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Perguntas chave em

Perguntas chave em DOR


DOR
CO O RD ENA D O RES :

JOSÉ TADEU TESSEROLI DE SIQUEIRA


ALEXANDRE ANNES HENRIQUES
DURVAL CAMPOS KRAYCHETE

PERMANYER BRASIL
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Perguntas chave em

DOR
COORDENADORES:

JCO S É TA D E U T E S S E R O L I D E S I Q U E I R A
OORDENADOR:

AFERNANDO
L E X A N D R CO TAIT
E AN N EMALUF
S HENRIQUES
D U R VA L C A M P O S K R AY C H E T E

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Autores

Alana Menêses Santos Neurologista


CRM: 147100 – SP Centro de Dor do Instituto do Câncer
Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares do Estado de São Paulo Octávio Frias de Oliveira
da Disciplina de Geriatria Coordenador da Liga de Dor
e Gerontologia – DIGG Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina
Universidade Federal de São Paulo e da Escola de Enfermagem da USP
São Paulo – SP São Paulo – SP

Alexandre Annes Henriques Durval Campos Kraychete


CRM: 26146 – RS CRM: 10486 – BA
Serviço de Dor e Medicina Paliativa Médico Anestesiologista
Hospital de Clínicas de Porto Alegre Área de atuação em Dor
Porto Alegre – RS Professor Doutor
da Universidade Federal da Bahia
Antônio Carlos de Camargo Vice-Presidente da Sociedade Brasileira
Andrade Filho para o Estudo da Dor (SBED)
CRM: 37824 – SP Salvador – BA
Fundador do Serviço de Terapia
da Dor e Medicina Paliativa Eduardo Grossmann
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo CRM: 7247 – RS
Membro Fundador e Presidente da Sociedade Centro de Dor e Deformidade Orofacial
Brasileira para o Estudo da Dor (1994–1995) (CENDDOR-RS)
Coordenador responsável pela Rede Disciplina de Dor Craniofacial aplicada à
de Reabilitação Lucy Montoro unidade Jaú Odontologia
São Paulo – SP Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre – RS
Cristina Frange
CREFITO: 139958F – SP Fabiola Peixoto Minson
Disciplina de Medicina e Biologia do Sono CRM: 90398 – SP
Departamento de Psicobiologia Médico Anestesiologista
UNIFESP Área de Atuação em Dor AMB
São Paulo – SP (Associação Médica Brasileira)
Coordenadora do Centro Integrado
Daniel Ciampi de Tratamento de Dor São Paulo
CRM: 108232 – SP Médica da Equipe de Tratamento da Dor
Supervisor do Hospital Albert Einstein São Paulo
do Programa de Residência Médica de Neurologia São Paulo – SP
Área de Atuação em Dor
Faculdade de Medicina Fania Cristina dos Santos
Universidade de São Paulo CRM: 70907 – SP
Professor Colaborador Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da
Departamento de Neurologia Disciplina de Geriatria e Gerontologia (DIGG)
Faculdade de Medicina Universidade Federal de São Paulo
Universidade de São Paulo São Paulo – SP

100 perguntas chave em Dor III


Autores

Irimar de Paula Posso Josimari Melo De Santana


CRM: 12934 – SP CREFITO 7: 53209-F – SE
Professor Associado Aposentado de Anestesiologia Chefe do Grupo de Pesquisa Dor e Motricidade
Departamento de Cirurgia Departamento de Fisioterapia
Faculdade de Medicina da USP Hospital Universitário
Professor Titular Aposentado de Farmacologia Universidade Federal de Sergipe
Anestesiologia e Terapêutica da Dor Aracaju – SE
Universidade de Taubaté
São Paulo – SP Levy Higino Jales Neto
CRM: 117903 – SP
Jamir João Sardã Jr. Médico reumatologista
CRP: 12/1554 – SC Hospital São Camilo Santana
Espaço da ATM São Paulo – SP
Centro da Dor Baía Sul
Florianópolis – SC Lin Tchia Yeng
CRM: 58089 – SP
Janaína Vall Responsável pelo grupo de Dor
COREN: 97020 – CE Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT)
Enfermeira Hospital das Clínicas da Faculdade
Doutora em Ciências Médicas de Medicina da USP (HC-FMUSP)
Professora Adjunta da Universidade Federal São Paulo – SP
do Ceará
Diretora Científica da Sociedade Cearense
Luiz Biela do Vale
CRM: 70093 – SP
para o Estudo da Dor (SOCED)
Professor Adjunto de Farmacologia
Ceará – CE
do Instituto de Ciências Biomédicas
João Batista Garcia da Universidade de São Paulo – ICB/USP
CRM: 2603 – MA São Paulo – SP
Prof. Doutor da Disciplina de Anestesiologia Manoel Jacobsen Teixeira
Dor e Cuidados Paliativos CRM: 17968 – SP
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Prof Titular de Neurocirurgia
Responsável pelo Serviço de Dor Faculdade de Medicina da Universidade
e Cuidados Paliativos de São Paulo
Hospital Universitário da UFMA Fundador e Supervisor do Centro de Dor
Instituto Maranhense de Oncologia Faculdade de Medicina da Universidade
Maranhão – MA de São Paulo (FMUSP)
Fundador e Supervisor da Liga de Dor
José G. Speciali do Centro Acadêmico
Disciplina de Neurologia
da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Paulo (FMUSP)
Ribeirão Preto – SP
São Paulo – SP
José Oswaldo de Oliveira Jr Mario Luiz Giublin
CRM: 31963 – SP CRM: 6112 – PR
Titular e Diretor Clínica de Dor do Hospital de Clínicas
do Departamento de Terapia Antálgica Universidade Federal do Paraná
Cirurgia Funcional e Cuidados Paliativos Curitiba – PR
da Escola de Cancerologia Celestino Bourroul
da Fundação Antônio Prudente de São Paulo Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
São Paulo – SP CRM: 2028 – AM
Responsável pelo Serviço de Terapia da Dor
José Tadeu Tesseroli de Siqueira e Cuidados Paliativos da Fundação
CRO: 14.645 – SP Centro de Controle de Oncologia do Amazonas
Presidente da Sociedade Brasileira STDCP/FCECON
para o Estudo da Dor – SBED Amazonas – AM
Coordenador do Curso de Residência em
Odontologia Hospitalar Monica Levy Andersen
Área de Dor Orofacial do Hospital CRBM: 5712 – SP
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Disciplina de Medicina e Biologia do Sono
Universidade de São Paulo Departamento de Psicobiologia, UNIFESP
São Paulo – SP São Paulo – SP

IV 100 perguntas chave em Dor


Autores

Norma R.P. Fleming Instrutor Corresponsável


Disciplina de Neurologia Centro de Ensino e Treinamento
Universidade Federal Fluminense da Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas
Niterói – RJ Faculdade de Medicina da USP
São Paulo – SP
Onofre Alves Neto
CRM: 4193 – GO Roberto Monclùs Romanek
Médico Anestesiologista, Área de Atuação em Dor CRM: 69576 – SP
Doutor em Medicina Titulo Superior em Anestesiologia
Professor Associado de Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Universidade Federal de Goiás Certificado de Atuação em Terapêutica
Chefe do Serviço de Anestesiologia da Dor emitido pela Sociedade Brasileira
Universidade Federal de Goiás de Anestesiologia
Presidente em 2006/2008 da Sociedade Brasileira Instrutor Corresponsável
para o Estudo da Dor (SBED) Centro de Ensino e Treinamento
Goiás – GO Faculdade de Medicina do ABC
São Paulo – SP
Osvaldo J.M. Nascimento
CRM: 52167823 – RJ Sílvia Maria de Macedo Barbosa
Professor Titular de Neurologia da Universidade CRM: 62559 – SP
Federal Fluminense Médica Pediatra
Rio de Janeiro – RJ Chefe da Unidade de Dor
e Cuidados Paliativos do Instituto da Criança
Patrick R.N.A.G. Stump do Hospital das Clinicas da HC/FMUSP
CRM: 28451 – SP Coordenadora do Comité de Dor em Pediatria da
Grupo de Dor Sociedade Brasileira Para o Estudo da Dor (SBED)
Departamento de Neurologia Hospital das Clínicas Presidente do departamento de Cuidados Paliativos
Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) e da Dor da Sociedade Paulista de Pediatria
Instituto de Ortopedia e Traumatologia São Paulo – SP
do HC-FMUSP
Divisão de Reabilitação Sílvia Regina Dowgan Tesseroli
do Instituto Lauro de Souza Lima de Siqueira
Bauru – SP CRM: 70022 – SP
Curso de Gerontologia
Ricardo Galhardoni Escola de Artes, Ciências e Humanidades
ABG: 177 – SP Universidade de São Paulo (USP)
Gerontólogo São Paulo – SP
Pesquisador do Centro de Dor HC-FMUSP Departamento de Neurologia
Doutorando do Departamento de Neurologia FMUSP Faculdade de Medicina da Universidade
São Paulo – SP de São Paulomés (FMUSP)
Pacaembú – SP
Ricardo Kobayashi
CRM: 130678 – SP Telma Regina Mariotto Zakka
Pesquisador do grupo de Dor CRM: 33741 – SP
Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) Ambulatório de dor abdominal
Hospital das Clínicas da Faculdade Pélvica e perineal não visceral
de Medicina da USP (HC-FMUSP) Centro Interdisciplinar de Dor
São Paulo – SP Hospital das Clínicas
Faculdade de Medicina
Roberto Awade Universidade de São Paulo
CRM: 25464 – SP São Paulo – SP
Membro da Equipe de Controle da Dor
Divisão de Anestesia Thiago Mattar Cunha
Hospital das Clínicas da Faculdade Departamento de Farmacologia
de Medicina da USP Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Titulo Superior em Anestesiologia da Sociedade Universidade de São Paulo
Brasileira de Anestesiologia Ribeirão Preto – SP

100 perguntas chave em Dor V


Abreviaturas

AINEs anti-inflamatórios não esteroides LC lombalgia crônica


AMPP Estudo Americano da Prevalência e MC migrânea crônica
Prevenção da Migrânea MCC microscopia confocal de córnea
ATM articulação temporomandibular MMII membros inferiores
ATP trifosfato de adenosina NFF neuropatia de fibras finas
CATM cirurgia da articulação temporomandibular NIT neuralgia idiopática do trigêmeo
CC cefaleia crônica NPD neuropatia periférica dolorosa diabética
CCD cefaleia crônica diária NPH neuralgia pós-herpética
CEM cefaleia por uso excessivo de medicação NPT neuropatia pós-traumática
CGRP peptídeo relacionado ao gene da NMDA N-metil-D-aspartato
calcitonina NNT número necessário para tratar
CID-10 Classificação Internacional das Doenças NS nociceptivos específicos
COX cicloxigenase OMS Organização Mundial de Saúde
COX-2 cicloxigenase 2 PAINAD Pain Assessment in Advanced Dementia
CPs cuidados paliativos PACSLAC Pain Assessment Checklist for Seniors with
CTT cefaleia do tipo tensional Limited Ability to Communicate
CTTC cefaleia tipo tensional crônica PATCOA Pain Assessement tool in confused older
DN dor neuropática adults
DNP DN periférica PIC pressão intra-craniana
DN4 Douleur Neuropathique 4 Questions PEM potencial evocado motor
DTM disfunção temporomandibular PG ponto-gatilho
EAD escada analgésica de dor PGM pontos-gatilho miofasciais
EEG eletroencefalograma PS ponto sensível
EEME estimulação elétrica da medula espinhal PPS Palliative Performance Scale
EMADOR Escala Multidimensional de Dor QST teste sensitivo quantitativo
EFNS European Federation of Neurological QV qualidade de vida
Societies SAB síndrome da ardência bucal
FAN fator anti-núcleo SBED Sociedade Brasileira para Estudo da Dor
FDA Food and Drug Administration SCDR Síndrome Complexa Dolorosa Regional
G-CSF fator estimulante de colônias de SCP substância cinzenta periaquedutal
granulócitos SDM síndrome dolorosa miofascial
GRD gânglio da raiz dorsal SDPL síndrome dolorosa pós-laminectomia
HIV virus da imunodeficiência humana SNC sistema nervoso central
HTLV virus linfotrópico da célula humana SP sunstância P
IASP Associação Internacional para o Estudo da Dor TSH hormonio estimulante da tireoide
IL interleucina VI via intravenosa
LANSS Leeds Assessment of Neuropathic VO via oral
Symptoms and Signs Pain Scale WDR amplo espectro dinâmico de resposta

100 perguntas chave em Dor VI


Índice

Apresentação IX
J. Tadeu Tesseroli de Siqueira

Capítulo 1
Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? 1
T. Mattar Cunha, M.L. Giublin, A.C. de Camargo Andrade Filho e J.T. Tesseroli de Siqueira

Capítulo 2
Avaliação e tratamento da dor – Parte 1 9
O. Alves Neto, J. Vall e D. Campos Kraychete

Capítulo 3
Câncer e dor 15
J.B. Garcia, M. Guimarães de Melo Cardoso, D. Ciampi e M.J. Teixeira

Capítulo 4
Cefaleia e dor orofacial 23
J.G. Speciali, N.R.P. Fleming, E. Grossmann e S.R. Dowgan Tesseroli de Siqueira

Capítulo 5
Dor aguda em traumatismos e após cirurgias 31
I.P. Posso, R.M. Romanek e R. Awade

Capítulo 6
Dor na criança, na mulher e no idoso 37
T.R. Mariotto Zakka, S.M. de Macedo Barbosa, A. Menêses Santos e F.C. dos Santos

Capítulo 7
Dor musculoesquelética 47
P.R.N.A.G. Stump, L. Tchia Yeng, J. Melo de Santana, L.H. Jales Neto, R. Kobayashi e R. Galhardoni

Capítulo 8
Dor neuropática 55
O.J.M. Nascimento, M. Jacobsen Teixeira e D. Campos Kraychete

Capítulo 9
Dor, saúde mental e sono 63
A.A. Henriques, J.J. Sardá Jr., C. Frange e M. Levy Andersen

Capítulo 10
Tratamento da dor – Parte 2 71
J.O. de Oliveira Jr, F. Peixoto Minson e L. Biela do Vale

100 perguntas chave em Dor VII


Apresentação

Será que 100 perguntas dão a resposta a um tema tão complexo e caro à existência hu-
mana como a dor? Penso que não, porém, como o próprio título do livro sugere, podem
auxiliar a abrir a porta de entrada do vasto e misterioso universo da dor humana, de modo
a ajudar na reflexão de situações cotidianas da prática clínica, o que já seria um grande feito.
O leitor poderá vislumbrar nas questões apresentadas esse vasto universo: são 10 capí-
tulos e 100 perguntas sobre mais de 18 tópicos referentes à dor, escritos por 36 especialis-
tas brasileiros de diferentes profissões e especialidades.
Por isso, organizar um livro deste porte, contando com tantas pessoas ilustres que se
dedicam ao tema no Brasil, certamente é um desafio. A Sociedade Brasileira para o Estudo
da Dor (SBED) orgulha-se de tê-lo enfrentado. Ressalte-se que, além do conhecimento cien-
tífico indispensável, base da construção deste livro coletivo, contamos com a paciência e a
dedicação por parte de todos, sem os quais ele não seria facilmente finalizado.
Integrar educando é também um desafio da SBED, que, com este livro, espera colaborar
com todos aqueles que buscam conhecimento e atualização, sejam jovens estudantes das
áreas da saúde, profissionais da saúde em formação na área de dor, clínicos já experientes
e até gestores da saúde. É a união em prol daquele ao qual, no final, tudo é dedicado: o
paciente. E paciente, em algum momento das nossas vidas, poderemos ser cada um de nós.
Todos trabalhando por todos, literalmente.
A participação dos coautores foi espontânea e voluntária. Por isso, em nome da SBED,
deixo meu imenso e terno agradecimento a cada um. Agradecimento extensivo ao Labora-
tório Mundipharma pelo apoio indispensável e à editora Permanyer, pelo valoroso esforço
realizado. Não poderia esquecer a participação da secretaria da SBED neste trabalho.
Boa leitura!

José Tadeu Tesseroli de Siqueira  CRO: 14.645 – SP


Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED
Coordenador do Curso de Residência em Odontologia Hospitalar
Área de Dor Orofacial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
São Paulo – SP

100 perguntas chave em Dor IX


Capítulo 1

Enfim, o que é dor e quais


são seus mecanismos?

T. Mattar Cunha, M.L. Giublin, A.C. de Camargo Andrade Filho


e J.T. Tesseroli de Siqueira

QUAL A DEFINIÇÃO DE DOR e o encéfalo, sendo a percepção pela alma


MAIS ACEITA ATUALMENTE? da ação de objetos externos sobre o corpo
ou no seu interior.
Durante o processo evolutivo, os seres A definição mais aceita atualmente para
vivos desenvolveram inúmeros processos fi- descrever foi elaborada pelo grupo de taxo-
siológicos que permitiram sua sobrevivência. nomia da Associação Internacional para o
Entre esses processos certamente podemos Estudo da Dor (IASP)1 e consiste em “expe-
incluir a dor, já que ela faz com que o indi- riência sensitiva e emocional desagradável
víduo tenha consciência de que sua integri- associada a uma lesão tecidual real ou po-
dade está sendo ameaçada ou que ocorre tencial”. Portanto, a dor envolve a percep-
alguma disfunção em seu organismo. ção dos estímulos nocivos pelo sistema ner-
Etimologicamente, a palavra dor provém voso central (SNC) quando receptores
do latim dolore e significa sofrimento físico sensoriais especializados (neurônios nocicep-
ou moral, pena, desgosto, tormento, aflição tivos periféricos) são ativados, ou seja, da
e tristeza. Vários indivíduos tentaram definir mesma forma que a visão e a audição, a dor
a dor. Homero, por exemplo, acreditava que tem um sistema neuronal próprio, denomi-
ela era resultado de “flechadas atiradas por nado sistema nociceptivo. Adicionalmente, a
deuses”, revoltados com os humanos. Para dor apresenta um componente afetivo-mo-
Aristóteles, quem descreveu pela primeira tivacional, incluindo atenção, estado emo-
vez as cinco modalidades sensoriais (visão, cional e aprendizagem. Simplificadamente,
gustação, olfação, audição e tato), a dor era poderíamos definir a dor como a “percepção
uma “paixão da alma” (ou padecimento), desagradável de uma sensação nociceptiva”.
sendo considerada uma experiência oposta Este conceito também envolve dois compo-
ao prazer. Já Platão considerava que a dor nentes da dor, a nocicepção (sensação) e a
originava se não somente da estimulação sua percepção. A nocicepção (do latim no-
periférica, mas também da experiência emo- cere, “ferir”), ou sensação nociceptiva, re-
cional originada no espírito, uma ideia que sulta da detecção seletiva de estímulos ca-
vai além da concepção de distúrbio mera- pazes de comprometer a integridade física
mente localizado no organismo e que, tal- de um organismo. A percepção é uma fun-
vez, tenha deixado indícios para o conceito ção integrativa modulada por condições
de dor como experiência emocional. Por fim, emocionais, motivacionais e psicológicas,
Descartes propôs que a dor resultava da de- bem como experiências de vida de cada
sarmonia entre o sistema nervoso periférico pessoa.

100 perguntas chave em Dor 1


T. Mattar, et al.

QUAIS SÃO OS “CAMINHOS” e respondem a estímulos mecânicos, térmi-


DA DOR? cos e químicos2. As fibras C também têm
sido implicadas na transmissão de estímulos
Os estímulos nocivos (ou nociceptivos), responsáveis pelo prurido.
sejam eles físicos (mecânicos ou térmicos) ou Convém ressaltar que, durante processos
químicos (bradicinina, capsaicina, serotoni- patológicos (por exemplo, neuropatias), nos
na, prótons etc.), são detectados pelas ter- quais ocorre uma plasticidade neuronal
minações nervosas livres (nociceptores) de central, as fibras A b, de largo diâmetro e
fibras sensórias periféricas presentes nos di- altamente mielinizadas, responsáveis pela
ferentes tecidos. Os neurônios nociceptivos detecção de estímulos inócuos (por exem-
periféricos são neurônios pseudounipolares plo, táteis), podem passar a responder como
possuindo um ramo axonal distal, que se di- nociceptores. Nestas condições, estímulos
rige à periferia, e outro ramo axonal proximal, táteis inócuos, detectados por estas fibras,
que se dirige ao corno dorsal da medula são interpretados como nociceptivos, dando
espinal ou ao tronco cerebral. Eles inervam origem ao fenômeno de alodinia.
amplamente pele, mucosas, músculos, arti- Temporalmente e de forma simplificada,
culações e vísceras. Os nociceptores que pode-se dizer que, na periferia, a informação
inervam a cabeça e o pescoço vão compor nociceptiva (ou seja, um estímulo nocicepti-
os nervos cranianos e possuem seus cor- vo) é reconhecida por moléculas sinalizado-
pos celulares, principalmente, no gânglio ras específicas (por exemplo, TRPV1, TRPA1,
trigeminal. Já os corpos celulares das fibras TRPM8, etc.) presentes nos nociceptores
que inervam tronco e membros estão nos (fibras A δ e C), convertida em impulsos
gânglios da raiz dorsal (GRDs) dos nervos es- elétricos e transmitida pelos nervos espinais
pinais2. e cranianos aos neurônios de segunda e ter-
Baseado em critérios morfológicos, as fi- ceira ordem no SNC. Os nociceptores que
bras nociceptivas podem ser classificadas em transmitem a informação nociceptiva de es-
fibras de pequeno e médio diâmetro. As fi- truturas cranianas contraem sinapses direta-
bras de médio diâmetro, também denomi- mente com neurônios de segunda ordem,
nadas fibras A δ, são finamente mielinizadas em núcleos no tronco cerebral. Já os presen-
e possuem velocidades de condução entre tes nos membros e tronco conduzem a in-
2 e 30 m/s. Elas correspondem a 20% das formação nociceptiva para o SNC através da
fibras que conduzem a informação nocicep- raiz dorsal da medula espinal, onde contra-
tiva e são responsáveis pela dor de curta em sinapses com neurônios de segunda or-
duração, aguda e lancinante, sentida após dem. Estas sinapses ocorrem no corno dorsal
uma estimulação nociva. As fibras de peque- da medula espinal na substância cinzenta,
no diâmetro, também denominadas fibras C, que foi dividida com base citoarquitetônica
não são mielinizadas e por isso possuem por REXED (1954)3 em 10 lâminas, sendo a
velocidade de condução baixa (0,5 a 2 m/s), lâmina I a mais superficial, a partir da região
sendo responsáveis pela dor de longa dura- dorsal. A maioria dos nociceptores termina
ção e difusa2. Elas correspondem a 80% das nas lâminas mais superficiais, sendo que as
fibras condutoras da informação nocicepti- fibras A δ contraem sinapse com neurônios
va. Também existem diferenças quanto ao secundários presentes nas lâminas I, II e tam-
tipo de estímulo nociceptivo capaz de ativar bém na V, e as fibras C, principalmente, com
essas fibras. Enquanto as fibras A δ respon- neurônios da lâmina II, também conhecida
dem, principalmente, a estímulos mecânicos como substância gelatinosa. É importante
e térmicos, as fibras C são ditas polimodais mencionar, ainda, que as fibras A b terminam

2 100 perguntas chave em Dor


Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos?

principalmente nas lâminas III, IV e V. A co- neuronais até a medula espinal, as quais, pela
municação entre os neurônios nociceptivos liberação de diferentes neurotransmissores
periféricos e de segunda ordem depende da (serotonina, noradrenalina, etc.), são capazes
liberação de vários neurotransmissores, sen- de modular tanto positivamente quanto ne-
do que o mais estudado é o glutamato. Ou- gativamente a passagem do estímulo noci-
tros neurotransmissores, como substância P ceptivo. Esses fenômenos são denominados
(SP) e peptídeo relacionado ao gene da cal- controle descendente facilitatório e inibitório
citonina (CGRP), parecem estar envolvidos da dor, respectivamente4.
na modulação da transmissão espinal. Após a informação nociceptiva ser passada
A propriedade funcional dos neurônios de dos neurônios primários para os secundários
segunda ordem dentro de cada lâmina da me- e sofrer todas essas modulações, ela ascende
dula espinal tende a ser um reflexo da distri- através de diferentes tratos nervosos especí-
buição das terminações dos neurônios aferen- ficos até a convergência com populações de
tes primários. Por exemplo, as lâminas I e II neurônios no núcleo posterior ventral do tála-
contêm, principalmente, neurônios que pos- mo. Essa informação neural se projeta, então,
suem alto limiar de excitabilidade, os quais do tálamo para áreas sensoriais do córtex
respondem, exclusivamente, à estimulação cerebral, região onde as várias submodalida-
cutânea nociva. Estes neurônios secundá- des, como qualidade, intensidade e localização
rios são denominados nociceptivos especí- são integrados na experiência da percepção.
ficos ou NS, do inglês nociceptive specific. É importante mencionar, que a informação
Por outro lado, a maioria dos neurônios pre- nociceptiva poderá ainda atingir outros núcleos
sentes nas lâminas IV e V respondem à estimu- centrais (ex. sistema límbico, amídala, etc.)
lação tátil. Há ainda um grupo de neurônios de que definirão a tonalidade afetiva da dor.
segunda ordem presentes, principalmente, na
lâmina V, que respondem tanto a estímulos QUAIS AS DIFERENÇAS
de baixa quanto de alta intensidade, provindos ENTRE DOR AGUDA E CRÔNICA?
tanto de fibras de grande quanto de pequeno
diâmetro. Esses são denominados neurônios De maneira simplista, poderíamos dizer
de amplo espectro dinâmico de resposta que temos duas categorias de dor, depen-
(WDR) ou neurônios multirreceptivos. dendo do tempo de sua permanência. A dor
A magnitude das respostas dos neurônios aguda, que dura segundos, dias ou semanas,
no corno dorsal da medula espinal não ocorre que informa rapidamente que os estímulos
simplesmente em função da natureza e in- do meio ambiente agridem ou colocam em
tensidade da informação nociceptiva aferente. perigo a integridade física do individuo. Entre
Ela é também resultado de uma série de as causas da dor aguda podemos apontar
sistemas neuroniais distintos, que funcionam cirurgias, traumatismos, queimaduras, infla-
modulando os eventos, os quais ocorrem mação aguda ou infecção.
durante o processamento da informação no- A dor aguda não tratada adequadamen-
ciceptiva em nível espinal. Por exemplo, na te leva à dor crônica e se torna a própria
lâmina II, ou substância gelatinosa, existem doença do paciente. Atualmente, a dor crô-
vários interneurônios inibitórios que se pro- nica é um dos principais problemas de nossa
jetam para outras regiões do corno dorsal, sociedade. Além de gerar estresses físicos e
constituindo um importante mecanismo de emocionais para os pacientes, ela traz alto
regulação da transmissão nociceptiva. Além custo financeiro e social, uma vez que leva
disso, existem várias evidências de que es- a uma breve ou, até mesmo, permanente
truturas no tronco cerebral enviam projeções incapacitação de milhões de pessoas. Para

100 perguntas chave em Dor 3


T. Mattar, et al.

que a dor seja considerada crônica, ela deve Por outro lado, a dor neuropática é des-
durar, no mínimo, de 3 a 6 meses, podendo crita como sendo aquela dor que decorre de
acometer o indivíduo por muito anos. A dor lesão ou doença do sistema somatossenso-
tornar-se crônica, em condições patológicas, rial, que leva a anormalidades do sistema
resultando em um estado de má adaptação nociceptivo. Desse modo, esta nova denomi-
do sistema nociceptivo, que ocorre por uma nação para dor neuropática atualizada pela
combinação de alterações nos eventos básicos última vez pela IASP, em 2012, traz informa-
da nocicepção, associado a disfunções de ções importantes. Ou seja, para ser classifi-
origem física, emocional, psicológica e so- cada com dor neuropática, é necessária a
cial. Portanto, trata-se de uma síndrome que demonstração de uma lesão real, bem como
compromete de maneira transitória ou per- uma doença do sistema sensitivo que satis-
manente, a qualidade de vida, assim como faça critérios neurológicos de diagnósticos
a capacidade de trabalho de seus portado- bem estabelecidos. Quando se fala em lesão,
res. Dentre os tipos de dores crônicas, pode- necessita-se da confirmação por métodos
mos destacar as dores nas costas, alguns diagnósticos (imagem, neurofisiológico, etc.)
tipos de cefaleias, fibromialgia, dor oncoló- de que a uma anormalidade neural ou um
gica5. As síndromes dolorosas crônicas resul- trauma mensurável. Além disso, a doença do
tantes de lesões primárias ou doença de sistema somatossensorial é devidamente uti-
estruturas do sistema nervoso periférico ou lizada quando a causa da lesão é conhecida.
central, as quais podem acometer raízes e Entre os diferentes fatores que podem lesio-
nervos periféricos, nervos cranianos, medula nar o sistema nervoso e resultar no apareci-
espinhal ou cérebro, são classificadas como mento da dor neuropática encontram-se a
“dores neuropáticas”. compressão mecânica de nervos, (neuralgia
do trigêmio), doenças metabólicas (diabetes),
QUAIS AS DIFERENÇAS infecções virais (herpes-Zóster, AIDS), neuro-
ENTRE DOR NOCICEPTIVA toxicidade pelo uso crônico de drogas, do-
E DOR NEUROPÁTICA? enças autoimunes (esclerose múltipla) e cân-
cer. Apesar das diferentes etiologias, todas
Simplificadamente, o termo dor nocicep- essas síndromes que levam ao surgimento
tiva é descrito como sendo a dor gerada por da dor neuropática compartilham uma ca-
uma lesão tecidual real ou potencial devido racterística comum: afetam diretamente as
à ativação de neurônios nociceptivos perifé- vias nociceptivas. Nessas condições, a dor
ricos. Em outras palavras, este termo é usa- caracteriza-se por percepções sensoriais
do para descrever a dor que ocorre em situ- anormais. Um sintoma característico da dor
ações nas quais o sistema nociceptivo está neuropática é a hipersensibilidade dolorosa
intacto, como, por exemplo, a dor que para estímulos normalmente inócuos, fenô-
acompanha encostar a mão em uma chapa meno conhecido como “alodinia tátil”6. No
quente ou mesmo aquela decorrente de um entanto, é importante ressaltar que a alodi-
beliscão. Também descrita como a dor fisio- nia per se não define a classificação em dor
lógica, ela é fundamental para a sobrevivên- neuropática.
cia dos indivíduos. Pessoas que não são ca- Existem diversas evidências de que a le-
pazes de responder a estímulos nociceptivos, são ou doença do sistema somatossensorial
como, por exemplo, o que acontece em promove mudanças funcionais, estruturais e
certas doenças congênitas, a expectativa dos bioquímicas ao longo de todo o circuito no-
indivíduos é bem baixa, comparado à popu- ciceptivo. Como resultado, diversas altera-
lação em geral. ções neuroplásticas podem ser observadas

4 100 perguntas chave em Dor


Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos?

perifericamente (no sítio e em outras regiões de vários mecanismos6,7. Portanto, na pre-


do nervo afetado) e/ou centralmente (na sença de desequilíbrio nas vias endógenas
medula espinhal e no SNC), contribuindo de que controlam a dor, há um aumento na
forma evidente para o desenvolvimento e probabilidade de um neurônio do corno dor-
manutenção da dor neuropática. sal disparar espontaneamente ou de forma
exagerada em resposta à entrada de um
COMO EXPLICAR OS MECANISMOS pequeno estímulo proveniente dos aferentes
DA DOR NEUROPÁTICA POR LESÃO primários.
DE NERVO? Considerando a complexa relação exis-
tente entre a lesão e o aparecimento da dor,
A lesão de nervos periféricos frequente- não é surpreendente que o controle farma-
mente leva à formação de um neuroma, cológico efetivo da dor neuropática ainda
uma estrutura que desenvolve mudanças em constitua um grande desafio para a comu-
sua excitabilidade, as quais são suficientes nidade médico-científica, pois ela mostra-se
para gerar potencias de ação espontânea, e resistente a uma série de fármacos com pro-
conduzir o influxo sensorial independente de priedades analgésicas. Entre as opções de
qualquer estimulação periférica5,6. Em adi- tratamento disponíveis encontram-se os
ção ao neuroma, fibras adjacentes ao nervo analgésicos tradicionais (opioides e anti-infla-
lesado também podem constituir focos de matórios não esteroides [AINEs]), tratamen-
hiperexcitabilidade ectópica. De qualquer ma- tos tópicos, com adesivos de lidocaína a 5%
neira, a hiperexcitabilidade neuronal pode ser e capsaicina, além de fármacos que não fo-
decorrente do aumento da expressão de ca- ram originalmente desenvolvidos para o tra-
nais de sódio e diminuição da expressão de tamento de dor, como anticonvulsivantes e
canais de potássio, acarretando o apareci- antidepressivos tricíclicos.
mento de fenômenos como dor espontânea
e a sensibilização de neurônios do sistema O QUE É SENSIBILIZAÇÃO
nervoso periférico e central5,6. PERIFÉRICA?
Assim, a partir das mudanças na perife-
ria, ocorre facilitação central ao nível do Em situações normais, a dor resulta de
corno posterior e tálamo. O componente impulsos nociceptivos ativados por estímulos
central reflete a facilitação da transmissão mecânicos, térmicos ou químicos. Estas in-
sináptica, em especial no corno posterior7. formações são carreadas ao SNC pelas fibras C
Nesse sentido, após a lesão de nervos, des- e A δ. Quando há um processo inflamatório
cargas ectópicas periféricas repetitivas pro- intenso e persistente com concentrações ele-
movem a liberação de neurotransmissores vadas locais de mediadores inflamatórios
excitatórios que sensibilizam os neurônios (bradicinina, prostaglandina, histamina, in-
secundários medulares, sendo importantes na terleucinas, leucotrienos, fator de necrose
amplificação e persistência de quadros hipe- tumoral, fator de crescimento neural, entre
ralgésicos6,7. outros) ou quando ocorre estimulação noci-
Além disso, sabe-se que os processos va intensa, repetida e prolongada que po-
neuronais que controlam a intensidade do- dem durar horas ou dias, ocorre o fenômeno
lorosa, passam a agir de forma desequilibra- de sensibilização periférica7. Os nociceptores
da. Assim, a lesão do nervo periférico pode quando se encontram sensibilizados tem o
reduzir o controle inibitório, ou aumentar o limiar reduzido para ativação apresentando
controle excitatório, ou seja, ocorre uma desi- capacidade de gerar estímulos com uma fre-
nibição dos neurônios do corno dorsal através quência aumentada e com maior facilidade.

