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Ensaio sobre a poeira

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Universidade do Estado de Santa Catarina –UDESC
Centro de Artes – CEART
Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais - PPGAV

Fabíola Scaranto

Ensaio sobre a poeira

Dissertação de Mestrado elaborado junto ao Programa de


Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART-UDESC para
obtenção de título de Mestre em Artes Visuais, na linha
de pesquisa Processos Artísticos Contemporâneos.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Raquel da Silva Stolf

Florianópolis/SC
2015

3
S285e Scaranto, Fabíola
Ensaio sobre a poeira / Fabíola Scaranto. – 2015.
160 p. : il. color ; 21 cm

Orientadora: Maria Raquel da Silva Stolf


Bibliografia: p. 156-159
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes,
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Florianópolis, 2015.

1. Ensaio. 2. Vídeo - arte. 3. Experiência artística. I. Silva, Maria Raquel da. II.
Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
III. Título.

CDD: 778.599 – 20.ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

4
Ensaio sobre a poeira | Fabíola Scaranto

______________________________________________

Dissertação de Mestrado elaborado junto ao Programa de


Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART-UDESC para
obtenção de título de Mestre em Artes Visuais, na linha
de pesquisa Processos Artísticos Contemporâneos.

Banca examinadora:

Profa. Dra. Maria Raquel da Silva Stolf (Ceart/Udesc)

Profa. Dra. Regina Melim Cunha (Ceart/Udesc)

Profa. Dra. Clélia Maria Lima de Mello e Campigotto (Cce/Ufsc)

Florianópolis, dezembro de 2015.

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para Bento

7
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Ag r a d e c i m e n t o s

Raquel, pela orientação, confiança, abertura, contribuições e, sobretudo,


generosidade.
Professora Regina Melim, pela leitura do trabalho e pelo estímulo desde
minhas primeiras experiências.
Professora Clélia Mello, pela leitura do trabalho, conversas e
questionamentos.
Aos meus pais Elza e Reni e minhas irmãs Daniela, Sabrina e Bianca, pelo
apoio e incentivo.
Claudia Zimmer, pela amizade e por compartilhar comigo suas experiências.
Aos professores, colegas e funcionários do PPGAV.
A CAPES, que incentivou a pesquisa.
Aos artistas e seus trabalhos, assim como aos autores e seus escritos.
Ao meu filho, Bento, que tornou tudo mais leve.
E, por fim, André, pelo apoio, incentivo, tempo, paciência e pela vida
compartilhada, obrigada.

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Re s u mo

Esta pesquisa é uma investigação acerca de três séries de vídeos


desenvolvida na forma de ensaios escritos e visuais que apresentam
algumas vias de acesso a essa prática artística que envolve várias
camadas. Para isso, aborda-se o conceito de forma do ensaio, tanto na
escrita quanto na imagem, como experiência, através de diversos
autores como Theodor Adorno, Michel Montaigne, Arlindo Machado,
Jorge Larrosa, Philippe Dubois, entre outros, para pensar não só como
um modo de escrita, mas também pensar o ensaio como uma prática
artística. Neste sentido, são realizados dez ensaios escritos que
apresentam diferentes aspectos de tal prática artística, através de uma
escrita voltada para o exame dessas séries de vídeos, que levou em
consideração o processo que as constitui como os pensamentos
desencadeadores de tais experimentos, as especificidades dos meios e
dos materiais empregados, e os possíveis sentidos que esse fazer
articula em torno de si.

Palavras-chave

Ensaio, vídeo, processo artístico, experiência.

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A bs tr ac t

It is research is an investigation into three series of videos developed in


the form of written and visual essays that show some access ways to
this artistic practice that involves many layers. For this, it approaches
the concept of the essay form both in writing as in the image as
experience through several authors as Theodor Adorno, Michel
Montaigne, Arlindo Machado, Jorge Larrosa, Philippe Dubois among
others to think not only as a writing mode, but also think of the essay as
an artistic practice. In this sense, are produced to ten written essays
that present different aspects of such artistic practice through a
directed writing to the examination of these series of videos, which
took into account the process that are like triggers thoughts of such
experiments, the specificities of means and materials employed, and
the possible meanings that this do articulate.

Keywords

Essay, video, artistic process, experience.

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14
ÍNDICE

15
5
No t a s ob re o í n d ice

Optou-se por um índice temporal, pois este indica o processo de escrita e


como cada ensaio caminha em relação aos anteriores, preferindo assim
uma organização de escrita que relaciona-se com o próprio processo do
ensaio e sua relação com o tempo-presente.

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7
Ensai o sobre o ensai o

Inicio este ensaio tateando as primeiras linhas. Uma escrita ainda


cambaleante, que parte de uma prática artística em processo. Lancri
(2002), teórico e artista que estuda a pesquisa em artes, considera que
a melhor maneira para iniciar uma pesquisa em artes seria a partir do
meio, no caso, “do meio de uma prática, de uma vida, de um saber, de
uma ignorância” (p.18). Sem dúvida, parto de um meio, mas ainda
envolto em muitas dúvidas. Adorno (2003), ao referir-se sobre o início
de uma escrita e também ao seu fim, é mais objetivo ao dizer que se
inicia “sobre o que deseja falar; e termina onde se sente ter chegado ao
fim, não onde nada mais resta a dizer.” (p.17). Não sei ainda
exatamente o que desejo falar e nem onde pretendo chegar, e, embora
vislumbre um corpo a essa escrita que inicio, este será “um trabalho a
ser feito que é feito no processo de fazê-lo”1. Alguns meses atrás, ao ler
uma pesquisa em poéticas2, que se apresentava em forma de ensaios,
chamou-me atenção a ênfase que a artista dava para sua abordagem na

1
AUSTER, 1982, p.92
2
KUPSTAITIS, Bethielle Amaral. Sombras capturadas pela experiência noturna com o
desenho. Dissertação de Mestrado em Artes Visuais pela Universidade Federal de
Pelotas, UFPEL, Rio Grande do Sul, 2014.

8
escrita. O ensaio como meio de expor e pensar uma pesquisa em
processos artísticos. Na verdade, o texto era algo já familiar. Uma
escrita em primeira pessoa que expunha e pensava seu objeto de
estudo de forma flexível, sem tanta rigidez, mas que não fugia à
pesquisa. Entretanto, despertou-me o interesse sobre o ensaio como
forma e passei investigá-lo mais a fundo antes de iniciar qualquer
escrita.

Nesse mergulho, não somente redescobri esse modo de escrita, como


surgiram muitas razões que reforçaram a escolha do ensaio para
apresentar e refletir minha prática artística. Assim, entre tantos
motivos, opto pelo ensaio como meio porque tem o sujeito como lugar;
porque é uma escrita da experiência; porque acolhe a possibilidade do
erro; porque pode ser ambíguo; porque que é experimental; porque
não se compromete com nenhuma verdade em relação a sua matéria;
porque não segue as regras do jogo; porque não é definitivo; porque
ocupa um lugar entre os despropósitos; porque corre riscos; porque
negligencia a certeza; porque deixa escapar o pensamento; porque
duvida; porque é um conflito em suspenso; porque não é sistemático;
porque pode ser contraditório; porque é fragmentado; porque recua;
porque é descontínuo; porque é tentativa; porque volta atrás; porque
se repete; porque não quer provar; porque acolhe o fracasso; porque é
atento aos detalhes; porque é um lugar; porque é inseguro; porque
suspende o juízo; porque é um híbrido; porque vai e volta; porque é
problemático; porque tropeça; porque não explica; porque muda de

9
repente; porque escreve com letras invisíveis; porque abandona;
porque titubeia; porque não afirma; porque não conclui; etc.3

Todos esses motivos foram colhidos de uma série de textos que


definem o ensaio, em geral, pela sua indefinição. No entanto, o
principal interesse pelo ensaio deu-se pela sua relação direta com a
experiência. Entre muitas considerações e contradições sobre essa
escrita, todos concordam em um ponto: a experiência. Larrosa (2004)
descreve o ensaio como uma “linguagem da experiência” (p.31). Adorno
afirma que o ensaio “confere substância à experiência” 4 (p.26).
Montaigne (2010), considerado um dos precursores no uso do gênero,
não só escrevia a partir de suas experiências, como também escreveu
sobre a experiência como meio de “chegar ao conhecimento na falta da
razão” (p.512).

Ao pensar o ensaio como uma “linguagem da experiência”, volto-me à


própria prática artística. Montaigne (2010), nos muitos momentos em
que se refere à experiência, descreve que “a experiência tem por
diversas práticas produzir a arte” (p.509). Sendo a matéria dessa escrita
que seguirá uma prática artística, não consigo imaginar outra forma
para desenvolver essa pesquisa, senão através de ensaios. Ao

3
George Lukács, Jorge Larrosa, Theodor Adorno, Michel Montaigne, Bento Itamar
Borges, Víctor Gabriel Rodríguez.
4
É importante destacar que embora Adorno refira-se sobre a experiência como
substância do ensaio, em seu texto O Ensaio como Forma, o autor pressupõe uma
divisão entre a experiência sensível e cognitiva, situando a forma ensaio na fronteira
entre literatura e ciência, o que é revisto por outros autores como Arlindo Machado
(2003) ao colocar em seu texto O filme-ensaio, que “se pensarmos assim, estaremos
ainda endossando a existência de uma dualidade entre as experiências sensível e
cognitiva. O ensaio é a própria negação dessa dicotomia, porque nele as paixões
invocam o saber, as emoções arquitetam o pensamento e o estilo burila o conceito”.
(p.03)

10
considerar essa prática essencialmente experiência, o ensaio apresenta-
se, assim, como um meio necessário para expor meu objeto e submetê-
lo a uma reflexão.

De certo modo, contaminada pelo conceito de experiência de Larrosa,


ao ler, há muitos anos atrás, seu texto Notas sobre a experiência,
contamino-me agora com seu texto Operação Ensaio, o qual expõe a
experiência sob a ótica da escrita. Diferente dos outros autores, que
pensam o ensaio como um gênero ou forma literária, Larrosa (2004)
trata-o como uma operação, sobre “o que acontece ao pensamento
quando ensaia, e à escrita, e à vida; sobre porque, às vezes, o
pensamento e a escrita e a vida ensaiam, se fazem ensaio” (p.32).
Assim, não só escrita, mas começo a pensar minha prática artística sob
a ótica do ensaio e questionar-me de que maneira esta é atravessada
pela operação ensaio.

Em princípio, consigo identificar dois atravessamentos por esta


operação ensaio em minha produção artística, sobretudo os trabalhos
produzidos por meio do vídeo e objetos de estudo desta pesquisa. O
primeiro atravessamento ocorre nas ações registradas e o segundo no
uso do próprio vídeo. Larrosa, ao escrever sobre o ensaio, brevemente,
sinaliza o ensaio na perspectiva do cinema; embora o ensaio possa
assumir forma em qualquer linguagem artística. Ao pesquisar outros
teóricos5 que debatem o ensaio no meio audiovisual, encontrei distintos
modos de referir-se a essa forma, como filme-ensaio, ensaio fílmico,
cinema da experiência, cinema experimental, cinema conceitual, vídeo

5
Arlindo Machado, Philippe Dubois, Miguel Pereira, André Brasil, Consuelo Lins.

11
experimental, ensaio em vídeo, ensaísmo no cinema, ensaios não
escritos, etc. Embora se atribua diferentes terminologias, todos os
autores pesquisados pensam o ensaio a partir da literatura, dentro das
mesmas características aplicadas à escrita: pela sua falta de definição,
liberdade formal, reflexividade e ausência de determinações e regras.

Entre as similaridades também está a relação do sujeito que fala e


pensa por trás da escrita e da imagem. No ensaio escrito, talvez seja
mais fácil identificar pelo uso da primeira pessoa. No entanto, como
alerta Larrosa (2004), “essa primeira pessoa não está presente
necessariamente como ‘tema’, mas como ponto de vista, como olhar,
como posição discursiva, como posição pensante.” (p.36). No ensaio
não escrito, o autor coloca-se de outros modos, como nas suas escolhas
e intenções com as imagens. Contudo, ambos apresentam-se como uma
reflexão sobre mundo, a partir de um “sujeito como lugar”.

A intenção aqui não é esgotar esse assunto que se desdobrará em


outros ensaios, mas apenas introduzir o meio escolhido para
desenvolver este estudo. Assim, através de ensaios escritos e visuais,
exporei algumas práticas artísticas em vídeo que estou desenvolvendo
ao longo desse período de pesquisa. Esses ensaios abordarão diferentes
aspectos dessa prática, que divido em três momentos: ensaios sobre o
processo artístico, nos quais apresento minha produção, descrevendo
sua fatura e especificidades desse processo; ensaios sobre questões
internas da prática artística como o seu meio e conceitos relacionadas à
arte; e ensaios sobre questões externas através de referências de
outras áreas de conhecimento que permeiam minhas experiências.
Embora faça essa distinção entre essas três abordagens, estas não serão
12
apresentadas em partes distintas no corpo da dissertação que se
caracterizará pela sua fragmentação. Como descreve Adorno (2003), “o
ensaio pensa em fragmentos, uma vez que a própria realidade é
fragmentada.” (p.35). Todos os ensaios serão independentes e sem
indicações que lhe atribuam algumas dessas abordagens que poderão
modificar-se no decorrer desse processo de prática, pesquisa e escrita.
Enfatizo isso, pois o intuito é desenvolver uma escrita no presente, ou
como melhor define Larrosa (2004), uma “escrita que estabelece uma
certa relação com o presente.” (p.33). Ainda sobre essa temporalidade,
sendo esta também uma das particularidades do ensaio, Larrosa pontua
que “o ensaio não se situa fora do tempo, mas no tempo e, além disso,
num tempo consciente de sua fugacidade, de sua caducidade, de sua
finitude, de sua contingência.” (p.33).

Consciente dessa fugacidade e também desse território movediço,


tanto do ensaio como da própria pesquisa e prática artística, a intenção
é produzir um estudo que não se feche, através de delimitações de
tema. Fugir da lógica em que quanto mais focado seu objeto de
pesquisa, mais domínio exerce-se sobre ele. Ao contrário, não há
intenção alguma em dominá-lo, mas em deixá-lo escapar. Tentar
produzir, “uma espécie de raciocínio multifacetado sobre o objeto”
(p.17), como Auerbach (2010) descreve o ensaio na introdução do livro
Os Ensaios de Montaigne ou mesmo “atacá-lo de diversos lados”, como
Adorno (2003) refere-se ao objeto no ensaio. Adorno (2003) ainda
menciona que escreve ensaisticamente “quem compõe
experimentando; quem vira e revira o seu objeto, quem o questiona e o
apalpa, quem o prova; pondo em palavras o que o objeto permite

13
vislumbrar sob as condições geradas pelo ato de escrever.” (p.35) Por
isso, essa introdução trata-se muito mais de intenções do que uma
apresentação, visto que não há nada a apresentar-se nesse momento, a
não ser anseios. Talvez uma “intenção tateante” sobre algumas séries
de vídeos, alguns já finalizados como a Série Ponto de Fuga, outros que
estão sendo produzidos e talvez outros que surjam em meio a esse
processo de escrita que começo a ensaiar.

14
15
Parte I

16
17
Sobre o que resiste

Debruço-me neste ensaio para pensar aspectos processuais de minha


produção artística em vídeo referente a procedimentos que culminam
na retenção de uma imagem. A partir de minhas práticas, compreendo
esse processo de construção em três momentos: o da percepção, da
subtração e do que resiste. Embora apresente, aqui, tais momentos
distintamente, eles contaminam-se e sobrepõem-se a todo o momento
na produção de um trabalho. Nesse sentido, tentarei expor, através de
minhas experiências, algumas peculiaridades desse processo
atravessado por pensamentos e práticas artísticas de distintas áreas de
conhecimento, nas quais consigo identificar proximidades com meu
processo artístico.

A percepção, também compreendida como observação, é o primeiro


sinal de uma possibilidade de retenção de uma imagem. Algo chama
atenção. Um acontecimento, uma situação, um lugar. A observação
concentra-se. Olhar torna-se um mecanismo microscópico e tão logo se
inicia uma promessa de trabalho.

