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Universidade

Estadual de
Londrina
FLAVIA MESTRINER BOTELHO

FISICULTURISMO FEMININO NO CIBERESPAÇO:

PRÁTICAS CORPORAIS, RISCO E CONSUMO


2

LONDRINA
2008
FLAVIA MESTRINER BOTELHO

FISICULTURISMO FEMININO NO CIBERESPAÇO:

PRÁTICAS CORPORAIS, RISCO E CONSUMO

Trabalho apresentado ao Curso de Ciências


Sociais – Área de Antropologia – da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do titulo de
Bacharel.

Orientadora: Prof. Dra. Leila Sollberger


Jeolás

LONDRINA
2008
FLAVIA MESTRINER BOTELHO

FISICULTURISMO FEMININO NO CIBERESPAÇO:

PRÁTICAS CORPORAIS, RISCO E CONSUMO

Trabalho apresentado ao Curso de Ciências


Sociais – Área de Antropologia – da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do titulo de
Bacharel.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________
Profa. Leila Sollberger Jeolás
Universidade Estadual de Londrina

____________________________________
Profa. Martha Celia Ramírez-Galvez
Universidade Estadual de Londrina

____________________________________
Profa. Carolina Branco de Castro Ferreira
Universidade Estadual de Londrina

Londrina, ____ de ____Novembro_____ de _2008.


A minha mãe por ter acreditado e
possibilitado este momento.
AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente a Profa. Dra. Leila Sollberger Jeolás pela


orientação e atenção constantes, e sobretudo pela paciência e carinho. Agradeço
ainda pelo seu empenho e dedicação às aulas de Antrpologia, possibilitando a nós
alunos seus, enxergar o mundo de uma maneira mais humana.

Ao grupo de pesquisa “Entre o prazer e o medo” , pelas discussões,


apoio e parceria.

Á minha mãe que tornou real o desejo de me formar em Ciencias


Socias, e ajudando em todos os momentos ao longo dessas quatro anos.

Aos amigos de Londrina que não me deixaram desistir nos


momentos dificeis, e estiveram ao meu lado por todo tempo e aos de Ribeirão Preto
pelo carinho constante.

Aos professores do curso de Ciências Sociais que me ajudaram


pensar mais criticamente e a olhar o mundo e uma maneira diferente.

Ás atletas entrevistadas pela atenção e pelo tempo disponível.


O corpo da mulher é um objeto que se compra;
para ela representa um capital que ela se acha
autorizada a explorar.

Simone de Beauvoir em o Segundo Sexo


BOTELHO, Flavia Mestriner. Fisiculturismo Feminino no Ciberespaço: práticas
corporais, risco e consumo. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em
Ciências Sociais) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.

RESUMO

O trabalho de conclusão de curso aqui apresentado tem como objetivo compreender


a relação existente entre a construção dos corpos das atletas de fisiculturismo, os
riscos ai implicados e o mercado de consumo voltado para o corpo. O objeto de
estudo é a lógica do risco na construção das práticas corporais entre as mulheres
praticantes desse esporte. Essas mulheres buscam, através de seus corpos,
elaborar projetos individuais, que se apóiam no desafio de limites físicos pessoais, e
construir marcas de diferenciação pessoal. A pesquisa foi realizada no ciberespaço,
em páginas pessoais das atletas e comunidades do Orkut que reúnem praticantes
do fisiculturismo e discutem treinos, dietas e o uso de esteróides anabolizantes. A
discussão teórica se apóia na Antropologia do Corpo, principalmente nos trabalhos
de Le Breton, norteadores da discussão, e cotejados à proposta de Csordas de se
compreender o corpo não como objeto, mas como sujeito da cultura.

Palavras chaves: Fisiculturismo Feminino; Risco; Consumo.


BOTELHO, Flavia Mestriner. Female Bodybuilding in Cyberspace: body practices,
risk and consumption. 2008. Monograph (Bachelor in Social Sciences), Londrina
State University, Londrina, 2008.

ABSTRACT

This monograph aims to understand the relation between the construction of female
bodybuilders’ bodies, the implied risks and the consumption market directed at the
body. The research looks at the risk logic in the construction of body practices among
women who practice this sport. Through their bodies, these women attempt to
elaborate individual projects based on challenging personal physical limits and
constructing e constructing marks of personal distinction. The research was carried
out in cyberspace, accessing athletes’ private sites and Orkut communities that join
bodybuilding athletes and discuss training, diet and the use of anabolic steroids. The
theoretical framework followed is the Anthropology of the Body. The studies of Le
Breton guide the discussion, compared with Csordas’ proposal of understanding the
body not as an object, but as a subject of culture.

Key words: Female Bodybuilding; Risk; Consumption.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................9

Cap.1 Corpo consumo e risco: breve discussão teórica.....................................18

Cap. 2 Uma etnografia virtual das mulheres que praticam fisiculturismo


..............................................................................................................................
32
2.1 A etnografia no ciberespaço.................................................................................33
2.2 Ciberespaço, Redes Sociais na Internet e Comunidades Virtuais:
uma introdução ao tema.............................................................................................35
2.3 O ciberespaço como campo de pesquisa............................................................40
2.4 As comunidades virtuais pesquisadas: cenários atores e
regras.........................44

Cap. 3 No pain No Gain: máquinas de produzir músculos..................................58


3.1 Quatro modalidades de fisiculturismo, quatro trajetórias individuais...................60
3.2 Fisiculturismo, Risco e Corpo...............................................................................70

CONCLUSÃO.............................................................................................................73

REFERÊNCIAS...........................................................................................................75
INTRODUÇÃO

O trabalho de conclusão de curso apresentado foi desenvolvido a partir dos


resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica e tem como objetivo analisar
as práticas corporais das mulheres que praticam fisiculturismo na tentativa de
compreender quais significados elas atribuem ao padrão estético do fisiculturismo
e, principalmente, como elas o situam face ao padrão de beleza feminino mais
corrente. Procuro analisar se o modelo de corpo procurado se apresenta como
uma alternativa que se contrapõe ao padrão hegemônico da mulher magra, bem
delineada, sem gorduras, mas sem excessos de músculos. O objeto da pesquisa
centra-se, mais precisamente, na lógica do risco existente nas práticas corporais
de mulheres praticantes do fisiculturismo. Procurei analisar como essas mulheres
fisiculturistas percebem os riscos que envolvem tal prática, buscando entender o
que essas mulheres expressam através de seus corpos, se um projeto individual
que se apóia no desafio de limites físicos pessoais como tentativa de atribuição de
sentido à vida, na busca de afirmação de uma singularidade, ou apenas mais uma
expressão da rejeição à gordura, atitude constante nas sociedades modernas
contemporâneas. Pode-se afirmar que são projetos que ressignificam lógicas de
risco e de gênero, uma vez que os riscos desafiados nesse tipo de prática
representam uma forma de ganhar status dentro do grupo ao qual pertencem. Tais
são algumas das questões que o trabalho aqui apresentado busca responder.

A pesquisa foi desenvolvida a partir do início da minha participação em um


grupo de pesquisa sobre Práticas de Risco e de Transgressão Juvenis e de um
projeto de Iniciação Científica, realizado de agosto de 2007 a agosto de 2008, do
qual esse trabalho é uma continuação.

Apesar de informações divergentes sobe o assunto, o fisiculturismo vai ser


tratado aqui como esporte, já que possui algumas federações e uma confederação
no país, a Confederação Brasileira de Musculação e Culturismo. Além disso, todas
as informações que foram obtidas através das participantes da pesquisa tratavam
tal prática como esporte. Serão, portanto, chamadas de atletas de fisiculturismo as
mulheres com quem realizei entrevistas, já que participam de campeonatos,
disputando prêmios em uma dada modalidade. E as mulheres que participam e
debatem em comunidades serão tratadas como participantes dessas
comunidades, pois não obtive dados para afirmar se participavam ou não de
competições, sendo que o fisiculturismo é referenciado por elas como uma opção
pessoal com fins de produzir uma modificação corporal.

Os questionamentos a respeito desse tema surgiram a partir do interesse


em descobrir o porquê de se arriscar em nome de um padrão corporal.
Transformando práticas como a musculação, consideradas saudáveis, mas que no
contexto do fisiculturismo podem levar os indivíduos a conviverem com problemas
de saúde crônicos, quando há excessos de exercícios realizados e repetições
intensas, ou até mesmo levar à morte, quando associadas ao consumo de
substâncias artificiais para aumentar a massa muscular, como exemplo os
esteróides anabolizantes.

Outra justificativa para essa pesquisa é a necessidade de situar esse


debate no âmbito da Antropologia do Corpo, já que grande parte dos estudos
feitos sobre a questão do corpo e da saúde entre os/as fisiculturistas se encontra
inserido em áreas como a Educação Física, o Esporte e a Saúde Pública. Os
estudos que levam em consideração a teoria antropológica são normalmente
relacionados ao sexo masculino ou, então, quando fazem referências às mulheres
são mencionados de forma generalizada. Em pesquisa bibliográfica por mim
realizada não encontrei no Brasil, estudos que tratassem especificamente de
fisiculturismo entre as mulheres.

A pesquisa foi desenvolvida no ciberespaço e, inicialmente, em


comunidades do Orkut1 que tinham como tema a musculação, o fisiculturismo
feminino e o anabolismo e nas quais eram discutidos itens como treinamentos,
dietas e uso de esteróides anabolizantes. A decisão de tomar a Internet como
campo de pesquisa se deu a partir de um interesse pessoal pelo ciberespaço, o
qual me fez notar a facilidade de troca de informações sobre vários e diversos
assuntos. Navegando por algumas comunidades, percebi que poderia ser mais
1
Site de relacionamento criado pela empresa Google, de grande sucesso no Brasil. www.orkut.com
fácil tocar em assuntos delicados, como o uso de drogas para o crescimento
muscular, já que existe uma dificuldade por parte dos consumidores de conversar
sobre determinados assuntos com pessoas que não são do meio. Penso que o
anonimato proporciona um maior conformo para quem quer falar sobre isso. Criei
um perfil de usuária, no qual desde o princípio me identifiquei como pesquisadora
explicitando no local reservado para informações pessoais qual era minha
intenção no ciberespaço e qual meu objeto de pesquisa. A partir disso, passei a
interagir com elas nessas comunidades e adicionando-as como amigas em meu
perfil o que possibilitou uma ligação mais estreita, permitindo também a troca de e-
mails com as atletas as quais gostaria de entrevistar. Participando dessas
comunidades descobri igualmente páginas pessoais dessas atletas e outros sites
que mantinham comunidades sobre o tema que me ajudaram a explorar mais esse
universo, até então, totalmente desconhecido para mim. A partir desses primeiros
contatos, consegui que algumas atletas concordassem em fazer uma entrevista
via e-mail, contando sobre suas vidas, seu cotidiano, o esporte e seus hábitos de
consumo. Foi possível então, traçar um perfil socioeconômico das atletas na
tentativa de compreender o que as levou a praticar um esporte que modifica por
completo seus corpos, principalmente sendo esse modelo de corpo cultuado por
elas tão distinto do padrão divulgado na mídia para o corpo feminino.

Desde a Antigüidade, as sociedades procuram por padrões ideais de beleza


a serem alcançados, entretanto, é no século XX que o corpo ganha lugar e valor
centrais nas sociedades ocidentais modernas. É o chamado culto ao corpo,
ideologia que tem como eixo central a preocupação com o volume e as formas do
corpo. Tal preocupação se reflete nos números crescentes da indústria da beleza,
expandindo o mercado de consumo voltado para o corpo. Castro explica que
“assim como podemos considerar a beleza como um valor associado à civilização,
o culto ao corpo é aspecto intimamente ligado à constituição do moderno” (2003,
p.20). A idéia de culto ao corpo vai ser aqui abordada, sob a perspectiva dessa
autora. Para ela, o culto ao corpo é:
um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como
preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o
máximo possível do padrão de beleza estabelecido. De modo
geral, o culto ao corpo envolve não só a prática de atividade física,
mas também as dietas, as cirurgias plásticas, o uso de produtos
cosméticos, enfim tudo que responda á preocupação de se ter um
corpo bonito saudável (CASTRO, 2003, p.15).

A história mostra que muitos padrões de beleza foram criados e


modificados conforme os costumes de cada época. Contudo, na década de 1980 o
corpo ganhou uma valorização nunca antes vista, tornando o culto ao corpo uma
verdadeira obsessão sendo, no início do século XXI, transformado em estilo de
vida. Isso se deve ao fato de, nessa época, as práticas corporais terem se tornado
mais regulares, fazendo parte do cotidiano dos indivíduos, o que motivou a
proliferação das academias de ginástica por todos os centros urbanos (CASTRO,
2003, p.24). Nasce nesse período, a chamada Geração Saúde, que tem como
valor cultural a preocupação com o volume e as formas dos corpos. Tal
preocupação refletiu diretamente nos números crescentes da indústria da beleza
dessa época, marcando a expansão do mercado de consumo voltado para o corpo
(2003, p.24).

Essa preocupação com o corpo é hoje uma preocupação geral,


perpassando todos os setores da sociedade, independente de classe social ou
faixa etária. A mídia parece ser a grande responsável pela difusão dessa
ideologia, já que somos bombardeados todos os dias com notícias, programas de
TV, reportagens em revistas e jornais trazendo manchetes sobre como ter o
“corpo perfeito”, qual a dieta da moda, os “milagrosos” produtos que acabam com
a sua “gordurinha” localizada em apenas alguns dias e mostrando imagens de
homens e mulheres com seus corpos esculpidos e bronzeados. Há ainda os
especialistas que nos dizem como é importante para nossa saúde ter o corpo “em
forma”. Essa ideologia está, segundo Castro (2003), apoiada num discurso que
ora lança mão da questão estética, ora da preocupação com a saúde. O trabalho
desenvolvido por Azize (2005) sobre o consumo de medicamentos relacionados a
“estilos de vida” aponta igualmente nessa direção de um alargamento do conceito
de saúde que ganha os sentidos de “qualidade de vida” e “estilo de vida saudável”,
em práticas de consumo que, incentivadas pela mídia, vão além de evitar e
combater doenças.

É na década de 1980 que chega ao Brasil uma nova prática de culto ao


corpo, denominada de fisiculturismo. Nascida na Europa no século XIX e difundida
nos Estados Unidos a partir do início do século XX, o fisiculturismo, ou Body
Building é o “esporte que visa desenvolver o tamanho muscular entre definição,
proporção simetria estética e harmonia”2. Os/as praticantes devem se apresentar
em um palco, fazendo coreografias de dança ou exibindo seus corpos dentro de
micro biquínis, em poses também coreográficas, nas quais procuram o melhor
ângulo para exibir a definição muscular, sendo julgadas pela sua beleza e simetria
corporal, nesse caso relacionada à definição muscular. Como explicam Luz e
Sabino (2006, p. 4),

o fisiculturismo é a competição estrita da forma. O praticante


posiciona-se diante de um júri que vai julgar sua aparência física;
mais especificamente o volume e a suposta harmonia de sua
conformidade muscular”. Tal prática assemelha-se a um concurso
de beleza já que, tal qual as misses, as atletas são julgadas pela
beleza corporal, no caso das fisiculturistas, relacionados aos
músculos. Essa prática teve como público consumidor, em seu
início, principalmente homens, sendo que ela atualmente encontra
também aceitação e procura entre as mulheres.

Para que o ideal de beleza do fisiculturismo seja atingido, o mercado coloca


à disposição infinidades de técnicas que vão desde dietas, suplementos
alimentares, uso de esteróides anabolizantes3 e prática da musculação. A prática
do fisiculturismo aliada ao consumo desse tipo de produto pode ser analisada
como uma alternativa ao padrão estético do corpo feminino de maior aceitação, ou
seja, o da mulher magra, esbelta e com um corpo definido, mas sem exageros
quanto à musculatura. Melhor dizendo, a decisão de algumas mulheres por

2
A definição foi retirada do site da Confederação Brasileira de Culturismo e Musculação.
3
Esteróides anabolizantes são hormônios sintéticos derivados a partir da testosterona, que tem como objetivo
o aumento do volume da massa e de força muscular, administrados por via oral ou injetável.
construir corpos extremante fortes e definidos parece uma tentativa de construir
um sentido de singularização em contraposição ao padrão feminino de beleza
vigente e também ao processo de massificação e homogeneização próprio de
uma sociedade de consumo como a nossa. Tais idéias são compartilhadas
também por Featherstone (1995) e Hall (2006) que acreditam que a modernidade
e os novos tipos de consumo levam os indivíduos a experienciarem crises
identitárias em função das múltiplas referências produzidas e circuladas na
sociedade (HALL, 2006).

Segundo Courtine (1995, p. 84):

O Body-Building constitui, assim, uma das manifestações mais


espetaculares de uma cultura da aparência do corpo... mas ele
não é simples espetáculo: ele é sustentado por uma indústria, um
mercado e um conjunto de práticas de massa.

