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ano 2 - n.

2 | janeiro/dezembro - 2014
Belo Horizonte | p. 1-267 | issn 2318-2970
R. Assoc. bras. Advogados trabalhistas – ABRAT

Revista da Associação Brasileira


de Advogados Trabalhistas

ABRAT

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REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
ADVOGADOS TRABALHISTAS - ABRAT

Coordenadora
Benizete Ramos de Medeiros

Conselho Editorial
Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (Brasil)
Benizete Ramos de Medeiros (Brasil)
João Leal Amado (Portugal)
José Affonso Dallegrave Neto (Brasil)
Lídia Guevara (Cuba)
Luís Carlos Moro (Brasil)
Luis Enrique Ramírez (Argentina)
Otavio Pinto e Silva (Brasil)
Sidnei Machado (Brasil)
Valena Jacob Chaves Mesquita (Brasil)

R454 Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, ano 1,


n. 1, (jan./dez. 2013) .– Belo Horizonte: Fórum, 2013-

Anual

ISSN: 2318-2970

1. Direito do Trabalho. 2. Direitos sociais. 3. Direitos fundamentais.


4. Direito privado. I. Fórum.

CDD: 344.01
CDU: 331.108

© 2014 Editora Fórum Ltda.


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Luís Cláudio Rodrigues Ferreira


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Supervisão editorial: Marcelo Belico


Revisão: Equipe Fórum
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Capa: Criação - Antônio Fabrício de Matos Gonçalves / Arte - Renato Diniz de Oliveira
Projeto gráfico: Walter Santos
Diagramação: Reginaldo César de Sousa Pedrosa

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Sumário

Apresentação................................................................................................................................................................................7

DOUTRINA
Artigos

A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988 – Estabilidade, garantias


provisórias, proteção geral à despedida arbitrária ou sem justa causa e direitos decorrentes
da extinção contratual
Alexandre Agra Belmonte................................................................................................................................................................................11
1  Introdução..........................................................................................................................................................................11
2  Histórico...............................................................................................................................................................................12
3  Estabilidade no emprego e estabilidade do emprego...........................................................................14
4  Conceito...............................................................................................................................................................................15
5  Proteção ao emprego e proteção ao desemprego..................................................................................15
6  Natureza jurídica.............................................................................................................................................................16
7  Classificação.......................................................................................................................................................................17
8  Direito comparado........................................................................................................................................................18
9  Estabilidade decenal....................................................................................................................................................19
10  Estabilidade do servidor público..........................................................................................................................24
11  Situação jurídica dos empregados de empresas públicas, sociedades de economia
mista e congêneres.......................................................................................................................................................25
12  Estabilidades contratual e regulamentar.........................................................................................................26
13  Estabilidade do dirigente sindical........................................................................................................................28
14  Diretores de sociedades cooperativas..............................................................................................................36
15  Estabilidade dos representantes dos empregados no Conselho de Previdência
Social......................................................................................................................................................................................36
16  Estabilidade dos representantes dos empregados no Conselho Curador do FGTS............37
17  Estabilidade dos representantes dos empregados em Comissão de Conciliação
Prévia constituída no âmbito da empresa......................................................................................................37
18  Garantias de emprego................................................................................................................................................37
18.1 Dirigente de Cipa...........................................................................................................................................................37
18.2  Gestante...............................................................................................................................................................................41
18.3  Empregado acidentado.............................................................................................................................................43
18.4  Garantia de emprego do representante dos empregados nos Conselhos de
Administração das empresas públicas e sociedades de economia mista..................................45
18.5  Garantia de emprego do servidor público em período eleitoral.....................................................46
18.6  Garantia de emprego dos representantes dos trabalhadores...........................................................47
19  Outras hipóteses de proteção ao emprego..................................................................................................47
19.1  Discriminação...................................................................................................................................................................47
19.2  Empregado transferido, alistando e empregado às vésperas da obtenção de
aposentadoria..................................................................................................................................................................49
20  Despedida coletiva........................................................................................................................................................49
21  Conclusões.........................................................................................................................................................................53
Referências.........................................................................................................................................................................55

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O direito do trabalhador estrangeiro no Brasil sob o enfoque da principiologia
constitucional – A polêmica trabalhista do “Programa Mais Médicos”
Álvaro dos Santos Maciel..................................................................................................................................................................................57
Introdução..........................................................................................................................................................................57
1  A valorização da dignidade humana e a proteção jurídica do trabalhador .............................59
2  Uma abordagem sobre o enquadramento jurídico do trabalhador estrangeiro
no Brasil................................................................................................................................................................................61
2.1  A celeuma deflagrada pela Lei nº 12.871/2013 (“Programa Mais Médicos”) sob o
enfoque trabalhista.......................................................................................................................................................64
3  O papel dos princípios no ordenamento jurídico constitucional....................................................68
Considerações finais.....................................................................................................................................................70
Referências.........................................................................................................................................................................71

A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho


Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de Carvalho Terra.....................................................................................................73
1  Introdução..........................................................................................................................................................................73
2  Revisando o entendimento de meio ambiente do trabalho..............................................................74
3  Globalização......................................................................................................................................................................77
4  Doenças decorrentes da atividade laboral.....................................................................................................79
4.1  Entendendo o conceito de saúde.......................................................................................................................80
4.2  Algumas noções básicas sobre a depressão ................................................................................................81
4.3  Depressão decorrente do trabalho.....................................................................................................................82
5  A difícil identificação do nexo causal com o trabalho............................................................................84
5.1  Analisando alguns meios de prova capazes de comprovação.........................................................85
5.1.1  Prova testemunhal e seu valor...............................................................................................................................85
5.1.2  Prova documental..........................................................................................................................................................86
5.1.3  Prova pericial.....................................................................................................................................................................87
5.2  Ônus da prova e o nexo de causalidade..........................................................................................................90
6  Conclusão...........................................................................................................................................................................95
Referências.........................................................................................................................................................................96

O problema da desconfirmação das decisões liminares em dissídios coletivos de greve


em serviços essenciais
Daniel Chen.................................................................................................................................................................................................................99
1  Introdução .........................................................................................................................................................................99
2  A greve dos garis no Carnaval carioca de 2014........................................................................................100
3  A greve dos metroviários paulistanos às vésperas da Copa de 2014.........................................101
4  O tratamento legal ao abuso do direito de greve em serviços essenciais..............................102
5  A desconfirmação das decisões liminares da Justiça do Trabalho ..............................................105
6  Considerações finais..................................................................................................................................................108
Referências .....................................................................................................................................................................109

A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos empregados domésticos


Felipe Prata Mendes..........................................................................................................................................................................................111
Introdução.......................................................................................................................................................................111
1  Empregados domésticos........................................................................................................................................112
2  Principais implicações da EC nº 72/2013 quanto à jornada de trabalho dos
domésticos......................................................................................................................................................................114
2.1  Jornada..............................................................................................................................................................................114
2.2  Aplicação das normas da CLT quanto à duração do trabalho e eficácia dos direitos
constitucionais dos domésticos........................................................................................................................115
2.3  Compensação...............................................................................................................................................................117
3  Análise crítica da introdução do controle de jornada pela EC nº 72/2013.............................118
4  Conclusão........................................................................................................................................................................120
Referências......................................................................................................................................................................121

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O direito fundamental ao não trabalho infantil e à educação em direitos humanos
Jair Teixeira dos Reis..........................................................................................................................................................................................123
1  Introdução.......................................................................................................................................................................123
1.1  Histórico do trabalho infantil...............................................................................................................................124
1.1.1  Contexto internacional............................................................................................................................................124
1.1.2  Contexto nacional......................................................................................................................................................125
2  Dimensões dos direitos humanos....................................................................................................................128
2.1  O trabalho e as dimensões dos direitos humanos.................................................................................129
3  Marco legal da proteção ao não trabalho infantil...................................................................................130
Referências......................................................................................................................................................................132

O Direito do Trabalho em crise – O caso português


João Leal Amado..................................................................................................................................................................................................133
1  Introdução – O “código genético” do Direito do Trabalho e a flexibilização das
regras trabalhistas.......................................................................................................................................................133
2  Flexibilidade e “flexigurança”................................................................................................................................136
3  As recentes reformas trabalhistas em Portugal – Considerações gerais sobre a Lei
n.º 23/2012, de 25 de Junho.................................................................................................................................137
4  A redução do valor das compensações devidas ao trabalhador por ocasião da
cessação (lícita) do contrato de trabalho.....................................................................................................143
5  A (re)definição das causas de despedimento patronal – Ampliação do
despedimento por “inadaptação”......................................................................................................................145
6 Conclusão – O Direito do Trabalho em xeque?........................................................................................148

O direito de greve existe ou não?


Jorge Luiz Souto Maior....................................................................................................................................................................................151

Dano existencial e o direito à felicidade


José Affonso Dallegrave Neto....................................................................................................................................................................161
1  Conceito de dano moral.........................................................................................................................................161
2  O direito à felicidade.................................................................................................................................................164
2.1  Posições críticas............................................................................................................................................................166
3  Dano existencial e sua reparação......................................................................................................................169
4  Indústria do dano moral ou da exploração moral?................................................................................174
Referências......................................................................................................................................................................175

Acidentes de trabalho – O genocídio da classe trabalhadora


Luis Enrique Ramírez.........................................................................................................................................................................................177
1  Introdução.......................................................................................................................................................................177
2  Que acontece na Argentina?...............................................................................................................................181

Respuesta legal a la violencia laboral en países seleccionados de América Latina


Lydia Guevara Ramírez ...................................................................................................................................................................................185
1  Introducción...................................................................................................................................................................185
2  Algunas soluciones halladas en la Unión Europea.................................................................................186
3  Papel de la OIT...............................................................................................................................................................188
4  La situación actual en América Latina............................................................................................................188
5  Conclusiones..................................................................................................................................................................192
Referencias......................................................................................................................................................................193

A degradação do trabalhador – Os grandes eventos esportivos internacionais e o trabalho


escravo no Brasil
Manoel Maurício Ramos Neto, Netícia Melo Conceição........................................................................................................195
Introdução.......................................................................................................................................................................196

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1  O Brasil dos grandes eventos esportivos internacionais, das desigualdades sociais
e das violações a direitos jus laborais..............................................................................................................196
2  O trabalho degradante nas obras dos eventos desportivos internacionais no Brasil......199
Conclusão........................................................................................................................................................................202
Referências......................................................................................................................................................................203

Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho


Mauro Schiavi.........................................................................................................................................................................................................205
1  Conceito e fundamentos.......................................................................................................................................205
2  A questão da violação de literal dispositivo de Lei Federal ou da Constituição da
República..........................................................................................................................................................................208
3  O prequestionamento.............................................................................................................................................213
3.1  Prequestionamento ficto........................................................................................................................................215
3.2  A dispensa de prequestionamento.................................................................................................................216
4  A polêmica questão da transcendência.......................................................................................................217

Algumas reflexões sobre os caminhos da celeridade processual


Reginald D. H. Felker..........................................................................................................................................................................................223
1  O incentivo à criação de MARCs, mecanismos alternativos de resolução de
conflitos, exteriorizados por Tribunais de Arbitragem e Mediação.............................................223
2  A instituição obrigatória do processo eletrônico....................................................................................226

Contribuição previdenciária e o processo do trabalho – A Macondo jurídica


Sidnei Machado.....................................................................................................................................................................................................231
1  Introdução.......................................................................................................................................................................231
2  A Construção da Súmula nº 368 do TST........................................................................................................232
2.1  Da resistência à capitulação da nova competência..............................................................................232
2.2  Tese da incidência ampla da competência.................................................................................................233
2.3  Primeira revisão da Súmula nº 368 – Restrição do alcance...............................................................234
2.4  A interpretação do STF e configuração da Justiça do Trabalho.....................................................234
3  O cômputo do tempo de serviço perante a Previdência Social....................................................235
3.1  Prova de tempo de serviço...................................................................................................................................236
3.2  Falta um tratamento normativo específico................................................................................................237
3.3  Pode o Juiz do Trabalho determinar a averbação?................................................................................238
4  Considerações finais..................................................................................................................................................240

Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais e ao meio ambiente


do trabalho
Valena Jacob Chaves Mesquita, Juliana Lima de Mesquita................................................................................................243
1  Introdução.......................................................................................................................................................................243
2  Responsabilidade civil do empregador.........................................................................................................245
3  Pressupostos da responsabilidade civil – Dano, nexo causal e culpa........................................247
4  Responsabilidade civil subjetiva........................................................................................................................249
5  Responsabilidade civil objetiva .........................................................................................................................250
6  Responsabilidade civil em relação ao meio ambiente do trabalho............................................251
7  Responsabilidade civil do empregador à luz da Constituição da República
Federativa do Brasil e do Código Civil de 2002........................................................................................253
7.1  Aparente conflito entre as normas constitucionais e infraconstitucionais.............................255
8  Conclusão........................................................................................................................................................................258
Referências......................................................................................................................................................................259

ÍNDICE......................................................................................................................................................................................................................... 263

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Apresentação

A Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), nesses trinta e


seis anos de existência, vem se preocupando e atuando nos seus pilares fundan-
tes — a manutenção e ampliação dos diretos sociais e a reafirmação do segmento
dos advogados trabalhistas.
Dentre as diversas frentes de atuação para se atingir os fins colimados, não
desprezou, ao longo de sua existência, as produções científicas materializadas em
livros, textos, teses, discursos, concursos universitários e revistas.
Em 2013, revitalizando a produção das revistas científicas, foi lançada a pri-
meira da nova série, com tema específico sobre Execução, então distribuída nas
diversas bibliotecas do Brasil e de vários países, com os quais a ABRAT tem liga-
ções políticas e institucionais.
O Conselho editorial, composto por dez membros, dos quais sete brasilei-
ros e três estrangeiros, é presidido pela diretora, professora Benizete Ramos de
Medeiros.
Nesse segundo número, a ABRAT optou pelo estudo de vários temas rele-
vantes e contemporâneos do mundo do trabalho, convidando, para tanto, reno-
mados autores que se debruçaram na produção de quatorze preciosos textos.
Além disso, prestigiou os dois primeiros artigos científicos premiados no
lançamento do Concurso Universitário, ocorrido no ano de 2013. Com isso, o lei-
tor terá a oportunidade de mergulhar no exame de 16 artigos que compõem a
Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT n. 2.
E, para que esse sonho se concretize, a parceria com a Editora Fórum vem
sendo fundamental a cada ano e, espera-se, seja mantida por muitos e muitos anos.

Antônio Fabrício de Matos Gonçalves


Presidente da ABRAT – mandato 2012/2014.

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Doutrina
Artigos

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A proteção do emprego na Constituição
Federal de 1988 – Estabilidade, garantias
provisórias, proteção geral à despedida
arbitrária ou sem justa causa e direitos
decorrentes da extinção contratual

Alexandre Agra Belmonte


Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Justiça e
Sociedade. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em
Direito Privado Aprofundado e membro da Academia Brasileira de
Direito do Trabalho e Academia Nacional de Direito Desportivo.

Palavras-chave: Constituição Federal de 1988. Estabilidade no emprego.


Estabilidade do servidor público.

Sumário: 1 Introdução – 2 Histórico – 3 Estabilidade no emprego e estabi­


lidade do emprego – 4 Conceito – 5 Proteção ao emprego e proteção ao
desemprego – 6 Natureza jurídica – 7 Classificação – 8 Direito comparado –
9 Estabilidade decenal – 10 Estabilidade do servidor público – 11 Situa­ção
jurídica dos empregados de empresas públicas, sociedades de eco­nomia
mista e congêneres – 12 Estabilidades contratual e regulamentar – 13
Estabilidade do dirigente sindical – 14 Diretores de sociedades cooperati-
vas – 15 Estabilidade dos representantes dos empregados no Conselho de
Previdência Social – 16 Estabilidade dos representantes dos empregados
no Conselho Curador do FGTS – 17 Estabilidade dos representantes dos
empregados em Comissão de Conciliação Prévia constituída no âmbito da
empresa – 18 Garantias de emprego – 19 Outras hipóteses de proteção ao
emprego – 20 Despedida coletiva – 21 Conclusões – Referências

1 Introdução
A proteção à ruptura do contrato de trabalho foi inicialmente inspirada nos
contratos civis de arrendamento de serviços, que previam a denúncia vazia, me-
diante indenização, precedida de aviso prévio.

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12  Alexandre Agra Belmonte

Os imperativos sociais decorrentes das questões trabalhistas alterou esse


quadro. Reconhecida a desigualdade real entre os contratantes e as graves conse-
quências geradas pela perda do emprego, instituiu-se então, na Europa, a dispensa
condicionada a motivos justificados, assim com limitação do poder de ruptura do
contrato de trabalho, nos planos individual e coletivo.
No Brasil, instituiu-se um sistema híbrido de proteção ao emprego: com
esta­bilidade por decurso de prazo, para quem alcançasse dez anos de tempo de
serviço, mas com direito potestativo do empregador de despedir o empregado
antes de completado o período de carência, ou seja, sem o condicionamento a
uma motivação como causa de ruptura do contrato. Deu-se estabilidade também
aos dirigentes sindicais.
A estabilidade decenal foi extinta pela Constituição de 1988 e substituída
pela proteção à despedida arbitrária ou sem justa causa prevista no art. 7º, I, da CF,
mas até hoje não regulamentada e até que o seja, excetuadas apenas as garantias
temporárias, a única forma de proteção do emprego para os trabalhadores em
geral vem sendo tentada pelo encarecimento do custo da despedida imotivada,
com efeitos maiores sobre o pequeno empresário.

2 Histórico
A estabilidade surge nas corporações artesanais dos séculos XIII e XIV, for-
madas por aprendizes, companheiros e mestres, em que o trabalhador (ferreiro,
marceneiro, carpinteiro), ainda era detentor dos meios de produção. Os apren-
dizes, que recebiam os ensinamentos da profissão, tinham direito à carreira, até
atingirem o posto de mestre artesão, passando antes à condição de companhei-
ros ou auxiliares dos mestres na produção, mediante remuneração.
O artesão não tinha chefe ou imposições, administrava o próprio tempo e
extraía do trabalho o necessário à sua subsistência, tudo em meio a um ambiente
basicamente agrário.
A partir do século XVI iniciou-se a transferência do local de trabalho para as
fábricas, com a crescente separação entre quem produz e quem dirige a produ-
ção, abalando a estabilidade das carreiras então existentes.
A Revolução Francesa, que pregava a liberdade de trabalho, e a Revolução
Industrial, que modificou os métodos de produção e propiciou a concentração
dos trabalhadores em um ambiente urbano, tornaram as corporações incompa-
tíveis com o sistema de trabalho então existente. A visão liberal e patrimonialista
do capitalismo, por sua vez, terminou por intensificar a exploração da mão de

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A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988 – Estabilidade, garantias provisórias...  13

obra e o domínio do patrão intermediário sobre o posto de trabalho, tudo sem


intervenção do Estado Liberal nas relações econômicas e sociais.
A questão social decorrente da exploração desmedida da mão de obra e
a ameaça do socialismo trouxeram de volta a questão da estabilidade, frente às
graves consequências sociais do desemprego. Os sindicatos passaram a ter impor-
tância como interlocutores do entendimento entre o capital e o trabalho e a ne-
cessidade de se coibir represálias contra os representantes dos trabalhadores fez
surgir a estabilidade do dirigente sindical para o exercício autônomo de seu mister.
Em 1919 foi assinado o Tratado de Versalhes, encerrando oficialmente a
Primeira Guerra Mundial. Nesse Tratado é prevista a criação da Organização Inter­
nacional do Trabalho (OIT), com sede em Genebra.
A Constituição do México, de 1917, foi a primeira a permitir o direito de
greve e de sindicalização. Também previu direito à indenização por dispensa do
trabalhador.
A Constituição de Weimar, de 1919, expressamente permitiu a liberdade asso-
ciativa dos trabalhadores e a proteção à maternidade, consolidando e difundindo o
Constitucionalismo Social, na busca da redução das desigualdades sociais.
Em 1927 foi criada a Carta del Lavoro, buscando a interferência do Estado
na proteção dos trabalhadores e a organização de trabalhadores e empregadores
em categorias, com vistas à harmonia entre o capital e o trabalho e a pacificação
social.
A Declaração Internacional dos Direito do Homem, de 1948, proclama o di-
reito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de
trabalho e à proteção contra o desemprego.
A Convenção nº 98, da OIT, aprovada em 1949, disciplina a necessidade de
proteção contra a despedida injusta do trabalhador por motivo de filiação a sindi-
cato ou de sua participação em atividade sindicais.
A Convenção nº 135/1971, da OIT, propôs que os trabalhadores devem ser
beneficiados com proteção eficiente contra a despedida sem justa causa.
Por fim, a Convenção nº 158/1982, da OIT, instituiu medidas protetivas de
caráter geral contra a despedida imotivada.
A estabilidade no Brasil nasceu no serviço público, inicialmente por meio do
art. 149 da Constituição Imperial de 1824, que impedia que os oficiais do Exército
e Armada fossem privados de suas patentes, exceto por sentença proferida por
Juízo competente, estendendo-se esse direito aos membros do magistério por
meio da Lei de 11 de agosto de 1827.

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14  Alexandre Agra Belmonte

A Lei nº 191-B, de 30 de setembro de 1893, conferiu estabilidade aos empre-


gados do Fisco admitidos por concurso público e a Lei nº 2.924, de 1915, concedeu
estabilidade aos servidores que contassem com 10 anos de serviço público.
No setor privado, a estabilidade foi instituída por meio da Lei Eloy Chaves
(nº 4.682), de 24 de janeiro de 1923, que beneficiou os ferroviários que contavam
10 anos de serviço. A finalidade era formar fundo para as instituições de previdên-
cia social por meio da permanência dos trabalhadores no emprego.
A Constituição de 1934 consagrou a estabilidade dos servidores públicos
como direito constitucional e em 05 de junho de 1935, por meio da Lei nº 62, deu-se
estabilidade decenal para os trabalhadores urbanos (industriários e comer­ciários),
excluídos os domésticos, prevendo a Carta de 37 a possibilidade de a lei infracons-
titucional garantir estabilidade ao empregado.
Em 1943 a CLT reafirmou o direito à estabilidade decenal (art. 492), excluindo
os domésticos, os rurícolas, artistas, atletas profissionais, dirigentes contratados
para cargos de confiança (art. 499), o primeiro ano de contrato e os empregados
de escritórios ou consultórios de profissionais liberais (art. 507) e concedeu garan-
tia de emprego aos dirigentes sindicais (art. 543) e à gestante, durante a gravidez
(art. 391 e 392).
A Lei nº 5.107/1966 instituiu o regime do FGTS como sistema opcional à
estabilidade com indenização.
Em 1971 foi concedida estabilidade aos dirigentes de cooperativas.
Em 1977, a Lei nº 6.514 concedeu garantia de emprego aos titulares da repre-
sentação dos trabalhadores nas Cipas.
Em 1988, a Constituição extinguiu a estabilidade por tempo de serviço;
concedeu garantia de emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até
cinco meses após o parto; garantia de emprego ao dirigente sindical desde o regis-
tro da candidatura até 1 ano após o mandato (art. 8º, VIII); garantia de emprego
aos representantes dos trabalhadores nas Cipas; e, previu Lei Complementar re-
gulatória da proteção à despedida arbitrária ou sem justa causa, até hoje sem
regulamentação.

3  Estabilidade no emprego e estabilidade do emprego


Estabilidade do emprego corresponde às medidas governamentais e le-
gislativas destinadas a preservação dos postos de trabalho ou permanência dos
trabalhadores nos empregos.
A estabilidade do emprego pode decorrer de normas protetivas à permanên-
cia do trabalhador no emprego (estabilidade no emprego, garantias provisórias,

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motivações justificadoras das despedidas, suspensão do contrato), de medidas de


incentivo à empregabilidade e de inibição das despedidas, por meio do encareci-
mento dos custos respectivos (desestímulo financeiro das despedidas).
Estabilidade no emprego é direito diretamente dirigido à permanência do
trabalhador no emprego, concedido por lei, norma regulamentar ou cláusula con-
tratual ou normativa, obstativas da despedida.

4 Conceito
Estabilidade é o direito adquirido ao emprego, concedido por lei, norma
regulamentar ou cláusula contratual ou normativa ao trabalhador que, ordinaria-
mente, só pode ter o seu contrato rompido em virtude de falta grave. Difere da
garantia de emprego, que é a proteção ao emprego para o atendimento de cir-
cunstâncias específicas, ligadas ao trabalhador, mas admitindo o rompimento do
contrato por motivações disciplinares, técnicas, econômicas ou financeiras. Difere
também da proteção à despedida por denúncia vazia ou imotivada, prevista no
art. 7º, I, da CF, que é de caráter geral e não está vinculada a circunstâncias especí-
ficas ligadas ao trabalhador, motivadoras da despedida.
Finalmente, observe-se que: a) a proteção à despedida retaliativa e à des-
pedida por motivo de discriminação não são hipóteses de estabilidade ou garan-
tia de emprego, inserindo-se na proteção geral contra a despedida arbitrária ou
sem justa causa; e, b) também não são hipóteses de estabilidade ou garantia de
emprego os casos de suspensão do contrato, embora igualmente obstativas da
despedida.
Em sentido amplo ou atécnico, são consideradas estabilidades as restrições
ao despedimento, aí incluindo-se as garantias de emprego, que passam a ser cha-
madas de garantias provisórias.
Devem ser ainda considerados outros instrumentos de proteção ao em-
prego, que não se confundem com as hipóteses supra. Refiro-me à suspensão
do contrato mediante bolsa e redução do salário com redução proporcional da
jornada por motivo de força maior e à recuperação judicial são instrumentos de
proteção do emprego.

5  Proteção ao emprego e proteção ao desemprego


Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, indenização da despedida
imotivada, FGTS e seguro-desemprego não são formas de proteção do emprego

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por meio de desestímulo financeiro. O aviso prévio proporcional ao tempo de ser-


viço é instrumento de reinserção no mercado de trabalho, por meio de concessão
de prazo para a busca de nova ocupação, enquanto indenização da despedida
imotivada, FGTS e seguro-desemprego são formas de possibilitar ao trabalhador
investimento no próprio negócio ou de subsistência do trabalhador durante o
desemprego, ou seja, medidas de proteção ao desemprego.
Quando indenizado, o aviso prévio apenas garante a subsistência do tra-
balhador enquanto busca nova ocupação, também não servindo para prote-
ger o emprego. Na verdade, protege a manutenção do trabalhador durante o
desemprego.
Estabilidade, garantias de emprego, restrições à despedida por meio de
moti­vação e suspensão do contrato mediante bolsa e redução do salário com
redu­ção proporcional da jornada por motivo de força maior e recuperação judi-
cial são instrumentos de proteção do emprego.

6  Natureza jurídica
Para a teoria proprietarista (Paul Durand e Cabanellas) o decurso do tempo
insere o direito ao emprego no domínio patrimonial do empregado.
A teoria é de natureza civilista e parte do pressuposto de que o emprego
pode ser objeto de aquisição por usucapião, o que não corresponde à realidade,
por não se tratar de bem jurídico móvel ou imóvel decorrente do direito de pro-
priedade, não servindo assim para explicar o direito à estabilidade.
Para a teoria institucionalista (Maurice Hariou) a estabilidade é instrumento
para a promoção dos objetivos da empresa, que transcende a vontade individual
das partes.
A teoria desconsidera a vontade individual do trabalhador e a liberdade
de trabalho. O trabalhador estaria inserido como instrumento nos meios de pro-
dução e corresponde aos primórdios do Direito do Trabalho, em que a perma-
nência do trabalhador serviria para a constituição de fundo previdenciário de
aposentadoria.
Para a teoria do termo contratual (Orlando Gomes e Devealli) a estabilidade
corresponde a pacto por tempo determinado, cujo termo final é a cessação da
vida profissional do trabalhador, ou seja, é entendida como meio de alcance da
aposentadoria, sendo decorrência lógica do sistema inicial da CLT, em que o con-
trato de trabalho, por tempo indeterminado, tinha por fim promover a integração
do trabalhador à empresa durante a sua vida profissional e a estabilidade decenal
era instrumento destinado a garanti-la.

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Para a teoria da proteção ao posto de trabalho (Hueck e Nipperdey) a esta-


bilidade coincide com os interesses da coletividade, porque é importante para ela
que o trabalhador tenha segurança no emprego e condições para produzir com
tranquilidade.
Apesar das críticas às teorias do termo contratual e da proteção ao posto de
trabalho, são elas que, em conjunto, atualmente melhor explicam a estabilidade.
Como garantia do contrato durante a vida profissional do trabalhador, permitem,
por meio da segurança no emprego, que tenha condições de produzir com tran-
quilidade e que as vantagens obtidas por meio das cláusulas coletivas de melho-
ria da vida profissional do trabalhador não se percam com o despedimento. Por
outro lado, possibilita que o empregador invista na qualificação da mão de obra
de um trabalhador que não é descartável pela sua exclusiva vontade e que os
recursos do seguro-desemprego não sejam constantemente movimentados, no
interesse da coletividade.

7 Classificação
Quanto à natureza, há quem diferencie estabilidade absoluta de estabilidade
relativa (Cabanellas). Estabilidade absoluta seria o direito de não ser despedido
exceto por falta grave ou motivo de força maior, sob pena de nulidade do ato
patronal, com a consequente reintegração. Estabilidade relativa (ou garantia de
emprego) seria o direito de não ser despedido exceto por motivo disciplinar, eco-
nômico, técnico ou por motivo de força maior. Ou seja, as opções de justificativas
para o despedimento seriam mais amplas.
A respeito, o TST tem entendido como absolutas, por exemplo, a do dirigen-
te sindical (cujo despedimento, a exemplo daquela, depende de inquérito judicial
para a apuração de falta grave) e a do servidor público.
Nos demais casos, quer se trate de estabilidade absoluta ou relativa, tem
considerado nula a despedida quando não fundada nos permissivos legais, regu-
lamentares, contratuais ou normativos, com direito do trabalhador à reintegra-
ção (ou reparação pecuniária, a critério do trabalhador, nos casos de garantia de
emprego).
Na verdade, outros empregados também só podem ser despedidos mediante
o cometimento de falta grave comprovada, pelo que são, igualmente, detentores de
estabilidade absoluta: o dirigente (titular) de sociedade cooperativa (art. 55 da Lei
nº 5.764, de 1971), os representantes dos empregados no Conselho de Previdência
Social (art. 3º, §7º, da Lei nº 8.213/1991), os membros efetivos representantes dos

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empregados no Conselho Curador do FGTS, titulares e suplentes (art. 3º, §9º, Lei
nº 8.036/1990 e art. 65, §8º, do Regulamento do FGTS – Dec. nº 99.684/1990) e os
representantes titulares e suplentes dos empregados membros de Comissão de
Conciliação Prévia (art. 625-B, §1º, da CLT).
Ainda quanto à natureza, as estabilidades são denominadas próprias e im-
próprias. São próprias as reais estabilidades, que impedem o despedimento, exceto
por falta grave, ao passo que impróprias são as que apenas conferem restrições ao
despedimento.
Quanto ao tempo de duração, podem ser classificadas em estabilidades
definitivas quando independe de prazo para a cessação, e provisória ou tem-
porária, quando decorrente de determinada circunstância temporal, com prazo
determinado.
Quanto à acessibilidade, a estabilidade pode ser geral e especial. Geral, a
que se aplica a todos os trabalhadores, caso da proteção geral à despedida arbi-
trária ou sem justa causa, pendente de regulamentação. Também dessa qualidade
era a estabilidade decenal. De igual sorte, a estabilidade do servidor público.
Estabilidade especial diz respeito à estabilidade concedida por motivo cir-
cunstancial, em virtude da condição do trabalhador. Assim as garantias de empre-
go, também denominadas estabilidades provisórias, decorrentes do exercício de
cargo de dirigente sindical, cipeiro ou da gestante.
Quanto à fonte normativa, as estabilidades podem ser compulsórias, quando
decorrem da lei, ou voluntárias, quando se originam de cláusula regulamentar, con-
tratual ou normativa.

8  Direito comparado
Na Alemanha, a despedida individual só é aceita à dispensa socialmente justi-
ficada, ou seja, por motivos ligados à pessoa ou comportamento do empregado ou
necessidade empresarial (motivos econômicos, tecnológicos ou de reor­ganização
da empresa), sob pena de nulidade e reintegração ou indenização substitutiva.
Extinção de estabelecimento é exemplo de necessidade de reorganização
da empresa. Extinção de posto de trabalho pode ser exemplo de motivo tecnoló-
gico ou de reorganização da empresa.
Recuperação judicial ou extrajudicial e planos econômicos podem ser moti-
vos econômicos ensejadores da despedida.
Também sob pena de nulidade e reintegração ou indenização substitutiva,
a dispensa coletiva é sujeita a controle de Conselho de Empresa e da autoridade
administrativa do trabalho.

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O mesmo ocorre na Itália e Espanha, sendo que as dispensas coletivas, con-


forme diretivas da Comunidade Europeia e Convenção nº 158 da OIT, estão subor-
dinadas a prévio entendimento com a entidade sindical. Não havendo acordo e
sendo necessária, necessidade que pode sofrer avaliação judicial, serão efetivadas
conforme encargos familiares e antiguidade.
Na França e na Inglaterra, os empregados com mais de dois anos de tempo
de serviço e duração mínima de 16 horas semanais não podem ser dispensados
sem motivação. Também há proteção contra as dispensas coletivas, assim enten-
didas as que superam 10 empregados.
Em Portugal também há proteção contra a despedida sem justa causa e a
dispensa coletiva é caracterizada quando promovida pelo empregador, atingindo,
conforme o tamanho da empresa, dois ou cinco trabalhadores no período de três
meses.
No Japão, apesar da inexistência de lei protetiva da despedida, ela é con-
siderada repugnante quando imotivada, haja vista a ideia reinante de emprego
para a vida toda.
Na América Latina as dispensas individuais são protegidas por meio de ga-
rantias circunstanciais ou pecuniárias, estas sem muito efeito, como ocorre no
Brasil. E somente na Colômbia, Panamá, Peru, México e Venezuela há controle das
dispensas coletivas.

