Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
INTRODUÇÃO
Para atingir nosso objetivo realizamos entrevistas com seis dos sete assistentes sociais
que passaram pelo Hospital Dia. A não abordagem da totalidade dos profissionais de Serviço
Social que trabalharam na instituição se deve ao falecimento de um deles.
*
Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí (2011)
2
FAZENDO HISTÓRIA
Há uma série de autores que poderiam nos auxiliar no caminho do estudo da ciência
histórica, mas a escolha por Jacques Le Goff se deu devido à concepção de tempo (não-linear,
entrecortado por múltiplas experiências simultâneas) exposta pelo autor. A partir da leitura de
sua obra História e memória, percebemos as possibilidades apontadas por Le Goff, em
meados do século XX, de construir uma história que se reconhece incompleta, incapaz de
absorver a totalidade do passado, mas que consegue compreender e considerar diversos
fatores num dado tempo, ampliando nossas perspectivas. Ao fazermos contato com as
filiações teóricas e a história de vida do autor nos foi possível compreender melhor algumas
mudanças na ciência histórica quanto ao método, problemas e abordagens sofridos no último
século. Optamos pela perspectiva apontada por Le Goff por ir ao encontro das necessidades
de nossa pesquisa acerca de um conceito de história adequado ao problema da contribuição da
prática profissional do Serviço Social no Hospital Dia – Dr. Wilson Freitas.
Le Goff afirma que nas línguas românicas o termo “história” exprime três outros
conceitos diferentes:
Preservar a memória dos assistentes sociais e da sua contribuição para o Hospital Dia
nesses mais de 25 anos é também narrar a contribuição do próprio Hospital para a sociedade
piauiense. A idéia de tentar escrever uma história da profissão na instituição também é a idéia
de escrever uma história do Hospital Dia, considerando que estas narrativas estão imbricadas,
pois a profissão está inserida no serviço desde o início de seu funcionamento e a práxis de
seus profissionais são historicamente datadas e situadas no que acontece com a própria
instituição, com a política da saúde mental e com as condições objetivas e subjetivamente
dadas em cada momento histórico-conjuntural.
Nossa incursão pelo universo da história se dará pela valorização da memória de vida
dos profissionais que passaram pelo Hospital, valorizando cada informação prestada,
interpretando subjetividades e analisando criticamente as condições históricas de cada época
de atuação destes profissionais. É necessário, portanto, estabelecendo um diálogo com a
ciência histórica, recorrer ao método de investigação historiográfico, amparando-nos,
sobretudo, na metodologia da história oral.
METODOLOGIAS
o assistente social acompanhasse cada nova conjuntura institucional. Para tanto, as técnicas
de pesquisa utilizadas para alcançar tal objetivo foram: observação, pesquisa documental,
pesquisa bibliográfica, pesquisa qualitativa, entrevista semi-estruturada, história oral e
analise e interpretação dos dados.
Para tanto, realizamos leituras de obras de autores como: BAPTISTA (2009),
BISNETO (2007), GUIMARÃES (2009), IAMAMOTO (2008), LE GOFF (2003), ROSA
(2008), REIS (2009), MARTINELLI (2009), VASCONCELOS (2008), além das legislações
que também embasaram o desenvolvimento da pesquisa: Código de Ética do Assistente
Social, Lei nº 10.216, Portaria nº 224, Parâmetros de Atuação do Serviço Social na Saúde,
Portaria nº 336 e Lei nº 8.080.
O método qualitativo foi escolhido por se tratar de uma pesquisa que teve como base o
ponto de vista e a memória dos atores envolvidos na prática profissional do Serviço Social no
Hospital Dia, buscando dar maior profundidade aos fatos e enriquecê-los interpretativamente,
compreendendo as subjetividades dos sujeitos envolvidos, os significados conferidos, as
relações sociais e o contexto histórico dos fatos.