São muitas as técnicas de mudança corporal que o mercado coloca à


disposição de uma parcela cada vez maior de consumidores, incluindo aí as
técnicas praticadas entre as mulheres adeptas do fisiculturismo. Estevão e
Bagrichevsky (2004, p.18) expõem algumas dessas técnicas e definem o
fisiculturismo como:

representação de uma prática corporal tanto masculina como


feminina de características peculiares: emprego de um regime de
treinamento físico diário muito intenso, no qual predominam
inúmeros exercícios de força com pesos, concomitantemente à
administração de elevadas doses de hormônios anabólicos
androgênicos (sintéticos), para a aquisição de exacerbada
quantidade de massa muscular corpórea e para significativa
redução de tecido adiposo, com fins estritamente estéticos.
Os autores complementam que apesar de a idéia de se entrar em forma
rapidamente já ter tomado conta do imaginário social, de forma cada vez mais
ampla, é impossível em termos biológicos, que essas modificações
desconsiderem as intervenções cirúrgicas ou o uso de poderosas drogas
disponibilizadas pela indústria farmacêutica (2004, p. 17). Eles salientam ainda
que, da mesma maneira que os homens, as mulheres também preferem para si
corpos com aparência extremante forte (2004, p. 20). Essa discussão gera
contradições entre as atletas que insistem serem esses artifícios utilizados apenas
por aqueles/as que têm pressa em “crescer” e que, entretanto, é possível ganhar
volume e massa sem fazer uso de hormônios artificiais. Elas afirmam que apenas
treinando sério e a longo prazo seria possível conseguir tais modificações de
forma “natural”, ou seja, sem uso de hormônios artificiais.

Sabe-se que tais drogas têm a venda proibida por lei, apesar de vendidas
indiscriminadamente em farmácias, em academias de musculação, muitas vezes
pelos próprios profissionais, e também na Internet, com grande facilidade. A
proibição se deve aos inúmeros efeitos colaterais tais como, o aparecimento de
pêlos por todo o corpo, o engrossamento da voz, problemas no fígado, entre
outros. Esse comércio paralelo acontece com facilidade nas comunidades da
Internet, algumas vezes camuflados por postagens anônimas, quando o contato
para compra é feito através de e-mail e outras vezes em comum acordo entre os
próprios usuários dos sites e das comunidades.

Como mostra Gentil (2002), a mulher normalmente possui níveis de


testosterona dez vezes menores que o homem, sendo esse hormônio o
responsável pela maior quantidade de músculos e menor percentual de gordura
nos homens. Procurando esses resultados, muitas mulheres têm recorrido aos
esteróides anabólicos androgênicos4 para obter uma hipertrofia acima dos níveis
normais. O uso desses produtos causa nas mulheres efeitos masculinizantes,
como engrossamento da voz, aumento de pêlos no corpo e hipertrofia do clitóris.

A situação do corpo no mundo moderno vai ser discutida aqui a partir da


concepção do antropólogo francês David Le Breton (2003; 2006), para quem o
4
Hormônios sintéticos similares à testosterona e popularmente conhecidos como “bomba” (GENTIL, 2002).
corpo tem sido percebido e vivenciado como um “rascunho”, algo que pode e deve
ser melhorado, sendo necessário corrigir toda e qualquer imperfeição sobre ele.
Para corrigir essas imperfeições existem hoje dúzias de tratamentos estéticos,
diversas técnicas de cirurgia plástica, pílulas de emagrecimento instantâneo,
suplementos em pó, em cápsulas, em comprimidos que substituem o prato de
refeição, esteróides anabolizantes que em poucas semanas transformam o
individuo em um verdadeiro “Hulk”, exercícios de hipertrofia muscular que colocam
a mostra até as veias mais escondidas. Sem contar a enorme variedade de dietas
que a cada dia surgem na televisão, em livros escritos por médicos famosos e que
prometem acabar com todas as “gordurinhas” em apenas alguns dias. E, com
todos esses artifícios disponíveis no mercado, o individuo é responsabilizado pela
sua “boa forma”, concebida como boa saúde, ou culpabilizado pelo contrário.

No primeiro capítulo, trago o referencial teórico sobre corpo, risco e


consumo que subsidiou o desenvolvimento da pesquisa apresentada. Discuto as
contribuições de três autores e de suas orientações teóricas que tem norteado a
Antropologia nos estudos sobre o corpo e deram subsídio para a minha pesquisa:
Mauss (1975) e seu estudo sobre as técnicas corporais, que traz o corpo como
construído na e pela cultura; a teoria da prática de Bourdieu (2002) com o conceito
de habitus desenvolvido a partir de Mauss; e a contribuição de Csordas (2008)
com sua teoria da incorporação; além da discussão sobre lugar e a importância do
corpo na contemporaneidade do antropólogo David Le Breton (2003; 2006;2007),
norteadora de minha pesquisa. No mesmo capítulo, apresento ainda a discussão
sobre consumo de Featherstone (1995) a fim de subsidiar a análise da relação do
corpo e do consumo no fisiculturismo feminino.

No segundo capítulo apresento o campo da pesquisa, o ciberespaço,


esboçando algumas discussões existentes sobre pesquisa de campo na Internet,
as comunidades virtuais e suas redes sociais, bem como as possibilidades e
desafios da pesquisa aí realizada. Apresento ainda minha entrada no campo,
minhas dificuldades iniciais de acesso ao campo como pesquisadora, tentando
responder as questões relativas ao método e as técnicas de pesquisa utilizadas e
informar quais fatores me levaram a tais escolhas e como elas contribuíram para a
análise. Mapeei e descrevi as comunidades analisadas e minhas perspectivas
sobre elas, as conversas informais e as categorias nativas utilizadas pelas
participantes, procurando seguir, de acordo com Magnani (2006), o esquema dos
cenários, atores e regras, para o registro do caderno de campo elaborado
durantes os 18 meses da pesquisa.
Não foram realizadas entrevistas com as participantes das cinco
comunidades virtuais que serviram de base para o estudo, já que optei, como
recorte da pesquisa, por entrevistar apenas atletas de fisiculturismo, quatro no
total. Como já mencionei anteriormente, serão tratadas aqui como atletas, as
mulheres que praticam fisiculturismo como esporte, ou seja, aquelas que
competem em modalidade e disputam campeonatos organizados pelas
Confederações e Federações Mundial e Nacional de Musculação e Fisiculturismo.
As mulheres que participam das comunidades relacionadas ao fisiculturismo serão
tratadas como participantes das comunidades, já que não foi possível descobrir se
participavam dessas competições ou se praticavam apenas por lazer e/ou por um
objetivo estético de beleza corporal.

O terceiro capítulo traz a análise das entrevistas por mim realizadas com
mulheres que praticam fisiculturismo, na tentativa de responder as questões
levantadas pelo trabalho e os objetivos propostos. Foram realizadas quatro
entrevistas com atletas que disputam competições de fisiculturismo tanto nacional
como mundial. Essas atletas foram contatadas através de seus perfis no Orkut e,
após a troca de e-mails, foram realizadas entrevistas ao longo do período da
pesquisa. Com uma delas consegui concluir o roteiro de entrevista por mim
elaborado e, embora não o tenha concluído com as outras três atletas, as
respostas obtidas foram significativas e de grande importância para a análise das
questões propostas.

CAPÍTULO 1
Fonte: Arquivo pessoal de L. no Orkut

CORPO, CONSUMO E RISCO: BREVE DISCUSSÃO TEÓRICA

Nesse capítulo, discuto as contribuições dos autores que deram subsídio


para a minha pesquisa com relação ao lugar e à importância do corpo na
contemporaneidade e nas teorias antropológicas. Nesse sentido, os trabalhos de
Le Breton (2003;2006;2007) são norteadores da discussão e são cotejados à
proposta de Csordas (2008) de se compreender o corpo não como objeto, mas
como sujeito da cultura. A teoria da incorporação discute o legado de Mauss
(1975), principalmente o seu estudo sobre as técnicas corporais, que traz o corpo
como construído na e pela cultura, e o conceito de habitus de Bourdieu, bem como
sua teoria da prática (2002). A relação do corpo com estilos de vida e com o
consumo faz-se fundamental nas sociedades atuais e, para tanto, apóio-me nos
trabalhos sobre consumo de Featherstone (1995) a fim de subsidiar a análise da
relação do corpo e do consumo no fisiculturismo feminino.

Há pelo menos um século os estudo sobre o corpo têm sido recorrente na


Antropologia, seguindo diversas abordagens e trazendo várias discussões.
Entretanto, foi no século XX que os estudos sobre o corpo ganharam volume e
abordagens distintas. Em seu trabalho sobre corpo e corporalidade nas culturas
contemporâneas, Maluf (2001) apresenta a existência de duas abordagens que
levam a pensar sobre o corpo tanto como receptáculo das representações sociais
geradas pela cultura, como produtor ou agente da cultura.
Mauss foi, sem dúvida, quem inaugurou a discussão antropológica sobre o
corpo e sua relação com a cultura. Em “As técnicas corporais” ele vai iniciar o
texto pedindo licença às ciências naturais, responsável até aquele momento pelas
discussões acerca do corpo, tratado apenas na sua parte biológica e fisiológica.
Ele vai afirmar que é possível fazer uma teoria “da técnica corporal a partir de um
estudo e uma exposição, de uma descrição pura e simples das técnicas corporais”
(1975, p. 211). Segundo o autor, (1975, p. 211), tais técnicas são as maneiras
como os homens sabem servir-se de seus corpos. O autor vai mostrar que esses
modos de agir podem ser construídos de forma diferente de sociedade para
sociedade e modificadas conforme a época. Bem como podem ser imitadas de
uma sociedade para outra. A essas possibilidades Mauss (Idem, p. 214) dá o
nome de habitus. Esse habitus não designa aqueles hábitos metafísicos, que o
autor chama de “memória” misteriosa, e sim os “hábitos” que variam não apenas
com os “indivíduos e suas imitações”, mas que variam com as sociedades, as
educações, as vivências e as modas e o prestígio.
Com essa consideração, Mauss concluiu que os sujeitos não são guiados
apenas pelo biológico, pelo psicológico ou pelo social, e que para se ter uma visão
clara dessas técnicas, elas deveriam ser analisadas pelo tríplice ponto de vista, o
que ele vem chamar de “homem total”. O autor fala de um corpo socialmente
construído, de onde “o ato impõe-se de fora, do alto, ainda que seja um ato
exclusivamente biológico e concernente ao corpo” (1975, p. 215). O aprendizado
das técnicas se daria através da imitação, ou da educação do corpo. No ato
imitador estaria contido todo o elemento psicológico e o biológico. Entretanto esse
ato é condicionado pelos três elementos, “indissoluvelmente misturados”. Essas
considerações não satisfizeram-no e sua vontade era sistematizar esses modos
de agir em técnicas corporais. Para Mauss, essas técnicas são um “ato tradicional
eficaz”. Isso porque não há técnica e nem transmissão sem tradição. Para o autor
o corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem.
Foi acusado, por vezes, de não dar margem para o individuo, de pensar o
cultural como sendo a única alternativa de ação para o corpo. Entretanto, as
afirmações acima demonstram que ele via no corpo não só um receptáculo da
cultura, mas também um instrumento de ação sobre ela. É possível que se tenha
essa visão já que sua obra foi uma das primeiras a tratar do assunto, sendo que
de forma compacta, apesar da grande repercussão. Mas, o fato de Mauss tentar
apreender o homem como “total”, considerando as várias origens e aspectos que
o constituem e o conformam, pode-se perceber a tentativa de mostrar que esse
corpo cultural e socialmente construído é também biológico e psicológico.
O sociólogo Pierre Bourdieu também deu a sua contribuição para a
compreensão do papel do corpo na sociedade moderna, o que se pode observar
na sua formulação do conceito habitus. O conceito foi desenvolvido após a
primeira elaboração de Mauss, que o definiu como um somatório de todos os usos
do corpo padronizados culturalmente em uma determinada sociedade (MAUSS,
1975, p.214). Bourdieu reelaborou esse conceito em sua teoria e o definiu como
disposições duráveis, interiorizadas de forma inconsciente pelos agentes e de
forma coletiva, que são incorporados do mundo e fazem o individuo se mover nos
espaços sociais, através de práticas e representações. O habitus é para Bourdieu
“uma mediação universalizante que torna a prática de um agente individual, sem
razão explícita ou propósito significativo, ´sensata` e `razoável` apesar de tudo”
(BOURDIEU, 1977, p.79 apud CSORDAS, 2008, p. 110).
O objetivo de Bourdieu era “ir além da análise do opus operantum para a
análise do modus operandi, chocando dualidades de corpo e mente, signo e
significado no conceito de habitus” (CSORDAS, 2008, p.109).
Uma das noções que pode ser atribuída ao habitus, para Bourdieu, serve
para referir o funcionamento sistemático do corpo socializado (BOURDIEU, 2002,
p.62). O corpo pode ser percebido então como uma incorporação desses habitus,
no sentido da reprodução social.
Thomas Csordas (2001), mais recentemente, contribui com a discussão
propondo um novo paradigma que pode ajudar na elaboração de um estudo da
cultura e do eu por ele denominado de embodiment, traduzido para o português,
por alguns autores, como incorporação.
Para isso, o autor vai seguir uma linha da antropologia psicológica,
fortemente inclinada para a fenomenologia de Merleau-Ponty. Sua abordagem
segue a teoria de que o corpo não é apenas um objeto a ser estudado em relação
à cultura, mas deve, segundo Csordas (2001), ser considerado como o sujeito da
cultura, ou a base sobre a qual a cultura é construída. Além de Merleau-Ponty,
Csordas se inspirar no conceito de habitus, de Bourdieu, e vai unir essas duas
teorias, tendo como ponto de partida entre elas a possibilidade de ruptura das
dualidades. Sua intenção é problematizar essas dualidades conceituais, como por
exemplo, corpo-mente, cultural-biológico e cultural-material, a partir do conceito de
incorporação. De Merleau-Ponty e Bourdieu o autor vai utilizar, respectivamente,
os conceitos de percepção e de prática.
Csordas (2008) vai examinar dois serviços de cura religiosa do cristianismo
carismático da América do Norte, a cura pela fé e a fala em línguas ou a
glossolatria. A primeira vai ser analisada como um “processo cultural incorporado”
e a segunda como “experiência incorporada dentro de um sistema ritual e como
um agente cultural na trajetória do movimento religioso” (p. 104). Em termos
metodológicos, Csordas vai expor que tanto Bourdieu como Merleau-Ponty
trabalham com dualidades e têm dificuldades em superá-las. Em Bourdieu trata-se
da dualidade estrutura e prática e, em Merleau-Ponty, a de sujeito e objeto. O
autor vai dizer que a teoria da incorporação propõe justamente superar essas
dualidades.
Com relação ao conceito de percepção de Merleau-Ponty, Csordas( 2008)
afirma que segundo o autor, ele se origina de estímulos externos registrados por
nossos sentidos, havendo uma conexão entre esse estímulo e percepção
elementar. Afirma que sempre há mais do que os olhos podem ver, sendo assim,
a percepção nunca se esgota ou subtrai as possibilidades do que ela percebe.
Dessa forma, ainda considerando a teoria de Merleau-Ponty, o autor diz que o
ponto inicial deve ser a experiência da percepção, em toda sua indeterminação,
pois não temos nenhum outro objeto anterior a ela, afirmando que “nossa
percepção termina nos objetos”, sendo eles um produto secundário do
pensamento reflexivo. Portando, essa percepção começa no corpo. Ele vai usar o
conceito de pré-objetivo, não para mostrar que a percepção é anterior à cultura, e
sim para falar de pré-abstrato e não pré-cultural. Mostra ainda que o objeto da
cultura depende, para existir, da intencionalidade e da disposição, ou seja, só
existe quando é denominado como tal.
Juntamente com a contribuição de Merleau-Ponty, Csordas propõe um
diálogo com Bourdieu para construir seu paradigma da incorporação,
principalmente com relação ao conceito de habitus. A estratégia desse conceito
na construção desse paradigma é romper as dualidades corpo-mente e signo-
significado. Csordas vai trazer de Bourdieu o conceito de corpo socialmente
informado “um principio unificador gerador de práticas, sistema das inseparáveis
estruturas cognitiva e avaliativa que organizam a visão do mundo de acordo com
as estruturas objetivas de um determinado estado do mundo social” (Bourdieu
apud Csordas 2008, p.109).
O antropólogo francês David Le Breton (2003, 2006), hoje uma referência
para a discussão sobre corporalidade, propõe que se pense o corpo como um
simples suporte da pessoa, “ontologicamente distinto do sujeito, torna-se um
objeto à disposição sobre o qual agir a fim de melhorá-lo” (LE BRETON, 2007, p.
15), clamando por um imperativo de mudança. Le Breton mostra como o individuo
na tentativa de assegurar sua personalidade acaba por acreditar que mudando o
corpo ele mudara também a vida, já que não se deve contentar com o corpo com
o qual se nasce, é necessário modificá-lo para torná-lo perfeito. O corpo passa a
ser um “rascunho” (2007, p.16) que pode e deve ser corrigido. Essa necessidade
de mudança transforma a identidade, antes mais sólida e estática, em “uma
identidade provisória” (LE BRETON, 2007).
O autor destaca que esse movimento trouxe à tona um novo dualismo,
antes traduzido pelo corpo versus alma, agora pelo corpo versus o próprio sujeito.
O autor afirma que (2007, p. 28):

O corpo não é mais apenas, em nossas sociedades


contemporâneas, a determinação de uma identidade intangível, a
encarnação irredutível do sujeito, o ser-no-mundo, mas uma
construção, uma instância de conexão, um terminal, um objeto
transitório e manipulável suscetível de muitos emparelhamentos.
Deixou de ser identidade de si, destino da pessoa para se tornar
um kit, uma soma de partes eventualmente destacáveis à
disposição de um individuo apreendido em uma manipulação de si
e para quem justamente o corpo é a peça principal de afirmação
pessoal (grifo do autor).