9  Estabilidade decenal
O regime originário da CLT era o da estabilidade decenal, adquirida com
10 anos de tempo de serviço, pelo que, completado o tempo de aquisição, nos
termos do art. 492 da CLT, não poderia ser despedido, exceto por motivo de falta
grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovada.
A primeira questão referente à estabilidade decenal dizia respeito aos traba-
lhadores aos quais se aplicava.
A estabilidade decenal não beneficiava os domésticos (art. 7º, “a”, da CLT), os
rurícolas (art. 7º, “b”, da CLT), os artistas e atletas profissionais, durante o exercício
dos cargos de diretoria, gerência ou outros de confiança imediata do emprega-
dor (art. 499 da CLT) e os empregados escritórios ou consultórios de profissionais
liberais (art. 507 da CLT).
A segunda questão referente aos estáveis decenais dizia respeito às hipóteses
em que era autorizada a despedida motivada, diante do texto restritivo do art. 492
da CLT, ou seja, falta grave e força maior. Mas, na verdade, a lei previa outras hipóteses

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de despedida: em virtude de extinção da empresa (art. 497 da CLT), de fechamento


do estabelecimento, filial ou agência ou supressão necessária da atividade (art. 498)
e em decorrência de opção pelo substituto em caso de recuperação da capacidade
laborativa em caso de aposentadoria por invalidez (art. 475, §2º, da CLT).
Além das hipóteses de despedida motivada, o contrato podia terminar em
virtude de pedido de demissão, mas a validade do ato estava condicionada à as-
sistência do sindicato da categoria ou, na sua falta, à autoridade local competente
do Ministério do Trabalho e Emprego.
Outrossim, o contrato podia terminar por distrato. A Lei nº 5.107/1966 pre-
via a possibilidade de rescisão do contrato de empregado estável por acordo com
o empregador (distrato), mediante o pagamento de indenização compensatória,
correspondente a 60% da indenização dobrada por ano de serviço ou fração igual
ou superior a seis meses (art. 17, §3º).
No caso de falta grave comprovada, o trabalhador nada recebia de indeni-
zação; no caso de força maior e culpa recíproca, recebia indenização por metade
(ou seja, de forma simples); e, na hipótese de extinção da empresa, fechamento
do estabelecimento, filial ou agência ou supressão necessária da atividade sem a
ocorrência de força maior (falência, liquidação extrajudicial, recuperação extraju-
dicial, dissolução irregular) e opção pelo substituto em caso de recuperação da
capacidade laborativa em caso de aposentadoria por invalidez, recebia indeniza-
ção dobrada (arts. 497, 498 e 475, §2º, da CLT).
No caso de fechamento do estabelecimento, é facultado ao empregado a
escolha entre a indenização em dobro e a transferência (art. 498 da CLT).
A cessação da atividade da empresa é uma das formas de terminação do
contrato, inclusive em relação aos empregados estáveis, que fazem jus à indeni-
zação dobrada, compensatória da perda da estabilidade.
Nos termos da Súmula nº 221 do STF, a transferência de estabelecimento ou
a sua extinção parcial, por motivo que não seja de força maior, não justifica a trans-
ferência de empregado estável.
No caso de falta grave, exigia-se a apuração da resolução culposa por meio
de ação de inquérito, de iniciativa do empregador, cuja sentença buscava autori-
zar o rompimento do contrato (art. 494 da CLT).
A ação de inquérito, prevista no art. 853 da CLT, podia ser promovida com
ou sem suspensão do trabalhador para averiguação da falta grave. Se suspenso,
suspensão que perdurava até a decisão final do processo (parágrafo único do
art. 494), o prazo para ajuizamento decadencial era de 30 dias, contados da sus-
pensão (Súmula nº 403, do STF). Esse dispositivo e essas noções são aplicáveis ao
dirigente sindical.

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Consequentemente, esclarece a Súmula nº 62 do TST que o prazo de deca-


dência do direito do empregador ajuizar inquérito em face do empregado que
incorre em abandono de emprego é contado a partir do momento em que o em-
pregado pretendeu seu retorno ao serviço. Isso porque, no abandono, uma vez
prejudicada a possibilidade de suspensão do trabalhador, é preciso fixar outro
marco e o marco jurisprudencialmente reconhecido é o da intenção manifestado
pelo trabalhador de retornar ao emprego que abandonou.
A OJ nº 137, da SBDI-1, do TST, esclarece que “Constitui direito líquido e certo
do empregador a suspensão do empregado, ainda que detentor de estabilidade
sindical, até a decisão final do inquérito em que se apure a falta grave a ele impu-
tada, na forma do art. 494, caput e parágrafo único, da CLT”.
Caso fosse a ação julgada procedente, a data do término do contrato seria
fixada em sentença; se improcedente, permanecia o vínculo, com a reintegração e
incidência das parcelas contratuais referentes ao período de afastamento (art. 495).
Podia o juiz, quando entendesse desaconselhável o retorno, dado o grau
de incompatibilidade decorrente do dissídio, converter a reintegração em rompi-
mento do contrato, com indenização paga em dobro (art. 496 da CLT).
Podia também, quando entendesse que a falta cometida não tinha gravidade
suficiente para a reintegração, sentenciar pela readmissão.
A terceira questão referente aos estáveis decenais era pertinente à data li-
mite em que eram devidos os salários na hipótese de se converter a reintegração
em indenização dobrada, se afastado do trabalho por motivo de suspensão para
apuração da falta grave.
A respeito, a Súmula nº 28 do TST dispõe que no caso de se converter a rein-
tegração em indenização dobrada, o direito aos salários é assegurado até a data
da primeira decisão que determinou essa conversão.
A referida súmula aplica-se não apenas às hipóteses em que o trabalhador
é detentor de estabilidade decenal e é cabível a reintegração, por ter sido arbitra-
riamente despedido, mas também quando a dispensa tem por fundamento ato
discriminatório (nas duas hipóteses a indenização é dobrada).
No primeiro caso, cabe ao juiz, com base no art. 496 da CLT, optar pela con-
versão em indenização dobrada, se julgar que a reintegração do empregado é
desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio.
No segundo caso, a Lei nº 9.029/1995 permite ao próprio trabalhador, des­pe­
dido por ato discriminatório, optar pela reintegração ou pela indenização do­brada.
A súmula não é aplicável às hipóteses de garantia de emprego, em que a
despedida não é fundada em discriminação. Nesses casos, a indenização é devida

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de forma simples, abrangendo o período total da garantia e sua incorporação ao


tempo de serviço para todos os efeitos. A conversão fica a cargo do juiz, se enten-
der desaconselhável a reintegração ou quando o período de garantia vem a se
extinguir em meio à tramitação de processo judicial visando à reintegração.
Como as hipóteses abordadas não se referem à estabilidade limitada no
tempo, em razão do silêncio da lei, a súmula estabelece o marco final do direito
aos salários, caso, em vez da reintegração, seja determinada a conversão em inde­
nização: o direito é assegurado até a data da primeira decisão que determina a
conversão.
A despedida antes de completado o prazo dava ao trabalhador direito à inde­
nização de um mês por ano de serviço ou fração igual ou superior a seis meses.
A quarta questão referente aos estáveis decenais estava relacionada à hipó­
tese de despedida efetuada com o fim de impedir a aquisição da estabilidade.
A respeito, a Súmula nº 26 do TST, já cancelada, presumia obstativa à estabi-
lidade a despedida, sem justo motivo, do empregado que alcançar nove anos de
serviço na empresa, concedendo-lhe indenização dobrada, ou seja, de dois meses
por cada ano ou fração igual ou superior a seis meses.
A Lei nº 5.107/1966 flexibilizou a CLT, permitindo a opção pelo regime do
FGTS, mas sem a aquisição de estabilidade ou a opção retroativa, com renún-
cia da estabilidade. A Constituição de 1988 extinguiu o regime da indenização
com estabilidade (respeitados, evidentemente, os direitos adquiridos) e a Lei
nº 8.036/1990 possibilitou o direito à opção retroativa pelo regime do FGTS quanto
ao período anterior a 05.10.1988 (início de vigência da Constituição de 1988, que
extinguiu a estabilidade para os trabalhadores que não a tinham adquirido na
vigência do regime anterior), com renúncia da estabilidade.
A Lei nº 5.107/1966 (lei anterior do regime do FGTS) previa a possibilidade
de rescisão do contrato de empregado estável por acordo com o empregador
(distrato), mediante o pagamento de indenização compensatória, correspondente
a 60% da indenização dobrada por ano de serviço ou fração igual ou superior a
seis meses (art. 17, §3º).
Como a Constituição determinou a aplicação do regime do FGTS a todos os
empregados, surgiu a indagação se se aplicava o regime indenizatório ou o do
FGTS quanto aos empregados não estáveis que não optaram pelo FGTS para os
períodos anterior e subsequente.
A Súmula nº 24, do TST pacificou a jurisprudência quanto aos empregados
não estáveis que não optaram pelo regime do FGTS anteriormente à Constituição

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A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988 – Estabilidade, garantias provisórias...  23

de 1988. Quando despedidos fazem jus, além do FGTS, do período subsequente


à Carta Magna, a uma indenização de um mês por ano trabalhado ou fração igual
ou superior a seis meses, referente ao tempo anterior. E essa indenização é calcu-
lada pela maior remuneração obtida, ou seja, com base no salário acrescido dos
adicionais e das gorjetas habitualmente recebidas.
Nos termos da Súmula nº 54, do TST, rescindindo por acordo seu contrato de
trabalho, o empregado estável optante tem direito ao mínimo de 60% (sessenta por
cento) do total da indenização em dobro, calculada sobre o maior salário percebido
no emprego. Se houver recebido menos do que esse total, qualquer que tenha sido
a forma de transação, assegura-se-lhe a complementação até aquele limite.
Embora de difícil aplicação prática, porque já decorridos mais de vinte e
quatro anos de vigência da atual Constituição, que extinguiu a estabilidade dece-
nal, respeitada a estabilidade adquirida em sua vigência, agora com fulcro no art. 14,
§2º, da Lei nº 8.036/1990, a súmula garante ao empregado estável por tempo de
serviço o direito de, por acordo com o empregador, rescindir o contrato, mediante
o recebimento de indenização de 60% de dois meses por ano de serviço ou fração
igual ou superior a seis meses. E de postular a diferença, em caso de recebimento
da parcela a menor, inclusive nos casos em que o empregador, valendo-se do
disposto no art. 14, §3º, da Lei nº 8.036/1990, depositou na conta vinculada do
trabalhador o valor correspondente à indenização.
Nos termos da Súmula nº 98, do TST: “I - A equivalência entre os regimes do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade prevista na CLT é mera-
mente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de
diferenças; II - A estabilidade contratual ou a derivada de regulamento de empresa
são compatíveis com o regime do FGTS. Diversamente ocorre com a estabilidade
legal (decenal, art. 492 da CLT), que é renunciada com a opção pelo FGTS”.
Ao contrário da opção pelo regime do FGTS, que correspondia à renúncia da
estabilidade decenal prevista na CLT, a opção feita pelo regime do FGTS quando
vigoravam os dois sistemas ou a contratação obrigatória pelo regime do FGTS
(a partir da CF de 1988), não importa em renúncia à estabilidade contratual estabe-
lecida entre empregado e empregador ou derivada de regulamento de empresa.
A jurisprudência do TST firmou-se no sentido de que o pagamento do prêmio
aposentadoria não está condicionado, para os estáveis decenais que não optaram
pelo regime do FGTS, à transação do tempo de serviço anterior à Constituição de
1988, prevista no §2º do art. 14 da Lei do FGTS (nº 8.036, de 11.05.1990), permi-
tindo assim que recebam a quantia referente ao prêmio independentemente de
transação quanto ao referido período. Assim, esclarece a Súmula nº 72 do TST que

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o prêmio-aposentadoria instituído por norma regulamentar da empresa não está


condicionado ao disposto no §2º do art. 14 da Lei nº 8.036, de 11.05.1990.
Nos termos da Súmula nº 148, do TST, no cálculo da indenização por antigui-
dade, inclui-se a gratificação natalina, por corresponder ao décimo terceiro salário
do ano, ainda que se trabalhe apenas doze meses.
Logo, a indenização aos empregados ainda subordinados ao regime antigo
é calculada com base em um mês de salário por ano de serviço, acrescido do duo-
décimo da gratificação natalina anual.

10  Estabilidade do servidor público


Nos termos do art. 41, da Constituição, com as alterações introduzidas pela
Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, são estáveis após três anos de efetivo
exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de
concurso público.
Há duas categorias principais de servidores públicos, se considerado o tipo
de vínculo que os une à Administração Pública: os ocupantes de cargos públicos
junto ao ente da Federação ao qual se vinculam (União, Estados, Distrito Federal,
Municípios e suas autarquias e fundações públicas); e, os empregados de empre-
sas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas pelo
Estado constituídas com natureza privada e às quais o regime jurídico aplicável é
o mesmo dos trabalhadores da iniciativa privada com vínculo empregatício.
É requisito constitucional para a aquisição da estabilidade no serviço público
ser o servidor lotado em cargo público de provimento efetivo na Administração
direta, autárquica e fundacional. A primeira indagação a ser feita é se isso exclui
os empregados públicos da Administração direta, autárquica e fundacional; a se-
gunda, se também estariam excluídos os empregados das empresas estatais.
Quanto à primeira indagação, o item I da Súmula nº 390, do TST, esclarece
que o servidor público celetista da Administração direta, autárquica ou fundacio-
nal é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. Com a aquisi-
ção do direito após três anos de efetivo exercício no cargo de provimento efetivo
(período probatório) para o qual nomeado após concurso público, só perderá o
cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, processo adminis-
trativo com contraditório e ampla defesa e deficiência de desempenho (§1º, I a III
do citado artigo).
Esclarece a OJ nº 364, da SBDI-1, do TST, que “Fundação instituída por lei e
que recebe dotação ou subvenção do Poder Público para realizar atividades de

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interesse do Estado, ainda que tenha personalidade jurídica de direito privado,


ostenta natureza de fundação pública. Assim, seus servidores regidos pela CLT
são beneficiários da estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT”.
Evidentemente, a estabilidade do servidor público celetista da Administração
direta, autárquica ou fundacional pressupõe prévia aprovação em concurso pú-
blico, eis que nos termos da Súmula nº 363, do TST, “A contratação de servidor
público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra
óbice no respectivo art. 37, II e §2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento
da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, res-
peitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos
do FGTS”.
Outrossim, não adquirem estabilidade os servidores lotados em cargos de
provimento em comissão, porque não são efetivos e seu preenchimento não
ocorre por meio de concurso público.
Há, todavia, uma hipótese em que o servidor adquire estabilidade mesmo
sem ter ingressado na Administração Pública sem concurso. O art. 19 do ADCT da
Constituição prevê a aquisição de estabilidade para os servidores civis em exercí-
cio na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos, que não
tenham sido admitidos por concurso público, exceto quanto aos professores de
nível superior. Essa estabilidade alcança apenas os servidores da Administração
direta, autárquica e fundacional.
Observe-se que conforme a OJ nº 10, da SBDI-2, do TST, “Somente por ofensa
ao art. 37, II e §2º, da CF/1988, procede o pedido de rescisão de julgado para con-
siderar nula a contratação, sem concurso público, de servidor, após a CF/1988”.
Quanto à segunda indagação, o item II da Súmula nº 390 esclarece que o
empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que
admitido mediante aprovação em concurso público, não é detentor da estabilidade
prevista no art. 41 da CF/1988.
No entanto, recente decisão do STF, em composição plenária (RE nº 589.998)
confirmou a interpretação contida na Súmula do TST, mas deixou assente que é
obrigatória a motivação da dispensa unilateral, pelo que será nula a despedida
imotivada, porque inconstitucional.

11  Situação jurídica dos empregados de empresas públicas,


sociedades de economia mista e congêneres
Como antes referido, recente decisão do STF, em composição plenária
(RE nº 589.998) reafirmou que os empregados de empresas públicas e sociedades

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de economia mista ou congêneres não têm direito à estabilidade prevista no art. 41,
da CF/1988, como interpreta o item II da Súmula nº 390, do TST. Mas deixou assente
que é obrigatória a motivação da dispensa unilateral, pelo que será nula a despedi-
da imotivada, porque inconstitucional.
No RE nº 589.998, discutiu-se especificamente o impacto dessas peculiarida-
des nas situações em que uma empresa pública, ente da Administração indireta,
na qualidade de empregador, decide unilateralmente pelo desligamento do ser-
vidor, empregado público, de seus quadros.
Concluiu-se que, de um lado, por terem suas relações de trabalho regidas
pela CLT, conforme expressa previsão constitucional, os empregados públicos de
empresas estatais estariam sujeitos à dispensa por ato unilateral do empregador,
não se lhes reconhecendo a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição; por
outro lado, se a própria Constituição exige concurso público para ingresso no
serviço público, inclusive aos empregados de empresas estatais (art. 37, II), não
se poderia permitir que a dispensa ocorresse sem a apresentação dos motivos
respectivos, sob pena de se fraudar a lógica da exigência constitucional, que de-
corre dos princípios norteadores da Administração, em especial os da legalida-
de, moralidade e impessoalidade (art. 37, caput). Permite-se, assim, o controle de
legalidade do ato de dispensa, inclusive pelo Judiciário, se necessário, de modo a
conter eventuais arbitrariedades do administrador. Proclamaram os Ministros que
não há necessidade, contudo, de instauração de processo administrativo discipli-
nar para esse fim, o que colocaria em risco a competitividade dessas estatais no
mercado, bastando para tanto que os motivos da dispensa do empregado sejam
declinados no ato, a fim de se verificar sua idoneidade.
Assim, não mais prevalece a Orientação Jurisprudencial da SBDI-I, do TST, de
nº 247, de que empregados de empresas públicas ou sociedades de economia
mista, ainda que aprovados mediante concurso público, podem ser despedidos
sem justa causa, independente de ato motivado para sua validade.
Consequentemente, nas duas hipóteses, é exigível processo administrativo
com direito a ampla defesa para possibilitar, em relação a esses trabalhadores,
quer para a despedida por justa causa, quer para qualquer outro.
Portanto, os empregados de empresas públicas e sociedades de economia
mista ou congêneres não são detentores de estabilidade ou de garantia de em-
prego, mas sim de proteção à despedida por denúncia vazia ou imotivada.

12  Estabilidades contratual e regulamentar


O ordenamento pátrio não veda as estabilidades, garantias de emprego ou
restrições à despedida concedidas por cláusula contratual ou regulamentar. São

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admissíveis com base no art. 444 da CLT, além do que o art. 7º, caput, da CF esti-
mula a concessão de direitos que importem em melhoria das condições sociais
do trabalhador.
Logo, a lei não é a única fonte de concessão das estabilidades, que até por
norma coletiva podem ser ajustadas.
As estabilidades voluntárias, como cláusulas benéficas, estão subordinadas
aos limites dos respectivos atos de concessão quanto ao tempo de aquisição,
tempo de duração, motivações e procedimentos.
No silêncio, serão aplicáveis as normas gerais incidentes sobre as estabilidades
e garantias de emprego.
Neste sentido, a interpretação dada na hipótese prevista na Súmula nº 345
do TST, de que “O Regulamento Interno de Pessoal (RIP) do Banco do Estado de
Pernambuco – Bandepe, na parte que trata de seu regime disciplinar, não confere
estabilidade aos seus empregados”.
Como os arts. 132 e 134 do Regulamento apenas condicionam a despedida
por justa causa a procedimento de apuração da falta grave ensejadora da des-
pedida, sob pena de sua nulidade, não pode ser interpretada de forma elaste-
cida, para se chegar à conclusão de que confere estabilidade aos empregados
do Bandepe, mas sim e apenas impõe a comprovação, mediante prévio processo
administrativo interno, da prática da falta grave ensejadora da despedida, não
fazendo qualquer referência às demais hipóteses de desligamento.
De igual sorte, na hipótese prevista na OJ Transitória nº 38, da SBDI-1, do TST,
que esclarece que “A inobservância dos procedimentos disciplinados na Circular
34046/1989 do Banco Meridional, norma de caráter eminentemente procedimen-
tal, não é causa para a nulidade da dispensa sem justa causa”.
No caso previsto na Súmula nº 355 do TST, de que “O aviso DIREH nº 2, de
12.12.1984, que concedia estabilidade aos empregados da CONAB, não tem
eficácia, porque não aprovado pelo Ministério ao qual a empresa se subordina”,
tem-se que o referido aviso buscava conceder estabilidade aos empregados da
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Ocorre que o Ministério ao qual a Conab se vincula (Ministério da Agricultura)
não referendou o aviso, que tem a natureza de ato administrativo complexo, que
adquire eficácia somente com a aprovação do órgão controlador. Daí a Súmula.
Observe-se, no entanto, que recente decisão do STF, em composição ple-
nária (RE nº 589.998) confirmou a interpretação contida na Súmula nº 390, II, do
TST, de que empregado de empresa pública, de sociedade de economia mista ou
congêneres, não tem direito à estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. Mas

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deixou assente que é obrigatória a motivação da dispensa unilateral, pelo que será
nula a despedida imotivada, porque inconstitucional.
Assim, entendemos que não mais prevalece a Orientação Jurisprudencial da
SBDI-I, do TST, de nº 247, de que empregados de empresas públicas ou sociedades
de economia mista, ainda que aprovados mediante concurso público, podem ser
despedidos sem justa causa.

13  Estabilidade do dirigente sindical


Em 1720 surgiu a primeira associação de trabalhadores, os trade unions, obje-
tivando melhorias nas condições de trabalho.
Na França, a associação de trabalhadores para defesa de interesses comuns era
proibida pela Lei Le Chapellier (1791), vedação mantida pelo Código Napoleônico.
A liberdade das associações somente foi reconhecida em 1884.
A Constituição de Weimar (1919) foi a primeira a permitir expressamente a
liberdade associativa dos trabalhadores.
Em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, consagrou-se
o direito de todo homem ingressar num sindicato (art. XXIII, 4).
A OIT determinou as linhas gerais a reger a atividade sindical na Convenção
nº 87, de 1948.
A Constituição Republicana de 1891, permitiu a associação de trabalhado-
res para fins pacíficos, o que importou no surgimento dos primeiros sindicatos,
denominados de ligas operárias.
A legalização dos primeiros sindicatos ocorreu em 1903 (rurais) e em 1907
(urbanos).
Desde a Revolução de 1930 passaram os sindicatos a ser considerados cola-
boradores do Poder Público.
A Constituição de 1934 passou expressamente a permitir a sindicalização
dos trabalhadores, o que se repetiu nas Cartas de 1946, 1967, 1969 e 1988.
Decorre da liberdade sindical um sistema de garantias ao dirigente sindical
para candidatar-se e exercer o seu mandato, sem receios de ser despedido ou
sofrer retaliações por parte do empregador.
Esse sistema de garantias, também denominado de imunidade sindical,
abrange: a) a estabilidade provisória do empregado urbano ou rural desde a
comunicação do registro da candidatura ao cargo de direção ou representação
sindical e, se eleito, mesmo na condição de suplente, até um ano após o mandato
(art. 8º, VIII, CF); e, b) a inamovibilidade, não podendo ser transferido para local

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que dificulte ou impossibilite o exercício do seu mandato na base territorial em


que exercerá o seu mister na representação dos trabalhadores (art. 543, caput, in
fine, da CLT).
A estabilidade do dirigente sindical, antes prevista apenas na CLT, foi ele-
vada a nível constitucional, ou seja, adquiriu a condição de direito fundamental.
São imediatamente protegidos os interesses coletivos da categoria e mediata-
mente os interesses individuais do dirigente para o efeito da representação dos
trabalhadores.
A proteção ao dirigente sindical segue as diretrizes das Convenções nº 87,
98 e 135 da OIT e se destina a imunizar o trabalhador contra a hostilização do
trabalhador frente à representação da categoria nas reivindicações que, invaria-
velmente, contraria os interesses econômicos do empregador. O exercício das
funções de sindicalista muitas vezes coloca o trabalhador em confronto com os
interesses do empregador. A estabilidade visa garantir o desempenho isento e
sem receio de represálias, além de assegurar a independência dos sindicatos da
categoria profissional, impedindo a interferência do empregador na sua existên-
cia e funcionamento.
Para gozar da estabilidade constitucional, o empregado deve ser sindica-
lizado, ou seja, estar associado a sindicato há mais de seis meses, gozando dos
benefícios e garantias oferecidas pela entidade de representação classista e re-
gistrar a sua candidatura para pleitear a função representativa a cargo de direção
sindical.
Uma vez eleito, os períodos de tempo em que tiver de se ausentar para o
desempenho de suas atribuições sindicais será considerado licença não remune-
rada. Nada impede que a empresa concorde em remunerar o período correspon-
dente ou se houver, em contrário, cláusula contratualmente ajustada.
O art. 566 da CLT não foi recepcionado pela CF/1988, pois a própria
Constituição assegura ao servidor público o direito de sindicalizar-se. Trata-se de
corolário do direito de associação estabelecido no art. 5º, XVII, da CF/1988.
A CF/1988, em seu art. 8º, permite ao trabalhador a livre associação sindical,
estabelecendo alguns condicionamentos. Quanto aos servidores públicos, o art. 37
trata, em seu inciso VI, de assegurar-lhes a livre associação sindical, aplicando-se tal
inciso aos servidores da Administração direta e indireta, conforme dispõe o caput
do mencionado art. 37, que não impõe restrição ou condicionamento à livre asso-
ciação sindical, muito menos em relação à estabilidade do representante sindical.
A primeira questão relacionada à proteção legal diz respeito ao conceito de
dirigente sindical.

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O membro do Conselho Fiscal do sindicato de categoria profissional não


goza de estabilidade, porque a sua função é meramente administrativa, limitada
à fiscalização da gestão financeira do sindicato, sem representar os trabalhadores
em suas reivindicações (Orientação Jurisprudencial nº 365, da SBDI-1, do TST).
O delegado sindical, porque designado pela diretoria do sindicato, sem elei-
ção pelos trabalhadores como dirigente sindical, também não faz jus à estabilidade
(vide OJ nº 369, da SBDI-1, do TST).
Esclarece a OJ nº 253, da SBDI-1, do TST: “O art. 55 da Lei nº 5.764/1971
assegura a garantia de emprego apenas aos empregados eleitos diretores de
Cooperativas, não abrangendo os membros suplentes”.
Entendemos que o representante dos trabalhadores nas empresas, a que
alude o art. 11, da CF, goza de estabilidade, não apenas porque é eleito, mas tam-
bém para que possa exercer sem receios o seu mister. É, aliás, o que esclarece o
PN nº 86, da SDC, do TST.
Dispõe o art. 543, §3º, da CLT que “Fica vedada a dispensa do empregado
sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a
cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profis-
sional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como
suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta
Consolidação”.
A lei faz referência ao termo “associado”, porque a estabilidade alcançava os
dirigentes de associações profissionais.
Ocorre que o dispositivo não foi, neste particular, recepcionado pelo art. 8º,
VIII, da CF de 1988, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa apenas dos
dirigentes sindicais, titulares e suplentes, deixando de fora os dirigentes de asso-
ciações profissionais.
Como as associações profissionais não detém a representação dos traba-
lhadores das categorias profissionais, não participando da negociação coletiva e
da celebração de acordos e convenções coletivas, os seus dirigentes não exercem
atividade que ponham em risco o emprego, não necessitando assim de estabili-
dade que o assegure.
Portanto, a CF assegura tal estabilidade exclusivamente aos dirigentes sindi-
cais, pelo que a Súmula nº 222 foi cancelada.
O item III da Súmula nº 369 esclarece que o empregado de categoria di-
ferenciada, eleito dirigente sindical, só goza de estabilidade se exercer na em-
presa atividade correspondente à categoria profissional do sindicato para o qual
foi eleito dirigente. Assim, quanto aos médicos, dentistas, arquitetos, vigilantes e

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outros profissionais de categoria diferenciada, quando eleitos dirigente sindical


da categoria, não gozam de estabilidade quando não exercem na empresa para
a qual trabalham atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o
qual foram eleitos dirigentes, porque não foram eleitos pelos trabalhadores da
categoria profissional preponderante da empresa.
A segunda questão diz respeito ao marco inicial da proteção legal.
A respeito, esclarece a Súmula nº 369, do TST, que é assegurada a estabili-
dade provisória ao empregado dirigente sindical, ainda que a comunicação do
registro da candidatura ou da eleição e da posse seja realizada fora do prazo pre-
visto no art. 543, §5º, da CLT, desde que a ciência ao empregador, por qualquer
meio, ocorra na vigência do contrato de trabalho.
A Súmula exige o conhecimento da empresa quanto à candidatura, na for-
ma do art. 543, §3º, da CLT, mas o flexibiliza, para abranger as hipóteses em que,
inobstante a inexistência de comunicação formal do registro da candidatura ou
da eleição e da posse no prazo de 24 horas, a empresa, por qualquer meio, tinha
ciência do fato.
O item V da Súmula nº 369 esclarece que o registro da candidatura do
empre­gado a cargo de dirigente sindical durante o período de aviso prévio, ainda
que indenizado, não lhe assegura a estabilidade. Parte o TST do pressuposto de
que não se pode garantir estabilidade a empregado cujo contrato já estava por
findar, quando sobrevém a candidatura.
Evidentemente, é inaplicável quando a empresa despede o trabalhador
sem prévio aviso ou quando lhe concede aviso prévio visando dar fim à relação,
sabedora da intenção do trabalhador em se candidatar. Neste caso, aplica-se o
disposto na parte final do item I da Súmula, por força do art. 9º da CLT.
A terceira questão relacionada à proteção legal diz respeito ao número de
dirigentes abrangidos pela estabilidade.
Esclarece o item II da Súmula nº 369 que o art. 522 da CLT foi recepcionado
pela Constituição Federal de 1988, ficando assim limitada a estabilidade a que alu-
de o art. 543, §3º, da CLT a sete dirigentes sindicais e igual número de suplentes.
A Constituição não faz essa limitação, mas até que sobrevenha nova lei dispon-
do sobre a matéria, considerando, por exemplo, um cálculo proporcional em relação
ao número de filiados ou o tamanho da base territorial de representação, deve-se
entender recepcionado o número de dirigentes previstos no art. 522 da CLT.
Nada impede, a nosso juízo, que o número de dirigentes, para efeito de es-
tabilidade, possa ser definido em norma coletiva ou regulamento de empresa,
desde que não inferior ao número estabelecido em lei.

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A quarta questão relacionada à proteção legal diz respeito aos limites da


inamovibilidade.
O dirigente sindical é inamovível, como garantia de possa exercer o seu mister
na base territorial para a qual foi eleito (art. 543, caput, da CLT).
Contra a transferência ilegal (sem consentimento do trabalhador ou do
diri­gente sindical) ou abusiva (do exercente de cargo de confiança ou quando a
transferência for condição implícita ou explícita, mas sem necessidade do serviço),
poderá o empregado valer-se de medida liminar impeditiva (art. 659, IX, da CLT).
Vide item 6, infra.
Todavia, a transferência voluntária (solicitada ou livremente aceita) do diri-
gente sindical importa na perda da estabilidade (art. 543, §2º, da CLT).
De igual sorte, poderá ser unilateralmente efetuada na hipótese de extinção
do estabelecimento em que o empregado trabalhar (§2º do art. 469).
Nos termos da Súmula nº 221 do STF, a transferência de estabelecimento
ou a sua extinção parcial, por motivo que não seja de força maior, não justifica a
transferência de empregado estável.
A quinta questão relacionada ao dirigente sindical diz respeito aos motivos
que podem ensejar o seu desligamento, em que pese à estabilidade.
A primeira delas é o pedido de demissão. Mas ainda que o tempo de servi-
ço seja inferior a um ano, a validade do ato estará condicionada à homologação
pelo sindicato da categoria ou, na sua falta, por autoridade local competente do
Ministério do Trabalho e Emprego (art. 500 da CLT).
O dirigente sindical somente poderá ser dispensado por falta grave median-
te a apuração em inquérito judicial. É exigência que decorre do art. 494 da CLT,
recepcionado pela Constituição, eis que se trata de garantia da liberdade sindi-
cal, concretizada na necessidade de proteger a representação dos trabalhadores,
constitucionalmente prevista (art. 8º da CF).
Quando o art. 543, §3º, da CLT, condiciona a despedida do dirigente sindical ao
cometimento de falta grave, tecnicamente exige a respectiva apuração, que só pode
dar-se por meio do inquérito destinado a esse fim. Tanto assim é que o art. 652, “b”,
da CLT atribui competência às Varas Trabalhistas para processar e julgar os inquéritos
para apuração de falta grave, e o art. 821 determina que cada uma das partes não
poderá indicar mais de três testemunhas, salvo quando se tratar de inquérito, caso
em que esse número poderá ser elevado a 6 (seis).
Não bastasse, o art. 659, X, da CLT, autoriza a concessão de medida liminar,
até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem reintegra-
ção no emprego de dirigente sindical afastado, suspenso ou dispensado pelo

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empregador. A expressão “afastado” ou “suspenso” só pode dizer respeito à apu-


ração da falta grave por meio do inquérito previsto no art. 494 da CLT.
Ocorrendo a suspensão do trabalhador para efeito de ajuizamento do in-
quérito, o prazo para o desiderato é decadencial, de trinta dias, contado a partir
da suspensão (Súmula nº 403, do STF).
Corroborando o que foi dito, esclarecem:
- a Súmula nº 197 do STF: “ESTABILIDADE – DIRIGENTE SINDICAL. O empre­
gado com representação sindical só pode ser despedido mediante inqué-
rito em que se apure falta grave”.
- a Súmula nº 379, do TST, que: “O dirigente sindical somente poderá ser
dispensado por falta grave mediante a apuração em inquérito judicial,
inteligência dos arts. 494 e 543, §3º, da CLT”.
- a OJ nº 64 da SBDI-2, do TST, que: “Não fere direito líquido e certo a con-
cessão de tutela antecipada para reintegração de empregado protegido
por estabilidade provisória decorrente de lei ou norma coletiva”. E essa
tutela, para o dirigente sindical, está prevista no art. 659, X, da CLT.
Observe-se, no entanto, conforme OJ nº 137, da SBDI-2, do TST, que “Consti­
tui direito líquido e certo do empregador a suspensão do empregado, ainda que
detentor de estabilidade sindical, até a decisão final do inquérito em que se apure
a falta grave a ele imputada, na forma do art. 494, caput e parágrafo único, da CLT”.
Na verdade, o dirigente sindical poderá ser despedido também em virtude
da extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do sindicato,
porque essa situação importa na perda da estabilidade e na possibilidade conse-
quente de despedir (item IV da Súmula nº 369 do TST).
A sexta questão relacionada ao dirigente sindical diz respeito aos motivos
que levam à perda da estabilidade.
O item IV da Súmula nº 369 esclarece que havendo extinção da atividade
empresarial no âmbito da base territorial do sindicato, não há razão para subsistir
a estabilidade. Assim entende o TST, porque a estabilidade não decorre de direito
personalíssimo do dirigente e sim da representação dos trabalhadores na base
territorial de atuação do sindicato. E se deixa de existir atividade da empresa na
base territorial, fica extinta a estabilidade.
No mesmo sentido, quanto ao cipeiro, a Súmula nº 339, II, do TST: “A estabi-
lidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as
atividades dos membros da Cipa, que somente tem razão de ser quando em ativi-
dade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária,
sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário”.

