Dto Internacional Privado - Esquema de resolução casos
práticos Direito (Universidade de Lisboa)
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Esquema de resolução de casos práticos de DIP
1. Identificação do problema em concreto: estamos perante um caso relativo a
quê? (indignidade sucessória? Deveres conjugais? Direitos de personalidade?) referir necessidade de determinação da lei aplicável à situação jurídica transnacional. 2. Interpretação do conceito-quadro (1.º momento da qualificação) 2.2. Norma de conflitos de Direito da União Europeia? Referir âmbitos espacial, material e temporal de aplicação dos regulamentos Roma- I/II/III. Se concluirmos que esta é que é a norma de conflitos potencialmente aplicável, interpretação é feita com autonomia relativamente ao Direito nacional dos Estados-membros (ou seja, autonomia aqui não tem o mesmo sentido que na interpretação de conceitos-quadro de normas de conflitos portuguesas, onde quer dizer autonomia relativamente ao Direito material português); essa interpretação deve ser uniforme para todos os Estados-membros (princípio da uniformidade na interpretação e aplicação do Direito Europeu), não podendo cada Estado-membro dar uma interpretação dos conceitos-quadro contidos nos regulamentos europeus como se estivesse a interpretar Direito de fontes internas. Ao invés, deve recorrer aos seguintes elementos: 1) letra do regulamento; 2) objetivos e sistema do regulamento europeu; 3) princípios gerais resultantes do conjunto dos sistemas jurídicos nacionais (Critérios do Ac. do TJ Eurocontrol, de 14-10-1976, ainda sobre a Convenção de Bruxelas, mas ainda hoje seguidos para regulamentos europeus – Ac. Tacconi; Ac. Lechouritou) 2.3. Norma de conflitos portuguesa? Interpretação feita: 1) à luz da lex fori (recorrendo ao Direito material português, em nome da unidade do sistema e da preservação do pensamento legislativo subjacente à norma de conflitos), 2) mas com autonomia (não é nem pode ser exatamente o mesmo que o conceito correspondente usado no Direito material português: isso violaria o princípio da harmonia internacional de julgados e a ideia de paridade de ordens jurídicas subjacente às normas de conflitos bilaterais – a vasta maioria no DIP português – dado que negaríamos a aplicação de Direito estrangeiro só por se revelar diferente do nosso, independentemente desse grau de diferença)
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3. Interpretação (à luz da lex fori, pelos mesmos argumentos acima referidos)
e concretização do elemento de conexão (à luz da potencial lex causae, pois só a lex causae saberá onde considera certa coisa situada, quem são os seus cidadãos, etc.). isso, quando a norma de conflitos for portuguesa; se se situar nos regulamentos europeus, interpretamos o elemento de conexão, de novo, à luz do Direito da União, em que a norma de conflitos se insere. 3.1. Tratando-se de um caso de concurso positivo de nacionalidades, devemos aplicar o disposto nos artigos 27.º e 28.º da Lei da Nacionalidade. Se uma dessas nacionalidades for de um Estado-membro da UE, suspeitamos da necessidade de desaplicar o 27.º ou 28.º LNac por causa da Jurisprudência do TJ Micheletti ou Garcia Avello. Mas terá de haver uma situação discriminatória de estrangeiros (18.º ss. TFUE) ou que atente contra uma liberdade europeia (como as liberdades de mercado – 26.º/2 e 45.º ss. TFUE – ou as liberdades dos cidadãos europeus – artigo 20.º/2 a) e 21.º TFUE) 3.2. A norma de conflitos potencialmente aplicável remete para um ordenamento jurídico complexo (ex: Estado federal)? 3.2.1. Se estivermos em curso de aferir se uma norma de conflitos dos regulamentos europeus é efetivamente aplicável, recorremos às cláusulas desses regulamentos relativas a ordenamentos jurídicos complexos (comummente chamados, com pouco rigor, de ordenamentos plurilegislativos). Artigos 22.º RR-I; 25.º RR-II; 24.º RR-III 3.2.2. Se estivermos em curso de determinar se aplicamos uma norma de conflitos portuguesa, suspeitamos de uma aplicação do artigo 20.º CC. Este é uma norma relativa à concretização do elemento de conexão “nacionalidade”. Se a residência habitual do interessado não se situar nesse ordenamento jurídico, resolvemos o problema da lacuna do artigo 20.º/2 CC, sempre referindo a querela doutrinária que opõe Autores como o Prof. Dário Moura Vicente/a Professora Magalhães Collaço a Autores como o Prof. Ferrer Correia. 3.2.2.1. Posição do Prof. Ferrer Correia: interpretação declarativa do 20.º/2. Isto é, não interpreta esse preceito em termos diferentes da sua letra. Se um cidadão de um Estado que tem um
