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Universidade do Estado de Santa Catarina –UDESC
Centro de Artes – CEART
Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais - PPGAV
Fabíola Scaranto
Florianópolis/SC
2015
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S285e Scaranto, Fabíola
Ensaio sobre a poeira / Fabíola Scaranto. – 2015.
160 p. : il. color ; 21 cm
1. Ensaio. 2. Vídeo - arte. 3. Experiência artística. I. Silva, Maria Raquel da. II.
Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
III. Título.
4
Ensaio sobre a poeira | Fabíola Scaranto
______________________________________________
Banca examinadora:
5
6
para Bento
7
8
Ag r a d e c i m e n t o s
9
10
Re s u mo
Palavras-chave
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12
A bs tr ac t
Keywords
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14
ÍNDICE
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5
No t a s ob re o í n d ice
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Ensai o sobre o ensai o
1
AUSTER, 1982, p.92
2
KUPSTAITIS, Bethielle Amaral. Sombras capturadas pela experiência noturna com o
desenho. Dissertação de Mestrado em Artes Visuais pela Universidade Federal de
Pelotas, UFPEL, Rio Grande do Sul, 2014.
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escrita. O ensaio como meio de expor e pensar uma pesquisa em
processos artísticos. Na verdade, o texto era algo já familiar. Uma
escrita em primeira pessoa que expunha e pensava seu objeto de
estudo de forma flexível, sem tanta rigidez, mas que não fugia à
pesquisa. Entretanto, despertou-me o interesse sobre o ensaio como
forma e passei investigá-lo mais a fundo antes de iniciar qualquer
escrita.
9
repente; porque escreve com letras invisíveis; porque abandona;
porque titubeia; porque não afirma; porque não conclui; etc.3
3
George Lukács, Jorge Larrosa, Theodor Adorno, Michel Montaigne, Bento Itamar
Borges, Víctor Gabriel Rodríguez.
4
É importante destacar que embora Adorno refira-se sobre a experiência como
substância do ensaio, em seu texto O Ensaio como Forma, o autor pressupõe uma
divisão entre a experiência sensível e cognitiva, situando a forma ensaio na fronteira
entre literatura e ciência, o que é revisto por outros autores como Arlindo Machado
(2003) ao colocar em seu texto O filme-ensaio, que “se pensarmos assim, estaremos
ainda endossando a existência de uma dualidade entre as experiências sensível e
cognitiva. O ensaio é a própria negação dessa dicotomia, porque nele as paixões
invocam o saber, as emoções arquitetam o pensamento e o estilo burila o conceito”.
(p.03)
10
considerar essa prática essencialmente experiência, o ensaio apresenta-
se, assim, como um meio necessário para expor meu objeto e submetê-
lo a uma reflexão.
5
Arlindo Machado, Philippe Dubois, Miguel Pereira, André Brasil, Consuelo Lins.
11
experimental, ensaio em vídeo, ensaísmo no cinema, ensaios não
escritos, etc. Embora se atribua diferentes terminologias, todos os
autores pesquisados pensam o ensaio a partir da literatura, dentro das
mesmas características aplicadas à escrita: pela sua falta de definição,
liberdade formal, reflexividade e ausência de determinações e regras.
13
vislumbrar sob as condições geradas pelo ato de escrever.” (p.35) Por
isso, essa introdução trata-se muito mais de intenções do que uma
apresentação, visto que não há nada a apresentar-se nesse momento, a
não ser anseios. Talvez uma “intenção tateante” sobre algumas séries
de vídeos, alguns já finalizados como a Série Ponto de Fuga, outros que
estão sendo produzidos e talvez outros que surjam em meio a esse
processo de escrita que começo a ensaiar.
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15
Parte I
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Sobre o que resiste
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“A observação é seletiva”. Desta forma o cineasta Tarkovski6 (1998)
descreve seu processo de criação cinematográfico, apontando a
observação como “princípio da imagem”. Tarkovski sublinha que nessa
construção só “permanece no filme aquilo que se justifica como
essencial à imagem” (p.78). Seu relato sobre observação seletiva
reflete-se em seus filmes, principalmente no número reduzido de
planos caracterizados pela duração estendida. De algum modo, sempre
me atraí por seus filmes, não apenas por suas imagens, mas
principalmente pelo tempo de suas observações captadas, sendo uma
referência constante no meu modo de pensar e construir uma imagem.
6
Tarkovski, cineasta russo, teve sua formação e grande parte de sua produção
realizada na antiga União Soviética. A partir do conceito de tempo impresso, o diretor
tratava o tempo como matéria-prima do cinema e defendia a autonomia do cinema
enquanto linguagem artística.
7
Filósofo francês, precursor da filosofia moderna. A filosofia de Bergson é, a
princípio, uma negação, isto é, uma crítica às formas de determinismo e
“coisificação” do homem. Em outras palavras, a sua pesquisa filosófica é uma
afirmação da liberdade humana frente às vertentes científicas e filosóficas que
querem reduzir a dimensão espiritual do homem a leis previsíveis e manipuláveis,
análogas às leis naturais, biológicas. Seu pensamento está fundamentado na
afirmação da possibilidade do real ser compreendido pelo homem por meio da
intuição da duração – conceitos que perpassam toda sua bibliografia. BERGSON,
Henri. Os pensadores - Cartas, conferências e outros escritos. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
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um processo que foge de uma posição passiva e torna-se um processo
ativo. Bergson (2010) é mais incisivo ao tratar a percepção como ação,
deixando de atrelar-se, como tradicionalmente, à contemplação ou à
mera especulação. Dessa maneira, perceber ou observar significa agir
através de escolhas que se projetam sobre o objeto percebido.
8
Esculpir o tempo também é o nome que dá título ao seu único livro concluído pouco
antes de sua morte. O livro, uma espécie de diário do diretor, apresenta o percurso
do seu trabalho e suas ideologias a respeito do cinema, na defesa de sua autonomia
enquanto arte.
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Ambos apresentam um mecanismo de subtração, mas de modos
distintos. Tarkovski faz uma analogia ao processo escultórico de
subtração da matéria, em que se retira o que não é necessário,
diferente do processo escultórico por adição de matéria em que a
construção dá-se pelo acúmulo de matéria selecionada. Bergson
apresenta ao menos dois momentos de subtração, uma espécie de
dupla filtragem. A primeira trata-se de subtrair as imagens que fogem
ao conjunto de imagens de interesse e depois subtrair o excesso das
imagens que foram retidas. Assim, embora a percepção seja também
um processo seletivo, apresentam-se distintos meios e formas de
realizar a seleção.
9
Segundo François Cheng (1989), em seu livro Vacío y Plenitud – El lenguage de la
pintura china, o vazio não é algo vago e inexistente, e sim um elemento
eminentemente dinâmico e atuante (...) constitui um lugar por excelência onde se
operam as transformações. As implicações da representação do vazio na pintura
chinesa estão entre o visível e não visível, onde o artista deve cultivar a arte de não
mostrar tudo, a fim de manter um ar vivo e o mistério intacto. (p. 38- 39)
21
esvaziamento exterior referia-se à cena, ou seja, ao espaço dos corpos.