100 perguntas chave em Dor 5


T. Mattar, et al.

O QUE É SENSIBILIZAÇÃO e sensibilidade dolorosa, resulta da sensibili-


CENTRAL? zação periférica e central.
Existem diversas síndromes de sensibiliza-
Como consequência da sensibilização ção central, como fibromialgia, lombalgia
periférica, surgem alterações na sensibilida- crônica, enxaqueca, osteoartrite, síndrome
de das fibras nervosas com aumento da do cólon irritável, síndrome das pernas in-
atividade espontânea neuronal, diminuição quietas, dor miofascial, cistite intersticial, dor
do limiar necessário para ativação dos no- neuropática diabética, entre outras9.
ciceptores e aumento da resposta aos estí-
mulos. QUAL A DIFERENÇA
Com a continuação deste impulso afe- ENTRE HIPERALGESIA,
rente através da estimulação periférica in- ALODINIA E HIPERESTESIA?
tensa e crescente provenientes das fibras C
ou de fibras nervosas lesadas diretamente, O termo hiperalgesia é utilizado quando
aumenta a liberação de neurotransmissores, uma pessoa com estímulos nociceptivos
e se ativam as cascatas de sinalização nos apresenta uma percepção dolorosa maior e
neurônios pós-sinápticos. Ocorre a ativação desproporcional ao estímulo. Pode ser clas-
do N-metil-D-aspartato (NMDA), liberação de sificada como primária a que ocorre quando
substância P e a hiperexcitabilidade de neu- a área de hiperalgesia corresponde à área de
rônios do corno posterior da medula espi- lesão, sendo consequência direta da sensibi-
nhal que passam a responder a qualquer lização periférica, e secundária quando a
estímulo ou até espontaneamente, transmi- área com hiperalgesia não está relacionada
tindo informação nociceptiva aos centros com a lesão inicial, sendo uma manifestação
neurológicos superiores de forma ampliada da sensibilização central. O termo alodinia
determinando a sensibilização central8,9. refere-se a estímulos não nociceptivos que
são sentidos como dolorosos, ou seja, dor
QUAIS SÃO AS IMPLICAÇÕES ao estímulo que normalmente não provoca
CLÍNICAS DA SENSIBILIZAÇÃO dor. Ela possui uma característica fundamen-
CENTRAL? tal que é induzir também uma mudança
qualitativa na percepção da sensação espe-
A sensibilização central é responsável por rada com base nas características do estímu-
muitas alterações funcionais e espaciais na lo aplicado, ou seja, ocorre uma perda da
sensibilidade à dor aguda e crônica, exem- especificidade da modalidade sensorial, por
plificadas pela geração de um sinal de dor exemplo, um estímulo tátil provoca uma dor
do SNC e hiperalgesia secundária. desproporcional. O termo hiperestesia é usa-
Quando ocorre o fenômeno de sensibili- do para descrever um distúrbio neurológico
zação central há uma alteração nos meca- caracterizado por um aumento significativo
nismos tanto para diminuir ou para aumentar de sensibilidade de um sentido ou órgão a
a transmissão da dor e, consequentemente, qualquer estímulo. Resumidamente é o au-
o surgimento da dor espontânea, da redu- mento da intensidade das sensações.
ção do limar da dor, aumentando a duração
e intensidade do seu sinal e permitindo que POR QUE A DOR CRÔNICA RECEBE
estímulos geralmente inócuos também ge- O STATUS DE DOENÇA EM SI?
rem dor.
A maior parte das manifestações dolorosas, Essa é uma questão controversa, pois
como dor referida, dor do tipo inflamatória dor sempre foi considerado um sintoma

6 100 perguntas chave em Dor


Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos?

significativo de inúmeras doenças. Entre- dor neuropática isso pode ocorrer com mais
tanto, quando persiste e torna-se crônica é frequência.
associada a outros problemas, como imobi-
lismo, distúrbios do sono, procura maior por BIBLIOGRAFIA
medicamentos, médicos, profissionais da
saúde e centros de saúde ou hospitais, alte- 1. Merskey, Bogduk. Clasification of chronic pain. Seattle:
IASP Press. 1994.
rações de humor, depressão e angústia10. 2. Julius D, Basbaum AI. Molecular mechanisms of nocicep-
Além disso, como já foi apresentado ante- tion. Nature. 2001;413:203-10.
3. Rexed B. A cytoarchitectonic atlas of the spinal cord in the
riormente, são inúmeras as alterações neu- cat. J Comp Neurol. 1954;100:297-379.
roplásticas no cérebro dos pacientes com dor 4. Millan MJ. Descending control of pain. Prog Neurobiol.
2002;66:355-474.
crônica, algumas morfológicas5. Nesse con- 5. Apkarian AV, Baliki MN, Geha PY. Towards a theory of
chronic pain. Prog Neurobiol. 2009;87(2):81-97.
texto, ela assemelha-se a uma doença. Em- 6. von Hehn CA, Baron R, Woolf CJ. Deconstructing the
bora existam controvérsias na literatura neuropathic pain phenotype to reveal neural mechanisms.
Neuron. 2012;73(4):638-52.
científica sobre essa questão, sob pontos 7. Costigan M, Scholz J, Woolf CJ. Neuropathic pain: a mal-
de vista clínico, educacional e de gestão de adaptive response of the nervous system to damage.
Annu Rev Neurosci. 2009;32:1-32.
saúde, é necessária essa abordagem da dor 8. König C1, Zharsky M, Möller C, Schaible HG, Ebersberger
crônica, pois seu diagnóstico e tratamento A. Involvement of peripheral and spinal tumor necrosis factor
α in spinal cord hyperexcitability during knee joint inflam-
são diferentes daqueles sugeridos para a dor mation in rats. Arthritis Rheumatol. 2014;66(3):599-609.
aguda, além de ser em geral multidisciplinar 9. Woolf CJ. Central sensitization: implications for the diag-
nosis and treatment of pain. Pain. 2011;152(3 Suppl):
e de custo mais elevado. No Brasil, na Uni- S2-15.
dade Básica de Saúde, a frequência de dor 10. Cohen M, Quinter J, Buchanan D. Is chronic pain a disease?
Pain Med. 2013;14(9):1284-8.
crônica chega a 30%, o que indica necessi- 11. Elzahaf RA, Tashani OA, Unsworth BA, Johnson MI. The
dade de preparo dos médicos envolvidos11. prevalence of chronic pain with an analysis of countries
with a Human Development Index less than 0.9: a system-
O que dificulta mais ainda o tratamento da atic review without meta-analysis. Curr Med Res Opin.
dor é a demora no seu diagnóstico, e na 2012;28(7):1221-9.

100 perguntas chave em Dor 7


Capítulo 2

Avaliação e tratamento da dor


– Parte 1

O. Alves Neto, J. Vall e D. Campos Kraychete

COMO AVALIAR UM PACIENTE pelo sujeito ou pelo sistema de saúde (au-


COM DOR CRÔNICA? sência de protocolos específicos) e devido às
experiências prévias e diferenças culturais
Na avaliação de um paciente com dor crô- entre os membros da equipe de saúde. A
nica, a primeira análise do clínico é classificar avaliação correta do sintoma identifica os
sua dor como neuropática (iniciada ou causada fatores que contribuem para a experiência
por uma lesão primária ou doença do sistema dolorosa e para detectar as repercussões da
nervoso somatossensitivo) ou como nociceptiva dor no indivíduo, selecionar o tratamento e
(somática ou visceral) – resultado da ativação de aferir a eficácia terapêutica. A mensuração
receptores nervosos periféricos. É importan- da dor requer o emprego de escalas que
te estar atento ao conceito de dor neuropá- apresentam vantagens e limitações.
tica, pois é possível que a dor de outra etio- As três escalas utilizadas na clínica são de
logia presente nos pacientes seja atribuída à categoria com descritores verbais (leve, mo-
dor neuropática e tratada de forma incorreta1-4. derada, intensa, excruciante) ou visuais (ex-
O diagnóstico clínico de pacientes com pressão facial) e também são úteis na ava-
suspeita de dor nociceptiva ou neuropática liação de crianças, idosos e indivíduos com
inclui a história detalhada da doença, o in- limitação de linguagem, fluência verbal ou
terrogatório sistemático e o exame físico baixo grau de escolaridade, tendo classifica-
segmentar e neurológico. A história médica ção numérica (0 a 10), em que zero repre-
deve fornecer o início, a localização, a irra- senta ausência de dor e 10 a pior dor ima-
diação e o antecedente de trauma. Na iden- ginável e analógica visual (linha de 10 cm)
tificação da localização do sintoma, deve-se para o paciente marcar a dor8,9.
estar atento à distribuição da dor em trajeto A escala de avaliação multidimensional
da raiz nervosa; múltiplos nervos; região ex- (McGill Pain Questionnaire) é validada no
tensa ou ambos os lados do corpo. Brasil e analisa aspectos sensitivos, motiva-
Descritores auxiliam a avaliar a qualidade cionais e cognitivos da dor. Outras escalas
da dor (choque, pulsátil, lancinante, etc.) e as estudam a qualidade de vida diária (ativida-
anormalidades sensitivas na área do nervo de geral, humor, habilidade para deambular,
lesado. A dor por lesão de nervo pode-se capacidade para o trabalho, relações com
manifestar com sinais negativos (perda sensi- outras pessoas, sono e prazer de estar vivo)
tiva) ou positivos (parestesia, hiperalgesia)5-7. e a função e a capacidade do aparelho lo-
A avaliação inadequada da dor, possivel- comotor, incluindo o impacto físico, social e
mente, é decorrente das dificuldades impostas psíquico decorrentes da dor7,9.

100 perguntas chave em Dor 9


O. Alves, et al.

Na abordagem inicial do paciente com QUE EXAMES DEVO


dor crônica, o sintoma dor deve significar dor SOLICITAR PARA PACIENTES
física e dor psíquica como componentes de COM DOR CRÔNICA?
um único relato sintomático.
Além da história e do exame físico, os
QUAL A FINALIDADE DOS
exames complementares auxiliam na pesqui-
QUESTIONÁRIOS DE DOR
sa de lesões traumáticas, compressivas, in-
NA AVALIAÇÃO DO PACIENTE?
flamatórias, expansivas ou degenerativas e
Os questionários são importantes para o devem ser verificados ou solicitados de acor-
diagnóstico mais preciso da doença em do com a suspeita diagnóstica. Isso inclui os
questão e do impacto que a dor crônica exames de sangue, urina, fezes, imagem
pode causar na vida de um sujeito. Qualquer (raidiografias, ultrassonografia, tomografia
instrumento de medida deve ser válido e computadorizada, ressonância magnética),
confiável. Válido significa que avalia o que endoscópicos e angiográficos e os estudos
pretende avaliar, isto é, avalia todo o fenô- anatomopatológicos (biópsias de nervo, de
meno, objeto de estudo, e não parte dele pele, da área lesada)10-12.
ou outro fenômeno. Confiável significa que Na dor neuropática, além do exame neu-
avalia com precisão, e os resultados obtidos rológico a beira do leito, exames complemen-
são estáveis, se a situação é estável e repro- tares mais específicos podem ser solicitados,
duzível. Por exemplo, o relato da dor neuro- como a eletroneuromiografia. É uma das téc-
pática é acompanhado, frequentemente, de nicas mais recomendadas para quantificar a
palavras como choque, queimor e formiga- neurofisiologia da neuropatia periférica de
mento, entre outras. Pesquisadores na área fibras grossas e avaliar a velocidade da con-
desenvolveram instrumentos de autorrelato dução nervosa e a amplitude do potencial de
contendo esses descritores, associados ou ação; teste sensitivo quantitativo (QST) para
não a testes sensitivos, visando contribuir avaliação de fibras finas e grossas quanto à
para a identificação da dor neuropática. Os pesquisa de alodinia e hiperalgesia térmica e
instrumentos estabelecem faixas de corte ou mecânica, além da vibração e de alterações
escores a partir do qual se define um diag- neurovegetativas; teste quantitativo do refle-
nóstico, além de apresentar propriedades xo axônico sudomotor, que estuda a resposta
psicométricas capazes de diferenciar um tipo da glândula sudorípara à estimulação; termo-
de dor de outra. A existência de instrumen- grafia, que analisa as diferenças da tempera-
tos específicos para a avaliação da dor neu- tura corporal e é muito útil na detecção de
ropática em língua portuguesa, como o Le- áreas de redução de fluxo de sanguíneo, típi-
eds Assessment of Neuropathic Symptoms co da síndrome de dor complexa regional;
and Signs Pain Scale (LANSS) e o Douleur estudo do líquor, que avalia a presença de
Neuropathique 4 Questions (DN4) devem ser processo inflamatório ou infeccioso; Laser
empregados sempre que possível, visto que Evoked Potentials (LEPs) e Compounds Heat
são questionários confiáveis, sensíveis e es- Evoked Potentials (CHEPS) para avaliação de
pecíficos no diagnóstico dessa síndrome. Ou- fibras nervosas finas, o segundo evita quei-
tros questionários que avaliam a qualidade maduras; microscopia confocal de córnea,
de vida e a presença de ansiedade e depres- que permite a visualização de perda e ou
são são úteis para dimensionar o impacto regeneração de fibras amielínicas, reveladora
que a dor crônica causa no sujeito e auxiliam do comprometimento de fibras finas13,14.
na escuta e no tratamento da doença, prin- A avaliação especializada psicológica e
cipalmente com medidas de reabilitação10. psiquiátrica é necessária quando o paciente

10 100 perguntas chave em Dor


Avaliação e tratamento da dor – Parte 1

apresenta sintoma ou queixa de incapacidade clínicos e pesquisadores, mas alguns itens


funcional que seja desproporcional ao achado são comuns a todos: a idade, a causa, a
clínico, para aqueles que fazem uso exagera- localização ou a duração da dor. A comple-
do do serviço de saúde ou indevido de drogas xidade da dor é reconhecida por todos, e
lícitas ou ilícitas. É importante lembrar que a isso provavelmente impede uma classificação
abordagem da dor requer a ação interdiscipli- homogênea e universalmente aceita. Particu-
nar, em um sistema coordenado e cooperan- larmente em casos de dor crônica, o médico
te, para beneficiar principalmente o sujeito deve não olhar apenas a possível causa da dor,
mas se preocupar globalmente com o pacien-
COMO CLASSIFICAR OS
te, avaliando o seu humor, medos, expectati-
PACIENTES COM DOR?
vas e recursos para possíveis tentativas tera-
Depois de examinar um paciente com dor, pêuticas, assim como sua qualidade de vida
deve-se classificá-lo, principalmente quem pen- de maneira geral. Deve-se avaliar não só a dor
sa em conduzir pesquisas, prescrever medica- do paciente, mas o paciente como um todo.
mentos e avaliar a eficácia de tratamentos. A
QUAL A RELAÇÃO ENTRE
Associação Internacional para o Estudo da Dor
QUALIDADE DE VIDA E DOR?
(International Association for the Study of Pain
– IASP) sugere uma “Taxonomia da dor”, en- Especialmente os portadores de dor crôni-
contrada em todos os livros sobre o assunto15. ca sofrem modificações no seu estilo de vida,
Por exemplo, quanto à origem a dor, essa pode resultado de sofrimento permanente, incapa-
ser classificada em oncológica, não oncológica; cidades resultantes, dependência medica-
quanto à evolução, aguda ou crônica; quanto mentosa, efeitos colaterais, complicações da
ao mecanismo, somática, visceral e neuropática. doença e do próprio tratamento, frustrações,
Várias são as classificações propostas na lite- exames poucos esclarecedores, afastamento do
ratura. Talvez a maneira mais comum de clas- trabalho, inatividade, atrofias, etc, fazendo
sificar a dor seja com base no diagnóstico com que sua qualidade de vida se deteriore
médico, por exemplo, cefaleia vs. dor lombar. progressivamente. Lyndon Johnson, em 1964,
Na Classificação Internacional das Doen- então presidente dos Estados Unidos, decla-
ças (CID-10), a classificação é baseada na rou que “os objetivos não podem ser medi-
causa da doença (infecção, tumor, etc.), no dos através do balanço dos bancos. Eles só
sistema orgânico (gastrintestinal, genituriná- podem ser medidos através da qualidade de
rio, etc.), no tipo de sintoma (migrânia, ce- vida que proporcionam às pessoas”6.
faleia do tipo tensional ou cervicogênica, etc.). Estudos sobre Qualidade de Vida (QV)
Uma classificação baseada na categoria da dor resgataram a preocupação com o bem-estar
e do possível mecanismo de sua origem, como das pessoas e o questionamento sobre tra-
dor transitória (mecanismo: sensibilização de tamentos agressivos e inúteis são atualmen-
nociceptor); dor por lesão tecidual (mecanis- te discutidos. O conceito de QV é complexo,
mo: sensibilização, recrutamento de nocicep- pois envolve fatores subjetivos não mensu-
tores silentes, alteração no fenótipo, somatiza- ráveis, como o bem-estar das pessoas. Nunca
ção, amplificação, etc.); dor relacionada à é demais se lembrar do conceito global de
lesão nervosa (mecanismos: por lesão de afe- saúde, pela Organização Mundial da Saúde
rentes primários ou mediada pelo sistema ner- (OMS), de que “saúde é o completo bem-
voso central) também tem sido sugeridos16. -estar físico, mental e social, e não mera-
Estas classificações são apenas alguns exem- mente a ausência de enfermidades”.
plos das existentes. Não existe nenhum sistema O grupo de estudo da OMS, chamado de
de classificação universalmente utilizado por WHOQOL, propôs que qualidade de vida é a

100 perguntas chave em Dor 11


O. Alves, et al.

percepção do indivíduo sobre a sua posição miscelânea de informações. Versões adapta-


na vida, no contexto da cultura e dos sistemas das para crianças e resumidas existem.
de valores nos quais vive, e em relação aos O questionário de McGill tem sido utilizado
seus objetivos, expectativas, padrões e preo- como forma de avaliação experimental para
cupações. A partir desse conceito, foram análise de efeitos de vários procedimentos e/ou
construídos instrumentos para avaliar quali- técnicas de manipulação e alívio da dor, devido
dade de vida, contendo alguns fatores: domí- ao grau de concordância que existe entre os
nio físico, domínio psicológico, nível de inde- diferentes descritores de dor utilizados.
pendência, relações sociais, meio ambiente e Um dos problemas frequentemente levan-
espiritualidade, religião e crenças pessoais6. tados sobre o Questionário McGill, é que o
Diferente dos casos agudos de dor, que mesmo não contem muitos dos descritores
necessitam de atitudes rápidas e precisas com que são comumente relatados por pacientes
a intenção de eliminar o fator causal, nos casos com dor neuropática. Pensando nisto, outros
de dor crônica frequentemente o objetivo não questionários derivados do original foram de-
é a cura da enfermidade, mas a melhora fun- senvolvidos e sugeridos outros mais específi-
cional e o alívio dos sintomas, limitando a sua cos para portadores de dor neuropática. Se é
progressão, ou seja, melhorando a QV do pa- muito utilizado em avaliação de pacientes de
ciente. Tratamentos inúteis e dispendiosos de- língua inglesa, a sua tradução para outras
vem levar o médico à reflexão sobre sua línguas tem encontrado dificuldades na cla-
prescrição, lembrando-se o contexto da bio- reza da utilização de palavras que descre-
ética sobre “futilidade terapêutica”. vam, exatamente, o que o original pensou.
Em um paciente com dor crônica, parâ-
O QUE SÃO E COMO UTILIZAR
metros de avaliação da terapêutica devem
OS “DIÁRIOS DE DOR”?
ser feitos não só pela análise de um questio-
nário, mas também com aspectos como ca- Os “Diários de Dor” são úteis na avaliação
pacidade de retorno ao trabalho, participa- das flutuações constantes de dor pelos pa-
ção em atividades recreacionais, motivação cientes, sendo muito utilizados em clínicas de
familiar do paciente. dor, especialmente as que atendem dor crô-
nica. Existem vários modelos com a finalidade
O QUE É E COMO UTILIZAR O
de avaliar um problema específico, algum
QUESTIONÁRIO MCGILL DE DOR?
tipo de tratamento ou um tipo de paciente
O Questionário de Dor McGill17,18 é um em tratamento. Usualmente, os pacientes
dos instrumentos de autodescrição para ava- descrevem o seu diário a cada hora, ao final
liação da dor mais utilizado em todo o mun- do dia ou três vezes ao dia. São avaliadas a
do. Foi idealizado para avaliar os três com- intensidade da dor, a duração e a interferên-
ponentes da dor baseado na teoria do cia das atividades diárias na dor, como uso de
portão, contendo várias partes, como ques- medicação, humor, eventos estressantes19,20.
tões quanto ao problema da dor em si, ava- No rigor de avaliação de pesquisadores,
liação da intensidade baseada numa escala discute-se a observação de que pacientes
de seis pontos, seguido de 20 subclasses de descrevem mais dor quando focam especifi-
descritores da dor. Os pacientes devem esco- camente na descrição de um diário. Não
lher apenas uma palavra dentro do subgrupo existem evidências nem experimentais nem
para caracterizar sua dor. Dez subgrupos re- clínicas que comprovem essa ideia.
presentam a dimensão sensitiva, 5 avaliam Um modelo “simples” de Diário da Dor
aspectos afetivos, 1 subgrupo representa o que pode ajudar o paciente e, principalmen-
componente avaliativo e 4 avaliam uma te, o seu médico assistente a avaliar resultados

12 100 perguntas chave em Dor


Avaliação e tratamento da dor – Parte 1

de tratamento, deve incluir: nome do paciente, humanos básicos, e isso vale para os casos
data, períodos do dia (manhã, tarde, noite), de emergência. Nos EUA, a classe de medi-
localização da dor, qualidade, intensidade, du- cação mais utilizada nas emergências e
ração, fatores de melhora e piora, uso de me- prontos atendimentos são os opioides20,21.
dicação (qual o resultado obtido), humor (an-
COMO AVALIAR E TRATAR
tes, durante e depois da dor), atividades (antes,
A DOR NO PACIENTE QUEIMADO?
durante e depois da dor) e pensamento (an-
tes, durante e depois da dor). A queimadura é considerada uma das
mais dolorosas situações humanas, e a troca
COMO AVALIAR A DOR NOS
de curativos é o pior momento para o pa-
PACIENTES QUE PROCURAM
ciente. Isso sem contar com os demais pro-
UM PRONTO-SOCORRO?
cedimentos de fisioterapia e terapia ventila-
A dor é a maior causa de procura por tória. Essa rotina exige uma avaliação
atendimentos de emergência ou ambulato- contínua da dor do paciente, pois pode se
riais, sendo sempre o maior sintoma. Geral- alterar em minutos. O paciente queimado
mente, as dores mais comuns são decorren- também pode sentir dor aguda ou crônica.
tes de lombalgias, fraturas e migrâneas. Em A classificação das queimaduras é feita por
todos os casos é importante realizar uma porcentagem de área corporal e segundo a
anamnese para que se possa encontrar a profundidade. Para avaliação da dor do pa-
causa da dor. Deve-se questionar a localiza- ciente queimado, escalas unidimensionais
ção, a intensidade, a qualidade (tipo) de dor, não bastam. É preciso utilizar escalas multi-
frequência e duração dos sintomas, desde dimensionais que avaliem desde os aspectos
quando começou, se já usou ou está usando sensitivos da dor até os aspectos emocioais
alguma medicação, fatores desencadeante e e psicológicos. Um bom exemplo é o Inven-
que aliviam os sintomas, interferência nas tário Breve de Dor e o Questionário de Dor
atividades do dia a dia e no trabalho. Escalas de McGill. Para descobrir se há o componen-
e exames complementares de imagem tam- te neuropático, pode ser usado o questioná-
bém podem ser necessários em alguns ca- rio para avaliação de dor neuropática DN4.
sos. Um exemplo de escala prática e muito Para a dor aguda, o tratamento medicamen-
usada em situações como esta é a Escala toso envolve ansiolíticos, anti-inflamatórios
Multidimensional de Dor (EMADOR), que não hormonais, opioides, anestésicos (o
mede a intensidade da dor, sua qualidade e mais usado é a quetamina), anti-histamíni-
localização. Alguns pacientes com proble- cos, clonidina, anestesia regional, anestesia
mas de sáude mais sérios cursam com dor geral e anticonvulsivantes. Já para a dor crô-
intensa e muitas vezes por estarem incons- nica, são usados antidepressivos tricíclicos, an-
cientes não podem descreve-la. São exem- ticonvulsivantes (gabapentina, pregabalina),
plos dessas situações a pancreatite, nefroli- opioides e agentes tópicos (lidocaína a 5%).
tíase, aneurisma da aorta abdominal ou No entanto, só as medicações não são sufi-
doenças sistêmicas (endocardites e síndro- cientes, é preciso uma abordagem interpro-
mes virais). O importante em todos os casos fissional, para que o paciente possa ter uma
citados é que os pacientes tenham sua dor recuperação saudável desde o início da lesão
aliviada e devidamente tratada, mesmo sem até sua alta hospitalar e o período após a
ter ainda o diagnóstico definitivo, pois sem o alta. Isso porque se sabe do estigma que
tratamento adequado, o quadro do paciente uma pessoa queimada carrega quando sai
tende a agravar cada vez mais. Em 2011, o de casa. Uma terapia cognitivo-comporta-
alívio da dor entrou para a lista dos direitos mental desde o início da lesão, por exemplo,

100 perguntas chave em Dor 13


O. Alves, et al.

pode ser um suporte muito importante para 4. Urk DC, Okifuji A. Assessment of patients’ reporting of
pain: an integrated perspective. Lancet. 1999:353: 1784-8.
quando esse momento chegar22,23. 5. Fleck MP, et al. Desenvolvimento da versão em português
do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS
QUAIS AS ESCALAS DE MEDIDA (WHOQOL-100). Rev Bras Psiquiatria. 1999;21(1):19-28.
6. Barros N. Avaliação da qualidade de vida do paciente com
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UTILIZADAS? Alegre: Artmed, 2009. p. 405-9.
7. Melzack R. The McGill Pain Questionnaire: major proper-
Por ser uma experiência subjetiva, a dor ties and scoring methods. Pain. 1975:1:277-99.
8. Sousa FA, Pereira LV, Hortense P. Avaliação e mensuração
não pode ser determinada por instrumentos da percepção da dor. In: Alves Neto, O. Dor: princípios e
físicos que usualmente mensuram o peso, a prática. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 370-81.
9. Pimenta CA, Teixeira MJ. Questionário de dor McGill:
temperatura e os demais sinais vitais. Mesmo proposta de adaptação para a língua portuguesa. Rev Esc
assim, é muito importante sua avaliação para Enferm USP. 1996;30:3:473-83.
10. Bennett MI, Attal N, Backonja MM, et al. Using screening tools
que se possa intervir com um controle adequa- to identify neuropathic pain. Pain. 2007;127(3): 199-203.
do para a dor do paciente. A avaliação é a 11. Haanpää M, Attal N, Backonja M, et al. NeuPSIG guidelines
on neuropathic pain assessment. Pain. 2011;152(1): 14-27.
pedra fundamental para o tratamento ade- 12. Hansson P. Difficulties in stratifying neuropathic pain by
quado da dor. Existem escalas unidimensio- mechanisms. Europ J Pain. 2003;7:353-7.
13. Sousa FA, Pereira LV, Hortense P. Avaliação e mensuração
nais, que avaliam apenas um aspecto da dor da percepção da dor. In: Dor: princípios e prática. Porto
e existem as multidimensionais que, como o Alegre: Artmed, 2009.
14. Chang HY, Daubresse M, Kruszewski SP, Alexander GC. Prev-
próprio nome diz, avaliam várias dimensões alence and treatment of pain in EDs in the United States, 2000
envolvidas no processo doloroso. Não existe to 2010. Am J Emerg Med. 2014. DOI: 10.1016
15. Merskey H, Bogduk N. Classification of chronic pain. Se-
uma escala melhor que outra, apenas escalas attle, WA: IASP Press; 1994.
melhores para determinadas situações. Para 16. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística
internacional de doenças e problemas relacionados à
utilizar no pós-operatório, por exemplo, as uni- saúde. Edusp. 2007.
dimensionais são as mais indicadas, pois é pre- 17. Pimenta CA, Teixeira MJ. Questionário de dor Mcgill: Pro-
posta de adaptação para a língua portuguesa. Revista
ciso apenas saber a intensidade da dor para Brasileira de Anestesiologia. 1997;47:177-86.
tomar a conduta necessária para seu alívio. 18. Melzack R, Torgerson WS. On the language of pain. An-
esthesiology 1971, 34: 50-9.Fleming NRP, Ribeiro CRT. A
Normalmente, as escalas unidimensionais men- clínica de dor na emergência. In: Dor: princípios e prática.
suram a intensidade da dor, de 0 a 10, sendo Porto Alegre: Artmed, 2009.
19. Cruise CE, Broderick J, Porter L, Kaell A, Stone AA. Reac-
0 ausência de dor, 1 a 3 dor fraca, 4 a 6 dor tive effects of diary self-assessment in chronic pain pa-
moderada, 7 a 9 dor intensa e 10 dor insupor- tients. Pain. 1996;67:253-8.
20. Sousa FF, Pereira LV, Cardoso R, Hosrtense P. Escala Mul-
tável. As escalas mais utilizadas mundialmente tidimensional de Avaliação de dor (EMADOR). Rev. Latino-
seguem estes critérios de avaliação, apenas Am Enfermagem. 2010; 18(1):9.
21. Rauh KH, Andersen RS, Rosenberg J. Visual analogue scale
com mudanças em seu formado. A Escala de for measuring post-operative pain. 2013;175(24):1712-6.
22. Piccolo MT, Daher RP, Daher S, Alves Neto O. Dor em
Categoria Numérica, por exemplo, mostra os pacientes queimados. In: Dor: princípios e prática. Porto
números aos pacientes, já a Escala Analógica Alegre: Artmed, 2009.
23. Chan Q, Ng K, Vandervord J. Critical Illness Polyneuropathy
Visual, tem a mesma interpretação, mas sem in Patients With Major Burn Injuries. Eplasty. 2010; 10:e68.
a numeração e a Escala de Faces, também 24. Herr KA, Mobily PR, Kohout FJ, Wagenaar D. Evaluation
of the faces pain scale for use with the elderly. Clin J Pain.
com a mesma interpretação, é usada para 1998;14:29-38.
crianças, idosos ou pessoas com alterações cog- 25. Jensen TS, Baron R. Translation of symptoms and signs into
mechanisms in neuropathic pain. Pain. 2003; 102:1-8.
nitivas que não compreendam os números22-29. 26. Pimenta CA, Cruz DA, Santos JL. Instrumentos para aval-
iação da dor: O que há de novo em nosso meio. Arquivo
BIBLIOGRAFIA Brasileiro de Neurocirurgia. 1998;17:15-24.
27. Pimenta CA, Koizumi MS, Teixeira MJ. Dor crônica e de-
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Alves Neto O. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 91-3. Enfermagem da USP. 2000;34:7683.
2. Flor H, Turk DC. Chronic pain – An integrated biobehav- 28. Simon JM. Case study: Chronic pain--diagnosis, etiology,
ioral approach. Cap 5 – Evaluation of the patient with or syndrome? Nursing Diagnostic. 1997;8(2):37-9.
chronic pain. Seattle: IASP Press, 2011. p. 139-76. 29. Foguel ES, Kraychete DC. Um “amalgáma sintomático”:
3. Woolf CJ, Bennett GJ, Doherty M, et al. Towards a mech- Teoria psicanalítica e dor muscular de longa duração. Dor.
anism-based classification of pain? Pain. 1998;77:227-9. 2001;3(1):14-8.