18
“A observação é seletiva”. Desta forma o cineasta Tarkovski6 (1998)
descreve seu processo de criação cinematográfico, apontando a
observação como “princípio da imagem”. Tarkovski sublinha que nessa
construção só “permanece no filme aquilo que se justifica como
essencial à imagem” (p.78). Seu relato sobre observação seletiva
reflete-se em seus filmes, principalmente no número reduzido de
planos caracterizados pela duração estendida. De algum modo, sempre
me atraí por seus filmes, não apenas por suas imagens, mas
principalmente pelo tempo de suas observações captadas, sendo uma
referência constante no meu modo de pensar e construir uma imagem.

A ideia de seleção que Tarkovski (1998) atribui à observação já era tema


de estudos do filósofo Bergson7 através do conceito de percepção,
também entendido pelo filósofo como um mecanismo de seleção.
Bergson (2010) coloca que “perceber consiste em separar, do conjunto
dos objetos, a ação possível de meu corpo sobre eles. A percepção
então não é mais que uma seleção.” (p. 267-268). Desse modo, tanto
Tarkovski quanto Bergson descrevem a observação/percepção como

6
Tarkovski, cineasta russo, teve sua formação e grande parte de sua produção
realizada na antiga União Soviética. A partir do conceito de tempo impresso, o diretor
tratava o tempo como matéria-prima do cinema e defendia a autonomia do cinema
enquanto linguagem artística.
7
Filósofo francês, precursor da filosofia moderna. A filosofia de Bergson é, a
princípio, uma negação, isto é, uma crítica às formas de determinismo e
“coisificação” do homem. Em outras palavras, a sua pesquisa filosófica é uma
afirmação da liberdade humana frente às vertentes científicas e filosóficas que
querem reduzir a dimensão espiritual do homem a leis previsíveis e manipuláveis,
análogas às leis naturais, biológicas. Seu pensamento está fundamentado na
afirmação da possibilidade do real ser compreendido pelo homem por meio da
intuição da duração – conceitos que perpassam toda sua bibliografia. BERGSON,
Henri. Os pensadores - Cartas, conferências e outros escritos. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.

19
um processo que foge de uma posição passiva e torna-se um processo
ativo. Bergson (2010) é mais incisivo ao tratar a percepção como ação,
deixando de atrelar-se, como tradicionalmente, à contemplação ou à
mera especulação. Dessa maneira, perceber ou observar significa agir
através de escolhas que se projetam sobre o objeto percebido.

Essa noção de percepção reflete-se na construção de meus trabalhos


em vídeos através do processo de seleção, que defino como subtração
ou esvaziamento. À medida que a observação prolonga-se, passo a
subtrair meu ponto de atenção, eliminando as arestas dessa percepção
inicial a fim de concentrar a ação.

Tanto Tarkovski quanto Bergson também descrevem indiretamente o


processo seletivo através do conceito de subtração. Tarkovski (1998)
apresenta esse processo como uma forma de “esculpir o tempo”8,
comparando ao trabalho de um escultor “que toma um bloco de
mármore e elimina tudo que não faz parte dela – do mesmo modo o
cineasta, a partir de um “bloco de tempo” constituído por uma enorme
e sólida quantidade de fatos vivos, corta e rejeita tudo aquilo de que
não necessita”. (p.72). Já Bergson (2010) refere-se à percepção como
uma “forma de eliminar do conjunto das imagens todas aquelas sobre
as quais não teria nenhuma influência, e depois, de cada uma das
imagens retidas, tudo aquilo que não interessa as necessidades da
imagem” (p.267-268).

8
Esculpir o tempo também é o nome que dá título ao seu único livro concluído pouco
antes de sua morte. O livro, uma espécie de diário do diretor, apresenta o percurso
do seu trabalho e suas ideologias a respeito do cinema, na defesa de sua autonomia
enquanto arte.

20
Ambos apresentam um mecanismo de subtração, mas de modos
distintos. Tarkovski faz uma analogia ao processo escultórico de
subtração da matéria, em que se retira o que não é necessário,
diferente do processo escultórico por adição de matéria em que a
construção dá-se pelo acúmulo de matéria selecionada. Bergson
apresenta ao menos dois momentos de subtração, uma espécie de
dupla filtragem. A primeira trata-se de subtrair as imagens que fogem
ao conjunto de imagens de interesse e depois subtrair o excesso das
imagens que foram retidas. Assim, embora a percepção seja também
um processo seletivo, apresentam-se distintos meios e formas de
realizar a seleção.

O processo de esvaziamento ou subtração é presente sob diversos


aspectos no pensamento e na arte oriental que influenciou muitos
artistas ocidentais. Um exemplo disso pode ser visto, sobretudo, na
pintura chinesa. O esvaziamento torna-se um processo fundamental,
que parte de uma observação minuciosa do artista, o qual subtrai do
que vê tudo que considera excessivo, assim o pintor preenche os
espaços da superfície com vazios9.

Influenciado pelo conceito oriental de vazio, o coreógrafo americano


Cunningham trabalhava com a ideia de esvaziamento através de dois
modos: o esvaziamento do exterior e o esvaziamento do interior. O

9
Segundo François Cheng (1989), em seu livro Vacío y Plenitud – El lenguage de la
pintura china, o vazio não é algo vago e inexistente, e sim um elemento
eminentemente dinâmico e atuante (...) constitui um lugar por excelência onde se
operam as transformações. As implicações da representação do vazio na pintura
chinesa estão entre o visível e não visível, onde o artista deve cultivar a arte de não
mostrar tudo, a fim de manter um ar vivo e o mistério intacto. (p. 38- 39)

21
esvaziamento exterior referia-se à cena, ou seja, ao espaço dos corpos.
Gil Vicente (2004), teórico pesquisador da obra de Cunningham,
sublinha que o esvaziamento exterior significa “abrir o espaço cênico
para que todas as espécies de acontecimentos possam ter lugar: o
mesmo sentimento que prevalece em muitos pintores permitindo-lhes
construir um espaço onde tudo pode acontecer” (p.34). Já o
esvaziamento do interior refere-se ao corpo do bailarino, “esvaziar o
corpo de sua interioridade psicológica e eliminação de referencias
exteriores” (p.96), obrigando a atenção do bailarino a concentrar-se no
movimento. Através do esvaziamento, Cunningham criava vazios para
as ações e acontecimentos, assim como na pintura chinesa.

O processo de subtração ou esvaziamento na minha prática apresenta-


se em três momentos. O primeiro refere-se à concepção do trabalho,
quando ainda é apenas uma promessa ou uma “ação virtual” como
Bergson (2010) refere-se quando projetamos uma ação, a partir de uma
percepção em que “preparamos as reações do corpo sobre os corpos
circundantes” (p. 267), ao esboçar nossas ações mentalmente. Esse
momento, por ser a parte do processo com maior duração entre todas
as etapas, é o que sofre mais subtrações através de um procedimento
que defino como uma espécie de filtragem. Uma infinidade de filtros
em que só se materializa o que consegue passar por todos os filtros.
Estudando aspectos conceituais, calculando as possibilidades de
materialização, dificuldades, potenciais e desdobramentos.

O segundo momento refere-se àquele em que a ação virtual torna-se


uma ação real à medida que a executo. Assim, nessa fase, a subtração é

22
o próprio fazer, em que busco eliminar tudo que possa interferir na
ação projetada anteriormente. No caso dos vídeos, por exemplo,
elimino todos os elementos desnecessários no enquadramento,
subtraindo quase sempre a um único plano, tempo e ação. Embora isso
já tenha sido virtualizado na etapa anterior, somente nesse segundo
momento a subtração torna-se concreta, devido aos imprevistos que
podem ocorrer em uma situação real de execução. Ainda nessa etapa, o
outro elemento que passa pelo processo de subtração refere-se ao meu
corpo que está presente em todos os vídeos dentro de ações,
acontecimentos ou gestos. Embora as experiências tragam meu corpo,
em nenhum momento quero levar a carga da figura do artista para o
trabalho. Assim, tento esvaziar minha imagem de elementos que façam
qualquer tipo de menção há algum tipo de identidade. No entanto, esse
esvaziamento não acena a uma interioridade psicológica como ocorre
em Cunningham, mas a elementos da exterioridade do corpo que o
mantenha neutro, através da subtração de elementos que possam
atribuir alguma identidade como elementos de figurino, acessórios,
marcas no corpo, cortes de cabelo, etc. Esvaziando o máximo possível a
imagem do corpo, para que nada chame mais atenção do que a própria
ação. Todo esse processo acaba resultando numa economia, em que o
objetivo principal é voltar a atenção somente aquilo que é necessário.
Assim como Cunningham esvazia a cena e o corpo para o
acontecimento, também procuro esvaziar o lugar e meu corpo para que
um acontecimento seja retido através do vídeo.

O último procedimento de subtração refere-se à finalização do trabalho


por meio da edição do material captado. Nessa fase, ocorrem menos

23
esvaziamentos, comparado a etapas anteriores. Umas das
características é uso mínimo dos recursos de edição, além da subtração
do áudio dos vídeos como uma forma de suspensão da ação dirigida
para o vídeo. Muito mais que um registro, o vídeo torna-se uma
extensão dessa percepção construída.

Ao final de tudo, o que se iniciou com uma promessa de trabalho, fica


retido apenas o que resiste desse processo, visto que nem sempre uma
promessa consegue reter-se em imagem, pois, à medida que se subtrai
a percepção, surge a ameaça de nada ser retido.

24
25
Ponto de fuga

Há alguns anos atrás, em uma viagem de carro pelo interior, observava


as paisagens daquele percurso fazendo um exercício mental de
decomposição de algumas imagens percebidas em meio àquele
movimento. Procurava os elementos que compunham tais paisagens,
principalmente suas linhas e pontos de fuga que lembravam pinturas.
Tentava imaginar a distância dos pontos mais afastados e sua íntima
relação com a linha do horizonte. As paisagens abertas10 chamavam
maior atenção, pois se dilatavam para uma observação minuciosa, visto
que meu corpo estava em movimento. À medida que observava essas
paisagens também era absorvida por elas. Não só as linhas convergiam
ao ponto de fuga, mas meus pensamentos. Passei a imaginar-me

10
Ao referir-me a paisagem aberta, trato de paisagens com topografia plana, nas
quais consigo visualizar planos distantes e a linha do horizonte, ao contrário de
paisagens fechadas que, em geral, avançam sobre corpo e visão, dificultando a
visualização de planos distantes e linhas de horizonte. Ainda sobre a paisagem,
embora não seja o foco deste ensaio, é importante frisar, aqui, que a paisagem, como
destaca Javier Maderuelo (2006), “é uma construção, uma elaboração mental que os
homens realizam através dos fenómenos da cultura. A paisagem, entendida como
fenómeno cultural” (p.17), ou seja, que varia de cultura para cultura, e
consequentemente um conceito interpretativo e também afetivo sendo seu uso
recorrente nas artes em geral sob diversas formas. MADERUELO, Javier. El paisaje:
génesis de un concepto. Madrid: Abada, 2006.

26
correndo em direção ao horizonte conduzida pelas linhas de fuga e as
relações entre a ação de fuga e o conceito de perspectiva como fuga.

A série em vídeo surgiu como uma extensão de todas essas


observações. Da mesma forma que enxergava tais paisagens como
pinturas, passei a projetar esses registros por meio de quadros fixos
como se fossem quadros pictóricos. Esse seria o primeiro vislumbre do
que, mais tarde, tornar-se-ia a série Ponto de Fuga.

Naquela ocasião, embora projetasse o trabalho de forma muito clara,


sua realização, por mais simples que aparentasse ser, era impraticável.
Até então, todos os trabalhos que havia realizado eram produções que
dependiam apenas de meu esforço. Em geral, vídeos produzidos dentro
de espaços íntimos de meu convívio, onde tinha controle do contexto e
situações registradas.

As circunstâncias para realização da série fugiam do meu domínio, não


somente por tratar-se de paisagens externas, distantes e
desconhecidas, mas também por requerer pelo menos uma segunda
pessoa na sua execução com quem tivesse intimidade suficiente para
ocupar seu tempo. Levaria pelo menos mais dois anos até iniciar os
primeiros ensaios da série11.

Antes de conseguir realizar o primeiro vídeo da série, fiquei, durante


muito tempo, pensando sobre e ensaiando o trabalho mentalmente.
Estudava os tipos de paisagens e vestimentas ideais para a corrida em

11
Antes disso, fiz a primeira apresentação do projeto, numa breve passagem pela
graduação de Cinema/Ufsc, através de um exercício no qual apresentei a série em
forma de argumento.

27
fuga. Pensava na relação com a pintura e nos meios necessários para
enfatizar essa questão. Comecei a estudar os elementos clichês para
compor uma cena de pintura. O enquadramento com uma visão ampla
de uma paisagem bucólica, um ponto de fuga bem definido e
centralizado, e, por fim, o vestido como vestimenta ideal para tal
situação. Além da preocupação na composição das imagens captadas,
pensava a série no espaço de exposição e na sua relação direta com a
imagem fixa, como a fotografia e a pintura. Passei, então, a projetar os
vídeos expostos em suportes separados em um único espaço como se
fossem telas, pois embora se tratem de imagens em movimento, tal
movimentação seria, na maior parte do tempo, mínima. Assim, o
trabalho aos poucos foi concretizando-se na minha mente enquanto
esperava a oportunidade de realizá-lo.

Somente em 2009, dois anos após a viagem em que projetei a série,


concretizaria o primeiro Ponto de fuga. Na ocasião, viajava com meu
companheiro, com quem havia já compartilhado a ideia. Assim, como
na primeira vez, observava a paisagem, em princípio sem intenções de
realizar nada até aquele momento, até visualizar uma paisagem
propícia para a ação. Um campo de trigo recém-colhido, o céu azul
carregado de nuvens e uma topografia com leve inclinação ascendente,
o que era favorável à ação, pois uma paisagem totalmente plana
tornaria a ação de correr até desaparecer na linha do horizonte algo
impossível, pelo menos para mim, visto que a linha que se estende até
onde o olhar alcança em uma paisagem plana tem em média 4 km.
Toda a ação foi muito rápida. Por sorte, trazia um vestido na mala,
embora não fosse o que gostaria, um vestido rosa que vesti ali mesmo.

28
Na ocasião, tinha apenas uma câmera doméstica de baixa resolução
para realizar o registro. Embora a situação fugisse um pouco da que
havia imaginado, pois não tinha os instrumentos adequados, realizei
meu primeiro ponto de fuga. Naquele momento, a ansiedade tomava
conta de mim, era primeira vez que correria em fuga. Improvisando um
tripé posicionei a câmera procurando o melhor recorte da paisagem.
Posicionei-me alguns metros atrás para pegar impulso e esperei alguns
segundos enquanto me concentrava e dava tempo para a captação da
paisagem vazia. Depois de alguns instantes invadi a paisagem e corri em
direção à linha do horizonte. A sensação era que realmente estava em
fuga por invadir um território alheio12, acelerando minha corrida para
que tudo terminasse logo. À medida que corria, a paisagem
transformava-se, causando uma espécie de vertigem, pois a paisagem
que havia visualizado e recortado inicialmente modificava-se à medida
que meu corpo avançava. No entanto, concentrava-me no quadro inicial
prolongando a corrida para ter certeza que desapareceria na paisagem
registrada pela câmera sem ser enganada pela nova paisagem que se
apresentava aos meus olhos, conforme me deslocava naquele espaço.
Parei somente depois de ter certeza que havia desaparecido do quadro,
já em uma paisagem completamente distinta da inicial e com o corpo
esgotado. A aflição por estar em um lugar estranho fez-me logo iniciar
uma fuga de retorno ao ponto inicial descobrindo que havia corrido

12
Desde o início dos primeiros pontos, sempre optei pela invasão dessas paisagens,
em sua maioria propriedades particulares. A invasão ocorria pela necessidade de
realizar a ação assim que identificava uma paisagem potente, sendo produzida de
forma muito rápida, apenas os minutos necessários para a corrida e retorno. Assim, a
negociação com os proprietários para realizar o trabalho dificultaria a agilidade do
próprio trabalho. Apenas uma vez, foi pedida autorização para realizar a ação em
meio uma área de reflorestamento de álamo, sendo o pedido negado.

