0.20

Daphnia (cladócero) 0.05-0.30 0.20-0.28 0.01-0.12

Calanus (calanóide) 0.50-0.70 0.22-0.43 0.17-0.26

Invertebrados carnívoros 0.61-0.90 - -

Vertebrados herbívoros 0.30 - -

Vertebrados carnívoros 0.80-0.90 - -

Em um estudo clássico em Ecologia, Heal e McLean (apud Begon et al. 1990), estudaram
os padrões de tranferência trófica em uma comunidade teórica de pradaria. Os resultados
dessas simulações podem ser vistos na figura abaixo. De cada 100 joules of produção
primária líquida, temos os percentuais que foram observados em cada compartimento
(herbívoros, carnívoros, micrófagos e detritivoros). É feita ainda uma comparação das
eficiências segundo o metabolismo predominante (invertebrados e vertebrados ecto e
endotérmicos). As menores eficiências de assimilação (A/I) foram em geral observadas para
os detritívoros (20%), seguidos dos micrófagos e herbívoros. Os vertebrados possuem em
geral uma eficiência de produção (P/A) muito menor do que os invertebrados para um
mesmo nível trófico. E a eficiência de assimilação foi sempre maior nos carnívoros
independente do tipo de metabolismo.

161
É possível multiplicar as eficiências, gerando uma terceira modalidade de eficiência:

4) Tendências evolucionárias:

Considerando os valores existentes na literatura podemos fazer as seguintes tentativas de


generalizações:

a) ao subir de nível trófico, a eficiência aumenta;

b) o metabolismo de manutenção tende a se elevar com a complexidade filogenética;

c) nem sempre eficiências elevadas significam alto grau evolucionário;

d) evolucionariamente talvez tenha mais sentido maximizar a ocupação do espaço ao invés


de manter

taxas de eficiências de transferência energética muito altas.

162
A seguir, são fornecidos alguns exemplos de respiração em invertegrados (vermes) de
diferentes estágios de evolução filogenética:

Esses dados ilustram que organismos mais evoluídos possuem um metabolismo basal mais
elevado produto de uma maior complexidade biológica. O aumento do metabolismo basal
(respiração) causa a diminuição de vários tipos de eficiências tróficas.

e) No sentido ecológico, uma eficiência que tende a ser maximizada pela seleção é:

163
Módulo 3 - Ecologia Energética

Aula 7 - Padrões da produção primária em ecossistemas aquáticos

1) Padrões da produção primária em ecossistemas aquáticos

No capítulo sobre comunidades, foi visto que um dos padrões mais notáveis refere-se à
mudanças na diversidade biológica em relação aos gradientes latitudinais bem como
aquelas ligadas aos efeitos do tamanho e distância das ilhas aos continentes.

Existem também muitos tipos de padrões em relação à produção biológica. Os principais


tipos desses padrões seriam os seguintes:

- padrões temporais;

- padrões biogeográficos.

Os padrões temporais podem ser identificados em diferentes escalas: oscilações diurnas,


variações sazonais e mudanças sucessionais. As oscilações diurnas são muito freqüentes,
especialmente nas zonas tropicais, ao passo que as variações sazonais são mais extensas nas
médias e altas latitudes. As variações da produção ao longo de um processo sucessório são
tão notórias e recorrentes que elas próprias são usadas para a caracterização do fenômeno
da sucessão.

Os padrões biogeográficos podem tanto ser padrões em grande escala (latitudinal,


longitudinal) quanto em escala reduzida (regional ou local). Os padrões latitudinais são
caracterizados por um aumento da produção em baixas latitudes (ecossistemas terrestres)
enquanto que aqueles longitudinais caracterizam-se por uma dimimuição gradual da
produção à medida que se afasta-se da zona litorânea seja em direção a mar aberto seja em
direção ao interior dos continentes.

Os padrões em escala local são igualmente nítidos e importantes. Nos ecossistemas


aquáticos temos gradientes verticais na produção biológica que podem ter diferentes
extensões, indo de poucos centímetros a dezenas metros. Situação similar pode ser vista nas
florestas, onde a estratificação da mata também condiciona a existência de variações
verticiais na produção biológica.

Existe ainda um interessante padrão ligado ao aumento da produção nas áreas de contato
entre ecossistemas aquáticos e terrestres: matas ripárias, manguezais, brejos e áreas
alagáveis em geral.

164
2) Oscilações diurnas

Um dos padrões mais notáveis de variação temporal da fotossíntese refere-se a variação


diurna que ocorre tanto em vegetação de grande porte quanto em algas fitoplanctônicas.

A oscilação diurna da fotossíntese é caracterizada por um máximo de assimilação que


ocorre nas primeiras horas da manhã. Ao redor do meio dia, ocorre geralmente uma
depressão nas taxas de fotossíntese e há uma retomada da fotossíntese em menor escala no
período vespertino (Figura 1).

Figura 1 – Variação diurna das taxas de fotossíntese dos produtores primários em um


ecossitema hipotético (original).

A depressão da fotossíntese, ao redor do meio dia, está ligada a diferentes causas:

a) inativação reversível do aparato fotossintético através do excesso de radiação;

b) aumento da fotorrespiração (déficit de CO2, excesso de O2);

c) contração dos cloroplastos;

d) oxidação (branqueamento) dos pigmentos;

e) aumento da respiração (Dunkelatmung)

f) diminuição da oferta de nutrientes através do aumento da estratificação térmica.

3) Ritmo anual da fotossíntese

3.1) Ecossistemas temperados

Os ecossistemas temperados exibem uma forte oscilação sazonal da produção primária. No


inverno, a fotossíntese está limitada pela incidência de luz, principalmente. Na primavera, o
aumento do fotoperíodo, propicia um abrupto e intenso aumento da produção primária. Este

165
aumento normalmente coincide com o máximo anual. O aumento da produção primaveril
(spring bloom é devido a um intenso crescimento das populações de pequenas algas tais
como diatomáceas centrales (Stephanodiscus) e fitoflagelados (Rhodomonas minuta) . Este
bloom, no entanto, é efêmero já que o desenvolvimento de algas pequenas e palatáveis é
rapidamente consumido pelos herbívoros planctônicos, especialmente Daphnia. O consumo
de algas é de tal monta que, em muitos lagos, está associado a um abrupto aumento da
transparência

da água, clear water phase. No verão, a produção se estabiliza em torno de valores que
dependem, em grande parte, do grau de limitação por nutrientes, principalmente o fósforo.
Neste período irão dominar algas de crescimento mais lento

mas com boas defesas contra a herbivoria do zooplâncton, principalmente algas


filamentosas e coloniais. Nos dias longos do verão, geralmente ocorre um segundo aumento
nos valores de produção, mas quase sempre de menor intensidade do que aquele registrado
na primavera. Finalmente, no outono, há um gradual decréscimo da atividade fotossintética
causado principalmente pelo encurtamento do fotoperíodo.

Esse é o padrão observado em muitos lagos europeus e norte americanos e um exemplo


pode ser visto na figura 2 onde estão representados dois ciclos anuais da produção primária
num grande lago pré-alpino centro-europeu, o lago de Constança (Bodensee) localizado no
sul da Alemanha, na divisa com a Suíça e a Áustria. Observa-se, por exemplo, que o
máximo primaveril ocorreu tanto em 1988 quanto em 1989.

Lagos tropicais

166
Existem poucos estudos sobre os padrões de produção primária em lagos e reservatórios
tropicais se comparados ao montante desses estudos realizados na faixa de climas mais
frios. No Brasil, os sistemas mais bem estudados são os reservatórios da região sudeste.