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Outrossim, a transferência voluntária (solicitada ou livremente aceita) do


dirigente sindical importa na perda da estabilidade (art. 543, §2º, da CLT).
De igual sorte, poderá ser unilateralmente efetuada na hipótese de extinção
do estabelecimento em que o empregado trabalhar (§2º do art. 469).
A sétima questão relacionada ao dirigente sindical diz respeito ao ajuizamento
ou à decisão de nulidade da despedida posterior ao término da estabilidade.
Nos termos da OJ nº 399, da SBDI-1, do TST, “O ajuizamento de ação traba-
lhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do
exercício do direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescri-
cional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a
dispensa até a data do término do período estabilitário”.
O item I da Súmula nº 396 do TST deixa claro que, exaurido o período de
estabilidade durante a tramitação do processo, são devidos ao empregado ape-
nas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do
período de estabilidade. Evidentemente, o período de estabilidade integra-se ao
tempo de serviço para todos os efeitos legais, importando em majoração do valor
das parcelas rescisórias.
Para evitar-se o exaurimento do período estabilitário, convém à parte reque-
rer, liminarmente, a reintegração, que será concedida se o direito invocado for plau-
sível, estando implícito o perigo na demora (fim da estabilidade). Para a concessão
dessa liminar poderá o juiz, inclusive, realizar audiência de justificação.
Note-se que, em se tratando de transferência de dirigente sindical, a lei prevê,
expressamente, a concessão dessa liminar (art. 659, X, CLT), mas, de forma análo-
ga, com base no art. 461 do CPC, poderá ser concedida também em se tratando
de gestante, cipeiro, empregado prestes a adquirir aposentadoria e demais casos
de estabilidade provisória.
O item II da Súmula nº 396 esclarece que não configura julgamento extra
petita a decisão que converte a reintegração em indenização, posto ser do juiz a
faculdade dessa conversão na hipótese prevista no art. 496 da CLT.
A última questão relacionada ao dirigente sindical pertine à indagação se o
art. 499 da CLT lhe é aplicável.
Neste particular, é preciso indagar se se trata de empregado exercente de
cargo de confiança eleito representante da categoria econômica ou da categoria
profissional.
Em se tratando de empregado exercente de cargo de confiança eleito re-
presentante da categoria econômica, o STF já decidiu que “[...] Não perde a con-
dição de empregado o trabalhador que, malgrado ocupe cargo de confiança na

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A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988 – Estabilidade, garantias provisórias...  35

empresa empregadora, exerça mandato sindical como representante da catego-


ria econômica. Representante sindical patronal. Dispensa no curso do mandato.
Indenização e consectários legais devidos desde a data da despedida até um ano
após o final do mandato” (STF-RE 217.355. Rel. Min. Maurício Corrêa. j. 29.08.2000.
2ª T. DJ, 02 fev. 2001).
Assim o fez, porque o dirigente sindical da categoria econômica necessita
de estabilidade para poder exercer com isenção o seu mister, sem receio de repre-
sálias por parte dos trabalhadores, sendo certo que os gerentes, diretores, supe-
rintendentes e chefes são suscetíveis de, a um só tempo sofrer assédios moral
ascendente vertical e horizontal por parte dos trabalhadores cuja atuação sindical
pode lhes desagradar, e também assédio moral por parte dos empregadores em
relação à sua atuação em defesa dos interesses econômicos.
Quanto ao exercente de cargo de confiança eleito dirigente sindical da cate-
goria profissional, há quem entenda pela incompatibilidade entre o exercício do
cargo de dirigente sindical da categoria profissional, na defesa dos interesses dos
trabalhadores e as obrigações inerentes ao cargo de confiança, na concretização
da vontade patronal.
Todavia, a estabilidade do dirigente sindical foi elevada ao patamar cons-
titucional pelo art. 8º da CF, que não faz essa limitação quanto à impossibilidade
de representar os trabalhadores no exercício do cargo de dirigente sindical. E não
o faz porque os motivos que concedem ao dirigente sindical a estabilidade não
se assemelham àqueles pertinentes à aquisição do direito pelo estável decenal, a
quem o art. 499 é aplicável.
Ainda que ocupante de cargo de confiança imediata do empregador, o diri-
gente sindical conserva a sua qualidade de empregado e nada impede que possa
representar os trabalhadores em suas reivindicações, da mesma forma que a re-
presentação na empresa, prevista no art. 11 da CF, não impede que o trabalhador
possa ser interlocutor dos demais trabalhadores na empresa, com estabilidade.
Outrossim, os exercentes de cargos de confiança podem, nessa qualidade,
exercer reivindicações sindicais quanto aos limites do poder de comando do
empregador e aspirar melhorias sociais e econômicas das condições de trabalho
especificamente inerentes a esses cargos. Por tais razões a OIT sugere a formação
de sindicatos específicos.
O art. 499 é aplicável a trabalhadores que adquirem a estabilidade por de-
curso do tempo. Ali está claro que durante o exercício do cargo de confiança não
se computa tempo de serviço para efeito de aquisição de estabilidade.

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14  Diretores de sociedades cooperativas


A Lei nº 5.764, de 1971, confere estabilidade aos empregados eleitos direto-
res de sociedades cooperativas por eles criadas, desde o registro da candidatura
e, se eleito, até um ano após o término do mandato (art. 55).
Cuida-se de estabilidade e não de garantia de emprego, porque o art. 55 da
referida lei a eles atribui as mesmas garantias asseguradas aos dirigentes sindicais.
Logo, só podem ser despedidos por falta grave, mediante apuração em in-
quérito.
A finalidade da estabilidade é assegurar a independência das cooperativas,
impedindo a interferência do empregador na sua existência e funcionamento.
Por analogia, aplicável é a Súmula nº 369 do TST, que assegura a estabilidade
provisória ao empregado dirigente sindical, ainda que a comunicação do registro
da candidatura ou da eleição e da posse seja realizada fora do prazo previsto no
art. 543, §5º, da CLT, desde que a ciência ao empregador, por qualquer meio, ocorra
na vigência do contrato de trabalho.
Tal como ocorre com os dirigentes sindicais, a representação dos trabalha-
dores deve guardar correspondência com a categoria profissional para o qual foi
eleito dirigente.
São beneficiários da garantia os membros componentes da Diretoria ou do
Conselho de Administração, excluídos os do Conselho Fiscal. Quanto a estes, a sua
função é meramente administrativa, limitada à fiscalização da gestão financeira
do sindicato, sem representar os trabalhadores em suas reivindicações (a exem-
plo da Orientação Jurisprudencial nº 365, da SBDI-1, do TST).
Esclarece a OJ nº 253, da SBDI-1, do TST: “O art. 55 da Lei nº 5.764/1971
assegura a garantia de emprego apenas aos empregados eleitos diretores de
Cooperativas, não abrangendo os membros suplentes”.

15  Estabilidade dos representantes dos empregados no Conselho de


Previdência Social
Nos termos do art. 3º, §7º, da Lei nº 8.213/1991, os representantes dos tra-
balhadores, titulares e suplente têm estabilidade desde a nomeação até um ano
após o término do mandato, exceto em caso de falta grave, comprovada por meio
de processo judicial (inquérito judicial).

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16  Estabilidade dos representantes dos empregados no Conselho


Curador do FGTS
Nos termos do art. 3º, §9º, Lei nº 8.036/1990, e art. 65, §8º, do Regulamento
do FGTS (Dec. nº 99.684/1990), aos membros efetivos do Conselho Curador, en-
quanto representantes dos trabalhadores, efetivos e suplentes, é assegurada a
estabilidade no emprego, da nomeação até um ano após o término do mandato
de representação, somente podendo ser demitidos por motivo de falta grave, re-
gularmente comprovada.
A Lei nº 8.036/1990 alude a processo sindical, enquanto o Regulamento faz
menção à comprovação regular.

17  Estabilidade dos representantes dos empregados em Comissão


de Conciliação Prévia constituída no âmbito da empresa
As Comissões de Conciliação Prévia instituídas no âmbito da empresa de-
vem ser compostas com no mínimo dois e no máximo dez membros, com metade
indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados (art. 625-B,
caput, I, CLT).
Nos termos do art. 625-B, §1º, da CLT, é vedada a dispensa dos representan-
tes titulares e suplentes dos empregados membros de Comissão de Conciliação
Prévia constituída no âmbito da empresa, até um ano após o final do mandato
(permitida uma recondução), salvo se cometerem falta grave.
A hipótese é de estabilidade, porque admissível a dispensa somente na
ocorrência de falta grave.
A lei não exige inquérito, mas por analogia às demais hipóteses restritivas
de dispensa, ele é indispensável à validade do ato de apuração.

18  Garantias de emprego


18.1  Dirigente de Cipa
Nos termos do art. 7º, XXII, da CF, é direito dos trabalhadores a redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas e saúde, higiene e segurança.
Regulamentando a prevenção contra os riscos de acidentes do trabalho e
doenças profissionais, a CLT limita a duração das horas de trabalho, impõe inter-
valos intrajornada e entre jornadas, férias para descanso anual e nos arts. 154 a
201 estabelece normas específicas visando a proteção à saúde, higiene e segurança

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do trabalho, além de autorizar a expedição de Normas Regulamentares (NRs) pelo


Ministério do Trabalho e Emprego, de orientações e observância de procedimen-
tos obrigatórios relacionados à segurança e medicina do trabalho.
O art. 163, caput, da CLT, determina a constituição obrigatória de Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (Cipa).
A NR-15 (Norma Regulamentar) do Ministério do Trabalho e Emprego regu-
lamenta a matéria. O item 5.2 determina a constituição de Cipa por estabeleci-
mento nas empresas privadas e públicas, sociedades de economia mista, órgãos da
Administração direta e indireta, instituições beneficentes, associações recreativas,
cooperativas e outras instituições que admitam trabalhadores como empregados.
A Cipa, que tem por finalidade a discussão de métodos e procedimentos
destinados à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do exercício do tra-
balho conforme a realidade do estabelecimento, é composta de representantes
designados pelo empregador (art. 164, §1º, da CLT) e por representantes dos em-
pregados, titulares e suplentes, eleitos em escrutínio secreto, independentemen-
te de filiação sindical (art. 164, §2º). De acordo com a Norma Regulamentadora
nº 5, a formação da Cipa é obrigatória para empresas com mais de 50 funcionários
(Quadro I da NR 5).
Para que o trabalhador possa exercer, sem receios de represália do empre-
gador as suas atribuições na Cipa, o art. 165 da CLT veda a despedida arbitrária ou
sem justa causa dos titulares da representação dos trabalhadores na Cipa. Como
é da competência do cipeiro relatar área e situações de risco, com solicitação das
medidas necessárias à prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, fica sus-
cetível a represálias, daí a necessidade da garantia de emprego, para que tenha
autonomia no exercício do seu mister.
Composta de representantes dos trabalhadores e do empregador, tem-se que
a garantia de emprego está restrita aos representantes eleitos, os dos trabalhadores
e não ao representante nomeado pelo empregador (que preside a comissão).
A NR-15, item 5.8, esclarece que essa vedação, que caracteriza garantia tem-
porária de emprego ou estabilidade provisória, tem início a partir do registro da
candidatura do empregado eleito e vigora até um ano após o final de seu mandato.
O art. 10, II, da ADCT da CF elevou essa garantia a nível constitucional.
O art. 165 da CLT veda a despedida arbitrária ou sem justa causa dos titula-
res da representação dos trabalhadores na Cipa. O art. 10, II, “a”, da ADCT da CF de
1988 não esclarece se a garantia de emprego abrange os suplentes da represen-
tação dos trabalhadores, daí surgindo a primeira questão relacionada à garantia
de emprego conferida aos cipeiros, ou seja, se está restrita aos titulares da repre-
sentação ou se também abrange os suplentes.

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Resolvendo-a, esclarece o item I da Súmula nº 339, do TST, de que o suplente


da Cipa goza da garantia de emprego prevista no art. 10, II, “a”, do ADCT a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988.
A interpretação dada pelo TST à norma contida no art. 10, II, “a”, do ADCT
da CF resulta do fato de que: a) os suplentes são eleitos pelos trabalhadores e
substituem os titulares da representação nas ausências; b) tal qual os titulares, os
suplentes ficam igualmente expostos a represálias dos empregadores, pelo qual
merecem igual proteção; c) o item 5.8 da NR-15 regulamenta o art. 165 da CLT
e a própria Constituição, ao vedar a despedida arbitrária ou sem justa causa do
empregado eleito para cargo de direção de Comissões Internas de Prevenção de
Acidentes desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu
mandato, não fazendo assim distinção entre representante titular e suplente.
Ainda a respeito esclarece a OJ nº 6, da SBDI-2, do TST, que “Rescinde-se o
julgado que nega estabilidade a membro suplente de Cipa, representante de em-
pregado, por ofensa ao art. 10, II, “a”, do ADCT da CF/1988, ainda que se cuide de
decisão anterior à Súmula nº 339 do TST. Incidência da Súmula nº 83 do TST”.
A segunda questão referente aos cipeiros diz respeito à necessidade ou não
de inquérito prévio à despedida. O inquérito diria respeito somente à apuração
de falta grave, procedimento desnecessário, porque não é imposto pelas normas
constitucional e infraconstitucional.
A terceira questão referente aos cipeiros diz respeito aos motivos que autori-
zam a despedida. Sendo a Constituição que instituiu a garantia omissa a respeito,
aplica-se o art. 165 da CLT: está autorizada a despedida por motivação disciplinar,
técnica, econômica ou financeira.
A despedida do cipeiro por motivo econômico ou financeiro pode dizer
respeito à empresa, em particular ou situação econômica geral que importe em
despedida coletiva, ainda que proveniente de força maior.
A despedida do cipeiro por motivo disciplinar não está condicionada à apura-
ção em inquérito, mas a sua nulidade importará em reintegração, com pagamento
dos salários do período de afastamento (parágrafo único do art. 165 da CLT).
Quanto à extinção do estabelecimento, de natureza técnica, a garantia de
emprego conferida aos titulares da representação dos empregados na CIPA serve
para a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do exercício do trabalho
no estabelecimento. Logo, se extinto, a garantia perde a sua razão. Ainda que a
empresa possua outros estabelecimentos, como a Cipa deve ser formada por es-
tabelecimento, lá existirão outros componentes, não estando a empresa obrigada
a deslocar o trabalhador para manter a garantia de emprego. Cuida-se, portanto,

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de garantia para a proteção dos interesses da categoria, e não de vantagem pessoal


do trabalhador. Daí a orientação contida no item II da Súmula 339, de que “A estabi-
lidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as
atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em ativi-
dade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária,
sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário”.
No mesmo sentido, a Súmula nº 369, IV, do TST, relacionada ao dirigente sin-
dical: “Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial
do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade”.
A quarta questão referente aos cipeiros decorre do fato de que a garantia
celetista de emprego tinha como termo final o término do mandato e o ADCT da
Constituição a estendeu até um ano após o final do mandato para o empregado
eleito para cargo de direção desde o registro de sua candidatura. A respeito, a
jurisprudência firmou-se no sentido de que tanto os dirigentes como os demais
representantes eleitos foram beneficiados pela garantia constitucional.
Nos termos da Súmula nº 28, do TST, “No caso de se converter a reintegração
em indenização dobrada, o direito aos salários é assegurado até a data da primeira
decisão que determinou essa conversão”.
A súmula aplica-se não apenas às hipóteses em que o trabalhador é deten-
tor de estabilidade decenal e é cabível a reintegração, por ter sido arbitrariamente
despedido, mas também quando a dispensa tem por fundamento ato discrimina-
tório (nas duas hipóteses a indenização é dobrada).
A súmula não se aplica aos trabalhadores detentores de garantia de emprego
(dirigente de CIPA, dirigente sindical, grávida etc.), porque essa garantia está limi-
tada no tempo e eventual indenização substitutiva cobre os salários do respectivo
período, não havendo necessidade de estabelecimento de um marco final já fixa-
do por lei. E é devida de forma simples, exceto se fundada em ato discriminatório.
Nos termos da OJ nº 399, da SBDI-1, do TST, “O ajuizamento de ação traba-
lhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do
exercício do direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescri-
cional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a
dispensa até a data do término do período estabilitário”.
Uma última questão relacionada aos cipeiros, aliás, aplicável a todos os
demais casos de estabilidade temporária ou garantia de emprego: a despedida
em razão da condição estabilitária do trabalhador faz incidir a Lei nº 9.029/1995,
que visa coibir a discriminação, com opção de escolha do trabalhador entre a
reintegração e a indenização, não sendo assim aplicável o art. 496 da CLT. Se o

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trabalhador optar pela indenização e for o caso de sua concessão, será dobrada,
nos termos da lei, e computada até a data da primeira decisão que a deferir (vide
Súmula nº 28, do TST).

18.2 Gestante
Nos termos do art. 10, II, “b”, da ADCT, é vedada a dispensa arbitrária ou sem
justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto, superior à proteção prevista na Convenção nº 183 da OIT, não
ratificada pelo Brasil.
Sobre a despedida discriminatória da mulher, vide a Convenção nº 111 da OIT.
Com base na Teoria do Risco Social, o fato objetivo da gravidez independe
do conhecimento do empregador e da própria trabalhadora. A proteção consti-
tucional é à gestação e não o conhecimento do empregador quanto ao fato da
gravidez. Confirmação é a certeza do fato, não tendo o legislador exigido a comu-
nicação. Basta que ela esteja grávida enquanto vigorar o contrato (no momento
da dispensa ou no período do aviso prévio cumprido ou indenizado) para ter di-
reito à indenização do período estabilitário. É a interpretação do art. 10, II, “b”, do
ADCT da Constituição Federal, realizada pelo TST, contida no item I da Súmula
nº 244. Daí o disposto no art. 391-A da CLT, no sentido de que a confirmação do
estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante
o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante
a estabilidade provisória prevista na alínea “b” do inciso II do art. 10 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
É certo que o objetivo da Constituição Federal é conceder garantia de em-
prego à gestante, cujo exercício pode ser exigido até mesmo liminarmente, e
não uma indenização substitutiva dessa garantia. Mas, uma vez despedida, pode
optar pelo pagamento de indenização reparatória da estabilidade obstada pelo
empregador.
A estabilidade da gestante vai desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto, direito estendido à empregada doméstica por força da Lei
nº 11.324, de 19 de julho de 2006. Esse prazo, em relação à gestante, pode ser
ampliado em 60 dias, por adesão ao Programa Empresa Cidadã.
O prazo de estabilidade não se confunde com o salário-maternidade cor-
respondente aos 120 dias de afastamento, embora compreendido no período
estabilitário.

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Observe-se que nos termos da OJ nº 44, da SBDI-1, do TST, “É devido o salário


maternidade, de 120 dias, desde a promulgação da CF/1988, ficando a cargo do
empregador o pagamento do período acrescido pela Carta”.
A licença-maternidade é estendida à empregada adotante ou à que obtiver
guarda judicial para fins de adoção de criança (art. 392-A da CLT).
O item II da Súmula nº 244 esclarece que a garantia de emprego conferida
à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabi-
lidade. Do contrário, restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes,
reparatórios do período estabilitário obstado pelo empregador. É o que esclarece
o item II do verbete sumulado.
Esclarece a OJ nº 30, da SDC do TST: “Nos termos do art. 10, II, “b”, do ADCT,
a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do
âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbi-
trariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do art. 9º da CLT,
torna-se nula de pleno direito a cláusula que estabelece a possibilidade de re-
núncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do
emprego e salário”.
Note-se, contudo, que uma vez despedida, cabe à gestante a escolha do
pedido de reintegração ou de indenização substitutiva. A proteção à materni-
dade é bem jurídico que supera os interesses empresariais, pelo que: a) não se
pode exigir da gestante o retorno a um emprego do qual pode ter sido alijada até
mesmo por discriminação pelo fato de estar grávida; e, b) dificilmente a gestante
conseguiria novo emprego durante o período estabilitário, necessitando assim
de indenização capaz de supri-lo. A respeito, observe-se que, nos termos da OJ
nº 399, da SBDI-1, do TST, “O ajuizamento de ação trabalhista após decorrido o
período de garantia de emprego não configura abuso do exercício do direito de
ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art. 7º,
XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a dispensa até a data do
término do período estabilitário”.
Evidentemente, se a gestante, despedida, vier a obter novo emprego durante
o período de cumprimento de aviso prévio, não fará jus à indenização fundada
em estabilidade. E se obtiver novo emprego após findo o período do aviso prévio,
fará jus à indenização do período de estabilidade proporcional.
Esclarece o item III da Súmula nº 244 que o contrato por prazo determinado
não é motivo impeditivo de aquisição de estabilidade provisória da gestante.
Trata-se, em relação à gestante, de exceção à regra de que o termo final
previsto no contrato por prazo determinado não prorrogado põe fim à relação de

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A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988 – Estabilidade, garantias provisórias...  43

emprego, não importando se foi firmado para efeito de experiência, atendimento


de serviço transitório ou inserção em atividade de caráter transitório. A proteção
à maternidade é bem jurídico que supera os interesses empresariais, pelo que não
incide nem mesmo a regra contida no art. 472, §2º, da CLT, de que o tempo de
afastamento será computado na contagem do prazo para efeito de terminação
do contrato por tempo determinado.
A matéria hoje está regulada no art. 391-A, introduzido na CLT pela Lei
nº 12.812/2013, que garante a estabilidade da gestante ainda que contraída a gra-
videz no curso do aviso prévio trabalhado ou indenizado.

18.3  Empregado acidentado


O art. 118 da Lei nº 8.213/1991 assegura a garantia provisória pelo período
de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
Como o art. 7º, I, da CF exige lei complementar para a definição da proteção
à despedida arbitrária ou sem justa causa, surgiu a indagação sobre a constitucio-
nalidade da lei infraconstitucional, que assegurou garantia de emprego contra a
despedida do empregado acidentado pelo período de 12 meses após a cessação
do auxílio-doença.
Ora, as garantias de emprego por motivos circunstanciais não se confun-
dem com a proteção geral contra a despedida arbitrária ou sem justa causa pre-
vista no art. 7º, I, da CF. Aquelas são aplicáveis a certos empregados, para proteção
do emprego em virtude de situações socialmente relevantes, enquanto a prevista
no Constituição diz respeito ao estabelecimento de motivações aplicáveis a todos
os empregados.
Como o art. 7º, I, caput, in fine reconhece a possibilidade de a legislação
ordinária integrar como direitos dos trabalhadores os destinados à melhoria de
suas condições sociais, a legislação infraconstitucional pode prever garantias de
emprego para situações sociais específicas, independentemente de lei comple-
mentar, como ocorre com as garantias de emprego dos representantes dos traba-
lhadores em Conselho de Previdência Social, em Conselho Curador do FGTS, em
Comissão de Conciliação Prévia e inúmeras outras situações, a exemplos daquelas
previstas nos arts. 8º, VIII, da CF (dirigente sindical) e 10, “a” e “b”, da ADCT (gestan-
tes e cipeiro).
Daí se conclui que a interpretação relacionada à necessidade de regula-
mentação, por lei complementar, do disposto no art. 7º, I, da CF, diz respeito às
garantias de emprego de caráter geral a todos os trabalhadores e não às atinen-
tes a motivos específicos, que justifiquem tratamento diferenciado. Tanto é assim

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que determina, até a regulamentação, a possibilidade de despedida mediante


o pagamento de indenização compensatória de 40% do FGTS, o que não corre
com quem tem estabilidade provisória, que, pela garantia específica de emprego,
pode ser reintegrado.
Assim, o art. 118 da Lei nº 8.213/1991, quando assegura o direito à estabili-
dade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença, diz
respeito à garantia específica e necessária, aplicável apenas a empregado aciden-
tado, tão constitucionalmente justificável como a da gestante, do cipeiro e do
dirigente sindical, não dependendo, portanto, de lei complementar.
Logo, o item I da Súmula nº 378, do TST esclarece que é constitucional o art. 118
da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de
12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
Esclarece ainda a OJ nº 31, da SDC, do TST: “ESTABILIDADE DO ACIDENTA­DO.
ACORDO HOMOLOGADO. PREVALÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 118
DA LEI Nº 8.213/91. Não é possível a prevalência de acordo sobre legislação vigente,
quando ele é menos benéfico do que a própria lei, porquanto o caráter imperativo
dessa última restringe o campo de atuação da vontade das partes”.
O item II da Súmula nº 378 esclarece que são pressupostos para a concessão
da garantia de emprego: afastamento superior a 15 dias e a consequente percep-
ção do auxílio-doença acidentário. O afastamento até 15 dias sequer suspende
o contrato de trabalho e não enseja a percepção de auxílio-doença acidentário,
fazendo presumir a recuperação total do trabalhador e a desnecessidade da ga-
rantia de emprego.
Todavia, se vier a ser constatada, após a despedida, doença profissional que
guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego, incide a
garantia de emprego, com direito a reintegração, mesmo não tendo o empregado
ficado afastado por período superior a 15 dias ou recebido prestações de auxílio-­
doença acidentário.
Enfim, para a aquisição da estabilidade acidentária prevista no art. 118 da Lei
nº 8.213/1991, é necessário, em princípio, o afastamento do trabalho, com suspen-
são do contrato por mais de 15 dias, com percepção do auxílio-doença acidentário.
Mas a jurisprudência do TST evoluiu no sentido de não considerar imprescindí-
veis ao reconhecimento da estabilidade acidentária o afastamento superior a 15
dias e a percepção de auxílio-doença acidentário, desde que constatada, após a
despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execu-
ção do contrato de trabalho. Por exemplo, quando após 14 dias de afastamento,
o trabalhador retorna sem condições de desempenhar as suas atividades e vem

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a ser dispensado. Constatada, após a despedida, doença profissional que guarde


relação de causalidade com a execução do contrato de emprego, incide a garantia
de emprego, com direito a reintegração.
Esclarece a OJ nº 41, da SBDI-1, do TST, que “Preenchidos todos os pressu-
postos para a aquisição de estabilidade decorrente de acidente de trabalho ou
doença profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o
empregado de estabilidade mesmo após o término da vigência deste”.
O item III da Súmula nº 378 esclarece que o empregado submetido a contrato
de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego de-
corrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/1991.
Interpreta o TST que o acidente de trabalho, ainda mais quando proveniente
de responsabilidade do empregador, é proteção a bem jurídico de natureza cons-
titucional, que supera a natureza legal temporária do contrato. E, de igual sorte, a
gravidez contraída no curso do contrato por prazo determinado, por tratar-se de
bem jurídico que supera os interesses empresariais (vide Súmula nº 244, item III).
São fatos extraordinários e inevitáveis, que constituem exceções à regra contida
no art. 472, §2º, da CLT, demandando proteção diferenciada.
Diferentemente, tais exceções não se estendem à eleição do cipeiro ou do
dirigente sindical, que, não obstante o conhecimento prévio da precariedade do
contrato, se candidatam a cargo de representação obreira. Nessa hipótese, que
não constitui direito personalíssimo do empregado e sim de representação da cate-
goria, prevalece a natureza precária do vínculo, limitando-se a estabilidade provi-
sória ao tempo de vigência do contrato, podendo outro trabalhador, suplente, vir
a substituir, como representante, o que teve o contrato extinto, sem importar em
perda de representação da categoria.

18.4  Garantia de emprego do representante dos empregados


nos Conselhos de Administração das empresas públicas e
sociedades de economia mista
Nos termos do art. 10, da CF, “É assegurada a participação dos trabalhadores
e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses pro-
fissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”.
Regulamentando a Constituição, o art. 5º da Portaria MPOG nº 26/2011,
regulamentadora da Lei nº 12.253/2010, confere garantia de emprego ao repre-
sentante dos empregados no conselho de administração desde a sua candida-
tura e até um ano após o fim de sua gestão, bem como a perda da condição de

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conselheiro ao representante dos empregados que tiver o contrato rescindido


durante o prazo de sua gestão (parágrafo único).
A mencionada Portaria ainda resolve que, nessa hipótese, assumirá o segundo
colocado mais votado, se não houver transcorrido mais da metade do prazo de
gestão e que serão convocadas novas eleições se houver transcorrido mais da
metade do prazo de gestão (art. 7º). Finalmente, estabelece diretrizes e condições
para a realização das eleições (arts. 9º a 18).
Excetuadas as empresas que tenham um número inferior a 200 (duzentos)
empregados próprios (art. 5º), relativamente às empresas da Administração indi-
reta, a Lei nº 12.353, de 28 de dezembro de 2010, dispõe sobre a participação de
empregados nos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades
de economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a
União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a
voto e dá outras providências.
Pela lei em comento, os estatutos dessas empresas deverão prever a partici-
pação de representante dos trabalhadores nos seus conselhos de administração,
assegurado o direito da União de eleger a maioria dos seus membros, ficando
autorizada a alteração do número máximo de membros dos conselhos de admi-
nistração das empresas públicas e sociedades de economia mista federais (art. 2º,
caput, e 4º).
O representante dos trabalhadores será escolhido entre os empregados
pela via eletiva direta. O conselheiro eleito não participará das discussões e deli-
berações sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefí-
cios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais
(§3º do art. 2º).

18.5  Garantia de emprego do servidor público em período eleitoral


A expressão servidor público alcança todos os empregados da Administração
Pública, incluindo os empregados das empresas públicas e sociedades de econo-
mia mista.
Nos termos do art. 15 da Lei nº 7.773/1989, são nulos de pleno direito os
atos que importarem em nomeação, admissão, contratação, exoneração ex officio,
demissão, dispensa, transferência ou supressão de vantagens de qualquer espé-
cie de servidor público, estatutário ou não, da Administração Pública direta ou
indireta e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos municípios e dos territórios, nos seis meses que
antecedem o término do mandato do Presidente da República.

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Nos termos do art. 73, Lei nº 9.504/1997 com os §§5º e 11 a 13 alterados


pela Lei nº 12.034/2009, são proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as
seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre can-
didatos nos pleitos eleitorais: V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir,
demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios
dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir
ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que ante-
cedem o pleito e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito.
Conforme OJ nº 51, da SBDI-1, do TST, “Aos empregados das empresas públi-
cas e das sociedades de economia mista regidos pela CLT aplicam-se as vedações
dispostas no art. 15 da Lei nº 7.773, de 08.06.1989”.

18.6  Garantia de emprego dos representantes dos trabalhadores


Nos termos do art. 11, da CF, “nas empresas de mais de duzentos emprega-
dos, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusi-
va de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”.
Entendemos que o fato da eleição e a natureza do cargo, que expõe o
trabalhador a hostilizações por parte do empregador, garante o emprego do
representante.
De qualquer sorte, nos termos da PN 86 da SDC, a garantia de emprego
pode ser concedida por norma coletiva.

19  Outras hipóteses de proteção ao emprego


19.1 Discriminação
O Decreto Legislativo nº 62.150, de 19.01.1968, ratificou a Convenção nº 111,
concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão, observando que
o termo discriminação compreende toda distinção, exclusão ou preferência fun-
dada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem
social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de
tratamento em matéria de emprego ou profissão, bem como qualquer outra dis-
tinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade
de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão.
A Lei nº 9.029/1995 proíbe a exigência de atestado de gravidez e outras prá-
ticas discriminatórias nas relações de trabalho, autorizando a reintegração ou in-
denização dobrada, conforme opção do trabalhador arbitrariamente despedido.

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Atenta a tais valores e normas, a jurisprudência trabalhista tem procurado


concretizar a Constituição, vedando, por exemplo, a dispensa arbitrária do emprega-
do portador de doença grave, ou seja, a dispensa fundada em estigma ou precon-
ceito. Em outras palavras, a dispensa discriminatória, que atenta contra o objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil, de construção de uma sociedade
solidária (art. 3º, I, CF), em que o ser humano está no centro das atenções.
Daí a Súmula nº 443, do TST, que presume discriminatória a despedida de em-
pregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou
preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Entre os empregados portadores de doenças graves, estão, entre outros, o
empregado acometido de câncer, lúpus e vírus do HIV.
A soropositividade, o câncer, o lúpus e outras doenças graves não são fatores
impedientes da relação de emprego, pelo que a negativa de acesso ao trabalho
ou a despedida das pessoas acometidas desses males podem constituir discrimi-
nação pela condição de saúde do trabalhador.
No caso do vírus do HIV, incide ainda um outro tipo de preconceito, por
atingir, com maior incidência, os homossexuais.
O problema é tão sensível que a ordem jurídica permite o levantamento do
FGTS diante da constatação da soropositividade.
A legislação também permite o levantamento do FGTS às pessoas acome-
tidas de neoplasia maligna (câncer), observando-se na jurisprudência o mesmo
tratamento protetivo às despedidas arbitrárias.
As razões que orientam essas duas situações devem também orientar ou-
tros casos de doenças graves, como o lúpus, uma doença autoimune que elimina
as defesas orgânicas, causando uma série de doenças consequentes.
Fundamentam a proibição da despedida arbitrária desses trabalhadores o
art. 7º, caput (melhoria das condições sociais dos trabalhadores) e inciso I (relação
de empregado protegida contra a despedida arbitrária) c/c 3º, IV, a Convenção
nº 111 da OIT, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 62.150, de 19.01.1968 (que
proíbe exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política,
ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a
igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou pro-
fissão, bem como qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha
por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em
matéria de emprego ou profissão) e a Lei nº 9.029/1995, que proíbe práticas dis-
criminatórias nas relações de trabalho, autorizando a reintegração do trabalhador
ou indenização dobrada.

