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A Integração Subordinada:
Raça e Gênero, Corpo e Consumo na Periferia do Rio de Janeiro
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Bolsista Pós-Doc (FAPESP) no Departamento de Antropologia da UNICAMP.
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Essas mudanças também trazem importantes conseqüências para as relações de gênero, na medida em que se evidenciou uma
queda da fecundidade global e o aumento da participação das mulheres na força de trabalho, Cf.p.ex. Caetano, 2004.
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Tal como colocado por Cardoso e Faletto, o processo de “internacionalização do mercado interno” poderia, como uma síntese de
processos contraditórios, produzir a expansão do horizonte econômico e político nacional, ao mesmo tempo em que criaria a
dependência dos centros produtores do capitalismo mundial. A expansão do mercado interno, devida a investimentos internacionais,
criaria, e a tese é famosa, a contradição entre interesses imperialistas de exploração econômica e projetos nacionais de
desenvolvimento dos países periféricos da América Latina. Os autores citados lançam mão da idéia de “desenvolvimento
dependente associado” para mostrar solução de conciliação entre interesses das burguesias nacionais e do imperialismo
internacional (Cardoso & Faletto, 2004{1969}).
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Pensamos na investigação de Jessé Souza (2000; 2003), além de muitos outros trabalhos importantes como os de José Maurício
Domingues (1999; 2001), Leonardo Avritzer (2000), Míriam Santos (2000) e outros.
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2. Periferia e Mercadoria
Assim como as nações, ou formações sociais, constituem-se na relação problemática
e contraditória entre centro e periferia, grupos sociais também são periferalizados5 e
integrados de modo subordinado às economias dinâmicas do mundo global. A
integração econômica subordinada, efetivada, em muitos casos, basicamente por
meio do consumo (real ou desejado) e não da produção (de valores para o mercado),
é traço característico e marcante de ampla parcela da experiência social brasileira e
de largo espectro de contextos sociais, como é o caso do Jardim Catarina. Mais do
que isso, o consumo, inclusive e principalmente entendido como um a prática ativa
de produção de significados, pode funcionar como um anteparo para o sentimento de
exclusão e para discriminação efetiva:
“P: Você já se sentiu discriminado de alguma forma?”.
A: Às vezes é sim cara, às vezes a gente ia naqueles lugares que só tinha
aqueles pessoal branquinho e tal, com a roupa assim que tá na moda e a
gente com a roupa que não tá na moda. Agora não que graças a Deus eu
trabalho e tal e comecei a comprar roupa que às vezes tá na moda, se eu
me sentir bem com ela eu compro.” (A. 22 anos)
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Considerar grupos ou espaços sociais como periferalizados, não significa dizer que sendo periferia estão à margem do processo
social. Mas, na verdade, queremos ressaltar que a integração desses espaços e grupos se deu de modo a constituir uma relação de
dominação e subordinação, que se configura – “aparece” - como uma relação entre um centro e suas periferias. Nesse sentido,
concordamos com Zaluar e Alvito, que entender a favela é entendê-la como integrada a cidade, mas discordamos, nesse sentido, do
seu entendimento do significado da periferia, (Zaluar & Alvito, 2003).
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condições sociais diferentes. Estamos nos referindo à pizzarias, lan houses, locadoras
de vídeo e games, salões de beleza, etc. A maneira como a paisagem e o contexto
social imediato é assim composto pela associação entre a precariedade das
instalações urbanas públicas, e esses pontos de contato com o mundo do consumo e
do lazer, comuns em qualquer bairro de classe média, dão o tom efetivo da
experiência da pobreza e da relação com o mundo das mercadorias e serviços
modernos. A história da formação dos bairros periféricos, inclusive o JC é assim a
história de sua produção como espaços sociais precarizados, mas também a história
da relação entre essa precariedade e as aspirações de consumo e integração ao mundo
das mercadorias. Como no caso do Município de São Gonçalo, e ainda mais
especificamente do bairro Jardim Catarina, que tem a história de sua formação
claramente caracterizada pelo processo de modernização da região Metropolitana do
Rio de Janeiro6. Isso deveria parecer óbvio. Não é tão evidente assim, entretanto, que
os aspectos deletérios da vida urbana sejam encarados como resultados do processo
de modernização e integração metropolitana.