29
muito mais que o necessário. Nesse mesmo dia gravaria mais dois
pontos.

Nos pontos subsequentes, que levaria mais alguns anos para realizá-los,
a aflição dos pontos iniciais diminuiria. Passei a ceder mais tempo à
situação, sem acelerá-la para que tudo logo acabasse. Ao longo desse
tempo já não tenho certeza de quantos pontos corri. Foram tantas
paisagens experimentadas que mesmo à distância posso saber se são
frescas, movediças, cortantes, duras, macias, quentes, pesadas,
alérgicas, úmidas, difíceis, perigosas, etc. Alguns pontos fui impedida de
correr, abandonei outros por serem impossíveis, em um ponto, perdi-
me em meio à paisagem, em muitos cortei pés e pernas na vegetação e
fui picada por insetos, além da insolação e queimaduras de sol, apesar
de todo esforço para proteger-me.

Ao produzir os vídeos, inicialmente, concentrava-me na ação registrada


do ponto de vista do olhar da câmera, o qual posteriormente
compartilharia. No entanto, o quadro tornou-se outro quando
experienciei a ação a partir do meu ponto de vista. Ao escolher uma
paisagem para realizar a ação, não tenho a preocupação em analisá-la
antes para certificar-me como é seu terreno e de possíveis perigos,
apenas posiciono a câmera e corro tentando concentrar-me no
percurso, principalmente no chão para que não ocorra nenhum
acidente durante a corrida. Assim, nunca sei o que há depois da linha do
horizonte enquadrado pela câmera, sendo muitas vezes surpreendida
pela paisagem que surge ao mover-me. Recentemente, li algo a respeito
do movimento como produção de espaço, que reflete muita a sensação

30
que tenho nessa experiência de deslocamento na paisagem. A leitura
em questão fala da relação do corpo e percepção, em que a autora
Maria Cristina Franco Ferraz (2010) cita o filosofo alemão Martin
Heidegger, que questiona a noção física de que nos movimentamos no
espaço através da percepção humana a partir da qual ressalta que
produzimos espaço quando nos movemos, inclusive cita o exemplo do
deslocamento da linha do horizonte quando nos movemos. “Eu ando
ocupando espaço. Quando me movo, o horizonte se afasta.” (p.85). O
encontro com a linha do horizonte é impossível, pois ela é infinita. A
corrida de fuga torna-se uma corrida de encontro na medida em que
penetro a paisagem. Diferente do olhar que avista meu
desaparecimento na paisagem imóvel em uma corrida sem volta.

A possibilidade ambígua da fuga como um meio de ir ao encontro fez-


me lembrar do último trabalho do artista holandês Bas Jan Ader,
intitulado In Search of the Miraculous (1975), registrado em película, no
qual, em um pequeno barco, tentou realizar a travessia do Oceano
Atlântico, partindo dos Estados Unidos com destino ao continente de
sua origem. O filme registra seu barco lentamente afastar-se da
margem até desaparecer na linha do horizonte, numa ida sem retorno e
ao encontro do desconhecido, gerando uma espécie de vácuo quando a
ausência do corpo passa a preencher a paisagem, antes atravessada por
ele. A apreensão de que algo acontecerá é frustrada com o decorrer do
tempo.

O conceito de fuga tornou-se um ponto determinante na construção


dessa série de vídeos sob diversos aspectos, sobretudo pela a relação

31
envolvida entre pintura e imagem em movimento. O interesse inicial
sobre o conceito de ponto de fuga na pintura e suas relações com
conceito da ação de fuga transbordaram para as possíveis relações com
o meio escolhido para a produção da série, no caso o vídeo, e a ideia de
tratar características de um meio através de outras linguagens também
como modo de fuga. Christine Mello, ao referir-se aos processos
artísticos em que os meios deixam-se contaminar por outros,
coincidentemente trata essas experiências “como uma fuga do
epicentro da linguagem” (2008, p.28).

Como apontado no início, a contaminação inicia-se pela escolha do


quadro a ser registrado, em que o próprio termo quadro tem sua
origem na pintura, mas tanto o cinema quanto o vídeo apropriaram-se
para também compor sua gramática. O quadro é o que limita o campo
da imagem. Assim, o que compõe o interior desse campo é pensado
dentro de princípios da pintura de paisagem campestre. Todos os
quadros registrados apresentam-se através de quadros fixos com
movimentação mínima no seu interior para passar a impressão de
imobilidade da imagem embora se tratem de vídeos. No entanto,
diferente do quadro na pintura, ou mesmo na fotografia, o quadro de
uma imagem em movimento é instituído pelo fora-de-campo, pois não
é somente um recorte de um bloco de espaço, mas de tempo. Assim, se
o campo é a dimensão e a medida espacial do quadro, o fora-de-campo
é a medida temporal do quadro. Aumont (2004), teórico que estuda a
imagem, ao descrever o fora de campo como essa dimensão temporal,
coloca que “é no tempo que se manifestam os efeitos do fora-de-campo
como lugar do potencial, do virtual, mas também do desaparecimento e

32
do esvaecimento: lugar do futuro e do passado, bem antes de ser o
presente.” (p.40). Aumont trata o quadro na imagem em movimento,
tanto no cinema quanto no vídeo, também como borda, na qual o
artista irá exercer o trabalho de transbordá-la, pois, segundo o autor, é
nas bordas da imagem que se operam as transformações do campo da
imagem enquadrada. Na série Ponto de fuga, essas transformações
operam-se através da iminência de um acontecimento, no caso da
imobilidade do campo ser interrompida subitamente pela travessia de
meu corpo no seu interior, que se dá justamente através desse
transbordamento da imagem concedida pelo fluxo temporal do seu
meio.

A sensação de iminência ou mesmo suspensão é intensificada pelos


planos de longa duração13, o que aumenta a sensação de inatividade. O
tempo que flui quase imperceptível no interior desses planos cede
também a um tempo de atenção e espera, pois como descreve Aumont
(2004) “planos longos são destinados a valorizar o não-é-grande-coisa e
o quase-nada” (p.66). Da mesma forma, a imobilidade da imagem
restitui uma mobilidade ao olhar que se perde com a pressa das
imagens que imobiliza o olho, pois a pressa não cede mais tempo para o
olhar mover-se na imagem. O fluir do tempo do quadro videográfico faz
com que o redor ou fora de campo opere diretamente, no que é
tecnicamente chamado de quadro centrífugo por Aumont (2004), por
levar o olhar para suas bordas longe do centro do quadro, ao contrário

13
Planos longos e abertos permitem ao olhar percorrer a tela e refletir, ou seja, há
um tempo em que espectador pode demorar-se na tela. Com o passar dos anos, o
cinema acelerou essa relação e o espectador passou a não ter mais tempo de
reflexão que o cineasta propunha.

33
da pintura, onde o olhar volta-se para o interior do quadro pictórico
definido por Aumont (2004) como movimento centrípeto. Assim, pode-
se afirmar que, na série Ponto de fuga, acabam ocorrendo esses dois
movimentos: centrífugo e centrípeto, em momentos diferentes.

Todos esses contornos pictóricos, que traço nessa experiência, talvez


digam mais a respeito do artista-pintor do que propriamente sobre o
meio e as tentativas de produzir sensações pictóricas no vídeo, embora
a própria fabricação de sensações também seja um dos modos muito
usados na pintura como, por exemplo, no impressionismo, para obter,
através de artifícios, sensações que de algum modo expressassem uma
veracidade. No entanto, nesse ponto, não cabe, aqui, aprofundar
aspectos e diferenças entre esses meios, mas pensar a minha
contaminação enquanto artista por esses meios. Mais que impressões
pictóricas através das tentativas de composição dos quadros e tempo
impresso, falo sobre a absorção na produção da série que envolve um
tempo sem pressa. Aumont trata sobre o desejo de muitos cineastas em
serem um pouco pintores, mas não na real prática de produção de
imagens pictóricas, mas em uma certa liberdade artística e no tempo
perdido que envolve a pintura. Aumont (2004) referencia o cineasta
Martin Scorsese em uma citação na qual fala sobre esse desejo do
cineasta, “o importante seria [...] fazer filmes como se fosse um pintor.
Pintar um filme, sentir fisicamente o peso da pintura sobre a tela. Não
ser incomodado por ninguém. Deixar repousar uma tela inacabada e
começar outra” (p.241).

34
Embora minha experiência com pintura seja praticamente nula, de
certo modo, trago esse envolvimento pictórico na sua produção, ao
buscar essas paisagens, em esperar a melhor luz ou a melhor estação
para ter uma imagem só possível em determinada época do ano, ao
experimentar o clima dessas paisagens, em desacelerar seu ritmo, no
trabalho silencioso e mesmo no tempo perdido de anos de feitura e
também em não ser incomodada por ninguém.

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Ponto de Fuga
2009-2014

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Ensai o sobre a poeir a

Uma linha de poeira lentamente forma-se acima de copas de árvores


em meio a uma paisagem distante. Assim como a fumaça, a linha
movente de poeira avisa a presença de alguém em movimento por uma
estrada inóspita e empoeirada. Posso imaginar, pela velocidade que se
forma a linha de poeira, tratar-se de um carro. À medida que a linha
estende-se sobre as árvores também se dissipa no ar. A mesma poeira,
que em repouso sobre uma superfície sinaliza ausência, em movimento
torna-se presença. Através dessa impressão ao acaso sobre uma
situação transitória, passei a imaginar meios que pudessem acionar tal
fenômeno de deslocamento da poeira no espaço e suas implicações
relacionadas à presença e ausência e à mobilidade e imobilidade da
paisagem.

A poeira pode ser suspendida pelo movimento do ar como o vento, pelo


movimento de veículos e movimento de corpos. A partir dessas
observações sobre a poeira em estado de suspensão na paisagem, foi
produzida a série de vídeos Ensaio sobre a poeira. Nesta série, tento,
através de distintos meios, como o meu próprio corpo, suspender a
poeira no ar. No entanto, todos os meios de suspensão dependem de

52
condições atmosféricas e paisagens peculiares para tornar tal ação
possível.

Diferente de vídeos anteriores, nos quais tenho certo domínio sobre as


situações captadas, nessa série, isso não ocorre devido às circunstâncias
características necessárias para tal ação acontecer. Assim, apenas
vislumbro uma situação que se encontra em um centro de
indeterminações, o que faz o trabalho caracterizar-se por seu processo
poroso em que seus limites tornam-se frouxos.

Por não ter uma visão lúcida e precisa das condições necessárias para
realizar a série, não consigo projetar a ação, ou mesmo visualizar uma
imagem. O momento de sua execução torna-se imprevisível, o que
sublinha tal porosidade, mais que outras séries de vídeos em que a
imprevisibilidade é menos frequente, conferindo sob vários aspectos,
uma inflexão ensaística a essa série. Assim, mais que realizar uma ação,
trata-se de tentativas na sua maioria fracassadas pela permeabilidade
da ação.

Ao nomear a série de Ensaio, embora muitas séries de vídeos anteriores


também carreguem de algum modo aspectos ensaísticos, procuro frisar
esse caráter não exatamente por aspectos que tentam definir uma linha
audiovisual ou literária, mas pensar o ensaio através da própria ação de
suspensão da poeira em que o registro, aqui, apresenta-se como uma
extensão. O ensaio como um meio de testar situações e coletá-las
através de registros numa espécie de experimento, surgindo, assim,
muitas dificuldades no processo de execução.

53
A primeira dificuldade da série é a espera pelo clima favorável coincidir
com a disponibilidade de tempo para execução do trabalho. Depois,
encontrar um lugar favorável, que contenha poeira com baixa
densidade e acúmulo suficiente para levantá-la. Devido à exigência de
tais condições, as alternativas são restritas, não havendo oportunidade
de escolher o lugar. Assim, adéquo-me às raras oportunidades que se
apresentam, mesmo que a paisagem não me atraia tanto, muitas vezes
restringindo até mesmo o plano de visão da câmera para registro.

Ao realizar pela primeira vez a série, depois de muitas dificuldades até


encontrar um lugar propício para suspensão da poeira, deparei-me com
uma situação de quase impossibilidade. Posicionei a câmera em um
ponto fora de uma estrada de terra aparentemente de pouca
movimentação. Durante cerca de 40 minutos, tentei diversos modos de
suspender a poeira. Corri, arrastei galhos, chutei a poeira, varri o chão,
repetindo exaustivamente esses gestos na tentativa de produzir algum
deslocamento mínimo de poeira. Depois de inúmeras e exaustivas
tentativas, e já asfixiada pela poeira aspirada, todos os testes
resultaram em dois pequenos vídeos-ensaio ambos com 45 segundos de
duração que apresentaram um resultado satisfatório para o objetivo
previsto pela ação.

Testar é o meio possível para acionar o trabalho, no entanto


experimentar demanda de um tempo maior na sua execução por não
haver um plano definido. Assim, a repetição torna-se um instrumento
importante de familiarização, pois através do acúmulo de experiências
em torno da ação adquire-se certo domínio sobre a situação. Maria
Cristina Ferraz (2010), ao mencionar a relação do corpo e percepção do
54
espaço ao seu entorno, a partir dos estudos de Bergson, descreve a
repetição como processo metodológico característico do próprio
ensaio, enquanto forma, como meio de desenvolver um determinado
conhecimento e domínio. Assim, a autora coloca que “a repetição
desenvolve, a cada novo ensaio, movimentos envolvidos; chama a cada
momento atenção do corpo para um novo detalhe que havia passado
despercebido.” (p. 92)

Através da repetição, descobri que tal fenômeno não poderia ser


realizado em ambientes com a presença do vento, pois dissiparia
qualquer possibilidade de suspensão. Deste modo, os ensaios partem
sempre da estagnação da paisagem até que sua imobilidade seja
interrompida pela reação do meu corpo através do deslocamento da
poeira. A estagnação atmosférica possibilita duração suficiente para
visualizar nitidamente a suspensão da poeira e o movimento de
decantação. Da mesma maneira que necessito de imobilidade para
realizar tal ação, os redemoinhos de poeira na natureza são conhecidos
por serem antecipadas por um estado de calmaria e anormal
imobilidade da paisagem. Para que tal fenômeno ocorra, é necessária a
ausência de vento contrariando o que poderia imaginar-se. O artista
Fracys Alÿs explorou tal fenômeno através de uma série de registros de
formação de redemoinhos de poeira que durou cerca de 10 anos e
resultou no trabalho Tornado (2000-10), um trabalho em que Alÿs
desdobra-se em tentativas de alcançar o epicentro de redemoinhos de
poeira, em uma região desértica próxima à Cidade do México. A
formação desses redemoinhos é imprevisível e caracteriza-se por seu
estado de iminência por partir sempre de um estado de imobilidade da

55
paisagem. Ao conseguir encontrar tal fenômeno, Alÿs vai em direção ao
epicentro sendo encoberto completamente pela poeira.

Ao contrário de Alÿs que vai ao encontro do fenômeno, esse encontro


também pode ser casual, como ocorre em uma cena capturada por
Tarkovski em seu filme Stalker (1978). O registro dura cerca de 30
segundos e mostra o princípio de formação de um redemoinho de
poeira que percorre alguns metros na paisagem que logo se dissipa no
ar. A cena é inserida entre uma cena e outra como uma pausa. Não há
nada além do redemoinho, que surge espontaneamente na paisagem.