O corpo se transforma em alter ego do sujeito, um outro ser, totalmente


maleável de acordo com suas vontades e possibilidades. Para Le Breton (1990)
o imaginário sobre o corpo na atualidade segue, de forma cada vez mais
acelerada, o processo de individuação pela qual a sociedade ocidental vem
passando desde a década de 1970. Existe uma inversão da esfera privada, uma
preocupação com o eu e uma multiplicação de modos de vida, causando uma
obsolescência de valores e uma indeterminação que modifica profundamente as
relações tradicionais com o corpo. O corpo passa ser a marca do individuo em
uma estrutura social do tipo capitalista. É preciso, como enfatiza o autor “cambiar
el cuerpo para cambiar la vida” (1990, p. 158). Le Breton mostra como esse
dualismo corpo versus o próprio sujeito transforma o corpo em uma máquina, que
se vê obrigada a ter um rendimento ótimo. Para ele, o paradigma de corpo
confiável hoje é aquele pleno de vitalidade, como uma máquina em boa
manutenção.
Na cultura desportiva e especialmente no fisiculturismo, prática esportiva
aqui estudada, a construção do corpo não pode ser dissociada da cultura do
consumo, já que tal prática tem como estilo de vida o consumo de diversos
artefatos que ajudam nessa empreitada, como a indústria da dietética e da
suplementação, das academias de musculação, das roupas esportivas e muitas
vezes da indústria farmacêutica.
Featherstone (1995) vai trazer uma discussão sobre cultura de consumo e
estilo de vida em seu livro Cultura de Consumo e Pós-modernismo. O autor traz
três perspectivas fundamentais, segundo ele, para a discussão (1995, p. 31). A
primeira mostra que a “concepção de cultura de consumo tem como premissa a
expansão da produção capitalista de mercadorias, o que acarretou uma vasta
acumulação de cultura material”. A segunda perspectiva, numa concepção mais
sociológica, traz que a “relação entre satisfação proporcionada pelos bens e seu
acesso socialmente estruturado, é um jogo de soma zero, no qual a satisfação e o
status dependem da exibição e da conservação das diferenças em condições de
inflação”. E a terceira, analisa a questão dos prazeres emocionais presentes no
ato de consumir, ou seja, dos sonhos e dos desejos celebrados no imaginário
cultural consumista e em locais específicos do consumo que produzem diversos
tipos de excitação física e prazeres estéticos. Esta última descreve bem o tipo de
consumo das mulheres que praticam fisiculturismo.
O autor vai argumentar sobre a importância de focalizar a questão da
proeminência de uma “cultura” do consumo (FEATHERSTONE, 1995, p. 31) e não
apenas considerar o consumo como resultado da produção. Ressalta ainda, que
apesar de a Economia clássica considerar que o objetivo de toda produção é o
consumo, foi necessário, após a expansão da produção capitalista, uma
construção de novos mercados e de novos públicos, tendo a mídia e a publicidade
como meio de divulgação dessas novas necessidades.
Para Featherstone (2005, p. 35), se existe uma “lógica do capital” que é
resultado da produção, também é possível afirmar que existe uma “lógica do
consumo”, essa lógica, segundo ele, “aponta para os modos socialmente
estruturados de usar bens para demarcar relações sociais” (FEATHERSTONE,
1995, p. 35). Em suas palavras:

nesse sentido podemos designar o aspecto ‘duplamente’ simbólico


das mercadorias nas sociedades ocidentais contemporâneas: o
simbolismo não se evidencia apenas no design e no imaginário
embutido nos processos de produção e marketing; as associações
simbólicas das mercadorias podem ser utilizadas e renegociadas
para enfatizar diferenças de estilo de vida, demarcando as
relações sociais.

Featherstone vai trazer importantes elementos para se pensar a cultura de


consumo e os estilos de vida. Segundo o autor (2005, p. 119), embora a
expressão estilos de vida tenha na sociologia um significado mais restrito, o de
distintivos de grupos de status específicos, na cultura de consumo contemporânea
ela tem uma conotação de individualidade, de auto-expressão e de uma
consciência de si estilizada.
A utilização da expressão cultura do consumo, para este autor, significa dar
ênfase ao mundo das mercadorias e seus princípios como centrais para que seja
possível compreender a sociedade contemporânea. Vai dizer (2005, p. 121) que
essa situação envolve dois focos:

Em primeiro lugar, na dimensão cultural da economia, a


simbolização e o uso de bens materiais como ‘comunicadores’,
não são apenas como utilidades; em segundo lugar, na economia
de culturais, e os princípios de mercado – oferta, demanda,
acumulação de capital, competição e monopolização – que
operam ‘dentro’ da esfera dos estilos de vida, bens cultuais e
mercadorias.

O estilo de vida é transformado, segundo o autor, pelos novos heróis da


cultura de consumo que, em vez de adotarem um estilo de vida de maneira
irrefletida, frente à tradição ou o hábito, o transformam num projeto de vida e
“manifestam sua individualidade e senso de estilo na especificidade do conjunto
de bens, roupas, práticas, experiências, aparências e disposições corporais
destinados a compor um estilo de vida” (FEATHERSTONE, 1995, p. 123). Vai
ressaltar que no âmbito da cultura do consumo o individuo moderno ”tem
consciência de que se comunica não apenas por meio de suas roupas, mas
também através da sua casa, mobiliários, decoração, carro e outras atividades,
que serão interpretadas e classificadas em termos de presença e ‘falta de gosto’”
(FEATHERSTONE, 1995, p. 123).
O consumo e a procura por um estilo de vida, no âmbito do fisiculturismo,
são permeados por uma outra característica importante e necessária de ser
teorizada nesse trabalho, o risco. O ideal de um corpo forte e musculoso traz uma
série de implicações para a saúde de quem pratica, impondo riscos que são
assumidos e justificados.
Para Le Breton (1991), os limites na modernidade estão fluidos e são
vivenciados de forma individual, entretanto, para serem válidos esses limites
precisam ser legitimados pela sociedade, para poderem proporcionar um sentido
de pertencimento. A hipótese do autor é a de que a busca individual de um limite
coloca o sujeito em contato com riscos, proporcionando um acréscimo de sentido
à sua existência. Essa relação com o risco representa para ele uma relação com
morte, mas de forma inconsciente. Toda relação de risco tem uma aproximação da
ordália, um tipo de oráculo, uma forma de os indivíduos consultarem os deuses
sobre a responsabilidade de uma pessoa em um determinado acontecimento, a
partir de uma crença coletiva. A ordália na modernidade teria, entretanto, se
transformado em um rito individual, no qual a vida é colocada em teste, através da
exposição ao risco. Expor-se ao risco, aproximar-se da morte, portanto, em maior
ou menor medida, e conseguir sair vivo, é uma maneira de atribuir uma nova
significação para a vida. O risco com uma maior ou menor aproximação da ordália
teria, portanto, um significado metafórico.
No caso do fisiculturismo, poderíamos usar como exemplo o uso constante
de esteróides anabolizantes e o risco calculado, controlado, racionalizado,
característica da sociedade moderna, que o uso destes produtos representa.
Apesar disso, poderíamos afirmar que também tem uma ordália em potencial, mas
como é um risco que se corre de maneira controlada e calculada existe uma
possibilidade menor de acontecer algo que aproxime o individuo da morte.
Menegon e Spink (2006) também fazem uma importante discussão sobre o
risco na sociedade moderna. Para elas, a noção de risco é mais volátil, ou seja,
ele pode assumir “diferentes sentidos, com conotações negativas ou positivas,
dependendo da situação vivida. Segundo elas, assumimos o risco como uma
“possibilidade de perda de algo que tem valor pra nós”. (MENEGON E SPINK,
2006, p.167). No entanto, existe uma constância de significado atribuída ao risco
como uma possibilidade de prever e controlar o futuro” (p.168) que pode ser
observada no mundo econômico, nos esportes radicais e no campo biomédico.
Nessas esferas os riscos assumem a posição de cálculo, probabilidade e
possibilidade.
As referidas autoras trabalham com a perspectiva teórica na qual a
linguagem dos riscos é compreendida como uma “linguagem social que permite
falar da aspiração de governo e do controle futuro de riscos”. É esse sentido de
controle do futuro que, segundo elas, citando Beck, alimenta as práticas
discursivas sobre riscos, direcionadas à gestão de riscos e sustentando
estratégias de organização social. Nesse sentido, quando se entra no campo das
legislações e políticas públicas, discute-se estratégias de governamentabilidade,
como deliberações, táticas e dispositivos numa de rede de gestão complexa e
fluida. Essas estratégias, quando destinadas à gestão da vida, podem ser
compreendidas como estratégias biopolíticas, no sentido de Foucault, pois estão
ligadas ao avanço das ciências da vida e suas tecnologias.
Menogon e Spink vão apontar três tradições discursivas na linguagem
sobre riscos:

1. A fala do senso comum sobre perigos é o risco-perigo. Essa tradição aplica-


se aos infortúnios imprevisíveis, que fogem das possibilidades de cálculo. É
a mais pulverizada no cotidiano. Essa tradição segue no senso comum os
seguintes significados: ameaça, perda, sorte, azar, perigo, fortuna,
fatalidade, obstáculo, ventura e destino.
2. Perspectiva de controle e disciplina, que remete ao risco como
probabilidade. Ela é voltada à disciplinarização dos coletivos e à
disciplinarização dos corpos. É o risco-probabilidade. Essa tradição remete
ao discurso sobre os riscos como estratégias de governamentabilidade. A
metáfora utilizada aqui é estar em risco quando se refere às estratégias de
governo de coletivos ou populações. No que tange à disciplinarização dos
corpos, essa tradição desloca-se para a vida privada das pessoas. A
educação em saúde é a estratégia central. As metáforas utilizadas aqui são
correr riscos ou evitar riscos. Essa tradição quando tem como estratégia a
disciplinarização de populações e pessoas tem conotação negativa e se
assume como risco, aposta, chance, seguro, probabilidade, prevenir e
arriscar.
3. Perspectiva de aventura, em que o risco como probabilidade se aproxima
da Economia e dos Esportes. Na Economia o risco-aventura e o risco-
probabilidade ganham um sentido de uma pratica necessária para se obter
ganhos. Deve-se correr riscos com o respaldo das taxas probabilísticas.
Nesse campo, assume-se como coragem, adrenalina, ousadia, medo,
falência e sincope cardíaca. É a satisfação pessoal que faz oscilar entre o
risco e o benefício. No Esporte, depender de regras e equipamentos de
segurança em algumas práticas demonstra que correr riscos, apesar de
necessário, depende de estratégias de governo. A metáfora do risco-
aventura é correr o risco desejado. É caracterizado pelo repertório
aventura, adrenalina, emoção, radical, extremo, desafio e ousadia.
O risco vivenciado pelas mulheres que praticam fisiculturismo,
especialmente pelas atletas, encaixa-se no terceiro tipo, um tipo de risco-aventura
mesclado com o risco-probabilidade, já que todos os exercícios e o uso de
produtos que ajudam a esculpir o corpo, como esteróides anabolizantes, são
muitas vezes prescritos, dosados e controlados racionalmente sendo essa prática
necessária para se conseguir conquistar o corpo almejado nesse meio.
Na área da Saúde, uma das metáforas mais fortes que emergiu foi correr
riscos. Nessa área, quando se trata de enfrentar riscos gera-se uma
reorganização no cuidado com a saúde, no gerenciamento dos riscos que podem
ser nocivos a ela. O estilo de vida do indivíduo é uma forma de autocontrole.
Correr qualquer risco quando diz respeito à saúde passa a ser sinal de
irresponsabilidade.
Além da corporalidade, do consumo e do risco, outra questão fundamental
para se compreender a prática do fisiculturismo feminino, é a categoria de
diferenciação social de gênero. A construção dos corpos nessa prática está
intimamente ligada a uma idéia de que os corpos musculosos fazem parte de uma
aparência masculina. As mulheres que praticam fisiculturismo são freqüentemente
acusadas de cultuarem um corpo masculinizado, ocasionando, por vezes,
preconceitos em torno de sua sexualidade. A idéia de que existe um corpo e um
comportamento tipicamente masculinos se deve à construção de uma
masculinidade hegemônica que norteia comportamentos e atitudes ideais
socialmente aceitas. A discussão sobre masculinidade hegemônica e
masculinidades subalternas ou alternativas realizada por Connell ( 1997, p. 39),
por exemplo, ressalta a primeira como uma configuração de prática genérica que
encarna a resposta correntemente aceita ao problema da legitimidade do
patriarcado, que vai garantir a posição dominante dos homens e a subordinação
das mulheres. Para Almeida (1996, p. 162), a masculinidade hegemônica é um
modelo cultural ideal que mesmo não sendo atingível, em sua forma original e
inalterada, por nenhum homem, exerce um efeito controlador sobre homens e
mulheres, implicando um discurso dominante e de ascendência social, sendo os
homens os privilegiados. As masculinidades subordinadas, segundo o autor, não
são versões excluídas, elas “existem na medida que são contidas na hegemonia,
são efeitos perversos desta, já lá estão potencialmente (como ‘o perigo
homossexual’) que a homossociabilidade comporta, ou o feminino que está
sempre presente na sua forçada ausência dos universos masculinos). Medrado e
Lyra (2002, p. 64) ressaltam que o modelo hegemônico de homem branco,
heterossexual e dominante, mesmo não sendo atingível por praticamente nenhum
homem, exerce um poder controlador que é incorporado ritualmente através de
práticas de sociabilidades cotidiana e de um discurso que exclui todo o campo
emotivo, considerado feminino subordinando outras variedades.
Kimmel (1998, p. 105) compara a construção do gênero com o
desenvolvimento econômico, no que diz respeito à construção histórica dos
significados da masculinidade. O autor ressalta que o ideal hegemônico foi criado
em um contexto de oposição a “outros”. Mostra ainda que o hegemônico e o
subalterno surgiram “em uma interação mútua, mas desigual em uma ordem social
e econômica dividida em gêneros” ( KIMMEL , 1998, p. 105). Para explicar esse
pensamento Kimmel (1998, p. 105) sugere três pressupostos: no primeiro
entende-se a masculinidade como uma construção social, e não como
propriedade de uma essência eterna, mítica ou biológica. Nesse sentido,
masculinidades variam de cultura a cultura; variam em qualquer cultura no
transcorrer no tempo; variam em qualquer cultura através de variáveis; variam no
decorrer da vida de qualquer homem individual. No segundo pressuposto, as
masculinidades aparecem como construção que ocorre simultaneamente em dois
campos, inter-relacionados de relações de poder, na relação de homens e
mulheres e na relação de homens com outros homens. No terceiro, o autor mostra
que a masculinidade como uma “construção imersa em relações de poder é
freqüentemente algo invisível aos homens cuja ordem de gênero é mais
privilegiada em relação àqueles que são menos privilegiados por ela e aos quais
isto é mais visível” (KIMMEL, 1998, p. 105). Ao invés do termo masculinidade,
Kimmel propõe masculinidades no plural, porque reconhece que o significado da
masculinidade varia de cultura para cultura e em diferentes períodos históricos,
variam entre homens e meios e no curso da vida. Sendo assim, ela não é uma
essência constante e universal e sim um conjunto de significados e
comportamentos fluidos e em constante mudança. Nesse sentido, falar em
masculinidades parece mais correto porque reconhece as diferentes definições de
hombridade. Kimmel (1998, p. 114) vai mostrar ainda que os músculos são um
definidor de masculinidade em determinado contexto histórico das sociedades
ocidentais. Segundo o autor, a força física significativa no mundo moderno real,
tem também uma significação no mundo simbólico na construção do “Self-Made-
Man” (KIMELL, 1998, p. 112), ou homens que se fizeram. Essa ideologia é parte
da cultura norte-americana e no que tange o campo da discussão de gênero tem
como base à competição homossocial, que requer uma provação e
demonstrações constantes de masculinidade.
Sabino (2002) discute a masculinização das mulheres no âmbito da
academia e o uso dos esteróides anabolizantes, por ele denominado de “drogas
masculinizantes” devido aos seus efeitos virilizantes que proporcionam músculos
acima da média, surgimento de pêlos pelo corpo e aparecimento de barba nas
mulheres, além do engrossamento da voz. Tal uso, segundo o autor, tem a ver
com a construção ritual da pessoa e indica uma tendência à virilização da ética e
da estética femininas nas sociedades atuais. Essa tendência ele vai denominar de
“androlatria” ou a “adoração, tanto por parte de homens quanto de mulheres, dos
princípios morais e éticos constitutivos da masculinidade hegemônica,
considerados símbolos de superioridade e sucesso econômico e social” (SABINO,
2002, p. 144).
Em uma sociedade onde músculos são vistos como um meio de ascender
socialmente, idéia notadamente disseminada a partir do conceito de
masculinidade hegemônica, as mulheres que praticam fisiculturismo também
estão em busca de tal visibilidade. Construir um corpo, considerado masculino por
uma sociedade que cultiva um ideal de beleza de mulher magra e sem músculos
aparentes, não parece ser um problema para elas, ao contrário.No ponto de vista
delas, é uma maneira de ser reconhecida, através do esforço aplicado à sua rotina
na construção e manutenção de seu próprio corpo.