Gil Vicente (2004), teórico pesquisador da obra de Cunningham,
sublinha que o esvaziamento exterior significa “abrir o espaço cênico
para que todas as espécies de acontecimentos possam ter lugar: o
mesmo sentimento que prevalece em muitos pintores permitindo-lhes
construir um espaço onde tudo pode acontecer” (p.34). Já o
esvaziamento do interior refere-se ao corpo do bailarino, “esvaziar o
corpo de sua interioridade psicológica e eliminação de referencias
exteriores” (p.96), obrigando a atenção do bailarino a concentrar-se no
movimento. Através do esvaziamento, Cunningham criava vazios para
as ações e acontecimentos, assim como na pintura chinesa.
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o próprio fazer, em que busco eliminar tudo que possa interferir na
ação projetada anteriormente. No caso dos vídeos, por exemplo,
elimino todos os elementos desnecessários no enquadramento,
subtraindo quase sempre a um único plano, tempo e ação. Embora isso
já tenha sido virtualizado na etapa anterior, somente nesse segundo
momento a subtração torna-se concreta, devido aos imprevistos que
podem ocorrer em uma situação real de execução. Ainda nessa etapa, o
outro elemento que passa pelo processo de subtração refere-se ao meu
corpo que está presente em todos os vídeos dentro de ações,
acontecimentos ou gestos. Embora as experiências tragam meu corpo,
em nenhum momento quero levar a carga da figura do artista para o
trabalho. Assim, tento esvaziar minha imagem de elementos que façam
qualquer tipo de menção há algum tipo de identidade. No entanto, esse
esvaziamento não acena a uma interioridade psicológica como ocorre
em Cunningham, mas a elementos da exterioridade do corpo que o
mantenha neutro, através da subtração de elementos que possam
atribuir alguma identidade como elementos de figurino, acessórios,
marcas no corpo, cortes de cabelo, etc. Esvaziando o máximo possível a
imagem do corpo, para que nada chame mais atenção do que a própria
ação. Todo esse processo acaba resultando numa economia, em que o
objetivo principal é voltar a atenção somente aquilo que é necessário.
Assim como Cunningham esvazia a cena e o corpo para o
acontecimento, também procuro esvaziar o lugar e meu corpo para que
um acontecimento seja retido através do vídeo.
23
esvaziamentos, comparado a etapas anteriores. Umas das
características é uso mínimo dos recursos de edição, além da subtração
do áudio dos vídeos como uma forma de suspensão da ação dirigida
para o vídeo. Muito mais que um registro, o vídeo torna-se uma
extensão dessa percepção construída.
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25
Ponto de fuga
10
Ao referir-me a paisagem aberta, trato de paisagens com topografia plana, nas
quais consigo visualizar planos distantes e a linha do horizonte, ao contrário de
paisagens fechadas que, em geral, avançam sobre corpo e visão, dificultando a
visualização de planos distantes e linhas de horizonte. Ainda sobre a paisagem,
embora não seja o foco deste ensaio, é importante frisar, aqui, que a paisagem, como
destaca Javier Maderuelo (2006), “é uma construção, uma elaboração mental que os
homens realizam através dos fenómenos da cultura. A paisagem, entendida como
fenómeno cultural” (p.17), ou seja, que varia de cultura para cultura, e
consequentemente um conceito interpretativo e também afetivo sendo seu uso
recorrente nas artes em geral sob diversas formas. MADERUELO, Javier. El paisaje:
génesis de un concepto. Madrid: Abada, 2006.
26
correndo em direção ao horizonte conduzida pelas linhas de fuga e as
relações entre a ação de fuga e o conceito de perspectiva como fuga.
11
Antes disso, fiz a primeira apresentação do projeto, numa breve passagem pela
graduação de Cinema/Ufsc, através de um exercício no qual apresentei a série em
forma de argumento.
27
fuga. Pensava na relação com a pintura e nos meios necessários para
enfatizar essa questão. Comecei a estudar os elementos clichês para
compor uma cena de pintura. O enquadramento com uma visão ampla
de uma paisagem bucólica, um ponto de fuga bem definido e
centralizado, e, por fim, o vestido como vestimenta ideal para tal
situação. Além da preocupação na composição das imagens captadas,
pensava a série no espaço de exposição e na sua relação direta com a
imagem fixa, como a fotografia e a pintura. Passei, então, a projetar os
vídeos expostos em suportes separados em um único espaço como se
fossem telas, pois embora se tratem de imagens em movimento, tal
movimentação seria, na maior parte do tempo, mínima. Assim, o
trabalho aos poucos foi concretizando-se na minha mente enquanto
esperava a oportunidade de realizá-lo.
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Na ocasião, tinha apenas uma câmera doméstica de baixa resolução
para realizar o registro. Embora a situação fugisse um pouco da que
havia imaginado, pois não tinha os instrumentos adequados, realizei
meu primeiro ponto de fuga. Naquele momento, a ansiedade tomava
conta de mim, era primeira vez que correria em fuga. Improvisando um
tripé posicionei a câmera procurando o melhor recorte da paisagem.
Posicionei-me alguns metros atrás para pegar impulso e esperei alguns
segundos enquanto me concentrava e dava tempo para a captação da
paisagem vazia. Depois de alguns instantes invadi a paisagem e corri em
direção à linha do horizonte. A sensação era que realmente estava em
fuga por invadir um território alheio12, acelerando minha corrida para
que tudo terminasse logo. À medida que corria, a paisagem
transformava-se, causando uma espécie de vertigem, pois a paisagem
que havia visualizado e recortado inicialmente modificava-se à medida
que meu corpo avançava. No entanto, concentrava-me no quadro inicial
prolongando a corrida para ter certeza que desapareceria na paisagem
registrada pela câmera sem ser enganada pela nova paisagem que se
apresentava aos meus olhos, conforme me deslocava naquele espaço.
Parei somente depois de ter certeza que havia desaparecido do quadro,
já em uma paisagem completamente distinta da inicial e com o corpo
esgotado. A aflição por estar em um lugar estranho fez-me logo iniciar
uma fuga de retorno ao ponto inicial descobrindo que havia corrido
12
Desde o início dos primeiros pontos, sempre optei pela invasão dessas paisagens,
em sua maioria propriedades particulares. A invasão ocorria pela necessidade de
realizar a ação assim que identificava uma paisagem potente, sendo produzida de
forma muito rápida, apenas os minutos necessários para a corrida e retorno. Assim, a
negociação com os proprietários para realizar o trabalho dificultaria a agilidade do
próprio trabalho. Apenas uma vez, foi pedida autorização para realizar a ação em
meio uma área de reflorestamento de álamo, sendo o pedido negado.
29
muito mais que o necessário. Nesse mesmo dia gravaria mais dois
pontos.
Nos pontos subsequentes, que levaria mais alguns anos para realizá-los,
a aflição dos pontos iniciais diminuiria. Passei a ceder mais tempo à
situação, sem acelerá-la para que tudo logo acabasse. Ao longo desse
tempo já não tenho certeza de quantos pontos corri. Foram tantas
paisagens experimentadas que mesmo à distância posso saber se são
frescas, movediças, cortantes, duras, macias, quentes, pesadas,
alérgicas, úmidas, difíceis, perigosas, etc. Alguns pontos fui impedida de
correr, abandonei outros por serem impossíveis, em um ponto, perdi-
me em meio à paisagem, em muitos cortei pés e pernas na vegetação e
fui picada por insetos, além da insolação e queimaduras de sol, apesar
de todo esforço para proteger-me.