Diferente de Alÿs que vai ao encontro de tal situação e de Tarkovski que


é surpreendido pela iminência de tal fenômeno, na série Ensaio sobre a
poeira, não vou ao encontro e nem fico à espera, mas tento de alguma
forma produzir tal situação que se caracteriza pela sua impossibilidade
diante das circunstâncias em que ocorrem essas ações em geral
frustradas. No entanto, uma transformação mínima é gerada no espaço
pela presença e movimento da ação, e embora muito inferior à
percepção inicial descrita no início desse ensaio, onde o fenômeno pode
ser avistado à distância sobre a copa de árvores, descobri, sobretudo,
que tal situação tem a mesma medida e intensidade do corpo e força
que lhe afeta. Assim, o corpo, como aponta Bergson (2010), é um
centro de ações, “recebendo e devolvendo movimento, com a única
diferença, talvez de que meu corpo parece escolher, em certa medida, a
maneira de devolver o que recebe.” (p14) Neste caso, minha ação é
dimensionada pelo meu corpo afetando quase nada o lugar.

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Ensaio sobre a poeira
2014

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Vídeo-ens aio

A escolha do ensaio como meio de apresentar e pensar minha pesquisa


artística enquanto escrita levou-me a debruçar-me sobre o conceito de
ensaio sob outras perspectivas e o quanto a minha prática artística é
contaminada por tal operação. O ensaio, como já mencionado, tem sua
origem no discurso da palavra e é uma forma de pensamento, onde seu
autor apresenta suas ideias partindo de experiências pessoais através
de um caráter subjetivo, liberdade formal e expressividade da escrita
como um meio de criação e não apenas exposição de ideias. Entretanto,
muitos teóricos defendem o ensaio sob outras formas artísticas como
os ensaios não escritos, que Arlindo Machado (2004) nomeia em seu
texto O Filme-Ensaio, ao abordar o ensaio como enunciados
audiovisuais, pois, de acordo com Arlindo, “é possível imaginar ensaios
em qualquer modalidade de linguagem artística como forma de
conhecimento” (p.03).

Embora possa imaginar-se o ensaio sob várias modalidades artísticas,


ainda poucos estudos existem sobre tal tema. Além da bibliografia já
existente na literatura e filosofia, os estudos sobre os ensaios não
escritos voltados a arte na sua maioria referem-se ao cinema. Assim,
66
arriscar-me-ei, nas linhas que seguirão, a pensar as possíveis inflexões
ensaísticas em minha prática artística em vídeo a partir das referências
sobre o ensaio no cinema e sua influência no vídeo. Buscarei também
refletir o conceito ensaio não apenas pela sua origem na literatura e
filosofia, mas o ensaio enquanto conceito etimológico e suas aplicações
nas diversas esferas de conhecimento e as possíveis relações entre tais
conceitos e minha pesquisa artística.

Embora o uso do termo ensaio visual seja recorrente nas artes visuais,
inclusive sob forma de publicações acadêmicas, nas inúmeras revistas
do gênero que circulam no meio, não há estudos concretos na área
sobre o uso do termo ensaio nas artes visuais. Em geral, as abordagens
do ensaio não escrito ou visual sempre chegam ao mesmo destino: o
cinema. As poucas aproximações teóricas entre o ensaio e as artes
visuais dão-se por meio do cinema experimental e sua contaminação
com as artes visuais através do uso do vídeo por inúmeros cineastas.
Alguns teóricos como Philippe Dubois, Christine Mello e Arlindo
Machado, abordam o ensaio, mas ainda de maneira indireta, ao
tratarem o vídeo nas artes visuais como um meio híbrido,
principalmente através do conceito de Christine Mello (2008) sobre o
vídeo enquanto extremidade que se dá mais por suas fissuras do que
pelas especificidades do vídeo, possibilitando essa abertura à
experimentação e acolhendo artistas de outras áreas como o cinema.

Talvez a resposta para tal dificuldade encontre-se ao pensar nas


próprias características do ensaio na escrita, um espaço no qual seu
autor coloca-se enquanto sujeito criador, com liberdade para definir

67
suas próprias regras e experimentar. Características que talvez soem
tão naturais para um artista visual que justificaria tal indiferença, por
ser um estado já absorvido. No entanto, talvez uma liberdade
expressiva difícil de ser colocada em prática na esfera do cinema, por
exemplo, devido às proporções para produzir um filme e tudo que
envolve seu mercado. Isso não é uma certeza. Arrisco-me pensar em tal
conclusão ao encontrar escritos de cineastas que apresentam uma certa
resistência à experimentação como é o caso de Tarkovski (1998), ao
dizer que o artista deve ter uma visão lúcida e precisa do seu trabalho
para afastar a necessidade de recorrer a experimentos. Ele ainda refuta
comparações entre artes e ciências ao falar sobre experimentos, ao
colocar que a arte não é ciência, não se começa a partir de
experimentos: “quando um experimento não ultrapassa o nível de
experimento, e não constitui uma etapa do processo de criação da obra
concebida anteriormente pelo artista, o objetivo da arte não foi
alcançado.” (p.112). É compreensível o pensamento de Tarkovski ao
considerar-se a época e o contexto político e social de seu país, que
sofria duramente com um regime comunista, no qual Tarkovski viveu e
produziu, e onde os recursos eram escassos, não havendo possibilidade
de o artista arriscar-se tanto no momento de produção. Não por acaso,
o cineasta russo tenha produzido tão pouco comparado a seus colegas
contemporâneos como Godard, devido à dificuldade de conseguir
recursos para a produção de seus filmes, e que apesar de todas as
restrições ainda conseguia realizar um cinema autoral.

Ao pensar nos contemporâneos de Tarkovski como Godard, percebe-se


uma grande diferença no contexto político e social do cineasta franco-

68
suíço com maior abertura e disponibilidade de recursos para suas
produções. Godard é considerado, por muitos, um cineasta ensaísta,
justamente pela possibilidade de poder arriscar-se e experimentar
dentro de um contexto que favorecia isso, comparado a realidade de
Tarkovski. Philippe Dubois (2004) dedica um capítulo de seu livro
Cinema, vídeo, Godard, intitulado Os ensaios em vídeo de Jean-Luc-
Godard: o vídeo pensa o que cinema cria, onde Dubois descreve esse
lado ensaísta do cineasta, através de sua produção experimental em
que experimentou e ainda experimenta novos sistemas de sons e
imagens, buscando saídas e arriscando-se, principalmente, com o uso
do vídeo que passou a redefinir não só a produção do cineasta, mas seu
pensamento. Dubois (2004) coloca o vídeo não apenas como um
período do cineasta, mas um modo de ser de Godard, “uma forma do
olhar e do pensamento [...] bem mais que um objeto ou que uma
técnica o vídeo para ele é um estado permanente.” (p.290).

Dubois apresenta Godard ensaísta em quatro momentos. O primeiro


refere-se a “filmes-ensaios” de 1974-1976, obras experimentais, em
que mescla suportes diferentes, o vídeo e o cinema, nos quais tenta
“inventar uma nova forma de escrita” com a imagem em movimento,
usando meios discursivos do ensaio escrito, como a primeira pessoa do
autor assumindo uma posição discursiva na transmissão de um
pensamento para outro, no caso o próprio diretor coloca-se como
narrador de seus filmes-ensaios, que Dubois descreve como autor-
narrador. A partir desses primeiros filmes-ensaios, o diretor passa a
realizar diversos experimentos, como o uso de imagens eletrônicas e
recursos de edição do próprio vídeo como colagem, sobreimpressão,

69
janelas, recursos até então pouco explorados pelo cinema, e usar o
vídeo para pensar o próprio cinema. O segundo momento de Godard
refere-se às séries de televisão, onde o cineasta explorou, sobretudo, as
variações de velocidade, dando continuidade aos ensaios anteriores, no
entanto, dando mais ênfase na busca de uma lentidão, “ir menos
depressa para ver e compreender melhor os processos do mundo”
(p.300), o que Dubois define como efeito pintura. Num terceiro
momento Dubois apresenta a fase que considera ensaio no sentido
estrito, que são os vídeos-roteiros, os quais são como rascunhos,
esboços e notas de pesquisador, pequenos vídeos produzidos por
Godard, que eram feitos antes, durante ou depois de muitos filmes
conhecidos do diretor, como a Trilogia do Sublime14, onde Godard
apresentava suas reflexões sobre questões desses filmes. E, por último,
os ensaios que são trabalhos produzidos inteiramente em vídeo,
independentes de seus filmes, construindo uma produção paralela a sua
produção cinematográfica, que Dubois analisa como um mergulho de
Godard, em que o vídeo tornou-se uma “uma maneira de ser, pensar e
viver se tornou uma espécie de segunda pele de Godard”. (p.312)

O vídeo tornou-se determinante para Godard lançar-se aos seus


experimentos que resultaram em seus ensaios audiovisuais. O vídeo
também passou a ser absorvido por muitos cineastas, pela sua
praticidade e baixo custo comparado ao cinema tradicional. Entre os
teóricos que estudam o ensaio audiovisual no cinema, em geral todos
se atêm principalmente ao documentário, mas também ao vídeo-

14
Fazem parte da trilogia os filmes Passion (1982), Carmem (1983) e Je vous salve
Marie (1985).

70
experimental que são contaminados principalmente pelas artes visuais,
e é nesse ponto que encontro referências que fazem menção ao ensaio
especificamente nas artes visuais, mas ainda pelo caminho do cinema.
No entanto, não me aterei, aqui, a aprofundar questões do ensaio nas
artes visuais, pois, como Arlindo Machado (2004) já menciona, é
possível imaginar o ensaio em qualquer linguagem artística. Assim me
debruçarei a refletir meu próprio processo artístico e produção em
vídeo a partir do ensaio na sua origem, suas possíveis características e
desdobramentos e na figura do artista, seja ele escritor, cineasta ou
artista visual. Como num ensaio escrito, um ensaio não escrito tem a
iminência de sua produção personificada no seu autor através de sua
subjetividade, na maneira de como seu fazer reflete seus pensamentos
sobre determinado material que ele constrói e como isso se reflete no
modo do artista de relacionar-se com seu entorno, e por isso mesmo
rejeitam-se as tentativas de enquadrar o ensaio como um gênero com
regras e convenções, pois trata-se justamente de um modo de ser.
Portanto, a partir de minhas experiências e modo de ser enquanto
artista, refletirei o quanto esta operação ensaio atravessa-me.

Devo confessar que, até pouco tempo, a palavra ensaio no sentido da


escrita soava-me algo distante, sabia que se tratava de uma forma de
escrita, mas pouco sabia a respeito. Numa pesquisa em dicionários
etimológicos, o ensaio tem uma infinidade de significados e usados em
diversas áreas do conhecimento. Entre os muitos significados que os
dicionários apresentam estão, entre eles: ação de pensar, representar

71
antecipação, testar, prova, estudo, experiência15 . Embora os inúmeros
significados, minha relação mais íntima dá-se através da música, através
da convivência com meu companheiro, violonista e maestro, em que a
prática do ensaio é uma constante. Embora o ensaio na música tenha
outros significados, diferente do ensaio escrito, não deixo de encontrar
alguns pontos de relação entre ensaio escrito e ensaio sonoro. Entre os
significados no dicionário etimológico, o que mais se aproxima do
ensaio na música seria representar antecipação, mas também momento
de experimentar e arriscar-se. É muito comum ouvir um músico dizer
que no ensaio consegue-se atingir o melhor desempenho do artista do
que na performance com audiência.

Outra proximidade minha com o ensaio, no entanto, é o uso do termo


ensaio na ciência e minha vivência familiar com meu pai, professor de
ciência, e os laboratórios e tubos de ensaios e a relação com a
experiência, como forma de testar, provar ou refutar. Recentemente
em uma pesquisa sobre o conceito de ensaio visual, descobri que o
“ensaio visual” é um termo científico, sendo uma prática utilizada em
experimentos, onde não envolva destruição do material testado,
também conhecido como ensaios não destrutíveis. Esse nome é dado,
pois a principal ferramenta deste tipo de ensaio é os olhos que
examinam determinado objeto, assim esses ensaios caracterizam-se por
não deixar marcas no material ensaiado. No entanto, longe de ser uma
cientista, musicista, ou cineasta, posso afirmar que, enquanto artista
visual, sou contaminada por essas diferentes possibilidades de pensar o

15
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

72
ensaio. Entretanto, tratarei, aqui, particularmente de minha produção
em vídeo, onde consigo pensar tal produção sobre esse prisma
ensaístico. Arlindo Machado (2004) ao referir-se o cinema sobre esse
prisma identifica-o como filme-ensaio, outros autores identificam como
cinema experimental, ensaio fílmico, cinema conceitual, ou mesmo
ensaio não escrito. Aqui, por abordar minha produção em vídeo,
tratarei esses trabalhos como vídeos-ensaios.

Grande parte de minha produção artística dá-se através do vídeo,


embora nunca pense no vídeo como o meio inicial para um trabalho. O
vídeo apresenta-se a mim como uma extensão natural do trabalho ou
mesmo do pensamento. Até algum tempo atrás, ao referirem-se a mim
como artista que trabalhava com vídeo, tal definição soava-me
estranha. Internamente questionava-me, pois não pensava meus
trabalhos como vídeos, embora se apresentassem através de tal meio,
mas como intenções. O uso do vídeo na sua maioria dava-se apenas
como registros de ações, sem manipulação ou pós-produções que
denotassem algum aprofundamento na linguagem videográfica ou que
apontassem algum domínio meu sobre o meio e muito menos de
apoderamento para determinar-me como uma artista do vídeo.

Arlindo Machado (2004), ao mencionar Jacques Aumont, na sua defesa


pelo ensaísmo no cinema, defende a ideia de que o cinema “é uma
forma de pensamento: ele nos fala a respeito de ideias, emoções e
afetos através de um discurso de imagens e sons tão denso quanto o
discurso das palavras.” (p.01). Poderia afirmar que estava interessada
muito mais no pensamento do que propriamente no vídeo ou até
mesmo na performance. No entanto, com tempo, passei a perceber que
73
o vídeo assumia uma importância maior que imaginava ao tentar
produzir trabalhos através de outros meios e não conseguir, ou não me
satisfazer com o resultado. O vídeo não era apenas um meio, mas uma
extensão de meu próprio modo de pensar ou como se refere Arlindo
(2003) ao cinema ensaio, uma forma de pensamento, ou ainda Dubois
(2004), ao colocar que o "o vídeo não é um objeto, ele é um estado.
Uma forma da imagem. Uma forma que pensa." (116).

Assim, posso dizer que a forma ensaio atravessa de algum modo meu
fazer e pensar artístico. Para isso, volto-me para o ensaio na escrita na
tentativa de traçar esses atravessamentos e antes que me perca nessa
busca, devido à insegurança própria de uma iniciante no assunto,
utilizarei algumas operações que Larrosa (2004) descreve para refletir a
condição de um ensaio e ensaísta.

Larrosa (2004), assim, apresenta cinco características ou condições para


ensaiar ou ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida no seu texto
Operação ensaio. Essas cinco operações são: ensaio e experimentação,
ensaiar no presente, ensaiar na primeira pessoa, ensaiar à distância e
ensaiar escrevendo. A partir dessas cinco condições, arriscar-me-ei a
traçar as possíveis relações entre o ensaio na escrita e o ensaio no
vídeo, a partir de minhas experiências e reflexões artísticas que se dão
por esse meio.