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Natureza da presunção de discriminação na despedida. Discriminação é o


tratamento desigual, por motivo desqualificante, pelo que a existência de motivo
razoável para o tratamento desigual pode descaracterizá-la.
Logo, a presunção de discriminação é relativa. Havendo prova, cujo ônus é
do empregador, de que a despedida decorre de outros fatores, como falta grave,
extinção do estabelecimento, supressão de setor ou necessidade de redução de
pessoal por motivos econômicos, a despedida pode ser promovida, como ocor-
reu no RR-1796-91-2010.5.08.0013, de Relatoria do Ministro Maurício Godinho
Delgado, em que a 3ª Turma, por maioria de votos, entendeu feita a prova do
desconhecimento do empregador a respeito do estado de saúde do empregado
soropositivo e de que a dispensa decorreu de necessidade de redução do quadro
de pessoal, com dispensa de mais de 200 trabalhadores, entre eles o trabalhador
que, não tendo dado ciência do seu estado de saúde, postulava a reintegração.
Nas demais hipóteses de discriminação (idade, sexo, deficiência) adota-se a
mesma solução (vide Lei nº 9.029/1995).

19.2  Empregado transferido, alistando e empregado às vésperas da


obtenção de aposentadoria
O PN nº 77 da SDC do TST assegura garantia de emprego ao empregado
transferido até um ano após a data da transferência; o PN nº 80 a assegura ao
alistando desde a data da incorporação ao serviço militar até 30 dias após a baixa
e o PN nº 85 a assegura nos 12 meses que antecedem a aposentadoria voluntária
do trabalhador.

20  Despedida coletiva


A legislação brasileira não possui norma coibindo a despedida coletiva ou
traçando os parâmetros de sua caracterização.
O art. 1.1 da Diretiva nº 75/129 da Comunidade Econômica Europeia con-
sidera dispensa coletiva como a efetuada por um empresário, por um ou vários
motivos não inerentes à pessoa do trabalhador, quando o número de dispensas
no período de 30 dias corresponda a: a) 10 empregados, cujo centro de trabalho
empregue, habitualmente, entre 20 a 100 trabalhadores; b) 10% do número de
empregados, nos centros de trabalho que empreguem habitualmente entre 100
a 300 trabalhadores; c) 30 empregados, nos centros de trabalho que empreguem
habitualmente o mínimo de 300 trabalhadores; d) ou 20 empregados, seja qual

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for o número de trabalhadores habitualmente empregados nos centros de traba-


lho afetados, desde que a dispensa se verifique dentro de um período de 90 dias.
O item 2 da Diretiva nº 98/59, de 20.06.1998, do Conselho da União Europeia,
prevê que “se deve reforçar a proteção dos trabalhadores em caso de despedi-
mento coletivo, tendo em conta a necessidade de um desenvolvimento econô-
mico e social equilibrado na Comunidade”.
Na Alemanha, sob pena de nulidade e reintegração ou indenização substi-
tutiva, a dispensa coletiva é sujeita a controle de Conselho de Empresa e da auto-
ridade administrativa do trabalho.
Na Espanha, o art. 51 do Estatuto dos Trabalhadores estabelece que a dis-
pensa coletiva tem de ser fundada em causas econômicas, técnicas, organizacio-
nais ou de produção quando em 90 dias a extinção do contrato afetar pelo menos:
a) 10 trabalhadores em empresas que ocupem menos de 100 empregados; b) 10%
do número de empregados na empresa que tenha entre 100 e 300 trabalhadores;
c) 30 trabalhadores nas empresas que tiverem 300 ou mais empregados.
As dispensas coletivas, conforme Convenção nº 158 da OIT, estão subordi-
nadas a prévio entendimento com a entidade sindical.
Não havendo acordo e sendo necessária, necessidade que pode sofrer ava-
liação judicial, serão efetivadas conforme encargos familiares e antiguidade.
De forma semelhante ocorre na Itália.
Na França e na Inglaterra também há proteção contra as dispensas coletivas,
assim entendidas as que superam 10 empregados.
Na França, a Lei de 03 de janeiro de 1975 versa sobre as despedidas cole-
tivas, que são decorrentes de motivo econômico. O empregador deverá reque-
rer autorização para dispensa ao Departamento do Trabalho, que a deferirá ou
indeferirá. Indeferido o pedido e esgotado o prazo recursal, a dispensa implica
sanções de natureza civil e penal. O tribunal pode declarar a nulidade da dispensa
coletiva caso inexista o processo de consulta.
Em Portugal, o art. 359º, 1, também dá proteção contra a despedida cole-
tiva, caracterizada quando promovida pelo empregador, atingindo, conforme o
tamanho da empresa, dois ou cinco trabalhadores no período de três meses.
O empregador que pretenda promover um despedimento coletivo comuni-
ca, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersin-
dical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a
abranger a intenção de proceder ao despedimento (art. 419º, 1). A comunicação a
que se refere o número anterior deve ser acompanhada de: a) descrição dos moti-
vos invocados para o despedimento coletivo; b) quadro de pessoal, discriminado

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por setores organizacionais da empresa; c) indicação dos critérios que servem


de base para a seleção dos trabalhadores a despedir; d) indicação do número de
trabalhadores a despedir e das categorias profissionais abrangidas; e) indicação
do período de tempo no decurso do qual se pretende efetuar o despedimento;
f ) indicação do método de cálculo de qualquer eventual compensação genérica
a conceder aos trabalhadores a despedir, para além da indenização referida no
nº 1 do art. 401º ou da estabelecida em instrumento de regulamentação coletiva
de trabalho.
Na mesma data deve ser enviada cópia da comunicação e dos documentos
previstos no número anterior aos serviços competentes do ministério responsá-
vel pela área laboral.
Nos 10 dias posteriores à data da comunicação tem lugar uma fase de infor­
mações e negociação entre o empregador e a estrutura representativa dos tra-
balhadores, com vista à obtenção de um acordo sobre a dimensão e efeitos das
medidas a aplicar e, bem assim, sobre a aplicação de outras medidas que reduzam
o número de trabalhadores a despedir.
Na América Latina, somente na Colômbia, no Panamá, no Peru, no México e
na Venezuela há controle das dispensas coletivas.
No Brasil, a empresa Amsted Maxion demitiu 450 trabalhadores em 15 de
dezembro de 2008 e 150 em 17 de dezembro de 2008. Esses 600 trabalhadores
foram despedidos na unidade de Osasco. Outros 700 foram dispensados na uni-
dade de Hortolândia e 250 na unidade de Cruzeiro. O TRT da 2ª Região determi-
nou serem devidos os dias parados, pois a empresa deu causa à greve. Mandou
reintegrar os empregados, pela falta de negociação coletiva para a dispensa. Foi
dito que “a dispensa coletiva deve ser justificada, apoiada em motivos compro-
vados, de natureza técnica e econômica, e, ainda, deve ser bilateral, precedida
de negociação coletiva com o sindicato, mediante adoção de critérios objetivos”
(Proc. 20.281.2008.000.02.00-1, AC SDC 0002/2009-0, Rel. Ivani Contini Bramante,
nº 4/09, p. 129/128). Posteriormente, as partes fizeram acordo.
A Usiminas, em Ipatinga, também dispensou 600 trabalhadores entre ja-
neiro e março de 2009. Desativou três dos seus cinco altos-fornos. Foi concedida
liminar em dissídio coletivo pelo TRT da 3ª Região em 31 de março de 2009 para
reintegrar os trabalhadores. Posteriormente foi feito acordo entre a empresa e o
Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga, em que a companhia se compromete a
não fazer novas demissões de trabalhadores no prazo de 30 dias. A empresa de-
sistiu do recurso protocolado no TRT da 3ª Região em 1º de junho de 2009.

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A Embraer despediu mais de 4.200 trabalhadores em São José dos Campos,


em decorrência do cancelamento de pedidos já feitos de aviões.
O presidente do TRT da 15ª Região determinou a reintegração dos traba-
lhadores em razão da falta de negociação coletiva. A SDC do TRT da 15ª Região
julgou a matéria em 18 de março de 2009, afirmando que as despedidas foram
abusivas, por falta de negociação com os representantes dos empregados, antes
da concretização das despedidas.
O Ministro Milton de Moura França, presidente do TST, suspendeu os efeitos
da decisão do TRT da 15ª Região. Afirmou o ministro que a empresa “nada mais fez
do que exercitar seu direito de legitimamente denunciar contratos de trabalho, em
observância estrita das leis vigentes, com pagamento de todas as verbas devidas”.
Afirmou que “As dispensas foram alicerçadas em comprovadas dificuldades
financeiras capazes de comprometer o regular exercício de sua atividade econô-
mica, que recebe, igualmente, proteção na ordem constitucional e legal do país”.
(ES-207660/2009-000-00-00.7, 13.04.09, LTr 73-04/469)
Finalizou dizendo, em síntese, que por força da Constituição ou de lei a em-
presa não tem obrigação de abrir plano de demissão voluntária aos trabalhadores
antes de fazer o despedimento coletivo. E que a exceção diz respeito ao fato de
existir previsão nesse sentido na norma coletiva da categoria.
O inc. VI do art. 7º da Constituição exige convenção ou acordo coletivo (resul-
tado da negociação coletiva) para reduzir salários. Faz referência o inc. XIII do art. 7º
da Lei Maior a acordo ou convenção coletiva para reduzir ou compensar jornada de
trabalho. Os turnos ininterruptos de revezamento de seis horas somente podem ser
aumentados por negociação coletiva (art. 7º, XIV, da Lei Magna). A CF reconhece
as convenções e acordos coletivos de trabalho como instrumentos de negociação
coletiva (art. 7º, XXVI) e a proteção em face de automação (art. 7º, XXVII).
Por outro lado, é obrigatória a participação dos sindicatos, a quem cabe a
defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria (art. 8º, III) nas nego-
ciações coletivas de trabalho (art. 8º, VI, da Lei Maior).
Em caso de greve da categoria, é obrigatória a tentativa prévia conciliatória
(Lei nº 7.783/1989) e a intervenção da Justiça na busca da conciliação (arts. 860 e
862 da CLT).
Por sua vez, o art. 476-A da CLT exige convenção ou acordo coletivo para ser
feita a suspensão dos efeitos do contrato de trabalho.
Enfim, todo o arcabouço normativo contido na Constituição determina a
negociação coletiva nas questões que envolvem os direitos coletivos.
Logo, o art. 7º, I, da CF, não regulamentado, é aplicável apenas às dispensas
individuais, não podendo as coletivas se subordinarem ao mesmo tratamento.

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Para elas, não apenas pelo impacto social, como também porque são suscetíveis
de eliminar as vantagens sindicais obtidas para a categoria, é preciso negocia-
ção prévia, tanto assim que a Portaria MTb nº 3.218, de 09 de julho de 1987, faz
referência ao acompanhamento das demissões coletivas, apontando soluções
alternativas.
A referida Portaria cuida do acompanhamento das despedidas de trabalha-
dores, decorrentes da conjuntura econômica ante a informação da possibilidade
de despedida coletiva e da atuação visando a obtenção de solução alternativa e,
na impossibilidade, a adoção de critérios sociais a serem observados na seleção
dos despedidos, entre os quais dar-se-ão prioridade para aqueles que concorda-
rem em ser dispensados, os solteiros com menor tempo de serviço na empresa,
os já aposentados e aqueles que têm direito à obtenção de aposentadoria assim
considerados os que estiverem percebendo abono de permanência ou que te-
nham mais de 30 anos de serviço ou 65 anos de idade.

21 Conclusões
Estabilidade é o direito adquirido ao emprego, concedido por lei, norma
regulamentar ou cláusula contratual ou normativa (estabilidade absoluta) ao tra-
balhador que, ordinariamente, só pode ter o seu contrato rompido em virtude
de falta grave. Difere da garantia de emprego (ou estabilidade relativa), que é
a proteção ao emprego para o atendimento de circunstâncias específicas, liga-
das ao trabalhador, mas admitindo o rompimento do contrato por motivações
disciplinares, técnicas, econômicas ou financeiras. Difere também da proteção à
despedida por denúncia vazia ou imotivada, prevista no art. 7º, I, da CF, que é
de caráter geral e não está condicionada a circunstâncias específicas, ligadas ao
trabalhador, motivadoras da despedida.
Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, indenização da despedida
imotivada, FGTS e seguro-desemprego não são formas de proteção do emprego
por meio de desestímulo financeiro. O aviso prévio proporcional ao tempo de ser-
viço é instrumento de reinserção no mercado de trabalho, por meio de concessão
de prazo para a busca de nova ocupação, enquanto indenização da despedida
imotivada, FGTS e seguro-desemprego são formas de possibilitar ao trabalhador
investimento no próprio negócio ou de subsistência do trabalhador durante o
desemprego, ou seja, medidas de proteção ao desemprego.
Quando indenizado, o aviso prévio apenas garante a subsistência do traba-
lhador enquanto busca nova ocupação, também não servindo para proteger o em-
prego. Na verdade, protege a manutenção do trabalhador durante o desemprego.

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54  Alexandre Agra Belmonte

Salvo em relação aos servidores públicos da Administração direta, autár-


quica e fundacional, que têm estabilidade após três anos de efetivo exercício em
cargo de provimento efetivo via concurso público, a lei brasileira não prevê esta-
bilidade definitiva para o trabalhador.
Com efeito, a estabilidade decenal foi extinta pela Constituição de 1988 e
substituída pela proteção à despedida arbitrária ou sem justa causa prevista no
art. 7º, I, da CF, mas até hoje não regulamentada.
De qualquer sorte, enquanto vigorou, durante o prazo de carência, o traba-
lhador podia ser despedido por denúncia vazia, mediante indenização por tempo
de serviço, e se optante, com direito ao levantamento do FGTS acrescido de inde-
nização compensatória (até a Constituição 1988 de 10% e a partir dela, de 40%).
Conclui-se que mais eficaz do que a estabilidade decenal seria o sistema
de proteção ao emprego por meio da exigência de motivação para a despedida,
como ocorreu nos países europeus em geral, prevista no art. 7º, I, da Constituição
de 1988, mas ainda não regulamentado.
Todavia, recente decisão do STF, em composição plenária (RE nº 589.998)
reafirmou que os empregados de empresas públicas e sociedades de econo-
mia mista ou congêneres não têm direito à estabilidade prevista no art. 41, da
CF/1988, como interpreta o item II da Súmula nº 390, do TST. Mas deixou assente
que é obrigatória a motivação da dispensa unilateral, pelo que será nula a despe-
dida imotivada, porque inconstitucional.
Se a própria Constituição exige concurso público para ingresso no serviço
público, inclusive aos empregados de empresas estatais (art. 37, II), não se poderia
permitir que a dispensa ocorresse sem a apresentação dos motivos respectivos,
sob pena de se fraudar a lógica da exigência constitucional, que decorre dos prin-
cípios norteadores da Administração, em especial os da legalidade, moralidade e
impessoalidade (art. 37, caput).
Está provado, pelos alarmantes índices de rotatividade no emprego, que o
encarecimento do custo da despedida imotivada não as inibe e produz efeitos
significativos apenas sobre o pequeno empresário.
Não bastasse, a possibilidade de despedir o trabalhador por denúncia vazia,
ou seja, sem motivação, além do impacto social, produz impactos nos recursos do
seguro-desemprego e do FGTS, este que deveria servir, se conservados os depó-
sitos, para os investimentos sociais em favor do trabalhador.
As estabilidades provisórias e as garantias de emprego, relacionadas ao longo
deste trabalho, protegem apenas os trabalhadores vinculados às situações que as
demandam, urgindo que seja regulamentada, nos planos individual e coletivo, a

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A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988 – Estabilidade, garantias provisórias...  55

efetiva proteção aos trabalhadores em geral quanto à conservação de seus empregos,


até para que a permanência nos empregos contribua para que o empresário possa
investir na qualificação do trabalhador.

Referências
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
BELMONTE, Alexandre Agra; DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São
Paulo: LTr, 2009.
FREITAS, Ney José de. Dispensa de empregado público & o princípio da motivação. 4. ed. Curitiba: Juruá,
2006.
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
MANNRICH, Nelson. Despedida coletiva. São Paulo: LTr, 2002.
PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Estabilidade. São Paulo: LTr, 2002.
SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008. v. 1, 2.
WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida abusiva. São Paulo: LTr, 2004.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

BELMONTE, Alexandre Agra. A proteção do emprego na Constituição Federal de 1988:


estabilidade, garantias provisórias, proteção geral à despedida arbitrária ou sem justa
causa e direitos decorrentes da extinção contratual. Revista da Associação Brasileira de
Advoga­dos Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 11-55, jan./dez. 2014.

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O direito do trabalhador estrangeiro no
Brasil sob o enfoque da principiologia
constitucional – A polêmica trabalhista do
“Programa Mais Médicos”

Álvaro dos Santos Maciel


Doutorando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal
Fluminense (UFF/RJ). Mestre em Ciências Jurídicas pela
Universidade Norte do Paraná (UENP/PR). Especialista em Direito
Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL/PR). Pesquisador bolsista pela Capes e autor de diversos
textos científicos. Assessor Jurídico Voluntário da Apae. Advogado.
Docente de Graduação na Universidade Veiga de Almeida (UVA/RJ)
e em cursos de pós-graduação no País.

Palavras-chave: Direito do trabalho. Trabalhador estrangeiro. Direitos


fundamentais. “Projeto Mais Médicos” para o Brasil. Constitucionalismo.

Sumário: Introdução – 1 A valorização da dignidade humana e a proteção


jurídica do trabalhador – 2 Uma abordagem sobre o enquadramento jurídico
do trabalhador estrangeiro no Brasil – 3 O papel dos princípios no ordena-
mento jurídico constitucional – Considerações finais – Referências

Introdução
A maior parte da população mundial, em algum momento da vida, vincular-
se-á à atividade laboral como trabalhador, em seu próprio país, ou em alguns
casos, em nações diversas.
Em verdade, a produção e a prestação de serviços não são mais organizadas
nos limites políticos e geográficos do Estado onde se encontra a sede da empresa
(HOBSBAWM, 2000, p. 71).
O crescimento econômico e a crise financeira internacional têm atraído
cada vez mais trabalhadores estrangeiros para o Brasil, o que tem criado os con-
tratos transnacionais, com transferências e legislações diversas em cada local de
prestação de serviço.

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58  Álvaro dos Santos Maciel

Há paradoxos legais e debates doutrinários e jurisprudenciais. Desse modo,


encontrar a forma de elucidar a melhor aplicação do Direito faz com que a presente
pesquisa se justifique.
Observa-se que a escassez de mão de obra qualificada em vários setores
do mercado de trabalho brasileiro, por exemplo, na área da Saúde, fez surgir o
“Projeto Mais Médicos para o Brasil”, que constitui um dos principais estímulos à
vinda de profissionais imigrantes.
Em vários segmentos, muitos estrangeiros são considerados trabalhadores
ilegais, detêm baixa escolaridade e pouca qualificação, e sujeitam-se a postos de
trabalho precários e mal remunerados.
Há situações em que, quando alguns desses trabalhadores decidem buscar
a reparação da lesão, os operadores do Direito se veem na problemática concer-
nente à ilegalidade do exercício de atividade no território nacional e seu reflexo
na pretensão reparatória.
Atualmente, produzir uma crítica ainda se trata de um fator complexo. Não
pela falta de objetos a serem descobertos e superados em suas contradições, mas
sim pela tarefa de definir o que é crítica e que postura um crítico deve manter em
relação ao objeto a ser criticado.
Gil (2010, p. 37) revela a dificuldade de se formularem críticas científicas. Eis
que chegar a identificar o problema com eficiência é uma capacidade que revela
a genialidade científica.
Desse modo, não se pretende nesta pesquisa alcançar a referida genialidade,
mas propor ponderações que levem à reflexão. Por conseguinte, faz-se necessá-
rio a resolução do problema que pode ser assim explicitado: por um lado há os
princípios que valorizam a dignidade humana de todo e qualquer indivíduo; por
outro, há a legislação e os programas que nem sempre favorecem o trabalhador
estrangeiro. Daí surge a indagação: qual é o papel do Direito, dos intérpretes do
Direito e da dogmática jurídica no contexto constitucional?
O objetivo deste trabalho é demonstrar a crise de legalidade quando o
assunto é o trabalhador estrangeiro no Brasil e as discussões doutrinárias e
juris­prudenciais acerca da extensão da proteção do direito laboral brasileiro à
comunidade imigrante, bem como levantar hipóteses sobre qual seria o papel
dos princípios numa visão constitucional no alcance de prováveis soluções que
viabilizem a máxima efetividade dos direitos fundamentais aos trabalhadores.
Para tanto, faz-se necessário abordar a questão da valorização da digni­
dade humana do trabalhador, o enquadramento jurídico do trabalhador estran-
geiro, as polêmicas trabalhistas deflagradas pelo “Programa Mais Médicos”, mais

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O direito do trabalhador estrangeiro no Brasil sob o enfoque da principiologia constitucional...  59

precisamente no “Projeto Mais Médicos para o Brasil” à luz da principiologia com


esteio no constitucionalismo.
Instrumentalmente, a pesquisa se desenvolveu mediante consulta a litera-
tura específica, a doutrinadores e a teóricos da Filosofia e da Sociologia. Ainda,
houve a seleção de textos jurídicos para exemplificar a produção discursiva, bem
como utilização de jurisprudências.

1  A valorização da dignidade humana e a proteção jurídica


do trabalhador
A República Federativa do Brasil, que constitui um Estado Democrático de
Direito, estabelece em sua Constituição, por meio de seu artigo 1º, inciso III, a
dignidade da pessoa humana como um dos elementos fundantes do sistema
constitucional.
Por ser considerado um elemento que funda o sistema constitucional, a dig-
nidade da pessoa humana pode ser considerada um “superprincípio” que deverá
ser utilizado para nortear e dirimir o sistema jurídico contemporâneo e os conse-
quentes conflitos de interesses (ROCHA, 1999).
A dignidade da pessoa humana apresenta-se como uma lente por meio da
qual os direitos ganham uma unidade convergente de interpretação, devendo a
valorização do ser humano ser erigida como posição inicial e final de qualquer
debate e análise normativa.
Trata-se de um princípio matriz do ordenamento jurídico e desencadeia
uma unidade de sentido ao condicionar a interpretação das suas normas. Revela-
se, ao lado dos direitos e garantias fundamentais, como cânone constitucional
que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte
axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro” (PIOVESAN, 2000, p. 54 et seq.).
Sob a ótica de Kant (2003, p. 58-68), “o homem, e, de uma maneira geral,
todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso
arbitrário desta ou daquela vontade”. Logo, o homem é um fim em si mesmo e
possui um valor absoluto que pode ser chamado de dignidade, inerente a todo
ser humano.
Assim, por ser considerado agente de valor, não pode ser tido como um
mero instrumento para o Estado ou para seu semelhante. Logo, todo esforço la-
boral deve ser devidamente recompensado, não somente como forma de retri-
buir o trabalho desenvolvido, mas também como meio de valorizar a essência
espiritual e moral de todo ser humano.

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A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, a “fonte jurídico-positiva


dos direitos fundamentais” (CANOTILHO, 2003, p. 59). Trata-se de um valor espiri-
tual, absoluto, indispensável, moral, insubstituível e inerente a todo ser humano.
É respaldada pelo texto da Constituição Federal que estabelece limites ao Estado
e aos indivíduos frente aos direitos de outros indivíduos, bem como fundamenta
o dever de tratamento igualitário entre os agentes sociais.1
Desse modo, impõe-se o reconhecimento da identidade do indivíduo por
meio de mecanismos de sociabilidade, dentre os quais se incluem a viabilização
e valorização de trabalho além de outros direitos sociais e condições existenciais
mínimas.
Com efeito, além da dignidade, são fundamentos da República Federativa do
Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, IV, da Constituição
Federal de 1988). Também consta dentre seus objetivos fundamentais, a intenção
do Estado de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), sendo ainda
mais contundente a enunciação do princípio constitucional da isonomia, que se
refere expressamente aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País (art. 5º,
caput e inciso I) e igualdade em direitos e obrigações.
Tem-se que o Direito do Trabalho, ao lado do Direito Previdenciário, detém
grande representatividade social no que se refere à concretização da dignidade
humana e dos direitos humanos. Delgado (2011, p. 81-82) ressalta que é por
meios destes ramos jurídicos que a valorização humana consolida sua evolução
ampliando as fronteiras originais, vinculadas basicamente à dimensão da liber-
dade e intangibilidade física e psíquica. Ademais, esclarece que a visão social,

1
Neste escólio, são os ensinamentos de Moraes (2003, p. 60 et seq.): A dignidade da pessoa humana
é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodetermi-
nação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico
deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exer-
cício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos. [...] A ideia de dignidade da pessoa humana encontra
no novo texto constitucional total aplicabilidade [...] e apresenta-se uma dupla concepção. Pri-
meiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em
relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece-se verdadeiro dever fundamental
de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever-ser configura-se pela existência
do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que
lhe respeitem a própria. [...] Ressalte-se, por fim, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
adotada e proclamada pela Resolução nº 217A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em
10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, reconhece a dignidade como inerente a todos
os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

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O direito do trabalhador estrangeiro no Brasil sob o enfoque da principiologia constitucional...  61

cultural e econômica dos direitos humanos, e, por conseguinte, dos direitos que
valorizam a dignidade da pessoa humana, passam necessariamente pelo ramo
jurídico trabalhista, haja vista que é a principal modalidade de inserção dos indi-
víduos no sistema socioeconômico capitalista.
Ruprecht (1995, p. 96 et seq.) destaca que, além da dignidade humana, há
outros princípios que valorizam o trabalhador, tais como o princípio da não dis-
criminação, da colaboração, da racionalidade, da justiça social, da equidade, entre
outros.
Desse modo, ao trabalhador no Brasil, sendo estrangeiro ou não, devem-lhe
ser garantidos os preceitos da dignidade humana, que, por sua vez, por ser o cen-
tro irradiador de outros princípios, direitos e garantias, deve a justiça coibir qual-
quer tipo de abuso, e, ao que parece, são acertados os entendimentos judiciais que
apontam neste sentido, assim como serão demonstrados nos tópicos seguintes.

2  Uma abordagem sobre o enquadramento jurídico do trabalhador


estrangeiro no Brasil
O fluxo de trabalhadores pelo mundo e, em especial no Brasil, não é um fenô-
meno recente, assim como os estudos sobre as questões de imigração (PIORE, 1983;
MASSEY, 1998; GEIGER, 2000; CARVALHO, 2006; GIULIANO; RUIZ-ARRANZ, 2009).
Autores como Simmel (1989), Schutz (2010), bem como Mello (2012), abordam os
desafios dos estrangeiros que, em meio a um “choque cognitivo”, tentam se inserir
numa sociedade visando à “fluência cultural” em determinada cultura que não é a
sua de origem.
O Direito fulcrado na dignidade humana, ao equiparar o estrangeiro aqui
residente aos nacionais em direitos e obrigações, visa valorizar os indivíduos para
que lhes sejam garantidos os mesmos preceitos legais e, consequentemente, o
seu bem-estar físico e moral.
Levantamentos de dados emitidos pelo Ministério do Trabalho e do Emprego
(MTE), por meio da Coordenação Geral de Imigração (CGIg), revelam que o cres-
cimento econômico e a crise financeira internacional têm atraído cada vez mais
trabalhadores estrangeiros para o Brasil. A escassez de mão de obra qualificada
em vários setores do mercado de trabalho brasileiro é um dos principais estímu-
los à vinda de imigrantes. Em contrapartida, o Ministério da Justiça aponta que há
também muitos que estão ilegais, detêm baixa escolaridade e pouca qualificação,
sujeitando-se a postos de trabalho precarizados e mal remunerados.

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Os dados do MTE demonstram que o número de autorizações trabalhistas


no Brasil concedidas a estrangeiros no primeiro semestre de 2013 (29.486) man-
teve a quantidade aproximada quando comparado com o primeiro semestre de
2012 (30.305). Todavia, o primeiro semestre de 2012 registrou um aumento de
19,4% em comparação ao mesmo período de 2011. Tem-se que, das 29.486 auto-
rizações trabalhistas atualizadas até 30.06.2013, o total de 1.511 são permanentes
e 27.975 são temporárias.
Assim como em outros países, no Brasil há exigências legais para a perma-
nência dos trabalhadores estrangeiros2 dispostas na Lei nº 6.815/1980, que define
a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, fixando critérios para concessão dos
vistos, e cria o Conselho Nacional de Imigração, órgão do Ministério do Trabalho e
Emprego responsável, entre outros atributos, pela formulação da política de imi-
gração e coordenação de suas atividades no País.
O visto pode ser temporário ou permanente, sendo no primeiro caso para
aqueles que vêm ao País em viagem cultural, missão de estudos, a negócios, na
condição de artista ou desportista, estudante, cientista, correspondente de rádio,
jornal, televisão ou agência de notícias estrangeira, entre outros. Já o visto perma-
nente é para aqueles que pretendam residir definitivamente no Brasil.
O estrangeiro que pretende trabalhar no Brasil, ao pedir autorização no
MTE, deve comprovar sua capacidade e qualificação atendendo aos requisitos
estipulados pelo Ministério.
Quanto às garantias legais, a princípio, tem-se que o imigrante, ao trabalhar
no Brasil, passa a ter assegurado os mesmos direitos trabalhistas de um emprega­
do nacional, como jornada padrão de oito horas diárias ou 44 por semana, 13º
salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e férias de 30 dias com o
respectivo abono.3
A problemática surge quando da eventual condição irregular do trabalha-
dor estrangeiro em terras brasileiras, como será abordado a partir de agora. Ou
mesmo quando há, em tese, violação ao princípio da isonomia quando o traba-
lhador está sob condição regular, como aprofundado a seguir.

2
O antigo Decreto-Lei nº 691/69 regulava a contratação de técnicos estrangeiros para trabalhar
no Brasil em serviços especializados com remuneração auferida em moeda estrangeira.
3
Em 08.10.2009, entrou em vigor o Acordo para Residência de Nacionais do Mercosul, Bolívia e
Chile, resultando na ampliação do direito de livre circulação de pessoas, com direito ao trabalho,
ao empreendedorismo e a fixação de residência temporária e permanente, para cidadãos vincu-
lados ao Bloco e aos países referidos, desde que nacionais desses países ou naturalizados há mais
de cinco anos.

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A doutrina tem se dividido entre as correntes que consideram ora o trabalho


irregular como nulo, ora o trabalho irregular como proibido.
Para a primeira corrente, o contrato firmado por estrangeiro sem o cum-
primento das exigências previstas em lei, especialmente a falta da autorização,
gera um contrato nulo desde a sua gênese, e eventual inadimplência que tenha
sofrido por parte do empregador não lhe será de direito, fazendo jus apenas ao
pagamento dos dias efetivamente trabalhados, sem que se possa falar em viola-
ção de quaisquer dispositivos legais ou constitucionais referentes a férias, horas
extras, 13º salário, FGTS, entre outros.
Carelli (2007) explica, sob o enfoque da interpretação literal do Texto
Constitucional, que o princípio da igualdade de tratamento se destina tão somente
“aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil” (art. 5º, I). Assim, a norma iso-
nômica de direitos vale apenas para estrangeiros que já estejam no Brasil com si-
tuação jurídica regular, com estatuto de residente. Não valendo, por conseguinte,
aos que venham em imigração clandestina, ou, como mais comumente ocorre,
aos que são trazidos por empresas.
Porém, essa interpretação reducionista do Direito vai de encontro aos dita­
mes da valorização da dignidade humana e preceitos legais. Ora, discriminar o
estrangeiro irregular ao não lhe assegurar a integralidade dos direitos previstos
na legislação trabalhista brasileira deflagraria o enriquecimento ilícito do empre-
gador, haja vista que este veria naquele alvo natural de exploração, consolidaria
os preceitos do trabalho escravo, além de que mitigaria a contratação de traba-
lhadores brasileiros.
Para a segunda corrente, a contratação irregular de imigrantes pode desenca-
dear tão somente a caracterização de trabalho proibido, acarretando consequên­
cias jurídicas do empregador em prol do trabalhador irregular.
Para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Recurso de Revista nº 750.094/
01.2 da 6ª Turma, em acórdão sob a relatoria do Ministro Horácio Senna Pires,
haveria injustiça negar aplicação de direitos aos trabalhadores estrangeiros em
situação irregular por conta da força de trabalho já despendida e o risco que tal
atitude geraria aos trabalhadores brasileiros:

Implicaria uma dupla injustiça: primeiro os trabalhadores estrangeiros


em situação irregular no País que, não obstante tenham colocado sua
força de trabalho à disposição do empregador, ver-se-ão privados da
devida remuneração em razão de informalidade de cuja ciência prévia
o empregador estava obrigado pelo artigo 359 da CLT; e segundo, com
os próprios trabalhadores brasileiros, que poderiam vir a ser preteridos

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pela mão-de-obra de estrangeiros irregulares em razão do custo menor


desses últimos, como tragicamente sói acontecer nas economias dos
países do Hemisfério Norte.

Ainda no referido acórdão, o relator traz a lume um recorte de outro acór-


dão prolatado em 24.07.1957 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso
Extraordinário nº 33.938/DF da 2ª Turma, de relatoria do Ministro Álvaro Moutinho
Ribeiro da Costa, que em resumo expõe que, em tempo de guerra, era autorizada
a rescisão do contrato de trabalho com estrangeiro, súdito do estado beligerante,
com pagamento da respectiva indenização. Porém, mesmo em situação extrema,
como era o caso, jamais se considerou tratar-se de contratação eivada de nulidade.
Logo, o Ministro Relator do TST, no caso em epígrafe, entende que, se nem
mesmo em situação tão especial, como a guerra com determinado país, os con-
tratos dos seus súditos no Brasil são considerados nulos, muito menos seria nulo
o contrato de trabalho vinculado à hipótese de irregularidade formal, pois iria
contra todos os princípios que regem o Direito do Trabalho.
No Recurso de Revista nº 219000-93.2000.5.01.0019 da 4ª Turma do TST, sob
a relatoria da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, no acórdão prolatado em
22.09.2011, reconhece-se a importância de o intérprete do Direito deter uma visão
integral do direito e coerente com os princípios constitucionais.

A interpretação das normas jurídicas deve atender ao postulado da inte­


gridade do direito. É necessário que o intérprete busque, na atividade
hermenêutica, a coerência entre a história institucional, firmada na juris-
prudência e na legislação, e os princípios constitucionais. Assim, o julga-
dor deve, no exame do caso concreto, buscar a interpretação que melhor
se acomode tanto à história institucional quanto aos princípios aplicáveis
à hipótese.

Sob a análise do TST, dessa forma, é necessário encontrar uma coerência sis-
têmica que leve em consideração tanto os princípios mais fundamentais aplicáveis
ao caso quanto a história institucional, refletida tanto na jurisprudência quanto na
legislação. Revela-se importante respeito aos princípios constitucionais e celetistas.