A figura 3 destaca dois exemplos desses reservatórios, um reservatório eutrófico, o lago


Paranoá, localizado em Brasília, Distrito Federal e o reservatório de Jurumirim, localizado
no Rio Paranapanema, no sudoeste do estado de São Paulo. Pode-se observar que ambos os
reservatórios apresentam tendência para valores elevados continuados de produção entre
agosto e novembro. Os diferentes estados tróficos dos reservatórios é também nitidamente
visível. O reservatório de Jurimirim possui valores de produção primária típicos de um
ambiente oligotrófico, já que eles são sempre menores do que 2.0 gC.m-2.dia-1. Os picos de
primavera e de verão do Bodensee, Alemanha, são superiores a esses valores.

4) Produção primária na biosfera

A produção primária na biosfera pode ser descrita pela ocorrência de três padrões básicos.

Padrão (1) Latitude:

Nos oceanos, temos um aumento da produção aquática nos oceanos com o aumento da
latitude. Desta maneira, os mares frios são muito mais produtivos do que os tropicais, salvo
algumas pequenas exceções (vide figura, abaixo).

167
Tendência inversa ocorre com os ecossistemas epicontinentais que possuem, em geral,
maiores produções nos trópicos e na zona equatorial, principalmente nas florestas pluviais
dessas regiões. De um modo geral, a produção primária nos continentes é maior próximo
aos oceanos ou ao longo dos grandes rios. A figura abaixo, traz um mapa das produção
primária nos principais ecossistemas terrestres (modificada de Smith & Smith, 1998, pág.
319).

168
Nos oceanos a limitação por nutrientes parece ser muito mais importante do que a
temperatura no contexto da produção biológica. A tabela a seguir, modificada de Whittaker
(1972), resume os valores de produção primária nos principais ecossistemas terrestres e
aquáticos.

169
Padrão (2): Transição e pulsos

Um segundo padrão pode ser observado. Ele refere-se ao aumento dos valores de produção
nos ecossistemas que sofrem pulsos ou estão em zonas de transição água-terra. Desta
maneira, os estuários, as matas galerias, os brejos, as lagunas e os manguezais estão dentre
os ecossistemas com grande produção biológica. A figura, a seguir, ilustra o gradiente de
produção primária do fitoplâncton a partir das regiões costeiras (estuários) em direção ao
mar aberto. A figura foi modificada de Begon et al. (1990), pág. 666.

170
Na zona epicontinental, os ecossistemas de transição tais como os ecótonos (zonas ripárias,
planícies de alagamento) são em geral muito produtivos.

Padrão (3) Extremos ecológicos

Um terceiro padrão refere-se à diminuição da produção biológica nos ecossistemas situados


em zonas que se configuram por extremos biológicos. Nos ecossistemas terrestres, estes
extremos são definidos em relação a dois fatores: disponibilidade de água e temperatura.
Nos ecossistemas terrestres a disponibilidade de água parece ser o fator mais importante
para limitar a produção biológica. Assim, os desertos secos, frios ou quentes estão dentre as
áreas de menor produção biológica na biosfera. Exemplos destas áreas pouco produtivas
são os desertos do Sahara e do Kalahari na África, os desertos de Gobi na Ásia, do Atacama
no Chile.

Nos ecossistemas aquáticos, a disponibilidade de nutrientes parece ser o fator que


condiciona a ocorrência de extremos biológicos. As zonas pelágicas marinhas possuem, em
geral, baixa produção devido à limitação por nutrientes, principalmente o nitrogênio. Os
ecossistemas abissais situados a centenas de metros de profundidade constituem-se em
outro exemplo de ecossistemas com baixa produção biológica, exceção feita às fontes

171
vulcâncias onde predomina uma comunidade bem produtiva, baseada em bactérias
quimiolitotróficas que utilizam o H2S como fonte de energia para a redução do carbono
inorgânico.

Módulo 3 - Ecologia Energética

Produção Secundaria

1) Tipos de alimentação

Antes da determinação da produção secundária, é essencial entender as diferentes


estratégias de tomada de alimento pelos organismos. Existem algumas tentativas de
classificação de dietas dos organismos e abaixo são dadas algumas delas.

1.5.1) Classificação das dietas dos organismos

Esta classificação pode se basear em diferentes critérios:

Evolução trófica:

a) evolução mecânica;

b) evolução bioquímica.

Nós podemos classificar as dietas com base nos seguintes sistemas:

Sistema I (tipo de presa):

a) fitófagos ou vegetarianos;

b) zoófagos ou carnívoros;

c) detritívoros ou saprófita.

Sistema II (tamanho da presa)

a) micrófagos;

b) macrófagos.

Sistema III (funcional)

a) osmotrofia: compostos solúveis;

172
b) fagotrofia: compostos sólidos e insolúveis.

- Micrófagos

Capturam o alimento automática e continuamente. O alimento dos micrófagos tem, em


geral, baixo valor nutricional. Em conseqüência, eles apresentam baixo metabolismo. Os
micrófagos podem ser filtradores, sedimentívoros e micrófagos de superfície. Os principais
exemplos de filtradores são:

- anelídeos marinhos;

- lamelibrânqios;

- tunicados;

- equinodermos;

- quironomídeos;

- tricópteros;

- ciliados (Loxodes );

- esponjas;

- rotíferos ( Brachionus );

- cladóceros filópodes ( Daphnia );

- copépodes calanóides ( Calanus, Argyrodiaptomus );

- copépodes ciclopóide (náuplios);

- anfípodes;

- peixes clupeídeos;

- peixes ciclídeos;

- aves (patos);

- cetáceos.

Os sedimentívoros estão presentes principalmente nos ecossistemas lóticos e nas zonas


costeiras. Alguns sedimentívoros:

173
- anelídeos poliquetas ( Arenicola, Ophilia );

- lamelibrânquios ( Tellina, Abra, Macoma );

- peixes iliófagos.

Os micrófagos de superfície obtém o seu alimento a partir da raspagem de superífices de


natureza diversa. Este categoria envolve organismos que exploram os seguintes tipos de
substrato:corais, briozoos, esponjas, madeira e vários tipos de rochas. Exemplos:

- ostrácodes;

- harpaticóides;

- isópodes (tatuzinho: Oniscus sp.);

- anfípodes ( Gammarus );

- pulmonados (Biomphalaria );

- equinodermata (Acanthaster );

- peixes de arrecifes de coral.

Cerca de 90% de todas as espécies animais são fitófagos e a maior parte delas pode ser
encarada como sendo micrófagos de superfície. Exemplos: xilófagos, sugadores de seiva,
larvas minadoras, coleópteros da madeira e predadores de flores, frutos e sementes. Os
ruminantes podem também ser considerados micrófagos de superfície.

Os consumidores de alimento líquido são uma importante categoria, disseminada não


somente nos ecossistemas aquáticos mas também nos ecossistemas terrestres:

- Suctoria (protozoários)

- mosca comum (Musca domestica)

- formigas que exploram pulgões

- heteróteros

- vespas e abelhas

- hematófagos: ácaros, mosquitos (culicídeos e anofelinos), pulgas, barbeiros


(heterópteros), morcegos.