Ao descrever a operação ensaio e experimentação, Larrosa (2004)


pontua o ensaio como uma linguagem da experiência, através da
relação entre experiência, pensamento e subjetividade e, por isso, a
forma não regulada da escrita e do pensamento não cabendo

74
enquadrar a gêneros. Talvez por isso também minha dificuldade em
enquadrar ou referir minha produção somente à linguagem do vídeo.
Larrosa descreve que o ensaio “é uma atitude existencial, um modo de
lidar com a realidade, uma maneira de habitar o mundo, mais do que
um gênero da escrita.” (p.32). A partir desse ponto, o vídeo, para mim,
deixa de ser apenas uma linguagem e torna-se um meio no qual
consigo, de forma mais clara, essa atitude existencial, mas que prefiro
referir-me, aqui, como atitude artística. Assim, o ensaio é um modo
experimental do pensamento, “que não renuncia a uma constante
reflexão sobre si mesmo, uma permanente metamorfose” (p.32) ou
uma incessante problematização e reproblematização de si mesmo, o
que uma é constante na minha pesquisa artística, em que o vídeo é
problematizado constantemente através de seu uso reverso, através de
experiências artísticas em que o vídeo contamina-se por outros meios e
que reflete muito mais que um produto final, mas um processo
artístico. Larrosa descreve muito bem esse modo experimentação do
ensaio através de uma citação do ensaísta Montaigne, com a qual
também identifico muito de minha prática: “Se a alma pudesse dar pé,
eu não me ensaiaria me resolveria; mas ela se encontra sempre em
aprendizagem e à prova.” (apud, p.31)

Outra condição seria ensaiar no presente, ou estabelecer uma relação


com o presente. Larrosa aponta que o “ensaio não se situa fora do
tempo, mas no tempo, num tempo consciente de sua fugacidade, de
sua caducidade, de sua finitude, de sua contingência [...] O ensaísta
pensa e escreve sabendo-se mortal.” (p.33). Embora nunca tenha
pensado na relação do tempo como presente em minhas experiências

75
em vídeos, tal fugacidade, finitude do tempo é recorrente internamente
em minha prática através do conceito de impermanência do gesto na
relação da passagem entre vazio e cheio e visível e o invisível e no qual
o vídeo apresenta-se como meio essencial pela capacidade do registro
contínuo, o que é uma característica na maioria dos meus vídeos, em
que tempo é apresentado no seu estado bruto sem manipulação para
dar conta de conceitos como finitude do tempo.

A terceira operação apresentada por Larrosa é ensaiar em primeira


pessoa. O ensaio na escrita sempre se apresenta a partir do sujeito
como lugar, um pensamento em primeira pessoa, ou como Larrosa frisa
“um pensamento que estabelece uma certa relação com a primeira
pessoa: que diz “eu”, mesmo não dizendo “eu”.” (p.36) A primeira
pessoa está presente de várias maneiras, e não apenas como tema, mas
como ponto de vista, como olhar, como posição discursiva, como
posição pensante, mas sobretudo como a experiência viva de alguém.
Nesse sentido, o artista é essencialmente um ensaísta, pois se coloca no
seu trabalho assim como ensaísta coloca-se na sua escrita.
Especificamente sobre minha produção em vídeo, todos partem de um
processo individual que se reflete diretamente nos vídeos, seja pelas
escolhas processuais, tempo, forma etc. De algum modo, estou
presente mesmo quando tento esvaziar-me enquanto sujeito de minha
prática. Assim, o ensaio em primeira pessoa refere-se a um sujeito que
se ensaia como coloca Larrosa “um sujeito ou uma primeira pessoa
experimentador e experimental.” (p.38)

A quarta operação seria ensaiar à distância, como forma de distanciar-


se. Larrosa, ao escrever sobre essa distância, refere-se à escrita como
76
crítica, no entanto não à crítica como juízo de algo, mas como forma de
suspensão do juízo, pois há, no ensaio, “uma renúncia à segurança da
teoria, à segurança da prática” (p.39). Essa distância refere-se a uma
crítica que parte da experiência e que se abre à experiência, “uma
crítica reflexiva dobrada sobre si mesmo” (p.39). Seria mais uma forma
de expressão, um exercício de liberdade do sujeito ensaísta, sem o
compromisso com a verdade dos fatos. “O ensaio como um exercício de
liberdade, como um exercício mais afirmativo que negativo, mais
criativo do que militante, mais de exposição do que oposição” (p.39).
Poderia dizer que tal distância, que se faz pelo ensaio, atravessa-me
pelo descompromisso com uma crítica opositiva, talvez por uma
distância com o exterior e uma aproximação no sentido contrário, uma
crítica que se volta sobre minhas experiências. Tal distância ajusta-se
pela introspecção de minhas ações que embora possam ser rodeadas
por uma aparente exterioridade voltam-se sobre si enquanto uma
posição artística reflexiva, pois é o lugar onde me sinto segura para
expor-me, pois o ensaísta, como coloca Larrosa “só pode confiar-se
criticamente à própria experiência, só lhe resta experimentar, ver e
fazer onde é possível viver de outro modo.” (p.39)

Por fim, a última operação que Larrosa menciona seria ensaiar


escrevendo, ou como ele coloca a escrita como lugar do pensamento,
relação entre escrever e pensar ou vice-versa, “uma escrita que pensa e
que pensa sobre si mesma, e um pensamento que escreve e que
escreve sobre si mesmo” (p.40). No entanto, Larrosa coloca que a
escrita é apenas um dos lugares do ensaio, e inclusive o próprio autor
menciona o ensaio no cinema experimental como um lugar possível.

77
Assim, poderia nomear tal operação de ensaiar filmando, no caso de
minha produção, embora tenha dúvidas, pois ainda é um conceito em
processo de assimilação em minha pesquisa.

Embora identifique muitas inflexões ensaísticas ao longo de toda minha


produção videográfica, pois, como Larrosa menciona, no ensaio, “o
estilo é o homem, ou o autor, ou o sujeito. O estilo é a marca da
subjetividade na linguagem.” (p.40), mesmo que em muitos momentos
não tenho ciência de tais operações, elas estão presentes. No entanto, a
série de vídeos até o momento na qual isso se apresenta de maneira
consciente é a série Ensaio sobre a poeira, no qual absorvo tais
operações de maneira lúcida, principalmente ao que se refere ao ensaio
como experimentação, operação onde me coloco à prova para o risco e
aberta às situações que se apresentam no presente momento de fazer
os vídeos e como transformo esse momento ou situação, no lugar do
meu pensamento.

78
79
Sobre uma experiência limítrofe16

O processo de descentralização da linguagem sob uma condição


limítrofe do meio, entre contornos que se indefinem e contaminam,
reflete-se diretamente no uso do vídeo nas artes visuais. Arlindo
Machado (2008) afirma que pensar o vídeo “significa colocar-se fora de
qualquer território institucionalizado e aceitar o desafio de lidar com
um objeto híbrido, muitas vezes nem mais objeto, mas acontecimento,
processo, dissolvido ou incorporado em outros fenômenos
significantes” (p.10). Assim, abordarei, neste ensaio, a condição híbrida
que tangencia algumas de minhas experiências artísticas que se
caracterizam pelo uso reverso do vídeo. Num primeiro momento,
cercarei a relação entre imagem em movimento e imagem fixa, e, em
outro, problematizarei concepções formais na construção e significação
dessas imagens através das contaminações entre vídeo, cinema,
fotografia e pintura.

Para abordar o processo de descentralização, inicio o ensaio com uma


de minhas primeiras experiências em vídeo realizada em 2004 através

16
Parte de ensaio Uma experiência limítrofe entre corpo e paisagem publicado na
Revista Arte ConTexto: Reflexão em Arte. ISSN 2318-5538 - V.2, Nº5, NOV., ANO
2014 - Publicações de Artistas.

80
do trabalho Espelho, no qual registro meu reflexo no espelho embaçado
do banheiro e o processo de revelação dessa imagem que inicialmente
é encoberta pelo vapor do chuveiro e que lentamente torna-se nítida. O
vídeo é exposto sem edição em sua forma bruta, fiel ao tempo desse
processo que dura cerca de 20 minutos, semelhante às vídeo-
performances dos anos 70, em que os artistas utilizavam o tempo real
do vídeo como recurso criativo para registro de suas ações voltadas
para serem vivenciadas no seu processo de construção17.

Nessa primeira experiência em vídeo, surgiram muitos


questionamentos sobre o limite entre ação, registro, movimento e
duração, pois não se caracterizava por uma narrativa videográfica
voltada em geral para planos entrecortados em ações subdivididas a
partir da ideia de simultaneidade18, mas um vídeo para exposição
devido a sua extensão e mínima ação, muitas vezes, provocando a
sensação de inatividade e até mesmo confundindo-se com uma imagem
fixa. Philippe Dubois (2003), ao abordar as relações e influências entre
cinema e artes visuais e o uso do vídeo de forma reversa,
principalmente em experiências entre imagem em movimento e
imagem fixa, refere-se a essa característica de temporalidade no vídeo

17
Christine Mello refere-se a essa dimensão temporal das vídeo-performances
pioneiras dos anos 70 como forma aberta, constitutiva da construção de sentidos
entre o tempo apreendido pelo homem e o tempo produzido pela máquina. “É
possível observar que a obra passa a existir não mais como produto, ou como
resultado de uma manifestação acabada, mas como processo de elaboração, que
precisa ser vivenciado processualmente, na duração do ato, em seu inacabamento,
como referência à vivência de um acontecimento.” (MELLO, 2008, p.145).
18
A tendência do quadro videográfico é ser mais abstrato e menos realista em
relação aos quadros fotográfico e cinematográfico. As ações são subdivididas, em vez
de mostradas nos planos mais abertos e mais longos da cinematografia. (BERNARDES,
2011, p.06)

81
como “cinema de exposição”. Philippe Dubois (2003) coloca que apesar
de tratarem-se de vídeos, esses trabalhos fazem da questão do
movimento na imagem uma experiência dos limites: “diante dessas
obras, o espectador duvida. Há ou não movimento? É um movimento
da imagem ou na imagem? Uma imagem dita em movimento pode
apresentar imobilidade? Há formas intermediárias entre movimento e a
imobilidade?” (p. 10).

Todos meus trabalhos que se seguiram em vídeo, após essa primeira


experiência, tiveram os mesmos questionamentos e embates entre a
construção de sentidos que, de alguma forma, transbordaram os limites
do seu meio através do uso do vídeo para registro de experiências
poéticas, fugindo da narrativa videográfica tradicional e contaminando-
se por outros meios.

O vídeo nas artes visuais, como aponta Christine Mello (2008), em seu
livro Extremidades do vídeo, caracteriza-se pelo seu hibridismo, como
um meio que expande as suas próprias especificidades. Ao falar sobre o
hibridismo do vídeo nas artes visuais, ela vai considerá-lo através da
noção de extremidades, utilizada como uma “atitude de olhar para as
bordas, observar as zonas-limite, as pontas extremas, descentralizadas
do cerne da linguagem videográfica e interconectadas em várias
práticas” (p.31). Christine Mello também se refere a essas práticas e
procedimentos de contaminação no vídeo, em que seu meio é colocado
em discussão a partir de outras linguagens, “como uma convergência
incessante de contrários, geradora de síntese e potencialidade poética.”
(p.139).

82
Essa contaminação apresenta-se de maneira peculiar e sob diferentes
aspectos na série de vídeos Ponto de Fuga (2009-14), foco do ensaio.
Como já apresentado em ensaio anterior, esta série trata de vídeos que
registram quadros fixos de paisagens campestres. Os primeiros
momentos dos registros captam apenas a aparente ausência de
movimento da paisagem até que, em determinado momento, atravesso
o quadro correndo em direção ao ponto de fuga, rompendo e
preenchendo o espaço vazio do quadro até ser suprimida pela linha do
horizonte como num gesto de fuga da própria paisagem que volta à
monotonia inicial.

Embora o meio usado para registrar tais ações seja o vídeo, são
implicadas, na imagem captada, características da narrativa
cinematográfica através da linearidade dos extensos planos abertos, ao
contrário de uma narrativa videográfica mais abstrata e/ou com a
sobreposição de planos e ritmo acelerado. A duração dos vídeos varia
de acordo com a profundidade e as adversidades da paisagem. Nesse
sentido, a série de vídeos desdobra-se em dois estados transitórios. O
primeiro estado é o de suspensão, onde a imagem apresenta-se
aparentemente estática, e o outro estado é o de movimento, onde a
ação de correr confere duração à imagem captada. A interseção entre
imagem suspensa e imagem em movimento dá-se pela ação do corpo
na paisagem. Antônio Fatorelli (2010)19, em seu livro Fotografia

19
Professor da ECO/UFRJ e pesquisador da imagem e das novas mídias. Publicou
recentemente os livros 'Fotografia contemporânea: entre o cinema, o vídeo e as
novas mídias', 'Limiares da Imagem: tecnologia e estética na cultura contemporânea',

83
contemporânea: entre o cinema, o vídeo e as novas mídias, descreve
que “esses estados transitórios encerram, nas suas variações, as
tensões presentes nas imagens entre uma força narrativa, que se
desdobra no tempo, e uma força interna, que aponta para sua
singularidade.”(p.15) Ainda sobre tais estados, Antônio Fatorelli (2010)
coloca que o trabalho entre imagem fixa e a imagem em movimento,
“realiza-se sob o signo do estranhamento, desestabilizando as
convicções tradicionalmente associadas aos meios.” (p.15).

Esse desdobramento entre imagem em movimento e imagem fixa


também se estende ao projeto de montagem de exposição da série
Ponto de Fuga. Como se trata de uma série de vídeos para ser exposta
em um único espaço e em suportes separados, essa concepção reforça
a ideia do movimento de espera, pois cada vídeo apresenta um tempo
diferente e, assim, a estaticidade de cada trabalho também é quebrada
em momentos diferentes. Desse modo, a sensação de monotonia e de
quebra gerada dentro de cada vídeo através desses estados transitórios
é estendida para o ambiente de exposição.

Outra relação de tempo entre o público e as imagens expostas seria


também semelhante ao tempo cedido a exposições de imagens fixas
como pintura ou fotografia, através de um olhar que mais observa que
propriamente assiste a um vídeo, um olhar contemplativo, com tempo
para descobrir nuanças de uma imagem, mas que, sendo vídeo, só é
possível, neste caso, pela sua suspensão. Desse modo, Antônio Fatorelli

'Fotografia e Novas Mídias' e 'O que se vê, o que é visto: uma experiência
transcinema'.

84
(2010), ao referir-se às instalações em que envolvam imagens através
de sistemas de mídias, descreve que prevalece nesses ambientes, “a
lógica associativa da sobreposição de diferentes formas imagéticas,
dispostas de modo a deflagrar um jogo de confrontação.” (p.15) Assim,
a singularidade e identidades dos meios são deslocadas, sobrepostas e
atravessadas entre si.

Essas sobreposições e atravessamentos, em que o meio é


ressignificado, apresentam-se também na concepção formal das
imagens da série Ponto de fuga, através do conceito de perspectiva e as
relações do seu uso e características nas imagens clássicas como a
pintura, a fotografia e o cinema e nos sistema de mídia como o vídeo. O
título que dá nome ao trabalho refere-se ao ponto de fuga20 que se
situa na linha do horizonte que representa a interseção aparente de
duas, ou mais, retas paralelas, segundo um observador fixo e que se
tornou um elemento importante para imagem clássica desde o
Renascimento. Assim, a concepção formal das imagens registradas
nesta série busca nas características dessas imagens, como pinturas de
paisagens clássicas, elementos para compor as imagens enquadradas da
série de vídeos. No entanto, como Philippe Dubois (2004) descreve a
noção de perspectiva no vídeo dá-se através da espessura da imagem21,

20
O ponto de fuga é o principal elemento que atribui perspectiva a uma imagem. O
conceito e utilização da perspectiva surgiram durante o renascimento e revolucionou
a pintura, pois era “um expediente geométrico que produzia a ilusão da realidade...
pois, capta os fatos visuais e os estabiliza, transformando o observador em aquele
para o qual o mundo converge”. (BERNARDES, 2011, p.06)
21
Uma aplicação da imagem sobre a imagem, camada sobre camada. É como se o
processo da própria constituição da imagem videográfica, linha por linha, potente em
sua virtualidade – meramente técnica e por tal razão invisível aos olhos do usuário -,
fosse evidenciado para esse espectador por sua apropriação ou incorporação

85
diferente do cinema e da fotografia clássica ou mesmo da pintura
clássica em que a perspectiva parte do sujeito-como-olhar entendido
como profundidade de campo. Desse modo, o uso do vídeo nessa
experiência caracteriza-se pela sua ambiguidade através do uso reverso
desse meio para registro da ação em questão.