2.1  A celeuma deflagrada pela Lei nº 12.871/2013 (“Programa Mais


Médicos”) sob o enfoque trabalhista
O “Programa Mais Médicos” possui a finalidade de formar recursos humanos
na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS) (art. 1º).

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Dentre outras ações, o “Programa Mais Médicos”, para garantir os objetivos


constantes no art. 1º, institui o “Projeto Mais Médicos para o Brasil”, que oferece
possibilidades de trabalho aos médicos formados em instituições de educação
superior brasileiras, ou com diploma revalidado no País, e aos médicos formados
em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio
médico internacional (art. 13, I e II).
O médico participante pode ser um médico formado em instituição de edu-
cação superior brasileira ou com diploma revalidado, ou mesmo um médico inter­
cambista (art. 13, §2º, I), sendo o médico intercambista o profissional formado em
instituição de educação superior estrangeira com habilitação para exercício da
Medicina no exterior (art. 13, §2º, II).
Em contraprestação ao serviço prestado, os médicos integrantes recebem
um auxílio financeiro nas modalidades de bolsa-formação, bolsa-supervisão ou
bolsa-tutoria. Além disso, a União concede ajuda de custo destinada a compen-
sar as despesas de instalação do médico participante, bem como pode custear
as despesas com deslocamento dos médicos participantes e seus dependentes
legais (art. 19).
A lei estabelece ainda que as atividades desempenhadas no âmbito do
Projeto não criam vínculo empregatício de qualquer natureza (art. 17), e que
pode­rão ser aplicadas advertência, suspensão e desligamento das ações de aper-
feiçoamento àqueles que descumprirem as normas (art. 21).
Pela análise e interpretação literal da Lei, pode-se constatar que o Projeto
foi instituído como uma modalidade de especialização em que se constitui como
uma etapa da formação acadêmico/profissional do médico, em regime de inte-
gração ensino/serviço, tal como a residência médica (programa regulamentado
pela Lei nº 6.932/1981), entretanto, voltada para a formação, aperfeiçoamento e
especialização para o trabalho médico de atenção básica no SUS (GENTIL, 2013).
A jurisprudência da Justiça do Trabalho aponta no sentido de que atividades
de residência médica ou similares vinculadas ao caráter de formação acadêmico/
profissional não configuram vínculo de emprego.
Cumpre esclarecer que, embora a residência médica seja diferente do
Projeto abordado, ambos detêm a essência de aprimorar a formação acadêmico/
profissional do médico.
Em 2007, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no Recurso Ordinário
nº 01008-2005-023-04-00-8, sob a relatoria do Juiz Hugo Carlos Scheuermann,
enfa­tizou que a residência médica é modalidade de pós-graduação, assim defi-
nida pelo Decreto nº 80.281/77, caracterizada por treinamento em serviço, em

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66  Álvaro dos Santos Maciel

regime de dedicação exclusiva, o que dá a falsa impressão de existir relação de


emprego e, desse modo, entende que não compete à Justiça do Trabalho analisar
eventual lide atinente à matéria.
Nesse sentido, pode-se citar ainda uma visão mais recente do TST de que
“caracterizando-se por treinamento em serviço e funcionando sob a responsabi-
lidade de instituição de saúde, universitária ou não, sujeita a orientação de médi-
cos de elevada qualificação ética e profissional” (Alice Monteiro de Barros), e, por
ser atividade de ensino, “não reúne trabalhador a pessoa física ou jurídica que o
remunere essencialmente pelo serviço prestado, assim recusando a qualificação
de relação de trabalho” (Recurso de Revista nº 29500-53.2008.5.15.0046).
Todavia, assim como a residência médica, o “Projeto Mais Médicos para o
Brasil” não se resume apenas ao ensino e ao aprendizado. Para alcançar seus fins,
os profissionais nacionais e estrangeiros deverão desempenhar atividades pro-
dutivas, que implicam riscos ocupacionais, responsabilidade civil profissional, e
muitas vezes condições de trabalho desafiadoras.
Além disso, ao que parece, a especialização/aperfeiçoamento em ações de
atenção básica do SUS é apresentada como mero instrumento para fraudar as
relações de trabalho/emprego. Eis que a mão de obra dos profissionais intercam-
bistas é utilizada em regiões carentes de médicos pelo fato de que os profissionais
nacionais, por variados motivos, optam por não se vincularem.
Ou ainda, na visão do Ministério Público do Trabalho (MPT), este Projeto:

Está arregimentando mão de obra de profissionais de medicina para su-


prir a demanda existente no SUS e, por conseguinte, desvirtuando autên-
tica relação de trabalho constitucionalmente protegida [...] com relação
aos médicos cubanos, que representam 86,13% dos médicos participan-
tes é o “contrato individual para la prestación de servicios profesionales y
tecnicos em el exterior”. Diz que se trata de contrato individual de traba-
lho, que prevê cláusulas inerentes ao vínculo laboral, nada disciplinando
quanto ao curso de especialização, o que prova a relação de trabalho e
o desvirtuamento. Aduz que o contrato de trabalho em sentido amplo
é o termo de adesão e compromisso do médico participante, regula-
do pela Portaria Interministerial nº 1369/2013. (Processo nº 000382-
62.2014.5.10.0013, 13ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, Autor: Ministério
Público do Trabalho, Ré: União)

Gentil (2013) reforça a circunstância de que no Projeto não existe um plano


específico para atração de médicos para trabalhar na atenção básica do SUS com
vínculo de trabalho efetivo, sendo que há uma camuflagem do trabalho médico
essencial na atenção básica como especialização médica, a permitir a precarização

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O direito do trabalhador estrangeiro no Brasil sob o enfoque da principiologia constitucional...  67

do vínculo em forma de participação em atividades de aperfeiçoamento/especia-


lização, com pagamento apenas de bolsa e despesas com deslocamentos e insta-
lação, mas sem qualquer garantia dos direitos trabalhistas inerentes ao trabalho
médico essencial do SUS.
Ademais, se assim restar configurado, há fraude dos ditames constitucio-
nais, por exemplo, os que asseguram o princípio da isonomia (art. 5º, CF),4 os que
determinam que para a investidura em cargo ou emprego público há a necessi-
dade de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos
(art. 37, II, CF), ou que garantem direitos estatutários a servidores públicos titula-
res de cargos públicos, ou ainda os que elencam direitos trabalhistas em presta-
ção de serviços, na relação de trabalho ou na de emprego (art. 7º, CF).
Nos termos do art. 19 da lei em tese e diante do arcabouço jurídico que pro-
tege o trabalhador, inclusive normas da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), o pagamento da retribuição decorrente da prestação de serviços, na sua
integralidade, deve ser feita diretamente ao trabalhador, seja nacional ou estran-
geiro. Todavia, tem havido procedimento restritivo, aplicável somente aos médi-
cos cubanos, o que pode configurar violação direta ao princípio da isonomia.
Contudo, diversos são os paradoxos doutrinários, legais e jurisprudenciais
que giram em torno do caso em tela. Em atualizada decisão, datada de 07 de
abril de 2014, a magistrada Thais Bernardes, da 13ª Vara do Trabalho de Brasília,
decidiu que a Justiça do Trabalho não é competente para analisar a validade do
“Programa Mais Médicos” consoante requerido pelo MPT em Ação Civil Pública,
sob o argumento principal de que, para analisar se os médicos têm ou não os
direitos trabalhistas, é necessário examinar de antemão “a validade do Programa
e da própria normatização a ele aplicável”, o que não é possível para a Justiça do
Trabalho, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece a competência da
Justiça Comum para análise de relações de natureza administrativa (ADI nº 3.395),
haja vista o STF já ter decidido reiteradas vezes neste sentido, como é o caso do
“Programa Mais Médicos”, segundo a juíza.
Pelo exposto, pode haver um desvio de finalidade do projeto, que ser-
viria apenas para dar uma fachada de legalidade a contratações irregulares de
milhares de servidores públicos. Todos estes sinais violam a dignidade humana

4
O Ministério Público do Trabalho assevera que constatou flagrante discriminação ilícita em relação
aos médicos cubanos, que recebem remuneração muito inferior à dos demais trabalhadores
inseridos no Projeto, nacionais ou estrangeiros (Processo nº 000382-62.2014.5.10.0013, 13ª Vara
do Trabalho de Brasília/DF, Autor: Ministério Público do Trabalho, Ré: União).

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do trabalhador, que, no caso em tela, em sua maioria, são profissionais médicos


estrangeiros que visam melhorar sua qualidade de vida e/ou a de seus familiares,
comunidades etc. Em que pese haja celeuma quanto à competência de se julgar
os sinais fraudulentos apresentados, entre tantos outros, resta evidente a degra-
dação da dignidade humana do médico intercambista ou mesmo dos outros que
estão alheios à proteção trabalhista.

3  O papel dos princípios no ordenamento jurídico constitucional


Observa-se que discussões em nível principiológico têm ganhado cada vez
mais espaço no Direito contemporâneo.
Sundfeld (1992, p. 13) ensina que “é o conhecimento dos princípios, e a habi­
litação para manejá-los, que distingue o jurista do mero conhecedor de textos
legais”.
O operador do Direito deve cuidar de construir a sua visão jurídica na tota­
lidade, fazendo uma junção da norma com interpretações que investiguem a sua
razão de ser, principalmente quando o Direito visa proteger a parte hipossufi-
ciente, como é o caso da área jus trabalhista. Do contrário, seria dizer que toda
norma é justa e não necessitaria de adequação hermenêutica, deflagrando, por
conseguinte, incongruências jurídicas.
O princípio é capaz de influenciar todos os demais elementos do sistema
normativo, como mostra Nunes (2003, p. 164), ao dispor que “[...] nenhuma inter-
pretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como estrela
máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de
todas as normas”, além de que estão em posições hierarquicamente superiores a
quaisquer normas.
Cabe aqui indagar: estaria alcançando o dever-ser fulcrado nos princípios
gerais do e em todo o arcabouço relacionado à valorização da dignidade humana,
uma norma que estabeleça guarida do Direito apenas àquele trabalhador estran-
geiro que detenha a regularidade de seus documentos? Ou ainda normas que
releguem os médicos cubanos a receberem valores menores que os demais profis-
sionais vinculados ao “Projeto Mais Médicos para o Brasil” como identificado pelo
MPT? Ou talvez as normas que identifiquem os médicos nacionais e estrangeiros
do referido Projeto como estudantes de especialização relacionados ao ensino,
pesquisa e extensão destituindo-os das garantias trabalhistas constitucionais,
celetistas, dentre outras? Estas premissas deflagram violação de princípios com a
consequente corrosão de valores fundamentais de imperativos lógicos?

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Para que a norma alcance seu verdadeiro sentido, ela deve ir além de uma
interpretação pura com o auxílio da formulação de juízos de valores acerca do
direito,5 isso é o que a doutrina denomina de pós-positivismo ou (neo)constitu-
cionalismo já que seu propósito é inserir na ciência jurídica valores éticos indis-
pensáveis para a proteção da dignidade humana (BARROSO, 1996).
Destarte, os princípios podem ser utilizados para promoverem uma aproxi-
mação da ideia de justiça, corrigindo eventuais distorções que as normas podem
causar, é o que Alexy (2006, p. 20) denomina “pretensão de correção”, pois nenhuma
norma estará de acordo com o Direito se incompatível com os direitos fundamentais.
Para Barcellos (2006, p. 47), o dever constitucional de motivação dos atos
judiciais é um fator extremamente importante, principalmente quando se está
sopesando valores constitucionais, e explica que a técnica utilizada para este al-
cance é a ponderação:

O dever de motivar não decorre apenas de uma regra formal contida no


texto constitucional (art. 93, IX) ou de uma exigência do direito de defesa
das partes. Ele está vinculado à própria necessidade republicana de justi-
ficação das decisões do Poder Público. Quando o juiz emprega a técnica
da ponderação, essa necessidade é potencializada: se há uma variedade
de soluções possíveis nesses casos, é preciso demonstrar o motivo de se
escolher uma delas em detrimento das demais.

Os juristas da área laboral, pelo que se observou nos recortes jurispru-


denciais acerca da igualdade ou não dos direitos dos trabalhadores nacionais e
estrangeiros por conta da discussão entre trabalho irregular nulo e trabalho irre-
gular proibido, demonstraram-se focados na “pretensão de correção” objetivada
pelos princípios fulcrados na razoabilidade constitucional, evitando com que a
aplicação pura da norma desencadeasse injustiças. É o que se espera quando da
análise do “Projeto Mais Médicos para o Brasil”.
Convém destacar o princípio da interpretação conforme a Constituição, que
sugere a necessidade de buscar uma interpretação que não seja a que decorre da
leitura mais óbvia do dispositivo, sendo de sua natureza excluir entendimentos
que contravenham a Constituição, e, assim, adotar o preceito que mantenha a

5
A Teoria Pura do Direito capitaneada por Hans Kelsen apregoava que não cabe ao intérprete for-
mular qualquer juízo de valor sobre o direito, pois a norma, sendo válida, deve ser imediatamente
aplicada (PINTORE. Democracia sin derecho: en torno al Kelsen democrático. DOXA – Cuadernos de
Filosofía del Derecho).

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harmonia, com o que se coaduna perfeitamente com a adoção da norma que


seja mais favorável ao trabalhador, ou seja, que opte pela valorização de seu tra-
balho ainda que seja estrangeiro em situação irregular com os seus respectivos
documentos.
Há, portanto, a necessidade de um (re)posicionamento do Judiciário para
que esteja desprendido do “mecanicismo” e busque constantemente concretizar
o espírito constitucional que valorize a dignidade da pessoa humana nos julga-
dos, principalmente quando se trata de construir novos paradigmas e levar o di-
reito novo e mais adequado à parte hipossuficiente.

Considerações finais
A ciência não é um todo acabado, eis que está em contínua construção.
Dessa forma, a presente pesquisa não tem por escopo esgotar o tema investigado
e sim colaborar com o avanço crítico doutrinário.
São vários os paradigmas e desafios para o Direito brasileiro concretizar a
valorização da pessoa humana quando o enfoque é o trabalhador estrangeiro
irre­gular, o médico estrangeiro regular vinculado ao “Projeto Mais Médicos para o
Brasil”, principalmente os profissionais cubanos, ou mesmo os médicos nacionais
que aderiram ao projeto.
A doutrina tradicional fulcrada em preceitos positivistas e formalistas apre-
goa a aplicação da letra da lei em detrimento aos princípios celetistas, constitu-
cionais e até mesmo do próprio princípio da dignidade da pessoa humana.
A doutrina contemporânea, bem como a jurisprudência, tem se preocupado,
dentro de uma nova perspectiva, a promover uma releitura dos conflitos sociais
sob a ótica de valorização da pessoa como verdadeira finalidade do Direito. Logo,
esta pessoa, sendo nacional ou estrangeira, pelo simples fato de ser pessoa, me-
rece guarida jurídica independentemente de Tratados Internacionais, do Direito
positivo interno ou de qualquer outra legislação.
O jurista deve usar todo o aparato legal e axiológico na tentativa de cons-
truir uma visão jurídica sedimentada na totalidade, fazendo uma junção da nor-
ma com interpretações que investiguem a sua razão de ser, ainda mais quando o
Direito visa proteger a parte hipossuficiente, como é o caso do ramo laboral.
Os princípios estão em posições hierarquicamente superiores a quaisquer
normas e é por meio deles, por conseguinte, que se busca orientação para melhor
aplicação das normas jurídicas.
Logo, o constitucionalismo apregoa que a norma deve ir além de uma inter-
pretação pura com o auxílio da formulação de juízos de valores acerca do direito,

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O direito do trabalhador estrangeiro no Brasil sob o enfoque da principiologia constitucional...  71

já que seu objetivo é inserir na ciência jurídica valores éticos indispensáveis para
a proteção da dignidade humana.
A aplicação do Direito não pode estar sob o jugo do formalismo exacerbado
e sim, conjugado com a aplicação prático-principiológica de cada caso concreto,
sempre fazendo prevalecer a condição mais benéfica ao trabalhador.
Deve, pois, também o Direito do Trabalho ser um ponto de partida necessá-
rio para repensar novos paradigmas de compromisso social em relação ao reco-
nhecimento dos direitos laborais aos trabalhadores imigrantes, como forma de
concretizar o verdadeiro sentido dos direitos humanos fundamentais.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MACIEL, Álvaro dos Santos. O direito do trabalhador estrangeiro no Brasil sob o enfoque
da principiologia constitucional: a polêmica trabalhista do “Programa Mais Médicos”.
Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2,
n. 2, p. 57-72, jan./dez. 2014.

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A depressão como doença ocupacional e a
difícil prova na Justiça do Trabalho

Benizete Ramos de Medeiros


Advogada Trabalhista. Professora de Direito do Trabalho e Processo
do Trabalho. Presidente no Brasil da Associação Luso-Brasileira
de Juristas do Trabalho (JUTRA). Diretora da Associação Brasileira
de Advogados Trabalhistas (ABRAT) e da Associação Carioca de
Advogados Trabalhistas (ACAT). Membro da Comissão de Direito do
Trabalho do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Carolina de Carvalho Terra


Advogada. Formada pela UVA.

Palavras-chave: Doença ocupacional. Depressão. Classificação Internacional


de Doenças. Ambiente de trabalho.

Sumário: 1 Introdução – 2 Revisando o entendimento de meio ambiente


do trabalho – 3 Globalização – 4 Doenças decorrentes da atividade labo-
ral – 5 A difícil identificação do nexo causal com o trabalho – 6 Conclusão
– Referências

Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um


efeito, mas um hábito.
(Aristóteles)

1 Introdução
O presente estudo tem por escopo demonstrar a dificuldade encontrada
pelo empregado, vítima do infortúnio laboral, notadamente as doenças emocio-
nais, como a depressão, em lograr êxito na comprovação do nexo de causalidade.
Insta aduzir que as doenças emocionais vêm ganhando campo no mundo
do trabalho, o que se deve às novas formas produtivas, com a intensificação do
ritmo de trabalho, atingindo níveis intoleráveis, exigência abusiva de qualidade,
como efeito da globalização econômica, cuja palavra de ordem é o lucro e a
competitividade.

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74  Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de Carvalho Terra

A depressão, uma das vertentes do adoecimento, hoje catalogada pela


Organização Mundial da Saúde, tem sido causa de afastamentos do trabalho, não
raras vezes. E, por ser uma moléstia de tratamento caro, não coberto totalmente
pelo SUS, o trabalhador desprovido de recursos tem a sua cura e, consequente-
mente, a qualidade de vida, reduzida, prolongada, dada a complexidade e a difi-
culdade de recuperação sem ajuda profissional da área.
Não se pode dizer, com efeito, que todo trabalhador acometido de depres-
são seja vítima da forma agressiva de gestão, quer seja no aspecto da cobrança do
trabalho, que seja no estrito poder de direção. Entretanto, quando decorre de um
ambiente de trabalho hostil, adoecedor, o empregado tem muita dificuldade de
demonstrar o nexo causal. Essa é a discussão quer se propõe neste texto, alinha-
vando algumas possibilidades de solução.
Para uma compreensão e localização do tema, analisar-se-á, num primeiro
momento, o ambiente de trabalho, tendo em vista que esse é o local onde o tra-
balhador passa a maior parte do seu dia e, até mesmo, de sua vida. Em seguida,
perpassar-se-á pela noção breve de globalização econômica, pelo fato de que
esse fenômeno trouxe um novo modelo empresarial e profundas mudanças na
sociedade moderna.
No que tange à depressão propriamente dita, esta será abordada no recorte
de se tentar demonstrar os fatores que contribuem para o seu aparecimento em
razão do ambiente de trabalho, e de que forma a patologia pode interferir na
relação interpessoal do adoecido.
E, por derradeiro, serão analisados alguns meios de prova e a dificuldade de
se estabelecer o nexo causal entre o infortúnio e o trabalho, já que é sabido que a
depressão pode ter origem multifatorial, o que dificulta a demonstração de que o
trabalho é causa geradora ou agravante (concausa) dessa enfermidade.
Não escapa, ainda, deste estudo a crítica às perícias judiciais que insistem
em negar o nexo de causalidade, bem como ao julgador que se queda de forma
inquestionável aos respectivos laudos, com desprezo de outras provas que, via de
regra, têm contribuído bem mais para o deslinde da questão.

2  Revisando o entendimento de meio ambiente do trabalho


O meio ambiente saudável é um direito fundamental de terceira geração
(art. 200, VIII, CF/88) e envolve amplos conceitos: nele está inserido o meio am-
biente do trabalho, que pode ser definido como o local onde as pessoas desem-
penham suas atividades laborais, cujo equilíbrio está baseado na salubridade e

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  75

na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos


trabalhadores, independentemente da condição que ostentem, não se encerrando
somente o ambiente relacionado à empresa, já que pode extrapolar o estabele-
cimento ou um local específico, pois há categorias que têm sua atividade fora do
âmbito onde se concentra a gestão.
Para Sebastião Geraldo Oliveira, é impossível alcançar a qualidade de vida
sem ter qualidade no trabalho, não por outra razão que a CF/88 estabeleceu no
art. 170, VI, que a ordem econômica deve observar o princípio de defesa do meio
ambiente.1
Já Norma Sueli Padilha, numa visão mais ampla com relação ao conceito de
meio ambiente de trabalho, o define como:

É tudo aquilo que cerca um organismo (o homem é um organismo vivo)


seja físico (água, ar, terra, bens tangíveis para o homem), seja o social
(valores culturais, hábitos, costumes, crenças), seja o psíquico (sentimento
do homem e suas expectativas, segurança, angústia, estabilidade).2

Logo, todos os elementos e condições locais, a ambiência onde se desen-


volve o trabalho humano, influenciam na saúde física e mental do trabalhador,
e, portanto, devem ser foco de atenção e proteção, alinhando-se com um direito
constitucional de terceira geração, que representa o resultado da interação dos
diversos elementos do ambiente (bens, maquinários, instalações, pessoas etc.),
“provocando ou não o bem-estar no trabalho”.3
O poder de direção ínsito aos empregadores (art. 2º da CLT) representa, em
contrapartida, alguns ônus, e um deles é a salvaguarda do local de trabalho, como
risco da atividade econômica, que não pode ser transferido ao empregado.
Nesse viés, vale trazer à colação o julgamento da 3ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região em acórdão proferido no Processo nº 0000418-
12.2010.5.01.0073 (RO), sendo o Rel. Carlos Alberto Araújo Drummond. Observe
parte do acórdão:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DOENÇA OCUPACIONAL. DANO


DECORRENTE DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Dentre os direitos
fundamentais do trabalhador insere-se, indiscutivelmente, o de usufruir

1
OLIVEIRA. Proteção jurídica a saúde do trabalhador, p. 79.
2
PADILHA. Do meio ambiente do trabalho equilibrado, p. 20.
3
BRANDÃO. Meio ambiente de trabalho saudável: direito fundamental do trabalhador. Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª região, p. 92.

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76  Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de Carvalho Terra

de um ambiente de trabalho seguro e adequado, capaz de salvaguardar,


de forma eficaz, sua saúde e segurança. Esse é um dever do Estado e de
toda sociedade, mas sobretudo do empregador, a quem compete
proteger e preservar o meio ambiente de trabalho, com a implementação
de adequadas condições de saúde, higiene e segurança que possam,
concretamente, assegurar ao empregado sua dignidade plena, em
consonância com o desiderato constitucional. Ao dever de preservação
do meio ambiente (art. 225, CF) — assim entendido, também, o meio
ambiente do trabalho contrapõe-se a obrigação de reparação de danos,
quando decorrentes da responsabilidade civil. [...] A Carta Cidadã de
1988 assegurou a todos, como direito fundamental, “um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
(art. 225). Ademais, ao dispor sobre o Sistema Único de Saúde – SUS,
enfatizou ser de sua competência a colaboração na proteção do meio
ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200, VIII). Importante,
para a melhor exegese da Lei Maior, essa inserção do local de trabalho
no conceito de meio ambiente, confirmando que o meio ambiente do
trabalho, seguro e adequado, integra a categoria de direito fundamental
do trabalhador. Partindo de todas essas premissas, conclui-se que é do
Estado e de toda sociedade, mas sobretudo do empregador, o dever de
proteger e preservar o meio ambiente de trabalho, com a implementação
de adequadas condições de saúde, higiene e segurança que possam,
concretamente, assegurar ao empregado sua dignidade plena, em
consonância com o texto constitucional.

Como pode ser verificado, é de máxima importância ser o ambiente de tra-


balho um local adequado para a realização do trabalho, até porque o trabalhador
é uma peça indispensável para o bom funcionamento de qualquer empresa, sendo
o meio ambiente do trabalho o local onde passa a maior parte de seu tempo, e,
portanto, não há como se falar em qualidade de vida se esse local é hostil, insalu-
bre e representa constante ameaça ao bem-estar e à saúde integral.
Além da Constituição Federal brasileira, deve-se relembrar que a Conven­
ção 155 da OIT, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores, traz comandos que
obriga os Estados a desenvolverem e implementarem uma política nacional de
segurança e saúde ocupacional, inclusive no meio ambiente de trabalho. Mas,
é insuficiente e pouco se tem avançado, ou o que se perseguiu até agora tem
demonstrado ineficaz.4

4
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Convenção 155: Segurança e a Saúde dos
Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho.

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  77

Segundo José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva, para o Comitê de Direitos


Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, quanto ao direito à saúde,
devem-se conjugar alguns elementos como: disponibilidade; acessibilidade; acei-
tabilidade e qualidade e quanto a essa, aponta que “os estabelecimentos, bens e
serviços de saúde devem ser também apropriados segundo critérios científicos
e médicos, o que equivalem a serem de boa qualidade”.5 E completa o mesmo
autor, “de tal modo que saúde é o mais completo bem-estar físico e funcional (in-
clusive mental ou psíquico) que o Estado deve oferecer à pessoa, na prevenção
(proteção do meio ambiente, acesso à moradia e alimentação) e na recuperação
das doenças”.6
Mas o curioso é que exatamente na década em que se implantaram, no
catá­logo da Constituição Brasileira, direitos fundamentais do ambiente de traba-
lho saudável, um aspecto de ordem sociológica e econômica também aconteceu,
que foi a grande transformação mundial, interferindo, de forma negativa na qua-
lidade do meio ambiente do trabalho, trazendo uma gestão dura, dinâmica, inci-
siva, agressiva, massificada, com fincas nos resultados e lucros, e a consequência
tem sido uma menor qualidade de vida do trabalhador. Essas pontas se encon-
tram e se interligam. E é o que se propõe neste ensaio.

3 Globalização
Falar de saúde, de meio ambiente, de lucro e gestão, é forçoso adentrar no
tema arduamente discutido nas últimas décadas, que é globalização. Inevitável!
A expressão globalização, de origem inglesa, ou mundialização da econo-
mia como preferem os franceses, ou ainda aldeia global, é um fenômeno capita-
lista e complexo que se desenvolveu tendo em vista a profunda modificação que
sofreu em face da forte mudança do mercado, a grande competitividade no mer-
cado de trabalho, o consumo em excesso, o estreitamento das margens de lucro,
a larga escala de produção, a divisão internacional do trabalho e a subordinação
dos países mais pobres aos mais ricos, dando, com isso, um novo sentido à ordem
social. Essa é uma marca.
Renato Duvivier Mello aprofunda, no sentido de que

decorrência dos interesses planetários de poucos Estados, ou ainda, como


uma decorrência do programa de meios de comunicação de massa. Pode-se

5
SILVA. A saúde do trabalhador como um direito humano, p. 88.
6
SILVA. A saúde do trabalhador como um direito humano, p. 89.

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dizer que é praticamente uma interpretação ecológica das relações interna-


cionais. Se no mundo físico a globalização pode ser um fato, já no mundo
dos homens, isto é, político, é um ato que poderíamos dizer de livre-arbítrio.
Só se globaliza o que se quer. E mais: globalização é sempre realizada no
interesse de umas poucas grandes potências que, em seu nome, passam a
agir em todo o planeta, a fim de salvaguardar os seus interesses.7

Com efeito, há interesses dos mais fortes. Rodolfo Pamplona Filho não
duvida que o alto desenvolvimento tecnológico foi o boom que determinou a
instalação e o lastro do fenômeno determinante de crescente interinfluência das
economias nacionais e intensa integração dos mercados mundiais de produção
e consumo. É um processo civilizatório de alcance mundial. Com amplas propor-
ções, envolvendo nações, regimes políticos e projetos nacionais, culturais e civi-
lizações, com profundas interferências e transformações sociológicas, culturais e
políticas. A globalização, em verdade, configura-se como o fato econômico gerado
pela revolução tecnológica.8
Dessa forma, a modernização nas formas de produção é inevitável, inaugu-
rando uma nova etapa na história do mundo do trabalho. O capitalismo, como
forma de produção, ao mesmo tempo que exaltou o trabalho, trouxe complexi-
dade e adoecimetos.
Há tempos, a primeira autora escreveu sobre a dignidade do trabalhador e,
em capítulo específico, sobre a globalização, refletiu que no sistema capitalista
globalizado, o verbo é produzir, e produzir barato para que possa haver consumo
rápido, lucrativo; para isso, o conhecimento de novas formas de implementação
de meios produtivos econômicos é o norte, fatores esses que afetam as novas
formas de trabalhar, cuja qualificação e preparo são fundamentais na busca da
qualidade total. As mudanças que esse modelo vem trazendo ao trabalhador,
impondo uma adaptação rápida aos novos meios de produção, são intensas, dei-
xando um tom de intranquilidade e preocupação, que, aliás, é marca da sociedade
moderna. A crise individual agrava o coletivo: instabilidade, desemprego, precari-
zação, exclusão, doenças emocionais, violência urbana etc. Esse é um quadro real,
perigoso e estrutural, com tendências a crescer, e pior, nem sempre tão cristalino,
do ponto de vista do conhecimento da sociedade, mas somente daqueles que
detêm o poder e interferem no processo sem preocupação de conter a marcha.9

7
MELLO. Aspectos jurídicos-políticos da globalização. Revista de Ciências Sociais, p. 75.
8
PAMPLONA FILHO. A nova face do direito do trabalho e a globalização.
9
MEDEIROS. Trabalho com dignidade: educação e qualificação é um caminho?, p. 44.

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  79

Nesta busca desenfreada para se manter competitivo no mercado de trabalho,


as empresas transferem aos empregados parte dos riscos, com as cobranças de
metas cada vez mais inatingíveis, ritmo de trabalho acelerado, gerando forte pres-
são no cumprimento e, para manter o emprego, ou ao menos essa é uma proposta
enrustida, o trabalhador se supera, absorve os impactos, busca fôlego e vai produ-
zindo, seguindo a orientação patronal.
A guerra que se instaurou nas empresas devido à globalização a partir da
década de 1980 foi a principal causa para que surgissem e se desenvolvessem as
doenças profissionais no mercado de trabalho, que vêm ocupando os rankings de
afastamentos e se apresentando com as mais diversas lições, algumas de difícil
identificação.
Para Maria Elizabeth Antunes Lima, entre nós, brasileiros, essas mudanças
ocorreram de forma bem mais rápida, já que a modernização das empresas
nacionais emergiu como uma preocupação, “apresentando-se como urgência
no final dos anos 1980. Na ocasião, as medidas econômicas e políticas adotadas
pelo governo Collor deram o primeiro impulso a esse movimento, pois o Plano
de Modernização Industrial, proposto por esse governo se apoiava no chamado
‘Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade’”.10
Dessa forma a alta produtividade com qualidade se institucionalizou desde
então, e, a par e passo das cobranças, caminha o medo individual que oculta a
incapacidade de produzir acima dos níveis de tolerância e a inibição na exposição
das fragilidades, do obreiro, com receio da humilhação e demissão.

4  Doenças decorrentes da atividade laboral


Cabe destacar que a doença ocupacional equiparou-se ao acidente de tra-
balho, nos termos do art. 20, I e II, da Lei nº 8.213/1991. E o conceito de acidente
do trabalho encontra-se disposto no art. 19 da Lei nº 8.213/1991: “Acidente do
trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou ainda,
pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou
perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho”.

10
LIMA. Trabalho e saúde mental no contexto contemporâneo do trabalho: possibilidades e limites
de ação. In: ALVES; VIZZACCARO-AMARA; MOTA (Coord.). Trabalho e saúde: a precarização do
trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI, p. 163.

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Diversas são as doenças decorrentes da relação de trabalho, que são carac-


terizadas como acidente do trabalho, e, portanto, ligadas de forma direta a certos
tipos de atividades laborais exercidas, outras, pela predisposição e outras, ainda,
desencadeadas pela ausência de equipamentos atuais ou mal conservados e sem
manutenção ou mesmo formas de gestão agressiva, chefias despreparadas. Estes
são os levantamentos feitos.

4.1  Entendendo o conceito de saúde


A palavra saúde não significa apenas a ausência de doença e, sim, o estado
normal de funcionamento do organismo humano, estado de sanidade, estado
do que é são ou sadio, ou, ainda, regularidade das funções orgânicas, físicas ou
mentais.
O objeto de análise da saúde do trabalhador se situa no processo saúde
e doença daqueles que vivem do trabalho subordinado, utilizando-se da saúde
como sendo um direito constitucional garantido a todas as pessoas. Nesse sen-
tido, com José Ribeiro Silva, para quem saúde é um direito imprescindível para o
ser humano, e nele está compreendido o rol de necessidades básicas do homem,
como direitos sociais fundamentais, desde que catalogados nas Constituições
contemporâneas como direito fundamental e, portanto, deve ser observado rigo-
rosamente tanto pelo empregador como pelo Estado.11
Nessa esteira, volta-se mais uma vez a ideia da necessidade de um ambiente de
trabalho saudável, não apenas um local apropriado para as condições de trabalho,
do ponto de vista ergonômico ou com segurança física, mas também um ambien-
te adequado para a manutenção da qualidade de vida e preservação saúde, dos
que nele estão inseridos, inclusive no aspecto emocional, psíquico e social, por
serem, potencialmente, agentes adoecedores, no mundo do trabalho moderno.
Nesse sentido com o saudoso Süssekind:

Por tudo isso, mais do que nunca se tornam necessárias a promoção e a


especialização em Segurança do Trabalho e Medicina Ocupacional. Não
bastará apenas estudar moléstias profissionais e disposição de máquinas,
meios de proteção individuais e coletivos, mas, também, a fisiologia do
trabalho, as relações humanas, a comunicação e tudo o mais que possa
levar o homem a não ter no trabalho apenas um meio de ganhar sua

11
SILVA. A saúde do trabalhador como um direito humano, p. 68.

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subsistência, mas, também, o de se sentir realizado como pessoa humana,


isto atingido, ele se integrará na sua atividade funcional, realizá-la-á com
amor e sem sentir extenuado física e mentalmente.12

Mas as próprias condições e o ritmo do trabalho podem potencializar uma


propensão ou mesmo estimular alguma patologia imanifesta no corpo, além do
que o trabalho sem prazer, sem felicidade, é embrião de adoecimento futuro.
Veja-se que Geraldo Oliveira adverte que:

A força do trabalho exigida do operário está se deslocando rapidamente


dos braços para o cérebro, especialmente com o ritmo acentuado da
informação. Com isso, percebe-se que vem ocorrendo uma diminuição
efetiva da fadiga física, porém um aumento considerável da fadiga
psíquica, cuja recuperação é muito mais lenta e complexa.