30
que tenho nessa experiência de deslocamento na paisagem. A leitura
em questão fala da relação do corpo e percepção, em que a autora
Maria Cristina Franco Ferraz (2010) cita o filosofo alemão Martin
Heidegger, que questiona a noção física de que nos movimentamos no
espaço através da percepção humana a partir da qual ressalta que
produzimos espaço quando nos movemos, inclusive cita o exemplo do
deslocamento da linha do horizonte quando nos movemos. “Eu ando
ocupando espaço. Quando me movo, o horizonte se afasta.” (p.85). O
encontro com a linha do horizonte é impossível, pois ela é infinita. A
corrida de fuga torna-se uma corrida de encontro na medida em que
penetro a paisagem. Diferente do olhar que avista meu
desaparecimento na paisagem imóvel em uma corrida sem volta.
31
envolvida entre pintura e imagem em movimento. O interesse inicial
sobre o conceito de ponto de fuga na pintura e suas relações com
conceito da ação de fuga transbordaram para as possíveis relações com
o meio escolhido para a produção da série, no caso o vídeo, e a ideia de
tratar características de um meio através de outras linguagens também
como modo de fuga. Christine Mello, ao referir-se aos processos
artísticos em que os meios deixam-se contaminar por outros,
coincidentemente trata essas experiências “como uma fuga do
epicentro da linguagem” (2008, p.28).
32
do esvaecimento: lugar do futuro e do passado, bem antes de ser o
presente.” (p.40). Aumont trata o quadro na imagem em movimento,
tanto no cinema quanto no vídeo, também como borda, na qual o
artista irá exercer o trabalho de transbordá-la, pois, segundo o autor, é
nas bordas da imagem que se operam as transformações do campo da
imagem enquadrada. Na série Ponto de fuga, essas transformações
operam-se através da iminência de um acontecimento, no caso da
imobilidade do campo ser interrompida subitamente pela travessia de
meu corpo no seu interior, que se dá justamente através desse
transbordamento da imagem concedida pelo fluxo temporal do seu
meio.
13
Planos longos e abertos permitem ao olhar percorrer a tela e refletir, ou seja, há
um tempo em que espectador pode demorar-se na tela. Com o passar dos anos, o
cinema acelerou essa relação e o espectador passou a não ter mais tempo de
reflexão que o cineasta propunha.
33
da pintura, onde o olhar volta-se para o interior do quadro pictórico
definido por Aumont (2004) como movimento centrípeto. Assim, pode-
se afirmar que, na série Ponto de fuga, acabam ocorrendo esses dois
movimentos: centrífugo e centrípeto, em momentos diferentes.
34
Embora minha experiência com pintura seja praticamente nula, de
certo modo, trago esse envolvimento pictórico na sua produção, ao
buscar essas paisagens, em esperar a melhor luz ou a melhor estação
para ter uma imagem só possível em determinada época do ano, ao
experimentar o clima dessas paisagens, em desacelerar seu ritmo, no
trabalho silencioso e mesmo no tempo perdido de anos de feitura e
também em não ser incomodada por ninguém.
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Ponto de Fuga
2009-2014
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Ensai o sobre a poeir a
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condições atmosféricas e paisagens peculiares para tornar tal ação
possível.
Por não ter uma visão lúcida e precisa das condições necessárias para
realizar a série, não consigo projetar a ação, ou mesmo visualizar uma
imagem. O momento de sua execução torna-se imprevisível, o que
sublinha tal porosidade, mais que outras séries de vídeos em que a
imprevisibilidade é menos frequente, conferindo sob vários aspectos,
uma inflexão ensaística a essa série. Assim, mais que realizar uma ação,
trata-se de tentativas na sua maioria fracassadas pela permeabilidade
da ação.
53
A primeira dificuldade da série é a espera pelo clima favorável coincidir
com a disponibilidade de tempo para execução do trabalho. Depois,
encontrar um lugar favorável, que contenha poeira com baixa
densidade e acúmulo suficiente para levantá-la. Devido à exigência de
tais condições, as alternativas são restritas, não havendo oportunidade
de escolher o lugar. Assim, adéquo-me às raras oportunidades que se
apresentam, mesmo que a paisagem não me atraia tanto, muitas vezes
restringindo até mesmo o plano de visão da câmera para registro.
55
paisagem. Ao conseguir encontrar tal fenômeno, Alÿs vai em direção ao
epicentro sendo encoberto completamente pela poeira.
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Ensaio sobre a poeira
2014
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Vídeo-ens aio
Embora o uso do termo ensaio visual seja recorrente nas artes visuais,
inclusive sob forma de publicações acadêmicas, nas inúmeras revistas
do gênero que circulam no meio, não há estudos concretos na área
sobre o uso do termo ensaio nas artes visuais. Em geral, as abordagens
do ensaio não escrito ou visual sempre chegam ao mesmo destino: o
cinema. As poucas aproximações teóricas entre o ensaio e as artes
visuais dão-se por meio do cinema experimental e sua contaminação
com as artes visuais através do uso do vídeo por inúmeros cineastas.
Alguns teóricos como Philippe Dubois, Christine Mello e Arlindo
Machado, abordam o ensaio, mas ainda de maneira indireta, ao
tratarem o vídeo nas artes visuais como um meio híbrido,
principalmente através do conceito de Christine Mello (2008) sobre o
vídeo enquanto extremidade que se dá mais por suas fissuras do que
pelas especificidades do vídeo, possibilitando essa abertura à
experimentação e acolhendo artistas de outras áreas como o cinema.
67
suas próprias regras e experimentar. Características que talvez soem
tão naturais para um artista visual que justificaria tal indiferença, por
ser um estado já absorvido. No entanto, talvez uma liberdade
expressiva difícil de ser colocada em prática na esfera do cinema, por
exemplo, devido às proporções para produzir um filme e tudo que
envolve seu mercado. Isso não é uma certeza. Arrisco-me pensar em tal
conclusão ao encontrar escritos de cineastas que apresentam uma certa
resistência à experimentação como é o caso de Tarkovski (1998), ao
dizer que o artista deve ter uma visão lúcida e precisa do seu trabalho
para afastar a necessidade de recorrer a experimentos. Ele ainda refuta
comparações entre artes e ciências ao falar sobre experimentos, ao
colocar que a arte não é ciência, não se começa a partir de
experimentos: “quando um experimento não ultrapassa o nível de
experimento, e não constitui uma etapa do processo de criação da obra
concebida anteriormente pelo artista, o objetivo da arte não foi
alcançado.” (p.112). É compreensível o pensamento de Tarkovski ao
considerar-se a época e o contexto político e social de seu país, que
sofria duramente com um regime comunista, no qual Tarkovski viveu e
produziu, e onde os recursos eram escassos, não havendo possibilidade
de o artista arriscar-se tanto no momento de produção. Não por acaso,
o cineasta russo tenha produzido tão pouco comparado a seus colegas
contemporâneos como Godard, devido à dificuldade de conseguir
recursos para a produção de seus filmes, e que apesar de todas as
restrições ainda conseguia realizar um cinema autoral.
68
suíço com maior abertura e disponibilidade de recursos para suas
produções. Godard é considerado, por muitos, um cineasta ensaísta,
justamente pela possibilidade de poder arriscar-se e experimentar
dentro de um contexto que favorecia isso, comparado a realidade de
Tarkovski. Philippe Dubois (2004) dedica um capítulo de seu livro
Cinema, vídeo, Godard, intitulado Os ensaios em vídeo de Jean-Luc-
Godard: o vídeo pensa o que cinema cria, onde Dubois descreve esse
lado ensaísta do cineasta, através de sua produção experimental em
que experimentou e ainda experimenta novos sistemas de sons e
imagens, buscando saídas e arriscando-se, principalmente, com o uso
do vídeo que passou a redefinir não só a produção do cineasta, mas seu
pensamento. Dubois (2004) coloca o vídeo não apenas como um
período do cineasta, mas um modo de ser de Godard, “uma forma do
olhar e do pensamento [...] bem mais que um objeto ou que uma
técnica o vídeo para ele é um estado permanente.” (p.290).