174
Os macrófagos ou predadores exigem maior integração e desenvolvimento do sistema
nervoso. As presas estão dispersas de modo irregular. A evolução tende a seguir um
gradiente de microfagia a macrofagia, sendo complexa e unidirecional. Há uma tendência à
macrofagia nos níveis tróficos superiores. Os macrófagos podem ser alimentar de presas
cujos tamanhos se aproximam ou são até mesmo maior do que o seu próprio tamanho. A
macrofagia represanta uma grande força evolutiva. Exemplos de macrófagos:

- Amebas e ciliados (protozoários);

- rotíferos (Asplancha );

- celenterados;

- estrelas-do-mar ( Asterias, Acanthaster );

- poliquetos marinhos;

- crustáceos:

- cladóceros ( Leptodora );

- ciclopóides ( Heterocope, Mesocyclops );

- eufrasídeos ( Euphrausia superba: Krill);

- misidáceos;

- decápodes;

- aracnídeos:

- escorpionídeos;

- aracnídeos;

- opiliões;

- insetos:

- heterópteros;

- mantídeos;

- libéluloas (Odonata);

- vespas;

175
- moluscos:

- cefalópodes;

- pulmonados;

- peixes:

- tubarões;

- atum;

- surumbim;

- dourado.

- aves:

- gaviões;

- corujas;

- andorinhas;

- mamíferos:

- carnivora.

176
Módulo 3 - Ecologia Energética

Produção Secundária (Parte II)

1) Produção secundária (um bom modelo de estudos: zooplâncton)

1.1) Introdução

Os animais apresentam grandes diferenças metabólicas e comportamentais entre si. Deste


modo, o estudo da produção secundária é muito mais complexo do que os estudos sobre a
produção primária. Normalmente, o estudo da produção secundária tem sido conduzido em
comunidades de organismos de pequeno porte e de elevado metabolismo, que possibilitam
ao pesquisador obter os dados necessários em curto espaço de tempo. Um modelo muito
utilizado é plâncton seja ele marinho ou lacustre. Mesmo assim, investigações sobre
produção ao nível do zooplâncton são mais complicadas do que ao nível do fitoplâncton.
Este último é, em geral, uniformemente distribuído numa coluna não estratificada
termicamente e, embora suas espécies tenham diferentes requerimentos nutricionais e taxas
de fotossíntese, é possível obter uma amostra representativa e medir a taxa de fixação
fotossintética e a taxa de consumo de nutrientes ao nível da comunidade como um todo. O
zooplâncton, por outro lado, é composto por espécies que se distribuem quase sempre de
modo muito heterogêneo na coluna d'água, suas espécies possuem dietas muito diferentes
dependendo até mesmo da idade dos indivíduos numa mesma espécie. O esquema abaixo
procura ilustrar as relações entre ingestão, assimilação, excreção e produção secundária ao
nível do zooplâncton.

177
1.2) Taxas de filtração e ingestão

O início dos estudos sobre produção em organismos do zooplâncton (herbívoros) começa


com a estimativa das taxas de ingestão de alimento. Os animais podem filtrar partículas
muito pequenas (< 20 m), tais como algumas espécies de Daphnia, ou então são capazes de
"quebrar" pedaços de colônias ou agregados de detritos, tal como acontece com algumas
espécies de copépodes (Thermocyclops) .

178
As taxas de filtração são expressas um função do volume de água filtrado por unidade de
tempo enquanto que a taxas de ingestão dependem da concentração de partículas nutritivas,
sendo expressas em função desta variável por unidade de volume. Um dos métodos mais
usados para determinar essas taxas consiste no uso de partículas marcadas com
radioisótopos. Burns e Rigler (1967) foram um dos primeiros limnologistas a usar tal
método para estudar o comportamento alimentar de Daphnia rosea. A levedura usada,
Rhodotorula glutinis, foi isolada a partir da água do lago, foi oferecida como partícula
alimentar nos experimentos de curta duração. Um meio de cultura contendo fósforo
radioativo (32P) foi preparado e nele inoculado o fermento que, assim, ficou radioativo.

Após um período de incubação, de alguns minutos, onde o isótopo foi uniformemente


assimilado pela levedura, o meio de cultura foi centrifugado e o precipitado lavado várias
vezes com meio de cultura sem radioisótopo. Desta maneira, somente o 32P que estava
incorporado nas células da levedura permaneceu na solução alimentar. O experimento
consistiu, então, em expor as Daphnia por um curto período de tempo (2-3 minutos) nesta
solução nutritiva contendo as leveduras. Após este período, os cladóceros foram
anesteziados (para prevenir defecação) e a radioatividade incorporada pelos animais foi
medida. As taxas de filtração (FR) e ingestão (IR) podem ser obtidas utilizando as equações
a seguir:

onde:

FR: taxa de filtração;

IR: taxa de ingestão;

dpm: desintegrações radiativas por minuto;

C é a concentração de partículas nutritivas.

As taxas de filtração são afetadas por vários fatores: espécie, tamanho, estágio de
desenvolvimento do animal.

Estudos com incubações "in situ" utilizando a armadilha de Gliwicz-Haney, demonstraram


que o cladócero Daphnia tem as suas taxas de filtração afetadas de uma forma exponencial
quando o tamanho dos indivíduos é lavado em consideração (Figura 2). D. hyalina possui
uma taxa de filtração específica maior do que D. galeata. D. hyalina é um cladócero que
realiza a migração vertical diurna durante a maior parte de seu ciclo sazonal ao passo que
D. galeata fica restrita às camadas superficiais (Pinto-Coelho, 1991).

179
As taxas de filtração nem sempre são afetadas pelo tamanho de forma exponencial. Em
copépodes, há importantes variações neste padrão. Os ciclopóides apresentam geralmente
uma mudança de seu nicho trófico com o avançar do seu desenvolvimento ontogenético.
Eles são filtradores de algas nos estágios de nauplius e, quando atingem as formas mais
maduras de copepoditos, vão gradualmente deixando de ser filtradores exlusivos para serem
onívoros ou carnívoros.

Mesocyclops leuckarti é um ciclopóide que habita o lago de Constança, Alemanha, e exibe


taxas de filtração cada vez menores a medida que aumenta o seu tamanho. Os estágios de
copepoditos e de adultos vão gradualmente exibindo taxas de filtração cada vez menores
(Figura 3). Outro habitante do plâncton desse importante lago pré-alpino europeu, o
calanóide Eudiaptomus gracilis, por outro lado, é essencialmente filtrador e geralmente não
apresenta mudanças drásticas de seu nicho trófico com o desenvolvimento. Este calanóide
apresenta taxas de filtração que aumentam de forma assintótica com o tamanho das larvas
até atingirem um patamar mais ou menos fixo na fase adulta, quando pequenas variações de
tamanho não causam maiores mudanças nessas taxas.

180
Alguns estudos recentes indicam que os organismos zooplanctônicos são capazes de
diferenciar as partículas usando outros critérios além do tamanho, como por exemplo,
presença ou ausência de flagelos ou a forma da partícula. Alguns copépodes possuem
quimioreceptores em suas antenas e aparentemente podem selecionar o alimento tendo por
base suas características químicas, ou seja o seu "gosto" (De Mott, 1986).

As relações entre as taxas de filtração e ingestão nem sempre são diretas e positivas. Burns
e Rgler (1967) observaram que as taxas de filtração decresciam quase exponencialmente a
medida que as concentrações de leveduras aumentavam. Elas passaram de cerca 1.5-2.0
ml.hr-1, sob concentrações de partícula da ordem de 25.000 cel.ml-1, para cerca de 0.2 ml.hr-
1
sob maiores concentrações de partículas nutritivas (500.000 cel/ml).