CAPÍTULO 2
Fonte: Orkut

UMA ETNOGRAFIA VIRTUAL DAS MULHERES QUE PRATICAM


FISICULTURISMo
Um dia eu tive um sonho...
Nesse sonho o meu esforço era reconhecido
e minha determinação não era confundida com insanidade.
Meus objetivos eram respeitados e
minha disciplina admirada por todos.

Um dia eu tive um sonho...


E nele meus inimigos não podiam mais me atingir
nem com palavras pensamentos ou atitudes.

Um dia eu tive um sonho...


O treino, a alimentação e o descanso eram levados a sério
e as pessoas não iam para a academia “malhar” e sim,
TREINAR DE VERDADE.”
Nina Veiga ( Treino Hardcore)

2.1 A etnografia no ciberespaço


Minha intenção inicial para esse trabalho era a de fazer entrevistas com
mulheres que freqüentam academias e que praticam o fisiculturismo. Entretanto,
como esse campo ainda me era desconhecido, optei por realizar uma pesquisa no
ciberespaço, para conhecer o cotidiano das atletas e das eventuais praticantes de
fisiculturismo, os métodos de treinamento, a ação dos suplementos alimentares, a
história do fisiculturismo e acabei por descobrir, através das ferramentas de
buscas e do site de relacionamentos Orkut, muitas informações que poderiam
contribuir para a construção da pesquisa, dado que existe uma grande dificuldade
em encontrá-las em livros e artigos acadêmicos, na área de Ciências Sociais. O
Orkut é um site de relacionamentos no qual as pessoas constroem um perfil de
usuário e podem participar de comunidades e fóruns de discussão que sejam de
seu interesse e relacionados ao seu estilo de vida, postar fotos, vídeos, adicionar
amigos e trocar mensagens. Este site é de grande sucesso devido à facilidade de
encontrar pessoas que partilhem os mesmos gostos. O Orkut não foi a primeira
rede de relacionamentos criado na Internet (existem dezenas de outras redes de
relacionamentos como o Friendster, o Facebook, My Space, HI 5), entretanto
alcançou um nível de popularidade no Brasil como nenhum outro e hoje possui
mais de 40.000.000 de usuários cadastrados, dos quais 53,92% são brasileiros,
sendo a maior parte dos usuários (61,38%) constituída de jovens de 18 a 25
anos.5
Apesar de grande parte das interações sociais acontecerem no âmbito das
academias de ginástica, o ciberespaço se mostrou um campo muito favorável ao
estudo que eu pretendia realizar, especialmente no que diz respeito ao consumo,
já que em todos os sites e comunidades pesquisadas havia pelo menos um link ou
e-mail que direcionavam para a compra e venda de produtos voltados ao público
da musculação. Em todas as comunidades também era possível perceber que as
informações de outras participantes sobre o tipo de treino e o que consumir eram
relevantes para a decisão das participantes da comunidade. Especialmente

5
Os dados foram retirados de informações disponíveis na página do Orkut.
quando as “dicas” vinham de pessoas com algum prestígio nessa prática, fosse
esse prestígio virtual, alcançado através das informações de seus perfis,
quantidade de amigos ou devido à sua participação atual no universo do
fisiculturismo. Atitude semelhante á constatada por Latanza (2007) em seu
trabalho sobre Beleza, Cirurgia Estética e Risco no Ciberespaço:

a relação estabelecida entre elas é de intensa cooperação, uma


cooperação que não vem exatamente de um laço de amizade, mas
de uma relação de troca, em uma situação em que interesses e
experiências comuns podem ser compartilhadas, pois todas elas
estão lá em busca de alguma informação e de alguma ajuda. Esta
ajuda pode não ser algo objetivo, mas se concentra em dicas e
opiniões que elas precisam ouvir de alguém que passou pela
mesma experiência, teve a mesma dificuldade que elas e
consegue esclarecer como conseguiu superar.

Inclusive as páginas de recados, chamadas scrapbooks, funcionam como


meio de divulgação de produtos, eventos, campeonatos, através dos spams6. A
minha página contém mais de 50 recados desse tipo que chegam a partir de
pessoas desconhecidas da minha lista ou mesmo de amigos adicionados. Muitos
desses perfis são criados apenas para essa finalidade, são os chamados perfis
fake do Orkut.
No que tange a discussão sobre risco, apesar de ela ser tratada com mais
naturalidade pelos homens que participam das comunidades relacionadas ao
fisiculturismo, também existe uma abertura entre as mulheres para discutirem isso
com as suas “amigas” de comunidade, pedindo dicas de como usar tal esteróide
anabolizante, combinado com qual remédio, ou então de discutirem sobre as
lesões decorrentes dos exercícios, sendo essas discussões mais difíceis de
ocorrerem abertamente nas academias.
Além das informações, as imagens e fotos dos perfis também contribuíram
muito para a decisão de transformar a Internet em campo de pesquisa. Todas as
6
Propagandas enviadas aleatoriamente às paginas de recados, fóruns de discussão e e-mails e combatidas por
criadores de programas e páginas na Internet.
atletas entrevistas e que possuíam perfil no Orkut, compartilhavam suas fotos de
treinos, campeonatos e mesmo de seu cotidiano em seus perfis com frases
colocadas abaixo das fotos que evidenciavam seus gostos, suas práticas e suas
opiniões. Elas recebem elogios e às vezes críticas em seus perfis, mas como me
relatou uma das fisiculturistas, mais elogios do que críticas. Muitas fotos de atletas
fortes e musculosas também são postadas em seções especificas dos sites, com
o intuito de encorajar aquelas que estavam no começo dos treinos ou que ainda
não tinham o corpo tão bem “esculpido” para que treinassem e persistissem
sempre até conseguir o resultado almejado para seus corpos. Com a mesma
intenção são trocadas fotos pessoais das participantes entre si, ou criadas seções
do tipo “antes” e “depois” em seus perfis para que outras pessoas, participantes ou
não das comunidades, pudessem perceber a transformação ocorrida em seus
corpos.

2.2 Ciberespaço, Redes Sociais na Internet e Comunidades Virtuais: uma


introdução ao tema

Para a compressão sobre trabalho de campo no ciberespaço trago algumas


discussões sobre o ciberespaço, as redes sociais na Internet, mais
especificamente o Orkut, e as comunidades virtuais, além de discussões sobre o
processo de pesquisa nesse meio. Trata-se discutir como se dá a entrada no
campo quando esse é a Internet, como se dão as interações nesse meio, como se
realizam as entrevistas e o caderno de campo.
Pierre Lévy (2001) é hoje um dos teóricos mais debatidos no que diz
respeito ao ciberespaço, cujo conceito ele cunhou para expressar esse novo meio
e espaço de comunicação e de interrelações, o cibernético. O autor mostra que o
ciberespaço, ou espaço cibernético, é o terreno no qual se dá grande parte das
relações atuais. Esse novo espaço de interação humana já é de suma importância
para os planos cientifico e econômico e vai se ampliar e estender-se até muitos
outros campos, como a Estética, a Arte, a Pedagogia e a Política. O ciberespaço é
definido por Lévy (1994, p. 1) como “a instauração de uma rede de todas as
memórias informatizadas e de todos os computadores”. Toda a esfera da
comunicação e da informação está se transformando numa esfera informatizada.
Lévy distingue o ciberespaço das mídias clássicas mostrando como as
ferramentas de comunicação são modificadas. No ciberespaço as mensagens
tornam-se interativas, ganhando plasticidade e gerando uma possibilidade de
metamorfose imediata. Dessa forma, cada usuário pode se transformar em
emissor, o que não acontece no caso de mídias impressas e ou televisivas. O
autor distingue três tipos de comunicação: o “Um e Todo”, no qual existe um
centro emissor e uma multiplicidade de emissores, não havendo interatividade,
como o caso da televisão; o “Um e Um”, no qual não tem emergência de um
coletivo da comunicação, como no caso do telefone; e o terceiro tipo, o “Todos e
Todos”, o qual representa, para o autor, a emergência de uma inteligência
coletiva, no qual se encaixa o ciberespaço. Para Lévy (1994, p. 2), o ciberespaço
“ está se tornando um lugar essencial, um futuro próximo de comunicação humana
e de pensamento humano.”
A Internet, como mostra Guimarães Jr (1997), é uma das manifestações
mais abrangentes dos fenômenos relacionados ao ciberespaço. Devido à
gratuidade do seu protocolo, ela acabou por englobar todas as outras redes de
computadores já existentes. Contudo, o autor lembra que redes de computadores
com as características de ciberespaço já existiam antes do advento da Internet. O
termo ciberespaço, como mostra o mesmo autor trouxe novas características ao
que se chamou de “esfera de dados” e acabou por englobar outros objetos,
criando expressões como cibercultura7. Afirma ainda que apesar de a abrangência
da cibercultura recair sobre as formas de comunicação mediada por
computadores, seu conceito é bem mais amplo e sua cartografia ainda não é um
consenso.
A discussão sobre as comunidades virtuais e as redes sociais na Internet
não são totalmente novas, contudo, a emergência de novas tecnologias fez surgir
a necessidade de novos estudos acerca do ciberespaço. De acordo com

7
Cibercultura abrange os fenômenos relacionados ao ciberespaço. (Guimarães Jr, 1997)
Guimarães Jr (1997), existem duas abordagens hoje que dão conta dos estudos
sobre Internet. A primeira analisa a Internet como um fenômeno total, tecendo
considerações a respeito das relações com a sociedade, em blocos. Nessa
abordagem sociedade é analisada como um todo. Já para a segunda abordagem
a Internet é muito mais do que um simples artefato tecnológico, ela estabeleceu
um novo tempo e espaço de interação social, o que fez emergir novas e diferentes
formas de sociabilidade. Segundo o autor, que segue em seu trabalho a segunda
abordagem, “as redes telemáticas configuram, mais que um meio de
comunicação, um espaço de sociabilidade no meio do qual se desenvolvem
culturas relativamente autônomas (grifos do autor)” (Guimarães Jr, 2000, p.141).
Um dos conceitos de virtual mais adotados atualmente, inclusive pelo autor
citado, Guimarães Jr (1997; 2000), é de Pierre Lévy. Para Lévy o virtual não se
opõe ao real, mas sim o complementa e o transforma, ao subverter suas
limitações espaço – temporais. (Lévy, apud Guimarães Jr, 1997). Guimarães Jr
(2000, p. 142) concorda e mostra que “o virtual não é o oposto do real, mas sim
uma esfera singular da realidade, onde as categorias de espaço e tempo estão
submetidas a um regime diferenciado”. Nesse sentido, segundo o mesmo autor, “o
ciberespaço pode ser, portanto, considerado como uma virtualização da realidade,
uma migração do mundo real para um mundo de interações virtuais” (1997, p. 3).
É nesse espaço virtual e explorando essa nova forma de sociabilidade que
nascem as redes sociais e as comunidades virtuais. A princípio as redes sociais
foram estudadas pelas Ciências Exatas, que criaram a chamada Teoria dos
Grafos. Recuero (200-?) explica que um Grafo era representado por um conjunto
de nós conectados por arestas, formando uma rede. Esses Grafos passaram a ser
estudados por outros pesquisadores na tentativa de aplicar essa teoria de forma
que ela pudesse explicar como se davam as relações complexas no mundo ao
nosso redor. A partir desses estudos foram criados três modelos de redes: o
modelo de redes aleatórias, o modelo de mundos pequenos e o modelo de redes
sem escala. O modelo de redes aleatórias explica a formação de redes sociais de
forma randômica. Ou seja, todas os nós poderiam se ligar aleatoriamente.
Segundo Recuero (200-?, p. 2), “todos os nós em uma determinada rede,
deveriam ter mais ou menos a mesma quantidade de conexões, ou igualdade de
chance de receber novos links, constituindo-se, assim, como redes igualitárias. Já
o modelo de mundos pequenos defende que uma rede social por apresentar um
padrão altamente conectado, tende a formar pequenas quantidades de conexões
entre cada individuo. A autora afirma que esse modelo demonstraria “que a
distância média entre quaisquer duas pessoas no planeta não ultrapassaria um
número pequeno de outras pessoas, bastando que alguns laços aleatórios entre
8
grupos existissem”. O modelo de redes sem escalas sugere que quanto mais
conexões um nó possui, maior a possibilidade de ele adquirir novas conexões.
Segundo Recuero (200-?, p. 7), “esses sistemas funcionam como o primado
fundamental da interação social, ou seja, buscando conectar pessoas e
proporcionar sua comunicação e, portanto podem ser utilizados para forjar laços
sociais”. A autora vai mostrar ainda que essas redes sociais, normalmente
associadas a um grupo de atores, chamados “nós” e às conexões, as “arestas”,
foram complexificadas no ciberespaço, quando da sua apropriação por um novo
meio através da interação mediada por computador. Tal apropriação é, ainda
segundo a mesma autora, capaz de gerar novos usos, novas formas de
construção social. Recuero (200-?) afirma em seu trabalho que a partir de várias
teorias é possível perceber que as interações através do computador têm
possibilitado o surgimento de novos grupos sociais na Internet, muitos deles com
características comunitárias e que esses grupos estão sendo construídos a partir
de uma nova forma de sociabilidade, decorrente da inserção mediada pelo
computador, sendo assim, capazes de gerar laços sociais.
As comunidades virtuais seriam construídas a partir dessa nova forma de
sociabilidade. Para Recuero (200-?, p.65) “ o conceito de comunidade virtual é
uma tentativa de explicar os agrupamentos sociais surgidos no ciberespaço. Trata-
se de uma forma de entender a mudança da sociabilidade, caracterizada pela
existência de um grupo social que interage através da comunicação mediada por
computador”. Ela ainda define quais seriam os elementos formadores de uma
8
Foi a partir desse modelo, que Orkut Buyukkokten se inspirou para criar a rede de relacionamentos Orkut, a
qual faz parte de minha pesquisa. Ele acreditava que todos as pessoas estariam ligadas entre si por um número
máximo de cinco pessoas.
comunidade virtual: “discussões públicas; pessoas que se encontram e se
reencontram, ou que mantém contato através da Internet para levar adiante a
discussão; o tempo e o sentimento”. Recuero (200-?, p. 69) traz uma definição
sobre as comunidades virtuais que vale ressaltar aqui:

A comunidade virtual, assim, tem elementos em comum tais como


a interação, o laço e o capital social. Assim, ela constitui-se em um
agrupamento de atores, baseado em interação social, que possui
uma estrutura de laços sociais com capital social embebido nela. A
interação social (mútua ou reativa)é vista como a geradora da
estrutura de comunidade em ambos os conceitos, pois permite que
o laço social (forte ou fraco) possa surgir. Essa interação
necessita de um espaço (ou “território virtual”) reconhecido pelos
indivíduos, seja um canal de chat, um grupo de weblogs ou
fotologs, para que possa acontecer entre os atores para a
formação de um grupo. O laço social, por sua vez, necessita que
as interações ocorram durante um certo tempo, para sejam se
permita que a reciprocidade, a intimidade e a confiança emerjam
em alguma medida. O capital social é também requisito para a
percepção do agrupamento, como vimos nos primeiros capítulos,
pois constitui a estrutura do grupo. Esses elementos são também
associados ao pertencimento, que pode ser tanto associativo
quanto relacional...(grifos da autora)

Pode-se perceber, após um contato mais aprofundado com a pesquisa no


ciberespaço, a importância dessas redes sociais permeadas por comunidade
virtuais para a construção de novas identidades sociais geradas a partir dessas
interações e da troca de laços e capital social. Em minha pesquisa, pude constatar
as diferentes interações e trocas existentes e perceber quais comunidades
realmente ofereciam caráter de comunidade e quais ainda precisavam ser
modificadas para serem chamadas de comunidades, por isso optei por descrever
brevemente algumas, na tentativa também de deixar esse contraste evidente.