A metodologia da história oral vai ao encontro das nossas necessidades por recuperar
uma memória que não está em documentos escritos e valorizar a contribuição do entrevistado
no decorrer do processo de pesquisa. Para viabilizar o nosso trabalho, optamos pela entrevista
5
O roteiro de entrevista elaborado para o profissional que atua no serviço desde a sua
inauguração contém perguntas relativas aos dados pessoais, à formação acadêmica, à visão do
profissional acerca da política de saúde mental, sua percepção sobre o papel exercido pelo
Serviço Social no atendimento a usuários com transtorno mental e seus familiares e a relação
dos assistentes sociais com os demais membros da equipe multiprofissional. O período da
coleta de informações se deu entre os meses de março e maio de 2011 e o período da análise e
interpretação de dados se deu entre os meses de maio e junho do mesmo ano.
SUJEITOS DA PESQUISA
A primeira assistente social a trabalhar no Hospital Dia foi Rosemeire dos Santos
Feitosa, que trabalhou durante muitos anos no Hospital Psiquiátrico Meduna e há 29 anos
trabalha no Hospital Areolino de Abreu. Graduou-se em Serviço Social pela Universidade
Católica de Pernambuco, exerce a profissão há trinta anos e é pós-graduada em saúde mental
pela Universidade Federal do Piauí.
A assistente social Mariane Macedo afirma ter passado apenas alguns meses
trabalhando no Hospital Dia, entre os anos de 1994-1995. Assim como outras entrevistadas,
também foi estagiária do Hospital Areolino de Abreu e desde que se formou teve vontade de
6
trabalhar no pavilhão feminino do Hospital. Foi transferida para o Hospital Dia contra a sua
vontade para cobrir a licença e as férias da assistente social Rosemeire. Mariane relatou
durante a entrevista que o Hospital Dia teve outro assistente social, chamado Adroaldo, que
faleceu há alguns anos.
Em 2005 a assistente social Ana Lúcia Barbosa assume o Serviço Social do HD.
Graduou-se em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí no ano de 1997. Assim
como algumas das outras entrevistadas, também foi estagiária do Hospital Areolino de Abreu
e passou apenas alguns meses como assistente social do Hospital Dia.
Os sujeitos da pesquisa são mulheres na faixa etária dos 40 aos 60 anos de idade, a sua
maioria graduadas pela Universidade Federal do Piauí com pós graduação na área de saúde
mental. Todas elas ainda se encontram de alguma forma ligadas ao trabalho na área da saúde
mental.
7
O Hospital foi inaugurado oficialmente no ano de 1985, entretanto, sabe-se que antes
de ganhar estrutura física própria o Hospital Dia funcionava nas dependências do ambulatório
do HAA. Desde o início do HD é possível perceber o seu atrelamento ao Areolino de Abreu
tanto em sua estrutura física como em relação aos recursos humanos e financeiros.
O Hospital Dia ele começou com o doutor Wilson Freitas... O doutor Wilson veio
fundou o Hospital Dia, nessa estrutura tipo ligada ao ambulatório do Areolino de
Abreu, ele usava uma das salas do ambulatório, que era tipo um refeitoriozinho. E
usava uma sala que hoje é um consultório odontológico antes daqui ser um
consultório médico. Então o doutor Wilson usava essas dependências do
ambulatório para se fazer o Hospital Dia. (Entrevistada 04)
Aquela reforma, aquela quadra, aquela quadra foi idéia nossa, minha junto com os
pacientes. Quando fez a estrutura física que levantou eles tinha um vínculo muito
grande com aquela área externa que tem lá, aquele canteiro... Aquela escada que
tem junto com aquela passarela que dá acesso pra casa, tudo idéia dos pacientes
junto comigo pra gente viver em comunhão com a amizade no Hospital Areolino de
Abreu, entendeu? Então tudo que a gente via que era obstáculo para caminhar no
Areolino de Abreu, refeitório e tudo, a gente foi abrindo as passarelas.
(Entrevistada 04)
Nos primeiros anos de funcionamento do Hospital Dia o Brasil passava por uma série
de transformações relativas às políticas públicas de um modo geral. A Saúde mental da época
foi marcada pela organização do movimento dos trabalhadores da Saúde Mental e o começo
das discussões sobre a saúde pública na Assembléia Constituinte. Em 1987 com os
desdobramentos da VIII Conferência Nacional de Saúde surge a I Conferência Nacional de
Saúde Mental, com orientações sobre o atendimento psicossocial junto à família,
regulamentação dos direitos da pessoa com transtorno mental, indicação de atendimento em
espaços abertos e comunitários e substituição gradativa dos leitos em hospitais psiquiátricos
para hospitais gerais.