Ao recriar a perspectiva dessas imagens através do vídeo, tendo como


referência imagens clássicas do cinema, da fotografia e da pintura, o
vídeo apresentar-se-ia nessa proposta na definição de Christine Mello
(2008) como falhas, fissuras ou fendas. Neste caso, essa falha relaciona-
se ao modo como, em meus vídeos, a perspectiva é tensionada entre
esses meios. Philippe Dubois (2004), ao tratar o assunto, descreve o
cinema e o vídeo respectivamente como profundidade de campo versus
espessura de imagem, no qual, “o plano em profundidade de campo é a
figura metonímica por excelência do cinema” (p.85) enquanto que, no
vídeo, não há profundidade de campo no mesmo sentido, pois “não há
mais uma imagem única, mas várias, embutidas umas sobre as outras,
umas sob as outras, uma nas outras.” (p.86). No entanto, como coloca
Philippe Dubois (2004), o vídeo “não deixa de produzir efeitos de
profundidade, mas uma profundidade, por assim dizer, de superfícies,
fundada na estratificação da imagem em camadas.” (p.87), ou como

estética. Na prática, isso significa que a própria montagem é integrada à imagem a


partir de três efeitos: sobreimpressão, janelas e incrustação. Sobreimpressão visa a
sobrepor duas ou várias imagens, de modo a produzir um duplo efeito. Janelas
funcionam como recortes de imagens ou planos a serem justapostos dentro de um
mesmo quadro videográfico. Incrustação funciona como um recorte e cole da
imagem videográfica. Primeiro, grava-se o motivo que estará em primeiro plano no
quadro composto final sobre fundo neutro e, em seguida, através de ferramenta de
edição, cria-se o fundo da imagem gravada. (BERNARDES, 2011, p.06-07)

86
expõe Arlindo Machado (2004), na apresentação do livro de Philippe
Dubois, “um efeito de relevo que só pode existir na imagem, não no
mundo designado por ela. É um efeito construído pela tecnologia, que
desloca a impressão de realidade do cinema e a substitui por uma
vertigem.” (p.14).

Embora a imagem captada apresente, em sua composição, um plano


aberto, único e linear, com a intenção de produzir uma imagem com
características do conceito clássico de perspectiva, ou seja, a
profundidade de campo, em sua composição, a perspectiva como tal é
comprometida nessa experiência pela limitação técnica22 do seu meio,
pois no vídeo “quanto mais longe o objeto filmado estiver da câmera,
menos nítida será sua imagem. A tendência videográfica é achatar a
clássica imagem em perspectiva, implicando na perda da profundidade
de campo.” (Bernardes, 2011, p.06) Assim, a perspectiva nessa
experiência em vídeo é simulada através da ação de correr, não
cabendo, aqui, nem a noção de profundidade de campo da imagem
clássica nem a espessura de imagem do vídeo, mas uma perspectiva
causada pelo movimento da ação de correr e sua duração.

22
Vídeo ainda tem como característica a baixa resolução, limitada às suas linhas de
pontos em número fixo e pré-determinada. Daí, por exemplo, a recorrência dos
primeiros planos (close-up) e diversos detalhes da figura em sucessão – o que acaba
conferindo à narrativa uma estrutura entrecortada e de ritmo acelerado. A tendência
do quadro videográfico é ser mais abstrato e menos realista em relação ao quadro
fotográfico e cinematográfico. As ações são subdivididas a partir da ideia de
simultaneidade. Em vez de mostradas nos planos mais abertos e mais longos da
cinematografia. Tais condições técnicas acabam por desembocar e contribuir para a
sedimentação das particularidades estéticas e conceituais do vídeo, que vão, em
última instância, significar uma ruptura com os padrões cinematográficos da
construção audiovisual. (BERNARDES, 2011, p.06)

87
Ao captar em vídeo as imagens da Série Ponto de Fuga, nos primeiros
instantes, onde se apresentam apenas a paisagem vazia em plano
único, embora se visualize aparentemente uma imagem em
perspectiva, não há como dimensionar precisamente sua profundidade
de campo e as distâncias entre seus planos. Essa dimensão só
concretiza-se quando interfiro na paisagem ao invadi-la. Apenas nesse
momento, é possível dimensionar a profundidade dessa paisagem,
através do movimento e duração da corrida até desaparecer do quadro.
Um dos vídeos realizados para a série define bem tal proposta de
perspectiva, que poderia chamar de perspectiva temporal, no qual a
paisagem captada é um trilho de trem abandonado. O vídeo em
questão é o com maior duração da série, no entanto, quando o vídeo
registra apenas a paisagem aparentemente estática pouco se diferencia
dos outros vídeos com menor duração e não há noção de sua
profundidade, apenas quando inicio sua travessia que leva cerca de
quatro minutos até sumir no horizonte.

As duas linhas limítrofes problematizadas nessa série de vídeos, ou seja,


a fissura entre imagem em movimento e imagem fixa, e o conceito de
perspectiva entre os meios, têm, na ação entre corpo e paisagem, o
ponto de encontro entre as duas “extremidades”. Do mesmo modo que
a ação de correr concede à imagem uma perspectiva, quando o
deslocamento do corpo dimensiona a profundidade do quadro, a
mesma ação concede duração à imagem quando o corpo dimensiona
sua permanência no quadro. Assim, perspectiva e movimento
acontecem no tempo da relação entre corpo e paisagem.

88
Por tais questões, a série Ponto de Fuga apresenta-se em uma situação
fronteiriça, em um processo de descentralização da linguagem23, no
qual o transbordamento de suas margens ressignifica a si e seu meio,
que se sobrepõem nessa experiência. Rosalind Krauss (1997) descreve
no texto Entropia, presente no livro Formless escrito junto com Yve-
Alain Bois, o processo termodinâmico da física que dá nome ao texto, e
como isso se reflete na análise visual para falar justamente da diluição
de fronteiras nas artes visuais e de que forma isso se processa nos
meios expressivos. Entre os exemplos que Krauss (1997) apresenta para
fazer tal analogia é a teoria sobre mimetismo de Roger Caillois24, no
qual fala sobre a condição de contorno em que o animal é incapaz de
manter a distinção entre si e seu meio. Embora, não se trate de uma
situação mimética em si, essa diluição é implicada também à ação entre
corpo e paisagem como já mencionado, em que a ação apresenta-se
sob dois aspectos, na ressignificação do movimento e da perspectiva
dos vídeos. No entanto, a ação em si também se mostra de modo
ambíguo nesse contexto através do gesto de fuga da paisagem ou para
paisagem. De buscar ou ir ao encontro, tornando-se paisagem ou
devorada por ela. Caillois (1986) descreve, em seu ensaio Mimetismo e
psicastenia legendária, esse processo ao comparar a condição descrita
por esquizofrênicos que se sentem despossuídos e até mesmo
devorados pelo espaço em torno deles em que o indivíduo “atravessa a
fronteira de sua pele e habita o outro lado dos seus sentidos. Ele
mesmo se sente virar espaço. Ele é semelhante, não semelhante a

23
MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora Senac SP, 2008. p.25.
24
Sociólogo, antropólogo e ensaísta francês dedicou-se a diversas áreas de
conhecimento como literatura, jornalismo e política.

89
alguma coisa, mas simplesmente semelhante. Ele inventa espaços dos
quais ele é a “possessão convulsiva”. (p. 63)

Krauss (2008) denomina essa condição limítrofe dos meios nas artes
visuais de pós-midiática, ou como Christine Mello (2008) refere-se, “as
obras agora já não são mais media specific: elas são maiores que os
meios, elas os atravessam e os ultrapassam”. (p.11). Assim, a
indefinição da ação torna-se reflexo da condição limítrofe de um meio,
que sob a ótica mimética de Caillois (1986) poderia definir-se como um
meio não descentralizado, mas esquizofrênico, em que o uso do vídeo
define-se pelo que não o caracteriza, através das relações entre ação e
espaço, entre corpo e paisagem, entre movimento e fixação, entre
profundidade e camadas.

90
91
Parte II

92
93
Sobre r ecuar

“Um trabalho a ser feito que é feito no processo de fazê-lo”25. Retomo


tal citação que tantas vezes recorri para descrever meu processo
artístico, mas agora sob outra ótica. Encontro-me no meio da pesquisa
e, nesse momento, inicio um movimento de recuo, para refazer meu
percurso até aqui. Volto-me, ao primeiro ensaio, quando ainda falava
sobre intenções tateantes, de uma escrita que seria feita no presente, a
partir do que o próprio tempo ofereceria no seu movimento. No
entanto, embora tenha me colocado, nessa pesquisa, aberta ao tempo
presente, ao trabalho que é feito no processo de fazê-lo, percebo agora
que talvez não estivesse tão preparada como havia imaginado. Mas
ainda, de alguma forma, sinto-me reconfortada pelo caminho assumido,
pois é um caminho acolhedor, e embora tenha que retornar, não
precisarei refazê-lo, mas apenas tomar alguns desvios26 para continuar
em direção ao objetivo traçado, com o cuidado de não perder-me nesse
meio. Surge a insegurança e as dúvidas sobre os desvios a serem
tomados e mesmo que façam-se necessários, eles só serão possíveis
porque acredito ter chegado a algum lugar até aqui, pois “quando não

25
Auster, 1982, p.92
26
Desvio por ainda ter um objetivo em vista, adiando assim, pelo menos nesse
momento, a deriva.

94
se vai a parte alguma não existe a possibilidade de desvio.”27 Abandonar
as expectativas iniciais de qualquer pesquisa, diminuir a intensidade e
minimizar os desejos e intenções para torná-la possível. Assim, ainda
que tenha que recuar para prosseguir, percebo que não é algo tão
intimidante. O retorno não como negativo, assim como o conceito
filosófico de Nietzsche do eterno retorno28, defendido por muitos
através da ideia de “que não há o retorno do negativo [...] só pode
voltar aquilo que tem força de voltar sempre”29. Assim, encontro-me no
momento, em meio a um grande movimento de recuo, até mesmo
nauseante, mas necessário, pois a pesquisa, assim como o
conhecimento “aprendeu uma coisa sobre si mesmo: que é antes de
tudo, movimento.”30

No primeiro ensaio, listei uma série de motivos que me levaram a


escolha dessa forma de escrita. Nessas mesmas motivações indicadas
no início da pesquisa também encontro, agora, os possíveis caminhos

27
Audouze-Cassé-Carriere, 1991, p.220.
28
“O Eterno Retorno é um conceito não acabado em vida pelo próprio Nietzsche,
trabalhado em vários de seus textos, que diz respeito aos ciclos repetitivos da vida. O
eterno retorno significa que o ser é seleção. [...] A partir daí é formulada a ideia de
um eterno retorno do outro, concebido como ser do devir, um do múltiplo,
necessidade do acaso, em suma, retorno da diferença. [...] Apenas subsiste e retorna
aquilo que se dispõe a retornar sempre. Aquilo que se quer apenas uma vez, uma
última vez e nunca mais, não passa de um meio-querer, de um querer fraco. Este é
eliminado. Nesse sentido, é o tempo. [...] O pensamento do eterno retorno opera
como uma prova. [...] não se trata apenas de uma seleção eliminatória, mas também
transmutadora. Não só elimina o que não resiste, mas transmuta aquilo que resiste.”
[...] A doutrina do eterno retorno como pensamento ético, onde o infinito do querer
no tempo opera a seleção daquilo que volta – e só pode voltar aquilo que tem força
de voltar sempre, com o que já volta transmutado.” (p.134). Sendo o ser seleção, o
eterno retorno só faz entrar no ser aquilo que nele não pode entrar sem mudar de
natureza.” PELBART, Peter Pál. O tempo não reconciliado: imagens de tempo em
Deleuze. São Paulo: Perspectiva, 2007.p.135)
29
Pelbart, 2007, p.132-4.
30
Audouze-Cassé-Carriere, 1991, p.16.

95
que tomarei para prosseguir. Motivos que refletem tal momento de
minha pesquisa e também sinalizam possibilidades de contornos. Assim,
entre tantos motivos que mencionei, reafirmo o ensaio como meio,
porque acolhe o fracasso; porque recua; porque tropeça; porque
abandona; porque é inseguro.

Nesse mesmo texto inicial, citava Larrosa (2004) ao descrever o ensaio


como uma operação, sobre “o que acontece ao pensamento quando
ensaia, e à escrita, e à vida; sobre porque, às vezes, o pensamento e a
escrita e a vida ensaiam, se fazem ensaio” (p.32). Assim me sinto,
abarcada por tal operação em pensamento, escrita e vida ensaiando-se
ao mesmo tempo.

A descoberta de uma gravidez em meio a pesquisa, na qual me


encontrava envolvida, em pleno processo de escrita, produção artística
e ensaiando novos trabalhos. Por mais que pensasse que estava
preparada para possíveis surpresas que esse tempo presente poderia
oferecer-me, descobriria uma vulnerabilidade que me afetaria como um
todo, em pensamento, vida e escrita.

Num primeiro momento, até imaginei que tal situação não afetaria
diretamente meu processo de pesquisa, que seguiria seu fluxo e
continuaria minha produção, apesar das possíveis transformações que
seguiria na minha vida. No entanto, descobriria que atingiria
diretamente meu processo de pesquisa quando percebi que não
poderia dar continuidade ao meu objeto de estudo como havia
vislumbrado, pois meus trabalhos exigiam do meu corpo um
envolvimento que em tal situação não me permitiria. Todos os vídeos

96
tratavam de ações que envolviam algum tipo de risco físico, como
correr na série Ponto de Fuga ou asfixiar-se com a poeira na série Ensaio
sobre a Poeira, além de outras circunstâncias que envolvem tais ações
como insolação e desgaste físico sentido muitas vezes ao produzir esses
trabalhos. Meu próprio corpo começava a modificar-se, e impedia
qualquer tentativa devido ao esgotamento natural e principalmente à
perda da agilidade.

A primeira sensação foi de impotência, por não poder dar continuidade


com a produção das séries em vídeos, principalmente a série Ensaio
sobre a Poeira que acabara de iniciar. Passei a questionar-me como
prosseguiria minha pesquisa artística em tais circunstâncias. Que
desvios deveria tomar e como acolher o fracasso a esse processo. Nesse
sentido, a artista Aline Dias (2009) ao abordar o fracasso no processo
artístico, descreve-o como potência, como um meio de recuperação do
processo e da experiência, “o fracasso como uma espécie de licença
para o novo e, sobretudo para a perda e o erro.” (p.278). Com o
decorrer do tempo, comecei a aceitar a situação também como uma
possibilidade para novos experimentos ainda que sentisse, nesse
momento inicial, certa resistência.

Após esse primeiro momento de frustração, um momento de pausa.


“Pausa para acolher; pausa para pensar; pausa para sentir com cuidado;
pausa para suspender a velocidade; pausa para exercitar a lentidão,
pausa para viver a experiência. Enfim, pausa para criar um espaço-
tempo onde os fatos que nos acontecem possam ser experienciados”.31

31
Barcelos, 2008, p.23.

97
Após a pausa, momento de ensaiar-me para o abandono. Aceitar que
não poderia seguir da mesma forma e desistir de trabalhos e planos.
Abandonar as séries em vídeos que estava produzindo e também
abandonar novos projetos de séries que planejava produzir para
próxima etapa da pesquisa e que também exigiriam um envolvimento e
esforço físico, mesmo temporariamente, para que pudesse prosseguir.
E assim, como o poeta Manoel de Barros versa em seus poemas, o
processo de pesquisa passou a ser pertencido de abandono 32, mas pelo
abandono que protege.

Não apenas abandonar, mas recuar. Retomar antigos trabalhos e


começar novos trabalhos que pudessem adaptar-se a tal situação e suas
limitações. Um acontecimento que me fez experienciar de fato o que
seria ensaiar a si próprio.