De um modo ou de outro, o crescimento de São Gonçalo deve-se a dinâmica da
metrópole carioca, constituindo-se a partir dos anos 40, diante do elevado processo de
urbanização, numa aglomeração urbana, reservatório de mão de obra barata,
notadamente formada por emigrantes nordestinos. Nos anos 50, a cidade chegou a ser
considerada pólo industrial, tendo também expressiva concentração de fazendas
dedicadas à citricultura. A partir dos anos 80, como ocorreu com o restante do país, a
recessão econômica e a des-industrialização tiveram seus efeitos sentidos na cidade.
(Cordeiro, 2004; Brandão, 2004).
Sendo considerada “periferia consolidada” a cidade de São Gonçalo se inscreve
na teia de relações metropolitanas como uma região de privação relativa ou pobreza.
Nosso sítio não poderia, dessa forma, ser caracterizado exatamente como uma favela,
mas como “periferia”. Apesar disso, acreditamos encontrar muitos traços comuns entre
seus aspectos formativos e os de favelas cariocas7.
É impressivo e relevante perceber, por outro lado, como os agentes parecem ter
consciência prática e discursiva do transe vivido entre um desejo de participação e de
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Conhecido como o “maior loteamento da América Latina”, O Jardim Catarina com população de 40.807 mil habitantes, começou a
ser loteado oficialmente em 1953(Cordeiro, 2004).
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O processo de gênese das favelas cariocas, como resultado do desenvolvimento urbano e social moderno no século XX, é
relativamente bem conhecido Cf.p.ex. Zaluar, 1985; 1999; Zaluar & Alvito, 2003; Alvito, 2001; Caldeira, 1984; Alves, 2003;
Burgos, 2004.
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muita clareza os valores e práticas de jovens das elites e classes médias altas
cariocas, em certo sentido, o grupo social que é o análogo oposto estrutural de nossos
agentes no JC. Um dos informantes das autoras explica o que é o visual básico,
correto, para sair à noite:
“Quem vai na night é o padrão clássico. Nego que malha, nego que é
da Zona Sul, Leblon, Gávea, Ipanema, nego que veste Osklen, Redley e
não sei quê. Vai a praia no Garcia, que tem galera, porra, tem a
disposição de pagar 40 contos na night. Básico, alem de ser diferente
para varias pessoas, é diferente em vários aspectos. Básico na roupa é a
calça, camisa gola V., camisa estilo, assim.” (Almeida & Tracy, 2003:
191).
Assim como os jovens da elite tem consciência de seu “meio social”, assim também
os jovens pobres, em virtude do acesso indiferenciado a exposição da mídia, aos
valores individualistas burgueses e a ideologia consumista. Como coloca Sansone:
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de sentido para homens e mulheres. Ainda que, de certo modo, meninos e meninas,
estejam expostos e atualizem determinados padrões socioculturais comuns, operando,
nesse sentido, expectativas semelhantes no que diz respeito, por exemplo, ao trabalho e
ao consumo, as chances de realização dessas aspirações parecem ser muito diferentes,
ou representadas como diferente para meninos e meninas. A expressão particular dos
idiomas de gênero e raça, necessariamente precisaria traduzir e guiar os agentes na
navegação pelo entorno social configurado pela pobreza e periferalidade.
Na atividade etnográfica em torno das performances objetivas de raça e gênero,
naquele contexto que pretendemos reconstituir como significativo, a atenção para com
as práticas reais concretas não pressupõe sua essencialização e fixação como correlatos
já dados e pensados de outras identidades/entidades interiores. O interesse descritivo na
raça e no gênero, para o nosso caso em questão, jovens de comunidades populares, é um
interesse pelas encenações práticas, construídas, desconstruídas e reconstruídas em
torno de movimentos de identificação e des-identificação8. Nossa atenção não está
dirigida, dessa forma, para objetos particulares discretos, mas para processos
contingentes, baseados na distância entre a significação e ação, ou talvez melhor, na
coexistência problemática, através da agência dos sujeitos, de sistemas discursivos
diversos: a raça, o gênero, o mercado, a violência, etc. Encenações abertas de
identidades e posições de identidade, realizadas nas práticas e amparadas
estruturalmente.