14 100 perguntas chave em Dor


Capítulo 3

Câncer e dor

J.B. Garcia, M. Guimarães de Melo Cardoso, D. Ciampi e M.J. Teixeira

QUAL A DIFERENÇA ENTRE dor por nocicepção, dor neuropática ou


A DOR NO CÂNCER E A DOR mista2.
NÃO ONCOLÓGICA? As dores nociceptivas são desencadeadas
quando há um dano tecidual, associado à
A dor que afeta o paciente com câncer é
lesão de vísceras e/ou somática, que ativam
causada pelo próprio tumor, por suas metás-
de maneira direta os nociceptores seja por
tases ou pela terapia antineoplásica, que inclui
compressão, tração, infiltração ou alterações
quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Pode
metabólicas e químicas. As células tumorais
ser classificada como aguda (tem duração pre-
secretam substâncias que podem estimular
visível, autolimitada e facilmente diagnostica-
de maneira direta ou sensibilizar os nocicep-
da) ou crônica (duração indeterminada, não é
tores. Entre elas, podem ser citadas as pros-
autolimitada e normalmente decorrente de
taglandinas, endotelinas e interleucinas. O
efeito direto do tumor); dor localizada ou
tipo de dor que apresenta alta prevalência
dor que acomete vários segmentos corpo-
nos pacientes com câncer e é o mais comum
rais, superficial, profunda, irradiada, referida,
é o de dor musculoesquelética3.
constante, intermitente, intensa, moderada
A dor neuropática surge como consequ-
ou fraca. Do ponto de vista fisiopatológico,
ência direta de lesões que afetam o sistema
pode ser de qualquer um dos tipos: nocicep-
somatossensitivo. Vários mecanismos ten-
tiva, neuropática ou mista. Ainda, pacientes
tam explicar sua origem: atividade autôno-
com câncer podem sofrer de dores ocasiona-
ma de fibras nervosas lesadas, que funcio-
das por fatores diferentes de sua enfermidade,
nam como marca-passos ectópicos por
caracterizando dores não oncológicas, como a
expressão aumentada de novos canais de
neuropatia diabética e a migrânea. Diante
sódio, a hiperexcitabilidade de fibras nervo-
disto, pode-se concluir que este tipo de dor
sas íntegras por sensibilização periférica ou
não tem apenas a característica fundamental
por reorganização dos terminais no corno
de estar relacionada ao câncer, mas também
posterior da medula ou ainda alterações
tem semelhanças com a dor não oncológica1.
no sistema modulador endógeno. Uma vez
que a maioria dos tumores tem uma inerva-
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS
ção importante por neurônios sensitivos e
MECANISMOS DA DOR NO
simpáticos, estes podem sofrer compressão,
CÂNCER?
lesão mecânica, isquemia ou lise de suas
A dor no câncer pode envolver meca- proteínas, com consequente geração de dor.
nismos variados que a caracterizam como A dor neuropática pode estar relacionada à

100 perguntas chave em Dor 15


J.B. Garcia, et al.

administração de fármacos durante o trata- questionado um possível aperfeiçoamento.


mento, pois vários agentes quimioterápicos As novas sugestões de mudanças seriam nos
são neurotóxicos e à radioterapia, que pode casos de dores moderadas ou fortes, espe-
produzir lesões diretas a axônios e plexos, com cialmente em pacientes com doença avan-
a produção de microenfartos neurais nos vasa çada, quando se pode já indicar os opioides
nervorum. Alguns tumores ósseos podem cau- fortes em uma primeira avaliação. Além dis-
sar dor neuropática porque, ao crescerem so, há uma tendência forte de se associar
dentro destas estruturas, lesam e destroem procedimentos intervencionistas minima-
os terminais de fibras sensoriais que inervam mente invasivos em qualquer momento do
o osso. A dor neuropática costuma ser a de tratamento, não apenas em um hipotético
controle mais difícil4. quarto degrau da escada6-8.
O mecanismo fisiopatológico mais co- Alguns princípios devem ser seguidos du-
mum na dor no câncer é o misto, em que rante o tratamento da dor no câncer e são
se destacam as dores ósseas e viscerais. Nes- fundamentais. A saber.
te caso, uma superposição de mecanismos
nociceptivos e neuropáticos estão presentes Deve-se tentar sempre
caracterizando a dor. usar a escada

COMO TRATAR A DOR Inicia-se pelo primeiro degrau para dores


NO CÂNCER DE MANEIRA GERAL? fracas, quando não ocorre alívio da dor, adicio-
na-se um opioide fraco e, quando esta combi-
A Organização Mundial da Saúde (OMS) nação é insuficiente, deve-se substituir este
criou, na década de 1980, a Escada Analgé- opioide fraco por um forte. Somente um medi-
sica, como uma proposta de padronização camento de cada categoria deve ser usado por
de tratamento analgésico, que divide a tera- vez. Os medicamentos adjuvantes devem ser
pia em três degraus de acordo com a inten- associados em todos os degraus da escada,
sidade da dor que o paciente apresenta. O de acordo com as indicações específicas (an-
primeiro degrau recomenda o uso de medica- tidepressivos, anticonvulsivantes, corticosteroi-
mentos anti-inflamatórios para dores fracas. des, neurolépticos, bifosfonados, entre outros).
O segundo degrau sugere opioides fracos,
que podem ser associados aos anti-inflama- Valorizar a via oral
tóios do primeiro degrau, para dores mode-
radas. O terceiro degrau consta de opioides Os analgésicos devem ser administrados
fortes, associados ou não aos anti-inflama- pela via oral e a vias de administração alter-
tórios, para dores fortes. Os adjuvantes po- nativas como retal, transdérmica ou paren-
dem ser usados nos três degraus da escada5. teral podem ser úteis em pacientes com di-
A escada de três degraus indica classes ficuldade de deglutição, vômitos frequentes
de medicamentos e não fármacos específi- ou obstrução intestinal.
cos, proporcionando ao médico flexibilidade
e possibilidade de adaptação de acordo com Usar intervalos fixos
as particularidades de seu paciente e com
disponibilidade no seu país. A Escada Anal- Os medicamentos devem ser administra-
gésica da OMS é um método simples, rela- dos em intervalos regulares de tempo, de tal
tivamente barato e eficaz em 70 a 90% das forma que a dose subsequente seja adminis-
dores decorrentes de neoplasias malignas. trada antes que o efeito da dose anterior
Entretanto, mais recentemente, tem sido tenha terminado5,8.

16 100 perguntas chave em Dor


Câncer e dor

O uso da morfina é fundamental no tra- uso é controverso no doente com câncer.


tamento da dor intensa e não se deve espe- Acupuntura e eletroacupuntura proporcio-
rar os últimos dias de vida do paciente para nam analgesia durante o período pós-ope-
administrá-la apenas pelo risco de dependên- ratório e no tratamento da dor decorrente
cia psíquica, efeito raro em doentes com dor. de afecções músculo-esqueléticas, da dor
Deve ser usada a cada 4h e, caso haja dor causada por traumatismos das partes moles
nos intervalos da medicação, doses de resga- e da síndrome complexa de dor regional. As
te podem ser utilizadas. Após administração infiltrações dos pontos-gatilhos e o alonga-
oral, o pico de concentração plasmática é mento são úteis para o tratamento da sín-
atingido em aproximadamente 60min5,8. drome dolorosa miofascial, frequentes em
Os opioides permanecem como os fár- doentes com dor relacionada ao câncer10.
macos mais efetivos e mais comumente uti-
lizados no tratamento da dor moderada a QUAL A IMPORTÂNCIA DE
intensa no paciente com câncer, de prefe- INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS?
rência em uma abordagem multimodal, em
que outros fármacos possam ser associados A prevenção da ansiedade, e adoção de
para se obter efeito aditivo ou sinérgico. atitudes encorajadoras e a exposição clara,
mas polida, das situações clínicas, propostas
A MEDICINA FÍSICA E terapêuticas reduzem as incertezas e permi-
REABILITAÇÃO SÃO INDICADAS NO tem melhor aderência ao tratamento e maior
TRATAMENTO DA DOR NO CÂNCER? confiança nas atitudes terapêuticas. A orien-
tação sobre as estratégias físicas e o encora-
A medicina física proporciona conforto, jamento reduzem a ansiedade, o consumo de
corrige as disfunções físicas, normaliza as analgésicos e o período de tratamento e me-
propriedades fisiológicas e reduz a evitação lhoram a capacidade de o doente enfrentar
associada à mobilização ou à imobilização a dor. A psicoterapia de apoio individual ou
dos segmentos do corpo. Entre os procedi- em grupo, técnicas de relaxamento, biofeed-
mentos fisiátricos, destacam-se os meios fí- back, hipnose e estratégias cognitivas são
sicos (termoterapia, massoterapia), os exer- também eficazes no tratamento da dor11.
cícios, a imobilização, a eletroanalgesia e a
acupuntura. Os exercícios passivos, ativos É POSSÍVEL USAR RADIOISÓTOPOS
assistidos e ativos resistidos melhoram a for- PARA O CONTROLE DA DOR?
ça e o trofismo9. As massagens e os exercí-
cios são utilizados para aliviar a dor e alon- O uso terapêutico de radioisótopos pro-
gar e resgatar o comprimento muscular e porciona melhora em cerca de 60% dos do-
tendíneo. O frio é indicado para reduzir a entes, com dor metastática óssea a resposta
resposta tecidual aguda traumática. O calor é radiologicamente completa em 33% dos
superficial é contraindicado na fase aguda casos. O samário89 e samário153 são os mais
de processos inflamatórios, traumáticos ou utilizados e indicados em casos de acometi-
hemorrágicos, discrasias sanguíneas, isque- mento ósseo difuso, situação em que radio-
mias teciduais e em doentes com hipoestesia terapia e bisfosfonados são também efica-
regional e com anormalidades cognitivas que zes. Radioterapia analgésica em dose única
dificultem o relato da ocorrência de queima- pode ser utilizada para tratar metástases ós-
duras. O ultrassom é eficaz no tratamento da seas, fraturas patológicas e acometimento
dor após procedimentos cirúrgicos e reabili- medular. Também pode ser utilizada em casos
tacionais, especialmente os ortopédicos; seu de doença extensa desde que se considere

100 perguntas chave em Dor 17


J.B. Garcia, et al.

o potencial da ocorrência de efeitos adversos caudal, duodenal e pelve renal, glândula


em tecidos sãos adjacentes12. suprarrenal e estruturas retroperitoniais).

QUAIS OS PROCEDIMENTOS Rizotomias


NEUROCIRÚRGICOS PARA DOR
E QUANDO INDICÁ-LOS? São indicadas nos casos de dor em áreas
restritas especialmente as localizadas na
Os procedimentos neurocirúrgicos antiál- face, crânio, região cervical, torácica e perine-
gicos estão indicados em casos em que os al. A rizotomia percutânea por radiofrequência
procedimentos não invasivos não proporcio- do nervo trigêmeo ou do glossofaríngeo é
naram melhora sintomática satisfatória ou eficaz para o tratamento respectivamente da
causam adversidades13,14. A interrupção dos dor na face, faringe, loja amigdaliana, base
aferentes primários deve ser prescrita para o da língua e orelha externa. A rizotomia cer-
tratamento da dor por nocicepção, as inter- vical, torácica ou sacral são indicadas para
venções neurocirúrgica psiquiátricas quando dores restritas às regiões superficiais do cor-
há anormalidades psíquicas (depressão, an- po e a poucos dermatômeros.
siedade), a estimulação elétrica do sistema
supressor em casos de dor neuropática e o Lesão do trato de Lissauer e do
implante de dispositivos para infusão de corno posterior da medula espinal
opioides com adjuvantes no compartimento
liquórico quando ocorrem efeitos colaterais É indicada no tratamento das síndromes
com a terapia sistêmica. álgicas neuropáticas (dor no membro fantas-
ma, a dor resultante de neuropatias plexulares
Procedimentos neuroablativos actínicas, oncológicas ou traumáticas, neuro-
patias por herpes-zóster, dor mielopática).
A neurotomia do nervo pudendo é eficaz
para o tratamento da dor perineal, a neuro- Cordotomias
tomia dos nervos occipitais é útil para a dor
na região occipital, a do nervo gênito-femo- Indicados para o tratamento da dor on-
ral está indicada em casos de neuralgia do cológica que acomete unilateralmente os
nervo gênito-femoral, a do femorocutâneo membros inferiores, hemiperíneo, hemiab-
em casos de meralgia parestésica, a do ner- dôme, hemitórax e membros superiores. A
vo ciático menor em casos de neuralgia des- cordotomia cervical deve ser evitada em do-
ta estrutura e a dos nervos recorrentes pos- entes com insuficiência respiratória. É reco-
teriores para tratamento da lombalgia, mendado quando há indicação de cordoto-
cervicalgia e dorsalgia15. mia bilateral, intervalo de, pelo menos três
semanas, entre ambos os procedimentos16.
Simpatectomias
Hipofisectomia
Estão indicadas para o tratamento da dor
visceral da cavidade abdominal, pélvica ou to- Proporciona alívio da dor de doentes com
rácica. A neurectomia do nervo hipogástrico dor causada por neoplasias dependentes de
inferior visa ao tratamento da dor visceral pél- hormônio (mama, próstata, endométrio),
vica, a neurólise do plexo celíaco é eficaz para como também em casos de neoplasias não
o tratamento da dor visceral do abdome ros- dependentes da atividade hormonal ou neu-
tral (pancreática, gástrica, hepática, esofágica ropática17.

18 100 perguntas chave em Dor


Câncer e dor

Dispositivos para a administração confusão/delírio e depressão. Nos pacientes


de fármacos analgésicos no sistema com câncer, a intensidade, a complexidade, a
nervoso central mutabilidade dos sintomas e o impacto indi-
vidual e familiar gerado são de difícil resolu-
O implante de câmaras carregáveis com ção se não houver intervenção especializada.
agentes analgésicos e conectados por cate- Neste sentido, os CPs representam um
teres ao compartimento peridural ou suba- modelo de assistência, definido pela OMS
racnoideo espinal ou ventricular encefálico é como uma abordagem que promove a qua-
indicada quando a dor torna-se refratária à lidade de vida dos pacientes e seus familia-
administração sistêmica de opióides, resul- res, que enfrentam doenças que ameaçam a
tou em desenvolvimento de tolerância, per- continuidade da vida, através da prevenção
da de eficácia ou na ocorrência de efeitos e o alívio do sofrimento. Pela primeira vez,
colaterais incontroláveis. O sulfato ou clori- uma abordagem inclui a espiritualidade e a
drato de morfina, o tramadol, a fentanila, a família na dimensão do cuidado, que deve
buprenorfina, a clonidina, a somatostatina, ser iniciado desde o diagnóstico do câncer,
a calcitonina, o baclofeno e a ziconotida são se estendendo após a morte do paciente, no
os agentes mais utilizados. A infusão espinal período do luto. Em 2002, a OMS reafirmou
é ideal para o tratamento da dor no tronco, os princípios que regem a atuação da equipe
membros inferiores e períneo e a intraven- multiprofissional nos CPs: promover o alívio
tricular quando a de dor localiza-se nos seg- da dor e de outros sintomas desagradáveis;
mento craniano, cervical ou braquia18. afirmar a vida e considerar a morte como
um processo normal da vida; não acelerar
QUAIS SÃO OS CUIDADOS nem adiar a morte; integrar os aspectos psi-
PALIATIVOS PARA PACIENTES cológicos e espirituais no cuidado; oferecer
COM CÂNCER? suporte que possibilite o paciente viver tão
ativamente quando possível, até sua morte;
Os cuidados paliativos (CPs) não são in- oferecer suporte para auxiliar os familiares
dicados pelo diagnóstico, mas pela evolução durante a doença e o enfrentamento do luto;
da doença e necessidades do doente, tendo melhorar a qualidade de vida influenciando
como base para tomada de decisões, a ava- positivamente o curso da doença, devendo
liação de desempenho funcional por meio da ser iniciado o mais precocemente possível20.
Palliative Performance Scale (PPS) (Tabela 1). Portanto, os tratamentos curativos e palia-
Estudos demonstraram que 90% dos pa- tivos não são excludentes, podendo-se ofere-
cientes com PPS igual a 50% não têm so- cer ao paciente com câncer uma melhor qua-
brevida superior a 6 meses, estando, nestes lidade de atenção desde o início da doença e
casos, indicado o acompanhamento ativo des- contribuindo significativamente para reduzir a
ses pacientes por equipe de CP. A fase final morbidade e a mortalidade no câncer21.
da vida coincide com PPS em torno de 20%19.
No entanto, as doenças que mais frequen- A “DOR TOTAL” DO PACIENTE
temente necessitam de CP são oncológicas, ONCOLÓGICO É UM CUIDADO
a AIDS, doenças cardiovasculares, neurológi- PALIATIVO ESPECIALIZADO?
cas e outras insuficiências terminais de ór-
gãos, rapidamente progressivas. As caracte- Segundo Dame Cicely Saunders, funda-
rísticas próprias destas doenças tornam mais dora do movimento Hospice, o CP é dirigido
frequente a existência de sintomas, como ao alívio do sofrimento e da “dor total”. Ter-
dor, astenia, anorexia, náuseas, dispneia, mo por ela introduzido na década de 1970,

100 perguntas chave em Dor 19


J.B. Garcia, et al.

Tabela 1. Palliative Performance Scale (PPS)

% Deambulação Atividade e evidência da doença Autocuidado Ingesta Nível de


consciência

100 Completa Atividade normal; Completo Normal Completa


sem evidência

90 Completa Atividade normal; alguma Completo Normal ou Completa


evidência reduzida

80 Completa Atividade normal com esforço; Completo Normal ou Completa


alguma evidência reduzida

70 Reduzida Incapaz para trabalho. Completo Normal ou Completa


Doença significativa reduzida

60 Reduzida Incapaz para hobbies e trabalho Assistência Normal ou Completa ou


doméstico. ocasional reduzida períodos de
Doença significativa confusão

50 Maior tempo Incapacitado para qualquer Assistência Normal ou Completa ou


sentado ou trabalho. Doença extensa considerável reduzida períodos de
deitado confusão

40 Maior parte do Incapaz para maioria das Assistência Normal ou Completa/


tempo acamado atividades. Doença extensa quase reduzida sonolência ±
completa confusão

30 Totalmente Incapaz para qualquer atividade. Dependência Normal ou Completa/


acamado Doença extensa completa reduzida sonolência ±
confusão

20 Totalmente Incapaz para qualquer atividade. Dependência Mínima a Completa/


acamado Doença extensa completa pequenos sonolência ±
goles confusão

10 Totalmente Incapaz para qualquer atividade. Dependência Cuidados Confuso ou


acamado Doença extensa completa com a coma ±
boca confusão

0 Morte – – – –
Adaptado de Victoria Hospice Society4

descrevendo todos os aspectos que rodeiam família, considerando o paciente e não o


a dor no paciente com câncer, sintoma que câncer como o verdadeiro centro da aten-
significativamente afeta a qualidade de vida ção, trabalhando com uma equipe multipro-
na terminalidade, constituindo um fator im- fissional e interdisciplinar, oferecendo uma
portante do sofrimento relacionado com a resposta rápida e efetiva23.
doença, mesmo quando comparado à ex-
pectativa de morte22. Saunders estabeleceu COMO CONTROLAR AS MUCOSITES
três princípios essenciais para atingir os ob- DECORRENTES DO TRATAMENTO
jetivos dos CPs nestes pacientes, que são DO CÂNCER?
controle dos sintomas, destacando-se a dor
total; apoio psicossocial e espiritual, além da A mucosite é considerada a complicação
comunicação contínua com doente e sua não hematológica mais frequente e dose-

20 100 perguntas chave em Dor


Câncer e dor

-limitante do tratamento antitumoral. Carac- 7. Eisenberg E, Marinangearinli F, Birkhahn J, Paladini A,


Varrassi G. Time to modify WHO analgesic ladder? Pain
terizada por eritema, ulcerações dolorosas Clinical Updates. 2005;Vol XIII, No 5.
frequentemente na mucosa bucal, que inter- 8. Minson F, Garcia JB, Oliveira Júnior JO, et al. II Consenso
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100 perguntas chave em Dor 21


Capítulo 4

Cefaleia e dor orofacial

J.G. Speciali, N.R.P. Fleming, E. Grossmann e S.R. Dowgan Tesseroli de


Siqueira

EPIDEMIOLOGIA DAS CEFALEIAS prevalência das cefaleias ao longo da vida,


ela sobe para 66%, a da migrânea para 14%,
Cefaleia é o sintoma neurológico mais a da CTT para 46% e da CCD para 4%.
prevalente e ocorre em quase todas as pes- A migrânea é mais prevalente na Europa e
soas durante suas vidas. Na maioria das vezes na América do Norte do que na África (Fig. 1),
ela não é uma ameaça à vida, mas leva à enquanto que a prevalência da CTT parece
perda da qualidade de vida. Assim são as ser mais prevalente na Europa (80%) do que
cefaleias primarias como a migrânea e a cefa- na Ásia e nas Américas (20 a 30%). A maior
leia do tipo tensional (CTT), porém as cefaleias prevalência de CTT foi encontrada na Dina-
podem ser secundárias a doença graves que marca, 86%, mas em 56% deles, a cefaleia
ameaçam a vida, como as que acompanham é infrequente, sem grandes prejuízos para
os tumores cerebrais, meningites e aneuris- suas vidas e sem a necessidade de acompa-
mas, etc. As cefaleias primárias são muito nhamento médico.
prevalentes nas populações. Dados populacionais sobre as CCDs não
A migrânea é a nona doença neurológica são encontrados com facilidade na literatu-
que mais custos traz aos seus sofredores, ra. Presença de cefaleia diária sempre levan-
familiares e sociedade. Considerando o sexo ta a suspeita de cefaleias secundárias, espe-
feminino, ela é a terceira. cialmente por uso abusivo de analgésicos,
A CTT é a cefaleia primária mais preva- particularmente, triptanas, ergóticos e opio-
lente. A migrânea é a segunda cefaleia mais ides. Ela é mais comum na América Central
prevalente; no entanto, é a mais incapaci- e na América do Sul e menos comum na
tante por causa da intensidade da dor e da África (5, 5 e 1,7% respectivamente).
presença dos sintomas associados. A CTT, A proporção de homens para mulheres
pela sua elevada prevalência, é a de maior para a migrânea varia de acordo com a faixa
ônus para uma população, de acordo com a etária considerada, de 1:2 à 1:3. Nas crianças
Organização Mundial da Saúde (OMS). menores, há mais meninos com migrânea do
A prevalência global das cefaleias é esti- que meninas, e essa proporção se inverte a
mada em 47%, a da migrânea 10% e a da partir da pré-puberdade.
CTT é 38%. A prevalência das cefaleias diá- Para a CTT, a proporção de homens para
rias ou quase diárias (cefaleia crônica diária mulheres é de 4:5. Para ambos os sexos, o
[CCD]) é estimada em 3%. Parte das CCDs pico de prevalência da CTT está entre os 30 e
é primária e parte é cefaleia secundária ao 39 anos. A prevalência de todas as cefaleias
abuso de analgésicos. Se considerarmos a diminui com a idade a partir dos 40 anos.

100 perguntas chave em Dor 23


J.G. Speciali, et al.

14,710 13,311
12,212
22,335 8,436
11,714 13,223
5,934
11,622

10,026
14,015 7,733
23,225 9,628
11,613 16,727 9,032
8,516 14,325 10,2 37
10,07
8,57
13,529
12,67 10,129
9,3
7
24,624
8,2 7 3,032
16,37
5,318 5,031

7,320 5,07

Figura 1. Prevalência mundial das migrâneas (adaptado de Jensen, 20081).

