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Introdução
Este trabalho é uma síntese de pesquisas (1) realizadas no campo da
Arquitetura e Urbanismo e tem como objetivo principal apontar algumas
ferramentas de planejamento urbano e regional integrado que vislumbrem a
implementação e a reabilitação de cidades mais sustentáveis a partir da
densidade (2) (habitacional e populacional, ou seja, a relação de habitações e
moradores por área ocupada), bem como aplicar a análise da forma edificada e
demais aspectos da ocupação territorial que se traduzem em
dispersão/compactação urbana, diante do arcabouço teórico e aplicado
analisado.
A intensidade de uso dos espaços por seres humanos ao longo da história pode
ser analisada a partir da densidade. Alexander (10) classifica, em princípio,
dois modelos de cidade, a natural (constituída ao longo dos tempos e conforme
as necessidades humanas em cada período) e a artificial (a cidade planejada e
projetada). Este critério simplificado de caracterização pode ser associado ao
período de industrialização e intensificação das ocupações urbanas após o
século 18, com o surgimento de grandes áreas urbanas expandidas ou mesmo de
novas cidades a alimentar o sistema de redes urbanas que se consolidava, bem
como para comportar a população urbana que crescia exponencialmente em poucas
décadas. Processos estes que se iniciaram com maior intensidade no Brasil e
América Latina após meados do século 20, em decorrência da industrialização e
urbanização tardia. Entretanto, de fato, a grande crítica de Christopher
Alexander se debruça sobre o urbanismo modernista (e arquitetura) e à
padronização de estilos de vidas e das formas de habitar as cidades,
independentemente das relações do lugar, tradição ou cultura.
No início do século 20, o Movimento Moderno, por meio dos CIAMs (14) (entre
1928 a 1956) e da Carta de Atenas, lança a proposta universalizante de um
urbanismo amparado pela imposição do desenho rígido sobre o sítio e, em alguns
casos, sobre a cidade tradicional, desenho este que preconizava as quatro
funções urbanas – habitar, trabalhar, recrear e circular. A partir da Segunda
Guerra Mundial, empreendimentos urbanísticos privados e de parcerias
governamentais com a iniciativas corporativas estabelecem as expansões urbanas
periféricas (low-rise), de relativa baixa densidade (bruta, principalmente),
arranha-céus em novos centros (ou em áreas tradicionais e históricas). As
novas tecnologias construtivas, o advento do automóvel e avanço de outros
modais, novos materiais, mudanças nos hábitos de trabalho, circulação e lazer,
e a necessidade emergencial de novas habitações e de reconstruções de áreas
devastadas pela guerra foram alguns dos fatores decisivos que cobravam da
Arquitetura e Urbanismo, novas respostas aos “tempos modernos” do século 20.
Após 1960, as críticas urbanas a esse modelo modernista se consolidam na
Europa e América do Norte em decorrências de estudos, teorias e publicações
que apresentam os impactos da expansão urbana de baixa densidade habitacional,
seus efeitos negativos sobre a vida urbana, a mobilidade e ao meio ambiente
(15).
Se no início do século 20, Unwin alegava que não havia vantagens em se adensar
as cidades ocidentais, chegando a propor o padrão máximo de 30 casas por
hectare (menos de 100 hab./ha), nos anos de 1960, Jane Jacobs advertiu sobre
os impactos da suburbanização norte-americana (e anglo-saxônica), da
segregação de grupos mais pobres, seja em áreas centrais desvalorizadas ou em
periferias mais afastadas. Em contraposição à dispersão de baixa densidade,
Jacobs (16) sugere que uma ocupação mínima de 250 habitações por hectare para
a vitalidade e a participação urbana. Na atualidade, altas densidades e a
compactação espacial construtiva são aceitas como prerrogativas inerentes à
sustentabilidade e ao crescimento econômico das cidades contemporâneas na
visão de diversos urbanistas e estudiosos (17) do assunto.
Acioly & Davidson (20) afirmam que a densidade urbana é um dos mais
importantes indicadores e parâmetros de desenho urbano a ser utilizado no
processo de planejamento e gestão dos assentamentos humanos. Para os autores,
a densidade urbana representa o número total da população em uma área
específica que, no âmbito urbano, pode ser traduzido em habitantes por uma
unidade de terra ou solo urbano, ou o total de habitações de uma determinada
área urbana expressa em habitações por uma unidade de terra, geralmente medida
em hectares (ha) (21), quilômetros quadrados (km²) ou acres.
Bertaud & Malpezzi (31) afirmam que a densidade é uma interpretação cultural e
não está correlacionada diretamente com o nível de renda, ou seja, cidades
ricas como Cingapura, Hong Kong e Seul possuem maior densidade, como também
maior renda do que muitas cidades bem menos densas como Buenos Aires,
Curitiba, Johanesburgo ou Budapeste. Por outro lado, cidades da América do
Norte possuem baixa densidade (as menores do mundo) e renda elevada. A
densidade urbana também não está relacionada ao clima e nem ao sistema
econômico de cada região ou país, assim, cidades da Europa têm densidades
similares independentemente da relação entre as antigas economias socialistas
ou capitalistas e suas respectivas regiões de influência no século passado.