8
(...) A gente não tava muito seguindo o que tava dizendo as normas não, a gente
tava fazendo acontecer, ninguém esperava dizer, entendeu? Ninguém esperava dizer
que tinha que sair de dentro dos hospitais psiquiátricos pra ir pra comunidade, nós
saíamos, entendeu? A política já existia, mas essa política nesse tempo, eu gosto
muito de dizer, era mais guardada, a que recebia.... ai guardada, engavetada....
independente das normas e rotinas a gente fazia pelo nosso profissionalismo, como
a gente sabia, não foram as normas, não foram as leis que fizeram a gente
fazer.”(entrevistada 04)
Outro trabalho realizado pelo Serviço Social da época refere-se à tentativa de atender
o paciente para além dos muros da instituição, levando a comunidade a se tornar parceira no
tratamento realizado pelo Hospital. Nesse sentido, eram realizadas visitas semanais às
comunidades com maior número de pacientes em tratamento a fim de esclarecer às pessoas
sobre o que é o transtorno mental, o tratamento, a importância da vida em comunidade e da
família, as estratégias que a comunidade poderia dispor para auxiliar a família e os moradores
com transtorno mental e fortalecer o vínculo entre Hospital – Família – Comunidade –
PCTM.
Nós passamos a trabalhar fora do Hospital Dia, como que a gente fazia isso? A
gente percebeu que tinha determinado número de pacientes, por exemplo, o bairro
Vermelha, tinha muitos pacientes, como que a gente fazia pra gente manter um elo
com esses familiares e com esses pacientes? Depois da alta(...) a gente queria que a
comunidade, que a igreja, que aquele povo do bairro, participassem com a gente
não só a família, porque a família muitas vezes estava cansada de pedir pra tomar o
remédio, porque geralmente o paciente quando tem alta ele acha que ta bom “eu to
bom, tive alta, então eu não preciso mais tomar remédio.” (...) pra que isso? Para
evitar uma crise mais grave e eles virem para a internação integral. Nosso trabalho
era centralizado para que esse paciente tivesse um tratamento correto, bem
acompanhado lá fora e que a gente dava o suporte sempre que entrasse em crise? aí
alguém da comunidade mandava um bilhetinho pra gente. (Entrevistada 04)
Dentre as principais atribuições do Serviço Social citadas pela entrevistada 04, nos
seus primeiros anos de atividade no Hospital Dia destacam-se: os atendimentos individuais ao
paciente e à família, visitas domiciliares, alfabetização de pacientes e familiares, grupos de
relaxamento, reuniões de família e oficinas em parceria com a comunidade.
Com o afastamento da Assistente Social anterior, o Serviço Social do Hospital Dia foi
assumido durante alguns dias pelo assistente social Adroaldo, “cobrindo” um período de
9
férias. Em seguida a Entrevistada 06 assume por alguns meses. Ela afirma ser uma
profissional de transição e estar assumindo o serviço social do HD enquanto a direção geral
do HAA encaminha um novo profissional. No que tange à reforma psiquiátrica, o clima é de
intensa discussão acerca da abertura de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) em todo o país.
Já existiam alguns CAPS, mas muito pouco no Piauí, então a moda era HD na
época. Então tinha o HD daqui de Teresina, de Picos, Parnaíba só eram 3. Então já
se falava de reforma com certeza, a Lucia chega com todo gás de mestrado e a
gente começa a trabalhar. Mas assim fomos trabalhando não nessa perspectiva...
claro pensando e querendo que essa reforma acontecesse, mas era algo também que
era natural. (Entrevistada 06)
Em relação às atividades realizadas pelo Serviço Social, a Entrevistada 06, cita, dentre
elas, as visitas domiciliares, sendo muitas delas realizadas em conjunto com outros
profissionais; grupos sócio-operativos e atendimento a família e aos usuários.