De uma maneira geral, pode-se afirmar que as taxas de ingestão crescem em resposta a
aumentos na concentração de partículas nutritivas até um limite definido, o chamado
threshold level (ILL) que, no caso das leveduras, está ao redor de 10.0000 cel.ml-1. As taxas
de filtração ou permanecem constantes ou aumentam até que o limite ILL seja atingido. A

181
partir daí, essas taxas sempre diminuem ao passo que as taxas de ingestão permanecem
constantes. Na próxima figura, três modelos que procuram explicar a relação FR, IR e C
são ilustrados.

Todo alimento ingerido não é necessariamente digerido e assimilado. Mesmo algas cujo
percentual de assimilação é comparável podem induzir diferentes respostas em termos de
crescimento somático e esforço reprodutivo (Giani, 1991). O material que não é assimilado
é rejeitado como fezes, que também contém produtos de secreção das paredes do intestino.
Estes produtos resultantes da atividade secretora intestinal podem causar uma
superavaliação do conteúdo energético e bioquímico das fezes. Estimativas corretas da
produção de fezes ao lado das taxas de ingestão são requisitos fundamental para se estimar
a taxa de assimilação. Os animais são colocados numa suspensão contendo partículas
marcadas com radioisótopos por uns dois ou três minutos. A seguir, são colocados

182
brevemente numa suspensão contendo as mesmas partículas, porém não marcadas com
radioatividade. O tempo de exposição nesta segunda solução deve ser curto o suficiente
para que as perdas de radioisótopos devidas à excreção (urina) e respiração sejam mantidas
em um mínimo. Por outro lado este intervalo de tempo deve assegurar que o conteúdo de
partículas radioativas não assimiladas dentro do intestino seja expulso. A assimilação é
então medida através da quantidade de radioatividade presente no animal após esta segunda
incubação (Lampert, 1977).

Em muitos organismos zooplanctônicos, as fezes são liberadas em forma de finas partículas


que são rapidamente incorporadas no compartimento de detritos. Em outros casos,
entretanto, as fezes são liberadas em formas de "pellets" (como nos copépodes) envolvidos
numa membrana muito fina, o que permite que sejam coletadas, contadas e, então,
processadas para determinações bioquímicas.

Os diferentes tipos de algas fitoplanctônicas são assimiladas de modo variado. Algumas


células passam vivas pelo tubo digestivo. Outras morrem mas são apenas parcialmente
digeridas. As cianofíceas têm a reputação de possuir baixo valor nutricional. Arnold (1971)
demonstrou que algumas populações de Daphnia não conseguem sobreviver se são
alimentadas exclusivamente com algas cianofíceas (cianobactérias). Generalizações devem
ser evitadas uma vez que se conhece muito pouco as dietas dos diferentes componentes do
zooplâncton.

1.3) Excreção

Respiração e excreção liberam nutrientes potencialmente limitantes de volta ao pool


(reservatório) dissolvido do meio aquático. Estas substâncias podem ser reabsorvidas pelas
algas e bactérias presentes. A importância do CO2 produzido pelo zooplâncton é secundária
se comparada a sua excreção de amônia (e uréia) bem como de fosfatos. Esta fonte de
recirculação de N e P pode, em muitos casos, ser essencial para a manutenção de toda a
estrutura do fitoplâncton. No Lago George, Uganda, a rápida reciclagem de N e P pelo
zooplâncton permite a existência de um constante bloom de cianobactérias (algas verde-
azuladas). Se não houvesse esta atividade excretora do zooplâncton, grande parte do N e P
seria perdida para o sedimento de modo permanente. Ganf & Blazka (1974) demonstraram
que a atividade excretora do zooplâncton está finamente acoplada à atividade de tomada de
nutrientes pelo fitoplâncton e que somente em experimentos onde o fitoplâncton seja
cuidadosamente removido é que se pode medir a capacidade excretora do zooplâncton.

Experimentos têm demonstrando que Daphnia rosea excreta uma mistura de cerca de 90%
de fosfato inorgânico (ortofosfato) e 10% de fósforo orgânico de baixo peso molecular
(Peters e Lean, 1973). Em poucos minutos, o fósforo solúvel é reabsorvido pelas bactérias
associadas aos animais.

Peters & Rigler (1973) estimaram que 27.4% da matéria orgânica particulada do epilimnion
no Hart Lake, Ontario são ingeridas diariamente pelo zooplâncton durante o verão (base de
cálculo: conteúdo em fósforo). Deste total 54% é assimilado e uma quantidade equivalente
é excretada. Então 0.54 X 27.4 = 14.8% do fósforo total do lago é regenerado diariamente

183
pela excreção do zooplâncton do Hart Lake. Outros 12.6% (0.46 X 27.4) são transformados
em fezes que são incorporadas aos detritos e de onde o fósforo será liberado através da
atividade microbiana. Temos aí um belo exemplo do uso de um elemento, o fósforo
empregado para se avaliar a importância ecológica de uma comunidade, no caso o
zooplâncton, em um dado ecossistema.

Estudos recentes conduzidos na região tropical têm demonstrado que a taxa de excreção de
nutrientes pelo zooplâncton é, via de regra, mais elevada do que em regiões temperadas
(Pinto-Coelho et al. 1997). Em conseqüência, essas taxas possibilitam ao zooplâncton de
lagos e reservatórios tropicais tornar-se um dos principais agentes remineralizadores (Pinto-
Coelho e Greco, 1999). No reservatório da Pampulha, um estudo foi conduzido durante os
anos de 1994 e 1995 na tentativa de quantificar as possíveis contribuições em termos de
liberação de ortofosfato a partir de duas comunidades importantes: as macrófitas (
Eichhornia crassipes ) e o zooplâncton.

Os dados de liberação de fósforo foram obtidos a partir de experimentos de excreção de


fósforo originado pela comunidade zooplanctônica conduzidos em diferentes épocas do ano
e sob diferentes condições (noite, dia, no claro e no escuro, com e sem a presença de
bactérias). A estimativa da liberação de fósforo pelas macrófitas foi obtida a partir dos
dados de produção e decomposição das plantas associados ao conteúdo de fósforo de
diferentes partes das plantas em diferentes épocas do ano.

As macrófitas foram particularmente importantes como agentes recicladores de fósforo


durante a estação de crescimento das plantas, que coincide com o período chuvoso que
extende-se nessa região de outubro a abril (Figura 5). A excreção de fósforo devida ao
zooplâncton foi mais importante durante o período seco, período esse que corresponde ao
máximo de desenvolvimento para a maioria de suas populações, principalmente os
cladóceros de grande porte (Daphnia, Moina e Diaphanosoma).

184
Figura 5 Taxas de retorno de ortofosfato devidas a macrofita Eichhornia crassipes e ao
zooplancton no reservatório da Pampulha durante os anos de 1994 e 1995 (Pinto-Coelho &
Greco, 1999).

Macedo e Pinto-Coelho (2000) também demonstraram a existência de rítmos de curta


duração (diários) nas taxas de excreção do zooplâncton em ambientes tropicais (Figura 6).
As taxas de liberação de ortofosfato foram mais elevadas durante o dia e as taxas de amônia
assim como a respiração foram mais elevadas à noite.

185
Figura 6 – Variação nictemeral das taxas de excreção de nitrogênio e fosforo e da respiração
do zoopâncton na represa da Pampulha (Macedo & Pinto-Coelho, 2000).

186
2) Produção

Existem vários métodos para se estimar a produção secundária do zooplâncton. A maioria


deles usa dois tipos de enfoques: o enfoque demográfico e o enfoque fisiológico.