2.3 O ciberespaço como campo de pesquisa


Fonte: Site Fisiculturismo.com

Foram analisadas no Orkut comunidades que têm como objetivo reunir


mulheres praticantes do fisiculturismo, além de comunidades que discutem o uso
de anabolizantes e de treinamentos. Devido ao grande número de comunidades,
foram selecionas inicialmente cinco, que mostram uma parte do cotidiano dessas
participantes e ajudaram na formulação das questões para as entrevistas,
direcionando-me para aos perfis a serem analisados e para as outras páginas
sobre o tema, através de links. São elas: “Fisiculturismo Feminino”, “Sou Mulher e
Amo Musculação”, “Hardcore Girl”, “TPM: Taradas por Musculação” e “Top Model
Não, Mulher Sarada”. Todas as quatro primeiras foram criadas e mediadas por
mulheres, com exceção da última comunidade, criada e mediada por um perfil
masculino, mas voltada para um público feminino conforme o título indica. A
comparação do conteúdo das cinco permite perceber elementos que fazem pensar
as categorias de gênero.
No inicio da pesquisa optei por investigar perfis e contatar o máximo de
mulheres que se diziam praticantes de fisiculturismo e que participavam dos
fóruns de discussão no Orkut. As praticantes são muitas, mas poucas as que
realmente transformam isso em profissão devido aos altos custos dessa prática
como o uso rotineiro de suplementação específica para cada etapa de
treinamento, drogas anabolizantes, roupas para a apresentação, dietas restritivas
e também e nas academias onde treinam, nas quais precisam de um atendimento
diferenciado. Troquei mensagens via Orkut com algumas delas e as adicionei à
minha lista de amigos, depois de me identificar como pesquisadora. Uma dessas
informantes mantinha um site sobre musculação e era dona de uma das
comunidades pesquisadas. O site armazena diversas informações sobre treinos,
dietas, suplementação, além de publicar artigos sobre o assunto, escritos por
médicos, nutricionistas e educadores físicos. Em muitos desses artigos encontrei
as primeiras informações sobre o assunto.
No Orkut foram analisados também os perfis das praticantes dessa prática
e que fazem parte dessas comunidades. Nesses perfis, constam informações
pessoais, como nome, cidade em que vivem, religião, visão política, filhos,
paixões, comidas preferidas. Essas informações puderam servir como um
mapeamento para as entrevistas, na tentativa de se traçar um perfil
socioeconômico prévio dessas mulheres. Esses perfis indicam também as
comunidades às quais as participantes estão associadas e expressam claramente
os gostos e o estilo de vida de cada uma.
Além do Orkut, a pesquisa foi realizada em sites do ciberespaço, em sites
que discutem e dão dicas de treinamento, suplementação e de uso de esteróides
anabolizantes. Nesses sites, são encontrados artigos, reportagens, imagens
relacionadas ao tema, além de muitas propagandas de produtos para ficar com o
“corpo perfeito”.
A análise desses perfis traz dados importantes do cotidiano dessas atletas,
bem como as fotos postadas ajudam a visualizar os efeitos dos intensos
treinamentos, da suplementação e do uso de hormônios artificiais. Algumas
dessas atletas também possuem sites pessoais, que contam sua trajetória de vida,
no esporte e expõem seu estilo de vida, estes sites também são objeto da análise
aqui proposta. A partir da observação dessas comunidades, foram identificadas
algumas atletas, com as quais entrei em contato e pude realizar entrevistas via e-
mail e via mensagens instantâneas.
O trabalho de campo realizado no ciberespaço apresenta desafios,
sobretudo, quanto à observação participante, pois as entrevistas formais e
informais não se dão de forma direta como nas relações face a face. Mas os
fóruns de discussão sobre o assunto, as entrevistas realizadas através de troca de
e-mails e mensagens instantâneas com as participantes, além da observação
indireta, feita a partir da análise dessas páginas e dos fóruns de discussão das
comunidades, mostram-se importantes recursos de pesquisa, reatualizando o
debate sobre a pesquisa etnográfica.
Para que essa compreensão fosse possível, foi utilizada no trabalho de
campo a observação participante, técnica através da qual a pesquisadora analisa
e participa das listas de discussão criadas em páginas e comunidades na Internet,
pois como observa Rifiotis (2002, p. 13) “é a efetiva participação nos diálogos e
nos interesses dos interlocutores que marca a observação etnográfica”. Além da
participação observante realizada de julho de 2007 a setembro de 2008, foram
feitas entrevistas com as participantes, através da troca de e-mails ou em chats de
conversas instantâneas. As mensagens dos chats de conversa instantânea
lembram uma conversação, pois acontecem “em tempo real”, enquanto que no e-
mail ela acontece em assincronia, é enviada de um emissor a um receptor que vai
tomar conhecimento dela e responde-la em algum momento oportuno
(DORNELLES, 2004, p. 245). Dornelles (2004 p.245) explica como se dá a troca
de informações através do chat e do e-mail:

No chat a comunicação é dinâmica e lembra a conversação”. A


troca de mensagens ocorre rapidamente entre emissores e
receptores, o que se chama “tempo real”, ou melhor, sincronia. A
troca de mensagens via e mail também podem ocorrer em tempo
real. Nesse caso é preciso alguém envie uma mensagem e
alguém, imediatamente, receba e leia a mensagem. No entanto, os
costume aliado à modalidade do e mail é de se utilizar a
assincronia... a mensagem é enviada de um emissor a um
receptor. Porém esse só ira tomar conhecimento da mensagem
em algum momento oportuno, talvez no mesmo dia do envio,
talvez em outro dia.

Ainda segundo Dornelles (2004, p.259), o chat propicia a chamada


“sociabilidade virtual” por que há nessa convivência uma sincronia das mensagens
enviadas. O que não acontece no caso do e-mail e das listas de discussões, pois
não há geração de simultaneidade. Por sociabilidade virtual Dornelles (2004,
p.259) entende que “é a interação social realizada pela comunicação sincrônica e
com contato interpessoal mediado pela tela do computador”.
A escolha das participantes a serem entrevistadas se deu devido à
necessidade de um maior contato com os atletas e um maior aprofundamento em
algumas questões que não seriam possíveis apenas com a leitura dos fóruns de
discussão. Como afirma Goldenberg (2005, p.88), a entrevista permite uma maior
profundidade nas questões e é o instrumento mais adequado para a revelação de
informações sobre assuntos complexos, como as emoções. Além disso,
estabelece uma relação de confiança entre pesquisador e pesquisado, o que
propicia o surgimento de outros dados. A entrevista também foi necessária para
verificar a autenticidade de algumas informações, já que a Internet possibilita uma
maior liberdade do participante para expressar o que pensa sem precisar ter sua
identidade revelada, o que pode favorecer dados que não coincidem com a
realidade da conduta das atletas em seu cotidiano.
A análise das listas de discussão entre os participantes dessas
comunidades traz a riqueza dos elementos da cultura da musculação e do
fisiculturismo e, por usufruírem da facilidade da postagem anônima, temas como o
uso de anabolizantes surgem com maior naturalidade. Essa naturalidade tornou
mais fácil a minha entrada como pesquisadora no ambiente dessas mulheres. Por
essa razão, descrevi em meu perfil minhas atividades de pesquisa na graduação e
sempre que me identificava às participantes e informava meu papel de
pesquisadora. Em alguns momentos fui ignorada por algumas participantes, mas
nunca hostilizada.
Existe, atualmente, no site de relacionamentos Orkut, cerca de cinqüenta
comunidades relacionadas ao fisiculturismo, três comunidades nomeadas de
Fisiculturismo Feminino mais de mil comunidades relacionadas ao tema
musculação e quase seiscentas comunidades relacionadas à temática do risco,
números que aumentam constantemente, já essas comunidades são criados pelos
próprios usuários. Grande parte das comunidades sobre fisiculturismo é mediada
por homens e naquelas que só se permite a entrada de mulheres, troca-se
informações sobre treinos, dietas e suplementos alimentares.
Os fóruns de discussão no Orkut são mediados pelos criadores das
comunidades e em algumas delas a participação é aprovada ou não pelos
mediadores, o que significa que para participar dos fóruns de discussão é
necessário ser aceito pelo mediador. Normalmente esses mediadores verificam o
perfil do usuário antes de aprovar sua participação. Em todas as comunidades que
participo, precisei ser aceita. Não fui rejeitada em nenhuma comunidade até o
momento, entretanto em uma delas, que passou a ser moderada após a minha
entrada, talvez eu não tivesse sido aceita, já que são analisadas as fotos do perfil
que requer o aceite, e eu não possuo fotos no perfil.
Um outro aspecto importante sobre o trabalho do pesquisador no campo
virtual, como destaca Rifiotis (2002, p.12), trata do fato de que a maior parte das
interações que se desenvolvem no ciberespaço são de base textual. O que
significa que o trabalho de campo terá um estilo particular, pois do que se pode
“ver” em campo a maior parte dessas comunicações são textos. O mesmo autor
expõe ainda (2002, p.12) que o trabalho de campo no ciberespaço vai além da
participação direta “face a face” e do “olhar”, tratando-se de saber explorar a
dimensão da fala e procurar as especificidades das conversas escritas, levando à
incorporação de mais uma nova dimensão à etnografia.
Além da observação participante e das entrevistas, realizei também a
observação indireta, feita a partir da análise das listas de discussão nas
comunidades e páginas da Internet, já que as imagens e o conteúdo dessas
comunidades são disponíveis ao público.
Pelo que foi exposto até aqui, pode-se afirmar que a Internet é hoje uma
ferramenta importante na construção de estudos e de análise da cultura, devido à
facilidade de se obter informações de qualquer espécie: desde texto de bibliotecas
de todo o mundo até o contato do pesquisador com o “nativo”. Desse modo, “a
internet pode ser utilizada para verificar a existência de dados, a pertinência de um
problema proposto pela pesquisa, para contatar informantes e outros
pesquisadores” (AMARAL, 2005, p.3).

2.4 As comunidades virtuais pesquisadas: cenários atores e regras

As comunidades aqui descritas foram analisadas sob a perspectiva de


Magnani (1996) com os conceitos de cenários, atores e regras. Segundo o autor, o
cenário “é entendido como produto de práticas sociais anteriores e em constante
diálogo com as atuais - favorecendo-as, dificultando-as e sendo continuamente
transformado por elas”. Os atores são aqueles que usam o espaço e o conjunto de
regras de sociabilidade do espaço são construídas através de dados e
informações obtidas pelo pesquisador. Também vão ser analisadas a partir dos
modelos de ‘”laços fortes” e “laços fracos” proposto por Guimarães Jr (2000. p.
146). O autor mostra que as relações no ciberespaço podem variar de um
pertencimento sólido e continuado, com um intenso engajamento em atividades
coletivas, até participações esporádicas e descompromissadas. São dois tipos de
laços, um “forte”, “caracterizado pela sensação de pertencimento, redes densas de
sociabilidade, códigos em comum que atuam como determinantes de práticas” e
um "fraco" que “consiste em um mínimo de participação, como reunião durante um
intervalo de tempo em um espaço, compartilhando códigos estabelecidos através
do léxico comunicativo associado à plataforma”.

Comunidade “Fisiculturismo Feminino”

Fonte: Orkut
Cenário: A comunidade “Fisiculturismo Feminino” reúne 750 participantes,
tanto do sexo masculino como do sexo feminino e é dedicada tanto às mulheres
que praticam fisiculturismo como àqueles que admiram mulheres que cultivam
músculos. Nos tópicos criados discute-se quais tipos de treinos são praticados
pelas participantes, muitos deles sendo sugeridos por outras pessoas que
participam da comunidade. São criados tópicos para que elas contem suas
experiências de treinos e perguntem se estão no caminho certo, muitas vezes
alegando que o treino passado pelo professor na academia não parece estar
funcionando muito bem. Existem também alguns tópicos voltados para a
propaganda de venda de esteróides anabolizantes, suplementos alimentares, DVD
´s de treinos e de mulheres musculosas, venda de biquínis especiais para as
apresentações, anúncios de campeonatos, nos quais são apresentados links que
vão direto para sites ou e-mails particulares de vendedores. Outros mostram
também links para outros sites e comunidades referentes ao tema. Apesar de
existirem muitos tópicos a maioria deles apenas conta com uma ou duas
participações o que demonstra que a comunidade tem um caráter muito mais
voltado para homenagear as mulheres que praticam fisiculturismo do que
propriamente para discutir sobre isso. Apesar disso, o que me chamou a atenção
nesta comunidade foram dois únicos tópicos nos quais são discutidas questões de
gênero. Em um deles um participante levanta a questão da necessidade de se dar
mais valor às mulheres que praticam fisiculturismo, alegam que em competições
elas não são tão valorizadas como os homens e as que resolvem treinar pesado
são muitas vezes vítimas de preconceito de ambos os sexos.
Tal comunidade me pareceu uma vitrine de um mercado voltado para o
fisiculturismo, com seus inúmeros tópicos de venda, o que me ajudou a conhecer
como funciona o consumo dentro desse grupo. Sendo muitas vezes ilícitos os
produtos utilizados por elas, a Internet se torna a grande mediadora, possibilitando
uma maior privacidade na hora de comprar. Esse mercado tem seu sucesso
facilitado pela possibilidade de propagandas gratuitas e das postagens anônimas
nas comunidades e é venda quase sempre garantida.
Atores: Os atores dessa comunidade são aqueles apresentados nos/pelos
perfis que participam e interagem nos tópicos da comunidade. Esses perfis são de
homens e mulheres que tem em comum o gosto pelo fisiculturismo e boa parte
traz uma foto em seu perfil que o identifica como apreciador dessa prática, seja na
foto de apresentação ou em seu álbum. As comunidades das quais participam
também mostram essa identificação e é freqüente a participação em outras
comunidades relacionadas ao mesmo tema (está estranha a redação dessa frase
anterior). Existe uma predominância de laços fracos, já que existem poucos
tópicos com discussões e não se observam participantes partilhando informações
pessoais ou marcando encontros fora do espaço virtual, sendo as participações e
criação de novos tópicos esporádicas.
Regras: Normalmente no Orkut as regras são descritas na apresentação da
comunidade. Nessa em especial, a única regra é que se respeitasse o
fisiculturismo feminino e as pessoas que praticam. Essa atitude se deve à
freqüente estigmatização que as praticantes de fisiculturismo sofrem, por serem
consideradas muitas vezes masculinizadas, quando um outro membro entra na
comunidade apenas para tecer críticas às participantes, com xingamentos,
acusações de masculinização entre outros.

Comunidade “Sou Mulher e Amo Musculação”

Fonte: Orkut
Cenário: Essa comunidade é a maior em números de perfis, das quais
participo. Constam 20.167 membros, sendo aceitas apenas mulheres. Aqui as
discussões são quase sempre constantes e os tópicos costumam ser grandes.
Como não é uma comunidade voltada especialmente para o fisiculturismo, por
isso as discussões são mais amplas, mas, tendo como principais temas treinos,
dietas, suplementação. Uma grande parte dos tópicos é aberta pelas participantes
para que as outras “amigas” da comunidade dêem suas sugestões a respeito dos
treinos e das dietas, tornando o tópico um meio de elas compararem suas dietas e
treinos. O que é um tanto preocupante já que poucas são habilitadas a dar esse
tipo de instrução, pois não têm formação médica ou no esporte. Tal comunidade é
uma das mais freqüentadas por mulheres que querem se informar e tirar dúvidas
sobre os temas relacionados à musculação, incluindo aí o fisiculturismo, sendo
que a musculação aparece como o primeiro passo para alguém que pretende
construir um corpo musculoso e hipertrofiado. Muitas delas não participam dos
fóruns, passam apenas como espectadoras da opinião alheia. Outras tantas
participam e dão suas opiniões leigas e algumas vezes com algum embasamento
cientifico. Em muitos tópicos são trazidas pesquisas e reportagens sobre os
benefícios da musculação e das vantagens de se construir e esculpir o corpo,
tornando-o belo, forte e musculoso.
Perfil da comunidade:

“Voltada pra Mulher "marombeira", criada p/ trocar experiências


sobre treino, academia, suplementos, alimentação, etc e, inclusive
incentivar as iniciantes a não desistirem. Muitas começam, vão 1
mês e nunca mais voltam, traumatizadas. Puxar ferro não é só pra
H. Requer paciência, dedicação e o resultado é um corpo torneado
e desenhado, de dar inveja! ** Vale lembrar que mulher só fica feia
na musculação (masculinizada), caso se encha de hormônios
masculinos. Discutir sobre bomba não é o propósito desta
comunidade. Sejam Bem-Vindas!!!OBS>>>LEIA AS REGRAS DA
COMUNIDADE ANTES DE PARTICIPAR. LINK >
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?
cmm=244629&tid=2475488002588850759&start=1
AOS HOMENS: Aqui é o Clube da Luluzinha mesmo e só entram
mulheres. Assim temos mais liberdade para falar sobre assuntos +
“femininos”(menstruação, gravidez, bumbum, seios, celulite) e q tb
norteiam a musculação. Caso solicitem autorização, serãO
barrados!