A prevalência da migrânea no Brasil2 é de FISIOPATOLOGIA E CLÍNICA


15,2%; da CTT, 13,0%, e de CCD, 6,9%. DA MIGRÂNEA
Migrânea é 2,2 vezes mais prevalente em
mulheres e 1,5 vez mais prevalente nas pes- Migrânea é uma desordem neurovascular
soas com mais de 11 anos de escolaridade. incapacitante caracterizada principalmente
Sua prevalência é 1,59 vez maior nos indiví- por cefaleia pulsátil unilateral e por uma sé-
duos com renda familiar menor que cinco rie de sintomas neurológicos, incluindo hi-
salários mínimos e 1,43 vez maior em pesso- persensibilidade a luz, som e odor; náusea e
as que não fazem exercícios físicos regulares. uma variedade de distúrbios autonômicos,
A prevalência da CTT no Brasil2 é 1,62 vez cognitivos, emocionais e motores. Embora o
maior nos homens do que nas mulheres; início da crise de migrânea esteja frequente-
portanto, contraria estatísticas globais. É mente associado à ampla variedade de gati-
1,54 vez maior em indivíduos com mais de lhos externos e internos, tais como estresse,
11 anos de escolaridade. flutuação hormonal, distúrbio do sono, pular
A CCD no Brasil2 é 2,4 vezes mais preva- refeição e sobrecarga sensorial, seus meca-
lente em mulheres, 1,72 vez maior em de- nismos neurais e vasculares ainda permane-
sempregados, 1,63 vez maior em indivíduos cem sem elucidação. Evidências científicas
com renda familiar ≥ 10 salários mínimos e suportam que a fisiopatologia da migrânea
2 vezes maior em pessoas que não fazem envolve alterações genéticas da excitabilida-
exercícios físicos regulares. de neuronal, dilatação arterial intracraniana,

24 100 perguntas chave em Dor


Cefaleia e dor orofacial

ativação recorrente e sensibilização da via sintomas e totalmente reversíveis: visual,


trigeminovascular. Consequentemente, have- sensitivo, fala e ou linguagem. A aura visual
ria alterações estruturais e funcionais nos in- é a mais comum ocorrendo em mais de 90%
divíduos geneticamente suscetíveis. As evi- dos pacientes, com a característica de espec-
dências da alteração na excitabilidade cerebral tro de fortificação: figura em zig zag próxi-
provêm de investigações clínicas e pré-clínicas mo a um ponto ou fixo que pode espraiar
de auras sensitivas, hipersensibilidade ictal e gradualmente para a direita ou para a es-
interictal à estimulação visual, auditiva e olfa- querda, assumindo uma forma convexa late-
tiva, além da ativação reduzida das vias inibi- ral com borda angulada cintilante, levando
tórias descentes de dor. Os dados que supor- a grau absoluto ou variável de escotoma em
tam a ativação e a sensibilização do sistema seu rastro4. Seu desenvolvimento é gradual,
trigeminovascular incluem o desenvolvimen- e a duração de cada sintoma não é maior do
to progressivo da alodinia cutânea cefálica e que 1h, misturando características positivas
em todo o corpo durante a crise de migrânea. e negativas e completamente reversíveis.
Além disso, as alterações estruturais e fun- Seguir tais critérios é fundamental e básico
cionais incluem lesões na substância branca para diagnosticar a síndrome álgica cefálica do
subcortical, afinamento de áreas corticais indivíduo e dessa forma tratá-la corretamente.
envolvendo o processamento da informação
sensitiva e alterações neuroplásticas corticais O QUE É CEFALEIA CRÔNICA?
induzidas pela depressão alastrante cortical.
Há dados anatômicos recentes sobre a via Cefaleia crônica (CC) é aquela que ocorre
trigeminovascular e sua ativação pela depres- em 15 ou mais dias por mês e por mais do que
são alastrante, um novo conhecimento do 3 meses4. Com essa frequência encontramos
substrato neural da fotofobia da migrânea e a migrânea crônica (MC), cefaleia tipo ten-
da modulação da via trigeminovascular pelo sional crônica (CTTC), hemicrania contínua,
tronco cerebral, hipotálamo e córtex3. cefaleia persistente diária desde o início e
Sob o ponto de vista clínico, segundo os cefaleia por uso excessivo de medicação
critérios da International Headache Society (CEM), ICHD-3 β. Segundo Scher, 20085, os
(IHS) 2013 – versão β (ICHD-3 β)4, a migrânea subtipos mais comuns são: MC e CTTC. Em
pode ser dividida em dois subtipos principais: relação à frequência da dor, temos a seguin-
migrânea sem aura e com aura. A migrânea te distribuição: frequente, mas não diária em
sem aura tem como critérios diagnósticos a 68% dos pacientes com CC, diária em 15%
ocorrência de cinco ataques prévios de dor, e contínua em 17% Essa cefaleia contínua
com duração de 4 a 72h e com pelo menos ocorre mais em idosos e naqueles que têm
duas das seguintes características: localização CC há mais tempo e geralmente são cefaleias
unilateral, qualidade pulsátil, intensidade que não preenchem critérios diagnósticos de
moderada a forte e com agravamento por cada tipo supracitado5.
atividade física rotineira. Associada a um ou
mais dos seguintes sintomas: náuseas ou vô- CRONIFICAÇÃO DA MIGRÂNEA
mitos e/ou fotofobia e fonofobia.
A aura é caracterizada primariamente por Haveria uma progressão da migrânea6 des-
sintomas neurológicos focais transitórios que de sem migrânea, passando para episódica
usualmente precedem ou, algumas vezes, com baixa frequência, seguindo-se de migrâ-
acompanham a cefaleia. A aura típica tem nea episódica com alta frequência evoluindo
como critério a ocorrência de pelo menos até a MC. Essa transformação é geralmente
duas crises com um ou mais dos seguintes gradual, em vários meses ou anos, pode ser

100 perguntas chave em Dor 25


J.G. Speciali, et al.

amenizada e não é irreversível. As remissões pacientes com cefaleia primaria, especialmen-


espontâneas ou induzidas são possíveis e te migrânea, desenvolvem CC com o uso
comuns. A transformação ocorre em alguns, regular de medicação analgésica A CC não
mas não em todos os pacientes com migrâ- é somente mais uma cefaleia; é diferente.
nea episódica (aproximadamente em 3% Haveria sensibilização dos neurônios noci-
desses pacientes). ceptivos centrais na via trigeminal, além das
Os fatores de risco para cronificação po- células da substância cinzenta periaquedutal
dem ser não modificáveis, tais como a idade, (SCP). Nos pacientes com CC, o uso exces-
sendo mais comum em adultos, gênero fe- sivo de fármaco está associado significativa-
minino (2:1), ter baixo nível socioeconômico mente a polimorfismo funcional específico
e estado civil, em que os casados teriam no receptor D4 de dopamina e nos genes
menor risco. Já como fatores de risco para que decodificam o transportador da dopa-
cronificação modificáveis há o abuso de mina, sugerindo que os CEM carregam uma
analgésicos (CEM)7, distúrbio do sono (ronco predisposição genética substancial7.
e apneia do sono), transtornos psiquiátricos
(depressão maior, transtorno do pânico, an- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
siedade e fobia social), obesidade, outras ENTRE ODONTALGIA TÍPICA,
dores musculoesqueléticas, trauma cervical ODONTALGIA ATÍPICA E DOR
ou craniano e uso de cafeína5. FACIAL ATÍPICA: PAPEL DA DOR
A CEM é uma interação entre um agente DE DENTE REFERIDA
terapêutico usado de maneira excessiva e
um paciente suscetível. O uso excessivo é A dor de dente pode ser caracterizada
definido em termos de dias de tratamento como a dor que emana dos dentes e suas
por mês. Segundo a ICHD-3 β4, o número estruturas de suporte. É resultado de doen-
de dias necessários para induzir esta cefaleia ças como cárie dentária, trauma ou doença
seria de ≥ 10 dias por mês de forma regular periodontal e é considerada a principal causa
por ≥ 3 meses para ergotamina, triptanos, de cefaleia secundária de origem orofacial10.
opioides, combinação de medicamentos (anal- A etiologia é em geral infecciosa e inflamatória
gésicos + opioides, butalbital e/ou cafeína); e causa intensa sensibilização secundária11.
≥ 15 dias por mês de forma regular por ≥ 3 Apresenta característica visceral, sendo, por-
meses para analgésicos; uso de forma regular tanto, frequentemente difusa e causa de dor
por ≥ 3 meses para outras medicações. referida, o que a inclui nos diagnósticos di-
Como parte do Estudo Americano da ferenciais de diversas cefaleias. Dor na face
Prevalência e Prevenção da Migrânea (AMPP), e nos dentes pode não ser odontogênica e
os autores concluíram que pacientes com caracterizar odontalgia atípica e dor facial
migrânea episódica evoluem para CC após atípica, destacando-se o caráter neuropáti-
o ajuste das covariáveis com qualquer uso co. Dores dentárias odontogênicas podem
de barbitúricos e opiáceos, enquanto com os associar-se a estes diagnósticos e devem ser
triptanos não o foram. Os anti-inflamatórios identificadas12. Seu tratamento inclui proce-
não esteroides (AINEs) foram protetores ou dimentos operatórios da prática odontológi-
indutores dependendo da frequência da ce- ca. Dores dentárias não odontogênicas
faleia8. O atraso entre a primeira tomada do (odontalgia atípica e dor facial atípica) são
remédio e o desenvolvimento da cefaleia é classificadas como dor facial idiopática per-
menor para os triptanos (1-7 anos), maior sistente e são identificadas como condições
para ergotamina (2-7 anos) e ainda maior de exclusão4. Seu tratamento inclui fármacos
para os analgésicos (4-8 anos)9. Somente os (antidepressivos tricíclicos, neurolépticos, etc.),

26 100 perguntas chave em Dor


Cefaleia e dor orofacial

laser de baixa potência, acupuntura, estimu- A exploração da fossa posterior na ne-


lação magnética transcraniana e cirurgia em vralgia do trigêmeo tem demonstrado que
casos específicos. Cuidados orais são neces- muitos pacientes, possivelmente a maioria
sários, especialmente pelos efeitos colaterais deles, apresentam compressão da raiz trige-
dos medicamentos na boca, o que pode minal por vasos tortuosos ou aberrantes.
agravar a dor e faz necessário o acompanha- O diagnóstico se baseia, essencialmente,
mento odontológico13. nas características clínicas, pois os exames
clínico e neurológico são invariavelmente
NEURALGIA DO TRIGÊMEO normais, podendo haver hiperestesia local
É UMA DOENÇA PARA A VIDA no ramo acometido.
TODA? COMO TRATÁ-LA? A neuralgia do trigêmeo pode ser sintomá-
tica. Se alguma anormalidade no exame for
A neuralgia do trigêmeo é a neuralgia encontrada (hipoestesia na face ou diminuição/
facial mais comum e uma das causas mais abolição do reflexo corneano, por exemplo),
frequentes de dor facial recorrente. Sua pre- devem-se considerar diagnósticos subjacentes,
valência é de 155/1.000.000. Relação mulher/ tais como tumor de fossa posterior, esclerose
homem 1,6:1. Ocorre especialmente entre a múltipla, neuralgia pós-herpética, neuralgia
sexta e sétima décadas de vida. A história do glossofaríngeo. Exames de neuroimagem
natural da neuralgia do trigêmeo é variável. devem ser solicitados nesses casos. Disfunções
Remissões permanentes são raras, mas a da articulação temporomandibular e dor facial
maioria dos pacientes experimenta períodos atípica podem produzir um padrão de dor mui-
assintomáticos que podem durar seis meses to parecido com a neuralgia do trigêmeo17.
ou mais. Pensamos que essa frase responde O tratamento farmacológico é a primeira
uma parte da questão proposta no título abordagem e apresenta uma boa eficácia em
acima. cerca de 80% dos pacientes. Essa eficácia
A neuralgia trigeminal é um distúrbio inicial, no entanto, diminui cerca de 50% em
unilateral doloroso da face, caracterizado 3 a 5 anos. Uma vez obtido o controle da
por crise de dor forte, do tipo choque, lan- dor, deve-se iniciar a diminuição gradativa
cinante, em punhalada ou em queimação, da medicação, retornando-se à dose anterior
limitada à distribuição de uma ou mais divi- se a dor reaparecer. Alguns pacientes só me-
sões do nervo trigêmeo. A dor é geralmente lhoram com associação de fármacos.
desencadeada por estímulos triviais, como A carbamazepina/oxcarbazepina são fár-
lavar-se, barbear-se, fumar, falar e escovar os macos de primeira escolha. Quando há me-
dentes (zonas de gatilho), mas a dor tam- lhora do quadro clínico, confirma-se o diag-
bém pode ocorrer espontaneamente. Logo nóstico. Apresenta eficácia inicial de até 90%
após um ataque, existe um período refra- com a maioria dos pacientes. A dose diária
tário – estímulos não desencadeiam crise. inicial é de 400 a 600 mg, podendo chegar
Os ataques duram menos de dois minutos, a 1.200 mg. A eficácia inicial, no entanto,
embora possam ocorrer em rápida sucessão, cai para 30 a 40% em 5 anos. Outras medi-
por horas. cações incluem clonazepam (1,5 a 8 mg/dia),
Afeta mais frequentemente os ramos gabapentina (até 3.600 mg/dia) e pregaba-
maxilar e mandibular. O primeiro ramo (of- lina (até 600 mg/dia)14-16.
tálmico) é raramente acometido (cerca de Se o tratamento farmacológico não con-
4%) e o envolvimento dos três ramos ao trola os sintomas adequadamente, devem ser
mesmo tempo ocorre em apenas 1% dos considerados os procedimentos cirúrgicos,
pacientes. Raramente são bilaterais14-16. percutâneos ou abertos.

100 perguntas chave em Dor 27


J.G. Speciali, et al.

As intervenções percutâneas, apesar de DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR:


apresentarem um maior risco de disestesia CONJUNTO DE DOENÇAS?
facial, se associam a uma menor morbidade
e mortalidade e têm um custo menor que os Dentre as cefaleias secundárias orofa-
procedimentos cirúrgicos abertos. A gangli- ciais, as disfunções temporomandibulares
ólise percutânea por radiofrequência, inje- (DTM) são o segundo grupo mais prevalen-
ção de glicerol ou compressão por balão te20. Trata-se de um conjunto de condições
apresenta uma eficácia inicial próxima de relacionadas a vários problemas clínicos en-
100%, que cai a 50 a 70% em 5 anos. As volvendo a musculatura mastigatória, a arti-
complicações mais frequentes são parestesia culação temporomandibular ou ambas as
(15-50%); anestesia dolorosa (2-3%); anes- estruturas20. As DTM raramente apresen-
tesia da córnea com risco de ceratite (1-8%) tam-se como entidade única; frequente-
e paresia do masseter15,16. mente há superposição de sintomas e as
Os procedimentos cirúrgicos abertos in- etiologias são multifatoriais. Elas, em grande
cluem a descompressão microvascular. Mais parte das vezes, encontram-se associadas a
recentemente, a radiocirurgia com gammak- outras síndromes álgicas faciais, inclusive de
nife tem sido empregada com sucesso para origem neuropática21. Entre essas, a neural-
o tratamento da neuralgia do trigêmeo. gia idiopática do trigêmeo (NIT), neuralgia
Tem a vantagem de ser uma técnica não pós-herpética (NPH), SAB e as neuropatias
invasiva18. pós-traumáticas (NPT), entre outras, são fre-
Em todos os procedimentos cirúrgicos, a quentemente diagnosticadas. O tratamento
recidiva pode ocorrer exigindo uma nova in- das DTM inclui fármacos, fisioterapia, dispo-
tervenção. sitivos interoclusais, estimulação elétrica
transcutânea, acupuntura e cirurgias nos
O QUE É SÍNDROME casos bem indicados.
DA ARDÊNCIA BUCAL?
O QUE CARACTERIZA A SÍNDROME
Síndrome da ardência bucal (SAB) é a DE DOR E A DISFUNÇÃO
queixa de queimação ou ardor bucal, geral- MIOFASCIAL E QUAIS SÃO AS
mente constante, na ausência de causas pri- ABORDAGENS EMPREGADAS?
márias que justifiquem o desconforto19. Sua
prevalência é de 0,7 a 18% da população Caracteriza-se pela presença de pontos-
adulta, sendo que os indivíduos mais afeta- -gatilho miofasciais (PGM) que são áreas
dos são mulheres na pós-menopausa, com sensíveis que se localizam em qualquer mús-
idade entre 45 e 60 anos. As causas primá- culo esquelético do corpo. Esses são capazes
rias de ardor bucal incluem diabetes, infec- de determinar uma dor local, ou referida.
ções orais, deficiências vitamínicas e doenças Dividem-se em três tipos básicos: latentes,
reumatológicas, entre outras. A SAB é idio- ativos e satélites O primeiro só é dolorido à
pática e é atualmente classificada como neu- palpação e produz dor local. Os outros dois
ropática10. Seu tratamento apresenta como tipos reproduzem uma dor referida esponta-
medicação de escolha o clonazepam. Diversas neamente, ou à palpação, além de poderem
medicações tópicas podem ser utilizadas, po- produzir um quadro clínico de disautonomia.
rém os cuidados locais e o acompanhamento O último PGM encontra-se localizado, nor-
odontológico são essenciais para o controle malmente, na área de dor referida, o que gera
de morbidades associadas, que comprome- dificuldades no seu diagnóstico e tratamen-
tem a eficácia terapêutica em geral13. to. Quanto à etiologia, essa é multifatorial22.

28 100 perguntas chave em Dor


Cefaleia e dor orofacial

O exato mecanismo envolvido na formação presentes nesses pacientes. A decisão de-


de um PGM não está totalmente compreen- pende do correto diagnóstico, do insucesso
dido. Esse decorre, possivelmente, de uma da resposta clínica inicial, do tipo de patolo-
disfunção neuromuscular envolvendo anor- gia associada, de exames laboratoriais e de
malidades sensoriais e motoras, acometendo imagem, quando bem indicados, como to-
tanto o sistemas nervoso central quanto o mografia computadorizada e ressonância
periférico23. Postula-se que o PGM decorre magnética nuclear e do grau de limitação
de um trauma no retículo sarcoplasmático, que esse problema gera no indivíduo. Con-
resultando na liberação de íons de cálcio. Na traindica-se a CATM em casos de pressão ou
presença de trifosfato de adenosina (ATP), o bruxismo noturno incontrolável, em pacien-
cálcio livre poderá ativar o mecanismo de tes com processo legal em andamento, em
contratibilidade do complexo actina-miosi- casos em que não se consigam controlar
na, levando a uma mudança no comprimen- adequadamente os fatores musculares e por
to do sarcômero e, consequentemente, a um razões preventivas. As técnicas empregadas
encurtamento muscular seguido por uma podem ser minimante invasivas, como a de
hipertonia muscular localizada, resultando viscossuplementação com hialuronato de só-
em um PGM24. O meio de identificação mais dio28, artrocentese com uma ou mais agu-
frequente é a palpação mono ou bidigital, lhas ou com o emprego de cânulas. As mais
além do uso de termografia25, de imagem invasivas incluem artroscopia com ou sem
por ultrassom com ou sem elastografia e ancoragem do disco, ancoragem do disco,
ressonância magnética elastográfica26. Não com âncoras metálicas ou reabsorvíveis, dis-
há consenso na literatura de qual é a melhor cectomia, condilectomias alta ou baixa e
forma de tratamento para a síndrome de dor prótese de ATM. As condições primárias que
e disfunção miofascial, e diferentes terapêu- impõem um procedimento cirúrgico são os
ticas têm sido sugeridas. Pode-se empregar casos de neoplasia benigna ou maligna que
calor profundo, como ultrassom, laser, spray produzem dor e/ou limitação da abertura e
vapocolante à base fluorclorometano, cor- de lateralidade da mandíbula, além de assi-
rentes elétricas, acupuntura, agulhamento metria esqueléticas e/ou dentárias, ou que
seco, laserterapia, dispositivos interoclusais, possam levar a óbito; presença de corpo
infiltração anestésica sozinha ou combinada estranho intra-articular29; anquilose óssea,
com compressão isquêmica e infiltração com ou fibrosa e deslocamento do disco sem re-
toxina botulínica-A22,26,27. dução com adesividades. Secundariamente,
pode-se também indicar a cirurgia nos casos
QUAIS AS INDICAÇÕES PARA de condições inflamatórias que afetam as
A CIRURGIA DA ARTICULAÇÃO ATMs, artrites, em fraturas do processo con-
TEMPOROMANDIBULAR dilar, agenesia da cabeça mandibular e nos
E AS TÉCNICAS EMPREGADAS casos de deslocamento mandibular crônico.
NA ATUALIDADE? É vital compreender não apenas quando a
cirurgia é ou não é indicada para o manejo
A cirurgia da articulação temporomandi- de certas disfunções da ATM, mas também
bular (CATM) é um procedimento de exce- qual é o melhor procedimento para tratar um
ção e não de eleição nas DTM. Deve ser determinado paciente em particular. Infeliz-
empregada em casos muito bem seleciona- mente, ainda não existem estudos na litera-
dos, devido às possíveis complicações poten- tura bem desenhados e randomizados para
ciais, além de fatores contribuintes compor- as diferentes abordagens cirúrgicas da ATM.
tamentais e psicossociais que podem estar Em vista disso, deve-se agir com cautela,

100 perguntas chave em Dor 29


J.G. Speciali, et al.

preferindo-se técnicas mais conservadoras, 15. Gronseth G, Cruccu G, Alksne J, et al. Practice parameter:
the diagnostic evaluation and treatment of trigeminal
minimamente invasivas, até que haja melho- neuralgia (an evidence-based review): report of the Quality
res evidências para optar por uma ou mais Standards Subcommittee of the American Academy of
Neurology and the European Federation of Neurological
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30 100 perguntas chave em Dor


Capítulo 5

Dor aguda em traumatismos


e após cirurgias

I.P. Posso, R.M. Romanek e R. Awade

O QUE É DOR AGUDA? tratamento adequado da dor aguda pós-


-operatória3,4.
Dor aguda é uma dor de curta duração
que dura desde alguns segundos até sema- O QUE É ANALGESIA MULTIMODAL
nas e se caracteriza por um caráter de alerta E COMO ELA DEVE SER USADA
e proteção, de início súbito, de fácil locali- NO TRATAMENTO DA DOR AGUDA?
zação e duração previsível1-3.
A terapia antálgica deve ser sempre mul-
POR QUE A DOR DEVE SER timodal, com a associação de dois ou mais
CONSIDERADA O 5.º SINAL VITAL? agentes ou técnicas analgésicas periféricas
ou centrais, incluindo os métodos não far-
A avaliação da dor como 5.º sinal vital é macológicos, pois o sinergismo existente
descrita pela agência Americana de Pesquisa entre os fármacos e as técnicas analgésicas
e Qualidade em Saúde Pública e a Sociedade permite usar menor quantidade de fárma-
Americana de Dor, devendo ser registrada ao cos, minimizando seus efeitos adversos e
mesmo tempo com os outros sinais vitais. aumentando a sua atividade analgésica.
A dor deve ser avaliada juntamente com Sempre que for possível e necessário, os
os outros quatro sinais vitais, sendo anotada fármacos e as técnicas que tenham efeito
na ficha de evolução do paciente, em inter- sinérgico farmacocinético ou farmacodinâ-
valos regulares, geralmente a cada 6h. mico no alívio da dor pós-operatória devem
Considerar a dor como 5.º sinal vital é uma ser associados, permitindo o uso mais racio-
maneira de melhorar a qualidade do atendi- nal, com menores doses dos fármacos e me-
mento do paciente, facilitando a avaliação da nos efeitos adversos.
mesma e o seu controle mais adequado, pois A analgesia multimodal pode ser realiza-
se a dor for avaliada rotineiramente, com da em qualquer parte da via dolorosa: na
certeza seu tratamento será otimizado1,2. periferia, com o uso de coxibes, de anti-in-
flamatórios não esteroides (AINEs) e de anes-
É POSSÍVEL PREVENIR A tésicos locais, que vão reduzir a intensidade
CRONIFICAÇÃO DA DOR PÓS- da inflamação e da sensibilização periférica;
OPERATÓRIA? na via de condução, com o uso de anestésicos
locais, que vão bloquear o influxo de estímu-
Sim, é possível prevenir a cronificação los ao sistema nervoso central; na medula,
da dor após muitas das operações com o com o uso de opioides espinhais, anestésicos

100 perguntas chave em Dor 31


I.P. Posso, et al.

locais, clonidina e cetamina, que vão modular quarto degrau estão os métodos minima-
a entrada do estímulo, e finalmente nos cen- mente invasivos, como os bloqueios regionais.
tros superiores, com o uso de coxibes, AINEs, A dor aguda desce a escada analgésica, de-
opioides, cetamina e clonidina por via sistê- vendo o tratamento iniciar no terceiro ou no
mica. quarto degrau da escada com técnicas e fár-
Quando se considera o uso dos opioides macos mais potentes. Com o passar dos dias,
no alívio da dor, deve-se sempre lembrar que diminui a intensidade da dor, então se deve
eles produzem diversos efeitos indesejáveis. descer a escada passando a usar fármacos
O tratamento multimodal permite o uso de menos potentes e, finalmente, quando a dor
doses de opioides menores com diminuição estiver com pouca intensidade usar os fármacos
da incidência de efeitos indesejáveis. A anal- indicados no primeiro degrau da escada1,2.
gesia regional apresenta o melhor efeito em
termos de redução do consumo de opioides COMO USAR OS ANALGÉSICOS
e recuperação precoce, sendo boa prática no NÃO OPIOIDES NO TRATAMENTO
controle da dor a associação de alguma téc- DA DOR AGUDA?
nica regional, quando possível.
O tratamento multimodal é importante O paracetamol e a dipirona praticamen-
para acelerar a recuperação do paciente que te não apresentam atividade anti-inflama-
sofre dor de moderada ou grande intensida- tória, não sendo classificados como AINEs,
de. Deve ser realizado tratamento analgésico sendo, por muitos autores, classificados
efetivo, visando principalmente o alívio da dor como analgésicos não opioides, nome rela-
dinâmica, para permitir breve retorno da fun- tivamente vago, mas que ganhou um certo
ção normal. Devem ser usadas técnicas de destaque na literatura.
bloqueio neural, com anestésicos locais, A dipirona é um analgésico relacionado
para reduzir as respostas ao estresse, a des- aos AINEs, de ação periférica e central, tam-
saturação episódica noturna, as náuseas, bém utilizado por via parenteral, enquanto
vômitos e íleo paralítico, sendo feito o uso adi- que em nosso país o paracetamol é apresen-
cional de antieméticos e a redução do uso de tado apenas para uso oral ou retal.
opioides e benzodiazepínicos1,5,6. Os AINEs formam um grupo de analgési-
cos constituído pelos fármacos que inibem a
COMO UTILIZAR A ESCADA cicloxigenase 2 (COX-2) impedindo a síntese
ANALGÉSICA DA ORGANIZAÇÃO das prostaglandinas induzidas que são res-
MUNDIAL DA SAÚDE NO ponsáveis pelo processo inflamatório e dor.
TRATAMENTO DA DOR AGUDA? A classe é constituída pelos inibidores da COX-
2, também chamados de coxibes, que têm
A escada analgésica foi descrita pela Or- ação seletiva inibindo a COX-2, e pelos AINEs
ganização Mundial da Saúde (OMS) para o clássicos que inibem a COX-1 e a COX-2.
tratamento medicamentoso da dor do cân- A inibição da COX-1 é responsável pelos
cer, porém deve ser usada no tratamento da efeitos adversos decorrentes da inibição da
dor aguda. COX sobre a mucosa gástrica, a coagulação,
No primeiro degrau estão os analgésicos a função renal e o sistema cardiocirculatório.
não opioides e os adjuvantes. No segundo Os coxibes não causam efeitos adversos so-
degrau, se acrescentam aos analgésicos bre a mucosa gástrica e a coagulação.
não opioides e adjuvantes os opioides fra- Como princípios básicos a serem segui-
cos. No terceiro degrau, os opioides fracos dos para o emprego desses fármacos e para
são substituídos pelos opioides fortes. No aperfeiçoar a analgesia pós-operatória, os

32 100 perguntas chave em Dor


Dor aguda em traumatismos e após cirurgias

mesmos devem ser prescritos em intervalos aguda, devendo ser evitada a administração
regulares, mantendo o esquema horário, evi- em pacientes que apresentaram sangramen-
tando a analgesia de demanda, ou seja, evi- to intenso durante o período intraoperató-
tar administrar o analgésico apenas quando rio, pacientes hipovolêmicos, pacientes com
o paciente referir dor, preferir a administra- comprometimento renal prévio ou que te-
ção por via venosa, por não ser dolorosa e nham o sistema renina-angiotensina-aldos-
determinando níveis plasmáticos imediatos terona ativado previamente, como os hepa-
e regulares e utilizar analgesia balanceada topatas e cardiopatas. Nos idosos a dose e
ou multimodal. o período de administração devem ser dimi-
O inibidor da COX-2 parecoxibe e os AI- nuídos.
NEs clássicos ou tradicionais ocupam hoje Quando usados como fármaco único
lugar de destaque no tratamento da dor para o alívio da dor pós-operatória, os AINEs
pós-operatória, associados ou não a outros são efetivos para tratar dores de leve a mé-
fármacos usados por métodos sistêmicos ou dia intensidade1,6-8.
regionais. Quando usados como fármaco
único para o alívio da dor pós-operatória são COMO USAR OS ANALGÉSICOS
efetivos para tratar dores de leve a média OPIOIDES NO TRATAMENTO
intensidade. Apresentam os seguintes bene- DA DOR AGUDA?
fícios e limitações:
– Efeito poupador de opioides, pois possi- Os analgésicos opioides permanecem
bilitam usar menores doses de opioides, como o esteio do tratamento da dor aguda
sejam esses fracos ou fortes, com a redu- de moderada a forte intensidade. Devido à
ção dos efeitos adversos atribuíveis a esse sua janela terapêutica relativamente estreita,
outro grupo de fármacos, notadamente pois variações moderadas de dose podem
náuseas, vômitos e depressão respiratória. resultar em efeitos adversos e ao temor de
– Efeito-teto para a analgesia, pois apre- induzir depressão respiratória ou adição, os
sentam eficácia limitada como agentes opioides têm sido empregados em subdoses
únicos para tratar a dor decorrente de analgésicas ou em intervalos muito longos,
procedimentos cirúrgicos maiores. Neste ou seja, em posologia inadequada, determi-
caso, o aumento da dose do coxibe ou do nando um subtratamento da dor.
AINE clássico não se correlaciona com au- Na prática clínica, são classificados em
mento da analgesia, mas sim com o au- opioides fracos a codeína, o tramadol e a
mento da incidência de efeitos adversos. nalbufina, como opioides fortes a morfina,
– Presença de efeitos adversos decorrentes o fentanil, a metadona e a oxicodona. Nas
da inibição da COX-1 sobre a mucosa dores agudas torácicas, a despeito da conhe-
gástrica e a coagulação e da inibição da cida variação individual em termos de de-
COX-1 e 2 sobre a função renal e o sis- manda analgésica, a grande maioria dos
tema cardiocirculatório. pacientes necessita de um opioide forte nas
Em relação ao sistema urinário, reduzem primeiras 48-72h, necessidade que pode se
a síntese de prostaglandinas que têm impor- prolongar caso sejam mantidos por mais
tante papel no controle do fluxo sanguíneo tempo os drenos tubulares torácicos. Após
renal, ritmo de filtração glomerular e libera- a retirada desses drenos, grande parte dos
ção da renina, entre outros. A seleção crite- doentes tem a dor controlada com o empre-
riosa de pacientes para receber esses fárma- go de um opioide fraco acrescido de analgé-
cos é de fundamental importância, no sicos não opioides em posologia horária. Al-
sentido da prevenção da necrose tubular guns pacientes podem prescindir do opioide

100 perguntas chave em Dor 33


I.P. Posso, et al.

fraco e a dor pode ser controlada apenas clínico em utilizá-lo para o tratamento da
com o emprego de analgésicos não opioides dor aguda e crônica.
regularmente. A clonidina é um fármaco agonista de
São princípios básicos a serem seguidos receptores α-2-adrenérgicos que pode ser
para se auferir o melhor resultado com os usada como adjuvante da anestesia geral
opioides: ou espinhal, pois apresenta atividade anal-
– Não associar dois opioides fracos na mes- gésica sem provocar alteração da sensibili-
ma prescrição, pois não haverá acréscimo dade ou da motricidade. Pode causar dimi-
de analgesia, mas poderá haver aumento nuição da pressão arterial, sedação e diminuição
da incidência de efeitos adversos. da ansiedade.
– Não associar um opioide fraco e um Os anticonvulsivantes gabapentina e pre-
opioide forte, se houver necessidade de gabalina, por reduzirem a hiperexcitabilidade
se prescrever um fármaco de maior po- dos neurônios do corno dorsal induzida pela
tência, utilizar apenas esse fármaco e lesão tecidual são úteis no tratamento da dor
suspender a anterior. aguda.
– Não associar dois opioides por diferentes Como a gabapentina e a pregabalina
vias de administração, como a peridural apresentam efeito ansiolítico, só podem ser
e a muscular ou venosa devido ao au- usadas por via oral.
mento do risco de depressão respiratória. A gabapentina e a pregabalina podem
– Não associar agonistas-antagonistas, como diminuir a cronificação da dor aguda, modu-
a nalbufina, ou agonistas parciais, como a lando a sensibilização de neurônios do corno
buprenorfina, com os agonistas opioides, dorsal da medula espinhal.
devido à imprevisibilidade de resposta e A gabapentina é um aminoácido com a
comprometimento da analgesia1,6-8. estrutura do neurotransmissor GABA, mas
não interage de modo significativo com esse
COMO USAR OS ADJUVANTES NO ou outro neurotransmissor. O mecanismo de
TRATAMENTO DA DOR AGUDA? ação da gabapentina consiste na redução da
hiperexcitabilidade dos neurônios do cor-
Adjuvantes são fármacos que, embora no dorsal da medula espinal induzida pela
não sejam farmacologicamente classificados lesão, que é responsável pela sensibiliza-
como analgésicos, têm efeito analgésico im- ção central e parece que ocorre por liga-
portante, como os antidepressivos, anticon- ção pós-sináptica da gabapentina à subunidade
vulsivantes, neurolépticos, bloqueadores de α-2-δ de canais de cálcio dependente da volta-
receptores de N-metil-D-aspartato (NMDA) gem nos neurônios do corno dorsal da medula
ou os α-2-agonistas. espinal, diminuindo a entrada de cálcio nas
Alguns adjuvantes podem ser usados por terminações nervosas e reduzindo a libera-
via parenteral, porém outros são usados so- ção de neurotransmissores.
mente por via enteral, por não existir apre- A pregabalina é uma molécula sintética
sentação para uso parenteral. com estrutura derivada do neurotransmissor
A cetamina é um anestésico geral utiliza- inibitório ácido γ-aminobutíríco. O mecanis-
do há mais de três décadas. A descoberta mo de ação exato da pregabalina ainda não
do envolvimento dos receptores de NMDA foi plenamente elucidado, mas o fármaco
no processamento da informação nocicepti- interage com o mesmo sítio de ligação e tem
va e o conhecimento recente de se constituir um perfil farmacológico similar ao da gaba-
este fármaco num antagonista não compe- pentina. É um ligante da subunidade α-2-δ
titivo desses receptores levaram ao interesse do canal de cálcio com atividade analgésica,