(...) a pergunta era “o Hospital vai fechar? Eu vou ficar desempregado? O quê que
vai acontecer? Eu vou pra onde se eu só sei fazer isso?” então a nível institucional
existiam muitos questionamentos, quando veio a tona mesmo se trabalhar a reforma
psiquiátrica, mas todo mundo muito livre. Nos nunca tivemos nenhuma pressão e
também não tinha aquela coisa de “vamos pegar a reforma e fechar o Hospital” era
uma coisa mais de mediação mesmo, como trabalhar isso. Até hoje o hospital
10
continua e é necessário, alguns casos, não tem como fechar mesmo o Hospital, mas
avançou muito.(Entrevistada 02)
A atividade extra-hospitalar que a gente fazia o Serviço Social fazia (...) para poder
ver a questão da reintegração social, como eles se comportavam fora do Hospital,
mostrar que é possível viver com transtorno mental fora da unidade hospitalar, sem
ter problema nenhum era possível essa convivência, geralmente a gente levava eles
com convênio da Universidade Federal, a gente levava eles pra um sítio, ou
qualquer outro local passava o dia interagindo com os funcionários. (Entrevistada
03)
Eles verbalizam que o Serviço Social é imprescindível, que é muito importante, mas
a gente sente na hora de acatar as solicitações, de apoiar as iniciativas, que na
verdade esse apoio não é tão efetivo assim, que esse respeito não é tão concreto
assim. È na hora que se precisa do Serviço Social para se resolver problemas, então
o Serviço Social é importantíssimo, mas na hora que a gente solicita que a gente
pede apoio colaboração, estrutura melhor pra trabalhar ai a gente não conta com
esse apoio tão grande, nem com essa importância tão grande que a gente deveria
ter. (Entrevistada 03)
Com relação ao Serviço Social e sua contribuição histórica no HD, percebemos que,
apesar da grande rotatividade de profissionais no decorrer dos seus 26 anos, a profissão
legitimou a sua importância dentro da equipe multiprofissional e colaborou demasiadamente
para a evolução no atendimento ofertado pelo Hospital, principalmente no que tange as
questões políticas, administrativas e relacionadas à humanização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Hospital Dia o Serviço Social trabalha para o fortalecimento dos vínculos entre
profissionais, instituição, usuários e comunidade, tornando-se o elo entre esses atores sociais e
a principal referencia de profissional articulador de demandas e mediador de conflitos.
O Serviço Social se consolidou no Hospital Dia como a referencia no que diz respeito
à capacidade de criar vínculos entre as múltiplas áreas de conhecimento. Nas atividades
desenvolvidas historicamente pelo Serviço Social na instituição houve sempre uma
preocupação em trazer as demais áreas de conhecimento para construírem conjuntamente os
serviços sócio-educativos, possibilitando aos usuários acesso a informações úteis ao
tratamento e a vida em sociedade. Além disso, o assistente social é o profissional que mais
estimula as atividades extra-institucionais vendo no atendimento além-muro uma
possibilidade de desestigmatização da pessoa com transtorno mental e sua inserção na
sociedade.
12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BISNETO, José. Serviço Social e Saúde Mental: uma análise institucional da prática.
Cortez. São Paulo, 2007.
_______. Ministério da Saúde. Lei nº 10. 216, de 6 de abril de 2001. Brasília, DF; 2001
LANG, A.B.S.G. História oral: muitas dúvidas, poucas certezas e uma proposta. In: MEIHY,
J.C.S.B. (Org). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996.
ROSA, Lúcia; GUIMARÃES, Lucas; MELO, Edna (orgs.). Saúde Mental e Assistência
Social: tecendo a rede de experiências no Piauí. Teresina: EDUFPI, 2008.
ROSA, Lúcia. C. S. Transtorno Mental e o cuidado na família. – São Paulo: Cortez, 2003.
Fonte: http://www.encontro2014.historiaoral.org.br/resources/
anais/8/1397399104_ARQUIVO_artigoseminariodehistoriaoral.pdf. Acesso em: 30
jun 2014. XII Encontro Nacional de História Oral Política, Ética e Conhecimento. 06
a 09 de maio de 2014. Universidade Federal do Piauí (UFPI). Campus Senador
Ministro Petrônio Portella. Simpósio Temático.