2.1) Métodos demográficos

A estimativa da produção secundária do zooplâncton é de difícil obtenção, uma vez que as


perdas (sobretudo predação) são muito grandes em relação ao total produzido por unidade
de tempo. A produção pode ser estimada através de estudos de laboratório onde a
assimilação, respiração e excreção são obtidos para os elementos mais representativos do
zooplâncton. Se as estimativas são feitas em termos de carbono ou qualquer unidade de
energia (J, cal) a excreção pode ser ignorada. As taxas de predação podem ser obtidas
através da diferença entre a produção calculada e as mudanças reais observadas na
biomassa do zooplâncton.

A produção do zooplâncton pode também ser calculada através de parâmetros


populacionais. Neste caso, evita-se as incertezas da extrapolação de dados de laboratório à
realidade do campo. Um exemplo clássico deste enfoque pode ser visto no Base Line Lake
(Michigan, USA), onde a população de Daphnia mendotae foi cuidadosamente estudada
por Hall (1964). O método, entretanto, é aplicável a qualquer organismo zooplanctônico e
consiste basicamente em estimar a taxa de nascimentos ao longo do ano ao lado do censo
rotineiro onde o número dos indivíduos adultos, de indivíduos jovens e de ovos e contado
rotineiramente.

D. mendotae se reproduz por partenogênese em um ritmo que depende da temperatura da


água, concentração de partículas nutritivas, e muitos outros fatores. O número de
indivíduos em qualquer instante pode ser dado pela fórmula:

onde Nt e No são os números de indivíduos ao início e final do período amostrado e r é a


taxa intrínseca de crescimento natural (potencial biótico) da espécie. A taxa r, por sua vez,
relaciona-se com duas outras taxas:

onde b e d são as taxas instantâneas de nascimentos e de mortes (parasitismo, predação,


sedimentação, diluição, etc), respectivamente. Há evidências de que a predação é o
principal fator delimitante da ordem de grandeza da taxa de mortalidade em organismos
zooplanctônicos.

187
Se um monitoramento regular e constante (onde os intervalos de tempo não podem ser
superiores taxa de reciclagem da biomassa, turn over rate, desta espécie) for realizado, o
valor de r poderá ser calculado a partir de dois censos consecutivos da seguinte maneira:

r é, portanto, uma taxa composta e para entender a dinâmica da população e calcular a


produção total b e r devem ser estimados. A taxa instantânea de natalidade pode ser definida
da seguinte maneira:

N' representa o tamanho potencial da população na ausência de predação.


Conseqüentemente b não pode ser medida em condições naturais. Entretanto uma
aproximação finita de b pode ser obtida através de B:

Pode ser demonstrado que b e B se relacionam da seguinte maneira

B pode ser estimado de modo independente já que leva em consideração a produção de


neonatos por dia. Este número neonatos pode ser obtido a partir das seguintes variáveis:

onde:

Na: número de adultos (fêmeas) em idade reprodutiva;

N: tamanho da população;

E*: Número de ovos ou embriões carregados por cada adulto;

D*: Número de dias para um ovo/embrião se desenvolver da produção à sua liberação no


meio

188
(*) estimativas médias.

Na, E e Nt são estimados diretamente no campo através da contagem apropriada de


indivíduos. D depende basicamente da temperatura e é obtido através do cultivo em
laboratório de culturas numa larga faixa de temperaturas. Daphnia galeata mendotae, por
exemplo, tem um D que varia de 2 (25°C) a 20.2 (4 °C) dias. Deste modo um valor
apropriado de D pode ser selecionado ao se medir a temperatura da água
concomitantemente aos sensos populacionais. Este cálculo de b a partir de B tem sido
objeto de algumas críticas, mas os erros são em geral negligenciáveis. Uma vez obtidos b e
r, pode-se estimar a taxa de mortalidade (predação ?) pela diferença entre estas duas
variáveis.

Método das coortes:

Este método se aplica às populações que exibem um ciclo de geração por ano que seja
claramente identificável. A produção pode ser então calculada pela seguinte relação
(fórmula de Boysen-Jensen):

onde:

delta W: crescimento médio individual por unidade de tempo;

No, Nt: efetivos da coorte estudada antes e depois do intervalo de tempo t.

Método das taxas de crescimento acumuladas (gerações superpostas)

Parte-se do princípio de que o peso de um indivíduo é ligado à sua idade ou ecofase. Seja
N1, N2,..., Nn o número de indivíduos de cada ecofase e D1, D2,..., Dn a duração de cada
ecofase e delta W1, delta W2, ..., delta Wn o ganho em peso diário de cada ecofase. Então a
produção pode ser dada pela seguinte relação:

O método se aplica às populações que tenham crescimento relativamente lento e fases


muito distintas de crescimento (i.e: copépodes) ou que possuam populações bem
estruturadas em termos de classes de tamanho (i.e: cladóceros).

O método da análise de coortes foi aplicado recentemente por um orientando meu, José
Fernandes B. Neto, para estimar a produção de diferentes instares (ecofases) de Chaoborus

189
brasiliensis em um pequeno reservatório situado na região norte de Belo Horizonte, a
Lagoa do Nado. Os resultados podem serem vistos a seguir:

2.2) Métodos Fisiológicos

Método da respiração

O método descrito a seguir baseia-se na extrapolação de dados metabólicos que servem de


base para a estimativa da produção secundária. O método de Winberg é um bom exemplo
deste enfoque e pode ser descrito pela fórmula a seguir:

190
onde:

Pb: produção secundária (por unidade de biomassa);

R: taxa de respiração;

Ep: eficiência de produção (Kp=P/A);

exp: Ep= 0,25 (cyclopoida), Ep= 0,20 calanoida, Ep= 0,35 cladocera;

Coef: coeficiente oxicalórico ou oxicarbônico. Exemplo: 1 mgO2 = 0,375 mg C.

A extrapolação para uma população no campo pressupõe conhecimento da densidade e


biomassa de organismos envolvidos e pode ser feita da seguinte forma:

onde:

P: produção secundária de uma dada população (i);

Pb: produção específica por unidade de biomassa;

Ni: abundância (no. ind/l) da população (i);

Wi: peso médio de indivíduos da população (i).

191
Figura 7 – Variação sazonal da produção primária do fitoplâncton e assimialação do
zooplâncton no reservatório da Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais (Araújo e Pinto-
Coelho, 1998).

Este método pode também ser aplicado a distintas ecofases ou coortes dentro de uma dada
população. O método foi usado para estimar a produção secundária do zooplâncton em um
estudo comparativo entre a produção primária e secundária no reservatório da Pampulha
(Araújo & Pinto-Coelho, 1998). O dados indicam que a produção primária do fitoplâncton
é insuficiente para cobrir a demanda energética (assimilação do zooplâncton) durante a
maior parte do ano. O reservatório da Pampulha é um ambiente hipereutrófico que recebe
grandes quantidades de matéria orgânica alóctone que possibilita o desenvolvimento de
uma comunidade microbiana que possivelmente é o maior recurso alimentar do
zooplâncton nesse ambiente.

Método da relação N:P

Outro método fisiológico baseia-se na aplicação das razões N:P para o cálculo da produção
secundária. As razões N:P devem ser conhecidas nos animais (a3), em seu alimento (a1) e
em seus excretas (a2). A produção pode ser calculada da seguinte maneira:

192
onde:

PN: produção em termos de nitrogênio;

EN: taxa de excreção de nitrogênio;

K2N: relação entre as razões N:P definida a seguir:

Se expressarmos a biomassa em termos de nitrogênio, podemos então calcular o tempo de


renovação de toda a biomassa:

Este método evita censos demográficos, muitas vezes tediosos, e com altos percentuais de
erro, principalmente nas contagens e na identificação e triagem das ecofases. É um método
genérico uma vez que engloba toda uma classe de recursos alimentares utilizáveis por um
grupo de organismos (guilda). O principal problema refere-se à seleção de organismos de
níveis tróficos diferentes através de filtragem não seletivas ou também ao agrupar partículas
que não são ingeridas entre aquelas que efetivamente o são.