34 100 perguntas chave em Dor


Dor aguda em traumatismos e após cirurgias

anticonvulsivante, ansiolítica e moduladora informado sobre as etapas da avaliação e do


do sono. tratamento, pois a sua colaboração é essencial.
Os antidepressivos tricíclicos talvez sejam As técnicas habitualmente aceitas para a
os fármacos adjuvantes mais usados no tra- modulação da dor pós-operatória in-
tamento da dor crônica, porém têm sido cluem:
usados na dor aguda. Fármacos como a ami- – Uso de analgésicos sistêmicos em horá-
triptilina e a nortriptilina, em doses baixas, rios regulares.
reconhecidamente exercem efeito analgési- – Infusão contínua de analgésicos.
co, além de potencializarem a analgesia dos – Analgesia controlada pelo paciente.
AINEs e dos opioides5-8. – Analgesia regional segmentar.
– Analgesia intraperitonial, interpleural ou
COMO TRATAR intra-articular.
A DOR AGUDA PÓS-OPERATÓRIA? – Uso de fármacos no espaço peridural.
– Uso dos agentes adjuvantes, como a ce-
O controle da dor pós-operatória deve tamina, a clonidina, os antidepressivos
ser iniciado antes do início da própria ope- tricíclicos e os neurolépticos.
ração, através da utilização de técnicas de Algumas das regras práticas devem ser
analgesia preventiva, que consiste em admi- consideradas para que seja obtida adequada
nistrar fármacos e/ou usar técnicas analgési- analgesia incluem:
cas antes da incisão. – Planejar a analgesia.
A criteriosa indicação da anestesia pode – Acreditar no paciente, pois é ele quem
propiciar início do controle da dor pelo uso sofre a dor.
de anestésicos locais para a infiltração do – Não permitir que o paciente sinta dor
local da incisão ou para anestesia regional, moderada ou forte.
impedindo a gênese e/ou condução dos es- – Fazer combinação racional dos analgési-
tímulos até o sistema nervoso central, impe- cos.
dindo assim a sensibilização medular, dimi- – As doses dos analgésicos devem ser indi-
nuindo a dor no período pós-operatório. vidualizadas.
A analgesia pós-operatória, no entanto, – O tratamento da dor só é eficaz se sua
deve ser adequada aos diversos tipos de avaliação for frequente.
operações, sendo mais difícil o tratamento das – Lembrar que os analgésicos são apenas
dores após operações na região torácica e ab- parte do tratamento.
dominal alta do que a realizada na face e – Lembrar que o tratamento da dor pós-
nas extremidades. -operatória desce a escada analgésica da
Existem diversas maneiras para o trata- OMS, devendo o tratamento iniciar com
mento da dor pós-operatória; entretanto, a técnicas e fármacos mais potentes, pas-
sua não avaliação com regularidade pode sando a seguir para os mais fracos1,2,6,9.
comprometer o tratamento mais adequado.
No entanto, nem sempre a avaliação é fácil, COMO TRATAR A DOR AGUDA NO
e frequentemente o alívio da dor é inadequa- PACIENTE COM TRAUMATISMOS
do por ter sido avaliada de modo impróprio. SEM FRATURAS E COM FRATURAS
A avaliação tem como objetivo identificar MÚLTIPLAS?
se existe dor, estimar seu impacto no indiví-
duo e verificar a eficácia do tratamento. Para O tratamento da dor após politraumatis-
que a terapêutica seja adequada, o diagnós- mos acompanhados ou não de fraturas não
tico deve ser correto e o paciente deve ser é substancialmente diferente do tratamento

100 perguntas chave em Dor 35


I.P. Posso, et al.

da dor aguda pós-operatória, a não ser pelo diminuição do estresse reduz a morbidade
fato de que não se pode usar nesse tipo de associada a esse período. A analgesia com
dor aguda a analgesia preventiva, uma vez opioides por via sistêmica reduz a morbimor-
que de modo diverso da dor pós-operatória, talidade, porém o alívio da dor propriamen-
que tem hora marcada para iniciar, a dor do te dito parece ser apenas parcialmente res-
politraumatizado ocorre de modo inespera- ponsável por essa resposta. A administração
do, e transcorre um período variável, muitas de anestésicos locais por via espinhal reduz
vezes longo, entre o trauma responsável a resposta inflamatória e sensibilização cen-
pela dor e o inicio do tratamento analgésico. tral decorrente de traumas com fraturas no
A analgesia tem características próprias tórax. A analgesia regional é indicada nos
nos traumas torácicos, pois a dor geralmen- traumas dos membros especialmente quan-
te é forte e deve ser levada em consideração do existem fraturas4,6-8,10.
a limitação imposta pela respiração, bem
como a dificuldade de mobilização devida BIBLIOGRAFIA
aos drenos e a necessidade da fisioterapia
respiratória. 1. Posso IP, Auler Jr JOC, et al. O 5° sinal vital no controle
da dor aguda pós-operatória e na assistência de enferma-
A analgesia também tem características gem ao paciente internado. São Paulo, 2011.
especiais nos traumatismos dos membros e 2. Posso IP, Pires PW, et al. A dor como 5º sinal vital. Controle
da dor aguda no pós-operatório. São Paulo, 2006.
da coluna. A intensidade da dor difere se a 3. Drumond JP. Dor aguda: Fisiopatologia, clínica e terapêu-
operação é no membro superior, inferior ou tica. São Paulo, Ed. Atheneu, 2000.
4. Cavalcanti LI, Maddalena LM, et al. Dor. Rio de Janeiro:
na coluna. A dor também tem intensidade SAERJ, 2003.
diferente se existe a possibilidade de imobi- 5. Cangiani LM, Posso IP, Potério GM, et al. Tratado de
Anestesiologia SAESP, 6ª Ed. Atheneu, 2006 .
lizar a região onde ocorreu a fratura ou se é 6. Cangiani LM, Slulitel A, Poterio GM, et al. Tratado de
fundamental para a recuperação da função Anestesiologia SAESP. 7° ed. Ed. Atheneu, 2011.
7. Ballantyne J. Massachussetts General Hospital. Manual de
a movimentação do membro, como nos controle da dor, 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-
traumas envolvendo articulações. Koogan, 2006.
8. Alves Neto O, Costa CM, Siqueira JT, et al. Dor, Princípios
A constatação de que certas respostas e Prática. São Paulo, Artmed Editora S.A. 2009.
fisiológicas que ocorrem após o trauma in- 9. Apfelbaum L, Chen C, Mehta SS, Gan TJ. Postoperative
pain experience: results from a national survey suggest
terferem negativamente no prognóstico do postoperative pain continues to be undermanaged. Anes-
paciente, especialmente no caso de traumas th Analg. 2003;97:534-40.
10. Torrance N, Smith BH, Bennett MI, et al. The epidemiology
mais extensos acompanhados de fraturas, of chronic pain of predominantly neuropathic origin. Results
fornece suporte para o conceito de que a from a general population survey. J Pain. 2006;7:281-9.

36 100 perguntas chave em Dor


Capítulo 6

Dor na criança, na mulher


e no idoso

T.R. Mariotto Zakka, S.M. de Macedo Barbosa, A. Menêses Santos


e F.C. dos Santos

DOR CRÔNICA NA CRIANÇA A existência da dor crônica em pediatria é


inequívoca. Geralmente é descrita como uma
Existe dor crônica em crianças? dor constante ou que persiste além de um
Qual a prevalência? período de três meses ou mais. É importante
distinguir a dor crônica da dor recorrente,
Pesquisadores fizeram muitas descober- cujo episódio doloroso se alterna com inter-
tas a respeito das causas, mecanismos e tra- valos sem dor. A dor pode persistir ou recor-
tamento da dor. Desde então, demonstrou-se rer por varias razões e pode estar associada
que mesmo o recém-nascido1,2 mais prema- a processos patológicos crônicos. Não costu-
turo pode necessitar de analgesia. A atu- mam ocorrer respostas neuro-vegetativas
alidade mostra uma melhoria na qualida- associadas à dor, sendo que a ansiedade e a
de do tratamento da dor e a criação de depressão são respostas emocionais fre-
serviços especializados no controle da dor quentemente associadas ao quadro5,6. A dor
na criança. neuropática também ocorre em pediatria e
Do ponto de vista epidemiológico, pouco pode também ocorrer secundariamente a
se sabe sobre a prevalência da dor crônica uma lesão em andamento proveniente de
em crianças e adolescentes. Em estudo rea- estímulos total das vias do sistema nervoso
lizado em 2006 por Zapata, et al. mostrou periférico ou central6.
que a dor musculoesquelética foi reportada Embora algumas crianças e adolescentes
por 40% da população estudada (n = 833) tenham dor crônica persistente severa, a dor
com uma média de idade de 14,2 anos3. recorrente é muito mais comum. Alguns ti-
Entre pacientes referendados para um pos de dor recorrente, incluindo dor de ca-
programa interdisciplinar para o controle da beça, abdominal e torácica, podem ocorrer
dor, porque não obtiveram o adequado alí- em 5 a 10% das crianças sadias. Um consi-
vio da dor no atendimento pediátrico usual, derável número de crianças com dor recor-
um total de 100 pacientes tiveram a seguinte rente pode não apresentar evidências fisio-
distribuição no que se refere à dor: dor ab- lógicas ou mesmo sinais específicos de
dominal 18%, dor lombar 14%, fibromialgia doença6.
14%, cefaleia 12%, síndrome de dor com- A dor crônica e recorrente em crianças
plexa regional 11%, dor torácica e nas cos- tem um enorme número de pacientes em
telas 6%. Estes pacientes eram em sua maio- sofrimento, levando, muitas vezes, ao au-
ria mulheres (73%) com sintomas associados mento do absenteísmo escolar e ao compro-
de ansiedade (63%) e depressão (84%)4. metimento da qualidade de vida.

100 perguntas chave em Dor 37


T.R. Mariotto, et al.

Qual a diferença entre


a dor na criança e no adulto?
Opioide forte
Há cerca de 27 anos, iniciaram-se as pes- + não opioide + adjuvante
quisas que evidenciaram que a criança, prin-
cipalmente o neonato, tem condições ana- opioide fraco
tômicas, neuroquímicas e funcionais para a + não opioide + adjuvante
percepção, integração e resposta aos impul-
não opioide
sos dolorosos. + adjuvante
A dor que não se trata no período neo-
natal tem o potencial de contribuir para o
surgimento de respostas exacerbadas a estí- Figura 1. A OMS preconiza o uso sequencial de
mulos dolorosos, com a diminuição do limiar fármacos para analgesia segundo o esquema da
escada com dois degraus.
de dor no período da lactância e na fase
pré-escolar. Alterações comportamentais
como hiperatividade e a dor crônica futura
podem ocorrer. como as questões absortivas, de distribui-
Nos dias de hoje, o conhecimento sobre ção, metabolização e excreção que, no início
a segurança e efetividade do controle da dor da vida, diferem da população adulta. As
em neonatos, crianças e adolescentes aumen- doses costumam ser prescritas em gotas por
tou em grande proporção, porém ainda é mui- quilo, mg por quilo e mcg por quilo. Na
to difícil a transferência deste conhecimento dependência da farmacologia do fármaco, o
para a prática clínica diária, diferentemente intervalo entre as diversas doses diferem.
da população adulta. É necessário implemen- Uma sequência de metas devem ser leva-
tar a formação médica pediátrica sobre as das em consideração como tentar aumentar
diversas causas, a prevenção e os efeitos a o tempo de sono livre da dor, aliviando a dor
curto e longo prazo dos estímulos dolorosos. também no repouso.
Diferentemente dos adultos, há muitos A Organização Mundial da Saúde (OMS)
fatores que dificultam a percepção e a avalia- recomenda um método para o tratamento
ção da dor em crianças, como as dificuldades da dor (Fig. 1).
de comunicação, atrasos de desenvolvimen- O primeiro degrau, assim como na popu-
to neuropsicomotor acabam por ser fatores lação adulta, implica no uso de um analgé-
de agravo no cuidado da dor pediátrica. sico não opioide e dos adjuvantes. Se a dor
A dor em pediatria ainda é subvalorizada persiste, um opioide deve ser associado6.
e subtratada, diferentemente da população Em pediatria, assim como na população
adulta. Cabe ainda ressaltar que em relação adulta, no segundo degrau com dor mode-
aos fármacos para dor, poucos são os estu- rada, utilizava-se a codeína e o tramadol,
dos realizados em pediatria, havendo com que são opioides fracos. A codeína porem
isso, muitas vezes, uma limitação de fárma- apresentar problemas de eficácia relaciona-
cos disponíveis para o uso pediátrico4. dos à farmacogenética na sua biotransfor-
mação6, resultando em ineficiência do me-
Quais os cuidados com medicação dicamento em grande número de pacientes,
em crianças? incluindo crianças ou os pacientes estão em
risco de grave toxicidade opioide, dada a
O tratamento farmacológico em pediatria elevada e descontrolada taxa de conversão
deve respeitar as peculiaridades da faixa etária de codeína em morfina6..

38 100 perguntas chave em Dor


Dor na criança, na mulher e no idoso

O tramadol, também considerado fraco, os fatores sociais, étnicos, culturais e bioló-


é utilizado para o controle da dor moderada gicos associados às influências do meio so-
em adultos. Em pediatria, há falta de evidên- ciocultural e emocional estabelecem grandes
cia disponível para a sua comparativa eficácia dificuldades na avaliação dos processos do-
e segurança em crianças, sendo necessárias lorosos entre os gêneros. Entre os fatores
pesquisas sobre tramadol e outros opioides biológicos, destacam-se os efeitos dos hor-
de potência intermediária na faixa etária pe- mônios gonadais, as variações hormonais
diátrica. durante o ciclo menstrual e a presença da
A recomendação atual da OMS é a intro- testosterona8, responsáveis, provavelmen-
dução de morfina no segundo degrau na dose te, pela maior frequência com que as mu-
equivalente a biotransformação da codeína lheres procuram auxílio médico e usam mais
em morfina. Ou seja, a dose de codeína em analgésicos9 e mais analgésicos opioides do
pediatria é de 0,5 mg/kg/dose a 1 mg/kg/dose que os homens10. Desta forma, o desenvol-
via oral. vimento de ensaios clínicos entre os sexos é
A OMS sugere que, no segundo degrau, se essencial para a individualização das doses,
introduza a morfina na dose de 0,05 mg/kg/ o estabelecimento dos intervalos entre elas
dose via oral a 0,1 mg/kg/dose via oral, eli- ou mesmo a utilização de fármacos diferen-
minando com isso a biotransformação. Ofe- tes para obter-se o mesmo efeito analgési-
rece-se ao paciente a mesma analgesia que co. Esta variabilidade farmacocinética entre
se obteria com o uso da codeína6. Se a dor os sexos decorre da composição corpórea,
for classificada como intensa, o tratamento do tempo de esvaziamento gástrico, da ati-
deve-se iniciar pelo terceiro degrau. Desde o vidade enzimática e da eliminação dos fár-
primeiro degrau, o uso de medicamentos macos10,11.
adjuvantes acompanha o tratamento da dor
crônica. Quais as dores mais frequentes
Devemos ainda oferecer os medicamen- entre as mulheres?
tos para analgesia: de horário6,, pela rota
apropriada6, individualmente6 e com aten- A dor crônica é mais prevalente em mu-
ção aos detalhes6. lheres e ocorre em aproximadamente 3,8%
É necessário administrar os medicamen- da população feminina mundial11. As dife-
tos para dor regularmente, respeitando o renças na composição corporal, ou seja, no
horário. tecido adiposo, na massa muscular, nas va-
A avaliação constante da resposta à tera- riações hormonais, entre outras, predispõem
pêutica é essencial para garantir o melhor a maior incidência de dores musculoesque-
resultado com o mínimo de efeitos colaterais. léticas na mulher; a prevalência de fibromial-
gia, por exemplo, é de 3,4% para as mulhe-
DOR CRÔNICA NA MULHER res e 0,5% para homens.
As mulheres têm maior prevalência dos
Existe diferença na percepção seguintes quadros dolorosos: fibromialgia12,
de dor entre os gêneros? síndrome do cólon irritável13; dor pélvica crô-
nica13; cistite intersticial13; cefaleias; dor da
Sexo e gênero são fatores que influenciam articulação temporomandibular14 e dores
na percepção e na resposta dolorosa, ou seja, por quadros autoimunes, como artrite reu-
homens e mulheres experimentam processos matoide e lúpus eritematoso sistêmico14.
dolorosos e respondem a alguns analgésicos História e exame clínicos cuidadosos
de diferentes formas7. As diferenças entre mostram que pacientes com dor crônica

100 perguntas chave em Dor 39


T.R. Mariotto, et al.

Tabela 1. Classificação do risco dos fármacos na gestação

A Estudos controlados não mostram risco 0,7%

B Não há evidência de risco no ser humano 19,0%

C O risco não pode ser afastado; incluem-se os fármacos recentemente lançados no


mercado e/ou ainda os não estudados 66,0%

D Há evidência positiva de risco 7,0%

X Contraindicados 7,0%
Adaptado de J Yankowitz e JR Nieby.

muitas vezes sofrem de “mais de uma dor”. malformações fetais para orientar a prescri-
Por exemplo, a dismenorreia primária afeta ção durante a gestação17 (Tabela 1).
90% das adolescentes e 50% das mulheres Ao escolher o fármaco, é necessário co-
adultas, sendo que 10 a 20% delas quei- nhecer seu perfil de segurança nas diversas
xam-se de dor de forte intensidade que in- fases da gestação e amamentação; o grau
terfere na vida diária15. A migrânea relaciona- de ligação proteica, solubilidade lipídica,
-se à menstruação entre 60 a 70% dos casos. peso molecular e as características metabó-
A dismenorreia pode ocorrer associada a vá- licas maternas que influenciam a transferên-
rias condições de dor crônica, como endome- cia materno-fetal dos medicamentos. Com
triose, síndrome do intestino irritável, dor exceção das moléculas polares grandes, a
lombar, cistite intersticial (síndrome da bexi- maioria das medicações atravessa a placenta
ga dolorosa), dor musculoesquelética pélvica e alcança o feto17.
e abdominal crônica, vulvodinia, fibromial- Para o tratamento farmacológico criterio-
gia, dor de cabeça crônica, disfunção tem- so é importante considerar a idade gestacio-
poromandibular, síndrome da fadiga crônica nal e os três compartimentos: organismo
e dor associada com calculose ureteral16. materno, placenta e feto, cada um com ca-
racterísticas próprias. No organismo mater-
Como tratar a dor durante a no, as modificações gravídicas influem na
gestação? absorção, distribuição, metabolismo e excre-
ção dos fármacos. A placenta tem mecanis-
As mudanças anatômicas e funcionais, mos de transferência bem definidos e siste-
durante o período gestacional podem modi- mas enzimáticos ativos, que interferem no
ficar a expressão das afecções dolorosas, comportamento dos fármacos que vão para
especialmente as musculoesqueléticas, por- o feto e dos metabólitos que retornam para
tanto, mulheres com quadros dolorosos crô- a mãe. Quanto ao compartimento fetal, sa-
nicos apresentam piora ou perpetuação dos be-se que a exposição a certos fármacos antes
seus sintomas associados aos desconfortos da quarta semana de gestação pode causar a
inerentes ao período. Desta forma, o plane- perda do concepto, por lesão do blastócito,
jamento adequado na escolha das interven- ou anormalidades, devido à totipotencialidade
ções terapêuticas oferece analgesia com das células embrionárias. O período da or-
menor risco para a gestante e feto. ganogênese entre o 18.º ao 55.º dia após
A Food and Drug Administration (FDA) a concepção é o período mais crítico para a
desenvolveu uma classificação de risco base- exposição medicamentosa, pois podem cau-
ada no potencial do medicamento em causar sar malformações irreparáveis. Tardiamente,

40 100 perguntas chave em Dor


Dor na criança, na mulher e no idoso

Tabela 2. Fármacos na gestação durante o primeiro e segundo trimestres. No


Classificação FDA Fármacos terceiro trimestre, próximo ao termo, podem
induzir hipoventilação, depressão respirató-
Categoria B – Acetaminofeno/paracetamol ria e síndrome de privação fetal17-19.
– Dipirona
– Lidocaína-bupivacaína Neurolépticos, como a clorpromazina e a
– Maprotilina levomepromazina, devem ser evitados próxi-
mo ao termo por determinar hipotensão,
Categoria B/D –  Acido mefenâmico
– Ibuprofeno-diclofenaco letargia e dificuldade de sucção no recém-
– Naproxeno-indometacina, -nascido17-19.
meloxican Os anestésicos locais como a lidocaína e
– Meloxicam
– Morfina-oxicodona a bupivacaína não exercem efeitos adversos
– Metadona-fentanil ao feto17,19.
Os antidepressivos utilizados em muitas
Categoria C/D – Clorpromazina
– Levomepromazina condições dolorosas parecem ser seguros
– Tramadol durante a gestação, visto que supostas as-
– Gabapentina-lamotrigina- sociações teratogênicas em recém-nasci-
topiramato
dos expostos a vários antidepressivos tricí-
Categoria C – Venlafaxina-duloxetina clicos e a fluoxetina não são convincentes17-19.
– Carisoprodol
– Baclofeno
Os anticonvulsivantes, como a carbama-
– Amitriptilina-nortriptilina zepina, a fenitoína e o ácido valproico, po-
dem aumentar em até duas vezes o risco de
Categoria D – Imipramina
– Carbamazepina malformações durante a gestação, como
–  Acido valproico defeitos do tubo neural e alterações cardía-
cas. O uso, quando possível, deve ser descon-
tinuado, especialmente no primeiro trimestre.
Quando não for possível, é aconselhável a
na gestação, os medicamentos podem in- suplementação com ácido fólico e a dosa-
fluenciar o crescimento ou a função fisioló- gem de alfafetoproteína, para detectar mal-
gica fetal17-19 (Tabela 2). formações no tubo neural17-19.
Os anti-inflamatórios não hormonais (AI- Os meios físicos e a acupuntura comple-
NEs) devem ser evitados a partir do terceiro mentam o tratamento medicamentoso e,
trimestre, pois inibem a síntese de prosta- muitas vezes, são a primeira escolha no
glandinas prolongando a gestação, podem alivio e no controle das dores de origem
determinar o fechamento precoce do ducto musculoesqueléticas. Praticamente destitu-
arterioso e hipertensão pulmonar neonatal, ídos de efeitos colaterais são inócuos para
oligúria fetal, oligoâmnio, dimorfoses faciais, o feto.
distúrbios da homeostase fetal e contratura
muscular17,19. Como tratar a dor durante
Entre os analgésicos não opioides utiliza- a lactação?
dos durante a gestação e a amamentação
estão o acetaminofeno e a dipirona. O ace- Na amamentação, muitos fármacos são
taminofeno, em doses elevadas por tempo excretados no leite materno e consistem
prolongado, pode determinar lesões hepáticas numa fonte potencial de toxicidade para o
e renais no organismo materno e fetal17,19. lactente. A ligação dos fármacos às prote-
O tramadol, a metadona, a morfina, a ínas plasmáticas do leite materno relacio-
oxicodona e o fentanil podem ser utilizados na-se com a fração que permanece na

100 perguntas chave em Dor 41


T.R. Mariotto, et al.

circulação materna e com a fração livre DOR CRÔNICA NO IDOSO


transferida para o leite. Os fármacos que
apresentam uma elevada taxa de ligação à Qual a prevalência e as principais
proteína são excretados em pequenas consequências da dor crônica
quantidades no leite e reduzem a exposição no idoso?
do lactante17-19.
A concentração dos fármacos no leite Estima-se que 20 a 50% dos idosos pro-
materno varia de acordo com o período da venientes da comunidade têm importantes
lactação. O colostro possui uma concen- problemas dolorosos, esse número aumenta
tração relativamente menor de gorduras e para 45 a 80% em pacientes institucionali-
açúcares e o conteúdo lipídico do leite zados, podendo ser ainda maior nos hospi-
também difere entre cada amamentação, talizados, com a dor sendo subtratada na
de tal forma que como as primeiras fra- maioria dos casos20. Outros trabalhos mos-
ções contem menos gorduras que as fra- tram prevalência acima de 60%21.
ções finais os fármacos mais lipossolúveis A dor tem consequências mais graves no
se transferem mais rapidamente, e em idoso, já que a reserva fisiológica daqueles
maiores quantidades, para o leite materno indivíduos é menor, com limitação da capaci-
do que os menos lipossolúveis. Dessa for- dade de compensação frente ao stress causa-
ma, os medicamentos com baixa liposso- do pela dor. A resposta fisiológica à dor não
lubilidade e aqueles que são hidrossolúveis tratada pode conduzir à falência cardiocircu-
difundem-se lentamente para o leite ma- latória, ao desequilíbrio metabólico, à des-
terno e devem ser preferidos para as mulhe- compensação ventilatória e à falência renal.
res que amamentam. A variação na compo- Idosos com dor crônica estão mais pro-
sição do leite materno afeta a passagem dos pensos a desenvolver depressão20, ansieda-
medicamentos, uma vez que as proprieda- de, isolamento social, distúrbio do sono,
des físico-químicas dos fármacos, como o incapacidade funcional, alteração da mar-
pH, o peso molecular, a meia-vida biológi- cha, risco de queda, prejuízo na auto-avalia-
ca e o meio biológico no qual se encon- ção da saúde 22, aumento da necessidade de
tram, são determinantes da quantidade de gastos na saúde, polifarmácia, iatrogenia23,
substância que será excretada no leite ma- atividade sexual24, alterações na dinâmica
terno17-19. familiar, desequilíbrio econômico, desespe-
Na amamentação, os AINEs, como o áci- rança, sentimento de morte e outros25.
do mefenâmico, o cetoprofeno, o diclofe-
naco, o ibuprofeno e o meloxicam, são Qual a diferença entre dor crônica
compatíveis nas doses habituais. Os analgé- em idosos e não idosos? E como
sicos opioides, os neurolépticos, os antide- isso pode afetar o tratamento
pressivos e os anticonvulsivantes devem ser farmacológico na população idosa?
evitados durante a amamentação e, quan-
do não for possível, deve-se monitorar o Inúmeros estudos têm sugerido que o
lactente. envelhecimento exerce importantes altera-
Muitos antidepressivos são secretados no ções nas estruturas envolvidas no processa-
leite materno em quantidades variadas e mento e modulação da dor26.
sua segurança para os lactentes não está No sistema nervoso periférico, ocorrem
estabelecida. Entre os anticonvulsivantes, a alterações, como redução do número de fibras
carbamazepina é compatível com a ama- nervosas mielinizadas e amielinizadas, diminui-
mentação17-19. ção da velocidade de condução nervosa e do

42 100 perguntas chave em Dor


Dor na criança, na mulher e no idoso

fluxo sanguíneo endoneural, regeneração – Obter autorrelato de dor sempre que


anormal do nervos após agravos, menor nú- possível. Questionar objetivamente.
mero de sinapses colaterais e maior número – Investigar possíveis patologias que podem
de fibras com danos e degenerações. A me- estar causando dor. São condições dolo-
dula sofre progressivamente perda de neu- rosas comuns osteoartrite, fratura prévia,
rônios noradrenérgicos e serotoninérgicos na osteoporose, úlcera por pressão, contra-
lâmina superficial do corno posterior da me- turas, neuropatias periféricas, constipa-
dula, podendo levar a prejuízos nos meca- ção, quedas e instabilidade na marcha31.
nismos endógenos de supressão da dor. O – Observar comportamentos que podem
cérebro pode sofrer redução no volume, sugerir dor, tais como expressões faciais
perda de neurônios e sofrer acúmulo de pla- (franzir a testa, caretas), gemidos, gritos,
cas neuríticas e emaranhados neurofibrila- rigidez corporal, agressividade, piora da
res. Morte neuronal e gliose de áreas ricas agitação, mudanças no padrão de ativi-
em receptores opioides poderiam afetar di- dade física, irritabilidade31 etc.
retamente os mecanismos de inibição des- – Solicitar surrogate report, que é o relato
cendente da dor. Ocorre também redução do familiar ou do cuidador.
na quantidade de neurotransmissores. Em – Tratamento analgésico empírico.
outras palavras, a neuroquímica necessária Num estudo randomizado, que avaliou a
para a modulação da dor pode não estar eficácia do tratamento da dor em reduzir
totalmente disponível nos idosos26-28. distúrbios comportamentais em pacientes
Além das alterações anatômicas que com demência, foi evidenciado que a admi-
ocorrem no sistema nervoso central e peri- nistração de medicamentos para a dor redu-
férico, outras alterações fisiológicas que ziu significativamente sintomas de agitação e
ocorrem com o envelhecimento podem mu- comportamento agressivo e que o uso apro-
dar a absorção, a metabolização, a distribui- priado de analgésicos pode reduzir o uso des-
ção e a excreção dos fármacos, o que pode necessário de antipsicóticos em casas de
tornar o idoso especialmente mais suscetível repouso32. Entretanto, uma revisão sistemá-
ao surgimento de efeitos colaterais e a rea- tica, que avaliou o tratamento da dor em
ções adversas aos fármacos. Esse tipo de relação a transtornos comportamentais e
reação costuma ser mais comum e mais gra- agitação em pacientes com demência mode-
ve na população idosa, sendo frequente cau- rada a severa, não evidenciou mudanças na
sa de hospitalização29. agitação com o tratamento da dor. Nesta
revisão foram vistos três estudos33. O primei-
Como diagnosticar e tratar ro estudo analisado nesta revisão utilizou
o paciente demenciado idoso opioides de longa duração em doses baixas
com suspeita de dor? evidenciando menor agitação apenas nos
pacientes muito idosos (> 84 anos) mesmo
Como os pacientes demenciados perdem sem sedação, porém não identificou efeitos
a capacidade de expressar e de interpretar em pacientes mais jovens34. O outro estudo,
adequadamente as sensações dolorosas, a do tipo randomizado duplo cego e placebo
dor pode ser ainda mais subdiagnosticada e controlado, utilizou acetaminofeno 1 g, três
subtratada neste grupo. vezes ao dia, comparado com placebo, e
A Sociedade Americana de Manejo de evidenciou maior interação social e ativida-
Dor sugere cinco princípios para guiar na des em geral, porém sem efeito na agitação
avaliação de pacientes com dificuldade de ou na necessidade de uso de medicações
comunicação verbal30: psicotrópicas35. E no último estudo avaliado,