O tópico de discussão com maior número de postagens, 897 até o


momento, é aquele que sugere que as participantes exponham suas fotos de
“antes” de “depois”, o que demonstra uma grande necessidade de aceitação por
parte dessas mulheres frente às “amigas” da comunidade. A criação de tópicos e a
atualização de novos comentários são constantes.
Atores: Por só aceitar a participação de perfis de membros femininos,
nessa comunidade é possível reconhecer tanto laços mais fracos, vindo de
participantes que entram esporadicamente para pedir dicas e comentar algum
tópico, como laços fortes, com amizades iniciadas na comunidade e que foram
transferidas para fora do virtual.
Regras: Já no perfil da comunidade fica explicito um tópico criado pela
moderadora para explicar as regras. Nesse tópico é definido como deve ser o
comportamento dos usuários em relação aos fóruns. As regras são colocadas
dessa maneira:
>>>>>>>>>> REGRAS DA COMUNIDADE <<<<<<<<<<<<<

1) Crie títulos diretos para facilitar a busca por informações sobre o


tema em questão. Faça uma síntese, em algumas palavras, sobre
sua mensagem geral. Exemplo de como NÃO fazer títulos de
tópicos: AJUDA - TRIKAA - ALGUEM RESPONDE - UMA
DÚVIDA. Como podem ver, são genéricos e não dizem nada.
2) Se você é novata, diga na sua mensagem, porque teremos mais
paciência e didática para explicar certas coisas.
3) Não é permitido propaganda sem autorização e dentro da
comunidade já existe um post correspondente para que faça a sua
referência >http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?
cmm=244629&tid=2474285909962177095
4) Antes de perguntar, leia tópicos passados para que a dúvida
não se repita.
5) A intenção da comunidade não é de prescrever treinos e dietas
personalizadas, mas sim, trocar experiências e orientar para que
seu treino seja mais produtivo e lhe proporcione melhores
resultados.
6) Ninguém aqui é melhor que ninguém e nossa intenção não é
promover debates acadêmicos. Se vc é prof e seu discurso é dizer
que vc é formada nisso, nisso e aquilo, sabe pq o autor fulano de
tal disse, seu lugar não é aqui. A maioria do público é leigo e
pouco se importam daonde tiram isso ou aquilo, mas sim, se a
informação tem utilidade ou não.
7) Novatos e veteranos nos treinos, estagiários, ou graduados,
pós-graduados em ed.física merecem o mesmo respeito!
8) Homens estão proibidos de participar Meninas, por favor não
postem nada neste tópico e ele será colocado no descritivo da
comunidade. Caso tenham sugestões de outras regras, por favor,
me enviem um scrap.

Tópicos relacionados ao uso de esteróides anabolizantes, chamados de


“bombas”, também não são permitidos. A moderadora deixa claro na abertura da
comunidade que essa não é o foco de discussão da comunidade.

Comunidade “Hardcore Girl”


Fonte: Orkut

O termo inglês hardcore é utilizado em musculação para designar o tipo de


treinamento mais pesado e mais intenso. Na própria página do site existe uma
definição do que seria o hardcore, explicando de onde vem a definição:

O termo hardcore surgiu a partir de um contexto militarista, usado


para designar militantes agressivos e também criminosos. Com
isso, a palavra hardcore acabou sendo atribuída a qualquer
variação extrema ou exagerada de algo. Hardcore, literalmente,
significa miolo, centro ou núcleo duro. Em português, o significado
mais adequado seria "casca-grossa". Na musculação, o termo
hardcore começou a ser utilizado para designar valores pessoais,
onde o principal objetivo era o aumento de massa muscular.

Ou seja, praticantes de um treino hardcore são aqueles cujo objetivo é ir à


academia para treinar pesado, como mostra a definição da comunidade:

“Comunidade criada para Todas as MULHERES QUE LEVAM A


MUSCULAÇÃO A SÉRIO e TREINAM de VERDADE !
Vc tem amor pela musculação e treinar faz parte da sua rotina ?
Vc leva o treino a sério e não vai à academia apenas para passar
o tempo? Seja Bem-Vinda!! VOCÊ É 100% HARDCORE !!!”

Cenário: A comunidade conta com 269 membros do sexo feminino, já que


a moderação não aceita a participação de homens, segundo informação contida
na apresentação do perfil da comunidade. Ela foi criada a partir de um site
chamado Treino Hardcore, por isso a análise da comunidade foi feita
concomitantemente com a análise do site, já que os elementos que constituem as
fundamentações postadas nos tópicos nasceram da ideologia disseminada pelos
adeptos do treino hardcore. A filosofia do treino hardcore é exposta na entrada do
site:
O SITE TREINO HARDCORE FOI CRIADO PENSANDO EM
TODOS AQUELES QUE LEVAM A MUSCULAÇÃO A SÉRIO.
PARA NÓS, NÃO IMPORTA SE VOCÊ TEM POUCO OU MUITO
TEMPO NA MUSCULAÇÃO, CONSIDERE-SE UM IRMÃO DE
FERRO. VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI E ISSO PROVA QUE VOCÊ
PROCURA APRENDER E MANTER-SE INFORMADO. A ÚNICA
COISA QUE PEDIMOS É QUE ABRA SUA MENTE, POIS O
CRESCIMENTO MENTAL É FUNDAMENTAL E PRIMORDIAL
PARA QUE HAJA O CRESCIMENTO FÍSICO. ESTAMOS
CANSADOS DAS MESMAS FUNDAMENTAÇÕES QUE
ESCUTAMOS TODOS OS DIAS DENTRO DAS ACADEMIAS.
CHEGA DE FRESCURAS...
AQUI A FILOSOFIA É 100% HARDCORE !

O site oferece diversas seções onde são postadas informações relativas a


treinos, nutrição, fotos de antes e depois dos participantes, ficha de atletas,
entrevistas, divulgação de cursos e eventos, campeonatos, uma seção sessão
com artigos, e uma loja virtual.
Já a comunidade é tida como um ponto de encontro de quem treina e
acessa o site. Os fóruns são utilizados para a troca de informações entre as
participantes e também como um meio para se tirar dúvidas. Esses fóruns não têm
muita participação, entretanto são criados tópicos em um espaço razoável de
tempo.
Atores: Como na comunidade anterior, essa comunidade só aceita como
membros pessoas do sexo feminino, portanto a participação nos tópicos e as
possíveis relações a serem estabelecidas são apenas entre as mulheres. Como
mostra esse depoimento, de uma das participantes, que demonstra maior
confiança na opinião das “amigas” de comunidade do que nos próprios
professores da academia freqüentada por ela:

Estou treinando bi-set já há um mês ou pouco mais. É um bom


treino para hipertrofia? Qual a opinião de vocês sobre esse treino?

Sempre prestei muita atenção na execução e amplitude dos


movimentos, colocando uma carga compatível, mas ultimamente
tenho diminuindo a carga ao invés de aumentar, não consigo subir
as cargas faz tempo! Hoje falei sobre isso com o professor o infeliz
disse que é bom mesmo não colocar muito peso nos aparelhos
para não hipertrofiar muito (explicação bonita, não?)... Acho que
não estou evoluindo nada...(cidade de interior é fogo, o pouco que
sei aprendo com vocês, se eu for depender dos professores
daqui...) (Renata)

Essa é uma situação preocupante, já que a maioria das mulheres que


freqüentam essas comunidades são apenas praticantes do esporte e não
profissionais especializados para passar um treino correto e seguro. Entretanto,
existe um preconceito dos próprios profissionais, denunciado no tópico acima, de
que mulheres não podem ser hipertrofiadas, pois isso causaria uma imagem
masculinizada para elas.
Regras: A primeira regra exposta na comunidade é a proibição da
participação de homens. Mas achei interessante constatar no site Treino
Hardcore, no local destinado ao público feminino, chamado de Hardcore Girl, os
mandamentos de quem pratica musculação. A partir desse discurso é possível
entender as participações nos tópicos dos fóruns, já que a maioria das
participantes dizem ser adeptas dessa proposta.

OS 10 MANDAMENTOS DA MUSCULAÇÃO

POR: NINA VEIGA

1°- AMARÁS O HARDCORE - A VERDADEIRA MUSCULAÇÃO


SOBRE TODAS AS OUTRAS.
2°- NÃO DESCANSARÁS POR HORAS ENTRE AS SÉRIES E
REPETIÇÕES.
3°- GUARDARÁS OS DUMBLES E ANILHAS.
4°- HONRARÁS O DIA E O MOMENTO DO TREINO.
5°- NÃO CONVERSARÁS DURANTE O TREINO.
6°- NÃO FARÁS CORPO MOLE DURANTE O TREINO.
7°- NÃO ROUBARÁS ANILHAS, DUMBLES E PRESILHAS DO
PROXIMO.
8°- NÃO UTILIZARÁS CARGAS QUE NÃO AGUENTAS.
9°- NÃO COMPROMETERÁS A EXECUÇÃO DO EXERCICIO.
10°- NÃO INVEJARÁS O CORPO DO PRÓXIMO.

Comunidade “TPM: Taradas por Musculação”


Fonte: Orkut
Cenário: Essa comunidade possui 3123 membros e tem como objetivo
reunir mulheres que praticam musculação. Possui vários tópicos de discussão
abertos em seu Fórum e alguns deles com várias participações. O perfil da
comunidade mostra qual é o objetivo das mulheres que praticam musculação e
participam da comunidade: criar músculos.
Perfil da comunidade:

Essa comunidade pra todas se dedicam em seus treinamentos


diários...
E adora os resultados em seu corpo com os músculos bem
definidos...
..[[]]-------[[]]..
...... \_o_/ ......
........ \_/ .......
........ /=\ .......
.... _ /__\ _ ....

I Want Muscles!

Em seus tópicos são discutidos treinamentos, alimentação, dietas,


suplementação e também sobre o uso de esteróides anabolizantes. De todas as
comunidades analisadas essa é a única em que mulheres criam um tópico e
discutem sobre o uso de anabolizantes pelas mulheres. As opiniões divergem e
nenhuma delas critica o uso ou os efeitos que trazidos pelo uso, sejam eles os
efeitos colaterais ou efeitos esperados, considerando o “crescimento” muscular
normal, não sendo discutida a masculinização ocorrida no corpo feminino após o
uso. São anunciados serviços de personal trainer e nutrição, além da criação de
tópicos para a venda de produtos. As participações são constantes, o que significa
que são criados sempre novos tópicos ou alguém inclui um comentário nos fóruns.
Atores: Os membros participantes da comunidade são em sua maioria
mulheres, entretanto existe uma pequena participação de homens na comunidade,
mas são poucos os que debatem. Um fato comum entre as participantes é a
escolha profissional, muitas delas são acadêmicas ou profissionais de Educação
Física, fato evidenciado com a criação de um tópico criado especialmente para
reuni-las. Como em algumas das comunidades analisadas, existem laços fracos,
com mulheres que participam da comunidade apenas por diversão, e também
laços fortes, daquelas que participam mais ativamente, adicionando as outras
mulheres membros em seus perfis no Orkut.
Regras: Nessa comunidade não existem tópicos, nem dados no perfil de
apresentação explicitando as regras, não se limita a participação e não se proíbe
qualquer assunto ou a postagem de qualquer produto, mas não se vê muitos
tópicos do tipo spam9, o que significa que mesmo não sendo proibida a postagem
é possível que o moderador apague tais tópicos após sua postagem.

Comunidade “Top Model Não, Mulher Sarada”

Fonte: Orkut
Cenário: A comunidade conta com a presença de 5931 membros de ambos
os sexos. Sua mediação é feita também por um homem. E em sua descrição ela já
deixa claro o que o participante precisa ter para poder participar da comunidade,
existe uma seleção de perfis a serem aceitos:

9
Tópicos criados com mensagens repetidas e que são enviadas para várias comunidades e perfis sem qualquer
controle ou distinção. Normalmente são anúncios de produtos ou postagens do tipo sexuais, nas quais os links
relacionados muitas vezes levam a vírus instalados no computador de quem abre.
Você, homem, que também está cansado dessas mulheres de
pernas finas, bunda murcha, peito mole, com as costelas a mostra,
cheias de frescuras, magrela com sintomas de anorexia ou
bulimia, que só comem alface para manter um ridículo corpinho de
top model...essa é sua comunidade!!

VOCÊ, MULHER SARADA, COM MUSCULATURA DEFINIDA,


ABDOME TANQUINHO, MAROMBEIRA ASSUMIDA E SEM
FRESCURAS, RATAZANA DE ACADEMIA, enfim GATÍSSIMA,
FORTE, MUSCULOSA, BONITA, SARADA E GOSTOSA, que
abre potes de palmito, mata baratas, troca lâmpadas, troca o pneu
do carro, mas que também gosta de receber flores e ser tratada
como uma MULHER DE VERDADE...Seja muito bem vinda a essa
comunidade!!!
* ATENÇÃO : MULHERES SÓ SERÃO ACEITAS APÓS ANÁLISE
DO ÁLBUM DE FOTOS *

Atores: Por se tratar de uma comunidade com um número relativamente


grande de membros, com aumento diário, e pela atualização automática do Orkut
não é possível descobrir qual o número exato de homens e mulheres que
participam desta comunidade. O que pude notar é que existe uma boa
participação de mulheres, mas o número de participações e de efetivas
contribuições de homens para comunidade parece maior, quando analisados
esses tópicos de discussão.
Regras: A regra mais clara da comunidade está relacionada ao acesso a
ela. O moderador explica que antes de serem adicionadas à comunidade, é
preciso que ele análise os álbuns das mulheres que estão requisitando a
participação.
Analisando essas comunidades a constatação mais evidente foi a
preocupação exagerada com o corpo das mulheres que participam dessas
comunidades e também uma questão de gênero com presença muito forte,
especialmente em comunidade com permissão para a participação de homens.
Notei, através da análise da fala nos tópicos, que existe uma preocupação das
moderadoras das comunidades que não aceitam participação masculina para
poupar as mulheres de algum preconceito, vindo de frases agressivas ou com
apelo sexual, situação que ocorre com freqüência em comunidade que tem
participação de ambos os sexos.
Com relação ao consumo, fica claro que existe uma necessidade aprovação
do grupo, especialmente de integrantes que já tenham algum status dentro do
grupo, para decisão de se consumir algo. Featherstone( 2005, p. 38) explica que:

o conhecimento se torna importante: conhecimento de novos bens,


seu valor social e cultural, e como usa-los de maneira adequada.
Esse é, especificamente, o caso de grupos aspirantes, que adotam
uma atitude de aprendizes perante o consumo e procuram
desenvolver um estilo de vida.

Também descobri muitas categorias nativas que contribuíram muito para a


compreensão do estilo de vida e das perspectivas dessas mulheres com relação à
prática cotidiana e ao treinamento desportivo do fisiculturismo. Vou apresentá-las
aqui:
• Mulher sarada/malhada, definida: mulher que não tem gorduras
salientes no corpo e pratica atividade para se manter em forma, mas
tem como pretensão “crescer” em termos musculares.
• Marombeira: Diferente da mulher sarada, ela freqüenta quase
diariamente as academias de musculação e faz treinos com um
volume de peso grande e tem como objetivo ganhar massa muscular
e hipertrofiar.
• Hipertrofia: tipo de treinamento que tem como objetivo queimar a
maior quantidade de gordura corporal possível, com perda de peso.
No caso das atletas de fisiculturismo, a hipertrofia antecede as
competições, ou seja, são construídos treinos específicos para
queimar gordura corporal. Nos campeonatos disputados por elas
esse é um dos requisitos mais importantes e valorizados.
• Treinar Pesado: Existe uma diferenciação entre as praticantes de
fisiculturismo e aquelas que freqüentam as academias por bem estar.
As fisiculturistas treinam com um volume de peso altíssimo,
normalmente muito além do seu limite, e são diferenciadas das
outras praticantes de musculação que freqüentam as academias
para emagrecer ou por lazer, que seria considerado malhar. Frango:
Homem ou mulher que não tem um grande volume muscular e não
vai à academia a procura disso. É também uma categoria de
acusação.
• Monstro: Homem ou mulher que treina pesado e tem um grande
volume de massa muscular.
• Secar: Retirar toda a gordura corporal. No caso das fisiculturistas,
em períodos antes das competições, são retirados sal e água de sua
dieta para que o processo de secar seja perfeito.
• Trincar: Hipertrofiar
• Shape: O corpo da marombeira, esculpido.
• Barriga “tanquinho”: Barriga totalmente hipertrofiada, e marcada por
“gominhos”.
• Pré-Contest: Fase que antecede as competições de fisiculturismo.
• Estar em off/off season: Fase distante das competições, em que as
atletas estão preocupadas em ganhar massa muscular e não
hipertrofiar. Nesse momento as atletas possuem peso muito acima
do normal, que normalmente não é de gordura e sim de ganho de
massa.
CAPÍTULO 3

NO PAIN NO GAIN: AS MÁQUINAS DE PRODUZIR MÚSCULOS

Fonte: http://www.unrealmuscle.com

Quer ficar com um shape rasgadaço?