3) Produção secundária em diferentes ecossistemas

Os valores da produção secundária tendem a ser mais elevados em comunidades dominadas


por invertebrados se comparadas àquelas com alta prevalência de vertebrados. Há, ainda,
uma tendência de diminuição da produção em estágios sucessionais mais maduros e nos
níveis tróficos mais elevados. Organismos onívoros ou detritívoros também exibem valores
baixos de produção secundária (Qaudro III)

Quadro IV: Alguns valores de produção secundária (baseado em Margalef, 1977)

193
biomassa produção
Comunidades
mgC.m-2 mgC.m-2.ano-1

Fauna do solo (floresta de coníferas) 600-1500 3000

Fauna do solo (fl. perenifólia) 1500-3500 12000

Gafanhotos (campo abandonado) 20-40 30-50

Gafanhotos (campo cultivado) 200-900 450

Lumbricus terrestris (minhoca) 9000-10000 3500-5000

Térmitas (cupins) 500-5000 -

Vertebrados

Antílope (Uganda) 210 67

Elefante 550 30

Gado 5000-15000 3000-13000

Mamíferos na savana africana 1200-2100 250

Homem (população na Espanha) 400 13

194
Módulo 3 - Ecologia de Processos (Ciclos)

Ciclos Biogeoquímicos (Parte I)

1) Introdução

Dos 103 elementos químicos conhecidos, sabe-se que 30 a 40 são necessários à vida. Eles
podem ser classificados em micro, meso e macronutrientes de acordo com as quantidades
requeridas pelo seres vivos (vide capítulo sobre produção primária).Os elementos circulam
na biosfera entre os compartimentos (pools) abióticos e a biomassa animal e vegetal (Figura
1).

Os nutrientes normalmente acham-se presentes na rocha matriz que é o depósito abiótico de


renovação lenta. Graças ao intemperismo, eles podem ser realocados para o depósito
abiótico de renovação rápida que pode ser tanto na forma de íons dissolvidos na água, sob a
forma de gases na atmosfera e ainda em sedimentos rasos de rios e lagos. Os nutrientes são,
a seguir, absorvidos pelas plantas e dessa maneira entram na cadeia trófica, passando
sucessivamente pelos herbívoros, carnívoros, etc. Eles são, em algum momento, liberados
de volta ao meio abiótico via excretas ou então após a morte da planta ou animal, via cadeia
de detritos, onde é muito importante a ação de microorganimos sejam eles bactérias,
leveduras e fungos.

195
Figura 1 Esquema genérico da ciclagem de nutrientes na biosfera indicando os principais
compartimentos e os processos ecológicos envolvidos (original).

Todos os ciclos possuem reservatórios (pools) abióticos que podem ser dos seguintes tipos:

a) reservatório atmosférico (ciclo do N);

b) reservatório rochoso (ciclo do fósforo);

c) reservatórios misto (ciclo da água).

O pool biológico pode ser de natureza muito variada e pode englobar substâncias orgânicas
não-vivas. Húmus, excretas, sedimentos orgânicos, turfeiras, etc. constituem importantes
exemplos de sub-compartimentos deste pool nos diversos ecossitemas. O pool biológico
normalmente é muito mais restrito que o abiótico, porém é muito dinâmico (a taxa de
renovação dele é muito alta).

196
O controle e monitoramento de poluição ou o estabelecimento de técnicas de manejo
sustentado de ecossitemas são exemplos práticos do uso aplicado do estudo quantitativo dos
ciclos biogeoquímicos. Outros campos interessantes de aplicação deste enfoque referem-se
à determinação e controle da perda de fertilizantes na agricultura, uso racional de recursos
hídricos e de minerais não renováveis, agricultura 'biológica', controle do aumento de CO2
na atmosfera e aquicultura.

2) Tipos de Ciclos

Os ciclos podem ser classificados em três tipos básicos dependendo da natureza do


reservatório abiótico (Odum, 1972):

- ciclos gasosos: possuem o depósito abiótico na atmosfera. Graças à grande dinâmica deste
meio, possuem eficazes mecanismos de autoregulação; exemplos:ciclo do nitrogênio e ciclo
do oxigênio;

- ciclos sedimentares: o depósito abiótico está na crosta terrestre em rochas; estes ciclos são
mais vulneráveis a pertubações externas, pelo fato deste depósito ter um tempo muito
elevado de recirculação; exemplos: ciclo do cálcio e ciclo do fósforo;

- ciclos mistos: possuem ambos os depósitos (sedimentares e atmosféricos).

Exemplos: ciclo da água, ciclo do carbono e ciclo do enxôfre..

3) Ciclo da água

A água é uma substância vital para a biosfera. É solvente universal graças a sua estrutura
atômica com elevada constante dielétrica. Ela forma soluções iônicas e colóides com
miscelas de carga eletrostática com grande facilidade. Além disso, suas pontes de
hidrogênio permitem a estabilidade da fase líquida numa amplitude térmica muito grande (0

197
a 100 C). A estrutura química da água também possibilita a formação de soluções não
eletrolíticas. A água ainda apresenta grande capacidade em dissolver gases tais como o
oxigênio e o gás carbônico. Esta capacidade é no entanto muito influenciável pela
temperatura, pressão e tipo do gás. Outra característica fundamental à vida da água refere-
se ao seu comportamento anômalo em relação à densidade. Ela expande quando é resfriada
de 4 C a 0 C. A densidade da água a 4 C é 1,0 e a O C é de 0.92. Assim a água congela-se
de cima para baixo. Este fato explica porque é possível a vida aquática (aliás intensa) nas
zonas polares. A água apresenta maiores variações de densidade a um mesmo delta t a
maiores temperaturas. Este fato explica porque pequenas variações térmicas em mares e
lagos tropicais podem causar estratificação térmicas relativamente resistentes à ação do
vento (Figura 2). Cerca de 70% da superfície da Terra é coberta por água.

As grandes massas de água estão nos oceanos onde acham-se em contínuo movimento. As
correntes marítimas são cruciais para o estabelecimento dos padrões globais de circulação
atmosférica e do clima (Figura 3).

198
Figura 2 - Simulação (falsa cor) dos dados de temperatura da água da superfície dos
oceanos a partir dos dados de sensoriamento remoto (satélite meteorológico NOAA, EUA).

A estratificação térmica em lagos e mares é muito importante pois implica numa


estratificação química e muitas vezes numa estratificação biológica. Naturalemte, tal
característica implica em importantes consequências para todos os demais ciclos
biogeoquímicos em ambiente aquático.

A água está em contínuo movimento nos continentes. As fontes de água nos continentes são
alimentadas pela água das chuvas que volta ao mar via escoamento superficial ou
subterrâneo. Os rios exercem considerável influência sobre a paisagem terrestre. A foto, a
seguir, ilustra o Córrego Carioca, município de Itabirito, onde pode-se ver claramente a

199
formação vegetal mais densa junto à uma das margens. Na outra margem (lado esquerdo),
vê-se a influência antrópica, através de pastos destinados a pecuária.