Para Bertaud & Malpezzi (32) e Bertaud (33), densidades são, naturalmente, o
produto das forças de mercado, mas essas forças de mercado refletem o nível de
consumo, daí então a cultura é estabelecida como componente chave no processo
urbano. O autor aponta que não há densidade ótima, pois quando a cultura se
desenvolve é provável que as densidades mudem lentamente, refletindo essa
mudança cultural ao longo do tempo. A ampla gama de densidades encontradas ao
redor do mundo, em cidades economicamente bem sucedidas, mas também em
distintas situações socioeconômicas, ambientais e culturais, mostra que por
enquanto não há nenhuma evidência de densidades incontroláveis.
Densities are of course the product of market forces, but market forces
reflect consumer choices, hence culture. For these reasons, there is no
optimum density; when culture evolves it is likely that densities will
also slowly change reflecting the cultural shift. The wide range of
densities found in the above list of economically successful cities shows
that, as yet, we have no evidence of unmanageable densities (35).
O urbano face à sua complexidade inerente exige uma visão sistêmica dos
processos que constituem a cidade e seu desenvolvimento. Nas economias de
mercado os municípios não só podem influenciar a forma de desenvolvimento
urbano por meio do design apenas, como também por meio da implementação de um
sistema coerente e consistente de normas de uso da terra, investimentos em
infraestrutura e aplicação de impostos ou incentivos territoriais. Pois as
condições econômicas externas estão em constante mudança e são imprevisíveis
em médio e em longo prazo – a exemplo das constantes crises internacionais na
economia global – afetando diretamente a cidade e o processo de planejamento e
investimentos. Em longo prazo, a forma da cidade dependerá da maneira como o
mercado imobiliário reagirá aos incentivos e desincentivos criados por
regulamentos, investimentos públicos, infraestrutura e impostos sobre a
cidade. Assim, as cidades e seus respectivos departamentos de planejamento
urbano, de escala regional, devem acompanhar permanentemente a evolução da
estrutura espacial da cidade, ajustando-a e equilibrando-a à natureza dos
incentivos e desincentivos sobre a ocupação do espaço.
Densidades, custos e formas de urbanização no contexto brasileiro futuro
Acredita-se que a densidade seja um importante elemento (ou condicionante)
norteador de projetos urbanos e arquitetônicos mais qualitativos para as
cidades brasileiras, todavia, seu controle deve decorrer de estudos
específicos, simulações e testes constantes, mensurando-se, assim, a sua
potencialidade, as benesses e os possíveis impactos.
Tabela 01. Participação de cada rede nos custos totais de cada sistema de
abastecimento. [Elaborado pelos autores]
Para Zmitrowicz & De Angelis Neto (40), a densidade média de 60 famílias por
hectare (cerca de 200 hab./ha) é confortável para os centros urbanos, mas os
autores afirmam que a média global da maioria das cidades brasileiras é de 15
famílias por hectare (cerca de 50 hab./ha). Já nos estudos de Miranda; Gomes &
Guimarães (41), a densidade bruta média nacional é de 65,11 hab./ha (42), a
partir do censo demográfico de 2000 (43). Todavia, Zmitrowicz & De Angelis
Neto (44) destacam que o custo de infraestrutura urbana por família em áreas
loteadas com 60 habitações/ha é praticamente metade do que em densidades
próximas a 15 habitações/ha. Portanto, como esta última densidade é a média
global das cidades brasileiras, estima-se que cada família com serviços de
infraestrutura completa custa aproximadamente US$ 4.500, o que se traduz a US$
1.320 aproximadamente por “pessoa urbanizada”. Como a população urbana
brasileira aumenta na ordem de 2 milhões de pessoas por ano, seriam
necessários por volta de 2 bilhões de dólares para que o déficit de
infraestrutura fosse controlado ano a ano, segundo os cálculos de Zmitrowicz &
De Angelis Neto (45). Porém, sabe-se que o país não domina vultosos
investimentos em suas municipalidades, o que resulta no crescente déficit de
infraestrutura na maioria das áreas urbanas, em detrimento de melhorias
concentradas em áreas mais “nobres” ou dignas de gentrificação por interesses
de especulação imobiliária.
Estudo de caso das parcelas urbanas de 5ha selecionadas entre João Pessoa-PB,
Cuiabá-MT, Barcelona (Espanha) e Atlanta (EUA) [Elaborado pelos autores]
Considerações finais
A sustentabilidade das cidades perpassa pela discussão sobre a sua densidade
como imposição morfológica no espaço urbano, pois é este um dos principais
elementos de controle e monitoramento espacial e ocupacional no espaço urbano
enquanto fenômeno de dispersão territorial. É a densidade urbana inserida na
morfologia que determinará o grau de acessibilidade, a proximidade e o acesso
ao emprego e à habitação, com adequada infraestrutura à população
economicamente desfavorecida. Por sua vez, a eficiência em infraestrutura e no
uso e ocupação do solo urbano em sinergia com as disponibilidades e suportes
ambientais do sistema-entorno são pontos vitais no processo de planejamento e
gestão de cidades sustentáveis.