Com esse reposicionamento do cansaço físico para o cansaço mental, aliado


à forma de gestão, a produtividade, por sua vez, fica comprometida, tendo em vis-
ta que a produção desse trabalhador não é mais a mesma, com fatores que desen­
cadeiam a insegurança, medo, ansiedades etc. E a depressão, por consequên­cia,
não escapa nesse contexto.

4.2  Algumas noções básicas sobre a depressão


A Organização Mundial da saúde (OMS) define depressão como um trans-
torno mental comum, caracterizado por tristeza, perda de interesse, ausência
de prazer, oscilações entre sentimentos de culpa e baixa autoestima, além de
distúrbios do sono ou do apetite. Também há a sensação de cansaço e falta de
con­centração.
Stoppe Júnior e Louzã Neto apud Abreu advertem que, mesmo o termo já
sendo antigo, no final do século passado passou a ser estudado e estabelecido
como “uma condição caracterizada pela diminuição de ânimo, diminuição de
cora­gem ou iniciativa, e uma tendência a pensamentos tristes”.
Joanna de Ângelis aponta que se trata de “uma forma patológica do estado
nostálgico. Esse deperecimento emocional faz-se também corporal, já que se entre-
laçam os fenômenos físicos e psicológicos”.13

12
SÜSSEKIND. Instituições de direito do trabalho, v. 2, p. 918.
13
ÂNGELIS; FRANCO. Desperte e seja feliz, p. 54.

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Segue a autora em outra obra: “[...] é acompanhada, quase sempre, da perda


da fé em si mesmo, nas demais pessoas e em Deus”.14
Muitas são as consequências, mas, antigamente, não raras vezes, as pessoas
acometidas por essa doença eram taxadas de malucas, frágeis. Nos dias atuais, a
depressão é uma doença como qualquer outra, se desenvolvendo tanto em pes-
soas que possuem uma maior predisposição para o aparecimento, como também
naquelas em que, embora não haja propensão, aparece por algum trauma, algum
episódio, sequências e repetições de pequenos fatos desagradáveis.
Conforme salienta Mendels apud Abreu: “a palavra depressão é usada de
muitas maneiras: para descrever um estado de humor, um sintoma, uma síndrome
(ou um grupo de sinais), assim como um grupo específico de doenças”.15
Frisa ainda a mencionada autora que o problema é quando os sentimentos
negativos tornam-se tão avassaladores que impedem o curso da vida. “A síndrome
depressiva é a entidade clínica em maior evidência neste fim de século, apontada
pela Organização Mundial de Saúde como a quinta maior questão de saúde pú-
blica do mundo e ocupará, em 2020, o ranking das doenças que mais matam”.16
É possível compreender que a depressão é uma doença complexa, que re-
quer diagnosticar o fator desencadeador. Hodiernamente, encontra-se classifica-
da como transtorno de humor, compreendendo as suas modalidades dos códigos
F30-F39 do CID 10.17
Paparounis apud Abreu esclarece que atualmente já atinge mais de 350 mi-
lhões de pessoas e, em 2020, ocupará o segundo lugar no ranking das doenças
que mais matam, perdendo apenas para as doenças cardíacas.18
Nota-se que a depressão para ser caracterizada como doença do trabalho
requer árduo trabalho probatório e visão humanista do perito, pois é uma linha
muito tênue entre a patologia, as condições em que são desenvolvidas as ativida-
des laborais e o meio ambiente de trabalho.

4.3  Depressão decorrente do trabalho


Dentro da nova estrutura empresarial, a pressão no ambiente de trabalho au-
mentou, exigindo-se do empregado e da gestão uma postura diferente, abrindo

14
ÂNGELIS; FRANCO. Amor imbatível amor, p. 87.
15
ABREU. Depressão como doença do trabalho e suas repercussões jurídicas, p. 28.
16
Idem, p. 19.
17
JORGE NETO; CAVALCANTE; MIRANDA. A caracterização da depressão e o contrato de trabalho.
Revista LTr – Legislação do Trabalho, p. 1415.
18
ABREU. Depressão como doença do trabalho e suas repercussões jurídicas, p. 25.

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espaço muitas vezes para as práticas coincidentes como a do assédio moral; é nesse
contexto de pressão organizacional que o trabalhador está adoecendo, com gran-
des danos psíquicos, refletindo diretamente na qualidade de vida desse obreiro.
Atualmente o trabalho vem sendo reconhecido como um importante ele-
mento desencadeador da depressão, eis que as mudanças corriqueiras no ritmo do
trabalho acabam por refletir na saúde mental do trabalhador, acarretando diversos
sintomas que podem evoluir para um quadro depressivo. A nova lista de doenças
ocupacionais do INSS, relacionada no Anexo II do Decreto nº 3.048/1999, já indica o
grupo dos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho
(Grupo V do CID-10), os problemas relacionados ao emprego, essas condições difí-
ceis, como o ritmo penoso.
Sueli Teixeira,19 estudando o tema dentro da psicologia do trabalho, relem-
bra que:

A trajetória da psicologia no campo da saúde mental do trabalhador me­


rece destaque, notadamente porque dela resultou o consenso de que
as condições e o meio ambiente do trabalho podem ser responsáveis,
em muitos casos, pelo aparecimento do quadro de depressão. Há muito
tempo se sabe que o trabalho, quando executado sob determinadas
condições, pode causar doenças.

Nota-se que nem sempre é possível identificar um fator pontual responsável


pela depressão, tendo em vista que a sua origem é multifatorial, podendo vir de
predisposições genéticas, estrutura emocional, trabalho e até mesmo da infân-
cia. Mas a sistemática insatisfação profissional, as pressões sofridas e ausência
de oportunidade de mudanças, com certeza, minam a resistência emocional do
trabalhador.
Por causa desse aspecto se explica a dificuldade encontrada pelos profissio-
nais da área da saúde, e até mesmo os peritos, de conseguir relacionar a depres-
são com o trabalho, acabando por isolar tal fator determinante.
Jorge Neto, Cavalcante e Miranda,20 quando tratam do assunto, fazem algu-
mas identificações que merecem ser transcritas:

É impossível a identificação de um fator pontual responsável pelo quadro


depressivo, sua origem é multifatorial, sendo que entre eles podemos citar:

19
TEIXEIRA. A depressão no meio ambiente do trabalho e sua caracterização como doença do
trabalho. Revista LTr – Legislação do Trabalho, p. 527.
20
JORGE NETO; CAVALCANTE; MIRANDA. A caracterização da depressão e o contrato de trabalho.
Revista LTr – Legislação do Trabalho, p. 1416-1417.

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(a) predisposição genética; (b) ambiente familiar; (c) educação; (d) estrutura
psicoemocional; (e) qualidade dos relacionamentos interpessoais; (f) tra-
balho. No que toca a predisposição genética, um dos efeitos biológicos da
psicopatologia é a diminuição nos níveis de serotonina. Assim, uma pessoa
que, por alguma razão biológica, tenha uma produção diminuta do neuro-
transmissor poderá ter uma suscetibilidade individual maior aos quadros
psicossomático. Portanto, diante de uma mesma circunstância fática e am-
biental poderá desenvolver a depressão ao passo que outra pessoa não o
manifeste.

A dificuldade encontrada pelos profissionais da área não significa dizer que


é impossível a caracterização da depressão como sendo decorrente do trabalho,
em face de outros elementos que circundam a relação empregatícia, socorrendo-­
se de uma anamnese mais acurada, além do exame do próprio ambiente no qual
o contrato se desenvolve.
É o que destaca Remígio Todeschini, diretor do departamento de políticas de
Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social (MPS) apud
Teixeira:21 “muitas enfermidades ocupacionais foram registradas como molés­tias
comuns pela dificuldade em comprovar o nexo entre a atividade exercida e o
adoecimento”.
No entanto, não se pode negar que o mundo do trabalho atual vem adoe-
cendo emocionalmente em grande escala os seus trabalhadores, e a depressão é
uma das moléstias que vem ganhando espaço, dando azo aos afastamentos do
trabalho.

5  A difícil identificação do nexo causal com o trabalho


Se provar é convencer o juiz sobre os fatos da causa e a formação da con-
vicção deste muita vez depende de robusta prova, pois fato não provado é fato
inexistente, já que tanto no o processo do trabalho, como no processo civil, pre-
valece o livre convencimento na apreciação da prova, ou o princípio da persuasão
racional das provas (art. 131 do CPC), a dificuldade se acentua quando se trata de
doenças ocupacionais, notadamente as de ordem emocional, como é o caso da
depressão, pois em tais casos, via de regra, a prova adotada é a técnica.
Nessa linha de pensamento, inclui-se a CLT, que também não dispõe sobre
o conceito de prova para fins do Direito Processual do Trabalho, já que em seus

21
TEIXEIRA. A depressão no meio ambiente do trabalho e sua caracterização como doença do
trabalho. Revista LTr – Legislação do Trabalho, p. 530.

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arts. 818 a 830, encontram-se dispostos basicamente os meios de provas admitidos.


De qualquer sorte, isso não afasta uma certa regulação quanto aos contornos da
prova, pois os fatos devem ser relevantes e pertinentes e que possa influir na con-
vicção do juiz.
Frise-se que no Código de Processo Civil não há nenhuma disposição acerca
do conceito de prova, mas em seu art. 332 dispõe que: “todos os meios legais,
bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código,
são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”,
e o art. 333 dispõe sobre o ônus da prova.
Logo, todo e qualquer meio que não atente contra a moral e os bons costu-
mes são passíveis de utilização, atraindo a amplitude probatória que consagra o
Código de Processo Civil, a fim de facilitar o acesso à Justiça e a possibilidade de
demonstrar a veracidade de suas alegações em juízo. Portanto, nenhuma prova
deve ser desprezada se é capaz de demonstrar o objeto discutido.22

5.1  Analisando alguns meios de prova capazes de comprovação


Embora sejam considerados meios de prova o depoimento pessoal das par-
tes, as testemunhas, os documentos, as perícias e as inspeções judiciais, é mais
comum a utilização, pelos magistrados, em casos de doenças ocupacionais, da
prova técnica.
Raramente o depoimento pessoal leva à conclusão do nexo causal, pois
em tais situações é necessário ficarem evidenciados não só a doença, como
consequên­cia, como também o agente adoecedor, que pode ser caracterizado
pela forma agressiva de gestão, mobiliários inadequados, o assédio moral e ou-
tros. Em tais casos, é raro haver confissão acerca de tais ocorrências ou situações
do ambiente laboral, até porque a confissão é uma prova que pesa sobre quem a
faz e em favor da parte contrária, mas pode trazer informações que em confronto
com outras provas formem o convencimento acerca da tese autoral.

5.1.1  Prova testemunhal e seu valor


Já a prova testemunhal, que consiste na declaração representativa que uma
pessoa, que não é parte do processo, propõe sobre o que sabe a respeito do ob-
jeto do litígio, é vista de forma muito relativa para o tema objeto do presente
estudo.

22
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho, p. 506-507.

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Embora cediço que no processo do trabalho a prova testemunhal normal-


mente é a única forma de as partes confirmarem suas alegações, principalmente
o reclamante que não tem acesso aos documentos da empresa ou estes não retra-
tam a realidade do trabalho desempenhado, todavia, via de regra, o magistrado
dispensa essa prova, quando o objeto do pedido é reparação por adoecimento
ocupacional.
No entanto, a visão humanista do julgador e o não distanciamento dos prin-
cípios que regem o direito do trabalho deverão estar presentes no momento do
balizamento da prova. Nessa hipótese, se o adoecimento do trabalhador é oca-
sionado pela forma agressiva de gestão, quer seja no excesso de exigência no
cumprimento das metas, produtividade inatingível, ritmo de trabalho acelerado e
outros nesse sentido, a prova testemunhal pode ser muito valiosa.
O assédio moral, que pode gerar a depressão e que se constitui uma prática
muitas vezes silenciosa, às escondidas, feita em surdina, nem sempre é percebida
pelo outro, pelo colega de trabalho, hipótese que se torna mais difícil a confirma-
ção via testemunha. Mas, também, pode ocorrer de maneira visível e percebida
aos olhos de quem partilha o ambiente de trabalho.
Então como se vê, associar a prova testemunhal com a documental, que
será analisada no tópico seguinte, pode se traduzir em confirmação do nexo de
causalidade.

5.1.2  Prova documental


O documento nada mais é do que um elemento que tem como finalidade
representar algum fato ocorrido, que ajude a desvencilhar o litígio instaurado.
Tem a função de mostrar, indicar, a forma como uma coisa poder ser conhecida
por alguém, de modo a reproduzir certa manifestação de pensamento. O docu-
mento representa um fato ocorrido.
No caso dos adoecimentos emocionais, vários documentos, em conjunto
com outras provas, podem ser extremamente úteis na perspectiva de comprova-
ção da origem do adoecimento, nesse contexto, os atestados médicos, os laudos
e exames acostados aos autos, que confirmem a existência do adoecimento, o
grau de extensão e comprometimento da saúde do trabalhador, inclusive quanto
a sua capacidade — ou não — laborativa e a projeção no tempo.
Essas provas, para as ações indenizatórias por adoecimentos ocupacionais,
são fundamentais e devem fazer parte do conjunto dos autos desde o início, pois
tem o condão de traduzir o histórico do lesado, inclusive o tratamento, a partir

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dos receituários, prontuários e outros. Podem, inclusive, ser muito eficazes para o
confronto com o laudo do perito nomeado pelo juiz, fornecendo subsídios paras
as impugnações.
Mas, não é só, os meios eletrônicos que, via de regra, são capazes de registrar
as formas como são cobrados os resultados, as ameaças, as punições, a intensidade
e o tom das palavras são documentos que formam um importante conjunto para
apreciação do magistrado, que deve ter a sensibilidade social necessária para men-
surar o poder de comando, as práticas abusivas e os agentes adoecedores encon-
trados no ambiente de trabalho.
No entanto, o usual é a utilização da perícia médica e da engenharia do
trabalho como suporte técnico ao julgador, que na maciça maioria das vezes, se
curva ao laudo de forma inquestionável, mesmo a despeito de fundamentadas
impugnações e demais provas existentes nos autos que trazem, numa grande
maioria, contrariedade ao laudo judicial. Este também é um ponto de crítica que
deve ser registrado.

5.1.3  Prova pericial


Considerando que perícia deve ser realizada por quem exerça o encargo de
trazer ao processo conhecimentos técnicos científicos para o objeto da perícia —
ou deveria — e, portanto, requer um profissional especializado para tal fim, no
auxílio e na elucidação do caso.
Uma primeira questão que se coloca sobre esse tipo de prova é a própria
espe­cialização do perito, pois que é escolhido entre profissionais de nível uni-
versitário, inscritos no órgão de classe competente, ao qual compete expedir
certidão comprobatória — ou não — da especialidade na matéria sobre o que
deverão periciar. Mas isso na maioria das vezes não acontece, pois é comum mé-
dicos com especialidade em cardiologia fazer perícias em LER/DORT ou depres-
são; ou clínicos gerais periciarem síndrome do pânico, e os próprios ambientes de
trabalho, e nessa esteira, é o que tem ocorrido. Isso não afasta em certas hipóteses
os profissionais comprometidos e sérios que até podem se esforçar e fazer um
bom trabalho mesmo desviado da área de especialização.
Também não se pode afirmar, com isso, que os próprios magistrados façam
ouvido mouco a essas questões. Não, muitos indicam ante a ausência de um corpo
de peritos nos tribunais, ou ausência de especializados nas devidas áreas, mas
apenas com formação em perícias judiciais, bem como têm noção da ausência
da capacidade e sensibilidade de alguns deles, mas, à míngua de opções, lançam

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mão dos curricula ofertados. E, não por outra razão, há sucessivas substituições, já
que muitos declinam, após serem nomeados.
Veja-se, a esse propósito, que Luciano Athayde Chaves pondera que não é
incomum os magistrados do trabalho se depararem com manifestações de desis-
tência do perito inicialmente designado. Boa parte desse problema repousa não
necessariamente no valor arbitrado à perícia, mas ao fato de que a liberação do
valor fixado pode demorar muito, atribuindo-se até mesmo ao perito o ônus da
espera pelo trânsito em julgado. Esse aspecto procedimental chega mesmo a se
atritar com um preceito geral do trabalho, consubstanciado na ideia de que o tra-
balho merece pronta contraprestação. [...] Apesar dos avanços projetados pelas
resoluções do CSJT quanto ao tema, estou convencido que é difícil imaginar que
se consiga, na marcha do tempo, assegurar a presença de bons profissionais no
auxílio técnico aos Juízes do Trabalho”.23
Outra questão que merece exame é a ausência de conhecimento do Direito
do Trabalho e dos princípios que regem esse especial ramo do direito, por parte
dos peritos. Nesse e em outros pontos utilizar-se-á o conhecimento específico de
quem domina e convive com o tema, Maria Maeno, médica que por 16 anos coor-
denou o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo e
atualmente é pesquisadora da Fundacentro, e coordenou o grupo que elaborou o
protocolo de LER/DORT do Ministério da Saúde, para quem, citando Brandimiller,
o perito deve lançar mão não só do conhecimento técnico, mas ter familiarida­
de com o mundo do trabalho, ter acesso e conhecer o ambiente, as condições da
organização do trabalho e, de forma profunda, avaliar a saúde e as con­dições do re-
clamante, “considerando depoimentos e a experiência dos trabalhadores e dados
epidemiológicos”.24
Segue a autora citando José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva, “os peritos
médicos que atuam na Justiça do Trabalho, com exceções, ‘não conhecem a fundo
a dinâmica do processo do trabalho, a finalidade da justiça especializada’”, e cha-
ma a atenção para outro aspecto importantíssimo, que também é vivenciado no
dia a dia, que é o fato de os peritos não considerarem a concausa, pois desconhe-
cem os contextos do instituto.25
Há outro ponto, nevrálgico, que vem surgindo e, portanto, merece ser repen-
sado porque é percebido por aqueles que atuam com especialização nessa área do

23
CHAVES. É preciso debater a perícia na Justiça do Trabalho.
24
MAENO. Ser médico. In: ALVES; VIZZACCARO-AMARA; MOTA (Coord.). Trabalho e saúde: a precari-
zação do trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI, p. 148.
25
Idem, p. 149.

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  89

Direito do Trabalho, é o fato de os peritos serem médicos de empresas, gerando um


certo preconceito de que o empregado não tem ou não deve ter direito. Nesse con-
texto, um dos maiores defensores das causas relacionadas à saúde do trabalhador,
expressado tanto em textos, quanto em congressos, quanto nas redes sociais de
associações, Luiz Salvador, vem fazendo denúncias em vários meios de comunica-
ção, que, em resumo, tem o seguinte teor: “Perícias médicas-judiciais, um quadro
de abusos, fraudes, conivências com os interesses patrimonialísticos ao arrepio do
direito fundamental — por onde ando, tudo igual. Fraude, abusos, conivências com
o interesse patrimonialístico. Os laudos médicos-periciais, no geral, não correspon-
dem ao real quadro de adoecimento do periciado”.26
Veja-se que Maeno comunga dessa mesma preocupação, no que tange ao
comprometimento dos peritos com outras empresas.

O Código de ética médica veda a possibilidade de o médico ser perito ou


auditor do próprio paciente e, adicionalmente, nos parece pouco recomen-
dável que um perito judicial tenha qualquer vínculo com empresas, seja
como médico contratado, seja como prestador de serviços. Faltar-lhe-ia
isenção para expor fatos e argumentos para o julgamento sob a égide dos
fundamentos da lei e da justiça. [...] Correríamos o risco de transcrever o
código de ética médica todo e encontrar em cada um dos tópicos inúmeras
infrações cometidas pelos médicos na abordagem da saúde do trabalha-
dor, seja dentro ou a serviço das empresas, seja como peritos do INSS ou
como peritos dos processos judiciais.27

É fundamental, na apuração de certas doenças do trabalho, observar que “a


anamnese ocupacional faz parte da entrevista medica, que compreende a história
clinica atual, a investigação sobre os diversos sistemas ou aparelhos, os anteceden-
tes pessoais e familiares, a história ocupacional, hábitos e estilo de vida, o exame
físico e a propedêutica complementar com o estudo do local e da organização do
trabalho, a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e estres-
santes, entre outros, e o depoimento e a experiência dos trabalhadores”.28
Isso se confirma com a Resolução CFM nº 1.488/98, em cujo art. 2º assim
preceitua: “Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde
e a atividade do trabalhador além do exame clínico (físico e mental) e os exames

26
SALVADOR. Rede da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho – JUTRA.
27
MAENO. Ser médico. In: ALVES; VIZZACCARO-AMARA; MOTA (Coord.). Trabalho e saúde: a precari-
zação do trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI, p. 154-155.
28
BRASIL. Ministério da Saúde do Brasil. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimen-
tos para os serviços de saúde, p. 30.

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complementares quando necessário, deve o médico considerar”; então, além de


tudo isso, destacam-se os depoimentos e experiências de outros trabalhadores,
o conhecimento e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, estudo
do local de trabalho etc.
Como se vê, o sistema das perícias judiciais, na forma como está, merece ser
repensado, pois não são poucas as denúncias. Um quadro de peritos, nas respecti-
vas áreas e especialidades, e especialização em Direito do Trabalho, notadamente
nos princípios e na sociologia do trabalho, pode ser um caminho, ainda que apa-
rentemente utópico.
Mas, exatamente por todos esses fatores, que a ponderação da prova ou do
conjunto probatório deve melhor ser examinada pelo julgador, conforme explica
Bezerra Leite, “Todavia, por mais detalhado e consistente que seja o trabalho do
perito, o juiz não fica adstrito ao laudo pericial, podendo formar seu convencimento
com base em outros fatos ou elementos provados nos autos (CPC, art. 436)”.29
Essa parece ser a saída que pode ser implementada de imediato, para um
bom resultado nas ações de postulação de indenização por adoecimentos ocupa-
cionais, enquanto as demais, que demandam questões estruturais e gerais, não se
instalam no ordenamento jurídico, inclusive com profundas mudanças para um
bom código de perícias judiciais.

5.2  Ônus da prova e o nexo de causalidade


Analisar-se-ão neste tópico alguns aspectos relacionados com o nexo de
causalidade e o ônus da prova, exatamente para compará-los com os meios de
provas e estabelecer o ponto de convergência com as dificuldades enfrentadas
pelo trabalhador acometido de infortúnio laboral. Para Wladimir N. Martinez,
“Nexo causal é a locução tradicional, superada e praticamente abrangida pelo
nexo epidemiológico, relação entre a doença e o posto de trabalho”.30
Aqui, de forma mais genérica, busca-se entender a causa e o efeito entre a
depressão e o trabalho desempenhado pelo obreiro. Com Martinez, “o nexo cau-
sal é uma relação lógica entre o exercício da atividade, a contingência protegida
pela lei e a incapacidade laboral por mais de 15 dias”, e, portanto, que a depressão
pode ser enquadrada na categoria das doenças profissionais, pois o ambiente de
trabalho muito estressante pode também ser a indutor da moléstia.31

29
LEITE. Curso de direito processual do trabalho, p. 593.
30
MARTINEZ. Prova e contraprova do nexo epidemiológico, p. 25.
31
MARTINEZ. Prova e contraprova do nexo epidemiológico, p. 64.

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  91

Desse modo, a depressão pode ter origem no ambiente laboral ou pode ter
o quadro depressivo agravado pelas condições de trabalho, e para a reparação
desse dano pelo empregador é necessária a comprovação do nexo causal entre a
doença desenvolvida ou agravada e o ambiente de trabalho, portanto, os pressu-
postos que devem ser investigados são a forma de gestão e a execução dos servi-
ços e o ambiente de trabalho, como um todo. Elementos raramente investigado
pelo expert.
Na verdade quem deve demonstrar se o agente adoecedor decorre do tra-
balho é o empregado, pois se trata de fato constitutivo de seu direito, e, a despeito
dos diversos documentos, atestados, laudos e até a oitiva das testemunhas, o laudo
pericial do expert nomeado pelo magistrado tem sido pela negativa. Utiliza-se
da lição de Martinez, para quem, antes de 31.03.07 quem tinha de demonstrar
o nexo entre o adoecimento e o trabalho executado era o trabalhador, “criando
de fato uma situação, na prática, injusta”, pois quem detinha as informações era
o empregador, e este nem sempre estava disposto a prestá-las. O que, em parte,
justifica a Lei nº 11.430/2006, que, para efeitos previdenciários, a prova passou a
ser dos empregadores em demonstrar que a doença contraída pelo trabalhador
não teria sido causada pela atividade laboral que a provoca”.32
Valorizando Marinêz Trindade, em obra organizada pela primeira autora,
que, analisando o tema, reage, apontando uma boa vertente para solução, a par-
tir da própria CLT, no sentido de que os riscos da atividade devem ser suportados
por quem dela se beneficie. De igual modo, não pode o trabalhador, autor do
processo, vítima de acidente ou adoecimento, suportar o ônus da exigência da
prova, ou seja, provar que o empregador agiu contra a legalidade, sem observân-
cia das normas técnicas e nas recomendações internacionais, avocando, para esse
instituto, o princípio dignidade da pessoa humana, transferindo para a empresa a
obrigação de criar um meio ambiente de trabalho saudável, mais que isso, atento
a todas as hipóteses de adoecimentos. Acrescenta a autora que, em se tratando
de doenças ocupacionais, “deve ser adotado a inversão do ônus da prova, a fim
de que caiba ao empregador provar que agiu dentro dos limites da lei, qual seja
que observou o dever geral de cautela de prevenir e precaver os riscos ofensivos
à saúde”. Essa teoria tem sido defendida por outros autores, que adotam o art. 2º
da CLT como suporte.
Nem se fala aqui na questão que envolve a atividade de risco, já que a lei
civil aponta em direção do empregador com a inversão do ônus, embora algumas

32
MARTINEZ. Prova e contraprova do nexo epidemiológico, p. 66.

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doenças ocupacionais tenham sua origem nessas atividades. A depressão e a sín-


drome do pânico também, como é a hipótese de trabalhadores em transportes
de valores, que desenvolvem certas patologias emocionais em razão do tipo de
atividade, envolvendo armas, perigos, medos; tanto assim é que, recentemente,
a Lei nº 12.740/2012 acrescentou o inc. II ao art. 193 da CLT, reconhecendo essas
atividades como de risco.
Nessa hipótese, indiscutivelmente que o ônus é do empregador. No entanto,
volta-se ao ponto inicial, que é a prova pericial reconhecer o nexo de casualidade
entre a depressão e o trabalho. Isso sem falar do nítido desequilíbrio das condi-
ções probatórias entre as partes nos autos de ações trabalhistas dessa natureza,
sobretudo quando demandarem a produção de prova técnica, uma vez que o
ônus, em não se caracterizando atividade de risco, é do empregado, repita-se.33
Assim, a regra tradicional do ônus da prova está ultrapassada, e é necessário,
para esse tipo de ação, que a produção da prova não fique restrita a quem detém
o ônus processual (arts. 818 da CLT e 333 do CPC), e, sim, a parte que tiver melho-
res condições para produzi-la no processo, ocorrendo dessa maneira, bem como
se considerando as disposições do art. 2º da CLT, segundo o qual o risco da ativi-
dade econômica é do empregador e, no caso, zelar por uma ambiente saudável
nos seus vários aspectos é risco patronal.
Veja-se, a esse propósito, o entendimento TRT da 3ª Região, em acórdão pro-
latado pela Turma Recursal de Juiz de Fora no Processo nº 00661-2008-068-03-00-
9/RO, tendo como relator o Juiz Convocado Antonio Gomes de Vasconcelos, que
esclarece:

DOENÇA PSÍQUICA. ACIDENTE DO TRABALHO. CONCAUSA. DANO MO­


RAL. A avaliação técnico-pericial de doenças ocupacionais de ordem
psíquica tem privilegiado, no mais das vezes, uma interpretação deter-
minística do estado de saúde do trabalhador vitimado, apesar de esta
ser uma das questões científicas mais tormentosas tanto para a ciência
como para a filosofia desde que se passou a sistematizar o conhecimento
humano: a de saber se o homem nasce com características inatas ou se
o meio é que é determinante para a conformação de seu ser, de perso-
nalidade e de tudo que lhe diz respeito, inclusive doenças anímicas. Mas,
há sinceras dúvidas sobre se o meio ou a hereditariedade é prevalecente.
A opção por uma ou por outra é deliberadamente um ato de vontade já
que no estágio em que se encontra o conhecimento ainda não se pôde

33
TRINDADE. O desafio do ônus da prova nas ações de acidentes do trabalho e adoecimento ocu-
pacional. In: MEDEIROS (Org.). Refletindo sobre a justiça do trabalho: passado, presente e futuro:
estudos em homenagem aos 50 anos de ACAT, p. 103.

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  93

ter certeza disto. As conclusões periciais adotaram claramente o pressu-


posto preponderantemente determinístico. Mas, para resolver a questão
nem é preciso dar um passo no escuro, do ponto de vista jurídico. É que a
legislação acidentária prescreve explicitamente que se caracteriza o aci-
dente quando as condições de trabalho contribuem para o desencadea-
mento de doença cuja causa não seja propriamente a atividade laboral.
Eis a concausa. No entanto, o reconhecimento e a aplicação desta regra
costuma encontrar sérios obstáculos por conta da tendência cientifi-
cista de se considerar como doença ocupacional ou do trabalho apenas
aquelas que importam em manifestação física, com deliberado desprezo
pelas doenças psíquicas. Não sendo estas mensuráveis em conformida-
de com o método científico tende-se a considerá-las insignificantes sob
o ponto de vista de suas conseqüências jurídicas. O que ocorre é que a
metodologia cientificista é inadequada para o tratamento de fenômenos
não palpáveis e quantificáveis pelo método empirista, como é o caso da
perícia quem tem por objeto a doença psíquica que, não raro, chega mes-
mo a ser qualificada como simples “manha”. Com isto, um conjunto de
doenças anímicas, dentre elas aquelas que podem ensejar conseqüên-
cias e sofrimento humano muito mais grave que as doenças físicas, têm
permanecido à margem da proteção juslaboral. Esta realidade precisa
ser modificada se se quer um direito do trabalho condizente com os
fundamentos da República, especialmente a dignidade da pessoa huma-
na e os valores sociais do trabalho. O laudo produzido à fl. 106/108, em
resposta ao quesito formulado pelo juízo acerca da existência de nexo
de causalidade entre a doença e o trabalho executado pelo reclaman-
te, assim se posicionou ante o problema: “Não. Depressão é doença de
etiologia multifatorial, sendo que a predisposição genética ocupa uma
posição preponderante e historicamente reconhecida. Fatores ambien-
tais, sociais e culturais são admitidos como desencadeadores, mas não
causadores. Neste caso não há relação casual entre o trabalho outrora
executado pelo periciado e a doença que apresenta.” Erra o perito en-
tretanto quando avança na sua conclusão para afirmar que “neste caso
não há relação casual entre o trabalho outrora executado pelo periciado
e a doença que apresenta”. No plano normativo a conclusão pericial re-
flete desconhecimento da figura da ‘concausa’ acidentária, uma vez que:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo ante-
rior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim enten-
dida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo
Ministério do Trabalho e da Previdência Social; §2º Em caso excepcional,
constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos
I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é
executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve
considerá-la acidente do trabalho. Com maior clareza verifica-se ainda
que: Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos
desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido

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a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado,


para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido
lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.

Nessa mesma linha de raciocínio é o entendimento da jurisprudência do TRT


da 17ª Região, em acórdão prolatado no Processo nº RO 00861.2007.011.17.00.3,
sendo o Relator José Carlos Rizk.
No campo do que efetivamente ocorre, e aqui um olhar de quem vivencia
tais questões, a prova utilizada que é a perícia, ao contrário de boa aliada, vem se
revelando obstáculo a ser contornado na Justiça do Trabalho, pois além de quase
sempre não caracterizar a depressão como sendo decorrente do trabalho, existe
a questão do custeio pelo ônus das despesas com os honorários do perito, e os
empregados acometidos com a depressão não têm condições financeiras para
o custeio. Por isso afirma Luciano Athayde: “Esse aspecto procedimental chega
mesmo a se atritar com um preceito geral do trabalho, consubstanciado na ideia
de que o trabalho merece pronta contraprestação. [...] Apesar dos avanços proje-
tados pelas resoluções do CSJT quanto ao tema, estou convencido que, nessa pi-
sada, é difícil imaginar que se consiga, na marcha do tempo, assegurar a presença
de bons profissionais no auxílio técnico aos Juízes do Trabalho”.34
Com isso, verifica-se que a depressão, enquanto doença do trabalho, tem
sido negligenciada de forma inaceitável quanto ao reconhecimento, e o adoecido
acaba por não conseguir obter a reparação da lesão e, por conseguinte, em não se
tratar de forma adequada, postergando a baixa qualidade de vida.
E o mais grave de tudo isso é o desprezo pela prova documental existente,
ou seja, os inúmeros laudos, exames, atestados que por anos denunciam a doença
e o estágio do periciado. Aqui, importante é a crítica de Maeno, que, para uma
perícia, no mínimo séria, devem-se seguir os procedimentos preconizados pelo
CRM para estabelecer o nexo causal, quais sejam “entre outros, a história clinica e
ocupacional, o estudo do local de trabalho, o estudo da organização do trabalho,
os dados epidemiológicos, a literatura atualizada, o depoimento e a experiência
dos trabalhadores”.35
O curioso é que na apuração do trabalho como fator determinante do adoe­
cimento, nem mesmo o atestado de saúde para ingresso na empresa é levado
em consideração, quando, ao contrário, deve servir de balizamento. Veja-se com

34
CHAVES. É preciso debater a perícia na Justiça do Trabalho.
35
MAENO. Ser médico. In: ALVES; VIZZACCARO-AMARA; MOTA (Coord.). Trabalho e saúde: a precari-
zação do trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI, p. 152.