Um processo de adaptação e aprendizagem. Montaigne (2010), ao


escrever sobre mudanças de percurso, escreve sobre esse processo:
"Devo adaptar minha história ao momento. Breve poderei mudar, não
só por acidente, mas também por intenção. É um registro de
ocorrências diversas e mutáveis, de ideias indecisas, e se calhar,
contrárias: seja que sou outro eu mesmo, seja que apreendo os
assuntos por outras circunstâncias e considerações. Tanto assim que
talvez me contradiga.” (p.346)

Inicialmente, resisti escrever este breve ensaio. Um ensaio sobre uma


experiência particularmente pessoal, sem intenções e reflexões

32
BARROS, Manoel. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 342.

98
fundamentadas. Mas, a experiência, como Montaigne (2010) refere-se,
também é um meio de “chegar ao conhecimento na falta da razão”
(p.512). Assim me sinto, sem muita razão. Mas como ignorar uma
situação que atinge diretamente este processo de pesquisa? Que me
faz pausar, mesmo não querendo. Que me obriga desacelerar, pois meu
corpo não permite qualquer tipo de aceleração, mesmo desejando o
oposto. Que me desfoca, nauseia e invalida em muitos momentos. Que
me impede de prosseguir, que me obriga interromper, ausentar-me do
próprio processo, abandonar fluxos de pensamento e afastar-me do
trabalho por longos períodos. Assim, sinto a necessidade de expor todas
as fragilidades do processo, pois está “tarefa é a de pesquisar,
descobrir, se possível, mas é, também, a tarefa de relatar essa busca.”33
Mesmo que essa busca seja cambaleante. Assim, nesse momento, “não
posso ter certeza de meu objeto: ele segue confuso e cambaleante, com
uma embriaguez natural.”34

33
Audouze-Cassé-Carriere, 1991, p.16.
34
Montaigne, 2010, p.346.

99
Espelho

Fixo o meu olhar para o reflexo nulo do espelho encoberto pelo vapor.
Retorno dez anos quando, pela primeira vez, realizei o trabalho Espelho
(2004). Na época, minha segunda experiência em vídeo com pouco mais
de 20 anos de idade. Embora naquela época já projetasse repetir a
ação, não imaginava em que circunstâncias isso ocorreria. Apenas o
plano de reproduzir a experiência a cada dez anos. Um trabalho para
ser construído a longo prazo e sem fim definido. Aqui, estou
novamente, na mesma situação e atmosfera. Com as mesmas
preocupações e rituais na preparação do ambiente para experiência.
Talvez um pouco mais confortável e confiante do que a primeira vez,
pois embora tivesse na época me preparado muito para realizar o
trabalho ficava a dúvida se conseguiria. Minha preocupação, agora,
seria conseguir fazer o vídeo em uma única tomada como na primeira
vez. Nesses dez anos produzindo sempre procurei preparar-me muito
antes de realizar qualquer trabalho para evitar a necessidade de repetir
uma ação, principalmente quando realizo vídeos, pois me incomodo
com a possibilidade da automatização que a repetição pode atribuir ao
gesto em algumas circunstâncias. Gosto da sensação da primeira vez,

100
parece que tudo é mais intenso e a noção de tempo é perdida, às vezes,
dilatando-se, às vezes, comprimindo-se, dependendo da experiência.
Como da primeira vez, fecho janelas e portas para acumular vapor
suficiente no espaço. Arranjo cuidadosamente o equipamento e
enquadramento da câmera. Ensaio algumas vezes a posição que devo
ficar, pois, depois do espelho encoberto, perderei toda minha
referência visual. Tomo um longo banho quente dando tempo para que
a atmosfera do banheiro carregue de umidade. Ainda com o corpo
molhado ligo a câmera e posiciono-me em frente ao espelho. Nesse
instante, começo relembrar todas as sensações físicas da primeira vez,
sensações já registradas pelo meu corpo. Muito mais que sensações,
começo a relembrar alguns meses atrás quando estava próxima de
realizar novamente o trabalho. Embora estivesse decidida realizá-lo, já
que era um plano antigo, questionava-me se deveria incluí-lo em minha
dissertação, pois distanciava-se de meus trabalhos recentes voltados
para lugares externos através de uma relação do corpo com esses
ambientes mais ativa, diferente do Espelho relacionado a uma
dimensão mais intimista do lugar privado.

O mês de outubro aproximava-se, e logo completaria 10 anos da


produção do vídeo. À medida que se aproximava a data, a experiência
de refazer o trabalho fazia-me recordar e pensar sobre o que ocorria na
época do primeiro vídeo, quando ainda tinha 20 anos. Estava no meio
do curso de artes visuais, iniciando meu percurso artístico e cheia de
planos. Dez anos havia se passado, e percebia que grande parte
daqueles planos que havia imaginado não tinham sido concretizados.
Percebia que nada tinha mudado muito, estava no mesmo lugar de dez

101
anos atrás, cercada pelo mesmo núcleo de pessoas e dava-me conta,
ironicamente, que talvez a maior mudança tivesse sido apenas de
banheiro. No entanto, todos esses pensamentos de alguns meses atrás
iriam por terra, pois na mesma época que planejava reproduzir o
trabalho, sem saber já ocorria dentro de mim a maior transformação
que poderia imaginar, e que modificaria tudo até esse momento, no
qual me encontro esperando pacientemente meu reflexo ressurgir no
espelho.

Janeiro de 2015, uma manhã de domingo ensolarada e silenciosa.


Quatro meses depois do que havia planejado. Um clima diferente da
primeira vez. Tive que resistir ao calor do banho para que o espelho
perdesse completamente seu reflexo. Não só o clima diferente, mas
meu corpo também, que começa a sentir as transformações da
gravidez. Embora o calor seja intenso, também me conforta, pois sei
que acelerará o processo de desumidificação do ambiente. Começo a
sentir sensações diferentes da primeira vez. Percebo que a cegueira
momentânea faz-me concentrar em outros sentidos. Sinto a água
escorrer pelo meu cabelo e passar pelo meu corpo até gotejar no chão.
Escuto o impacto das gotas no chão e o ambiente ao meu redor
manifestando-se através de ruídos úmidos. Talvez o som do espaço
secando.

Meus pensamentos vagam entre o momento e recordações recentes


como a decisão que me levou adiar a execução deste vídeo. A
descoberta da gravidez. Embora planejasse filhos, confesso que tal
realidade estremeceu-me. Naquele momento e as semanas que se

102
seguiram levaram a afastar-me de tudo que estava fazendo. Precisava
de tempo para acostumar-me com a ideia e planejar como seguiria com
a minha vida e também pesquisa em pleno processo e que por mais que
tentasse retomar não conseguia fazendo esse momento ser adiado.

Volto meus pensamentos para o reflexo ainda encoberto. Começo a


sentir um desconforto. Minhas pernas doem. Provavelmente pelo
excesso de peso que agora carrego. Minha vontade é fechar os olhos
para aliviar o cansaço e acelerar o tempo. Não lembro disso ocorrer da
primeira vez. Não só as pernas incomodam, minha respiração parece
incompleta e começa também faltar-me ar.

Tento pensar em outras coisas para não me concentrar no desconforto


físico. Começo a questionar-me da decisão de realizar o vídeo em tal
estado. Talvez não tenha sido uma boa ideia. Volto, então, meus
pensamentos para o momento da decisão de tornar esse trabalho parte
de minha pesquisa. A ideia de recuar para prosseguir com a pesquisa
parecia não só interessante, mas também necessária. Assim, retomar
este trabalho, nessas condições, ganha outro significado e dimensão.
Este retorno ao espelho como um momento de pausa e reflexão não só
do início da pesquisa até esse momento, mas todo percurso trilhado
nesses pouco mais dez anos.

Não consigo mais concentrar-me. Começo a forçar meu corpo para


resistir até o fim. Tento concentrar-me na respiração, movimentar
minhas pernas, esticar meus tendões com o cuidado de não colocar
tudo a perder faltando tão pouco para meu reflexo revelar-se. Em
alguns momentos, penso em entregar-me ao cansaço e desistir. Penso:

103
não seria uma desistência completa, mas até onde meu corpo pode
insistir.

Um momento de vazio como se dissolvesse-me no ar. Volto. O reflexo


está quase nítido. Respiro fundo. Espero alguns instantes, talvez dois
minutos. Não tenho mais certeza do que vejo. Talvez a superfície já
esteja seca. Não sei. Decido não forçar mais meu corpo e entrego-me a
situação. Desligo a câmera.

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Espelho
2015

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Sobre a impermanência do gesto

O gesto sob uma ótica da transitoriedade sempre fez-se presente em


minhas experiências artísticas. Ao refletir sobre minha produção e a
noção de impermanência da imagem, principalmente nas ações
registradas em vídeo, passei a perceber essa transitoriedade do gesto
contido e a relação do excesso na construção dessas experiências de uma
visualidade transitiva, entre a fixação e o desaparecimento, entre o
preenchimento e o esvaziamento, ou vice-versa.

Para iniciar este ensaio, retorno ao trabalho Imagem para deixar de existir
(2011-13), e que embora não se trate de um vídeo, foi onde passei a
perceber a noção de impermanência do gesto com maior clareza. O
trabalho em questão configurou-se em uma série desenhos de paisagens
em grandes dimensões, realizados em lápis-grafite para o público apagar
através de borrachas dispostas ao lado dos desenhos. Em função de suas
dimensões, que podia chegar a quatro metros de largura por um metro e
meio de altura, havia muita dificuldade em executá-los, o que tornava a
construção das imagens muito lenta. Essa experiência, embora tenha sido
realizada em desenho, apresenta a temporalidade impressa não apenas
no gesto de fazer o desenho, na ação de preencher/fixar, mas também no

122
gesto de apagá-lo, ação de desaparecimento/esvaziar. Desde então, o
conceito de impermanência, embora já estivesse presente em minhas
experiências anteriores, passou a interessar-me enquanto conceito
poético.

Como já mencionado, a questão do movimento incorpora-se na maioria


de minhas experiências através do vídeo, o que possibilita trabalhar
diretamente com o fluxo do tempo na imagem, atribuindo densidades
diferentes de movimento. Embora meus trabalhos em vídeo apresentem
distintas estratégias de execução, discutem movimentos semelhantes do
tempo. Um tempo que se configura não apenas como uma característica
tecnológica do vídeo, mas, sobretudo, como substância. Nesse sentido, ao
pontuar a impermanência do gesto em minha produção artística,
inevitavelmente abordo um conceito de temporalidade que implica a
relação de passagem e/ou reversibilidade entre o visível e o invisível
(aparecer e desaparecer) e vazio e cheio (esvaziar e preencher /
preencher e esvaziar).

A passagem de estados de visibilidade/invisibilidade revela-se nos


vídeos Espelho (2004) e Espelho (2015) em que tal processo dá-se por
meio da passagem de minha imagem refletida no espelho do banheiro.
Num primeiro momento, o reflexo apresenta-se encoberto pelo vapor
decorrente de um banho quente. À medida que o tempo passa,
lentamente minha imagem revela-se até tornar-se completamente
visível. Esse jogo entre ver e não ver é abordado também na série de
vídeos Ensaio sobre a Poeira (2014), que apresenta a minha ação
frustrada de suspender a poeira no ar com o intuito de tentar encobrir a
paisagem e meu corpo. O gesto de ocultamento mostra-
123
se praticamente impossível devido à dificuldade do corpo versus a
dimensão do gesto em levantar a poeira, mas que, por breves instantes,
consegue parcialmente encobrir pedaços da paisagem e do meu corpo,
ressaltando ainda mais a sua condição efêmera decorrente da
impermanência da ação. Tais vídeos apresentam características
semelhantes, envolvendo ações em que corpo desafia-se em situações
de limite, no qual o tempo, através da insistência do gesto, torna-se
aliado para sua execução.

Pensando na noção de imobilidade e na relação de passagem entre vazio


e preenchimento, a série Ponto de Fuga (2009-14) expõe uma
transitoriedade que se dá através da alternância entre lugar e vazio,
quando o vazio da paisagem é preenchido pelo corpo que o atravessa,
sendo que esta, por sua vez, logo é esvaziada quando o corpo desaparece.
Segundo Anne Cauquelin (2006), “existe lugar quando há corpo ali onde
antes havia nada; mas se o corpo se retirar, o lugar retorna ao vazio”
(p.37).

O conceito de impermanência sobre o gesto, e tudo mais que o envolve,


tem como referência, em um plano geral, a ideia de transitoriedade
presente na própria natureza. Dubois (2003), ao considerar o movimento
do ponto de vista da Ciência, define que o mundo como tal e a própria
matéria são, “originalmente, puro(s) movimento(s). A instabilidade e a
mudança são a regra, e tudo seria apenas uma imensa e infinita
correlação de movimentos sempre se fazendo, se desfazendo e se
refazendo” (p. 72).

Nesse sentido, a primeira frase considerada filosófica no mundo

124
ocidental, escrita no século VI a.C. por Aristóteles, afirmava “[...] que
aquilo que nasce na verdade não faz mais que transformar-se”35.
Cauquelin (2006), ao mencionar Aristóteles, pontua que este se refere ao
tempo como uma medida do movimento, a tal ponto que “[...] na
ausência de movimento, a consciência do tempo desaparece. Quando não
sofremos mudanças, não nos parece que o tempo tenha passado.”
(p.153).

Tal sensação atribuída à passagem do tempo, a qual se refere Aristóteles,


é abordada indiretamente nos vídeos Espelho (2004-15). O trabalho, que
se tornou uma série, trata-se de um projeto a longo prazo, em que esta
ação é reproduzida a cada dez anos em média. E, sob este aspecto, o
tempo, aqui, também implica espera e intervalo e a mudança como
movimento. Ao produzir pela segunda vez o vídeo, tantos anos depois, a
repetição da ação acaba levando a uma reflexão justamente desse
movimento de passagem, que só é sentido devido tais mudanças do
corpo e de seu entorno.

O conceito de impermanência, que se assemelha com a ideia de


impermanência na física, encontra-se também no pensamento místico
oriental, como aborda Capra (1989) no livro Tao da Física, no qual o
mundo é concebido através do movimento, do fluir e da mudança, “as
formas que se criam se desintegram, transformando-se umas nas outras,
sem fim.” (p. 158). A impermanência de todas as formas é o ponto de
partida do budismo. Buda, de acordo com Capra, ensinava que todas as
coisas são transitórias, ”impressionado pela transitoriedade dos objetos e

35
Aristóteles apud Branco 2004, p.14.

125
pela incessante mutação e transformação de todas as coisas ele reduziu
substâncias, almas e coisas a forças, movimentos, sequências e processos
e adotou uma concepção dinâmica da realidade.” (p.147)

O entendimento da transitoriedade das coisas fala diretamente do


desapego. Em minha prática artística, isso se dá através de gestos
destinados à transformação e à desistência. Ações que evidenciam o
desapego através de uma noção de transitividade que perpassa o
trabalho, experiências que falam diretamente do processo. Essa atenção
ao processo artístico surge nas artes através da introdução da noção de
desmaterialização da obra de arte36, em que a valorização da ideia
sobrepõe-se ao objeto junto com a noção de que o processo de criação é
mais importante do que o produto. Este pensamento investigado por Lucy
Lippard, em Six Years: The Dematerialization of the Art Object, de 1968,
levou muitos artistas a explorar novos modos de criação, como, por
exemplo, a arte como ação, e a expansão do que “arte” pode significar.
Frente a isso, invoca-se uma nova relação com o espaço e tempo em
favor de práticas transitórias, destinadas a desaparecer.

Sob essa ótica artística, muitas são as referências que atravessam minha
pesquisa nesse sentido, entre elas, destaco Allan Kaprow, artista
americano, que foi influenciado pela ideia de impermanência do

36
A ideia de desmaterialização (Lippard, 1968) do objeto de arte que se estabelece
nos anos 60/70 do século XX, que consistia na valorização da ideia e considerar a
forma material em plano secundário. Uma recondução de que é na mente e suas
ideias e não no objeto, que a arte reside chegando até mesmo ao seu apagamento no
mundo substituído por reflexões teóricas como no caso do movimento inglês Art &
Language.

126
pensamento oriental místico. Gillian Sneed (2011), ao referir-se ao artista
supracitado, sublinha que ele argumentou que, “ao focar a consciência
das pessoas sobre suas próprias ações este efeito tem o poder de alterar
o mundo.” (p.08). Essa percepção levou Kaprow e outros artistas a
desistirem dos meio tradicionais da arte em busca de atividades que
estavam mais sintonizadas com o cotidiano, unindo, então, arte e vida. As
ações cotidianas potencializam a premissa da impermanência ao buscar,
na banalidade do cotidiano, a motivação para a realização de experiências
artísticas, que na sua maioria demandam certo esforço e insistência para
um gesto destinado a perder-se, reforçando a ideia de desapego. Kaprow
define essas ações dissolvidas no cotidiano de Atividades37, que busca,
nos gestos que consideramos banais, uma relação entre arte e vida
presente no curso de acontecimentos do dia a dia. Kaprow definiria esse
conceito como “lifelike” em The real experiment, em 1983, para referir-se
a um modo de praticar-se arte que torna fluídas as fronteiras entre arte e
vida38.