69
janelas, recursos até então pouco explorados pelo cinema, e usar o
vídeo para pensar o próprio cinema. O segundo momento de Godard
refere-se às séries de televisão, onde o cineasta explorou, sobretudo, as
variações de velocidade, dando continuidade aos ensaios anteriores, no
entanto, dando mais ênfase na busca de uma lentidão, “ir menos
depressa para ver e compreender melhor os processos do mundo”
(p.300), o que Dubois define como efeito pintura. Num terceiro
momento Dubois apresenta a fase que considera ensaio no sentido
estrito, que são os vídeos-roteiros, os quais são como rascunhos,
esboços e notas de pesquisador, pequenos vídeos produzidos por
Godard, que eram feitos antes, durante ou depois de muitos filmes
conhecidos do diretor, como a Trilogia do Sublime14, onde Godard
apresentava suas reflexões sobre questões desses filmes. E, por último,
os ensaios que são trabalhos produzidos inteiramente em vídeo,
independentes de seus filmes, construindo uma produção paralela a sua
produção cinematográfica, que Dubois analisa como um mergulho de
Godard, em que o vídeo tornou-se uma “uma maneira de ser, pensar e
viver se tornou uma espécie de segunda pele de Godard”. (p.312)
14
Fazem parte da trilogia os filmes Passion (1982), Carmem (1983) e Je vous salve
Marie (1985).
70
experimental que são contaminados principalmente pelas artes visuais,
e é nesse ponto que encontro referências que fazem menção ao ensaio
especificamente nas artes visuais, mas ainda pelo caminho do cinema.
No entanto, não me aterei, aqui, a aprofundar questões do ensaio nas
artes visuais, pois, como Arlindo Machado (2004) já menciona, é
possível imaginar o ensaio em qualquer linguagem artística. Assim me
debruçarei a refletir meu próprio processo artístico e produção em
vídeo a partir do ensaio na sua origem, suas possíveis características e
desdobramentos e na figura do artista, seja ele escritor, cineasta ou
artista visual. Como num ensaio escrito, um ensaio não escrito tem a
iminência de sua produção personificada no seu autor através de sua
subjetividade, na maneira de como seu fazer reflete seus pensamentos
sobre determinado material que ele constrói e como isso se reflete no
modo do artista de relacionar-se com seu entorno, e por isso mesmo
rejeitam-se as tentativas de enquadrar o ensaio como um gênero com
regras e convenções, pois trata-se justamente de um modo de ser.
Portanto, a partir de minhas experiências e modo de ser enquanto
artista, refletirei o quanto esta operação ensaio atravessa-me.
71
antecipação, testar, prova, estudo, experiência15 . Embora os inúmeros
significados, minha relação mais íntima dá-se através da música, através
da convivência com meu companheiro, violonista e maestro, em que a
prática do ensaio é uma constante. Embora o ensaio na música tenha
outros significados, diferente do ensaio escrito, não deixo de encontrar
alguns pontos de relação entre ensaio escrito e ensaio sonoro. Entre os
significados no dicionário etimológico, o que mais se aproxima do
ensaio na música seria representar antecipação, mas também momento
de experimentar e arriscar-se. É muito comum ouvir um músico dizer
que no ensaio consegue-se atingir o melhor desempenho do artista do
que na performance com audiência.
15
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
72
ensaio. Entretanto, tratarei, aqui, particularmente de minha produção
em vídeo, onde consigo pensar tal produção sobre esse prisma
ensaístico. Arlindo Machado (2004) ao referir-se o cinema sobre esse
prisma identifica-o como filme-ensaio, outros autores identificam como
cinema experimental, ensaio fílmico, cinema conceitual, ou mesmo
ensaio não escrito. Aqui, por abordar minha produção em vídeo,
tratarei esses trabalhos como vídeos-ensaios.
Assim, posso dizer que a forma ensaio atravessa de algum modo meu
fazer e pensar artístico. Para isso, volto-me para o ensaio na escrita na
tentativa de traçar esses atravessamentos e antes que me perca nessa
busca, devido à insegurança própria de uma iniciante no assunto,
utilizarei algumas operações que Larrosa (2004) descreve para refletir a
condição de um ensaio e ensaísta.
74
enquadrar a gêneros. Talvez por isso também minha dificuldade em
enquadrar ou referir minha produção somente à linguagem do vídeo.
Larrosa descreve que o ensaio “é uma atitude existencial, um modo de
lidar com a realidade, uma maneira de habitar o mundo, mais do que
um gênero da escrita.” (p.32). A partir desse ponto, o vídeo, para mim,
deixa de ser apenas uma linguagem e torna-se um meio no qual
consigo, de forma mais clara, essa atitude existencial, mas que prefiro
referir-me, aqui, como atitude artística. Assim, o ensaio é um modo
experimental do pensamento, “que não renuncia a uma constante
reflexão sobre si mesmo, uma permanente metamorfose” (p.32) ou
uma incessante problematização e reproblematização de si mesmo, o
que uma é constante na minha pesquisa artística, em que o vídeo é
problematizado constantemente através de seu uso reverso, através de
experiências artísticas em que o vídeo contamina-se por outros meios e
que reflete muito mais que um produto final, mas um processo
artístico. Larrosa descreve muito bem esse modo experimentação do
ensaio através de uma citação do ensaísta Montaigne, com a qual
também identifico muito de minha prática: “Se a alma pudesse dar pé,
eu não me ensaiaria me resolveria; mas ela se encontra sempre em
aprendizagem e à prova.” (apud, p.31)
75
em vídeos, tal fugacidade, finitude do tempo é recorrente internamente
em minha prática através do conceito de impermanência do gesto na
relação da passagem entre vazio e cheio e visível e o invisível e no qual
o vídeo apresenta-se como meio essencial pela capacidade do registro
contínuo, o que é uma característica na maioria dos meus vídeos, em
que tempo é apresentado no seu estado bruto sem manipulação para
dar conta de conceitos como finitude do tempo.
77
Assim, poderia nomear tal operação de ensaiar filmando, no caso de
minha produção, embora tenha dúvidas, pois ainda é um conceito em
processo de assimilação em minha pesquisa.
78
79
Sobre uma experiência limítrofe16
16
Parte de ensaio Uma experiência limítrofe entre corpo e paisagem publicado na
Revista Arte ConTexto: Reflexão em Arte. ISSN 2318-5538 - V.2, Nº5, NOV., ANO
2014 - Publicações de Artistas.
80
do trabalho Espelho, no qual registro meu reflexo no espelho embaçado
do banheiro e o processo de revelação dessa imagem que inicialmente
é encoberta pelo vapor do chuveiro e que lentamente torna-se nítida. O
vídeo é exposto sem edição em sua forma bruta, fiel ao tempo desse
processo que dura cerca de 20 minutos, semelhante às vídeo-
performances dos anos 70, em que os artistas utilizavam o tempo real
do vídeo como recurso criativo para registro de suas ações voltadas
para serem vivenciadas no seu processo de construção17.
