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Política de Atendimento
Mães em Cárcere
1. Introdução
1.1 Política
Mães em Cárcere é a Política Institucional de Atendimento da
Defensoria Pública de São Paulo para as mulheres que estão presas e sejam
mães ou estejam grávidas.
1.2 Justificativa
Há um interesse pessoal no tema, trabalho diretamente na área desde
2016, na ala Materno-Infantil da Penitenciária Feminina da Capital.
Comparativamente é possível dizer que é uma das alas que recebe maior
cuidado e atenção, e ainda assim sofre de grande carência (de respeito e)
políticas publicas.
O abandono é apenas pela família e pela sociedade, mas também, e
principalmente: pelo estado. No trabalho que realizamos escutamos diversas
vezes as queixas que "ninguém garante a nossa segurança", "em polícia
[termo que usam para qualquer pessoa que trabalhe na penitenciária] não da
pra confiar", "ninguém esta pela gente aqui". É estarrecedor que os
sentimentos mais comuns entre as mulheres sejam de solidão e
desconfiança.
Mães em Cárcere além de visar o cuidado interdisciplinar das
mulheres e de seus filhos, também colabora muito para a geração de
informação. No sistema prisional acesso a dados é um dos grandes
empecilho de trabalhos. Se trata de uma política de extrema relevância e
importância social, que visa justamente trabalhar com a parcela população
feminina que mais sofre exclusão social e a não garantia de direitos.
1.3 Resumo
Mães em Cárcere é a política de atendimento da Defensoria Pública
de São Paulo (DPESP) para as mulheres que estão presas que estejam
grávidas ou sejam mães ou de filhos com até 17 anos, ou que possua alguma
deficiência física ou intelectual. Uma das principais ações que a Defensoria
faz pela política “Mães em Cárcere” é o pedido de prisão domiciliar. Mas há
várias outras ações realizadas nesse trabalho, por exemplo: pedido de
realização de pré-natal para as grávidas que não estiverem fazendo; busca
para identificar onde está a criança que foi abrigada e como está a situação
dela; extensão do período de amamentação; fazer defesa em casos de perda
do poder familiar; requerer que o abrigo leve a criança para visitar a mãe,
entre outras.
A Defensoria tem um acordo com a Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP) e quando as mulheres entram nos presídios elas
preenchem uma ficha da Defensoria que diz respeito a quantos filhos têm, se
está grávida ou não, com quem os filhos estão etc. Dessa ficha é feita uma
triagem desses casos e tenta-se, por exemplo, a prisão domiciliar para
mulheres que já estejam no sétimo mês de gravidez ou que sejam
imprescindíveis aos cuidados de menores de seis anos. Nesses casos, a
pessoa tem direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
Esse formulário consiste na principal porta de entrada ao Mães em
Cárcere e a principal fonte de dados para fortalecer a política. Importante
ressaltar que o projeto entende que a maternidade é uma opção e um direito,
mas não é um dever.
2. Análise
2.1 Aplicação da matriz
A) Identificação e definição dos problemas públicos
i) Contexto
Quando uma nova legislação de drogas entrou em vigor no país em
2006 o crescimento da população feminina carcerária disparou -como é
possível ver no gráfico abaixo - chamando atenção das principais
organizações que trabalham com o tema.
B) Formulação e desenho
i) Objetivo da política
Os principais objetivos da política em questão são: garantir o acesso a
justiça; garantir o exercício da maternidade; assegurar os direitos tanto da
mãe quanto da criança que se encontram no ambiente prisional; preservar ou
restabelecer o vínculo familiar, incentivando o contato entre mães e filhas(os);
estreitar o contato da Defensoria Pública com a mãe que está presa;
incentivar a atuação interdisciplinar e intersetorial, por exemplo entre as
áreas e entidades de Direito, Serviço Social e Psicologia, Defensoria, Saúde,
Assistência, Conselho Tutelar, etc.
C) Implementação
i) Descrição geral
A política conta com uma assessoria técnica de gestão informacional
chamada Convive, que é responsável pelo: recebimento de
casos; articulação junto as unidades prisionais femininas de São Paulo;
desenvolvimento de planilha para registro dos casos recebidos; elaboração
de apostila, treinamento e auxílio na inserção de dados; cadastro dos casos;
identificação do fórum que tramita o processo (Criminal, VEC, Infância ou
Família); triagem dos casos; levantamento de informações mais detalhadas
com aplicação do formulário expandido, se necessário; encaminhamento dos
casos aos(às) Defensores(as) responsáveis pelo processo de sua área;
articulação junto aos(às) Defensores(as) e Agentes de Defensoria para o
acompanhamento do caso; recebimento da devolutiva de atendimento;
sistematização e levantamento dos dados.