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fora desse Estado, aplicamos a lei da residência pessoal. Na opinião do Prof. Ferrer Correia, essa leitura é confirmada pelo elemento histórico da norma. Porém, é duvidoso se devemos mumificar o sentido da lei por causa dos seus trabalhos preparatórios – que não vinculam nenhum intérprete –, sobretudo se esse sentido for insustentável à luz dos princípios da nossa justiça conflitual (dignidade da pessoa humana, conexão mais estreita, etc.). O que é o caso – vejam o parágrafo seguinte. 3.2.2.2. Posição do Prof. Dário Moura Vicente/Prof. Magalhães Collaço: recorremos ao 10.º/3 CC, criando a norma mais consentânea com os princípios de DIP, como o da conexão mais estreita, presente em disposições como o 28.º/1 LNac: a residência habitual é um elemento de conexão subsidiário em, Portugal – artigo 32.º/1 CC – e choca com os princípios de DIP tratarmos alguém como apátrida só pela ausência de Direito interlocal – entre Estados federados ou afins – ou DIP unificado – do Estado federal/Estado externamente soberano –, pelo que temos dar ao 20.º/2 a seguinte interpretação quando o interessado não resida no Estado da sua nacionalidade (se residir, aplicamos o 20.º/2, sem problemas): há que aplicar a lei da sua última residência habitual no Estado de que é nacional. 3.2.2.3. Se a norma de conflitos portuguesa potencialmente aplicável não estiver a remeter para o ordenamento jurídico complexo a título de lei da nacionalidade (por exemplo: queremos saber qual a lei aplicável para sabermos quais os poderes do usufrutuário de uma quinta no Estado norte-americano do Louisiana – é o Direito desse Estado, ou Direito dos EUA?), temos duas soluções doutrinárias: o Prof. Lima Pinheiro diz que se aplica o 20.º por analogia; o Prof. Dário Moura Vicente entende que a remissão operada pela norma de conflitos potencialmente aplicável será
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auto-suficiente. Isto parece-me mais consentâneo com
a finalidade do 20.º CC, que é a de nos ajudar a concretizar o elemento de conexão da nacionalidade. 4. Verificam-se os pressupostos da devolução? Depois de interpretado e concretizado o elemento de conexão, já sabemos para qual ordem jurídica estaremos a remeter, se a norma se conflitos vier a considerar-se aplicável (coisa que só saberemos quando terminarmos a qualificação). 4.2. Estamos a aplicar uma norma de conflitos de um dos regulamentos europeus? Não há reenvio: só referência material – artigos 20.º RR-I, 25.º RR-II, 11.º RR-III 4.3. Estamos a aplicar uma norma de conflitos portuguesa? Esta remete para uma lei 1) estrangeira 2) que não se considera competente? Então temos um problema de reenvio. Referir sempre a regra geral, do 16.º (Referência material) que é derrogada pelos desvios/exceções do 17.º/1 e do 18.º/1 CC. 4.4. Solução do problema do reenvio. 4.4.1 Podemos desenhar um esquema na resolução, desde que expliquemos por extenso também. Recomenda-se o uso de fórmulas como “L2 remete para L3 nos termos da teoria da referência material/devolução simples/dupla devolução, o que significa que…” (explicar a teoria em abstrato e concretizar). Dizer sempre que lei material é que cada lei aplica, exceto a portuguesa – porque isso só vamos determinar no final do caso, depois do processo qualificativo. 4.4.2 Começamos SEMPRE pelas exceções ao 16.º - 17.º/1 e 18./1, referindo se se pode tratar de um caso de transmissão de competência ou de retorno. Das quatro, uma: 4.4.3 Ou os pressupostos do 17.º/1 ou 18.º/1 não estão reunidos – caso em que se aplica a regra geral do 16.º - e aí consideramos potencialmente aplicável o Direito material da lei designada pela norma de conflitos portuguesa. 4.4.4 Ou os pressupostos do 17.º/1 ou 18.º/1 estão reunidos mas verificam-se exceções do 17.º/2 (com as restrições do n.º 3) ou o 18.º/2 não permite a aplicação do 18.º/1 – então regressamos à “estaca zero”: o 16.º (porque as exceções à regra geral não se verificam, de novo, mas desta vez por causa das exceções às exceções)