17
Christine Mello refere-se a essa dimensão temporal das vídeo-performances
pioneiras dos anos 70 como forma aberta, constitutiva da construção de sentidos
entre o tempo apreendido pelo homem e o tempo produzido pela máquina. “É
possível observar que a obra passa a existir não mais como produto, ou como
resultado de uma manifestação acabada, mas como processo de elaboração, que
precisa ser vivenciado processualmente, na duração do ato, em seu inacabamento,
como referência à vivência de um acontecimento.” (MELLO, 2008, p.145).
18
A tendência do quadro videográfico é ser mais abstrato e menos realista em
relação aos quadros fotográfico e cinematográfico. As ações são subdivididas, em vez
de mostradas nos planos mais abertos e mais longos da cinematografia. (BERNARDES,
2011, p.06)
81
como “cinema de exposição”. Philippe Dubois (2003) coloca que apesar
de tratarem-se de vídeos, esses trabalhos fazem da questão do
movimento na imagem uma experiência dos limites: “diante dessas
obras, o espectador duvida. Há ou não movimento? É um movimento
da imagem ou na imagem? Uma imagem dita em movimento pode
apresentar imobilidade? Há formas intermediárias entre movimento e a
imobilidade?” (p. 10).
O vídeo nas artes visuais, como aponta Christine Mello (2008), em seu
livro Extremidades do vídeo, caracteriza-se pelo seu hibridismo, como
um meio que expande as suas próprias especificidades. Ao falar sobre o
hibridismo do vídeo nas artes visuais, ela vai considerá-lo através da
noção de extremidades, utilizada como uma “atitude de olhar para as
bordas, observar as zonas-limite, as pontas extremas, descentralizadas
do cerne da linguagem videográfica e interconectadas em várias
práticas” (p.31). Christine Mello também se refere a essas práticas e
procedimentos de contaminação no vídeo, em que seu meio é colocado
em discussão a partir de outras linguagens, “como uma convergência
incessante de contrários, geradora de síntese e potencialidade poética.”
(p.139).
82
Essa contaminação apresenta-se de maneira peculiar e sob diferentes
aspectos na série de vídeos Ponto de Fuga (2009-14), foco do ensaio.
Como já apresentado em ensaio anterior, esta série trata de vídeos que
registram quadros fixos de paisagens campestres. Os primeiros
momentos dos registros captam apenas a aparente ausência de
movimento da paisagem até que, em determinado momento, atravesso
o quadro correndo em direção ao ponto de fuga, rompendo e
preenchendo o espaço vazio do quadro até ser suprimida pela linha do
horizonte como num gesto de fuga da própria paisagem que volta à
monotonia inicial.
Embora o meio usado para registrar tais ações seja o vídeo, são
implicadas, na imagem captada, características da narrativa
cinematográfica através da linearidade dos extensos planos abertos, ao
contrário de uma narrativa videográfica mais abstrata e/ou com a
sobreposição de planos e ritmo acelerado. A duração dos vídeos varia
de acordo com a profundidade e as adversidades da paisagem. Nesse
sentido, a série de vídeos desdobra-se em dois estados transitórios. O
primeiro estado é o de suspensão, onde a imagem apresenta-se
aparentemente estática, e o outro estado é o de movimento, onde a
ação de correr confere duração à imagem captada. A interseção entre
imagem suspensa e imagem em movimento dá-se pela ação do corpo
na paisagem. Antônio Fatorelli (2010)19, em seu livro Fotografia
19
Professor da ECO/UFRJ e pesquisador da imagem e das novas mídias. Publicou
recentemente os livros 'Fotografia contemporânea: entre o cinema, o vídeo e as
novas mídias', 'Limiares da Imagem: tecnologia e estética na cultura contemporânea',
83
contemporânea: entre o cinema, o vídeo e as novas mídias, descreve
que “esses estados transitórios encerram, nas suas variações, as
tensões presentes nas imagens entre uma força narrativa, que se
desdobra no tempo, e uma força interna, que aponta para sua
singularidade.”(p.15) Ainda sobre tais estados, Antônio Fatorelli (2010)
coloca que o trabalho entre imagem fixa e a imagem em movimento,
“realiza-se sob o signo do estranhamento, desestabilizando as
convicções tradicionalmente associadas aos meios.” (p.15).
'Fotografia e Novas Mídias' e 'O que se vê, o que é visto: uma experiência
transcinema'.
84
(2010), ao referir-se às instalações em que envolvam imagens através
de sistemas de mídias, descreve que prevalece nesses ambientes, “a
lógica associativa da sobreposição de diferentes formas imagéticas,
dispostas de modo a deflagrar um jogo de confrontação.” (p.15) Assim,
a singularidade e identidades dos meios são deslocadas, sobrepostas e
atravessadas entre si.
20
O ponto de fuga é o principal elemento que atribui perspectiva a uma imagem. O
conceito e utilização da perspectiva surgiram durante o renascimento e revolucionou
a pintura, pois era “um expediente geométrico que produzia a ilusão da realidade...
pois, capta os fatos visuais e os estabiliza, transformando o observador em aquele
para o qual o mundo converge”. (BERNARDES, 2011, p.06)
21
Uma aplicação da imagem sobre a imagem, camada sobre camada. É como se o
processo da própria constituição da imagem videográfica, linha por linha, potente em
sua virtualidade – meramente técnica e por tal razão invisível aos olhos do usuário -,
fosse evidenciado para esse espectador por sua apropriação ou incorporação
85
diferente do cinema e da fotografia clássica ou mesmo da pintura
clássica em que a perspectiva parte do sujeito-como-olhar entendido
como profundidade de campo. Desse modo, o uso do vídeo nessa
experiência caracteriza-se pela sua ambiguidade através do uso reverso
desse meio para registro da ação em questão.
86
expõe Arlindo Machado (2004), na apresentação do livro de Philippe
Dubois, “um efeito de relevo que só pode existir na imagem, não no
mundo designado por ela. É um efeito construído pela tecnologia, que
desloca a impressão de realidade do cinema e a substitui por uma
vertigem.” (p.14).
22
Vídeo ainda tem como característica a baixa resolução, limitada às suas linhas de
pontos em número fixo e pré-determinada. Daí, por exemplo, a recorrência dos
primeiros planos (close-up) e diversos detalhes da figura em sucessão – o que acaba
conferindo à narrativa uma estrutura entrecortada e de ritmo acelerado. A tendência
do quadro videográfico é ser mais abstrato e menos realista em relação ao quadro
fotográfico e cinematográfico. As ações são subdivididas a partir da ideia de
simultaneidade. Em vez de mostradas nos planos mais abertos e mais longos da
cinematografia. Tais condições técnicas acabam por desembocar e contribuir para a
sedimentação das particularidades estéticas e conceituais do vídeo, que vão, em
última instância, significar uma ruptura com os padrões cinematográficos da
construção audiovisual. (BERNARDES, 2011, p.06)
87
Ao captar em vídeo as imagens da Série Ponto de Fuga, nos primeiros
instantes, onde se apresentam apenas a paisagem vazia em plano
único, embora se visualize aparentemente uma imagem em
perspectiva, não há como dimensionar precisamente sua profundidade
de campo e as distâncias entre seus planos. Essa dimensão só
concretiza-se quando interfiro na paisagem ao invadi-la. Apenas nesse
momento, é possível dimensionar a profundidade dessa paisagem,
através do movimento e duração da corrida até desaparecer do quadro.