100 perguntas chave em Dor 43


T.R. Mariotto, et al.

foram utilizadas diversas estratégias, sendo – Pain Assessement tool in confused older
o uso de analgésicos apenas uma delas, o adults (PATCOA): esse instrumento foi
que tornou muito difícil distinguir e interpre- desenvolvido nos EUA com o objetivo de
tar o efeito dos analgésicos distribuídos em avaliar a dor em idosos confuso. Em
uma amostra pequena36. Se, com as abor- comparação com outros instrumentos
dagens terapêuticas analgésicas, os indica- para a avaliação da dor, acredita-se que
dores de dor que mudam de comportamen- a PATCOA responda as questões relativas
to persistirem, outras condições devem ser à mensuração deste fenômeno, de acor-
pesquisadas, incluindo efeitos colaterais das do com os resultados encontrados no
medicações utilizadas37. estudo original. Quanto às questões rela-
Alguns instrumentos observacionais po- tivas à aplicabilidade, este instrumento
dem ser usados para identificar a dor nesse demonstra ser de fácil compreensão e
grupo de pacientes. Uma revisão da literatu- operacionalização, por se tratar de uma
ra sobre escalas de heteroavaliação da dor escala com apenas nove indicadores que,
para uso em pessoas não comunicantes diante de testes estatísticos, mostraram
identificou 12 escalas. Da sua análise psico- confiáveis e com boa consistência inter-
métrica, concluiu-se que a maioria apresen- na42. Esta escala já foi traduzida e adap-
tava fragilidades na sua validade, confiabili- tada para a língua portuguesa43.
dade e utilidade clínica. No entanto, a Pain
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44 100 perguntas chave em Dor


Dor na criança, na mulher e no idoso

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100 perguntas chave em Dor 45


Capítulo 7

Dor musculoesquelética

P.R.N.A.G. Stump, L. Tchia Yeng, J. Melo de Santana, L.H. Jales Neto,


R. Kobayashi e R. Galhardoni

COMO É DIAGNOSTICADA além dos testes especiais. O exame neuroló-


A LOMBALGIA CRÔNICA? gico deve avaliar sensibilidade, reflexos e
motricidade (força muscular de 0 a 5)1.
A lombalgia crônica (LC) pode ter várias As alterações nos exames de imagem
etiologias, o diagnóstico depende da história nem sempre estão relacionadas com as reais
clínica adequada, do exame físico completo causas de dor, pois alterações degenerativas
e de exames complementares. Apenas 15% são comuns mesmo em pacientes assinto-
das lombalgias crônicas apresentam diag- máticos, porém, devem ser valorizadas se
nóstico específico (hérnias discais, estenose compatíveis com o quadro clínico2. Os exa-
lombar, espondiloartrites, etc.), as demais mes de imagem têm como objetivo impor-
são consideradas lombalgias inespecíficas. A tante excluir doenças graves como fratura,
dor irradiada para o membro inferior pode tumor, infecção, doença inflamatória e sín-
ser dor radicular ou dor referida1. drome da cauda equina3.
A história deve avaliar a lombalgia mecâ-
nica (piora com movimento) e a não mecâ- O QUE É A SÍNDROME
nica (presente no repouso), pesquisar quei- DOLOROSA MIOFASCIAL?
xas sistêmicas e definir o tipo de dor:
– nociceptiva (peso, pontada, aperto, pres- A síndrome dolorosa miofascial (SDM) é
são, dolorida); uma das causas mais comuns de dor muscu-
– neuropática (formigamento, dormência, loesquelética, acomete músculos, tecido co-
choque, agulhada, queimação, coceira); nectivo e fáscias. É caracterizada pela presen-
– mista (associação dos outros tipos). ça de bandas musculares tensas palpáveis, nas
Os fatores predisponentes e perpetuan- quais identificam-se os pontos-gatilho (PGs).
tes da lombalgia (fumo, excesso de peso, Os PGs, quando estimulados por palpação
sedentarismo, posturas inadequadas, sono digital ou por agulhamento seco, ocasionam
não reparador, travesseiro e colchão, ativida- dor similar à queixa referida pelo paciente
des esportivas, perfil psicológico, etc.) auxi- no local do estímulo ou referida à distância4.
liam a identificação dos possíveis diagnósti- A prevalência da SDM varia entre 21 a
cos. O exame físico deve incluir inspeção 93% dos pacientes com dor regionalizada,
estática e dinâmica, marcha, palpação de essa variação ocorre pois o diagnóstico de-
partes ósseas, partes moles e pontos-gatilho pende do achado de PGs e de bandas de
miofasciais (90% das lombalgias inespecíficas tensão, sendo necessário que o profissional
apresentam síndrome dolorosa miofascial), seja treinado para identificá-los1.

100 perguntas chave em Dor 47


P.R.N.A.G. Stump

Pode ser decorrente de sobrecargas Sintomas e sinais


dinâmicas (traumatismos, excesso de uso) que caracterizam os pontos gatilho
ou estáticas (sobrecargas posturais), ocor-
ridas durante atividades diárias, estresse Os PGs estão localizados em nódulos
emocional, secundária as doenças inflama- palpáveis presentes em bandas musculares
tórias, hormonais, neuropáticas, viscerais, tensas geralmente no ventre muscular, são
disfunção de sono, entre outras causas. A frequentemente isolados. A presença de alo-
manutenção de contração muscular localiza- dinia e hiperalgesia referida no PG contrasta
da ocasiona um ciclo vicioso de contração com a sensibilidade dolorosa normal nas áre-
muscular-isquemia-dor-contração muscular1. as contíguas. Quando palpado, apresenta a
Nos PGs, e mesmo a distância, há alterações resposta twich (sinal do pulo). No material
de pH, concentração de peptídeos e subs- de biópsia encontram-se contraturas das
tâncias relacionadas à inflamação neurogê- miofibrilas6. O quadro de múltiplos PGs de-
nica (como substância P, bradicinina, hista- fine a SDM.
mina, cinina, prostaglandinas, fator de
necrose tumoral-a [TNF-a], interleucina [IL] Tender point, ponto sensível
1b, IL-6, etc.)5.
O diagnóstico da SDM depende exclusi- Em 1990, o Colégio Americano de Reu-
vamente da história e do exame físico. A matologia, ao definir os critérios diagnósti-
queixa pode ser de queimor, peso, dolori- cos da síndrome fibromiálgica, caracteri-
mento, tensão muscular, câimbra e o doen- zou-a como dor generalizada crônica, com
te pode referir fadiga ou fraqueza na área mais de três meses, associada à presença de
acometida. O padrão da dor referida é rela- dor a palpação de 11 pontos, ou mais em
tivamente constante e similar para cada 18 predeterminados. Esses pontos dolorosos
músculo e não segue o padrão dermatomé- hipersensíveis em músculos, fáscias ou ten-
rico ou radicular1. dões que desencadeiam dor a compressão
No tratamento da SDM, é necessária a mecânica inferior a 4 kg/cm² foram chama-
correção de fatores desencadeantes e ou dos de PS7.
perpetuantes e a inativação dos PGs. Os
exercícios de relaxamento muscular e condi- Sintomas e sinais que caracterizam
cionamento físico são importantes para se os pontos sensíveis
prevenir recorrência. Uso de antidepressivos
tricíclicos ou duais, anticonvulsivantes (gapa- Diferentemente dos PGs, não há nódulos
bentinoides), analgésicos simples e derivados na palpação, estão frequentemente localiza-
de opioides podem auxiliar no tratamento dos perto das inserções musculares, são múl-
clínico1. tiplos por definição, a alodínea e a hiperal-
gesia está presente fora da área do PS, a dor
QUAL A DIFERENÇA aumenta em períodos de estresse, os acha-
ENTRE TRIGGER POINT dos histológicos a biópsia são inespecíficos,
E TENDER POINT? o mecanismo provável é devido à sensibili-
zação do sistema nervoso central (SNC)6.
Trigger point, ponto gatilho
Conclusão
Os PGs são definidos como sítios de pon-
tos musculares desencadeantes de dor local As inúmeras diferenças clínicas falam
ou regional4. contra a etiologia e a fisiopatologia comum.

48 100 perguntas chave em Dor


Dor musculoesquelética

Várias publicações descrevem doentes porta- (calor, rubor, eritema ou edema articular) e
dores de síndrome fibromiálgica com a pre- derrame articular10.
sença concomitante de PG e os, sendo um Dispomos de tratamento não medica-
desafio o tratamento dos mesmos. mentoso como fortalecimento do músculo
quadríceps para ganho de massa muscular,
A FIBROMIALGIA É UMA DOENÇA exercícios aeróbicos para condicionamento
DO CORPO OU DA CABEÇA? físico e alongamento muscular para aumen-
to de flexibilidade (cinesioterapia). Órteses e
A fibromialgia não é uma doença pura- equipamentos de auxílio à marcha também
mente somatiforme, visto que há comprova- podem ser indicados quando há necessidade
ção de diversos fatores biológicos na sua de melhorar, auxiliar ou substituir uma fun-
patogênese, como a deficiência de subs- ção. A estabilização medial da patela, através
tâncias que bloqueiam o estímulo doloro- de goteiras elásticas, é efetiva no tratamento
so: serotonina, noradrenalina e endorfinas; da sintomatologia dolorosa da osteoartrite
aumento de substâncias que estimulam o fêmuro-patelar. Palmilhas antivaro, associa-
estímulo doloroso como a substância P. das à estabilização do tornozelo, são eficien-
Um modelo biopsicossocial de interagir fa- tes na melhora da dor e função na osteoar-
tores biológicos e psicossociais na predis- trite do compartimento medial do joelho11 .
posição, no aparecimento e manutenção Em relação à terapia medicamentosa, dis-
dos sintomas da fibromialgia seria mais pomos de analgésicos e anti-inflamatórios
apropriado8. não hormonais (AINHs) para o controle da
dor (paracetamol, dipirona, ibuprofeno, ce-
OSTEOARTRITE DE JOELHO: toprofeno, diclofenaco, meloxican, naproxe-
QUAL A PREVALÊNCIA, no, entre outros), anti-inflamatório não hor-
CARACTARÍSTICAS CLÍNICAS monal tópico, como cetoprofeno, ibuprofeno,
E TRATAMENTOS DISPONÍVEIS? diclofenaco e piroxicam, tem um efeito sig-
nificativo no tratamento sintomático da dor
A osteoartrite de joelho é uma doença aguda ou crônica. São considerados fárma-
degenerativa, que vem aumentando a pre- cos de ação duradoura aquelas que têm
valência devido ao aumento da população ação prolongada na melhora da dor e cujo
idosa, sendo mais comum em pessoas com efeito terapêutico persiste mesmo após a
mais de 65 anos. Estima-se que 1/5 da sua suspensão. Estes fármacos vêm-se fir-
população mundial apresenta essa doença, mando na literatura como boas opções te-
sendo a maioria oligossintomática. Estudo rapêuticas no tratamento sintomático da
epidemiológico realizado na Coreia, em osteoartrite. Os fármacos disponíveis no
2010, mostrou uma prevalência de 38% mercado brasileiro são sulfato de glicosami-
em indivíduos acima de 65 anos de idade. na, diacereína e extratos não saponificáveis
Dado semelhante foi observado na Inglater- de soja e abacate. O sulfato de glicosamina
ra (40%) nesta mesma faixa etária9. para o tratamento sintomático da osteoartri-
As características clínicas são de artralgia te de joelhos é usado na dose de 1,5 g/dia.
ao correr, caminhar, levantar, subir e descer A cloroquina vem sendo utilizada em vários
escadas, rigidez articular de curta dura- serviços brasileiros, com base na experiência
ção, crepitação ou estalidos articulares, pessoal dos especialistas, mostrando bons
deformidades articulares (aumento do vo- resultados11.
lume do joelho, joelho valgo ou varo). Em Terapia intra-articular, como a infiltração
algumas situações, pode apresentar artrite intra-articular com triancinolona hexacetonida,

100 perguntas chave em Dor 49


P.R.N.A.G. Stump

também pode apresentar controle da dor e mas possuem poucos efeitos adversos e boa
da inflamação em casos com quadro infla- tolerabilidade12.
matório evidente. Uso intra-articular do áci-
do hialurônico está indicado para o trata- Analgésicos AINHs
mento da osteoartrite do joelho grau II e III
as fases aguda e crónica11. Esses fármacos possuem mecanismos de
Os pacientes com osteoartrite grau II e III, ação comum, caracterizado pela inibição da
com comprometimento progressivo das ati- cicloxigenase (COX), com consequente inibi-
vidades de vida diária e falha do tratamento ção de prostaglandinas nos tecidos periféri-
conservador devem ser encaminhados para cos e SNC. Possuem efeito analgésico mo-
o ortopedista, que fará a indicação do tra- derado. Geralmente são utilizados por via
tamento cirúrgico. As cirurgias indicadas são oral como primeira linha de tratamento para
desbridamento artroscópico, osteotomias e dores crônicas inflamatórias osteomuscula-
artroplastias11. res. Apresentam efeitos adversos no trato
gastrointestinal, renal e cardiovascular que
QUAIS AS DOENÇAS limitam seu uso por tempo prologando12,13.
REUMATOLÓGICAS MAIS Exemplos: ibuprofeno, naproxeno, cetopro-
FREQUENTES QUE CAUSAM DOR? feno, diclofenaco, meloxicam, lornoxicam,
tenoxicam, celecoxibe
As principais doenças reumatológicas as-
sociadas à dor são a osteoatrite, artrite reu- Corticoides
matoide, lúpus eritematoso sistêmico, sín-
drome de Sjogren, derrnatopolimiosite, Têm mecanismo de ação bloqueando a
esclerose sistêmica, síndrome antifosfolípide, formação e a liberação de citocinas e dos
artrite psoriásica, artrite reativa, espondilite derivados de fosfolipídeos, são muito efica-
anquilosante e vasculites primárias. Essas do- zes no tratamento de dor inflamatória. Po-
enças podem causar sintomas dolorosos va- dem ser utilizados por via oral, intramuscular,
riados, como artralgia, artrite, mialgia, neu- endovenosa e intra-articular para tratamen-
ropatias, cefaleia, lesões isquêmicas, lesões to das dores osteomusculares refratárias
oftálmicas, dermatites, úlceras, condrites, aos AINHs ou de etiologia autoimune13.
parotidites, pneumonites e pericardites. Exemplos: predinisona, predinosolona, de-
flazacort, metilpredinisolona, betametazo-
QUAIS SÃO OS TRATAMENTOS na, triancinolona.
FARMACOLÓGICOS MAIS
FREQUENTES PARA A DOR Analgésicos tópicos
MUSCULOESQUELÉTICA CRÔNICA?
Capsaicina (bloqueia a substância P) e
Analgésicos simples AINHs tópicos têm ação adjuvantes no con-
trole da dor osteomuscular, com poucos
Dipirona 1-2 g 6/6h e paracetamol 750 mg efeitos adversos. Indicados no tratamento de
6/6h, são muito utilizados para tratamento tendinites e bursites persistentes14.
sintomáticos de dor de intensidade leve a
moderada em associação com outros anal- Relaxantes musculares
gésicos para dores fortes. Tem mecanismo
de ação central no hipotálamo, controlando Importantes para casos com contraturas
a dor e a hipertermia. São analgésicos fracos, musculares ou espasmos musculares. Utilizados

50 100 perguntas chave em Dor


Dor musculoesquelética

como adjuvantes aos AINHs para dores crô- necessária a prescrição da morfina, de forma
nicas osteomusculares, como dor miofascial, criteriosa17.
fibromialgia e osteoartrite15. Exemplos: ciclo-
benzaprina, tizanidina, carisoprodol, baclo- QUAIS SÃO OS TRATAMENTOS
feno, clonzepam, diazepam. NÃO FARMACOLÓGICOS MAIS
FREQUENTES PARA A DOR
Antidepressivos MUSCULOESQUELÉTICA CRÔNICA?

Os antidepressivos tricíclicos são os fár- Estimulação elétrica (TENS18, interferencial19,


macos adjuvantes mais utilizados no trata- transcraniana20), exercício físico21-26, terapia
mento da dor crônica. Atuam fortalecendo manual26,28,29.
o sistema inibidor analgésico central, au-
mentando os níveis de serotonina e noradre- QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES
nalina, tendo efeito analgésico e potenciali- DE EXERCÍCIOS E OUTRAS
zando os AINHs e opioides. Apresentam MEDIDAS FÍSICAS PARA
latência de 3 a 5 dias para início da ação. LOMBALGIA CRÔNICA?
Muito utilizados em LC e fibromialgia15.
Exemplos: amitriptilina, nortiptilina, duloxe- Exercícios
tina, venlafaxina.
A cinesioterapia tem exercido importante
Antirreumáticos papel no tratamento da LC, embora não haja
consenso sobre o melhor tipo de exercício26.
São imunossupressores utilizados para O Pilates é uma modalidade de exercícios
tratamento de doenças autoimunes, como a mente-corpo que foca em fortalecimento,
artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistê- estabilidade, flexibilidade, controle muscular
mico, esclerose sistêmica, síndrome de Sjo- e respiração, sendo a postura o maior foco
gren, miosites, vasculites primárias e outras para pacientes com LC24. Em uma revisão
colagenoses. Exemplo: metotrexato, cloro- sistemática, não foi possível concluir a eficá-
quina, azatioprina, leflunomida, anti-TNF, cia do Pilates para redução da dor e melho-
anti-IL6, anti-linfócitos B. Essas medicações ra da função25. Em um ensaio clínico, após
modificam o curso das doenças e devem ser 18 sessões, os exercícios de estabilização
conduzidas por um reumatologista16. foram mais eficazes para melhorar a dor e a
função motora e aumentar a espessura mus-
Analgésicos opioides cular que o método McKenzie22. Já a cami-
nhada apresenta baixa a moderada evidência
São analgésicos potentes de ação prima- como estratégia eficaz para redução da LC24.
riamente central, ativando receptores µ e k. A hidroterapia também promove analgesia
Devido a seus efeitos adversos frequentes, e melhora a funcionalidade de pacientes
como constipação, náuseas e vômitos, po- com LC23.
tencial efeito depressor central (SNC e respi- Parâmetros de exercícios, como intensi-
ratório) e risco de dependência, são utiliza- dade, frequência e duração de sessões, mais
dos como terapia para dores refratárias. efetivos para LC ainda são inconclusivos.
Existem opioides fracos e fortes, sendo mais Poucos estudos têm examinado a dose-res-
utilizados os fracos, como tramadol e code- posta, e a grande diversidade de programas
ína. Em casos neoplásicos ou de forte inten- de exercícios utilizados em ensaios clínicos
sidade de dor, como lombalgia, pode ser randomizados impede ampla e criteriosa

100 perguntas chave em Dor 51


P.R.N.A.G. Stump

análise de dados obtidos, por exemplo, em Terapia manual


metanálises. (manipulação e mobilização)

Educação do paciente A maioria das revisões sistemáticas sobre


a eficácia da terapia manual inclui ensaios
Existe moderada evidência de que inter- clínicos randomizados sobre manipulação ou
venções educacionais breves que encorajam mobilização da coluna vertebral. Pouco se
o retorno às atividades são melhores que o sabe sobre o efeito da mobilização articular
cuidado usual para aumentar o retorno ao periférica.
trabalho e reduzir as incapacidades, a médio Técnicas de manipulação da coluna ver-
prazo, porém não a dor. Entretanto, ainda tebral podem ser consideradas uma opção
não se sabe o método (exemplo, educação eficaz de tratamento da LC, uma vez que
individual, em grupo, discussão, pessoal- proporciona eficiente redução da dor e me-
mente, por internet) mais adequado para lhora da funcionalidade e igualmente efi-
promover educação sobre dor. Crenças indi- ciente a analgésicos e exercícios físicos26.
viduais e habilidades de comunicação do Essa intervenção tem sido administrada duas
profissional, como relacionados ao manejo vezes por semana (1 a 7 vezes por semana),
ativo, influenciam a credibilidade e a eficácia em média, por um período de 2 a 3 semanas
da intervenção. Embora seja difícil definir a (2 a 9 semanas). Na tentativa de identificar
intensidade ou a extensão desse tipo de in- pacientes que melhor respondem a técnicas
tervenção, uma abordagem gradual pode de manipulação, estudos mostraram que os
oferecer excelentes resultados27. Inicialmen- pacientes que cumprem uma série de crité-
te, é oferecida uma intervenção mínima para rios na avaliação clínica28 ou apresentam
resolver as suas maiores preocupações, o hipomobilidade segmentar29 exibem resulta-
que se faz suficiente para uma parte dos dos consideravelmente melhores com a ma-
pacientes. No entanto, os que exibem limi- nipulação quando comparados a outros tra-
tações de atividade física e funcional conti- tamentos.
nuam a receber intervenções mais intensivas.
Massoterapia
Escola de Posturas
A massoterapia não tem sido recomen-
Em geral, resumir as evidências para a dada para administração unimodal no tra-
eficácia das escolas de postura é difícil, por- tamento de lombalgia crônica, com base
que estas escolas são, geralmente, muito no número insuficiente de estudos que
heterogêneas em seu conteúdo e, muitas investigam o efeito da massagem, como
vezes, mostram uma grande quantidade de terapia isolada comparada ao controle ou
sobreposição com outras intervenções, como a outras terapias estabelecidas. Entretanto,
a recuperação funcional, reabilitação multi- quando adicionada em terapia multimodal
disciplinar e exercícios físicos. As escolas de combinada a intervenções ativas, é possí-
postura podem ser consideradas efetivas vel obter melhores resultados30. Dessa for-
para alívio da dor e melhora do estado fun- ma, a massagem deve ser utilizada como
cional a curto prazo (menos que 6 semanas), suporte a uma programação bem-sucedida
não sendo recomendadas como um trata- de exercícios físicos, para estimular e aque-
mento para a lombalgia crônica quando se cer a musculatura a ser ativada ou para pro-
pretende alcançar efeitos a longo prazo (aci- mover alívio de tensão muscular após exer-
ma de 12 meses)26. cícios.

52 100 perguntas chave em Dor


Dor musculoesquelética

MEDIDAS FÍSICAS PRODUZEM zassem movimentos opostos por cinco mi-


ALTERAÇÕES NO CÉREBRO nutos, o PEM foi medido no basal e dez
DE PACIENTES COM DOR minutos após o treino. Verificou que apenas
MUSCULOESQUELÉTICA CRÔNICA? com uma sessão de treino, foi suficiente
para diminuir a amplitude do PEM no mús-
Medida física é todo procedimento que culo antagonista ao músculo treinado e au-
é capaz de modificar a biologia dos tecidos mentar a amplitude do PEM do músculo
por mecanismos diretos ou reflexos que con- treinado, o efeito do treino se manteve por
tribuem para o retorno da homeostase. São dez minutos.
exemplos de medidas físicas o frio, calor, Mhalla, et al.33, também utilizando a ex-
eletricidade. A plasticidade cortical tem efei- citabilidade cortical verificou que mulheres
tos positivos ou negativos sobre os indivídu- fibromiálgicas apresentavam uma facilitação
os, sabe-se que ela ocorre em todos os níveis cortical e a inibição diminuída. Após cinco
do sistema nervoso, ou seja, do córtex até a dias de tratamento com EMT, esses valores
medula espinal, quando há uma lesão no foram corrigidos e apresentavam-se pareci-
córtex – por exemplo – a substância cinzen- dos com os dos voluntários saudáveis do
ta circundante assume a função da área da- grupo controle.
nificada. Conclui-se, assim, que medidas físicas
A reorganização cortical ocorre principal- alteram a plasticidade neuronal e que, ade-
mente no córtex motor primário e no soma- quadamente administradas, auxiliam na me-
tossensorial, normalmente acontecendo em lhora dos quadros dolorosos crônicos.
paralelo, mas nem sempre são iguais. Em
pacientes amputados submetidos à sessão BIBLIOGRAFIA
de estimulação magnética transcraniana
(EMT) em S1 contralateral, eles relatavam ter 1. Teixeira MJ, Yeng LT, Kaziyama HHS. Dor: síndrome dolo-
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100 perguntas chave em Dor 53


P.R.N.A.G. Stump

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54 100 perguntas chave em Dor


Capítulo 8

Dor neuropática

O.J.M. Nascimento, M. Jacobsen Teixeira e D. Campos Kraychete

DOR NEUROPÁTICA RESULTA O QUE HÁ DE CONVENCIONAL


DO COMPROMETIMENTO NA INVESTIGAÇÃO CLÍNICO-
DE FIBRAS NERVOSAS FINAS, LABORATORIAL?
QUAIS OS EXAMES QUE PODEM
INDICAR COMPROMETIMENTO A investigação clínica de NFF/DN requer
DESSAS FIBRAS? a obtenção de cuidadosa história clínica, in-
cluindo, modo de início, tempo de evolução,
Neuropatia de fibras finas (NFF) é o termo fatores de risco, história familiar, exposição
utilizado para denominar o acometimento a substâncias ou fármacos neurotóxicas,
primariamente, ou exclusivamente, de fibras traumas, história fisiológica, incluindo hábi-
de pequeno calibre: fibras C amielínicas e tos, tentativas de tratamento prévios, etc. O
fibras A d pouco mielinizadas. Estas são res- exame neurológico detalhado deve ser rea-
ponsáveis por transmitirem sensibilidade ter- lizado a fim de identificar sinais de compro-
moalgésica e função autonômica ao sistema metimento de fibras finas1-4. Importante
nervoso central (SNC) através do corno dor- ressaltar que mesmo na ausência de altera-
sal da medula. Estão diretamente envolvidas ções ao exame físico, a NFF pode estar pre-
no processo da dor neuropática (DN), apre- sente. Por isso, novas técnicas de investiga-
sentando-se clinicamente por dor em quei- ção complementar têm sido desenvolvidas a
mação e disestesias, sendo por vezes, incapa- fim de identificar com mais precisão o aco-
citantes. Quando apenas essas fibras estão metimento dessas fibras. Dentre elas, desta-
envolvidas, frequentemente se vê nos pacien- cam-se os métodos neurofisiológicos, mor-
tes com dor neuropática que a força muscu- fológicos e testes autonômicos.
lar e a sensibilidade tátil e vibratória perma- O estudo da neurocondução e da eletro-
necem inalteradas, já que essas modalidades miografia (eletroneuromiografia) deve ser so-
sensitivas são carreadas por fibras de grosso licitado apenas com o objetivo de descartar
calibre. A NFF e, consequentemente, a DN possível acometimento subclínico de fibras de
constituem desafio diagnóstico, mesmo para grosso calibre, pois carecem de sensibilidade
especialistas: a identificação ao exame neu- para indicar ou aferir lesão ou disfunção de
rológico e aos métodos diagnósticos dispo- fibras finas (dor neuropática), a exceção da
níveis representa um desafio. Estima-se que, técnica near-nerve, na qual uma agulha é
nos EUA, mais de 20 milhões de pessoas justaposta ao nervo sensitivo. A micrografia é
acima dos 40 anos apresentem neuropatia outra técnica que avalia a condução de fibras
de fibras finas, portanto, dor neuropática. sensitivas de pequeno calibre, utilizada para

100 perguntas chave em Dor 55


O.J.M. Nascimento, et al.