Quer ficar todo fibrado?
Quer entrar no palco e mostrar porque você é o melhor?
Então sofra no Pré-Contest e mostre quem você é!

Ao analisar algumas comunidades no Orkut e verificar os perfis das


participantes, decidi tentar entrevistar algumas atletas brasileiras de fisiculturismo
que também possuíam perfis na rede e participavam dessas comunidades. Na
busca de informações sobre o esporte pude delinear que existem quatro
categorias de competição diferentes no fisiculturismo feminino. O fitness,
modalidade na qual a atleta é julgada basicamente pela performance atlética, pela
feminilidade, pela beleza facial e com o tônus muscular não totalmente definido. A
apresentação corporal é aliada a coreografias artísticas. Nas palavras da
entrevistada F., são “pessoas ditas saradas, com corpo de garota de praia, nada
muito hipertrofiado”. O figure, modalidade na qual a competidora é avaliada por
uma musculatura hipertrofiada, sem exagero e sem muita definição, onde ela
executa poses no palco na tentativa de ressaltar seus pontos fortes, simetria entre
as partes é importante. O body fitness, categoria na qual a atleta apresenta sua
musculatura ao mesmo tempo em que dança uma música num ritmo bem
acelerado. E o culturismo propriamente dito, com competidoras com muita massa
muscular bastante hipertrofiada e muito definidas, o que as torna, segundo F.,
“bastante masculinizadas” que é dividido por peso, até 55 kg e acima de 55 kg.
Esta última é dividida ainda em sub-categorias de peso. Essas categorias trazem
características que ajudam a compreender a organização social do gênero, já que
em cada uma delas existe uma maior ou menor masculinização do corpo feminino,
além de utilizar coreografias e poses consideradas mais femininas.
Minha intenção inicial era entrevistar pelo menos uma atleta de cada uma
dessas categorias citadas. Entrei em contato com algumas mulheres
primeiramente pelo Orkut e, após essa primeira aproximação, elas me passaram
seus e-mails e endereço de mensagem instantânea para entrevista-las com maior
profundidade. Porém, das atletas que efetivamente responderam meus e-mails,
uma era da categoria body fitness, duas do figure e uma do culturismo. As quatro
atletas concordaram em falar sobre suas experiências com o fisiculturismo, no
entanto com apenas uma delas consegui concluir o questionário proposto por
mim. A alegação de todas para a demora para responder os questionários era a
de que além de treinar para as competições todos os dias, elas ainda mantinham
uma rotina profissional de muitas horas por dia, o que acabava dificultando o
acesso à Internet e conseqüentemente faltava tempo para responder aos e-mails
que, segundo uma delas, eram muitos e tinham características diferentes como
pessoas pedindo dicas de treino, entrevistas para revistas especializadas em
musculação, dentre outros. As trocas de e-mail ficavam mais difíceis perto das
competições. A atleta de culturismo, ao invés de uma entrevista formal, sugeriu
que eu mandasse meu endereço residencial via e-mail e ela me enviaria algumas
reportagens sobre sua vida, no entanto após uma solicitação minha, ela se dispôs
também a responder as minhas questões.
Devido à dificuldade em encontrar material teórico que descrevesse essas
categorias, apoiei-me nas categorias descritas pela Confederação Brasileira de
Musculação e Culturismo e nas informações recebidas das atletas nas entrevistas
realizadas.
As entrevistas, em conjunto às visitas às páginas pessoais na Internet e
aos perfis do Orkut, me ajudaram a esclarecer alguns dos questionamentos feitos
no início do trabalho. Entre as atletas contatadas para a pesquisa, escolhi contar
aqui a trajetória de quatro delas, pois com uma delas consegui realizar entrevistas
com vários retornos e com três as questões respondidas foram suficientes para
responder às questões propostas. A elas vou me referir, doravante, como F., M..
L. e L.C.para resguardar suas identidades.
As quatro entrevistadas têm trajetórias socioeconômicas e familiares
distintas, entretanto, em suas trajetórias individuais partilham um mesmo estilo de
vida, estilo perpassado pelos ideais do culto ao corpo e que as levam a testar seus
próprios limites cotidianamente.

3.1 Quatro modalidades de fisiculturismo, quatro trajetórias individuais

A discussão teórica apresentada no início deste trabalho contribuiu para a


compressão das trajetórias das atletas de fisiculturismo que entrevistei, trazendo
elementos que me ajudaram a identificar se as questões levantadas pelos teóricos
estudados eram pertinentes ao estudo proposto.

A trajetória de F. : “Nosso grande inimigo, somos nós mesmos”

F. foi uma das primeiras atletas com quem troquei mensagens. Educada,
atenciosa e acessível, logo aceitou meu pedido para ser adicionada em seu Orkut.
Quando me identifiquei como pesquisadora, ela se prontificou em esclarecer
qualquer dúvida sobre o esporte e sobre seu cotidiano. Além de participar da
pesquisa, ela me disse que seria uma forma de também contribuir para a
divulgação do esporte que ela ama, “mas que infelizmente ainda tem muito a
crescer ainda em nosso país”. Compete na categoria body fitness.
O início de sua trajetória no esporte se deu a partir de um
descontentamento com o peso, aos dezesseis anos, quando começou a treinar
musculação, pois, segundo ela, era obesa. Ainda de acordo com a entrevistada,
sua família tem tendência ao excesso de peso, a mãe pesava noventa e cinco
quilos e o pai cento e cinco. Segundo F. os fatores principais que a levaram a
buscar o esporte foram a saúde, a possibilidade de elevar a auto-estima e buscar
mais qualidade de vida. Como mostra Azize (2005, p.4) no contexto
contemporâneo da classe média, corpo e saúde emergem como conceitos
“inflacionados, foco de investimentos que não estão ligados necessariamente, à
prevenção ou ao tratamento de doenças”. Argumenta ainda que:
O corpo é base para uma saúde que prescinde de um oposto para
ser objeto de preocupação e investimentos; a intervenção em
busca de saúde não mais precisa de doença para justifica-las.
De lá pra cá, já se passaram onze anos. Solteira, fez da paixão pelo esporte
uma profissão, se formou em Educação Física e hoje trabalha como personal
trainer. Essa é uma maneira de se manter no esporte, já que os atletas de
fisiculturismo no Brasil, especialmente as mulheres, sofrem com a falta de
patrocínios para as competições, e com os prêmios que não cobrem as despesas
com a suplementação e dietas das atletas. F. argumenta que é o prestígio no
esporte que traz alunos para sua academia. Em sua página no Orkut ela exibe
com orgulho os títulos conquistados em competições locais, estaduais e nacionais.
Mas, para que pudesse conquistar todos esses títulos, F. teve que sofrer
durante anos com exercícios intensos, uma suplementação especializada e uma
dieta rigorosa:
Minha dieta e dividida em 7 refeições diárias, as principais
refeições são equilibradas com tudo, vegetais do grupo 1 e 2,
carnes, leguminosas e carboidrato, além de frutas e suplementos
como whey protein (esse e fundamental pra todo atleta de
fisiculturismo), os demais suplementos variam de acordo com a
fase de treinamento bem como toda a alimentação e treino.

Le Breton(2007, p. 44) vai mostrar como essa rotina é fundamental para a


construção da identidade do fisiculturista, na qual a dor e o sofrimento se
transformam em gozo, e que segundo o autor, é comprada por alguns ao ato
sexual.
Seus treinos e as restrições alimentares se intensificam à medida que as
competições se aproximam. As fases de treinamento são divididas em duas. A
fase off season, que acontece após alguma competição ou quando se esta longe
do período em que esta vai ser realizada. F. considera essa como a melhor fase,
ela explica que “pode comer, sair da dieta nos finais de semana, podemos comer
o que temos vontade, enfim, podemos abusar e até comer doces” .Nesse período
se dá ênfase à hipertrofia muscular e não se dá muita atenção para a definição. A
outra fase é a de pré contest, quando se está a quatro ou cinco meses da
competição. Nesse momento, a ênfase recai sobre a definição muscular, “secar”,
na linguagem de quem faz parte desse universo. Nesse momento, a dieta fica bem
restrita e se come praticamente a mesma coisa todos os dias, chegando ao ponto
de zerar os carboidratos e tirar todo o sal da comida. Para F. essa é a hora mais
difícil:

é a fase que sofremos mesmo, ficamos mais fracas, mais


debilitadas, de muito mau humor já que todo dia comemos sempre
a mesma coisa... o treino fica mais intenso e nós mais
fracas...Nessa fase nosso grande inimigo somos nos mesmos.

Outra coisa que pude notar analisando seu perfil no Orkut é o preconceito
sofrido por mulheres que praticam esse esporte. Em sua página tem um grande
desabafo destinado às criticas que ela recebe, seja com relação às dietas, à rotina
de treinos, campeonatos e com relação ao seu tamanho corporal: “pessoas que
implicam dizendo que corpo assim é feio”. Ela se defende pedindo que respeitem
seu “estilo de vida”.
Para F. é necessário gostar muito do que faz porque o esporte não oferece
qualquer apoio financeiro às atletas e é muito caro devido à alimentação, sempre
em grande quantidade e a toda suplementação necessária que também não é
barata. Não se tem retorno algum. A não ser que, como ela, se tenha uma
profissão ligada ao meio.
A trajetória de M.: “Eu tive que esculpir meu corpo, isso dói”

A trajetória de M. é um pouco diferente da de F. Órfã, criada em um colégio


de freiras, ela diz que desde criança escutou as pessoas dizerem que ela tinha um
porte atlético. Começou a malhar aos 18 anos, por vontade própria, e os elogios
que recebia por causa do perfil atlético tiveram uma grande influência na sua
tomada de decisão. Ela explica:

como as pessoas sempre me perguntavam se eu era atleta,


sempre pensei quem sabe um dia não vou mesmo ser atleta.

Depois de passar por várias academias da cidade, seu encontro com o


fisiculturismo aconteceu quando decidir se matricular em uma academia perto de
sua casa. A dona, também professora, treinava alguns alunos para as
competições de fisiculturismo e foi por incentivo da dela que M. decidiu começar a
treinar.
Hoje, aos trinta e sete anos, separada e mãe de dois filhos, ela também
cursa a faculdade de Educação Física, na tentativa de poder se manter nas
competições. M., que compete na categoria figure, na qual a simetria é julgada, diz
que sua alimentação é normal, porém tenta se alimentar da maneira mais correta
possível, evitando “besteiras”, pois “quando você sabe que tal comida não é legal,
você fica com peso na consciência”. Ela se diz uma privilegiada com relação ao
seu corpo porque tem uma genética boa. Em quatro meses de treino, conseguiu o
resultado esperado, mas para que isso a acontecesse diz ter sofrido bastante:

Eu tive que esculpir meu corpo, e isso dói!

As palavras de M. ilustram bem o conceito de corpo como rascunho, trazido


por Le Breton (2007), no qual ele pode e deve ser modificado. No caso do
Fisiculturista ele, esse corpo é trabalhado por peças, cada músculo é esculpido a
parte, “lançando uma operação metódica de escultura de si” (LE BRETON, p. 42,
2007). O sofrimento é a dor são os elementos que ajudam a desenvolver e a
valorizar esses músculos. É o ideal do No Pain No Gain. Isso fica muito claro em
alguns trechos da entrevista, quando a M. é perguntada sobre seu conceito de
saúde:

Exercícios são feitos para a saúde, as pessoas têm que ser


exercitar para a saúde. Agora quando o exercício é competitivo ele
não e para a saúde sim estético.Quem faz exercício
competitivo não faz para a saúde.Claro que a prática do
fisiculturismo não é saudável, primeiro por ser competitivo segundo
os exercícios são muito repetitivos, conclusão acaba com seu
corpo, varias lesões, terceiro a dieta e muita severa salvo por ser
por um tempo determinado.Mas as lesões do corpo ficam!!!!

Essas lesões são admitidas em favor do desejo de uma conquista, de ser


bem sucedida no esporte. Mas não é só a questão do prestigio profissional que
move essas atletas, existe um prazer em ver seu corpo modificado, como um
projeto seu, como mostra M., quando perguntada qual sua motivação para treinar,
sabendo dos riscos a sua saúde e mostrando quais as lesões adquiridas por ela
nesse tempo de treinamento:

Tenho lesões no joelho, lombar, mas...ninguém é perfeito.O que


me motiva primeiro é meu sonho, depois é quando você se vê no
espelho e vê uma obra prima.

Hoje os treinos e as dietas são para manter a silhueta que já conseguiu


esculpir. Em épocas de competição, segundo M., os treinos são para deixar o
corpo com a simetria perfeita. Para isso, ela faz também uso de uma
suplementação manipulada, mas apenas quando vai participar de competições,
para emagrecer e “segurar a massa”. Quando perguntada sobre o uso cotidiano
de esteróides anabolizantes pelas atletas de fisiculturismo, M. é direta:

Bom eu nunca fiz ciclo de anabolizantes e jamais quero fazer.


Faria sim se fosse para ganhar dinheiro e muito!!! Porque não
quero ficar com corpo masculinizado gosto de músculo, mas quero
ser feminina... Uso suplementos só quanto vou participar de
campeonatos faço ciclo de suplementos que são importantíssimos.
As pessoas tomam anabolizantes porque tem pressa de crescer
não sabem esperar, tem que ser aqui e agora entende!!!!! a pressa
é inimiga das pessoas.Tudo que eu tomo de artifício é manipulado
não compro em qualquer lugar, entende? O que acontece é que
as pessoas exageram ao tomar anabolizantes. Tomam sem ir ao
médico, tomam porque o colega tomou e exageram e acabam se
dando mal!!!

É enfática também quando perguntada sobre o modelo contemporâneo de


corpo feminino em contraposição ao modelo de corpo cultuado no fisiculturismo:

me sinto muito bonita, gosto de mim e as pessoas me olham com


admiração. Bom umas gostam, outras não. Mas recebo mais
elogios do que desprezo. Olha cada um tem seu padrão de
beleza, pra mim não seria legal se todas as mulheres fossem
musculosas, cada um é cada um. O importante é se gostar e se
curtir.

Para M. se sente realizada e diz que o esporte mudou sua vida. Aumentou
sua auto-estima, conheceu lugares e pessoas que nunca imaginou conhecer. Só
desanima quando diz que não é possível viver só do esporte, pela falta de
patrocínio. Quando perguntada sobre qual, seu grande sonho, colocado por ela
todo o tempo na entrevista fica claro que tanto quanto uma relação profissional, de
prestigio e status, como a relação pessoal com seu corpo são levadas em
consideração na decisão continuar treinando:

ter dinheiro para poder participar de todas as competições . Queria


me transformar em um ícone. Queria ter um homem do meu lado,
que me desse a maior força, queria ter dinheiro também.
Já conquistei muita coisa, quem era eu, nada uma mulher simples
e que hoje eu tenho quase mil fãs. Isso pra mim e
maravilhoso.Tenho homens que babam por mim, adoro... que me
adoram...... eu amo. Eu sempre digo famosa já sou ,agora só
preciso de dinheiro. Gosto do que faço se um dia eu não puder
fazer com certeza eu vou morrer.

A tragetória de L. “Decidi que queria ficar forte”


O inicio da trajetória de L. como atleta de fisiculturismo foi um pouco
diferente. Empresária de 42 anos, casada, mãe de uma filha aos 25 anos, filha de
mãe italiana e pai japonês, única mulher, estudava e trabalhava com os pais
desde criança e diz não ter tido muito incentivo para prática esportiva. Depois de
casada passou a praticar tênis e squash, vida segundo ela normal, mas bem
estressante. Ia da casa para o trabalho e do trabalho para a casa, sem hora para
comer e viciada em bolacha recheada. Tinha anemia e era muito magra, o que lhe
trazia rotineiramente problemas de saúde. O que no ponto de vista dela vinha da
baixa auto-estima. O envelhecimento do corpo é uma das grandes preocupações
da sociedade atual, que o considera um capital simbólico (GOLDENBERG, 2007),
tão importante quanto o capital econômico ou o capital social.
Aos 30 anos, decidiu procurar uma academia depois de em uma corrida
pela praia com uma amiga, perceber que suas pernas estavam flácidas e com
celulite. Ela relata a decisão em dois momentos:

Um certo dia na praia, caminhando com uma amiga, começou a


chover e resolvemos correr. Quando olhei para minhas pernas,
pareciam uma gelatina de tão flácida, havia muita celulite apesar
de eu ser magra, preferi tomar toda chuva a correr.