Infelizmente o recebimento da devolutiva do atendimento não é algo
que acontece; principalmente pela alta quantidade de casos que são
atendidos e baixa quantidade e defensoras (es), essa hipótese foi realizada
pelas trabalhadoras da Defensoria.
A porta de entrada para o Mães em Cárcere é principalmente pelas
Unidades Prisionais, onde ocorre o preenchimento do formulário inicial
(Fundação Casa e Cadeias Públicas ainda em processo de implantação).
Além disso o programa conta com as visitas de Defensores nas unidades
prisionais; atendimentos pela Divisão de Apoio ao Atendimento do Preso
Provisório (DAP) ao preso provisório (CDPs); visitas de organizações da
sociedade civil (ITTC, Pastoral Carcerária); Cartas de mulheres presas
enviadas para a DPESP
.
ii) Transversalidade
Essa política tem como base o cuidado transversal das mulheres e
crianças, está na sua criação a intenção declarada de incentivar a atuação
interdisciplinar e intersetorial de diversas áreas. Por se tratar de um tema que
exige que o Direito procure o Serviço Social, que aciona por sua vez a
Psicologia, etc. Assim como a própria Defensoria, mais especificamente os
C.A.M. (Centro de Atendimento Multidisciplinar), trabalham todo o tempo em
parceria com os equipamentos de saúde e os da assistência social, Conselho
Tutelar, etc.
Importante ressaltar que todavia falta bastante articulação entre as
partes. Na prática observa-se, por exemplo, que o Convive faz a triagem dos
casos, prepara e encaminha para as(os) defensoras(es), que por sua vez
encaminham seja para a primeira instancia, para o TJ, onde -por fim- há um
número grande de indeferimentos.
Além disso a relação do Convive com o Conselho Tutelar, por
exemplo, não é direta; acontece por entremeio dos CAMs da região do
processo, o que também termina por facilitar para que os casos não sejam
acompanhados em sua proximidade e complexidade como deveriam.
iii) Relação entre o sistema político, o sistema administrativo e a
sociedade civil
Como mencionado acima, é nesse item que encontramos um dos
grande desafio da política. Vemos que os pedidos são realizados porém
indeferidos. Na área judicial 56% dos pedidos foram indeferidos, como vemos
nos gráficos abaixo:
v) Sustentabilidade
O projeto em questão está incluído no orçamento geral da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, ou seja, financiado pelo governo do estado.
Nesse sentido o projeto está garantido, entretanto, após acompanhar o
desmonte de dezenas de políticas públicas consolidadas na cidade, é
sensato se preocupar também com o destino dessa. Ou ainda, considerando
que o financiamento à Defensoria não sofra alterações, existe o que
acompanhamos em muitos casos: um boicote lento aos serviços, deixando-
os com equipes mínimas, sobrecarregados, até que sejam fechados por
improdutividade.
2.2 Reflexões
Após a análise do projeto, é possível chegar a algumas conclusões
que em parte já foram feitas ao longo da aplicação. A política parte de bases
bem consolidadas mas ainda não está completa, precisa de melhorias,
aperfeiçoamentos e expansão. Seria muito importante principalmente que o
projeto fosse garantido por lei, que se tornasse uma política pública aplicada
em todo o país. Ao longo da análise observa-se muitas melhorias e
aperfeiçoamentos possíveis, no sentido, por exemplo, de fornecer uma
formação as agentes carcerárias; estreitar e fortalecer a relação com o
judiciário.
Quanto mais se aprofunda no tema do encarceramento e suas
conseqüências mais a luta pelo desencarceramento em massa se faz
necessária. Luta grande, que atravessa a sociedade e todas as estruturas de
poder que temos.
A pastoral lançou em 2014 a Semana pelo Desencarceramento em
Massa, que aconteceu em decorrência de uma audiência publica, novembro
de 2013, cuja proposta central aponta para a exigência de um programa de
desencarceramento que estabeleça metas claras para a redução imediata e
drástica da população prisional. E seguem basicamente as seguintes
diretrizes: suspensão de qualquer investimento em construção de novas
unidades prisionais; restrição máxima das prisões cautelares, redução de
penas e descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à
política de drogas; ampliação das garantias da execução penal e abertura do
cárcere para a sociedade; vedação absoluta da privatização do sistema
prisional; combate à tortura e desmilitarização das polícias e da gestão
pública.
Para além das reflexões já realizadas, parece-me importante concluir a
análise pontuando de maneira mais ampla sobre ter o desencarceramento
como norteador de qualquer reforma (ou criação) de política pública para a
população carcerária. Porque qualquer reforma e aperfeiçoamento não será
suficiente se partimos do pressuposto que a existência das penitenciarias em
si já tornam impossível a execução de qualquer justiça.