Outra referência que trabalha e fala sobre o processo de transitoriedade


em suas experiências é a artista Marina Abramovic, que, assim como

37
Atividades nomeia uma forma de ação desenvolvida por Allan Kaprow logo após os
happenings. As Atividades consistem geralmente em uma sequência de instruções
para serem executadas por participantes voluntários, sem presença de público. Em
geral, as ações envolvem gestos e movimentos cotidianos, trabalhados –
individualmente, em duplas ou em grupo – de forma repetida, com modificações
sucessivas. SNEED,2011, p. 169-187, Dez. de 2011.
38
Essas novas práticas artísticas transformaram também a relação do público com a
arte. Basbaum (2007) descreve essa relação como “novas condições de fruição da
obra, a qual estende-se sobre o espectador de modo ostensivo, demonstrando de
maneira radical a impossibilidade de uma contemplação indiferente”, (Idem, 2007,
p.104). O espectador torna-se parte do processo como acontece nas Atividades de
Kaprow e nos trabalhos de tanto outros artistas, que lançam a ideia da participação do
espectador como necessária para provocar seu funcionamento.

127
Kaprow, também foi influenciada pela prática da mística oriental ao
ingressar no processo de compreensão do não fazer39, que a levaria a
ingressar em experiências artísticas voltadas ao seu processo, como suas
performances. Abramovic descreve esse encontro com a consciência da
impermanência:
Eu parei de pintar, apenas porque em um ponto no céu aviões
passaram. Eu estava pintando o céu e as nuvens naqueles dias [...] e
havia cerca de doze aviões militares. Isso foi em Belgrado. Eu fiquei
tão impressionada: eles formaram uma linha especial, aquela linha
que permanece por onde os aviões passam. E eu olhei aquela linha,
era como um desenho no céu. Você vê a linha existindo; então a
linha desaparecendo. No final havia nuvens. Então as nuvens se
foram e ficou apenas o céu azul. Aquilo me atingiu, naquele
momento. (...) aquela experiência foi importante porque ela era
sobre um processo. Era realmente sobre um processo: aquilo que
você vê surgindo... e então desaparecendo. Havia alguma coisa a
mais... (...) A impermanência das coisas foi minha primeira lição
budista. De alguma forma esta ideia me levou à performance
(Abramovic apud Miklos, 2010 p.106).

Abramovic incorpora o conceito de impermanência em suas


performances, através de ações que testaram os limites físicos e
psicológicos do seu corpo. Performances levadas aos extremos, cujo
destino é diluir-se na própria transitoriedade da ação. Essa relação entre
o corpo e ação nessas experiências é construída muitas vezes através da
insistência do gesto, do esforço físico, da concentração e da entrega.

39
“Não ação, ou wu-wei, termo usado na filosofia taoista, é entendido pelos chineses
não como abstenção de atividade, mas abstenção de uma espécie de atividade, a qual
não está em harmonia com o processo cósmico em curso, uma abstenção de ação
contrária à natureza. A não ação não significa nada fazer e manter o silêncio. Que
permita a todas as coisas fazerem o que elas naturalmente fazem, de modo que sua
natureza fique satisfeita. Se uma pessoa se abstém de agir contra a natureza ou, ir
contra a essência das coisas, ela está em harmonia com o tao e, portanto, suas ações
serão bem sucedidas. Pela não ação tudo pode ser feito” CAPRA, 1997. p. 35.

128
Nesse aspecto, o corpo sempre faz-se presente em meu fazer artístico em
situações que exijam resistência ou insistência no gesto, mesmo que não
esteja presente de forma direta, como é o caso de Imagem para Deixar de
Existir (2011-13). Conforme já pontuado, na execução deste trabalho,
desenhava durante dias até preencher toda área branca da superfície de
papel, para depois ser apagado pelo público. O trabalho antecipava,
através do gesto de apagar o desenho, a desistência da paisagem
desenhada, que poderia deixar de existir pela transformação constante da
imagem ou pelo fato de que tudo um dia deixará de existir. O registro que
deveria em princípio caracterizar um gesto de memorização, pois é muito
comum pensar o registro como uma tentativa de eternizar algo, vai em
direção oposta quando ele é apagado. A ideia de impermanência dessa
ação dialoga com o que o Budismo descreve como transitoriedades, em
que nada é permanente ao longo do tempo. Causas e condições variam
constantemente e o seu resultado, portanto, também varia. Uma
metáfora usada pelo Budismo é as mandalas tibetanas de areia que são
meticulosamente construídas por monges, num trabalho que pode levar
semanas para sua conclusão. As mandalas tibetanas de areia são
destruídas logo após a conclusão. Essa ação destina-se a mostrar que
nada é permanente, tudo faz parte do ciclo de nascimento, morte e
renascimento.

Experiências em que o corpo é levado muitas vezes à exaustão, através da


insistência do gesto na elaboração de uma efemeridade, torna-se um
exercício de perda: ficar parada, imóvel, esperando surgir a imagem
refletida no espelho, tentar suspender a poeira no ar, correr atrás do
ponto de fuga que nunca se alcança. Todos esses trabalhos envolvem

129
desafio, esforço, doação, insistência num gesto de construir algo para
logo acabar-se ou que nunca se concretizará. O corpo em tais trabalhos
deixa de ser apenas um instrumento que torna efetiva uma ação e
incorpora-se à atividade executada, como refere-se Ricardo Basbaum
(2007) “[...] o próprio corpo transforma-se em material de trabalho, um
corpo-partícula a se deslocar pelo espaço-tempo”(p. 117).

Ao mencionar trabalhos que se voltam para seu processo, Cauquelin


(2006) aponta que estes fazem apelo, sobretudo, a uma característica do
tempo, sua incorporalidade, pois “não é a invisibilidade que é alcançada,
mas antes a intemporalidade do tempo, no qual o tempo desvela sua
frágil constituição, torna-se um objeto no tempo e constrói em torno de si
a temporalidade fugidia que é o instante, para em seguida desaparecer”.
(p. 90)

Ainda, segundo Cauquelin (2006) “[...] o tempo, em dispositivos como a


retirada, o apagamento ou a desaparição, não é mais um tema, nem um
assunto, é a verdadeira matéria da obra, sua forma zero, sua substância”
(p. 92). Essas experiências têm, na sua transitoriedade, o significado de
sua existência, pois pela sua efemeridade ela já nos anuncia sua perda –
como cita Freud(1915-16), em seu texto Sobre a Transitoriedade40 “[…] o
valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”. Assim, a
entrega às ações que aponta para seu esvaziamento, a favor de um
transitório, alerta-nos a condição efêmera da vida e a dessacralização das
imagens.

40
Texto disponível em http://www.freudiana.com.br/destaques-home/sobre-
transitoriedade.html

130
131
Parte III

132
133
Porvir

Volto-me mais uma vez às primeiras páginas. Um movimento que se


tornou constante. Quando iniciei-a, estava aberta ao acontecimento,
mas, inesperadamente, a pesquisa tornou-se aquele momento descrito
por Larrosa (2004) quando ”o pensamento a escrita e a vida ensaiam, se
fazem ensaio” (p.32). Assim, a pesquisa tornou-se um acontecimento ao
transformar-se junto a mim com a vinda de Bento. Até aqui, havia
percorrido dois momentos, o primeiro de uma artista cheia de anseios
pelo caminho escolhido, sem muitos planos. O segundo momento
sendo habitada por outro corpo, com muitas expectativas, e, agora, o
terceiro momento com Bento em meus braços tentando assimilar tudo
isso. Chego até aqui da mesma forma que iniciei, tateando as palavras,
cambaleando entre elas. Assim, mais que conclusões ou considerações
finais, neste último ensaio, não me aterei sobre o que foi feito, mas
sobre o que não foi feito e sobre o porvir.

Se, em um momento, tive que desacelerar, agora, tenho que parar.


Assim, como a descoberta da gravidez fez-me pausar para buscar meios
para chegar até aqui, agora, a pausa faz-se necessária para rever
algumas certezas que tinha sobre meu processo artístico e como a vinda
do Bento afetou-o. A experiência de gestar e parir fez-me repensar a

134
ação do corpo em minhas experiências em vídeo e a tentativa constante
de seu esvaziamento para concentrar a atenção no gesto registrado. No
entanto, todas as transformações sofridas pelo meu corpo, que
culminaram no nascimento de Bento, levaram-me ao encontro de uma
interioridade, ao voltar-me para esse corpo transformado por outro.

Refazer o trabalho Espelho(2004-15), em meio a tal processo de


transformação e torná-lo parte dessa série de ensaios, foi o primeiro
movimento para o encontro desse corpo-sujeito. Tal movimento
aconteceu em um momento que fazia o movimento contrário em minha
prática artística, ao sair do espaço íntimo da casa, para lançar-me do
lado de fora, em paisagens desconhecidas, principalmente na série
Ensaio sobre a Poeira. Em meio a tal deslocamento, senti a necessidade
de retornar ao espaço da casa, levada pela própria situação da gravidez
que fez voltar-me para esse lugar no qual pudesse me guardar.

Nesse mesmo lugar, decidi receber Bento, em um parto domiciliar


planejado. Em outro momento não me ateria a algo tão particular, mas,
ao entrar em trabalho de parto, em um lugar no qual me sentia segura
e verdadeiramente acolhida, senti-me da mesma forma ao realizar
meus trabalhos. A mesma atmosfera, o mesmo envolvimento com o
tempo, o silêncio, a resistência do corpo e o apagamento nas ações e
gestos presentes em meus vídeos. Foram cerca de 20 horas, na sua
maioria em silêncio e sozinha, em um exercício de resistência para
superar meu próprio corpo a ponto de ausentar-me dele por horas das
quais não tenho memória alguma em uma espécie de transe. Ali,
tornava-me “lugar e sujeito da experiência” mais do que nunca.

135
Ao perceber, nesse momento tão particular, os mesmos gestos e
atmosfera vivenciados em meus trabalhos, vieram-me alguns
questionamentos como a possível influência de minha prática artística
na experiência de parto ou o contrário, a individualidade do corpo que
tentava minimizar torna-se impossível, pois a interioridade encontra-se
no gesto, algo inerente a esse corpo. No entanto, tudo ainda é muito
recente, um momento em que a razão ainda me escapa para descrever
ou pensar lucidamente.

Tal experiência afetou-me de tal modo que me levou a adiar, rever e


recuar minha prática artística e, logo, sua escrita, pois me sinto numa
espécie de impotência. Por tais razões, prefiro não chegar a conclusões
e nem considerar nada, pois seria até mesmo um equívoco com o
próprio caminho escolhido até aqui. Ainda sobre concluir um ensaio,
Adorno (2003) menciona que se “termina onde se sente ter chegado ao
fim, não onde nada mais resta a dizer.” (p.17). Porém, chego até aqui e
sinto não ter chegado a um fim. Assim, apenas ensaiarei esse fim, ou
melhor, uma possível continuação numa espécie de sumário de
projetos-ensaios, escritos e visuais, que de alguma forma possam
responder minhas dúvidas e questionamentos, ou não. Terminando,
assim, em movimento, pois sobre o por vir “nada de certo aí se
anuncia”41.

41
41
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.253.

136
137
ÍNDICE II

Ensaio sobre o vento

“Corpo-partícula”

Sobre silêncio e suspensão

Ensaio sobre as margens

O tempo que antecede

Ensaio sobre a dúvida

Sobre um corpo sem causa

Experimentos na infância

Sobre olhar mais para o céu

Ensaio e erro

Movimento invisível

O “não-é-grande-coisa e o quase-nada”

138
139
Imagens

140
141
In Search of the Miraculous
Bas Jan Ader
1975

142
Tornado
Fracys Alÿs
2000-10

143
Stalker
Andrei Tarkovski
1979

144
Passion [Trilogia do Sublime]
Jean-Luc Godard
1982

145
Ponto de Fuga [1º teste]
Fabíola Scaranto
2009

146
Espelho
Fabíola Scaranto
2004

147
Relato sobre o vídeo Espelho
Outubro de 2004

Essa experiência foi pensada e realizada, a partir de observações de


pequenos momentos que experenciamos habitualmente, brechas que
geralmente passam desapercebidas, como quanto tempo durava o suspiro
que embaçava o vidro da janela do meu quarto. Assim, através desses
espaços de tempo perdido, comecei a observar quanto tempo o espelho do
meu banheiro levava para desembaçar depois de um longo banho quente.
Em algumas dessas observações me posicionava frente ao espelho e
procurava minha imagem refletida, mas minha impaciência não me deixava
resistir a essa espera contínua, e acabava abrindo saídas (janela/porta),
para logo enxergar minha imagem que se escondia por trás daquele véu
branco, emoldurado por azulejos floridos. A partir de então, se tornou um
desafio superar esse tempo que velava minha imagem naquele espelho
velho, repleto de manchas escuras. E mutuamente a esse desafio, surgiu
também a necessidade de captar essa passagem, que se realizou através de
um vídeo, acreditando ser o registro mais fiel da apreensão desse tempo.

Existiu a necessidade de realizar essa ação considerando a realidade que


estava acostumada, sem utilizar recursos para facilitar essa passagem, como
já havia feito anteriormente, quando abria saídas no banheiro para acelerar
o processo de desembaçar do espelho. Então, com a preocupação em
respeitar esse tempo, fechei a porta e a janela e posicionei a câmera. Logo
depois disso, procurei fazer o que era habitual. Tomei meu banho quente,
prolongando aquele momento ao máximo, até que a atmosfera do banheiro
estivesse completamente carregada. Coloquei-me frente ao espelho e fixei
meus olhos no nada. Minha visão era nula diante de tal situação. E comecei
minha espera que se fez em alguns minutos, mas que pareceram horas. A
ansiedade em ver meu reflexo logo no espelho começou a reagir sobre meu
corpo que parecia que iria escapar de mim para o chão a qualquer
momento. A impaciência tomava-me por completo quando comecei a
reconhecer-me aos poucos naquela atmosfera pesada que me cercava. E
lentamente comecei a surgir, e certificar-me que ali estava, enquanto minha
imagem ficava nítida a medida que sentia meu corpo secar. E a cada
instante que se passava o reflexo fica mais claro, até o momento que pude
me enxergar com a nitidez absoluta do espelho seco que me aprendia em
sua moldura.

148
Comfort-zones [Atividades]
Allan Kaprow
1975

149
Rhythm 0
Marina Abramovic
1974

150
Imagem para deixar de existir
Fabíola Scaranto
2011-13

151
152
153
Índice de imagens

Fabíola Scaranto. Ponto de Fuga. 2009-2014. Vídeo. p.34-46.


Fabíola Scaranto. Ensaio sobre a Poeira. 2014. Vídeo, 2min p.55-60.
Fabíola Scaranto. Espelho.2015. Vídeo, 18min.p.98-114.
Bas Jan Ader. In Search of the Miraculous. 1975. Performance, p.142.
Fracys Alÿs Tornado. 2000-10. Vídeo-performance, p.143.
Andrei Tarkovski. Stalker.1979. Filme. 163min. son. color. 35mm, p.144.
Jean-Luc Godard. Passion. 1982. 88min. son. color. 35mm, p.145.
Fabíola Scaranto. Ponto de Fuga. 2009. Vídeo, 2min. p.146.
Fabíola Scaranto. Espelho. 2004. Vídeo, 20min, p.147.
Allan Kaprow. Comfort-zones [Atividades]. 1975. Ação, p.149.
Marina Abramovic. Rhythm 0. 1974. Performance, p.150.
Fabíola Scaranto. Imagem para deixar de existir. 2011-13. Desenho,
p.151-52.

154
155
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