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A depressão como doença ocupacional e a difícil prova na Justiça do Trabalho  95

Martinez, para quem o ASO “é um certificado emitido pelo médico do trabalho


em seguida ao exame médico, que assume extraordinária relevância no que diz
respeito a presença eventual e figura doença ocupacional”. E arremata que se
constatada a aptidão do trabalhador, e caso seja, posteriormente, constada uma
doença ocupacional “ter-se-á de admitir que ela foi necessariamente adquirida na
empresa em razão do trabalho”.36
Esse aspecto é, na maioria das vezes, para não dizer sempre, desconside-
rado, exatamente pelo desprezo aos demais documentos relacionados com a
doença do periciado. Por isso, volta-se a dizer, que o exame das impugnações e
demais documentos existentes nos autos, pelo julgador, são fundamentais para
uma efetiva e satisfatória entrega da prestação jurisdicional.

6 Conclusão
Diante do que se levantou, nota-se que, apesar das legislações reiterada-
mente visarem à proteção do trabalhador, preservando o ambiente de trabalho,
a sua dignidade, saúde, entre outros direitos fundamentais, o local onde passa
maior parte do tempo, que deveria ser referência de cordialidade, solidariedade
e fraternidade, transforma-se, às vezes, em um verdadeiro ringue de guerra, quer
pela gestão implementada, quer pelo ritmo acelerado da produção, quer pela
hostilidade e competição muitas vezes instigada e, portanto, adoecedor.
É nesse ambiente de grande concorrência e rivalidade que se desencadeiam
doenças físicas e mentais. Tal situação se agravou após o advento da globalização,
fruto das grandes transformações tecnológicas que trouxe profundas alterações
aos modelos de empresas e gestão.
Com isso, o trabalhador teve de se adaptar à nova realidade do mundo mo-
derno do trabalho, gerando maior desgaste tanto no âmbito físico como mental.
O medo da dispensa, da incapacidade de corresponder às aceleradas expectati-
vas, das metas impossíveis, da exposição, tem sido foco de preocupação, gerando,
assim, várias doenças de ordem emocional e psíquica, entre elas a depressão, que
vem ganhando os rankings e já considerada a doença do século.
Apesar de a depressão ter origem multifatorial, é notório que o elemento tra-
balho, em algumas situações, tem contribuído para o aparecimento ou até mesmo
o agravamento do quadro depressivo, o que nessa segunda hipótese ocorrerá por

36
MARTINEZ. Prova e contraprova do nexo epidemiológico, p. 112-113.

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concausalidade, mas o maior problema encontrado se deve à grande dificuldade


de comprovar a caracterização do nexo causal entre a doença e o ambiente de
trabalho.
Constataram-se vários aspectos negativos, quanto à prova técnica, que care-
ce de enfrentamento, como o despreparo dos peritos; a questão de muitos deles
serem médicos de empresas e, portanto, fazendo-se necessárias uma ruptura e a
independência com os interesses econômicos e políticos; o desprezo por outros
documentos comprobatórios das doenças do empregado, existentes nos autos,
bem como a recusa pelo nexo técnico epidemiológico previdenciário, gerando
as constantes negativas da causa e efeito, ou seja, o sistema das perícias judiciais,
na forma como está, merece ser repensado, pois não são poucas as denúncias e
insatisfações. Na hipótese de depressão, os índices de recusa são altíssimos.
Um quadro de peritos, nas respectivas áreas e especialidades, e certo conhe­
cimento do Direito do Trabalho, notadamente dos princípios que o regem e da
sociologia e psicologia do trabalho, pode ser um caminho, ainda que aparente-
mente utópico, aos menos por enquanto.
Outro, seria o enfrentamento, pelos julgadores, das impugnações funda-
mentadas, afastando os laudos periciais inconsistentes, que menoscabem outras
provas, sobretudo o NTEP, passando a utilizar-se mais das outras provas existentes
nos autos, como os laudos e exames médicos, as provas orais, em consonância
com os princípios da norma mais favorável, da interpretação mais benéfica, do
indubio pro misero e dos principais constitucionais que encerram direitos funda-
mentais, afinal o direito à saúde é um direito fundamental.
Repensar a teoria que vem surgindo, quanto ao ônus da prova, que é o cri-
tério objetivo, adotando-se o método do risco do negócio, com base no art. 2º da
CLT, o que, por certo, é consistente juridicamente, mas não suficiente para afastar
o problema da má qualidade das perícias judiciais, parece ser um outro caminho
no reconhecimento do nexo causal.

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Paulo: LTr, 2005.
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MEDEIROS, Benizete Ramos de; TERRA, Carolina de Carvalho. A depressão como doença
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Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 73-98, jan./dez. 2014.

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O problema da desconfirmação das
decisões liminares em dissídios coletivos de
greve em serviços essenciais

Daniel Chen
Advogado. Mestre e Especialista em Direito
do Trabalho pela Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco – Universidade de São Paulo (USP).

Palavras-chave: Limpeza urbana. Greve dos garis. Companhia Municipal de


Limpeza Urbana do Rio de Janeiro. Justiça do Trabalho. Serviços essenciais.
Direito de greve. Lei nº 7.783/1989.

Sumário: 1 Introdução – 2 A greve dos garis no Carnaval carioca de 2014 –


3 A greve dos metroviários paulistanos às vésperas da Copa de 2014 – 4 O tra-
tamento legal ao abuso do direito de greve em serviços essenciais – 5 A des-
confirmação das decisões liminares da Justiça do Trabalho – 6 Considerações
finais – Referências

1 Introdução
Nos movimentos grevistas que se avolumam a cada ano, tem-se verificado
com cada vez mais frequência o descumprimento de decisões liminares da Justiça
do Trabalho em dissídios coletivos de greve, com ou sem o apoio expresso da
direção do sindicato profissional.
No ano de 2014, a greve dos garis na cidade do Rio de Janeiro durante o
Carnaval e o movimento paredista dos metroviários na cidade de São Paulo a
poucos dias antes do início dos jogos da Copa do Mundo no Brasil são exemplos
recentes do problema da desconfirmação das decisões judiciais, que coloca em
perspectiva também a sua frágil eficácia, o que é ainda mais grave em se tratando
de greves em serviços essenciais.

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2  A greve dos garis no Carnaval carioca de 2014


No dia 1º de março de 2014, em pleno sábado de Carnaval, iniciou-se a
paralisação dos serviços dos garis ligados à Comlurb (Companhia Municipal de
Limpeza Urbana), na cidade do Rio de Janeiro, movimento não fomentado origi-
nalmente pelo sindicato profissional e tampouco por uma comissão de emprega-
dos, mas por cerca de trezentos manifestantes que não se diziam representados
pelo seu ente sindical.
Embora a empresa tivesse fechado acordo coletivo de trabalho com o sin-
dicato profissional, aumentando o salário-base de R$803,00 para R$874,79, mais
adicional de 40% de insalubridade e vale-refeição de R$16,00, os grevistas preten-
diam aumentar o salário-base para R$1.224,70, e R$20,00 de vale-refeição.
A abusividade do movimento era, assim, evidente, pois foi deflagrado sem
quaisquer das formalidades previstas na Lei nº 7.783/89, tais como exaurimento
das etapas negociais, convocação para assembleia geral, quórum de deliberação
e notificação prévia.
Não adiantou a concessão de liminar naquele mesmo sábado pelo TRT-RJ
para determinar a retomada das atividades essenciais, especialmente da coleta
de lixo urbano, e tampouco as astreintes de R$25.000,00 por dia de descumpri-
mento.1 O problema colocado era o seguinte: cobrar a multa de quem, se o movi-
mento não fora fomentado pelo próprio sindicato profissional?
Houve prisões por supostas ameaças dos grevistas a empregados que não
aderiram à greve, ameaças de demissões, e fornecimento de escolta policial para
garantir os serviços de limpeza na cidade. A direção do sindicato profissional che-
gou até a negar a existência da greve. De nada adiantou. Enquanto os sambistas
desfilavam na avenida, toneladas de lixo se acumularam na cidade.
A greve só acabou no oitavo dia de paralisação, por acordo realizado no
TRT-RJ para pagamento de salário-base de R$1.100,00 — representando um au-
mento de 37% — e R$20,00 de vale-refeição, e que contou com a participação do
Chefe da Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Assim, o acordo coletivo de trabalho, a Lei de Greve e a liminar da Justiça do
Trabalho foram solenemente descumpridos, sendo que as melhorias foram con-
quistadas, como se popularmente se diz, “na marra” pelos trabalhadores.
Ficou uma pergunta no ar: ainda que baseada em reivindicações conside-
radas como “justas” pela sociedade, o que a Justiça do Trabalho e o Ministério

1
Liminar concedida no Processo nº 0010201-14.2014.5.01.0000, promovido pelo Município do Rio
de Janeiro.

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O problema da desconfirmação das decisões liminares em dissídios coletivos de greve em serviços essenciais  101

Público do Trabalho podem fazer diante de uma greve em serviços essenciais


notoriamente deflagrada sem observância aos preceitos da Lei de Greve, quando
comandada por uma coletividade inorganizada de trabalhadores e não pelo sin-
dicato profissional?

3  A greve dos metroviários paulistanos às vésperas da Copa de 2014


No dia 05 de junho de 2014, exatamente uma semana antes do início da
Copa do Mundo no Brasil (dia 12 de junho), com jogo de estreia da seleção bra-
sileira marcado na Arena Corinthians na cidade de São Paulo — cuja maior via
de acesso é a estação de metrô Corinthians-Itaquera —, iniciou-se a greve dos
metroviários, aprovada por assembleia realizada pelo sindicato profissional.
A principal reivindicação foi a concessão de reajuste salarial de 16,5%, entre
outros pedidos.
Na noite anterior à deflagração do movimento paredista, o TRT-SP conce-
dera ordem liminar pleiteada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo –
Metrô para determinar a manutenção de 100% do contingente de trabalhadores
nos horários de pico e de 70% nos demais horários de operação, sob pena de
multa diária de R$100.000,00 no caso de descumprimento.2 A este processo fo-
ram reunidos mais um dissídio de greve promovido pelo Ministério Público do
Trabalho, dois dissídios do metrô e mais um do Sindicato dos Engenheiros.
A liminar foi descumprida após deliberação em nova assembleia que, colo­
cando “em votação” o seu cumprimento, decidiu por prosseguir com a greve.
Houve enfrentamento com tropas de choque dentro das dependências das esta­
ções de metrô e atos de vandalismo. A cidade bateu recordes de congestiona-
mento do trânsito, não bastando ser já habitualmente caótico. Muitas pessoas
ficaram desorientadas, sem saber como voltar às suas casas e ao trabalho no dia
seguinte.
Em rito de celeridade exemplar, o TRT-SP, no dia 08 de junho (domingo), jul-
gou abusiva a greve — determinando, portanto, o imediato retorno ao trabalho
e desconto dos dias parados — e fixou o reajuste salarial em 8,7%, entre outros
títulos. Na mesma ocasião, em vista do descumprimento da ordem liminar, a en-
tidade sindical foi condenada ao pagamento de multa de R$100.000,00 — a ser
revertido para o Hospital do Câncer de São Paulo — e foi estipulada multa diária
de R$500.000,00 caso não houvesse o imediato retorno ao trabalho.

2
Liminar concedida no processo nº 1000718-13.2014.5.02.0000.

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Diante desta decisão, o movimento paredista arrefeceu, tendo o sindicato


profissional desistido de nova paralisação que estava programada no dia da estreia
da Copa do Mundo. No lugar da paralisação, o sindicato profissional optou por
tentar negociar a reversão de 42 dispensas por justa causa promovidas.
Averiguado o descumprimento da liminar pelo Sindicato dos Metroviários,
as contas desta entidade foram bloqueadas por ordem do TRT-SP, para satisfação
das multas impostas, que chegaram, no final das contas, ao total de R$900.000,00.
Neste caso, o movimento grevista também fez pouco caso da lei ou a liminar
concedida na Justiça do Trabalho, chegando o sindicato profissional ao cúmulo
de desconfirmá-la ao submetê-la à votação por assembleia, que foi, naquele mo-
mento, erigida como instância soberana.

4  O tratamento legal ao abuso do direito de greve em


serviços essenciais
Citaram-se acima movimentos grevistas já emblemáticos do ano de 2014
ocorridos nas duas maiores metrópoles brasileiras, com o objetivo de examinar
a questão do abuso de direito de greve nas hipóteses de serviços essenciais, sob
uma perspectiva talvez pior nos dias atuais.
O caso da greve dos garis no Rio de Janeiro traduz a exacerbação do movi­
mento grevista, no qual o abuso de direito de greve foi levado às últimas consequên­
cias, passando por cima da negociação coletiva entre empregador e o próprio
sindicato profissional, e colocando em xeque até a efetiva representatividade deste
ente em relação aos interesses da categoria.
Já o caso da greve dos metroviários em São Paulo revela reiteradas condutas
que visaram pôr em segundo plano as decisões do Poder Judiciário, submetendo-o
à “soberania” da assembleia de trabalhadores.
O objeto deste estudo, contudo, não é avaliar o movimento grevista sob a
ótica da razoabilidade de suas reivindicações, mas trazer à discussão os mecanis-
mos legais e procedimentos judiciais garantidores do regular exercício do direito
de greve e aqueles que visam coibir eventuais abusos.
De fato, apesar de a condução daqueles movimentos grevistas e respectivos
resultados terem sido muito díspares, houve um ponto em comum: a desconfir-
mação das decisões liminares exaradas pela Justiça do Trabalho como verdadeira
técnica de pressão, agudizando o abuso de direito de greve nestes casos.3

3
Sobre o problema da desconfirmação na relação de autoridade, ensina Tercio Sampaio Ferraz Junior:
“A desconfirmação é uma reação de desconhecimento da relação. Ora, a relação de autoridade é

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O problema da desconfirmação das decisões liminares em dissídios coletivos de greve em serviços essenciais  103

Neste caso, o exercício regular de um direito — o de greve, que em si não


constitui ato ilícito — dá lugar à conduta que “excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”,
e que constitui ato ilícito, conforme artigos 187 e 188, I do Código Civil.
Pela Lei nº 7.783/89, o abuso deste direito é averiguado pelo descumprimento
de suas regras, que são diversas quanto à forma, tempo e modo de deflagração.
Dentre tais regras, certamente estão entre as mais significativas aquelas que
definem as atividades essenciais, e que obrigam os sindicatos, empregadores e
trabalhadores a garantir, no caso de greve, a prestação de serviços indispensáveis
às necessidades inadiáveis da comunidade, que são aquelas que se relacionam
com os riscos a sua sobrevivência, a sua saúde ou a sua segurança, e que podem
contar até com a intervenção do Poder Público para garanti-la (artigos 10, 11 e
12 da Lei de Greve). Cabe lembrar que a definição das atividades essenciais pelo
legislador ordinário atende ao comando contido no artigo 9º, §1º da Constituição
da República,4 sendo que, na ocorrência de greve com possibilidade de lesão do
interesse público, até o Ministério Público do Trabalho é habilitado a ajuizar dissí-
dio coletivo (artigo 114, §3º da Lei Maior).
Tais normas são particularmente significativas porque nas atividades essen­
ciais as consequências de uma greve abusiva à coletividade, como visto nos dois
casos de 2014 acima relatados, podem ser avassaladoras, e não raramente ga-
nha contornos dramáticos na vida dos trabalhadores, ainda mais em grandes
metrópoles.
E não é por outra razão que o TST editou a Orientação Jurisprudencial
nº 38 da sua Seção de Dissídios Coletivos, considerando abusiva a greve pela falta
de garantia do atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários dos
serviços essenciais, fator que se considera determinante da qualificação jurídica
do movimento.
Esta jurisprudência uniforme do TST, contudo, revela um conflito com a
obrigação compartilhada entre sindicatos, empregadores e trabalhadores defi-
nida no artigo 11 da Lei de Greve: afinal de contas, assim como parece absurdo

aquela em que o emissor aceita a confirmação, rejeita a rejeição, isto é, a reconhece para negá-la,
e desconfirma a desconfirmação, isto é, não a reconhece como tal, mas a toma como mera nega-
ção. Ou seja, a relação de autoridade admite uma rejeição, mas não suporta uma desconfirmação. A
autoridade rejeitada ainda é autoridade, sente-se como autoridade, pois a reação de rejeição, para
negar, antes reconhece (só se nega o que antes se reconheceu). Contudo, a desconfirmação elimina
a autoridade: uma autoridade ignorada não é mais autoridade” (Introdução ao estudo do direito: téc-
nica, decisão, dominação, p. 107).
4
“Art. 9º [...] §1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento
das necessidades inadiáveis da comunidade”.

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que os empregadores sejam penalizados quando o descumprimento decorra


exclusivamente da resistência dos grevistas, assim também é que o movimento
paredista se repute abusivo por condutas adotadas pelo empregador que levem
a este resultado. Pareceria adequado utilizar a solução dada pela jurisprudência
ao mesmo requisito do “comum acordo” para ajuizamento de dissídio coletivo
de natureza econômica prevista no artigo 114, §2º da Constituição da República:
flexibilizá-lo para não prejudicar o exercício do direito de greve e a finalidade da
norma, que é a promoção da proteção do interesse público.
A dificuldade de dar cumprimento a este requisito do comum acordo tam-
bém é objeto de crítica por Otavio Pinto e Silva, na medida em que “na dinâmica
do conflito, o que se vê é que nem sempre é possível chegar a um acordo sobre
quais os serviços que continuarão sendo prestados”.5
A exemplo do ocorrido nos casos acima, nos dissídios coletivos de greve em
serviços essenciais, são comuns decisões liminares fixando um percentual míni-
mo de empregados necessários para atendimento destas necessidades inadiá-
veis da população, a serem observados pelos sindicatos profissionais envolvidos.
Na prática forense, portanto, não faz sentido invocar a aplicação do artigo 11 da
Lei de Greve para impor o cumprimento de liminar à própria empresa suscitante
do dissídio, inclusive sob a pena de arcar com as astreintes. Seria o mesmo que
desestimular o empregador a procurar a Justiça do Trabalho contra uma greve
abusiva, tornando inócuos tais dispositivos na Lei de Greve, o que só reforça a
necessidade do seu aperfeiçoamento.
A reforçar tal entendimento, observa-se que a Lei de Greve em vigor não
esti­pula qualquer penalidade específica no caso de falta de prestação dos servi-
ços essenciais em atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade, seja
ao sindicato profissional, seja ao empregador. Há apenas os dispositivos gerais
que garantem eventual intervenção do Poder Público para assegurar a prestação
dos serviços indispensáveis, a configuração de abuso de direito e a definição da
legislação aplicável para apuração de responsabilidade de ilícitos e crimes come-
tidos durante a greve (artigo 12, 14 e 15 da Lei nº 7.783/89).
Ou seja, comparece aqui um grave defeito da Lei de Greve: apesar da dis-
tinção ali feita, há omissão normativa consistente na falta de definição de uma
penalidade específica para o caso de greve abusiva em serviço essencial quando
não garantir a prestação dos serviços indispensáveis, a reforçar o seu tratamento
especial em relação àquela deflagrada em trabalho não essencial.

5
O Brasil precisa de uma reforma sindical?. In: SANTOS; SILVA (Org.). Temas controvertidos do direi-
to coletivo do trabalho no cenário nacional e internacional, p. 23.

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No mais, não obstante o problema de efetiva representatividade de enti-


dades sindicais em relação à sua base seja já há longo tempo conhecido, o caso
da greve dos garis no Rio de Janeiro pode sugerir a necessidade de mais uma
inovação da Lei de Greve: a do tratamento legal quanto ao fenômeno dos movi-
mentos grevistas espontâneos e não liderados pelo sindicato profissional respec-
tivo, posto que eventuais decisões liminares para garantir a prestação de serviços
indispensáveis podem restar, nestas circunstâncias, inócuas. Neste tópico, parece
indissociável ainda remeter à discussão quanto a um novo modelo de organiza-
ção sindical que garanta a efetiva representatividade dos interesses dos trabalha-
dores e empregadores.

5  A desconfirmação das decisões liminares da Justiça do Trabalho


Diante do quadro normativo acima exposto, ao Poder Judiciário resta de-
finir — a critério exclusivo de cada magistrado na análise do caso concreto e
fazendo uso do seu poder geral de cautela — o percentual de empregados ne-
cessários para tal mister e a imposição de astreintes suficientemente rigorosas
que possam garantir o cumprimento destas decisões liminares.
Na prática forense mostra ser extremamente delicado o fardo do Poder
Judiciário de dosar esta proteção especial nas decisões liminares em casos con-
cretos, sem qualquer orientação normativa a servir de baliza.6 E o grau de coerci-
tividade de uma decisão liminar, no final das contas, reside meramente na maior
ou menor severidade aplicada à multa para cada caso, e na possibilidade da sua
efetiva cobrança no caso de descumprimento, o que pode e deve ser redimensio-
nado à medida que for comprovado à Justiça.
Acerca deste problema, Raimundo Simão de Melo relembra um interessante
episódio da greve dos petroleiros, que foi objeto de dissídio coletivo no qual se
reconheceu a abusividade da greve em julgamento no ano de 1995. Naquele caso,
a determinação final de retorno imediato ao trabalho foi descumprida, e a multa
diária de R$100.000,00 multiplicou-se a tal ponto que se tornou impossível a sua
satisfação pelo sindicato profissional. A conclusão daquele eminente jurista é que
não se matou o paciente pela ministração excessiva do remédio porque foi conce-
dida a anistia a tais multas pela Lei nº 9.689/98.7

6
Cabe lembrar que, além da ingrata tarefa de julgar a legalidade da greve, julgar as reivindicações
formuladas pelos grevistas também faz parte da atribuição do Poder Judiciário, com o fito de
exaurir o conflito.
7
Processo coletivo do trabalho, p. 141-143.

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Porém, no caso das atividades essenciais, não há como se abrir qualquer con-
cessão. Aliás, o descumprimento de ordem liminar nestes casos obriga maior rigor
na fixação de novos astreintes, dado o prejuízo experimentado por toda a coletivi-
dade, até que se garanta a prestação dos serviços indispensáveis preceituados na
Lei de Greve.
É que a conduta de desconfirmação da autoridade das decisões liminares
merece ainda maior rigor no caso das atividades essenciais. É por isso que Estêvão
Mallet, amparado na jurisprudência, pontua que “a celebração de acordo em dis-
sídio coletivo não afasta a exigibilidade de multa, fixada para garantir manuten-
ção de serviço mínimo relacionado com atividade essencial, caso não haja sido
respeitada a ordem judicial”.8
Ocorre que, nos casos de atividades essenciais, o descumprimento das deci-
sões liminares da Justiça do Trabalho aparentemente vem se apresentando como
mais um instrumento do movimento sindical para coagir os empregadores a sacra-
mentar acordos que podem até inviabilizar a manutenção dos serviços.9
Tais situações são extremamente graves porque tanto a Lei de Greve e as
determinações da Justiça são ignoradas, impondo sacrifícios terríveis à coleti-
vidade, provocam um enorme desequilíbrio entre as partes negociadoras e, não
seria demais considerar, até colocam mesmo em dúvida a validade de eventual
acordo, ainda que chancelado pela Justiça do Trabalho. Neste ponto, as decisões
liminares que fixam percentual de contingente para os serviços inadiáveis po-
dem ser entendidas como instrumentos não só de defesa do interesse público
da sociedade e dos próprios trabalhadores e empregadores,10 mas também como
medida necessária para preservar o equilíbrio no curso do processo, e legitimar
eventual transação judicial.
Nestes casos, a simples cobrança de multa por descumprimento das ordens
liminares e ulterior apuração de responsabilidades não resolve a viciada situação
negocial antecedente, sendo que a desconfirmação sistemática de decisões judi-
ciais liminares pode ser traduzida em atos consecutivos de coação ao emprega-
dor, o qual, por sua vez, sofre nestas circunstâncias todo tipo de pressão: do órgão
governamental contratante (para que se componha com os grevistas, até com
sanções previstas por descumprimento do contrato), dos usuários destes serviços

8
Dogmática elementar do direito de greve, p. 116.
9
Não surpreende, nesse sentido, que, no caso da greve dos garis no Rio de Janeiro, o acordo tenha
sido firmado com a participação do Chefe da Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro.
10
MELO. Processo coletivo do trabalho, p. 140.

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O problema da desconfirmação das decisões liminares em dissídios coletivos de greve em serviços essenciais  107

(que não raramente leva a atos de vandalismo), sem esquecer eventuais ocorrências
de intimidação contra os trabalhadores que optam por não aderir ao movimento
paredista, entre outros acontecimentos comuns a este tipo de movimento.
Ainda quanto a tal aspecto, o propósito coator nos dois casos concretos cita-
dos no início revela-se ainda mais claramente na medida em que os movimentos
grevistas em questão aproveitaram períodos festivos para amplificar a sua pres-
são contra seus empregadores, a fim de obter vantagens muito superiores, espe-
cialmente no que tange à definição do reajuste salarial.
Nesse sentido, não parece excessivo defender que tais situações se enqua-
drem no conceito do artigo 151 do Código Civil: “A coação, para viciar a declaração
da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente
e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”. É importante lembrar
ainda que, a teor do artigo 171, inciso II, a coação consiste em vício passível de
ensejar a anulação do negócio jurídico.
Não obstante, tais atos execráveis dos movimentos grevistas, organizados
ou não pelas entidades sindicais, dada a dinâmica acelerada do conflito, dificil-
mente recebem as punições adequadas — de forma a coibir a sua perpetua-
ção — e proporcionais aos prejuízos enfrentados pela sociedade e pela Justiça,
cuja autoridade é repetidamente ofendida pela desconfirmação de suas ordens
liminares.
Adite-se que tem sido verificado em alguns dissídios coletivos de greve a
cobrança e destinação das multas por descumprimento das ordens liminares não
para o empregador, mas para órgãos prestadores de serviços essenciais abso-
lutamente estranhos à lide, a exemplo de hospitais públicos, o que igualmente,
embora pareça louvável como iniciativa em prol do interesse público, acaba por
aumentar a injustiça de tratamento processual em relação ao empregador que
enfrenta este tipo de greve.
De fato, uma vez que o empregador seja tomado de assalto por um movi-
mento grevista que não respeita a Lei de Greve, e que assim lhe impõe diversos
prejuízos, inclusive decorrentes de descumprimento de decisões liminares, é jus-
to e plenamente justificável que a multa daí cobrada seja destinada ao emprega-
dor, como uma forma parcial de compensação mínima e de coibir didaticamente
a reiteração de movimentos grevistas abusivos no futuro.
A situação de abuso de direito de greve também se agrava quando o sin-
dicato não detém a efetiva representatividade dos interesses da categoria pro-
fissional, como parece ter se evidenciado no caso da greve dos garis no Rio de
Janeiro. Isso porque, não se estabelecendo o sindicato profissional como principal

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108  Daniel Chen

interlocutor do movimento grevista, há quebra da continuidade da negociação


coletiva prévia, no qual o exercício do direito de greve deita suas raízes.
É por isso que o primado da boa-fé deve permear todo o processo de nego-
ciação coletiva e também a conduta das partes na judicialização da greve. Implica,
como salienta Otavio Pinto e Silva, “pensar em procedimentos éticos que devem
ser necessariamente observados pelas partes negociadoras, sob pena de esvair-se
por completo a possibilidade de criação de normas jurídicas autônomas, autênti-
cas e representativas da vontade dos trabalhadores e empresários”.11
Na ausência de normas garantidoras destes procedimentos éticos, compete
à Justiça do Trabalho detectar e prontamente tomar as medidas necessárias para
reequilibrar a relação entre as partes, para que eventual acordo implique uma
autêntica transação, e não mera submissão decorrente de abuso de direito.
Quanto aos movimentos grevistas formados por coletividades espontâ-
neas e inorganizadas, o desafio para a Justiça do Trabalho é fazer prevalecer a
interlocução somente com o sindicato profissional, admitindo-se, na pior das
hipóteses, a sua aliança a uma comissão de trabalhadores, de forma a legitimar
e garantir que eventual acordo se torne possível em bases mais razoáveis e jus-
tas para ambas as partes, o que certamente pode reduzir o efeito pernicioso da
greve à comunidade especialmente em serviços essenciais, e inclusive a sua repe-
tição — de forma abusiva — nos demais anos.

6  Considerações finais
O presente estudo não tem a pretensão de exaurir temas de tamanha com-
plexidade, mas apenas contribuir para a discussão sobre a melhoria e a maior efe-
tividade das decisões nos dissídios coletivos de greve que envolvem a prestação
de serviços essenciais.
Para tanto, é imprescindível a reforma da Lei de Greve, de forma a dar um
tratamento mais rigoroso quanto ao descumprimento do comando constitu-
cional de atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, de forma a
fornecer meios para aperfeiçoar a prestação jurisdicional nestes casos, inclusive
quando o movimento grevista não for liderado pelos sindicatos profissionais, mas
por coletividades inorganizadas de trabalhadores.

11
O Brasil precisa de uma reforma sindical?. In: SANTOS; SILVA (Org.). Temas controvertidos do direi-
to coletivo do trabalho no cenário nacional e internacional, p. 26.

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O problema da desconfirmação das decisões liminares em dissídios coletivos de greve em serviços essenciais  109

Já a Justiça do Trabalho deve se mostrar atenta às condutas abusivas dos


grevistas, principalmente nos casos em que o sindicato profissional tem sua re-
presentatividade posta à prova, devendo agir com o máximo rigor quando cons-
tatado o descumprimento de suas decisões liminares e com contínua cooperação
do Ministério Público do Trabalho. Cabe a ela, no caso de acordo, zelar para que
este se aperfeiçoe com o maior equilíbrio possível entre as partes negociadoras,
para que não se legitime o abuso de direito e para desencorajar a sua repetição
no futuro.

Referências
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
MALLET, Estêvão. Dogmática elementar do direito de greve. São Paulo: LTr, 2014.
MELO, Raimundo Simão de. Processo coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2013.
SILVA, Otavio Pinto e. O Brasil precisa de uma reforma sindical?. In: SANTOS, Enoque Ribeiro dos;
SILVA, Otavio Pinto e (Org.). Temas controvertidos do direito coletivo do trabalho no cenário nacional e
internacional. São Paulo: LTr, 2006.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

CHEN, Daniel. O problema da desconfirmação das decisões liminares em dissídios coletivos


de greve em serviços essenciais. Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas –
ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 99-109, jan./dez. 2014.

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A Emenda Constitucional nº 72/2013 e
a jornada de trabalho dos empregados
domésticos*

Felipe Prata Mendes


Graduando em Direito pelo CESUPA/PA.

Resumo: Em abril de 2013, entrou em vigor a Emenda Constitucional


nº 72/2013, que estendeu uma gama de direitos aos empregados domésti-
cos, com o fito de eliminar a discrepância no tratamento dos trabalhadores
domésticos em relação aos empregados urbanos e rurais. O presente tra-
balho tem como objetivos analisar as inovações introduzidas pela referida
Emenda no que tange à jornada de trabalho e promover uma reflexão so-
bre a pertinência de tais mudanças normativas. Pretende-se auxiliar os intér-
pretes do direito na aplicação prática das normas trabalhistas contidas na EC
nº 72/2013 e, ao mesmo tempo, discutir o contexto e as consequências que
podem ser provocadas pelas referidas inovações.

Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 72/2013. Trabalho dos domésti-


cos. Jornada de trabalho. Empregador. Normas trabalhistas.

Sumário: Introdução – 1 Empregados domésticos – 2 Principais impli-


cações da EC nº 72/2013 quanto à jornada de trabalho dos domésticos –
3 Análise crítica da introdução do controle de jornada pela EC nº 72/2013
4 – Conclusão – Referências

Introdução
O art. 7º da Constituição Federal contém, em seu longo rol de incisos, os
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, direitos estes que são estendidos
também aos trabalhadores avulsos. O parágrafo único do supracitado artigo
espe­cifica, mediante remissão numérica a cada inciso, quais dos direitos funda-
mentais gerais dos trabalhadores se estendem aos empregados domésticos.

* Artigo vencedor do 2º lugar no I Concurso Universitário da ABRAT.

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112  Felipe Prata Mendes

A proposta final da PEC nº 66/2012 era a de concessão de mais dezesseis


direitos aos empregados domésticos, que foram integralmente aprovados, so-
mando-se aos direitos já garantidos anteriormente a esses trabalhadores. Entre
os direitos concedidos, estão a duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e 44 semanais e a remuneração do serviço extraordinário superior
em, no mínimo, cinquenta por cento à do normal.
As questões envolvendo a jornada de trabalho dos domésticos são as que
mais geram discussões, uma vez que inúmeros empregados pertencentes a essa
categoria laboram acima da duração limite estabelecida pelo texto constitucio-
nal. Portanto, esta é, seguramente, a novidade que tende a gerar mais conflitos na
relação de emprego doméstico.
Diante da importância do tema, o presente artigo tem como finalidade expor
de que modo as inovações relacionadas à limitação de jornada se aplicam ao do-
méstico. O objetivo, porém, não se limita à apresentação de como se operam essas
mudanças no âmbito da relação entre empregados e empregadores; almeja-se,
também, analisar de modo crítico a aplicação aos domésticos das normas referen-
tes à jornada de trabalho, questão essa que perpassa pela apreciação do contexto
em que a EC foi aprovada, das consequências práticas geradas aos empregados e
empregadores e dos instrumentos disponíveis de controle de jornada.