Figura 1. CHEPS no território do V nervo: observar redução da amplitude dos potenciais e aumento da latência na
face direita, onde o paciente referia dor em queimação, não paroxística em V2 e V3 (adaptado de Nascimento, et al8).

fins de pesquisa. Ambas são técnicas de difí- seu uso na face. Já o CHEPS não tem esse
cil realização, invasivas, promovem dor ou efeito. Ambos permitem a obtenção de po-
exacerbação dos sintomas dolorosos e reque- tenciais com ótima reprodutibilidade; são
rem neurofisiologistas altamente especializa- capazes de avaliar objetivamente o compro-
dos, voltados para a pesquisa da dor. metimento de fibras finas (Fig. 1). O com-
Testes quantitativos de sensibilidade prometimento de NFF/DN pode ser bem es-
(QST) são aplicados já há algum tempo, sen- tudado por esse método5. Finalizamos
do os aparelhos computadorizados os mais estudo da eficácia de tratamentos para dor
utilizados no momento. Utilizamos o TSA neuropática na hanseníase aplicando o
(Medoc), que oferece boa reprodutibilidade CHEPS, antes e após o término do ensaio
e fácil realização, embora demande tempo. clínico. Estudo internacional de normatiza-
A desvantagem desse tipo de instrumento é ção encontra-se em fase final.
que a análise, embora computadorizada, de- Densidade de fibras nervosas intraepidér-
pende da informação do paciente, portanto, micas, através de biópsias de pele dos seg-
contamina-se pela subjetividade. mentos envolvidos auxiliam no diagnóstico6.
Fragmentos dos segmentos distal e proximal
O QUE HÁ DE NOVO NA são comparados. O marcador histoquímico
INVESTIGAÇÃO CLÍNICO- utilizado nesta técnica é o PGP 9,5; a micros-
LABORATORIAL DAS NEUROPATIAS copia confocal para leitura6. É técnica dis-
DE FIBRAS FINAS/DOR pendiosa, invasiva, deixa pequenas cicatri-
NEUROPÁTICA? zes, sendo contraindicada no território do
nervo trigêmio. Ao contrário, técnica de fácil
Potencial evocado identifica acometi- realização e que introduzimos em nosso
mento de fibras finas - repostas tardias. Tem meio, para estudos de neuropatias periféri-
o potencial evocado por laser (laser evoked cas de fibras finas e dor neuropática, é a
potentials - LEPS) e o por contato ao calor microscopia confocal de córnea (MCC)7. A
(Contact Heat-Evoked Potential Stimulator - MCC é de fácil realização (dura cerca de oito
CHEPS). A desvantagem do primeiro é produzir minutos) e reprodutibilidade, sendo método
queimaduras nos pontos de aplicação. Limita promissor, não invasivo. Utiliza-se o micros-

56 100 perguntas chave em Dor


Dor neuropática

dentre outras condições, podem ser diag-


nosticadas por esse método4.
A avaliação autonômica pode ser realiza-
da por vários testes desde simples, por exa-
me clínico, aos mais sensíveis, incluindo-se o
de inclinação passiva (tilt-test), entre outros9.
Apesar das técnicas relacionadas, o pa-
drão ouro para o diagnóstico de NFF/DN
continua sendo a boa anamnese e cuidado-
so exame à beira do leito10. Na investigação
etiológica laboratorial incluir exames tais
como a glicose de jejum, teste oral de tole-
rância a glicose, hemoglobina glicada, hor-
monio estimulante da tireoide (TSH) e T4
livre, dosagem de vitamina B12, hemograma
completo, velocidade de hemossedimenta-
Figura 2. Microscopia confocal de córnea. Densidade ção, fator anti-núcleo (FAN), enzima conver-
de fibras nervosas reduzida, com segmentos de sora de angiotensina, teste de imunofixação,
regeneração e presença de células de Langehans, em sorologias para virus da imunodeficiência
caso de NFF associada a síndrome de Sjögren. Córnea humana (HIV), virus linfotrópico da célula
direita, 44 mm (adaptado de Nascimento, et al.8).
humana (HTLV), hepatites B e C, dentre ou-
tros. Caso haja história familiar, testes gené-
cópio confocal, permitindo diretamente vi- ticos devem ser considerados.
sualizar a inervação por sistema computado-
rizado (Fig. 2). Pode-se observar o plexo O QUE É “SÍNDROME COMPLEXA
sub-basal da córnea, a densidade de fibras REGIONAL”?
nervosas, seus diâmetros, tortuosidades, nú-
mero de células de Langhans, etc. Os acha- A Síndrome Complexa Dolorosa Regional
dos da MCC e do CHEPS são estreitamente (SCDR) é uma síndrome dolorosa mista com
relacionados aqueles obtidos na biópsia de cerca de 65% dos casos relacionados a trau-
pele quanto a densidade de fibras finas. Re- ma. Sua localização é regional, predominan-
centemente, sugerimos a inclusão desses temente distal, podendo ser dividida em tipo
dois métodos nas recomendações para diag- I e tipo II. No tipo I ocorrem alterações au-
nóstico de NFF/DN da European Federation tonômicas, motoras e sensitivas não restritas
of Neurological Societies (EFNS)8. à área de determinado nervo, enquanto a do
A biópsia de nervos sensitivos superficiais tipo II se diferencia da anterior devido à pre-
(sural, ramo dorsal do nervo ulnar, radial, sença de lesão nervosa11,12.
fibular superficial), particularmente quando
são retirados apenas alguns fascículos (bióp- QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS
sia fascicular) e processada por técnicas es- DIAGNÓSTICOS DA “SÍNDROME
peciais, incluindo cortes semifinos, pode COMPLEXA REGIONAL”?
também ser, em casos específicos, útil no
diagnóstico de NFF/DN. Vasculites, microvas- Os critérios diagnósticos da Associação In-
culites, amiloidose, processos inflamatórios, ternacional para o Estudo da Dor (IASP)13
incluindo a hanseníase (particularmente na incluem presença de evento nocivo/causa da
forma neural pura), desmielinização ativa, imobilização; dor contínua, alodínia ou

100 perguntas chave em Dor 57


O.J.M. Nascimento, et al.

hiperalgesia desproporcional à lesão; evidência da DN14. Opioides, antagonistas de recepto-


de edema, alteração do fluxo sanguíneo ou da res N-metil-D-aspartato (NMDA), anestésicos
sudorese na região da dor e ausência de outras locais, toxina botulínica, analgésicos tópicos
condições que possam explicar a doença. O também são utilizados. Os antidepressivos são
diagnóstico é feito através da história e do efetivos no controle da DN, contudo, antide-
exame físico do paciente. Esses critérios, entre- pressivos triciclicos (ADT), provocam adicionar
tanto, possuem baixa especificidade e consis- os triciclicos colaterais (retenção urinária, boca
tência diagnóstica. Desse modo, desde 2003, seca, sonolência, taquicardia, constipação, hi-
foi adotado um novo critério diagnóstico de potensão ortostática, visão borrada e disfun-
alta especificidade denominado “Critério de ção sexual) que limitam o uso ou adesão do
Budapeste”. O paciente deve apresentar dor paciente. Devem ser titulados progressiva-
contínua desproporcional ao evento que a mente, não ultrapassando 75 a 100 mg/dia.
provocou e relato mínimo de um sintoma Os inibidores de recaptação mistos, como a
entre quatro categorias: sensitivo (hipereste- duloxetina e a venlafaxina podem ser utiliza-
sia); vasomotor (assimetria de temperatura ou dos. Ocorre menor efeito anticolinérgico e
de cor da pele); sudomotor (sudorese) e ede- risco cardiovascular. A duloxetina está con-
ma ou motor e trófico (redução do arco do traindicada na insuficiência renal ou hepáti-
movimento, fraqueza, tremor, distonia e alte- ca. Há relato de sonolência, náusea, tontura,
rações tróficas de pelo, unha ou pele); além fadiga, insônia, dor de cabeça e disfunção
de um sinal em duas ou mais categorias (hipe- sexual. O antidepressivo pode ser usado na
ralgesia, alodinia, evidência de alteração de insuficiência renal (sem excreção renal). Para
temperatura, de cor da pele, edema, sudorese). idosos, usar nortriptilina e desipramina con-
Eletroneuromiografia, termografia e cintilo- siderando as contraindicações.
grafia óssea trifásica podem mostrar alterações. Os anticonvulsivantes bloqueiam os ca-
A incidência da SCDR é de 10 a 30%, nais de sódio/cálcio, aumentando a trans-
sendo maior no tipo I. O pico máximo é ao missão gabaérgica. A carbamazepina é indi-
redor da quarta década de vida, predomina cada em dores na cabeça ou pescoço;
o sexo feminino – 2.3:1 – principalmente em juntamente com gabapentina e pregabalina,
uma das extremidades. são fármacos de primeira linha. A pregabali-
A SCDR tem três fases: aguda, com dor, na é 2,5 vezes mais potente que a gabapen-
edema e aumento de temperatura da pele; tina, tem boa farmacocinética e farmacodi-
distrófica, com pele fria e alterações tróficas; nâmica, é mais fácil de usar e o paciente
e atrófica, com atrofias musculares, desmi- adere melhor ao tratamento. Cautela na
neralização óssea e contratura articular. insuficiência renal. Esperar de 2 a 8 semanas
O tratamento não é consensual, desta- para efeito; havendo dor intensa, o opioide
cando-se o uso de antidepressivos tricíclicos, pode ser utilizado por 1 a 2 semanas. A
anticonvulsivantes, opioides, bifosfonatos, oxicodona e o tramadol podem ser utiliza-
bloqueio simpático nervoso, tratamento psi- dos, com atenção ao risco de tolerância,
cológico e recursos físicos. adição e abuso.
A lamotrigina e a Oxcarbazepina são al-
QUAIS SÃO OS MEDICAMENTOS ternativa quando há intolerância às anterio-
INDICADOS PARA TRATAR A DOR res. A lamotrigina produz analgesia na neu-
NEUROPÁTICA (DN)? ralgia pós-herpética (NPH) e na dor central; já
a Oxcarbazepina em diversos tipos de DN. O
Antidepressivos e anticonvulsivantes são topiramato é eficaz na profilaxia da migrânea,
medicamentos de primeira linha no tratamento mas os resultados em DN são controversos.

58 100 perguntas chave em Dor


Dor neuropática

Ácido valproico, hidantoína e mexiletina são Assim, generaliza-se o tratamento da dor


pouco utilizados. O maior problema, contu- neuropática enquanto síndrome, abrangen-
do, é a tolerabilidade dos anticonvulsivantes, do todas as situações clínicas.
que provocam sonolência, tontura, ataxia,
distúrbios gastrintestinais, fadiga, anorexia, QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES
náuseas, vômitos, alterações cutâneas, dis- PARA DESCOMPRESSÃO
função cognitiva, hepática, cardíaca, renal e DE ESTRUTURAS NERVOSAS
hematológica. E NEURORRESTAURAÇÃO DO
A lamotrigina, a oxcarbazepina, o topira- SISTEMA NERVOSOS PERIFÉRICO?
mato, o valproato, a bupropriona, o citalo-
pram, a paroxetina, os antagonistas de re- – Nervos periféricos e plexos nervosos. A
ceptor NMDA, a mexiletina e a capsaicina eliminação da compressão dos nervos pe-
tópica têm uso clínico limitado por falta de riféricos em consequência da instabilida-
evidências científicas. de e das deformações causadas por fra-
O adesivo transdérmico de lidocaína a turas, luxações, anormalidades ósseas,
5% é eficaz e sua tolerabilidade é excelente cicatrizes decorrentes de hemorragias,
quando há alodinia e na NPH ou em DN doenças inflamatórias, idiossincrasias ou
periférica (DNP). iatrogenias (radioterapia), tumores ban-
A toxina botulínica (Botox) mostrou-se das fibrosas ou distopias musculares de-
eficaz no tratamento da dor aguda e crônica correntes de afecções constitucionais ou
de diversas etiologias, incluindo a neuropá- adquiridas (síndrome do túnel do carpo,
tica. O efeito analgésico independe do rela- do tarso, do canal de Guyon, do interós-
xante muscular e envolve a redução da libe- seo anterior ou do piriforme ou com neu-
ração de neuromediadores excitatórios e a ropatia do nervo safeno interno, ciático
modulação das vias nociceptivas. menor, etc.) ou a transposição nervosa
A aplicação do adesivo de capsaicina em são eficazes no tratamento da neuropatia
alta concentração em doentes com DN é e da dor, na dependência na gravidade
segura e tolerada; os eventos adversos limi- da lesão15-19.
tados às elevações transitórias do medica- – Lesões radiculares e da medula espinal.
mento, como o eritema. Alívio das raízes nervosas ou da medula
espinal por meio da exérese de hérnias
COMO AVALIAR A EFICÁCIA discais, osteófitos ou tumores, correção
CLÍNICA DA TERAPÊUTICA das deformidades ou instabilidades ver-
FARMACOLÓGICA EM DOR tebrais decorrentes de afecções degene-
NEUROPÁTICA? rativas, congênitas, traumáticas ou neo-
plásicas pode resultar em melhora da
O número necessário para tratar (NNT) função e da dor neuropática periférica ou
indica a eficácia medicamentosa, a qual é mielopática e prevenir as repercussões
inversamente proporcional ao NNT. Os anti- diretas ou indiretas da neuropatia15-19.
depressivos tricíclicos têm baixo NNT, segui- – Neuromas de amputação. A ressecação
do, em ordem crescente, por gabapentina, cirúrgica ou a neurólise química dos neu-
carbamazepina, tramadol, capsaicina ou romas não aliviam a dor no órgão fantas-
anestésicos locais. Neuropatia periférica do- ma, no coto de amputação ou em conti-
lorosa diabética (NPD) e NPH são a base nuidade.
desses estudos, havendo escassez de estu- – Neurorrestauração. A restauração ana-
dos em outras doenças ou dor neuropática. tômica dos nervos periféricos e plexos

100 perguntas chave em Dor 59


O.J.M. Nascimento, et al.

nervosos alivia a dor decorrente de trau- – Talamotomia e mesencefalotomia. A ta-


matismo nervoso15-19. lamotomia dos núcleos inespecíficos do
télamo alivia inicialmente a dor neuropá-
QUAIS SÃO OS PROCEDIMENTOS tica em até 70% dos doentes com neu-
NEUROCIRÚRGICOS FUNCIONAIS? ropatia periférica, mielopatia ou encefa-
lopatia. Resultados insatisfatórios em
– Simpatectomias: proporcionam melhora longo prazo. Sua associação parece me-
inicial, geralmente de curta duração em lhorar o rendimento do tratamento.
doentes com síndrome complexa de dor – Cirurgias psiquiátricas. A hipotalamoto-
regional ou com dor em queimor por mia, a cingulotomia, a tratotomia sub-
compressões nervosas, traumatismos e caudata e a capsulotomia anterior são
ou vasculopatias. Ineficaz nas parestesias, indicadas no tratamento de doentes em
dor no coto de amputação, mielopática, que a dor é gravada devido a comporta-
decorrente de lesão da cauda equina, mentos ansiosos, depressivos e obsessi-
avulsão de raízes nervosas ou NPH15-19. vos não controlados com medicação psi-
– Neurotomia dos nervos somáticos. As cotrópica, psicoterapia e ou eletrochoque.
neurotomias dos ramos sensitivos do ner- – Hipofisectomia. É indicada para o trata-
vo trigêmeo, dos nervos occipitais são mento da dor neuropática central.
pouco indicadas, pois sua eficácia geral-
mente é de curta duração e a ocorrência O QUE SABEMOS SOBRE A
de dor pós-operatória por desaferenta- ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA DO
ção é muito comum. SISTEMA NERVOSO E SOBRE
– Rizotomias. São indicadas para tratar a DISPOSITIVOS PARA
dor neuropática paroxística em áreas res- ADMINISTRAÇÃO DE
tritas do corpo, especialmente as locali- MEDICAMENTOS?
zadas. As rizotomias percutâneas dos
nervos trigêmeo, glossofaríngeo e inter- Em geral temos15-19:
mediário são eficazes em casos de neu- – Estimulação da medula espinal. A estimu-
ralgias essenciais da face. lação elétrica da medula espinal é pouco
– Lesão do trato de Lissauer e do corno eficaz em casos comprometimento inten-
posterior da medula espinal. É indicada so e amplo da sensibilidade. É eficaz no
para o tratamento da dor no membro tratamento da síndrome dolorosa pós-
fantasma, dor resultante de neuropatias -laminectomia, da síndrome complexa de
plexulares actínicas e oncopáticas, trau- dor regional, da dor mielopática quando
máticas, NPH, dor mielopática segmentar há preservação, pelo menos parcial da
ou decorrente de lesão da cauda equina sensibilidade, da NPH, das monorradicu-
ou da espasticidade, dor facial atípica, lopatias dolorosas, da dor no coto de
anestesia dolorosa da face, etc. amputação.
– Cordotomias. São contraindicadas para o – Estimulação encefálica profunda. A esti-
tratamento da dor neuropática, exceção mulação de estruturas do tronco encefá-
feita aos doentes com dor nociceptiva e lico e encefálicas profundas revelou-se
neuropática decorrente do câncer. insatisfatória no tratamento da dor.
– Mielotomia extraleminiscal cervical. É efi- – Estimulação do córtex cerebral. A estimu-
caz para o tratamento da dor mielopáti- lação do giro pré-central proporciona
ca, dor decorrente de avulsão do plexo melhora imediata em considerável de
braquial e da NPH. doentes com dor central encefálica, dor

60 100 perguntas chave em Dor


Dor neuropática

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100 perguntas chave em Dor 61


Capítulo 9

Dor, saúde mental e sono

A.A. Henriques, J.J. Sardá Jr., C. Frange e M. Levy Andersen

COMO O MODELO
BIOPSICOSSOCIAL Ambiente
É APLICADO À DOR?
Comportamento [adoecer]
O modelo biopsicossocial de saúde foi
proposto, em 1977, por Engel, psiquiatra Sofrimento
inglês, com o intuito de explicar melhor a
etiologia das doenças mentais. Este modelo
foi aplicado na compreensão de diversas do- Percepção da dor
enças, incluindo as dores crônicas (DC). Mo-
delos biopsicossociais de dor propõem que
aspectos biológicos podem iniciar, manter Nocicepção
ou modular alterações físicas; porém, fatores
psicológicos influenciam na avaliação e per-
cepção de sinais fisiológicos, e fatores sociais
mediam as respostas comportamentais do Figura 1. Modelo biopsicossocial da dor (adaptado
de Flor1).
paciente à percepção de suas alterações fí-
sicas1,2. A figura ao lado ilustra as interações
entre os aspectos biopsicossociais (Fig. 1).
Este modelo pode ser aplicado tanto a comportamento será reforçado pelo dentista
dores crônicas como agudas. Por exemplo, parando de usar a broca ou continuando, e
quando uma pessoa vai ao dentista para explicando que usará anestesia e que o pro-
realizar um procedimento simples, como cedimento irá ser concluído em breve. No
uma obturação, ela sofrerá um estímulo me- caso das DCs, essas interações são mais
cânico, a vibração da agulha contra o dente, complexas, envolvendo, por exemplo, ques-
que provocará uma sensação desagradável à tões de gênero, nível educacional, ambiente
maior parte das pessoas. A percepção deste de trabalho e aspectos culturais, além dos
estímulo potencialmente doloroso varia de aspectos já descritos anteriormente.
pessoa para pessoa segundo seu estado Os modelos biopsicossociais possuem di-
emocional (ex: ansiedade), e das experiên- versas evidências científicas que os supor-
cias dolorosas prévias que esta pessoa teve. tam1-3, e permitem compreender a dor em
Diante disso, esta pessoa emitirá um com- suas diversas dimensões: biológicas, cultu-
portamento de dor (ex: se contorcer), este rais, sociais, afetivas, cognitivas, econômicas

100 perguntas chave em Dor 63


A.A. Henriques, et al.

Frequentemente, as pessoas têm dificul-


dades em lidar com o fato de terem uma
DOR DC, uma vez que esta, em geral, tem um
impacto em diversas dimensões da vida.
Desta forma, o papel do psicólogo é auxiliar
Depressão Cinesiofobia
a pessoa com DC a lidar de forma mais
adequada e efetiva com esta condição, bem
Baixa
como trabalhar os aspectos que por ventura
produtividade Inatividade estão contribuindo para o agravamento des-
ta situação. É importante lembrar que o psi-
cólogo é um profissional da saúde mental
Problema Ansiedade importante no tratamento da dor, e que este
do sono
não trata apenas de pessoas com doenças
Dificuldade de mentais, mas também de pessoas que estão
concentração
tendo dificuldades em lidar com esta situa-
ção.
Figura 2. Ciclo da dor.
QUEM É ANSIOSO SENTIRÁ
MAIS DOR?

e espirituais. Abordar a dor considerando Em geral, sim. Diversos estudos demons-


essas dimensões permite uma melhor com- tram que a ansiedade contribui para o au-
preensão deste fenômeno, bem como uma mento da hipervigilância4, o que faz com
maior eficácia em seu tratamento. que a atenção a estímulos potencialmente
dolorosos aumente. Além disso, a ansiedade
POR QUE CONSULTAR pode contribuir para o estresse. A resposta
UM PSICÓLOGO EM CASOS de estresse consiste em diversas alterações
DE DOR CRÔNICA? metabólicas em nosso organismo (ex: au-
mento da tônus muscular). Nestas situações,
A DC pode afetar diversas dimensões na são liberados diversos neurotransmissores e
vida das pessoas. Pacientes com DC podem hormônios que, a longo prazo, contribuem
apresentar ansiedade, depressão, estresse, para a imunossupressão e uma pior resposta
estratégias inadequadas para lidar com a a processos inflamatórios. A ansiedade tam-
dor, crenças disfuncionais (ex: pensamentos bém pode contribuir para interpretações e
catastróficos), problemas familiares, finan- atribuições de significado distorcidas a uma
ceiros, redução de contato social, problemas situação (ex: interpretar um sintoma leve
no ambiente de trabalho e redução da qua- como algo importante, ou imaginar que algo
lidade de vida1-3. Estes aspectos, muitas ve- errado vai acontecer). Isto contribui para que
zes, são decorrentes da dor, mas também muitas vezes uma pessoa com DC evite ati-
podem contribuir para o aumento desta, vidades com medo de sentir dor.
bem como incapacidade física e sofrimento A curto prazo, medicações podem ser
psicológico. Quando esses elementos estão usadas e, em geral, apresentam bons resul-
presentes, é importante que o profissional tados, mas é importante trabalhar os aspec-
de saúde encaminhe o paciente a um psicó- tos que contribuem para a ansiedade, e isso
logo ou que o próprio paciente o procure pode ser facilmente realizado com o auxílio
(Fig. 2). de um psicólogo ou psiquiatra.

64 100 perguntas chave em Dor


Dor, saúde mental e sono

Lesão

Desuso
depressão
Incapacidade
Recuperação
Evitação
Hipervigilância

Evitação Experiência Confrontação


Medo relacionado a dor dolorosa

Catastrofização da dor
Ausência de medo

Afetividade negativa
Confrontação
Informação ameaçadora de doença

Figura 3. Modelo medo – evitação (adaptado de Sullivan MJ6).

O QUE SÃO OS PENSAMENTOS atividades, ocasionando, assim, incapacida-


CATASTRÓFICOS E COMO ELES de e depressão. Entre os diversos fatores
ESTÃO RELACIONADOS À DOR? complicadores nos quadros de dor, as cren-
ças catastróficas têm-se mostrado como um
Pensamentos catastróficos podem ser de- dos aspectos mais importantes, dada sua
finidos como processos mentais com uma importante contribuição para o aumento da
perspectiva exageradamente negativa com dor, da incapacidade física e da depressão.
relação a um estímulo5, ou ainda, como
crenças de que o pior desfecho ocorrerá em COMO A TERAPIA COGNITIVO-
uma dada situação. Pensamentos catastrófi- COMPORTAMENTAL PODE
cos contribuem para o aumento da intensi- AUXILIAR NO TRATAMENTO DA
dade da dor, incapacidade física e depres- DOR CRÔNICA?
são5. A figura acima ilustra como este ciclo
funciona (Fig. 3). Mesmo nos estudos que relatam uma re-
Segundo este modelo, a crença de que o dução da dor, esta melhora nem sempre é
pior desfecho poderá ocorrer em uma dada acompanhada de uma melhora no funciona-
situação (ex: aumento da dor) contribui para mento físico, psíquico e social do paciente.
que a pessoa interprete essa situação como A associação de um tratamento psicoterápi-
ameaçadora, o que gera sentimentos nega- co no Plano Terapêutico Multidisciplinar do
tivos e medo, com o consequente desenvol- paciente com DC costuma ser benéfica, des-
vimento de uma hipervigilância e aumento de que corretamente indicada, aplicada e
da atenção à dor ou a outros estímulos. Isso integrada às demais intervenções terapêuti-
faz com que a pessoa evite esta atividade, cas.
interpretada por ela como passível de ser A terapia cognitivo-comportamental
nociva e causar dor, o que leva à redução de (TCC) é um modelo teórico-prático usado na

100 perguntas chave em Dor 65


A.A. Henriques, et al.

compreensão e no tratamento de diversos comunicação assertiva, escrita expressiva,


transtornos psiquiátricos. É focada em obje- resolução de problemas e prevenção de re-
tivos claros, estabelecidos pelo paciente e caída.
terapeuta, visando ajudar o paciente a efe- Se há comorbidade entre DC e transtor-
tuar mudanças em sua vida. É de base em- nos psiquiátricos (depressão, ansiedade, de-
pírica. Paciente e terapeuta têm papel ativo pendência química etc.), o emprego de psi-
na solução dos problemas e nos resultados coterapia será necessário8. Nesses casos, ela
do tratamento. mostra-se uma modalidade psicoterápica
Há três fundamentos na TCC: a atividade útil, com protocolos de tratamento bem es-
cognitiva (pensamento) influencia o compor- truturados e efetivos para tais transtornos.
tamento; a atividade cognitiva pode ser mu- Submeter-se à TCC para DC não significa
dada e alterada; e o comportamento pode que o paciente tenha, obrigatoriamente, al-
ser modificado mediante mudança cogniti- gum transtorno mental. Entretanto, a ocor-
va. É o modo como uma pessoa interpreta rência crônica de dor altera negativamente
eventos que determina como se sentirá e se os processos das atividades cognitiva, emo-
comportará. A TCC é a modalidade psicote- cional e comportamental. E a TCC mostra-se
rápica com melhores resultados nos pacien- um método efetivo em acessar e readaptar
tes com DC7. Ela atua em como o indivíduo essas dimensões.
avalia, interpreta e reage em relação à sín-
drome dolorosa e aos fatores associados. O DOR CRÔNICA E DEPRESSÃO
objetivo é ajudar o paciente a identificar e ESTÃO SEMPRE JUNTAS?
modificar cognições e comportamentos ina-
dequados no enfrentamento da dor. A TCC A dor apresenta um componente afetivo/
mostrou-se efetiva na diminuição dos níveis emocional, podendo incluir diversos tipos de
de dor, melhora da qualidade de vida, na sentimentos, usualmente, de qualidade ne-
reabilitação, no humor e diminuição de cus- gativa. A relação entre dor e depressão é um
tos7. Revisões metanalíticas7 indicam a sua dos assuntos mais pesquisados e presentes
efetividade na abordagem individual ou gru- no atendimento de pacientes com dor. Tris-
pal, com aplicação em DC lombar, DC pélvi- teza é a queixa de humor mais frequente
ca, dor em câncer de mama, disfunção tem- nesse contexto.
poromandibular, fibromialgia e cefaleia Deve-se diferenciar o sintoma humor de-
crônica, entre outros. pressivo (HD) do transtorno depressivo maior
É recomendada quando: a dor do pacien- (TDM). O primeiro é um sentimento de tris-
te se torna crônica; a dor se torna fora de teza, que ocorre em diferentes situações de
manejo; a dor afeta o funcionamento psico- vida, associado a perdas reais ou imaginá-
lógico ou o estresse emocional exacerba a rias. Apresentar uma doença pode estar
dor; o paciente tem dificuldade em aderir acompanhado desse sentimento. Até certo
aos tratamentos; o paciente vivencia um es- ponto, esse sentimento é normal, ou seja,
tresse psicossocial significativo (desgaste “adequado”. Já o TDM, ou “depressão”, é
com familiares ou amigos; limitações físicas; um tipo de transtorno psiquiátrico e uma
perda de emprego; dificuldades financeiras situação clínica que exige tratamento, afe-
etc.). Algumas das técnicas que compõem o tando de 10 a 20% da população. Há a
protocolo de TCC em DC são psicoeduca- presença9 por, no mínimo, 2 semanas segui-
ção, relaxamento muscular progressivo e das de HD ou de falta de interesse ou prazer
respiração, distração, reestruturação cogniti- com a maioria das atividades que a pessoa
va (técnica mais efetiva na catastrofização), realiza. Em crianças e adolescentes, ao invés

66 100 perguntas chave em Dor


Dor, saúde mental e sono

de HD, pode haver irritabilidade. Além disso, A depressão piora a qualidade de vida, a
ao menos quatro dos sintomas devem ocor- resposta e a adesão aos tratamentos, preju-
rer nesse período: dica o funcionamento sócio-ocupacional,
– Diminuição ou aumento de apetite. dificulta as relações matrimoniais e amplifica
– Insônia ou hipersonia (dormir demais). a intensidade da dor, aumentando a neces-
– Agitação ou lentificação psicomotora. sidade de analgésicos. A relação mais aceita
– Fadiga ou perda de energia. é que a depressão seja consequência da DC
– Sentimento de inutilidade ou culpa ex- de longa duração, sob uma múltipla influên-
cessiva. cia de co-fatores genéticos, neurobiológicos,
– Capacidade diminuída de pensar (dificul- cognitivos e ambientais. Pesquisas em ima-
dade de concentração/memória). gem indicam que há áreas similares do cé-
– Pensamentos de morte ou suicídio. rebro que estão afetadas tanto na depressão
Entre pacientes com DC, 30 a 60%9 quanto na DC, com um desequilíbrio dos
apresentam concomitantemente o TDM. É a mesmos neurotransmissores (serotonina/no-
comorbidade psiquiátrica mais frequente em radrenalina), em nível central e periférico.
DC. É bidirecional: a depressão exacerba a Sempre que a dor se tornar crônica e inca-
dor, e vice-versa. As síndromes dolorosas pacitante, a presença de TDM deve ser in-
mais associadas ao TDM são fibromialgia, vestigada. Se diagnosticado, há tratamentos
cefaleia tensional, DC pélvica e DC em ex- específicos, como psicofármacos (antide-
tremidade dos membros superiores. Na pressivos tricíclicos e duais) e psicoterapias
atenção primária, pacientes com DC apre- (em especial, a TCC). O objetivo do trata-
sentam quatro vezes mais chance de ter de- mento do TDM é sempre a remissão com-
pressão do que pacientes sem DC12. Em pleta dos sintomas, e a presença de dor não
pacientes com câncer, a presença de TDM muda esse objetivo. As duas situações de-
também é mais frequente, principalmente em vem ser tratadas conjuntamente. Na depres-
cânceres de orofaringe, pâncreas, mama e são de intensidade leve ou moderada, a DC
pulmão. Mais avançado o câncer, maior chan- e a depressão são tratadas concomitante-
ce de apresentar TDM. A prevalência de TDM mente; na depressão grave, o foco prioritá-
em pacientes com dor oncológica é 36,5%9. rio é o TDM.
Para aumentar a especificidade do diag- As pessoas que aceitam sua condição de
nóstico de TDM, deve-se identificar sintomas DC e, apesar dela, continuam suas ativida-
cognitivos e de humor (dificuldade de con- des, mantendo o controle da situação, têm
centração, baixa auto-estima, indecisão, tris- menos chance de desenvolver TDM. A co-
teza, choro, culpa, desesperança e ideação morbidade entre depressão e dor sempre
suicida); investigar história familiar e investi- deverá ser investigada e tratada sem restri-
gar a apresentação longitudinal e fatores ções pela equipe multidisciplinar.
associados às duas síndromes. O TDM pode
ser letal, sendo a causa mais frequente de OS OPIÓIDES GERAM
suicídio. Pessoas com DC, mesmo sem de- DEPENDÊNCIA? QUAL O RISCO
pressão, apresentam uma chance duas a três E COMO PREVENIR?
vezes maior de cometer suicídio. Para pa-
cientes com DC abdominal, dor neuropática, Os opióides são tanto utilizados em ex-
intensidade elevada da dor, insônia, história cesso quanto subutilizados. A neurotrans-
familiar de suicídio, desesperança em rela- missão opioidérgica é essencial para a inte-
ção ao tratamento da dor e litígio trabalhis- gridade biológica do sistema nervoso, em
ta, a chance é maior ainda. que os opióides endógenos (β-endorfinas,

100 perguntas chave em Dor 67


A.A. Henriques, et al.

Tabela 1. Precauções para prevenir DO

–  Otimize todas as outras alternativas terapêuticas.