Os 30 anos em uma mulher é assustador, parece que, o dia que


completamos trinta anos, nosso corpo se transforma, no mesmo
dia. A flacidez aparece intensamente, as celulites, tudo despenca.

Após esse episódio, L. procurou uma academia na qual já treinavam alguns


atletas de fisiculturismo e após esse contato, ela conta que decidiu mudar sua vida
e traçou os objetivos, mudar o corpo e ela alimentação para ficar forte. O que ela
mostra nesse relato:

Meu único objetivo nessa academia, era de melhorar meu corpo,


assim, comecei a treinar com os pesos. Melhorei minha
alimentação e vi um resultado bem rápido, me animando cada vez
mais, como nessa academia havia muitos atletas, comecei a me
interessar pelos músculos, pelos atletas e pelos campeonatos ai
decidi que queria ficar forte.
Sua primeira atitude foi mudar os hábitos alimentares, conhecer e consumir
suplementos alimentares e os métodos de treinamento. Atitudes que segundo L.
trouxeram novo ânimo para sua vida e sua rotina de profissional, mãe e dona de
casa. Em seu discurso, a alimentação é coloca em primeiro plano, afirmando que
“você é o que você come”. Para ela, o que faz um atleta ganhar ou perder um
campeonato não é o treino nem a suplementação e sim, levar a sério a dieta a que
se propôs, que são sempre bem restritivas, por isso muito difícil manter.
Hoje, atleta da categoria figure, conta que disputou seu primeiro
campeonato nacional aos 30 anos, ficando em sétimo lugar, o que a deixou um
pouco decepcionada, mas mais motivada para treinar e conseguir uma melhor
colocação e no ano seguinte foi campeã paulista. Passou a disputar os
campeonatos mundiais, que acontecem um ano em cada parte do mundo.
Ela conta que ao começar a treinar recebia muitas críticas por parte das
amigas, tendo algumas delas até se afastado. Fato que gerou uma critica por
parte dela e retrata em seu ponto de vista o cotidiano daquelas que vão contra a
prática:
Penso que elas preferem continuar numa vidinha medíocre,
sem emoções, se entupindo de remédios tarjas pretas para dormir,
para acordar, para colesterol e sempre tristes, para mostrar a
sociedade que elas são normais.

Sua rotina começa as 5:45 da manhã, quando ela sai da cama direto para a
esteira que fica ao lado ou subindo 4 vezes as escadas do prédio (ela mora no 18º
andar). Ela mesma prepara as refeições que vai fazer durante o dia e leva com
ela. Os treinos diários acontecem à noite, uma hora e meia por dia. A filha de 17
anos é sua companheira de treinos e viagens.
L. reclama do tratamento dado pela mídia e pela sociedade aos
fisiculturistas. Para ela existe um preconceito que dificulta a aceitação das atletas:

Infelizmente ha muito preconceito aqui no Brasil no q se refere à


musculação. Muitos criticam e acham q só ficamos assim por
causa de ergogênicos (bombas), se fosse assim as academias
estariam cheias de atletas. É uma pena q a mídia só se interesse
em escrever quando alguém é pego no dopping, ou sobre alguém
que estava vendendo e nunca se interessa em dar informações e
esclarecimentos ou mesmo uma reportagem sobre os atletas que
representam muito bem o país lá fora, num esporte onde sempre
os americanos reinaram.

Em um discurso parecido com o das outras fisiculturistas entrevistadas, L.


conta que a musculação mudou sua vida, trazendo muito amigos, disciplinando
seu tempo e sua alimentação.

A tragetória de LC.: “Queria ser musculosa!”

Aos 13 anos, enquanto acompanhava a mãe na academia de ginástica, LC


folheava revistas de musculação e se deparava com os corpos musculosos das
americanas que já tinham algum sucesso no esporte. Foi nesse momento de sua
vida, segundo ela, que desejou construir um corpo musculoso:

Eu olhava revistas de musculação e admirava as mulheres


musculosas...pensava: Um dia quero ser assim!

LC perdeu o pai aos 10 anos e aos 14 trabalhava como auxiliar de serviços


gerais em uma escola de sua cidade, mais velha deu aulas particulares de
português e matemática e aos 17 entrou para o curso de Educação Física. Foi
nesse período de começou seus treinamentos, ela afirma que sempre quis ser
atleta de culturismo, mas não sabia como. Foi amparada por um por professor da
faculdade que a ajudou com os procedimentos necessários e teve uma personal
trainer e uma nutricionista contratada pela mãe. Seu objetivo no esporte, segundo
ela era competir.
Hoje, aos 32 anos, ela é única das atletas entrevistadas que compete na
categoria mais pesada do culturismo, e tem um corpo bastante diferente do
modelo considerado ideal para as mulheres hoje: pesa 65 quilos em pré contest e
85 quilos em off season. Esse peso é quase que totalmente massa muscular, ela
já chegou a atingir apenas 3% de gordura corporal. Mesmo assim, diz que não se
sente nem um pouco masculina e que usa vestidos, pinta as unhas e usa batom
como toda mulher. As mulheres que praticam essa modalidade são as que mais
sofrem preconceitos com relação a sua sexualidade. Tal fato se deve à construção
histórica e discursiva da masculinidade, e em especial do papel que a chamada
masculinidade hegemônica ocupa na sociedade atual. Esse modelo ideal do que é
ser masculino e que acaba por gerar outras masculinidades subalternas, estando
a categoria mulher incluída nesse contexto, coloca os músculos e a proporção
corporal do fisiculturismo, como uma prática essencialmente masculina. Almeida
(1996, p. 165) mostra que a relação entre masculino e feminino é uma relação
desigual, assimétrica. Segundo o autor, “trata-se de uma forma de ascendência
social que se reproduz, pois, na base de um processo de naturalização”, sendo o
corpo o principal símbolo dessa ontologia. Existe um modelo de corpo feminino e
um modelo de corpo masculino, tais modelos, não sendo seguidos pelas
fisiculturismo acabam, algumas vezes, por deixa-las à margem por ambas as
categorias.
Seu dia começa as 5:40 da manhã quando ela preparada toda a sua
comida para o dia, as 7:00 começa inicia o trabalho como personal trainer em uma
academia, onde trabalha até 10 horas por dia. Como não pode deixar de trabalhar,
por causa da falta de patrocínio e do custo elevado da suplementação, toda
importada, os treinos acontecem no intervalo entre os alunos ou quando algum
deles não comparece. Esses treinos variam dependendo da época em que a atleta
se encontra, antes ou após as competições, e são sempre feitos com muita
intensidade e sempre até a exaustão. O que muda nesses períodos é a dieta,
sempre muito restritiva e os aeróbios, que são os exercícios para se queimar
gordura corporal, como, por exemplo, corrida na esteira. A suplementação usada
por ela é sempre importada e de uma dezena de tipos: Whey protein, glutamina,
bcaa, melatonina, complexo multivitamínico, vitamina c, shakes combinados com
proteínas e carboidratos, queimadores de gordura como sinefrina.
A entrevista com ela confirmou a hipótese inicial do trabalho de que o uso
de esteróides anabolizantes entre as praticantes de fisiculturismo parece ser
mesmo um tabu, pois não costuma ser discutido com pessoas que não são de seu
círculo. Em todos os momentos que perguntei sobre o assunto, LC deixava de
responder aos e-mails.
3.2 Fisiculturismo, Risco e Corpo

A pesquisa de campo mostrou como essas mulheres que praticam


fisiculturismo se sentem em relação ao seu corpo, modificado diariamente a partir
de exercícios intensos, suplementação e dietas super restritivas. Apesar dos
caminhos distintos e de histórias de vida diferentes, todas elas, quando decidiram
iniciar seus treinamentos tinham uma única pretensão, a modificação corporal. O
combate à obesidade e ao envelhecimento do corpo, o porte atlético e a vontade
de possuir músculos, foram as respostas dessas mulheres à obrigação de cuidar
do corpo imposta pela sociedade de consumo. Mas a construção de um corpo
musculoso e bem definido parte de projetos individuais, pautados em uma
necessidade de controle de si, de ultrapassar seus limites e criar assim uma nova
identidade. Essa identidade “é modelada nos músculos como uma produção
pessoal e dominável” e encarregando-se o body builder de seu corpo, ele
recupera sua existência (LE BRETON, 2007:41). Sabino (2004, p. 14) comunga da
mesma idéia, pois em suas palavras “a preocupação não apenas com a
aparência, mas com a forma física - com o entalhe muscular lapidado a ferro, suor,
exercícios, dor, dietas e mesmo cirurgias -, apesar de ser produzida
coletivamente, torna-se carregada de investimento individual”. A opção por um
esporte de alto rendimento, como o fisiculturismo, ultrapassa os discursos da
prática esportiva por lazer. Essas atletas foram à procura de uma disciplina e auto
controle pessoal, que é característica do esporte do esporte competitivo, como
mostra Elias e Dunning (1992).
Le Breton afirma que a dor na cultura desportiva é consentida. É o sacrifício
feito pelo atleta numa troca simbólica que vai levá-lo aos resultados esperados. De
acordo com o autor, “através das dores sentidas nos treinos, o atleta paga
simbolicamente o preço da resistência quando chega o grande dia” (LE BRETON,
2007, p. 13). E argumenta também (2007, p. 41) que o body builder só está
preocupado em adquirir massa muscular, sendo a gordura, no seu ponto se vista,
um parasita que precisa ser eliminado e sua alimentação, é “pura matéria para
fabricar músculos, um cálculo cientifico da soma de proteínas a serem
absorvidos”. O fisiculturista pode ser considerado a hipérbole do ódio à gordura na
sociedade moderna e esse ódio o transforma em uma máquina de produzir
músculos, a qualquer custo, daí os riscos corridos. Trata-se, segundo o autor, de
fabricar a si mesmo, “de transformar o próprio corpo num campo de cultivo” (2007,
p.42).
O risco é parte do cotidiano dessas atletas e a disponibilidade de uma série
de produtos no mercado, além do fácil acesso a eles, compõem o quadro de
riscos experimentados por essas mulheres no desejo de transformarem seus
corpos para fazerem parte do universo do fisiculturismo. Os riscos não são
percebidos como riscos ou são minimizados e consentidos frente a um objetivo a
ser alcançado. São vistos aqui como uma busca individual que traz sentido à vida,
sendo na cultura desportiva e, em especial, no fisiculturismo calculado, gerenciado
e controlado, um risco–probabilidade, numa possibilidade de disciplinar o corpo,
no sentido de Spink e Menegon (2006). Mesclado com um risco-aventura, que se
“corre” (Spink e Menegon, 2006, p. 171) em busca de uma satisfação pessoal,
pensando em um custo-benefício. Segundo Le Breton (2006, p. 88) essa procura
pelo risco se deve à perda dos referenciais de valores e sentidos numa sociedade
onde tudo se torna provisório, levando o sujeito procurar em si o que antes
procurava no sistema social, sendo obrigado ser empreendedor da própria vida e
mostrando que na ausência dos limites de significação que a sociedade “não
obedece mais, o individuo procura ao seu redor, fisicamente os limites de fato”.
Esse universo tem uma lógica própria, é o meio do sujeito ascender na
carreira, de ter sucesso. Especialmente no caso das mulheres, esse sucesso é
importante por não terem o devido financiamento. Além disso, alcançar as metas
para se ter o corpo almejado nesse meio, é requisito para se conseguir alunos
para treinar e, assim, garantir ou aumentar a renda para poder continuar
investindo no seu próprio corpo e obter maior sucesso no esporte. O sucesso
financeiro no esporte é baseado no status que se tem dentro dele.
O corpo é visto ainda por essas mulheres, não só como um instrumento de
trabalho, o corpo é percebido como o próprio capital, como um meio de ascender
socialmente. Goldemberg (2007, p.13) mostra que a associação “corpo e
prestígio” se tornou elemento fundamental na cultura brasileira. A autora explica
(2007, p.29) que existe atualmente um determinado modelo de corpo no Brasil que
é “um valor, um corpo distintivo, aprisionado e domesticado para se atingir a ‘boa
forma’, um corpo que distingue como superior àquele que o possui, um corpo
conquistado por meio de muito investimento financeiro, trabalho e sacrifício”.
Couto (2001, p. 53) tem idéia parecida e mostra que a remodelagem corporal é
“no entusiasmo esportivo e muscular, rótulo de vigor e saúde, e o corpo é um
objeto publicitário nas teias da gratificação pessoal”. Esse modelo, adotado pelas
fisiculturistas em seu mais alto grau, torna-se através do sacrifício, da dor, da
rotina de treinamento, das dietas, da alimentação rígida, um meio de se obter
sucesso e prestígio na carreira e na vida pessoal. Pode se afirmar, assim, que tal
prática representa, para essas mulheres, uma realização pessoal e, nesse sentido,
uma possibilidade de singularização em uma sociedade que massifica,
uniformizando os sujeitos, tornado-os números, consumidores.
CONCLUSÃO

O principal objetivo do trabalho de conclusão de curso aqui apresentado foi


analisar as práticas corporais das mulheres que praticam fisiculturismo na
tentativa de compreender quais significados elas atribuem ao padrão estético do
fisiculturismo e, principalmente, como elas o situam face ao padrão de beleza
feminino mais corrente, analisando se esse padrão se apresenta como uma
alternativa que se contrapõe ao padrão hegemônico de mulher magra, bem
delineada, sem gorduras, mas sem excessos de músculos. Procurei entender
também como essas mulheres fisiculturistas percebem os riscos que envolvem tal
prática e investigar o que elas expressam através de seus corpos.
Para isso busquei nas comunidades virtuais elementos que me dessem
uma visão acerca do fisiculturismo enquanto pratica de lazer voltado para a
construção do corpo de forma apenas estética, observando a troca de informações
e consumo decorrente das relações estabelecidas nessas comunidades. As
entrevistas realizadas com as atletas, no ciberespaço me deram uma visão sobre
o fisiculturismo, enquanto esporte e me levou a pensar sobre as construções e a
manutenção de um corpo, esculpido por elas e mantido como um capital, visando
status dentro do grupo.
Também pude perceber na pesquisa de campo, como os laços nascidos
nessas comunidades têm poder determinante na decisão de se consumir algo. O
fisiculturismo é encarado como um estilo de vida a ser seguido, e o mercado de
consumo é o elemento que dá consistência para o crescimento dessa prática.
O que fica claro na pesquisa é a relação entre fisiculturismo, risco e
mercado de consumo voltado para o corpo, sendo impossível dissociar esses
aspectos na análise. O risco é parte do cotidiano dessas atletas e a
disponibilidade de uma série de produtos no mercado, além do fácil acesso a eles,
compõem o quadro de riscos experimentados por essas mulheres no desejo de
transformarem seus corpos para fazerem parte do universo do fisiculturismo. Os
riscos não são percebidos como riscos ou são minimizados e consentidos frente a
um objetivo a ser alcançado. Nesse universo, ele tem uma lógica própria, é o meio
de ascender na carreira, de ter sucesso. Especialmente no caso das mulheres,
esse sucesso é importante por não terem o devido financiamento. Além disso,
alcançar as metas para se ter o corpo almejado nesse meio, é requisito para se
conseguir alunos para treinar e, assim, garantir ou aumentar a renda para poder
continuar investindo no seu próprio corpo e obter maior sucesso no esporte. O
sucesso financeiro no esporte é baseado no status que se tem dentro dele.
Notei que, entre as atletas de fisiculturismo o padrão estético mais corrente
na sociedade hoje não é um projeto para elas. O que não significa que essas
mulheres não seguem um padrão também estabelecido pela sociedade, já que a
busca por músculos salientes e uma hiper definição corporal, parece ser mais
ligado ao ódio que a sociedade vem cultivando pela gordura e a necessidade de
se controlar o corpo e molda-lo. Existe uma necessidade de se criar uma marca de
diferenciação, de se destacar como corpo dentro desse grupo, em busca de status
e de diferenciação.
Sendo assim, pude perceber também que o preconceito com relação à
construção de um corpo forte e musculoso parte de fora do grupo. Em todas as
comunidades e mesmo nas entrevistas, o que fica visível é que no ponto de vista
delas esse é um corpo admirável e valoroso, já que foi esculpido e construído com
muito empenho e dedicação, existindo da parte delas, uma preocupação em se
manter sempre com unhas pintadas, usando saias e blusas justas, salto alto, na
tentativa de se afirmar como mulher, feminina, se contrapondo a idéia de que para
se ter um corpo forte e musculoso é necessário ser homem. Entretanto, mesmo
entra as mulheres que praticam existe um certo discurso de preconceito entre as
categorias, tendo sido isso exposto nas entrevistas, sendo o fitness a mais
feminina, no figure as mulheres são definidas, porém femininas e o culturismo a
categoria de maior masculinização da mulher, inçando como a idéia de
masculinidade toma conta não só do discurso dos homens, como também das
mulheres.
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