Nossas inquietações originárias, sobre o modo prático de reprodução social
desigual em ambientes de modernização “periférica” e os modos efetivos de interação
entre estruturas de raça e gênero, pareceram encontrar correspondência com as
perspectivas dos agentes sobre o “eu”(Pinho, 2006). De outro lado, os processos de
individualização social9 que fomos capazes de distinguir podem nos ajudar a
reposicionar questões sobre o escopo de universalização da modernidade, justamente
em sua instância articuladora mais problemática, o individualismo moderno como um
valor, atualizado num contexto de pobreza urbana na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro.
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José Esteban Muñoz qualifica como des-identificação o processo de identificação subversiva levada a efeito por performances
culturais, que produzem uma interface de identidade móvel, entre um modelo de identificação sancionado e hegemônico, e sua
atualização reconstruída como uma prática irônica e crítica. Para por em ação seu próprio senso de self, identidades minoritárias
necessitam identificar-se com diferentes campos sub-culturais, inclusive aqueles hegemônicos ou dominantes, definidos pela
supremacia branca, o machismo e a hetero-normatividade. Performances subalternas des-identificam-se como modos práticos de
produzir uma crítica in acto: “disidentification is the hermeneutical performance of decoding mass, high, or any other cultural field
from the perspective of a minoritary subject who is disempowered in any such representational hierarchy”(Muñoz, 1999:25).
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Esses processos são tipicamente modernos e definem a “pessoa” na modernidade ocidental. Tais processos associam-se a
complexificação da divisão do trabalho, a expansão do mercado e aos ideais iluministas (Giddens, 1993; 2002).
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Ora, o que temos visto é que as distinções raciais e de gênero tem se prestado
exemplarmente a reproduzir do ponto de vista dos sujeitos desigualdades estruturais. E
mais, sexo e a raça se encontram no corpo, socialmente produzido e representado, e é no
corpo, como esse artefato sociológico e discursivo, que se articulam as estruturas
reprodutoras da sujeição. Não que a raça e o gênero, como práticas sociais, não sejam de
fato estruturais, no sentido de exteriores e pré-existentes ao desempenho de agentes
individuais, mas que essas práticas e discursos de raça e gênero, como dispositivos,
produzem determinada conexão forte entre a formação dos sujeitos e as estruturas para a
reprodução social desigual. Ou como já colocou Focault uma “tecnologia política do
corpo” (2004: 26). Para este autor, o corpo está mergulhado no campo político e sua
dominação está produzida como a sua mesma sujeição aos efeitos dispersos do poder,
que as classes ou setores dominantes exercem e que replicam seus efeitos por sobre o
corpo social de modo não necessariamente organizado ou intencional. Como se o poder
que se exerce, e que produz os corpos, fosse o efeito relativamente imotivado do
“conjunto de posições estratégicas” das classes dominantes.
O corpo não pré-existiria a política, o poder ou o discurso, mas, inversamente, o
produz submetido, circunscrito, disciplinado, “semiotizado”, pelos efeitos do discurso e
do poder.
“Trata-se de alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo
pelos aparelhos e instituições, mas cujo campo de validade se coloca de
algum modo entre esses grandes funcionamentos e os próprios corpos em
sua materialidade e suas forças” (Focault, 2004: 26).
De uma perspectiva não-essencialista, poderíamos assim dizer que a raça e o gênero são
performados e se reproduzem socialmente como estruturas performativas, estruturadas e
estruturantes, ligadas à reprodução social desigual como a produção do social em
contextos contingentes, cenários híbridos, históricos e abertos para a transformação,
através dos protocolos práticos de interpretação e ação. Como coloca Balibar (2000),
por outro lado, a investigação sobre a formação da subjetivação é também uma
investigação sobre as formas de sujeição, a sujeição a si mesmo ou a “realização de sua
própria sujeição” como a constituição de si como subjetividade.
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