– Avalie o risco de transtornos de substâncias.
– O uso de opióides deve ser adjuntivo às outras medicações e modalidades terapêuticas.
– Estabeleça limites e objetivos claros no tratamento, revise-os periodicamente e, se não forem alcançados,
suspenda a medicação.
– Utilize medicações com meia-vida prolongada, de longa ação.
– Monitore o uso de opióides.
– Centralize a prescrição de opióide em um único médico.
– Solicite a presença de familiares periodicamente.
–  Mantenha uma boa documentação da evolução e das condutas empregadas.

etc.) interagem com múltiplos receptores. A abuso de opióides pode ser uma tentativa
ativação dos receptores mu media as pro- de automedicação.
priedades analgésicas dos opióides. Quando Há duas expressões comumente empre-
há interação desses receptores com o siste- gadas: opiofobia – crença de profissionais da
ma dopaminérgico de recompensa, o abuso saúde de que quase toda prescrição de opi-
e a dependência podem desenvolver10. Essa óide levará à DO, podendo assumir formas
ativação de processos cerebrais, indepen- mais sutis (superestimação de efeitos colate-
dentemente da dor, motiva o uso dessas rais ou subdosagem da medicação). A outra
medicações por prazer (ou alívio de descon- expressão é pseudodependência: síndrome
fortos físicos e/ou psíquicos). Abstinência, iatrogênica em que o paciente mimetiza um
abuso e dependência são manifestações de quadro de DO, com comportamentos exa-
modificações cerebrais, resultantes do uso cerbados de busca por medicações analgé-
crônico dessas substâncias. sicas. Ela ocorre devido ao manejo inadequa-
A dependência é um conjunto de sintomas do e/ou ao subtratamento da síndrome
cognitivos, comportamentais e psicológicos dolorosa. Quando o manejo da dor se torna
que indicam que um indivíduo continua a adequado, ela desaparece. Também é deno-
usar uma substância, apesar dos problemas minada de pseudoadição.
significativos decorrentes desse uso. Pacientes A tabela 1 lista as orientações na prescri-
com DC que não apresentam dependência ção de opióides. Quando a presença de um
atual/passada a outras substâncias, em uso transtorno por uso de substância for detec-
continuado de opióides, apresentam incidên- tada em um paciente com DC, o tratamento
cia de dependência opióides (DO) de 0,5%10. deve ser concomitante, idealmente, no mesmo
Já a prevalência de DO em pacientes com DC centro assistencial. Raramente (menos de 1%),
não oncológica é em torno de 4,5%; e a de um paciente sob uso de opióides, sem his-
abuso de opióides, 10%. tória de problemas por uso de substâncias,
São fatores de risco para abuso e DO: ser desenvolverá DO, ou seja, a grande maioria
homem; jovem ou de meia-idade; história de dos pacientes poderá se beneficiar dessas
abuso/dependência atual/passada (incluindo medicações, desde que adequadamente in-
nicotina); comorbidade de transtornos psi- dicada.
quiátricos atuais/passados; dor em múltiplos
locais; história familiar de dependência quí- O SONO INFLUENCIA NA DOR?
mica; história de abuso físico/sexual; altos
níveis de dor; dor após acidente automobi- O sono é um fenômeno biológico essen-
lístico e presença de emoções negativas. O cial, um estado de intensa atividade cerebral

68 100 perguntas chave em Dor


Dor, saúde mental e sono

e uma de suas funções é manter a homeos- levar a um sono não restaurador e/ou frag-
tase do organismo. A falta de sono (privação) mentado, influenciando o padrão de sono.
provoca diversas alterações fisiológicas e com- Os tratamentos farmacológicos e as condi-
portamentais em animais e em humanos. ções clínicas que reduzem o tempo de sono
Estudos demonstram que o sono insuficien- podem aumentar ou desencadear a dor;
te, seja em quantidade e/ou em qualidade, portanto, devemos estar atentos para uma
pode levar a disfunção metabólica, hiperten- investigação clínica adequada desta associa-
são, acidente vascular encefálico, diabetes e ção tão frequente nos consultórios.
doenças cardíacas, aumentando a mortalida-
de. Os distúrbios de sono são vários: apneia O QUE É A HIGIENE DO SONO
obstrutiva do sono, insônia, sono não repa- E COMO POSSO APLICÁ-LA?
rador, despertares noturnos frequentes, dis-
túrbios de movimento, dentre outros. A higiene do sono são hábitos rotineiros
Evidências apontam para o fato de que que representam uma intervenção compor-
os distúrbios de sono estão relacionados tamental, destinada a promover o sono, me-
etiologicamente com a dor crônica11. A neu- lhorando sua qualidade e quantidade. As
robiologia e os mecanismos das vias noci- recomendações da higiene do sono16 são
ceptivas envolvidos com quantidade insufi- estabelecer uma rotina regular para deitar-se
ciente de sono ou com baixa qualidade de e levantar-se; tornar o ambiente de dormir
sono ainda não foram completamente escla- agradável com uma cama confortável, sem
recidos. No entanto, há alguns indícios des- ruídos e barulhos, temperatura agradável e
sa relação entre dor e sono12: restrição de usar o quarto apenas para dormir (evitar
sono Rapid Eye Movement (REM) diminui a conversas desagradáveis antes de dormir, a
atividade colinérgica, e, portanto, sua fun- ideia é não levar os problemas para a cama);
ção analgésica; a privação de sono REM di- associar a cama ao sono (não a usando para
minui níveis de serotonina; deficiências sero- ler, assistir televisão, ouvir rádio, etc.); dimi-
toninérgicas podem gerar problemas de nuir o tempo desperto na cama (caso não
sono, uma vez que a serotonina tem parti- seja possível adormecer, deve-se sair da
cipação fundamental na promoção do sono cama, caminhar pela casa, ler um livro, etc.,
e da analgesia; níveis elevados de substância e, após, tentar dormir novamente); evitar
P estimulam a hipersensibilidade à dor e dis- cochilos diurnos (cochilo rápido após o al-
túrbios de sono e a privação de sono pode moço está liberado em alguns casos); prati-
predispor à sensibilidade à dor e elevar os car exercícios físicos; evitar o uso de medi-
níveis de glutamato no encéfalo, facilitando, camentos para dormir (exceto por prescrição
assim, a transmissão de sinais nociceptivos. médica); à noite, realizar apenas refeições
A privação de sono total ou seletiva de leves e não ir para a cama com fome ou
um estágio específico de sono leva à hipe- sede; evitar cafeína e álcool ou outras bebi-
ralgesia (sensibilidade exagerada à dor)13,14. das e alimentos estimulantes; e antes de
Assim, a modulação da dor e a regulação do deitar-se limitar a ingestão de líquidos e re-
ciclo vigília-sono têm sistemas neurobiológi- alizar atividades relaxantes como banho
cos em comum, o que justifica a relação quente, por exemplo.
entre o sono e a dor, uma vez que os distúr- A higiene do sono é de extrema importân-
bios, a má qualidade ou ainda a falta de cia para todos, desde a infância até a idade
sono são capazes de desencadear ou agravar adulta mais avançada e, para aplicá-la na roti-
quadros de dor15. Por outro lado, a dor du- na, é importante conhecer seus hábitos, não
rante o sono ou que antecede o sono pode esquecendo de que alguns comportamentos

100 perguntas chave em Dor 69


A.A. Henriques, et al.

são difíceis de serem modificados, por isso BIBLIOGRAFIA


é preciso ter persistência, incorporando
1. Flor H, Turk DC. Chronic Pain: An integrated biobehav-
gradativamente cada mudança em seu co- ioral approach. Seattle: IASP Press; 2011.
tidiano. 2. Keefe F, Rumble ME, Scipio CD, Giordano LA, Perri LM.
Psychological aspects of persisting pain: Current state of
the science. The J Pain. 2004;5(4):195-211.
COMO RESPONDER A ESTA 3. Sardá JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A. Preditores
biopsicossociais de dor, incapacidade e depressão em pa-
QUESTÃO: SINTO-ME cientes brasileiros com dor crônica. Revista Dor.
ENVERGONHADO E 2012;13:111-8.
4. Esteve R, Ramírez-Maestre C, López-Martínez AE. Experi-
CONSTRANGIDO POR NÃO ential avoidance and anxiety sensitivity as dispositional
CONSEGUIR MAIS TRABALHAR variables and their relationship to the adjustment to
chronic pain. Eur J Pain. 2012;16(5):718-26.
POR CAUSA DA DOR? O QUE 5. Sullivan MJ, Lynch ME, Clark AJ. Dimensions of cata-
FAZER PARA LIDAR COM ISSO? strophic thinking associated with pain experience and
disability in patients with neuropathic pain conditions.
Pain. 2005;113:310-5.
Este é um sentimento frequente para 6. Crombez G, Vlaeyen JW, Lysens R. Pain-related fear is
more disabling than pain itself: evidence on the role of
pessoas que têm DC, uma vez que, em di- pain-related fear in chronic back pain disability. Pain.
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7. Williams AC, Eccleston C, Morley S. Psychological thera-
laboral associada à DC. Isto pode ocorrer pies for the management of chronic pain (excluding head-
pela perda da capacidade funcional ou mes- ache) in adults. Cochrane Data Syst Rev.
2012;11:CD007407.
mo pela inadequação do ambiente de traba- 8. Henriques AA. Dor Crônica e Transtornos Psiquiátricos. In:
lho17. Ajustar o ambiente de trabalho de Fabiano Alves Gomes. (Org.). Comorbidades Clínicas em
Psiquiatria. 1ed. São Paulo: Atheneu, 2012. p. 123-44.
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primeiro passo. Uma outra alternativa é en- and depression: clinical correlates, coactivation factors
and therapeutic targets. Expert Opin Ther Targets.
contrar novas funções que não comprome- 2014;18(2):159-76.
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ward spiral of chronic pain, prescription opioid misuse,
do isto não é possível, ou quando existem and addiction: cognitive, affective, and neuropsychophar-
importantes limitações físicas que impeçam macologic path ways. Neurosci Biobehav Rev. 2013;37(10
Pt 2):2597-607.
a pessoa de trabalhar, é essencial que a pes- 11. Fishbain DA, Cole B, Lewis JE, Gao J. What is the evidence
soa receba o benefício auxílio-doença ou for chronic pain being etiologically associated with the
DSM-IV category of sleep disorder due to a general med-
acidente de trabalho, concedido pelo Siste- ical condition? A structured evidence-based review. Pain
ma Previdenciário, seu direito de trabalha- Med. 2010;11(2):158-79.
12. Foo H, Mason P. Brainstem modulation of pain during
dor. Por outro lado, a incapacidade para o sleep and waking. Sleep Med Rev. 2003;7:145-54.
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nus neurons during sleep and waking. J Neurophysiol.
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ML, Tufik S. The effects of total and REM sleep deprivation
Quando isso ocorre, é importante ter o on laser-evoked potential threshold and pain perception.
apoio de um profissional da saúde mental. Pain. 2011;152(9):2052-8.
15. Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep
A pessoa com dor não deve se culpar por and pain: an update and a path forward. J Pain.
estar nessa condição que a impede de exer- 2013;14(12):1539-52.
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cer sua atividade laboral. A reabilitação ple- ment of insomnia. Sleep Med Rev. 2003;7(3):215-25.
na para o trabalho costuma ser um processo 17. Sardá JJ, Kupek E, Cruz RM, Bartillotti C, Cherem AJ.
Preditores de retorno ao trabalho em uma população de
gradual que, envolve uma abordagem mul- trabalhadores atendidos em um programa de reabilitação
tidimensional. profissional. Acta Fisiatrica. 2009;16:81-6.

70 100 perguntas chave em Dor


Capítulo 10

Tratamento da dor – Parte 2

J.O. de Oliveira Jr, F. Peixoto Minson e L. Biela do Vale

QUAIS AS ORIENTAÇÕES DA para dor leve a moderada. Quando esta


ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE combinação é insuficiente. Substitui-se o
PARA O TRATAMENTO DA DOR? opioide fraco por um forte. Somente um me-
dicamento de cada categoria deve ser usado
A Organização Mundial de Saúde (OMS) por vez. Os adjuvantes podem ser associados
propôs a escada analgésica de dor (EAD) em em todos os degraus da escada, de acordo
19861, método para alívio da dor oncológica. com as indicações específicas (antidepressi-
Esta deve ser organizada e padronizada com vos, anticonvulsivantes, neurolépticos, bifos-
base em uma escada de três degraus de fonados, corticosteroides, etc.).
acordo com a intensidade de dor relatada
pelo paciente. O primeiro degrau recomen- Via Oral
da o uso de medicamentos anti-inflamató-
rios não esteroides (AINEs) para dores fracas; Os analgésicos devem ser administrados
o segundo sugere opioides fracos, que po- pela via oral (VO). Vias de administração alter-
dem ser associados aos AINEs, para dores nativas como retal, transdérmica ou parenteral
moderadas, e o terceiro indica opioides for- podem ser úteis em pacientes com disfagia,
tes, associados ou não aos AINEs, para dores vômitos incoercíveis ou obstrução intestinal.
fortes. Os medicamentos adjuvantes devem
ser usados nos três degraus da escada. Essa Intervalos Fixos
escada sugere classes de medicamentos,
proporcionando ao médico flexibilidade e Os analgésicos devem ser administrados
possibilidade de adaptação de acordo com a intervalos regulares de tempo. A dose sub-
as particularidades do paciente e a disponi- sequente precisa ser administrada antes que o
bilidade no seu país. efeito da dose anterior cesse. A dose do anal-
Os princípios da farmacoterapia propos- gésico precisa ser condicionada à dor do
tos pela OMS podem ser resumidos em cin- paciente, ou seja, inicia-se com doses peque-
co tópicos. nas, sendo progressivamente aumentada até
o alívio completo.
Pela Escada
Individualização
Inicia-se pelo primeiro degrau para dores
fracas, que consiste de AINEs. Quando não A dose correta dos opioides alivia a dor
há alívio da dor, adiciona-se opioide fraco com o mínimo de efeitos adversos. Se a

100 perguntas chave em Dor 71


J.O. de Oliveira, et al.

analgesia é insuficiente, o paciente deve ser não dispomos de outras formulações ade-
reavaliado e deve-se subir um degrau da es- quadas para o resgate.
cada analgésica e não prescrever similar da
mesma categoria. O QUE SÃO OS BLOQUEIOS
PERIFÉRICOS E QUAL SUA
Atenção aos detalhes INDICAÇÃO?

Explicar detalhadamente os horários dos São bloqueios reversíveis dos impulsos


medicamentos e antecipar as possíveis com- neurais; englobam uma série de técnicas
plicações e efeitos adversos, tratando-as anestésicas diagnósticas e terapêuticas, tan-
profilaticamente. O paciente que usa opioide to na execução quanto na indicação4.
de forma crônica deve receber orientações A terapia intervencionista é um termo
sobre laxativos. mais amplo e atual e baseia-se no conceito
de que para determinado tipo de dor existe
Observações uma base estrutural anatômica. O bloqueio
neural altera ou interrompe o estímulo no-
Após mais de 25 anos de uso da EAD, ciceptivo proveniente de tal estrutural. O
questiona-se se ela deve ou não ser descon- tratamento intervencionista da dor é defini-
tinuada. Acredita-se atualmente que ela do como sendo a disciplina médica voltada
mantém sua função educativa, mas poderia ao diagnóstico e tratamento de doenças re-
ser modificada e aperfeiçoada. lacionadas à dor, principalmente com a apli-
Novos algoritmos foram propostos; en- cação de técnicas intervencionistas, para o
tretanto, a escada da OMS permanece como controle de dores subagudas, crônicas, per-
orientação para o tratamento farmacológico sistentes ou intratáveis, independentemente
da dor. ou em conjunto com outras modalidades de
tratamento.
COMO PRESCREVER DOSES Os procedimentos são realizados de pre-
DE RESGATE EM DOR? ferência sob orientação radiológica ou de
ultrassom. Isto visa aumentar a segurança e
Tradicionalmente utiliza-se 18% da dose eficácia, diminuindo de forma considerável
total diária de morfina ou 15 a 50 % da a sua morbidade.
dose de horário, que não devem ser repeti- A seleção dos pacientes que serão sub-
das com intervalo inferior a 1h para VO, metidos ao tratamento intervencionista da
30min para a via subcutânea e 10min para dor deve obedecer aos seguintes critérios:
a via intravenosa (VI)2. As doses de resgate são falha nos tratamentos conservadores; dados
indicadas para a dor do tipo breakthough3, objetivos do exame físico e da doença cau-
ou seja, para a dor de ruptura que é defini- sadora da dor e ausência de contraindica-
da como uma exacerbação transitória da dor ções gerais.
ou um escape de dor em pacientes com dor Exemplos e indicações de bloqueios: gân-
basal já sendo tratada e adequadamente glio estrelado (dor cefálica e no membro
controlada. superior); gânglio trigeminal (neuralgia do
Devemos avaliar e tratar também a dor trigêmeo); plexo celíaco (dor visceral abdo-
de base, identificar em cada paciente a causa minal superior –câncer pancreático); simpá-
mais frequente de dor do tipo breakthrough, tico lombar (dor em membro inferior); plexo
avaliá-la rotineiramente e usar a morfina de hipogástrico (dor de visceral pélvica); gânglio
acordo com as recomendações acima, já que ímpar (dor perineal); intercostal (metástases

72 100 perguntas chave em Dor


Tratamento da dor – Parte 2

em costela, síndrome pós-toracotomia); fe- na via, mesmo na ausência de verdadeira


moral (dor em coxa e joelho); supraescapular estimulação periférica, isto é, de modo es-
(dor em ombro); obturador (dor coxofemu- pontâneo.
ral); ilioinguinal e iliohipogástrico (região in- As peculiaridades da dor crônica a tor-
guinal). nam refratária à abordagem medicamentosa
tradicional, uma vez que além da redução
QUAIS SÃO OS DIFERENTES TIPOS da detecção e da transmissão dos estímulos
DE MEDICAÇÕES QUE AJUDAM NA dolorosos em vigência, há também necessi-
DOR CRÔNICA? dade de intervir no estado de hiperatividade
neuronal decorrente da sensibilização.
A dor não é um evento isolado, é sim Assim, além dos fármacos de uso consa-
uma sucessão de eventos de modo linear e grado para alívio da dor aguda, como os
não linear, síncrono e não síncrono, que leva anti-inflamatórios e dos opioides, na dor crô-
a um estado de hiperatividade defensiva, nica, são prescritos anticonvulsivantes, antide-
aumentando a chance de detecção de novos pressivos, fenotiazínicos, a-2-adrenérgicos,
estímulos e otimizando o sistema de defesa. entre outros. São medicamentos que vão ten-
O conceito de sensibilização central compre- tar normalizar o comportamento neuronal,
ende um aumento da função neuronal indi- reduzir a sensibilização celular, e, também
vidual (celular) e de circuitos nociceptivos reduzir o sofrimento relacionado à dor6-10.
(multicelular) causados por incremento da Muitos fármacos classificados e indicados
excitabilidade da membrana e da eficácia inicialmente como antipsicóticos ou como
sináptica, e também por uma redução da anticonvulsivantes são prescritos como anal-
inibição e da plasticidade do sistema nervo- gésicos e são necessárias explicações para
so somatossensitivo em resposta a uma in- que o doente não considere um equívoco,
flamação periférica, atividade anormal ou uma falta de atenção ou uma falta grosseira
lesão nervosa. Costuma ocorrer depois de de conhecimentos médicos. Grande parte da
um estímulo nociceptivo intenso ou repetiti- atividade dos médicos que se dedicam ao
vo. Em ausência de lesão tecidual, o estado estudo e ao tratamento da dor crônica é
de alerta, de limiar diminuído à dor, retorna, tomada por orientações e esclarecimentos.
com o tempo, ao seu estado inicial menos Esta tarefa didática não é restrita aos alvos
ativado. O sistema pode retornar a um esta- mais óbvios: os doentes e seus cuidadores;
do superalerta em condições nas quais o e, contempla outros colegas e outros profis-
risco de uma nova lesão se torna elevado, sionais da área da saúde.
como no caso da detecção de novos estímu-
los nociceptivos intensos, repetidos e ainda EXISTE ALGUMA CIRURGIA
persistentes5. PARA DOR CRÔNICA?
A sensibilização central é expressão da
plasticidade sináptica que ocorre no sistema As dores refratárias aos tratamentos con-
nervoso central deflagrada por estímulos no- servadores, etiológico e sintomático, podem
ciceptivos persistentes. Há um estado de receber a indicação de métodos analgésicos
facilitação, potenciação, aumento e/ou am- intervencionistas (cirúrgicos) que não preser-
plificação. Há redução de influências inibitó- vam o sistema nervoso (ablativos) ou que pre-
rias nos neurônios sensitivos do corno dorsal servam o sistema nervoso (não ablativos)11,12.
e alterações sinápticas e intracelulares que Os ablativos resultam em respostas anal-
culminam com a produção permanente de gésicas mais duradouras, porém, se associam
sinalização de presença de estímulos dolorosos a maiores riscos, entre os quais se encontra a

100 perguntas chave em Dor 73


J.O. de Oliveira, et al.

dor neuropática iatrogênica, secundária a le- O método é empregado para controlar a dor
são produzida. As deficiências motoras ou crônica intratável principalmente de origem
sensitivas decorrentes costumam ser mais neuropática e oferece alternativa importante
persistentes. às cirurgias ablativas ou ao uso de sistemas
Os não ablativos são representados pelos implantáveis de liberação intratecal de fár-
bloqueios anestésicos, pela infusão de fár- macos analgésicos. A simplicidade, a melho-
macos analgésicos espinais extra ou intrate- ra das baterias, a progressiva miniaturização,
cais, em bolos ou contínuos, em sistemas e a possibilidade de opções diversas de esti-
temporários ou definitivos, parcial ou total- mulação, trouxeram maior conforto e eficá-
mente implantados, pela aplicação de radio- cia à neuroestimulação13-16.
frequência pulsada, e, pela estimulação elé- A teoria da comporta foi inicialmente o
trica de nervo periférico, medular, cerebral alicerce científico da EEME; no entanto, pes-
profunda e de cortiça cerebral. São mais quisas posteriores excluíram este mecanismo
seguros e se associam com menores taxas de ação analgésica, fortalecendo o envolvi-
de complicações. Na maioria das vezes, o mento da EEME em mudanças de concen-
método não ablativo depende de soluções trações nos neurotransmissores inibitórios e
tecnológicas mais recentes e agregadas a modulatórios na porção posterior da subs-
um maior valor financeiro. tância cinzenta medular, além de mobiliza-
ção das vias ascendentes da coluna posterior
O QUE É UM NEUROESTIMULADOR até os centros encefálicos inibidores de dor.
MEDULAR? E QUAIS SÃO SUAS Há também efeitos descritos de controle da
INDICAÇÕES? alodínea (dor a partir de estímulos sabida-
mente não dolorosos), efeitos contra a is-
O neuroestimulador medular, tecnica- quemia por melhora da perfusão arterial
mente, é o gerador de pulsos elétricos, im- (tanto periférica como cardíaca) e efeitos em
plantado no subcutâneo, que alimenta, por doenças que se relacionam ao sistema ner-
intermédio de cabos, eletrodos implantados voso neurovegetativo como a síndrome
em contato com a face externa da dura- complexa dolorosa regional (SCDR). O bom
-máter que cobre a face posterior da medu- efeito analgésico parece relacionado com a
la espinal. A estimulação elétrica da medula integridade da coluna dorsal ascendente da
espinhal (EEME) consiste na inserção desses medula, mas não da inervação periférica.
eletrodos referidos no espaço epidural pos- As recentes revisões sistemáticas e os es-
terior da coluna torácica ou cervical ipsilate- tudos com casuísticas próprias, classificam a
ral à dor (se unilateral) no nível medular estimulação elétrica como de evidência cien-
correspondente ao dermátomo acometido tífica classe II. A maioria desses estudos ver-
para evocar a topograficamente sensações sou sobre as duas indicações mais numero-
de parestesia na mesma região. sas para a EEME, a síndrome do insucesso
Classificada como método não ablativo, da cirurgia espinal, conhecida no Brasil como
a estimulação neural elétrica invasiva é uma síndrome dolorosa pós-laminectomia (SDPL)
das mais importantes técnicas utilizadas para e SCDR, sendo observada melhora significa-
a obtenção de analgesia, não destrutiva, tiva na capacidade funcional e nas medidas
cujos eventuais efeitos colaterais, podem ser de qualidade de vida. A análise de seguran-
abolidos por redução ou suspensão da esti- ça mostrou disfunções relacionadas com a
mulação. Sua eficácia está diretamente rela- migração (13,2%) ou quebra de eletródios
cionada com a seleção dos doentes, dos (9,1%). Complicações clínicas foram raras e
materiais empregados, e das técnicas adotadas. sem gravidade, geralmente resolvidas com

74 100 perguntas chave em Dor


Tratamento da dor – Parte 2

remoção dos materiais implantados. A taxa no desenvolvimento de tolerância, dose e


geral de infecção foi de 3,4%. estrutura química, etc19.
O efeito da EEME também foi estudado A broncoconstrição, mais observada com a
em vários outros diagnósticos; no entanto, morfina, devido em parte ao efeito liberador
todos os relatórios, quando não contraditó- de histamina do mastócito pulmonar. O efeito
rios, são de classe IV, evitando assim conclu- é revertido pela naloxona, antihistamínicos H1,
sões definitivas. A EEME é o método de neu- broncodilatadores e corticosteroides.
romodulação mais estudado na atualidade e A morfina induz hipertensão postural (va-
o que apresenta evidências mais relevantes de sodilatação venosa e arteriolar) e inibição do
ensaios clínicos comparativos na literatura. reflexo barorreceptor. Precaução com poli-
traumatizados ou disfunção cardíaca. Morfina
O QUE DEVO SABER ABSORÇÃO e opioides devem ser usados criteriosamente
DE MEDICAMENTOS? em pacientes com pressão intra-craniana, (PIC)
elevada, pois causam depressão respiratória,
A via de administração oral, quando o retenção de CO2, vasodilatação cerebral e
medicamento permite, é mais fácil, econô- aumento maior da PIC.
mica e segura; requer cooperação do pa- Na depressão respiratória, manter o pa-
ciente. A absorção por esta via é retardada; ciente desperto, estimulando-o a respirar,
comprimidos e cápsulas sofrem processos de pois a tolerância é reversível. A dor é um
desintegração e dissolução antes da absorção. analéptico respiratório, e a administração de
A VI é segura; indicada para fármacos com O2 pode causar apneia. Quando necessário,
estreita margem de segurança, quando se de- usar agonista-antagonista como a nalbufrina.
seja efeito imediato. Nesta via não há absor- Em geral é rara para doses habituais de mor-
ção e estão proibidas soluções oleosas e inso- fina e na ausência de disfunção pulmonar,
lúveis. A via intramuscular, absorção variável, entretanto pode ser potenciada por álcool ou
permite veículos oleosos e volumes moderá- benzodiazepínicos. Intubação, ventilação e
veis. A via enteral subcutânea não apresenta desmame posterior podem ser necessárias.
absorção lenta, comporta pequenos volumes Náusea e vômito são eventos comuns no
e não permite soluções irritantes17,18. início do tratamento, dose pedendentes e de
Aspecto importante na escolha da via de rápida tolerância. A deambulação após uso
administração (exceto a intravenosa) é a bio- de hidromorfona aumenta o aparecimento
disponibilidade sistêmica, definida pela do quadro. O tratamento consiste na admi-
quantidade do fármaco administrado que nistração de naloxona, benzodiazepínicos
alcança a circulação sistêmica na forma in- (hipnóticos-sedativos), antiserotímicos, ani-
tacta e pelo tempo que dura esse processo. tihistamínicos (prometazina), etc, especial-
A biodisponibilidade para a morfina VO é de mente em eventos pós-deambulação. Man-
24%, a de codeína é 50%, a de metadona ter o paciente em posição recumbente por
90% e a de naloxona 2%. algum tempo após o opioide.
A constipação é comum com o emprego
QUAIS OS PRINCIPAIS EFEITOS prolongado de opioides. Descreve-se a sín-
COLATERAIS DOS OPIOIDES NOS drome do intestino narcótico (vômito, cons-
SISTEMAS CARDIOVASCULAR, tipação, obstrução abdominal e funcional do
PULMONAR E GASTROINTESTINAL? cólon). O tratamento é à base de metilnal-
trexona (com reversão da analgesia) e de
Os efeitos são diversos e de origem mul- outros medicamentos, tais como catárticos
tifatorial: idade, doenças prévias, variabilidade (hidróxido de magnésio, sulfato de magnésio),

100 perguntas chave em Dor 75


J.O. de Oliveira, et al.

supositório de glicerina, enema, óleo mineral corno dorsal da medula espinhal (CDME), VI.
de uso controlado. É dose dependente e não Alguns liberam histamina (o que não ocorre
desenvolve tolerância. com fármacos sintéticos, como o fentanil),
Os opioides têm ação constritora e au- via receptor histamínico H1 em mastócitos,
mentam o tônus do ducto biliar e do esfínc- principalmente das regiões da face e pesco-
ter de Oddi (cólica biliar, aumento da pres- ço. Esse prurido pode ser revertido por na-
são nos vasos biliares e aumento do nível loxona e AINEs.
plasmático da amilase e da lipase). Reco- Sedação ocorre por redução dos movimen-
menda-se cuidado no tratamento da dor em tos voluntários, acalmia e moderação da exci-
pacientes com pancreatite e ou insuficiência tação; pode tornar-se inconveniente e persis-
hepática. Nestas condições tenta-se o blo- tente. O tratamento consiste na redução da
queio do neuro-eixo. A naloxona pode re- dose do opioide ou usar o metilfenidato. Rigi-
verter o efeito opioide sobre o trato biliar. dez, mioclonia e convulsão podem ocorrer por
Extase gástrica pode manifestar-se por redu- uso crônico de opioides ou após administração
ção da motricidade do estômago, prolonga- VI rápida. Pacientes epilépticos, com limiar
mento do tempo de esvaziamento, sensação de convulsivo baixo são mais sensíveis. Altas do-
plenitude epigrástrica, esofagite, soluço e ano- ses de morfina (2 mg/kg) infundidas a veloci-
rexia. Estes efeitos surgem mesmo com peque- dade de 10 mg/min e outros opioides podem
nas doses de morfina. A sondagem intestinal é causar rigidez muscular abdominal e redução
dificultada. Sugere-se a rotação de opioides. da complacência torácica. Doses menores
Xerostomia, devido ao efeito autonômico provocam sensação de tensão muscular (pes-
da morfina e similares pode ocorrer causan- coço, pernas e tórax). A mioclonia pode asse-
do cárie dentária, lesões gengivais, halitose, melhar-se a convulsões sem evidências no ele-
dificuldade de deglutição e dicção. Saliva troencefalograma (EEG). O evento é mais
artificial, alimentação fracionada, ingesta de comum em pacientes com déficits cognitivos
água auxiliam. Evitar antissialogogos. e distúrbios neuropsiquiátricos submetidos a
A retenção urinária, devido ao aumento altas doses de opioides (fentanil). O opioide
do tônus do esfíncter e da musculatura da atuaria em receptores de interneurônios cor-
bexiga é comum após administração de ticais gabaérgicos bloqueando a liberação de
opioide no neuroeixo. Inibe o reflexo de mic- GABA. O tratamento pode ser feito com
ção, causa tenesmo e urgência urinária. A naloxona e fármacos que facilitam a ativida-
condição é contornada pelo uso de cateter de gabaérgica (clonazepan, tiopental).
na via urinária. Há tolerância a estes efeitos. Distúrbios cognitivos: delirium pode ser
acompanhado de distúrbios do sono, altera-
QUAIS OS PRINCIPAIS EFEITOS ções do nível de consciência e perturbações
COLATERAIS DOS OPIOIDES NO psicomotoras. Outros efeitos incluem eufo-
ÚTERO E SISTEMA NERVOSO ria. Rotação de opioide e correção de dose
CENTRAL? podem resolver.

Útero: os opioides cruzam a barreira pla- COMO ENTENDER HIPERALGESIA,


centária. A morfina até 4h antes do parto TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA À
provoca depressão respiratória no recém- MORFINA?
-nascido. O emprego cuidadoso de nalbufina
e naloxona pode reverter esse efeito. Hiperalgesia à morfina: condição de hi-
O prurido é efeito colateral desagradável perexcitabilidade que inclui espasmos mus-
dos opioides, principalmente no neuroeixo, culares e abdominais, abalos simétricos nos

76 100 perguntas chave em Dor


Tratamento da dor – Parte 2

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