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4.4.5 Ou os pressupostos do 17.º/1 e 18./1 verificam-se sem que se
possam aplicar as limitações do 17.º/2– caso em que há transmissão de competência ou retorno para a lei portuguesa; MAS concluímos que da aplicação desse Direito resultaria a invalidade do negócio jurídico ou a incapacidade de alguém ou ilegitimidade de um estado – e então o 19.º aplica-se. O que significa que em nome do princípio do favor negotii (aproveitamento dos negócios jurídicos, na medida do possível), derivado da tutela da confiança, não devemos admitir o reenvio. Recordemo-nos que a transmissão de competência é admitida para garantir a harmonia internacional de julgados – mas essa, por si mesma, não tem valência própria. É instrumental à proteção da confiança das pessoas, que têm a expetativa de ver a sua causa resolvida de uma forma tendencialmente uniforme, independentemente de onde decorra o processo. Ora, se a transmissão de competência também serve para proteger a confiança legitimamente investida, então não devemos utilizar o 17.º/1 quando da aplicação da lei estrangeira resulte uma frustração dessa confiança, manifestada pela invalidação do negócio que as partes quiseram celebrar. CONTUDO: apenas deverão referir isto no final da resolução, depois da qualificação das normas materiais da lei considerada competente por via do artigo 17.º/1 ou 18.º/1. Só aí poderemos saber qual a lei que se aplica e que, portanto, determinará a validade ou invalidade no final de contas. 4.4.6 Ou os pressupostos do 17.º/1 ou 18.º/1 verificam-se e não há problemas quaisquer de favor negotii? Então aplicam-se mesmo o 17.º/1 e 18.º/2. 4.4.7 Agora sim, determinámos qual a potencial lex causae (potencial lei da causa, isto é – a lei potencialmente competente para nos dar o regime de Direito material aplicável ao caso concreto; quando se fala de lei da causa, estamos a falar de causa num sentido que se aproxima de “procedência da causa” em processo civil)
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5. Caraterização do objeto da qualificação (2.º momento da
qualificação) 5.1. Dário Moura Vicente/Ferrer Correia: o objeto da qualificação são as normas materiais designadas pela regra de conflitos portuguesa; Lima Pinheiro: o objeto da qualificação são as normas materiais da potencial lex causae que esta aplicaria à situação jurídica transnacional. 5.2. Caraterização: 1) à luz da potencial lex causae (é nesse sistema que as normas materiais se integram, só nelas podemos encontrar o seu sentido) 2) procuramos nessa potencial lex causae o objeto (o que regulam?) e a função (para que servem?) das normas materiais. Não é importante a denominação dada à figura que as normas materiais regulam, nem onde é que a figura se integra sistematicamente (se está em diplomas de Direito dos Contratos, Sucessões, Família… etc.) 6. Qualificação stricto sensu – subsunção das normas materiais da potencial lex causae (que caraterizámos no segundo momento) à norma de conflitos (que interpretámos no 1.º momento) – 3.º momento da qualificação. 6.1. Trata-se aqui de sabermos se o objeto da qualificação corresponde à categoria referida na previsão da norma de conflitos (no seu conceito- quadro). Podemos dizer que as normas materiais da potencial lex causae apresentam caraterísticas que nos permitem enquadrá-las no conteúdo que associámos ao conceito-quadro? Por outras palavras, há correspondência funcional entre ambos (Prof. Dário Moura Vicente)? Se sim: podemos subsumir as normas materiais; e isso significa que a norma de conflitos se aplica; e, aplicando-se a norma de conflitos, aplicamos também o Direito material designado, quer em aplicação da regra geral da referência material, quer por causa dos seus desvios. 7. Conclusão: qual o Direito aplicável ao caso concreto? Quais as concretas consequências? 8. Agora chega o momento em que aferimos se se podem aplicar os regimes das figuras que obstam à aplicação do Direito estrangeiro designado. 8.1. Quando resolvemos as questões de reenvio, chegámos à conclusão de que, a aplicar-se aquela potencial lex causae, essa determinaria a invalidade de um negócio jurídico ou a ilegitimidade de um estado? Então aplicamos o artigo 19.º CC: preferimos a referência material. Vamos aplicar a lei designada pela norma de conflitos.