A água tem ainda uma alta viscosidade, que decresce com o aumento da temperatura. Esta
viscosidade possibilita a existência de uma comunidade biológica que vive acima e abaixo
da zona ar-água. Os detergentes ateram drasticamente a tensão superficial da água.

Outra importante característica da água são os seus elevados calores latentes de evaporação
(Lv = 590 cal.g-1) e fusão (Lf = 80 cal.g-1). Deste modo a água 'exige' o aporte de grandes
quantidades de energia para trocar o seu estado físico, conferindo-lhe uma elevada inércia
térmica que resulta numa 'demora' em aquecimento e resfriamento. Estas propriedades são

200
extremamente importantes no estabelecimento das características climáticas. Diferenças de
temperaturas causam diferenças na densidade da água que aliada à ação dos ventos geram
as correntes oceânicas (Figura 3). Existem tanto correntes frias quanto correntes quentes.
As correntes frias trazem águas ricas de nutrientes incrementando a produção biológica nas
áreas sob a sua influência. No entanto, essas correntes causam também grande aridez nas
faixas continentais que são por elas banhadas, graças a pouca evaporação associada às
correntes frias. As correntes quentes, ao contrário, mantém a estratificação da coluna d'água
e, com isto, impede a fertilização continuada das águas superficiais. Deste modo, suas
águas são pobres em termos de produção biológica. As correntes quentes, por outro lado,
amenizam o clima na faixa continental sob sua influência trazendo chuvas e amenizando o
inverno nas altas latitudes. O clima da Inglaterra, por exemplo, é muito amenizado pela
corrente quente Gulf Stream (Corrente do Golfo).

201
A água pura exibe uma absorção diferencial da luz. Ondas menos energéticas de
comprimento longo (vermelho) são absorvidas nos primeiros metros abaixo da superfície.
Outros fatores que intervém no processo são a turbidez (sol. em suspensão) e a cor (subst.
dissolvidas) que também diminuem a penetração de luz. Deste modo algas verdes

Segundo Leonardo da Vinci "a água é o condutor da natureza". A Biosfera pode ser definida
em termos de disponibilidade de água: é a região do planeta onde há um suprimento de
energia externa e água no estado líquido. O ciclo da água é caracterizado por um depósito
atmosférico pequeno porém extremamente dinâmico, sendo inclusive responsável pela
caracterização dos diversos climas terrestrres. As reservas de água nos continentes são
alimentadas pela precipitação atmosférica (chuvas, neves e granizos), uma vez que chove
proporcionalmente mais nos continentes se comparados às áreas oceânicas. Grandes regiões
do planeta tais como o vale do Mississipi (USA), Europa e Amazônia oriental recebem a
maior parte de precipitações através de massas de ar oriundas dos oceânos.

O volume total de água da biosfera é de cerca de 1,5 bilhões de quilômetros cúbicos. Esta
água está distribuída de modo muito desigual pela superfície da Terra cuja superfície total é
de 512 milhões de Km² . A maior parte da água está no mar (97%). Os 3% restantes são
constituídos por água doce (a maior parte em geleiras). O depósito de águas subterrâneas é
muito maior do que o de águas superficiais. Rios e lagos contribuem muito pouco para o
total de água doce existente (Figura 4) mas eles são essenciais para a renovação do ciclo já
que o tempo de renovação médio das águas superficiais é pequeno (ao redor de 1 ano).

Outro fator que influencia a distribuição mundial das águas é a latitude principalmente
alterando os totais pluviométricos.

202
203
Módulo 3 - Ecologia de Processos

Ciclos Biogeoquímicos (Parte II)

1) Ciclo do Carbono

O ciclo do carbono tem uma renovação mais lenta e um tempo de residência maior do que o
ciclo do água. A maior parte do carbono da biosfera encontra-se sob a forma de carbonatos
dissolvidos na água dos mares profundos (Figura 1). Desse modo, para se entender o
funcionamento do ciclo do carbono é necessário conhecer as principais vias desse ciclo nos
oceanos. Além dos carbonatos dissolvidos, o carbono pode estar estocado em grandes
quantidades nos sedimentos marinhos que formam os precurssores do petróleo
(querogênio). Existem ainda consideráveis quantidades de carbono orgânico (dissolvido
COD) e particulado nas águas dos mares. Todo esse carbono é continuamente reciclado
dentro da caceia planctônica (fitoplâncton, zooplâncton e nécton). que o devolve ao
compartimento inorgânico via respiração. Os carbonatos podem ainda serem direcionados à
atmosfera e vice versa.

204
O ciclo do carbono é um dos ciclos mais influenciados por atividades antrópicas. As
principais formas dessa interferência são através da queima de matéria orgânica:
combustíveis fósseis e pela queima de florestas (Figura 2). Nos países de clima temperado e

205
frio, são alocadas grandes quantidades de gás natural e óleo para a produção de calor
destinado ao aquecimento. Adicionalmente, os países industrializados, ao privilegiarem de
forma indiscriminada o transporte individual em veículos equipados com motores à
explosão, também contribuem de forma expressiva para a liberação de CO2 para a
atmosfera. Os países com grandes extensões florestais, principalmente na faixa tropical,
tem gerado um impacto adicional nessa emissão de gás carbônico. Muitas vezes, no
entanto, os países situados na região tropical tem sido injustamente acusados pela
comunidades dos países industrializados como sendo os maiores responsáveis pela
crescente emissão de CO2.

Existem, no entanto, grandes quantidades de carbono imobilizadas sob a forma de rochas


calcáreas na crosta terrestre. Eventualmente este carbono pode vir a ser remobilizado via
movimentos geológicos da Terra (geossinclinais).

206
O ciclo do carbono é um ciclo misto, e também possui um pequeno depósito atmosférico. O
CO2 é responsável por cerca de 0.033 % da composição gasosa total da atmosfera terrestre.
Neste século, este conteúdo de CO2 (g) vem sendo afetado pelas atividades humanas,
principalmente pela queima de combustíveis fósseis e por incêndios florestais (Figura 3).

Em 1970, foram liberados por esta via cerca de 8 bilhões de toneladas de CO2. Esta
molécula é capaz de absorver relativamente mais radiação infravermelho proveniente do sol
do que as moléculas de nitrogênio e oxigênio. Deste modo, apesar de sua pequena
dimensão, o depósito atmosférico do carbono tem a capacidade de influenciar o clima da
terra, pois um pequeno aumento nas concentrações de CO2 atmosférico pode estar
associado a um aumento da temperatura média da Terra. A este fenômeno dá-se o nome de
"efeito estufa". Outras moléculas gasosas monocarbônicas, tais como o metano (CH4),
também podem contribuir para o agravamento deste fenômeno. O metano é originário nas

207
zonas da biosfera onde predomina o metabolismo anaeróbico. Nesta região irão proliferar
várias bactérias anaeróbicas, dentre elas as bactérias metanogênicas que produzem o
metano. Salinas de evaporação da água do mar, arrozais e demais áreas alagadas rasas com
elevados teores de matéria orgânica em geral são os ambientes onde existem as maiores
emissões de metano.

2) Ciclo do Nitrogênio

É um ciclo tipicamente gasoso. O depósito abiótico encontra-se sob a forma de N2(g), que
compõe cerca de 79% (p/p) da atmosfera. O nitrogênio atmosférico pode ser fixado com
aporte de energia seja por via orgânica seja por via inorgânica. A forma usual de
incorporação do nitrogênio pelas plantas é sob a forma de nitrato ou de amônia. Na
biomassa, o nitrogênio desempenha um papel fundamental como elemento estrututal de
praticamente todas as classes de compostos bioquímicos (proteínas, ácidos nucleicos,
lipídeos, etc). O nitrogênio volta ao pool abiótico via excreção de uréia, amônia ou ácido
úrico ou então por decomposição bacteriana e fúngica de cadáveres. Por ação bacteriana,
ele é rapidamente oxidado de nitrogênio albuminóide a amônia, nitrito e nitrato

(vide figura 4).