Um dos vídeos realizados para a série define bem tal proposta de
perspectiva, que poderia chamar de perspectiva temporal, no qual a
paisagem captada é um trilho de trem abandonado. O vídeo em
questão é o com maior duração da série, no entanto, quando o vídeo
registra apenas a paisagem aparentemente estática pouco se diferencia
dos outros vídeos com menor duração e não há noção de sua
profundidade, apenas quando inicio sua travessia que leva cerca de
quatro minutos até sumir no horizonte.
88
Por tais questões, a série Ponto de Fuga apresenta-se em uma situação
fronteiriça, em um processo de descentralização da linguagem23, no
qual o transbordamento de suas margens ressignifica a si e seu meio,
que se sobrepõem nessa experiência. Rosalind Krauss (1997) descreve
no texto Entropia, presente no livro Formless escrito junto com Yve-
Alain Bois, o processo termodinâmico da física que dá nome ao texto, e
como isso se reflete na análise visual para falar justamente da diluição
de fronteiras nas artes visuais e de que forma isso se processa nos
meios expressivos. Entre os exemplos que Krauss (1997) apresenta para
fazer tal analogia é a teoria sobre mimetismo de Roger Caillois24, no
qual fala sobre a condição de contorno em que o animal é incapaz de
manter a distinção entre si e seu meio. Embora, não se trate de uma
situação mimética em si, essa diluição é implicada também à ação entre
corpo e paisagem como já mencionado, em que a ação apresenta-se
sob dois aspectos, na ressignificação do movimento e da perspectiva
dos vídeos. No entanto, a ação em si também se mostra de modo
ambíguo nesse contexto através do gesto de fuga da paisagem ou para
paisagem. De buscar ou ir ao encontro, tornando-se paisagem ou
devorada por ela. Caillois (1986) descreve, em seu ensaio Mimetismo e
psicastenia legendária, esse processo ao comparar a condição descrita
por esquizofrênicos que se sentem despossuídos e até mesmo
devorados pelo espaço em torno deles em que o indivíduo “atravessa a
fronteira de sua pele e habita o outro lado dos seus sentidos. Ele
mesmo se sente virar espaço. Ele é semelhante, não semelhante a
23
MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora Senac SP, 2008. p.25.
24
Sociólogo, antropólogo e ensaísta francês dedicou-se a diversas áreas de
conhecimento como literatura, jornalismo e política.
89
alguma coisa, mas simplesmente semelhante. Ele inventa espaços dos
quais ele é a “possessão convulsiva”. (p. 63)
Krauss (2008) denomina essa condição limítrofe dos meios nas artes
visuais de pós-midiática, ou como Christine Mello (2008) refere-se, “as
obras agora já não são mais media specific: elas são maiores que os
meios, elas os atravessam e os ultrapassam”. (p.11). Assim, a
indefinição da ação torna-se reflexo da condição limítrofe de um meio,
que sob a ótica mimética de Caillois (1986) poderia definir-se como um
meio não descentralizado, mas esquizofrênico, em que o uso do vídeo
define-se pelo que não o caracteriza, através das relações entre ação e
espaço, entre corpo e paisagem, entre movimento e fixação, entre
profundidade e camadas.
90
91
Parte II
92
93
Sobre r ecuar
25
Auster, 1982, p.92
26
Desvio por ainda ter um objetivo em vista, adiando assim, pelo menos nesse
momento, a deriva.
94
se vai a parte alguma não existe a possibilidade de desvio.”27 Abandonar
as expectativas iniciais de qualquer pesquisa, diminuir a intensidade e
minimizar os desejos e intenções para torná-la possível. Assim, ainda
que tenha que recuar para prosseguir, percebo que não é algo tão
intimidante. O retorno não como negativo, assim como o conceito
filosófico de Nietzsche do eterno retorno28, defendido por muitos
através da ideia de “que não há o retorno do negativo [...] só pode
voltar aquilo que tem força de voltar sempre”29. Assim, encontro-me no
momento, em meio a um grande movimento de recuo, até mesmo
nauseante, mas necessário, pois a pesquisa, assim como o
conhecimento “aprendeu uma coisa sobre si mesmo: que é antes de
tudo, movimento.”30
27
Audouze-Cassé-Carriere, 1991, p.220.
28
“O Eterno Retorno é um conceito não acabado em vida pelo próprio Nietzsche,
trabalhado em vários de seus textos, que diz respeito aos ciclos repetitivos da vida. O
eterno retorno significa que o ser é seleção. [...] A partir daí é formulada a ideia de
um eterno retorno do outro, concebido como ser do devir, um do múltiplo,
necessidade do acaso, em suma, retorno da diferença. [...] Apenas subsiste e retorna
aquilo que se dispõe a retornar sempre. Aquilo que se quer apenas uma vez, uma
última vez e nunca mais, não passa de um meio-querer, de um querer fraco. Este é
eliminado. Nesse sentido, é o tempo. [...] O pensamento do eterno retorno opera
como uma prova. [...] não se trata apenas de uma seleção eliminatória, mas também
transmutadora. Não só elimina o que não resiste, mas transmuta aquilo que resiste.”
[...] A doutrina do eterno retorno como pensamento ético, onde o infinito do querer
no tempo opera a seleção daquilo que volta – e só pode voltar aquilo que tem força
de voltar sempre, com o que já volta transmutado.” (p.134). Sendo o ser seleção, o
eterno retorno só faz entrar no ser aquilo que nele não pode entrar sem mudar de
natureza.” PELBART, Peter Pál. O tempo não reconciliado: imagens de tempo em
Deleuze. São Paulo: Perspectiva, 2007.p.135)
29
Pelbart, 2007, p.132-4.
30
Audouze-Cassé-Carriere, 1991, p.16.
95
que tomarei para prosseguir. Motivos que refletem tal momento de
minha pesquisa e também sinalizam possibilidades de contornos. Assim,
entre tantos motivos que mencionei, reafirmo o ensaio como meio,
porque acolhe o fracasso; porque recua; porque tropeça; porque
abandona; porque é inseguro.
Num primeiro momento, até imaginei que tal situação não afetaria
diretamente meu processo de pesquisa, que seguiria seu fluxo e
continuaria minha produção, apesar das possíveis transformações que
seguiria na minha vida. No entanto, descobriria que atingiria
diretamente meu processo de pesquisa quando percebi que não
poderia dar continuidade ao meu objeto de estudo como havia
vislumbrado, pois meus trabalhos exigiam do meu corpo um
envolvimento que em tal situação não me permitiria. Todos os vídeos
96
tratavam de ações que envolviam algum tipo de risco físico, como
correr na série Ponto de Fuga ou asfixiar-se com a poeira na série Ensaio
sobre a Poeira, além de outras circunstâncias que envolvem tais ações
como insolação e desgaste físico sentido muitas vezes ao produzir esses
trabalhos. Meu próprio corpo começava a modificar-se, e impedia
qualquer tentativa devido ao esgotamento natural e principalmente à
perda da agilidade.
31
Barcelos, 2008, p.23.
97
Após a pausa, momento de ensaiar-me para o abandono. Aceitar que
não poderia seguir da mesma forma e desistir de trabalhos e planos.
Abandonar as séries em vídeos que estava produzindo e também
abandonar novos projetos de séries que planejava produzir para
próxima etapa da pesquisa e que também exigiriam um envolvimento e
esforço físico, mesmo temporariamente, para que pudesse prosseguir.
E assim, como o poeta Manoel de Barros versa em seus poemas, o
processo de pesquisa passou a ser pertencido de abandono 32, mas pelo
abandono que protege.