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8.2. Há normas internacionalmente imperativas/normas de aplicação
imediata que reclamam a sua aplicação? 8.3.1. Estamos a aplicar DIP português? Vemos as teorias que fundam a aplicabilidade de normas de aplicação imediata, independentemente da lei designada. 8.3.2. Estamos a aplicar DIP europeu? Recorremos aos artigos 9.º RR-I, 16.º RR-II (não está prevista a figura no RR-III) 8.3. Houve fraude à lei? 8.4.1. Estamos a aplicar DIP português? Vemos os pressupostos do artigo 21.º CC. Tem de haver um elemento objetivo (manipulação dos elementos de conexão, através de internacionalizações fictícias) e um elemento subjetivo (um animus fraudandi: intenção de despoletar a aplicação de uma lei que normalmente não seria aplicável). 8.4.1.1. Os atos praticados fraudulentamente não são nulos; são simplesmente desconsiderados: a nulidade/invalidade é algo que só pode ser aferido à luz do Direito material; o 21.º é uma regra de DIP: irrelevante significa não ser juridicamente valorado. 8.4.1.2. A Doutrina diverge sobre se, para sancionarmos a fraude, é necessário que o país cuja lei foi defraudada também o faça. Ferrer Correia diz que sim; o Prof. Dário Moura Vicente entende que não. 8.4.1.3. Se estivermos a determinar a lei aplicável ao estatuto pessoal de uma pessoa coletiva, suspeitamos da necessidade de aplicar o decidido no Ac. Centros. 8.4.2. Estamos a aplicar DIP europeu? Este não prevê a fraude à lei. 8.4. Estamos a aplicar DIP europeu, e estamos perante uma situação enquadrável numa cláusula de exceção? Aplicamo-la, preferimos o Direito com que a situação jurídica transnacional apresenta uma conexão manifestamente mais estreita. 8.5. 8.2. Estamos perante uma possível ofensa à ordem pública internacional? 8.2.1. Estamos a aplicar DIP português? Vemos os pressupostos do artigo 22.º CC. É absolutamente central lembrarem-se que a ROPI se carateriza por a ordem pública ser excecional (apenas atua em casos muito graves e extremos); revelar uma relatividade temporal (pois os valores ético-jurídicos agredidos se mudam, ao longo das épocas) e ser espacialmente variável.
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8.2.1.1. Lembrar pressupostos da ROPI: 1. Conexão suficiente com o Estado
do foro; 2. Incompatibilidade entre o resultado da aplicação do Direito estrangeiro e princípios basilares da nossa ordem jurídica (muito, muito importante: o que nos interessa são as consequências concretas da aplicação da norma material estrangeira, não se, em abstrato, se coaduna com os nossos princípios fundamentais ou não). 8.2.1.2. Consequências da incompatibilidade: 22.º/1: recusamos a aplicação; 22.º/2: aplicamos as normas mais apropriadas da legislação estrangeira competente ou, subsidiariamente, Direito material português. 8.2.2. Estamos a aplicar DIP europeu? Recorremos aos artigos 21.º RR-I; 26.º RR-II, 12.º RR-III.
9. Se chegarmos à conclusão de que uma das figuras referidas no ponto 8 é
aplicável, então corrigimos o resultado a que chegámos depois da qualificação.
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