208
A fixação biológica do nitrogênio atmosférico é muito importante sob o aspecto ecológico e
é feita graças a ação de certas bactérias e algas. Ela ocorre em meio anaeróbico e requer
aporte de energia. Ambas condições estão presentes nos nódulos das raízes de leguminosas

209
e nos heterocistos das algas azuis. O cobalto e o molibdênio são importantes uma vez que
estão nas enzimas que catalizam do processo. Várias bactérias sejam elas de vida livre ou
não são capazes de fixar o nitrogênio (Tabela 1).

Várias plantas possuem simbioses com bactérias fixadoras. Dentre elas podemos citar:
várias leguminosas (soja e feijão), Arauacaria, Casuarina e algumas gramíneas. As
gramíneas Digitaria decumbens e Zea mays apresentam simbioses com a bactéria Spirillum
lipoferum sendo que no caso do milho estas bactérias são encontradas no córtex.

3) Ciclo do Fósforo

É um ciclo tipicamente sedimentar (Figura 5). O fósforo inorgânico é absorvido pelos


vegetais sob a forma de ortofosfato (PO43-). Na maioria dos ecossistemas, as quantidades
disponíveis de ortofosfato seja no solo seja na água são muito baixas e este elemento é o
fator limitante da produção biológica. A eutrofização de corpos d'água, caracterizada por
aumento desequilibrado da produção primária, é muitas vezes causada pelo aporte externo
de fósforo. Deste modo, o entendimento dos mecanismos que contribuam para aumentar a
taxa de circulação do fósforo entre o pool inorgânico e a biomassa são fundamentais em
Ecologia.

A determinação destas taxas é tão importante quanto a delimitação das quantidades


presentes nos diversos compartimentos do ecossistema (pool inorgânico, biomassa vegetal,
animal, detritos, etc.). As principais taxas metabólicas que afetam a ciclagem de fósforo nos
diversos ecossistemas seriam as seguintes: a) taxa de absorção de fósforo pelos vegetais; b)
taxa de consumo de vagetais pelos herbívoros; c) taxas de excreção de fósforo pelos

210
heterótrofos mais abundantes e d) taxa de remineralização de fósforo pelos
microorganismos decompositores (bactérias, fungos e leveduras).

211
Certos organismos que passariam quase desapercebidos num ecossistema tais como o
molusco Modiolus demissus, podem ser fundamentais para a circulação de um elemento no
ecossistema. Este mexilhão põe em circulação a cada 2.5 dias uma quantidade de fósforo
equivalente a concentração deste elemento na água em que vive. Os organismos, por sua
vez, necessitam de quantidades mínimas de fósforo bastante diferentes: Nitzschia palea e
Botryococcus braunni são duas algas que necessitam de 18 e 89 g/l de fósforo (P5) para
crescer em condições ótimas, respectivamente.

4) Ciclo do Enxofre

É um ciclo misto. A componente sedimentar é representada pelas rochas pirita e calcopirita.


No meio aquoso, as formas do enxofre vão depender do estado de oxidação do meio. Em
condições oxidantes (meio aeróbico) o enxofre encontra-se sob a forma de sulfatos (SO4--) e
em condições redutoras sob a forma de sulfetos (S2--). A ciclagem do enxofre e muito
influenciada pela ação bacteriana (Figura 6).

212
Muitas vezes certos processos que ocorrem em um ciclo podem influenciar a ciclagem de
outro elemento. Em condições redutoras (meio anaeróbico) o enxofre apresenta-se
normalmente sob a forma de H2S. Nestas condições, o sulfeto normalmente combina-se
com o ferro liberando o fósforo:

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Desta forma, a formação de zonas anóxicas em lagos eutróficos causada pela crescente
decomposição anaeróbica de matéria orgânica pode levar a um ulterior agravamento da
eutrofização, graças à liberação do fósforo retido nos sedimentos anaeróbicos, como visto
na reação acima.

5) Ciclos biogeoquímicos nos trópicos

Uma característica distintiva dos ciclos de materais nas zonas tropicais é o fato de que uma
maior porcentagem dos elementos está assimilada na biomassa, ou seja, maiores porções do
elemento estão intrabiotizadas. Isto é particularmente verdadeiro para certos nutrientes
essenciais tais como o fósforo e o potássio (Figura 7).

214
Há simbioses entre autótrofos e heterótrofos que facilitam a volta dos elementos contidos
no corpo de organismos em decomposição para a biomassa vegetal, tais como as micorrizas
em florestas tropicais ou as associações entre corais e algas em recifes, as zooxantelas. As

215
micorrizas fúngicas que atacem a serapilheira nas florestas tropicais podem se associar às
raízes ou até mesmo nelas penetrar. Em casos especiais, as hifas podem inclusive penetrar
nas próprias células das raízes.

Outra característica importante dos ciclos em florestas tropicais é a notável capacidade


lixiviadora ali verificada. Ela é conseqüência do baixo pH do solo associado a uma certa
ausência de argilas capazes de "segurar" o nutriente no solo. Deste modo, a única maneira
de manter os elementos em contínua circulação e retê-los o maior tempo possível na
biomassa seja ela vegetal ou animal.

Técnicas agrícolas de sucesso nos trópicos devem necessariamente levar em consideração


estes aspectos. Um bom exemplo seria a agricultura itinerante utilizada pelos ameríndios
que consiste em abandonar um campo agrícola após alguns anos de uso para que o depósito
abiótico dos elementos possa se regenerar. Outra técnica consiste em associar diferentes
culturas, tais como o uso simultâneo de leguminosas e gramíneas (ex: milho e feijão), uma
vez que muitas leguminosas em associação com bactérias fixadoras simbiontes, tais como o
Rhizobium, são capazes de fixar nitrogênio. Nos arrozais asiáticos, o nitrogênio é
usualmente fixado graças a ação de cianobactérias (Nostoc sp.) capazes de fixar o
nitrogênio.

O fósforo é geralmente o elemento limitante nos ecossistemas aquáticos sejam eles


tropicais ou não. No caso brasileiro, constata-se uma crescente degradação ambiental nos
reservatórios sejam eles de pequeno, médio ou grande porte. Essa degradação ambiental é
causada sobretudo pelo fenômeno da eutrofização que está ligada, por sua vez, a uma
crescente entrada de nutrientes no sistema. O caso do reservatório da Pampulha, em Belo
Horizonte, é típico. O reservatório vem sofrendo uma crescente eutrofização que causa toda
uma série de problemas ambientais tais como ausência de oxigênio nas camadas mais
profundas da coluna de água, que causa frequentes mortes em massa na ictiofauna,
proliferação de organismos tais como algas tóxicas, mosquitos e plantas aquáticas
(macrófitas). O balanço de massa de fósforo foi estimado em um estudo recente realizado
pela mestranda Isabela C. Torres (figura abaixo). Ela demonstrou de modo claro quais são
os tributários responsáveis pelo maior aporte de fósforo ao reservatório. Outro aspecto
relevante dessa pesquisa foi a constatação que cerca de 80% do fósforo que chega via
tributários é retido na represa (sedimentos, biota, etc). Os números entre parêntesis, na
figura abaixo, referem-se a toneladas por ano.

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