3. Conclusões
3.1 Relação da política com a Justiça de Gênero
De maneira ampla o Mães em Cárcere se relaciona à Justiça de
Gênero por atuar na redução das desigualdades. Ao meu ver, uma das
conseqüências mais importantes dessa política é a mudanças social de
paradigmas que ela enfrenta, aos poucos logra evidenciar e mudar a
representação das mulheres encarceradas. É possível acompanhar como
nas mídias cada vez mais vemos as mulheres aparecendo como pessoas
que tem direitos. Por exemplo, esse ano foi sancionada (finalmente) a lei (Nº
13.434. 2017) que proíbe as mulheres de serem algemadas durante o parto.
A criação dessa lei evidencia a dimensão da questão que estamos lidando.
Estarrecedor, primeiro, que essa lei seja necessária, e, depois, que tenha
demorado tanto para ser elaborada.
Para diminuir a brecha de desigualdade é necessário enfrentar as
normas e padrões culturais que atribuem as mulheres um status inferior na
interação social. No caso das mulheres encarceradas há um status inferior
duplicado, porque além de mulheres elas são encarceradas. Muitas também
são pobres, pretas e mães solteiras. Nelas convergem muitos estigmas
sociais, o que apenas reforça a importância e a potência do Mães em
Cárcere que se propõe a trabalhar em tema tão central e nevrálgico da nossa
sociedade.
Concluímos que a política em questão representa claramente um
avanço na garantia da autonomia física das mulheres. Entretanto, é preciso
analisar e aperfeiçoar o projeto a fim seguir avançando em favor dos
objetivos de justiça de gênero - até quando ainda for necessário.
3.2 Outras conclusões
O projeto em questão se propõe a uma parceria entre os sistemas de
cuidado do estado, o jurídico, os centros da infância, centros de saúde,
assistência social, etc. Entretanto o que observamos é que essa estrutura,
aparentemente muito mais razoável, sofre dificuldades para sair do papel.
Mães em Cárcere nos aponta um caminho a se seguir, uma direção
para onde as políticas públicas poderiam caminhar. Faltam políticas públicas,
muitas políticas públicas, para as mulheres em privação de liberdade. Os
avanços são passos pequenos, frutos de muita batalha e luta, e ainda por
cima, sabe-se que não estão assegurados, como vivemos agora na cidade
de São Paulo, com diversos centros importantes de atendimentos a mulheres
sendo fechados ou desassistidos; e em nível nacional com o desmanche da
Secretaria da Mulher.
O encarceramento aumenta com a insegurança e intolerância que
acompanhamos no cenário nacional. Hoje, e principalmente hoje, essa luta
se faz ainda mais importante. É necessário desconstruir o imaginário do
nosso sistema carcerário, veicular os dados que evidenciam o quanto ele é
falacioso e não está realmente a serviço da segurança pública, que não visa
diminuir a criminalidade como é vendido. E digo "vendido" sim, por ter se
tornado um mercado de vidas. Nesse sentido a criminologia crítica precisa
ganhar mais visibilidade. Impossível discutir esse tema sem conjuntamente
ampliar e difundir urgentemente a discussão sobre a fatídica Guerra as
Drogas.
O Brasil carece (muito) de políticas de qualidade voltadas ás mulheres
encarceradas, sejam mães ou não. Temos hoje em dia o Programa Pró
Egresso (2009) que vem se mostrando falho, e Egresso e Família (2003) que
se propõe a auxiliar a reinserção social dos egressos e egressas.
É importante fortalecer o estado como responsável dessas ações;
acompanhamos o crescimento das demandas da Defensoria, entretanto
esses cuidados não deveriam ser centralizados em apenas um órgão
estadual. Existem os equipamentos municipais que poderiam ser fortalecidos,
incentivados e cobrados a se responsabilizar mais e trabalhar com as
demandas da área criminal. Além de que a centralização da Defensoria
causa a sobrecarga, que gera menos qualidade no acompanhamento dos
casos.
No gráfico abaixo (2016) pode-se observar como ainda é alta a
quantidade de destituição familiar. Dados alarmantes.
4. Referencias bibliográficas
Benavente, Maria Cristina e Valdéz, Alejandra. 2014. "Políticas públicas para
la Igualdade de género - Un aporta a la autonomia de las mujeres." Santiago
do Chile, Chile: Naciones Unidas, Santiago de Chile.
Instituto Terra, Trabalho e Campo, 2015. Matéria "O drama das mães que
dão à luz na cadeia: em SP, 8% das crianças vão parar nas ruas." site ITTC,
6 de Novembro. Acessado em [Agosto 12, 2017].
http://ittc.org.br/10849-2/
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. 2017. Matéria " ITTC lança agenda com
propostas de engajamento dos municípios no combate à política de
encarceramento em massa", Site ITTC, 8 de Fevereiro. Acessado em [Agosto
16, 2017].
http://ittc.org.br/ittc-lanca-agenda-com-propostas-de-engajamento-dos-
municipios-no-combate-a-politica-de-encarceramento-em-massa/
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