32
BARROS, Manoel. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 342.
98
fundamentadas. Mas, a experiência, como Montaigne (2010) refere-se,
também é um meio de “chegar ao conhecimento na falta da razão”
(p.512). Assim me sinto, sem muita razão. Mas como ignorar uma
situação que atinge diretamente este processo de pesquisa? Que me
faz pausar, mesmo não querendo. Que me obriga desacelerar, pois meu
corpo não permite qualquer tipo de aceleração, mesmo desejando o
oposto. Que me desfoca, nauseia e invalida em muitos momentos. Que
me impede de prosseguir, que me obriga interromper, ausentar-me do
próprio processo, abandonar fluxos de pensamento e afastar-me do
trabalho por longos períodos. Assim, sinto a necessidade de expor todas
as fragilidades do processo, pois está “tarefa é a de pesquisar,
descobrir, se possível, mas é, também, a tarefa de relatar essa busca.”33
Mesmo que essa busca seja cambaleante. Assim, nesse momento, “não
posso ter certeza de meu objeto: ele segue confuso e cambaleante, com
uma embriaguez natural.”34
33
Audouze-Cassé-Carriere, 1991, p.16.
34
Montaigne, 2010, p.346.
99
Espelho
Fixo o meu olhar para o reflexo nulo do espelho encoberto pelo vapor.
Retorno dez anos quando, pela primeira vez, realizei o trabalho Espelho
(2004). Na época, minha segunda experiência em vídeo com pouco mais
de 20 anos de idade. Embora naquela época já projetasse repetir a
ação, não imaginava em que circunstâncias isso ocorreria. Apenas o
plano de reproduzir a experiência a cada dez anos. Um trabalho para
ser construído a longo prazo e sem fim definido. Aqui, estou
novamente, na mesma situação e atmosfera. Com as mesmas
preocupações e rituais na preparação do ambiente para experiência.
Talvez um pouco mais confortável e confiante do que a primeira vez,
pois embora tivesse na época me preparado muito para realizar o
trabalho ficava a dúvida se conseguiria. Minha preocupação, agora,
seria conseguir fazer o vídeo em uma única tomada como na primeira
vez. Nesses dez anos produzindo sempre procurei preparar-me muito
antes de realizar qualquer trabalho para evitar a necessidade de repetir
uma ação, principalmente quando realizo vídeos, pois me incomodo
com a possibilidade da automatização que a repetição pode atribuir ao
gesto em algumas circunstâncias. Gosto da sensação da primeira vez,
100
parece que tudo é mais intenso e a noção de tempo é perdida, às vezes,
dilatando-se, às vezes, comprimindo-se, dependendo da experiência.
Como da primeira vez, fecho janelas e portas para acumular vapor
suficiente no espaço. Arranjo cuidadosamente o equipamento e
enquadramento da câmera. Ensaio algumas vezes a posição que devo
ficar, pois, depois do espelho encoberto, perderei toda minha
referência visual. Tomo um longo banho quente dando tempo para que
a atmosfera do banheiro carregue de umidade. Ainda com o corpo
molhado ligo a câmera e posiciono-me em frente ao espelho. Nesse
instante, começo relembrar todas as sensações físicas da primeira vez,
sensações já registradas pelo meu corpo. Muito mais que sensações,
começo a relembrar alguns meses atrás quando estava próxima de
realizar novamente o trabalho. Embora estivesse decidida realizá-lo, já
que era um plano antigo, questionava-me se deveria incluí-lo em minha
dissertação, pois distanciava-se de meus trabalhos recentes voltados
para lugares externos através de uma relação do corpo com esses
ambientes mais ativa, diferente do Espelho relacionado a uma
dimensão mais intimista do lugar privado.
101
anos atrás, cercada pelo mesmo núcleo de pessoas e dava-me conta,
ironicamente, que talvez a maior mudança tivesse sido apenas de
banheiro. No entanto, todos esses pensamentos de alguns meses atrás
iriam por terra, pois na mesma época que planejava reproduzir o
trabalho, sem saber já ocorria dentro de mim a maior transformação
que poderia imaginar, e que modificaria tudo até esse momento, no
qual me encontro esperando pacientemente meu reflexo ressurgir no
espelho.
102
seguiram levaram a afastar-me de tudo que estava fazendo. Precisava
de tempo para acostumar-me com a ideia e planejar como seguiria com
a minha vida e também pesquisa em pleno processo e que por mais que
tentasse retomar não conseguia fazendo esse momento ser adiado.
103
não seria uma desistência completa, mas até onde meu corpo pode
insistir.
104
105
Espelho
2015
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121
Sobre a impermanência do gesto
Para iniciar este ensaio, retorno ao trabalho Imagem para deixar de existir
(2011-13), e que embora não se trate de um vídeo, foi onde passei a
perceber a noção de impermanência do gesto com maior clareza. O
trabalho em questão configurou-se em uma série desenhos de paisagens
em grandes dimensões, realizados em lápis-grafite para o público apagar
através de borrachas dispostas ao lado dos desenhos. Em função de suas
dimensões, que podia chegar a quatro metros de largura por um metro e
meio de altura, havia muita dificuldade em executá-los, o que tornava a
construção das imagens muito lenta. Essa experiência, embora tenha sido
realizada em desenho, apresenta a temporalidade impressa não apenas
no gesto de fazer o desenho, na ação de preencher/fixar, mas também no
122
gesto de apagá-lo, ação de desaparecimento/esvaziar. Desde então, o
conceito de impermanência, embora já estivesse presente em minhas
experiências anteriores, passou a interessar-me enquanto conceito
poético.
124
ocidental, escrita no século VI a.C. por Aristóteles, afirmava “[...] que
aquilo que nasce na verdade não faz mais que transformar-se”35.
Cauquelin (2006), ao mencionar Aristóteles, pontua que este se refere ao
tempo como uma medida do movimento, a tal ponto que “[...] na
ausência de movimento, a consciência do tempo desaparece. Quando não
sofremos mudanças, não nos parece que o tempo tenha passado.”
(p.153).
35
Aristóteles apud Branco 2004, p.14.
125
pela incessante mutação e transformação de todas as coisas ele reduziu
substâncias, almas e coisas a forças, movimentos, sequências e processos
e adotou uma concepção dinâmica da realidade.” (p.147)
Sob essa ótica artística, muitas são as referências que atravessam minha
pesquisa nesse sentido, entre elas, destaco Allan Kaprow, artista
americano, que foi influenciado pela ideia de impermanência do
36
A ideia de desmaterialização (Lippard, 1968) do objeto de arte que se estabelece
nos anos 60/70 do século XX, que consistia na valorização da ideia e considerar a
forma material em plano secundário. Uma recondução de que é na mente e suas
ideias e não no objeto, que a arte reside chegando até mesmo ao seu apagamento no
mundo substituído por reflexões teóricas como no caso do movimento inglês Art &
Language.
126
pensamento oriental místico. Gillian Sneed (2011), ao referir-se ao artista
supracitado, sublinha que ele argumentou que, “ao focar a consciência
das pessoas sobre suas próprias ações este efeito tem o poder de alterar
o mundo.” (p.08). Essa percepção levou Kaprow e outros artistas a
desistirem dos meio tradicionais da arte em busca de atividades que
estavam mais sintonizadas com o cotidiano, unindo, então, arte e vida. As
ações cotidianas potencializam a premissa da impermanência ao buscar,
na banalidade do cotidiano, a motivação para a realização de experiências
artísticas, que na sua maioria demandam certo esforço e insistência para
um gesto destinado a perder-se, reforçando a ideia de desapego. Kaprow
define essas ações dissolvidas no cotidiano de Atividades37, que busca,
nos gestos que consideramos banais, uma relação entre arte e vida
presente no curso de acontecimentos do dia a dia. Kaprow definiria esse
conceito como “lifelike” em The real experiment, em 1983, para referir-se
a um modo de praticar-se arte que torna fluídas as fronteiras entre arte e
vida38.
37
Atividades nomeia uma forma de ação desenvolvida por Allan Kaprow logo após os
happenings. As Atividades consistem geralmente em uma sequência de instruções
para serem executadas por participantes voluntários, sem presença de público. Em
geral, as ações envolvem gestos e movimentos cotidianos, trabalhados –
individualmente, em duplas ou em grupo – de forma repetida, com modificações
sucessivas. SNEED,2011, p. 169-187, Dez. de 2011.
38
Essas novas práticas artísticas transformaram também a relação do público com a
arte. Basbaum (2007) descreve essa relação como “novas condições de fruição da
obra, a qual estende-se sobre o espectador de modo ostensivo, demonstrando de
maneira radical a impossibilidade de uma contemplação indiferente”, (Idem, 2007,
p.104). O espectador torna-se parte do processo como acontece nas Atividades de
Kaprow e nos trabalhos de tanto outros artistas, que lançam a ideia da participação do
espectador como necessária para provocar seu funcionamento.
127
Kaprow, também foi influenciada pela prática da mística oriental ao
ingressar no processo de compreensão do não fazer39, que a levaria a
ingressar em experiências artísticas voltadas ao seu processo, como suas
performances. Abramovic descreve esse encontro com a consciência da
impermanência:
Eu parei de pintar, apenas porque em um ponto no céu aviões
passaram. Eu estava pintando o céu e as nuvens naqueles dias [...] e
havia cerca de doze aviões militares. Isso foi em Belgrado. Eu fiquei
tão impressionada: eles formaram uma linha especial, aquela linha
que permanece por onde os aviões passam. E eu olhei aquela linha,
era como um desenho no céu. Você vê a linha existindo; então a
linha desaparecendo. No final havia nuvens. Então as nuvens se
foram e ficou apenas o céu azul. Aquilo me atingiu, naquele
momento. (...) aquela experiência foi importante porque ela era
sobre um processo. Era realmente sobre um processo: aquilo que
você vê surgindo... e então desaparecendo. Havia alguma coisa a
mais... (...) A impermanência das coisas foi minha primeira lição
budista. De alguma forma esta ideia me levou à performance
(Abramovic apud Miklos, 2010 p.106).
39
“Não ação, ou wu-wei, termo usado na filosofia taoista, é entendido pelos chineses
não como abstenção de atividade, mas abstenção de uma espécie de atividade, a qual
não está em harmonia com o processo cósmico em curso, uma abstenção de ação
contrária à natureza. A não ação não significa nada fazer e manter o silêncio. Que
permita a todas as coisas fazerem o que elas naturalmente fazem, de modo que sua
natureza fique satisfeita. Se uma pessoa se abstém de agir contra a natureza ou, ir
contra a essência das coisas, ela está em harmonia com o tao e, portanto, suas ações
serão bem sucedidas. Pela não ação tudo pode ser feito” CAPRA, 1997. p. 35.
128
Nesse aspecto, o corpo sempre faz-se presente em meu fazer artístico em
situações que exijam resistência ou insistência no gesto, mesmo que não
esteja presente de forma direta, como é o caso de Imagem para Deixar de
Existir (2011-13). Conforme já pontuado, na execução deste trabalho,
desenhava durante dias até preencher toda área branca da superfície de
papel, para depois ser apagado pelo público. O trabalho antecipava,
através do gesto de apagar o desenho, a desistência da paisagem
desenhada, que poderia deixar de existir pela transformação constante da
imagem ou pelo fato de que tudo um dia deixará de existir. O registro que
deveria em princípio caracterizar um gesto de memorização, pois é muito
comum pensar o registro como uma tentativa de eternizar algo, vai em
direção oposta quando ele é apagado. A ideia de impermanência dessa
ação dialoga com o que o Budismo descreve como transitoriedades, em
que nada é permanente ao longo do tempo. Causas e condições variam
constantemente e o seu resultado, portanto, também varia. Uma
metáfora usada pelo Budismo é as mandalas tibetanas de areia que são
meticulosamente construídas por monges, num trabalho que pode levar
semanas para sua conclusão. As mandalas tibetanas de areia são
destruídas logo após a conclusão. Essa ação destina-se a mostrar que
nada é permanente, tudo faz parte do ciclo de nascimento, morte e
renascimento.
129
desafio, esforço, doação, insistência num gesto de construir algo para
logo acabar-se ou que nunca se concretizará. O corpo em tais trabalhos
deixa de ser apenas um instrumento que torna efetiva uma ação e
incorpora-se à atividade executada, como refere-se Ricardo Basbaum
(2007) “[...] o próprio corpo transforma-se em material de trabalho, um
corpo-partícula a se deslocar pelo espaço-tempo”(p. 117).
40
Texto disponível em http://www.freudiana.com.br/destaques-home/sobre-
transitoriedade.html
130
131
Parte III
132
133
Porvir
134
ação do corpo em minhas experiências em vídeo e a tentativa constante
de seu esvaziamento para concentrar a atenção no gesto registrado. No
entanto, todas as transformações sofridas pelo meu corpo, que
culminaram no nascimento de Bento, levaram-me ao encontro de uma
interioridade, ao voltar-me para esse corpo transformado por outro.
135
Ao perceber, nesse momento tão particular, os mesmos gestos e
atmosfera vivenciados em meus trabalhos, vieram-me alguns
questionamentos como a possível influência de minha prática artística
na experiência de parto ou o contrário, a individualidade do corpo que
tentava minimizar torna-se impossível, pois a interioridade encontra-se
no gesto, algo inerente a esse corpo. No entanto, tudo ainda é muito
recente, um momento em que a razão ainda me escapa para descrever
ou pensar lucidamente.
41
41
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.253.
136
137
ÍNDICE II
“Corpo-partícula”
Experimentos na infância
Ensaio e erro
Movimento invisível
O “não-é-grande-coisa e o quase-nada”
138
139
Imagens
140
141
In Search of the Miraculous
Bas Jan Ader
1975
142
Tornado
Fracys Alÿs
2000-10
143
Stalker
Andrei Tarkovski
1979
144
Passion [Trilogia do Sublime]
Jean-Luc Godard
1982
145
Ponto de Fuga [1º teste]
Fabíola Scaranto
2009
146
Espelho
Fabíola Scaranto
2004
147
Relato sobre o vídeo Espelho
Outubro de 2004
148
Comfort-zones [Atividades]
Allan Kaprow
1975
149
Rhythm 0
Marina Abramovic
1974
150
Imagem para deixar de existir
Fabíola Scaranto
2011-13
151
152
153
Índice de imagens
154
155
Referências Bibliográficas
AUSTER, Paul. O inventor da solidão. São Paulo: Best Seller, 1982, p. 92.
156
BRANCO, Samuel Murgel. Evolução das espécies: O pensamento
científico, religioso e filosófico. São Paulo: Ed. Moderna, 2004.
BRASIL, André. O ensaio, pensamento “ao vivo”. In: FURTADO, Beatriz.
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