1  Empregados domésticos
De acordo com o disposto no art. 1º da Lei nº 5.859/1972, empregado do­
més­tico é a pessoa física que presta serviços de natureza contínua e finalidade não
lucrativa, à pessoa ou à família, no âmbito residencial desta.
Destrinchando esse conceito, percebe-se, primeiramente, que um dos re­qui­
sitos para a caracterização do vínculo de emprego doméstico é a continuidade.
A Lei nº 5.859/1972, no art. 1º, optou pela utilização da expressão “natureza con-
tínua”, ao invés da expressão “natureza não eventual”, constante do art. 3º da CLT.
Essa distinção terminológica dá origem a duas correntes.1
A primeira corrente, defendida por Sérgio Pinto Martins,2 considera que não
tem relevância essa distinção e que os parâmetros de identificação do exercício de
um trabalho contínuo são os mesmos para o trabalho não eventual, estabelecido
pela CLT. Segundo essa corrente, para a existência do requisito da continuidade,

1
CASSAR. Direito do trabalho.
2
MARTINS. Direito do trabalho, p. 135.

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A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos empregados domésticos  113

o importante é que haja uma necessidade constante da mão de obra do traba-


lhador, que é evidenciada pela repetição da prestação do serviço durante todo
o vínculo empregatício. Os doutrinadores defensores dessa posição entendem
que aquele que trabalha uma vez por semana, por quinzena ou por mês atende à
exigência da continuidade, podendo ser considerado como doméstico.
A segunda corrente (encabeçada por autores como Alice Monteiro de Barros,
Valentin Carrion e Mauricio Godinho Delgado), à qual nos alinhamos, considera
que não foi casual a diferenciação, haja vista que a noção de trabalho habitual
ou não eventual estabelecida pela CLT está vinculada à atividade empresarial e
suas finalidades, ao passo que o empregador doméstico não explora atividade
econômica com fins lucrativos, pois não é empresa.
Nesse sentido, o exercício de trabalho “contínuo” diz respeito ao seu signi-
ficado linguístico, ou seja, remonta à ideia de um trabalho exercido sem inter-
rupção. Portanto, a continuidade exige que os serviços sejam prestados com
frequência maior do que a habitualidade ou não eventualidade. Um professor,
por exemplo, não deixa de ser empregado urbano por ministrar aulas uma vez
por semana. Com o doméstico, é necessário, para a caracterização do vínculo, que
o trabalho seja exercido sem interrupção.
Quanto à finalidade não lucrativa, ressalta-se que, a partir do ponto de vista
do tomador de serviços, o trabalho não pode ter finalidades comerciais ou indus-
triais. O empregador não pode visar à obtenção de lucro a partir do trabalho do
empregado, senão deixa de haver o vínculo de emprego doméstico.
Nesse ponto, a controvérsia que emerge diz respeito ao fato de que a CLT,
no art. 7º, “a”, define o empregado doméstico como aquele que exerce atividade
não econômica, enquanto que a Lei nº 5.859/1972 utiliza o termo “atividade não
lucrativa”. Atividade econômica é toda circulação de bens e serviços, enquanto
que atividade lucrativa é toda circulação de bens e serviços organizados com fins
lucrativos.
Uma primeira corrente (nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimento,3 Délio
Maranhão4 e José Augusto Rodrigues Pinto5) entende que o exercício atividade
econômica, mesmo sem fins lucrativos, descaracteriza o vínculo de emprego
doméstico. Nesse caso, o trabalhador seria um empregado urbano. Todavia, não
concordamos com essa corrente, porquanto o empregador doméstico não pro-
mover a exploração de atividade lucrativa, mas não há óbice para que utilize a

3
NASCIMENTO. Iniciação ao direito do trabalho, p. 270.
4
MARANHÃO; CARVALHO. Direito do trabalho, p. 78.
5
PINTO. Curso de direito individual do trabalho, p. 113.

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114  Felipe Prata Mendes

força de trabalho de seu empregado para atividades econômicas não lucrativas.


A confecção de “quentinhas” para a entrega em uma instituição de caridade, por
exemplo, é atividade econômica não lucrativa.
Afirmar que o trabalhador doméstico presta serviços à pessoa ou à família
implica em duas considerações. Primeiro, redunda no fato de que não há pessoa
jurídica na relação de emprego doméstico. Tanto empregador como empregado
são pessoas físicas. Segundo, o vínculo de emprego doméstico não é caracteriza-
do pela função exercida; o relevante, aqui, é analisar para quem a pessoa trabalha.
Uma cozinheira, por exemplo, não é empregada doméstica somente pelo fato de
exercer essa função. Ela só será enquadrada como doméstica se prestar serviços
para a pessoa ou a família, e se respeitar os outros requisitos exigidos pelo art. 1º
da Lei nº 5.859/1972.

2  Principais implicações da EC nº 72/2013 quanto à jornada de


trabalho dos domésticos
2.1 Jornada
A noção de jornada representa a duração do trabalho em um dia. Segundo
Sérgio Pinto Martins,6 jornada “diz respeito ao número de horas diárias de traba-
lho que o trabalhador presta à empresa”. É comum a jurisprudência e a doutrina
utilizarem a locução “jornada de 8 horas diárias”, o que implica em uma redundân-
cia, pois jornada significa duração do trabalho diário.
A EC nº 72/2013 estendeu a aplicação do art. 7º, XIII, da CF aos empregados
domésticos. Estes, portanto, passam a ter a jornada de trabalho limitada a 8 horas
diárias e 44 horas semanais. O trabalho acima desses limites é considerado como
extraordinário.
Segundo o disposto no art. 59 da CLT, a duração do trabalho pode ser acres-
cida de, no máximo, 2 horas extraordinárias, através de acordo escrito entre em-
pregado e empregador ou de norma coletiva. Entretanto, se o empregado labo­rou
além do limite máximo de horas excedentes previstas em lei, ele possui o direito de
ser remunerado por todas as horas trabalhadas.
A remuneração do serviço extraordinário deve ser, no mínimo, 50% superior
à remuneração da hora normal. É o que determina o art. 7º, XVI, da CF, que também
foi estendido aos empregados domésticos após a EC nº 72/2013.

6
MARTINS. Direito do trabalho, p. 437.

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A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos empregados domésticos  115

O dispositivo utiliza o termo “no mínimo” porque nada impede que norma
coletiva ou mesmo um acordo entre empregado e empregador estabeleça uma
remuneração de horas extraordinárias acima de 50% superior ao valor da hora
normal. Vigora, nesse ponto, os princípios da norma mais favorável e da condição
mais benéfica. O que se veda é a remuneração abaixo do mínimo estabelecido
pela CF.

2.2  Aplicação das normas da CLT quanto à duração do trabalho e


eficácia dos direitos constitucionais dos domésticos
O art. 5º, §1º, da CF estabelece que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Os direitos colocados no art. 7º,
parágrafo único, da CF (direitos dos empregados domésticos) são direitos funda-
mentais. Nesse sentido, é obrigação do intérprete remover todos os obstáculos à
efetividade desses direitos constitucionalmente assegurados.
A EC nº 72/2013 conferiu aos domésticos o direito ao limite de jornada de
trabalho e ao pagamento de horas extras. Isso significa que o capítulo da CLT
“Da Duração do Trabalho” aplica-se aos empregados domésticos no que houver
compatibilidade.
Nas palavras de Cassar:

Para cumprir a ordem emanada do art. 5º, §1º, da Carta, que determina
a aplicação imediata dos direitos fundamentais daquele capítulo, den-
tre eles os direitos dos domésticos, o hermeneuta, ao analisar as normas
infraconstitucionais que excluem o trabalhador doméstico de sua apli-
cação total, que regulam os novos direitos concedidos aos domésticos,
deve empregar-lhes uma interpretação em conformidade com a Cons-
tituição, para dar efetivação àqueles direitos ainda não regulamentados.
Para tanto, o exegeta deve utilizar temporariamente as regras contidas na
CLT (ou na lei ordinária que regula o direito), desde que compatíveis, para
dar instrumentalidade àqueles direitos.7

A exegese adequada para dar efetividade à determinação constitucional é


a aplicação temporária, até que a lei do doméstico regule de modo específico, de
alguns dispositivos da CLT ou de leis ordinárias, a fim de atender ao comando do
art. 5º, §1º, da CF.
Feitas essas considerações, percebe-se que o doméstico tem direito aos inter-
valos intrajornada e interjornada.

7
CASSAR. Direito do trabalho, p. 352.

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116  Felipe Prata Mendes

O intervalo intrajornada é aquele concedido dentro da mesma jornada de


trabalho. Esse intervalo não é computado como tempo de serviço. Para os traba-
lhadores que laboram por até 4 horas, não é obrigatória a concessão do intervalo.
Aos que trabalham mais de 4 horas e desde que esse trabalho não exceda de 6
horas, deve ser concedido intervalo de 15 minutos. Os trabalhadores que laboram
mais de 6 horas têm direito a gozar de um intervalo de no mínimo 1 hora e no
máximo 2 horas. Não é permitida a redução desse intervalo através de acordo
individual ou norma coletiva.
Não há óbice de aplicar aos domésticos o art. 4º da CLT, que determina consi-
derar como tempo de efetivo trabalho aquele que o empregado está à disposição
do patrão, esperando por ordens ou não. Nesse sentido, os intervalos concedidos
e não previstos em lei representam tempo à disposição do empregador, sendo,
portanto, computados na jornada de trabalho do empregado.
O intervalo interjornada também se aplica aos domésticos. Esse intervalo é
aquele concedido entre duas jornadas de trabalho distintas. Pelo art. 66 da CLT,
o lapso temporal mínimo de intervalo interjornada é de 11 horas consecutivas.
Colocamos aqui o exemplo dos intervalos pela importância prática do insti-
tuto no que tange à duração do trabalho, mas o mesmo raciocínio se aplica a outros
direitos estabelecidos na CLT, como as horas in itinere e o contrato por tempo parcial.
Vale ressaltar que não almejamos, ao defender as ideias aqui estabelecidas,
uma aplicação integral da CLT aos empregados domésticos, até porque não se
pode olvidar do disposto no art. 7º, “a”, da CLT. Todavia, existem fundamentos per-
tinentes para que se estendam aos empregados domésticos alguns artigos da CLT.
Segundo Carrion:

Os direitos que a Constituição concedeu genericamente aos domésticos


devem ser aplicados com a regulamentação das leis que já os contem-
plam. É verdade que as leis ordinárias que necessitam de regulamen-
tação somente entram em vigor na data em que esta ocorrer. Mas com
as nor­mas constitucionais não se pode dar o mesmo, a não ser que haja
condicionamento expresso diferido ou exista absoluta impossibilidade
material de atuação efetiva. É que o vazio regulamentador da lei não é
tão tolerável como o da Constituição, pela maior imperatividade desta
última sobre a primeira.8

A aplicação aos domésticos de alguns dispositivos da CLT visa concretizar


os dispositivos contidos na Carta Magna que veiculam direitos fundamentais da-
queles trabalhadores.

8
CARRION. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 43-44.

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A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos empregados domésticos  117

2.3 Compensação
Tendo em vista a aplicabilidade imediata dos direitos dos empregados
domésticos, pode-se afirmar que a compensação de jornada é instituto perfei-
tamente aplicável aos domésticos. Contudo, a questão da compensação merece
uma análise individualizada porque há dúvidas quanto à possibilidade de utili-
zação, em relação aos domésticos, do banco de horas, que é um dos tipos de
compensação de jornada.
O sistema de compensação de jornada se divide em compensação tradicio-
nal e banco de horas.9
A compensação tradicional é aquela em que se aumenta a jornada em um
dia ao passo em que esta é diminuída em outro dia, de modo que é obedecido o
limite semanal (44 horas) ou mensal (220 horas) estabelecido pelo ordenamento
jurídico. Segundo entendimento do TST (Súmula nº 85, I/TST), esse tipo de com-
pensação pode ser realizado por norma coletiva ou por acordo individual escrito.
A compensação tradicional somente não pode ser realizada por acordo individual
quando a norma coletiva proibir.
Já a compensação realizada através do banco de horas é aquela em que as
horas excedentes realizadas pelo trabalhador devem ser compensadas no inter-
valo de até um ano. Diferentemente do sistema de compensação tradicional, o
banco de horas só pode ser realizado através de norma coletiva. Por essa razão,
alguns autores defendem não ser aplicável esse regime de compensação aos em-
pregados domésticos. No entanto, entendemos pela possibilidade de aplicação
do banco de horas aos empregados domésticos, uma vez que essa questão deve
ser analisada em conjunto com outra modificação introduzida pela EC nº 72/2013.
Até a EC, o sindicato dos empregados domésticos não tinha legitimação
sindical, não podendo, por exemplo, realizar negociação coletiva ou cobrar con-
tribuição sindical. O sindicato dos domésticos era equiparado a uma associação.
Essa equiparação ocorria porque não era vislumbrado o indispensável paralelis-
mo sindical, uma vez que não existia sindicado dos empregadores domésticos.
Soma-se a isso o fato de que, quanto às normas coletivas, os dispositivos da CLT
não se aplicavam aos domésticos, por força do art. 7º, “a”, da CLT.
Todavia, a EC nº 72/2013 estendeu aos empregados domésticos o reconhe-
cimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. A efetivação de tais

9
A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo
coletivo ou convenção coletiva.

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118  Felipe Prata Mendes

direitos perpassa pela legitimação dos sindicatos das duas categorias (econô-
mica e profissional), através do registro no Ministério do Trabalho.
A partir do registro, todas as regras estabelecidas nos arts. 511 e seguin-
tes da CLT, devido à sua compatibilidade, podem ser aplicadas aos domésticos.
Com o reconhecimento das normas coletivas, é possível a aplicação do sistema de
banco de horas a esses empregados, visto que essas normas são o único meio de
implementação do regime de compensação anual (banco de horas).

3  Análise crítica da introdução do controle de jornada pela


EC nº 72/2013
Entendemos que é totalmente pertinente a extensão de alguns direitos
aos trabalhadores domésticos. A obrigatoriedade do FGTS, por exemplo, é um
avanço, uma vez que, em muitas situações, o trabalhador doméstico, após o rom-
pimento do contrato de trabalho, não possuía nenhum fundo capaz de garantir
condições de vida digna. Da mesma maneira, acreditamos ser pertinente a garantia
do seguro-desemprego, a fim de proteger o trabalhador doméstico demitido sem
justa causa.
Entretanto, temos grandes restrições com relação à limitação de jornada e
ao pagamento de horas extras sem levar em consideração as peculiariedades das
diversas espécies de domésticos. As críticas em relação a essa inovação introdu-
zida pela EC nº 72/2013 devem-se, especialmente, a dois fatores: a dificuldade na
realização do controle de jornada e a excessiva oneração do empregador domés-
tico, que pode ter como maior prejudicado o empregado, pois provavelmente
ocasionará o rompimento de muitos contratos de trabalho.
Quanto ao controle de jornada, pela própria natureza do vínculo de emprego
doméstico, há grande dificuldade em aferir se, efetivamente, aquele empregado
trabalha ou não em horas excedentes. Em muitas situações, o empregado domés-
tico passa o dia sozinho na residência, haja vista que o empregador costuma cum-
prir seus fazeres ao longo do dia fora de casa e só retorna ao final do mesmo.
A adoção de livro de ponto não é obrigatória, uma vez que, aplicando-se
subsidiariamente a CLT, percebemos que o uso deste só é obrigatório no caso das
empresas que possuem mais de 10 empregados, o que não ocorre em âmbito
doméstico.
Por outro lado, caso o empregador não adote qualquer forma de controle
de jornada do empregado (o que poderia fazer com respaldo legal), talvez os pre-
juízos para ele sejam ainda maiores, uma vez que há uma grande possibilidade de,

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A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos empregados domésticos  119

em uma demanda trabalhista, ser concedida ao empregado a inversão do ônus


da prova. Essa situação dificultaria ainda mais a situação do empregador, pois são
restritos os meios para provar a não realização de jornada excedente, prevalecendo,
nesses casos de impossibilidade de comprovação, a alegação do obreiro.
Mesmo que seja utilizado o controle, não há uma segurança plena para o
empregador, pois nada impede que sejam inverídicas as anotações referentes à
entrada, saída e pausa para o descanso. A dificuldade do controle à distância per-
mite esse tipo de situação. Uma alternativa seria a adoção de meios eletrônicos de
controle, mas o alto custo impede que muitas famílias adotem esse tipo de con-
trole. Todavia, esse tipo de controle não esbarra apenas no alto custo, pois pode
violar a dignidade e a privacidade do trabalhador, o que ocorreria, por exemplo,
com o uso de câmeras.
Além das dificuldades de controle, deve ser analisada também a excessiva
oneração do empregador com a introdução do limite de jornada e do pagamento
de horas extraordinárias aos domésticos, que, através de uma análise mais pro-
funda, pode implicar, paradoxalmente, em grandes prejuízos aos empregados.
Imagine-se que um trabalhador recebe R$1.000,00 de salário e labora 10 ho-
ras por dia, de segunda a sábado. Não pode o empregador, após a aprovação da
EC nº 72/2013, determinar que o empregado continue recebendo a mesma remu-
neração para trabalhar na mesma jornada pactuada anteriormente e que esse va-
lor corresponde às horas normais e às horas extras trabalhadas. Essa prática atenta
contra a irredutibilidade salarial, um dos princípios basilares do Direito do Trabalho.
Atualmente, muitos empregadores, como forma de compensar a ausência
de outros direitos garantidos aos empregados domésticos, pagam a eles um salá-
rio bem acima do mínimo. Com a aprovação da EC nº 72/2013, certamente inúme-
ros empregadores demitirão seus empregados domésticos que se encontravam
nessas condições, para contratar um trabalhador no lugar deles pagando o míni-
mo legal, de modo que a eventual realização de horas extras não abale ainda mais
o orçamento do tomador dos serviços. Portanto, essa aparente conquista pode
representar, na verdade, uma fictícia vantagem para os empregados domésticos.
Não se pode olvidar, também, o fato de que as famílias que não terão condi-
ções de arcar com os custos da mão de obra do doméstico optarão por incorrer na
informalidade, o que também acarretará em grandes prejuízos a esses trabalha-
dores. Essas famílias, forçadas a optar pela tangência à legalidade, estarão correndo
o sério risco de configurarem como demandadas em reclamações trabalhistas de
valores altíssimos, situação esta que poderá acarretar na perda dos bens móveis ou
até imóveis da família.

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120  Felipe Prata Mendes

4 Conclusão
A EC nº 72/2013, impulsionada por um propósito de justiça social, buscou
equiparar os direitos dos empregados domésticos aos direitos dos empregados
urbanos e rurais.
Entretanto, devem ser enxergadas com desconfiança as votações apressa-
das e aprovadas por unanimidade no Congresso Nacional, pois, em muitos casos,
o resultado é a aprovação de normas incompletas, resultantes da pressão política
e da opinião pública que, ao lado da frequente influência da mídia, impedem que
ocorram debates suficientes para a discussão das consequências que as normas
podem gerar na vida das pessoas.
A EC nº 72/2013 se encaixa no contexto apresentado acima. Não foram
devidamente estimadas as implicações que o estabelecimento da limitação de
jornada pode causar, assim como não foram ponderadas as diferenças existen-
tes dentro da categoria não homogênea dos trabalhadores domésticos. Podem-
se enquadrar como empregados domésticos a faxineira, a babá, o jardineiro, o
moto­rista particular, o cuidador de idosos, o marinheiro etc., e esses sujeitos fo-
ram submetidos a um tratamento unificado pela EC nº 72/2013, o que pode gerar
efeitos danosos tanto a tais sujeitos quanto aos intérpretes que cumprem o ofício
de aplicar as novas normas aos conflitos que reclamam decisão.
É imperioso que haja uma separação entre o que é, concretamente, o con-
junto de direitos dos domésticos após a EC nº 72/2013 e o posicionamento aqui
defendido em relação aos novos direitos introduzidos pela referida Emenda,
especialmente no que tange à limitação de jornada e ao pagamento de horas
extraordinárias.
Nesse sentido, é inegável que, tendo em vista a aplicabilidade imediata
das normas definidoras de direitos fundamentais, a partir do momento em que
a Constituição estabelece a limitação de jornada e a obrigação de pagamento
das horas suplementares, todas as normas referentes à duração do trabalho são
aplicadas aos empregados domésticos.
Todavia, isso não elimina o contexto em que a EC foi aprovada e as críticas
quanto ao estabelecimento da restrição da jornada de trabalho aos domésticos.
Deve ser dizimada a ideia de que o empregador doméstico é aquele que tem
muitos recursos e pode tranquilamente arcar com o aumento dos custos da mão
de obra. A maioria das pessoas tem empregados domésticos em casa por necessi-
dade e não por luxo. Portanto, não pode deixar de ser observado o ponto de vista
dessas pessoas. A tese aqui defendida, a despeito de sua aparente parcialidade à

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A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos empregados domésticos  121

primeira vista, funda-se em uma consideração de justiça que leva em consideração


todos os interesses envolvidos, do que é prova a percepção de que o aumento no
custo da mão de obra devido à limitação de jornada não prejudica só os emprega-
dores, mas assola também os empregados (que podem ser os maiores prejudica-
dos), pois correrão o risco de perderem seus empregos ou de se virem obrigados
a prestar serviços de modo informal e à margem da lei que, a princípio, aspira
protegê-los.

Referências
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de
outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao
compilado.htm>. Acesso em: 02 set. 2013.
BRASIL. Lei nº 5.859. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências.
Promulgada em 11 dez. 1972. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm>.
Acesso em: 03 set. 2013.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Método, 2013.
MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio Barbosa. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora
da FGV, 1993.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 27. ed. São Paulo: LTr, 2001.
PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2000.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MENDES, Felipe Prata. A Emenda Constitucional nº 72/2013 e a jornada de trabalho dos


empregados domésticos. Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas –
ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 111-121, jan./dez. 2014.

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O direito fundamental ao não trabalho
infantil e à educação em direitos humanos

Jair Teixeira dos Reis


Auditor Fiscal do Trabalho. Jurista e Professor Universitário.
Autor, entre outros, do livro Curso de direitos humanos
(Rio de Janeiro: Ferreira, 2012).

Resumo: A dignidade da pessoa humana é o ponto central que se busca na


proteção aos direitos das crianças, dos jovens e dos adolescentes. A Carta Polí-
tica de 1988 elevou à categoria de fundamento (princípio) do Estado Demo-
crático de Direito, em seu art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana, pois,
entre os fatores que dificultam a concretização dessa dignidade, podemos
destacar: a condição subordinada do trabalhador empregado, o desemprego
e a exploração do trabalho infantil em detrimento da educação. A vulnerabi-
lidade do trabalhador menor persiste ao longo da história do trabalho da
criança e do adolescente no Brasil, pois já se impregnou em nossa cultura
os seguintes mitos de defesa do trabalho infanto-juvenil: “É natural o pai en-
sinar o trabalho para o filho”, ou “É melhor a criança trabalhar do que ficar
na rua exposta ao crime e aos maus costumes”, e, ainda, “trabalhar educa o
caráter da criança”, ou “É bom a criança ajudar na economia da família”, tradu-
zindo, assim, a noção fortemente arraigada de que “trabalho é solução para
a criança” (MEDEIROS NETO, 2013).

Palavras-chave: Educação. Dignidade. Proteção. Direitos humanos.

Sumário: 1 Introdução – 2 Dimensões dos direitos humanos – 3 Marco legal


da proteção ao não trabalho infantil – Referências

1 Introdução
Os direitos humanos são direitos de primeira, segunda e terceira gerações
ou dimensões, ampliando sua extensão, originalmente enraizada no campo dos
direitos e garantias individuais para se estender na discussão dos direitos sociais e
difusos. Os direitos humanos, caracterizados em sua revisão teórica como “indisso-
ciáveis da pessoa humana”, universais, inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis

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124  Jair Teixeira dos Reis

e inter-relacionados, assumem uma dimensão bastante ampla, compartilhada


como bem comum da humanidade e incluindo aspectos valiosos da dignidade
humana, tais como o trabalho. Aqui, podemos nos referir também ao direito fun-
damental ao não trabalho, em determinado momento da vida do cidadão, cujo
objetivo é preservar a formação física, educacional, lazer e convivência familiar.
Ao ser publicada, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
amplia os documentos anteriores, especialmente a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, formulada na Revolução Francesa de 1789, baseados na
defesa de direitos individuais de cidadãos que principiavam, na época, a constru-
ção da cidadania em contraponto ao poder tirânico de Estados despóticos. São
princípios norteadores da elaboração e consolidação do Estado Democrático de
Direito, sob o qual se assenta a discussão dos direitos humanos. Mas na decla-
ração de 1948, que busca reconstruir direitos humanos rompidos pelas guerras
mundiais, recebe dimensão mais ampla, incorporando novas gerações de direi-
tos que acompanham a evolução da cidadania e da democracia. Consolida-se
hoje como integrante da Carta Internacional dos Direitos do Homem, junto com
o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e com o
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 e seus dois proto-
colos facultativos.

1.1  Histórico do trabalho infantil


1.1.1  Contexto internacional
Lecionam Araújo Júnior e Maranhão (2010, p. 46) que o trabalho do menor
é fenômeno antigo. Basta dizer que já no Código de Hamurabi (1.700 a.C.) podem
ser encontradas normas que regem o labor infantil. Na Grécia e em Roma, os fi-
lhos dos escravos também eram propriedade dos senhores, sendo obrigados a
trabalhar para o dono ou qualquer pessoa por ele indicada. Por sua vez, na Idade
Média, com as Corporações de Ofício, o menor trabalhava sem nenhum salário ou
proteção (grifos nossos).
Ainda de acordo com Araújo Júnior e Maranhão (2010, p. 46), foi com o ad-
vento da Revolução Industrial (século XVIII), propiciadora da implantação de um
inaceitável quadro de desumana exploração da classe trabalhadora, que o tema
da tutela do trabalho infantil começou a ganhar ares inquietantes.
A legislação tutelar do menor tem início justamente na Inglaterra, com o
Ato da Moral e da Saúde, de 1802, que reduziu a jornada de trabalho em 12 horas
e proibiu o trabalho noturno do menor nas oficinas dos povoados, proteção essa

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O direito fundamental ao não trabalho infantil e à educação em direitos humanos  125

mais tarde estendida às cidades em 1819, com a Lei Cotton Mills Act, que limitou a
idade mínima para o trabalho em 9 anos (BARROS, 2013, p. 434).
Em 1959, na Assembleia Geral da ONU, foi lançado um instrumento jurí­
dico internacional de proteção do trabalho da criança, trata-se da Declaração dos
Direitos da Criança, em que ficou prescrito que a criança gozará de proteção espe-
cial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros
meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade.
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi aprovada, por unanimidade,
em 1989, em Assembleia Geral das Nações Unidas. Nesse instrumento internacio-
nal ficou registrado que a criança tem o direito de ser protegida contra qualquer tra-
balho que ponha em perigo a sua saúde, a sua educação ou o seu desenvolvimento.
O Estado deve fixar idades mínimas de admissão no emprego e regulamentar as
condições de trabalho (art. 32 da Convenção).

1.1.2  Contexto nacional


Desde seu “descobrimento”, o Brasil avançou radicalmente em sua economia,
passando por muitas fases político-administrativas e vários foram os momentos
históricos vividos pelas crianças e adolescentes brasileiros, para hoje serem reco-
nhecidos como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento.
Acompanhando as ideias internacionais, o ordenamento jurídico brasileiro
teve uma significativa mudança na área trabalhista com a criação da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), instituída através do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943, que nos seus artigos 402 a 410 apresentam disposições sobre as
condições de trabalho do menor de 18 anos de idade.
Várias Constituições foram promulgadas e muitas leis infraconstitucionais
foram criadas, e principalmente com a Constituição da República Federativa do
Brasil (CRFB/88), promulgada em 05 de outubro de 1988, é que as crianças e os
adolescentes foram reconhecidos como sujeitos de direitos, conforme se deter-
mina no art. 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao ado-


lescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig-
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

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126  Jair Teixeira dos Reis

Além disso, o inciso IV do art. 1º da CRFB/88 estabelece como fundamento os


valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, para garantir o bem-estar da família
e sociedade, contudo resguarda em seu art. 7º, inciso XXXIII, a proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a meno-
res de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
Por outro lado, com base na garantia constitucional prevista, foram promo-
vidos movimentos sociais1 acompanhados de debates no parlamento e, assim,
para resguardar e proteger os direitos da criança e do adolescente, foi instituído,
pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECriad), o qual em seu art. 4º disciplina que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pú-


blico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos refe-
rentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à con-
vivência familiar e comunitária.

A família é a célula da sociedade,2 portanto, deve cuidar dos seus infanto-­


juvenis com todas as peculiaridades que lhes são afetas, garantindo-lhes uma
vida digna com amor, saúde, alimentação, moradia, educação, segurança, lazer
etc., bem como outros direitos estabelecidos no art. 227 da Carta Política de 1988.
Como é sabido, crianças bem cuidadas e orientadas chegam seguras à sua adoles-
cência, refletindo de forma direta em sua vida de adulto.
Disso extrai-se que o Estado Democrático de Direito Brasileiro criou insti-
tutos (tais como os Conselhos Tutelares, Conselhos Municipais dos Direitos da
Criança e Adolescente) para a fiscalização/aplicação da lei. Outras instituições
como o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também estabelecem normas
executivas, como a Instrução Normativa nº 102, que resguarda os direitos traba-
lhistas e a dignidade dos infanto-juvenis, visando à preservação desses seres em
peculiar condição de desenvolvimento.
Para Barroso Filho (2010), as particularidades descritas no Estatuto da Criança
e Adolescente levam em conta a situação peculiar daqueles que estão ainda em

1
A exemplo: o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que surgiu em 1985
em São Bernardo do Campo, um importante centro sindical do país, e a Pastoral da Criança, cria-
da em 1983 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), envolvendo forte militância
proveniente dos movimentos sociais da igreja católica (Disponível em: <http://www.promenino.
org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/
Default.aspx>. Acesso em: 08 jun. 2013).
2
Art. 226 da CF/88. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

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desenvolvimento físico, mental, moral, social, espiritual e psicológico, sempre em


condições de dignidade da pessoa humana. É o que estabelece o princípio 2º da
Declaração dos Direitos da Criança de 1959.3
Segundo Reis,

[...] a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT esta-


belece, dentre outros aspectos, uma idade mínima para a entrada no
mercado de trabalho e determina algumas restrições para o trabalho de
crianças com menos de 14 anos.
A legislação brasileira relativa à regulamentação do trabalho infan-
til remonta ao ano de 1891, quando o Decreto nº 1.313 definia que os
menores do sexo feminino, com idade entre 12 e 15 anos e os do sexo
masculino, na faixa entre 12 e 14 anos, teriam uma jornada diária máxima
de 7 horas e fixava uma jornada de 9 horas para os meninos de 14 a 15
anos de idade. Até o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
– Decreto-Lei nº 5.453, em 1943, vários dispositivos regularam a idade
mínima para o trabalho, destacando-se o Primeiro Código de Menores da
América Latina, de 1927, que vedava o trabalho infantil aos 12 anos de
idade e proibia o trabalho noturno aos menores de 18 anos. A CLT tratou
da matéria de forma abrangente, definindo inicialmente a idade mínima
de 12 anos, alterando posteriormente para 14 anos, e estabelecendo as
condições permitidas para a realização. (REIS, 2011, p. 15-16).

O Estatuto da Criança e do Adolescente pauta-se pelos princípios da descen-


tralização político-administrativa e pela participação de organizações da socie-
dade, além de ampliar as atribuições do Município e da comunidade e restringir
as responsabilidades da União e dos Estados, pois aqueles estão mais próximos
às crianças, adolescentes e jovens, por isso têm mais condições para protegê-las.
O Estatuto revela-se como um conjunto de princípios e normas prescritos
pelo Estado brasileiro para a administração dos direitos da infância e da juven-
tude, considerados como prioridade nas ações estatais, haja vista serem nossas
sementes de futuro (BARROSO FILHO, 2013).
Como se percebe neste breve histórico, tamanha importância foi dada ao
acompanhamento do desenvolvimento das crianças e dos adolescentes no seio

3
A criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados
pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e
socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.
Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse
superior da criança.

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da sociedade. Todavia, os procedimentos de autorização do trabalho do adoles-


cente apresentam-se ainda com incoerência normativa, considerando o princípio
da proteção integral à criança e ao adolescente.

2  Dimensões dos direitos humanos


Para uma melhor compreensão deste capítulo, queremos registrar que, de
acordo com Henrique Savonitti Miranda (2007, p. 188-189), surgirão os termos
“gera­ções” ou “dimensões” dos direitos humanos. Todavia, entendemos que os
direitos humanos não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos,
conforme aspirações de cada ocasião, tendo esta consagração se dado de forma
progressiva e sequencial, nas cartas constitucionais, bem como em tratados. Isso
não quer dizer que tais direitos surgiram em sequência generacional. Pois o surgi-
mento de novos direitos não ocasionou a extinção ou revogação dos anteriores,
assim preferimos o termo “dimensão” por não ter ocorrido uma sucessão desses
direitos, afinal, atualmente, todos eles coexistem.
No mesmo sentido, para André Ramos Tavares (apud MIRANDA, 2007, p. 188-
189), até os dias atuais, podemos relacionar a existência de quatro dimensões de
direitos fundamentais. Note-se que a grande maioria da dogmática constitucio-
nalista prefere utilizar-se da expressão “gerações” para designar os vários grupos
de direitos trazidos a lume ao longo dos tempos. Todavia, cremos que a expressão
geração traz em seu bojo a ideia de renovação e sucessão, o que não ocorre com
os direitos fundamentais, pois o surgimento de novos direitos não exclui os ante-
riormente prestigiados, vindo, ao contrário, somarem-se a eles.
Conforme Alexandre de Moraes (2011, p. 25), modernamente, a doutrina
apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e
terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passa-
ram a ser constitucionalmente reconhecidos, e destaca a classificação de Celso
Bandeira de Mello (1995, p. 39-206):

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que


compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam
o princípio da liberdade, e os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com as liberdades
positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da igualdade, os
direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram
o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos

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O direito fundamental ao não trabalho infantil e à educação em direitos humanos  129

humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis,


pela nota de uma essencial inexauribilidade.

Reitera Moraes (2011, p. 25) que os direitos fundamentais de primeira gera-


ção são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas),
surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta. Já os direitos fundamentais
de segunda geração, que são os direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos
no início do século XX, que são os relacionados com o trabalho, o seguro social, a
subsistência, o amparo à doença, à velhice etc. Por fim, como direitos de terceira
geração, os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam
o direito a um meio ambiente equilibrado (dentre eles o meio ambiente do traba-
lho), uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação
dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigliar
(1997, p. 42), os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que
entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso.

2.1  O trabalho e as dimensões dos direitos humanos


Para Reis (2011, p. 17), o trabalho é tão antigo quanto o homem. Em todo
o período da pré-história, o homem é conduzido, direta e amargamente, pela
neces­sidade de satisfazer a fome e assegurar sua defesa pessoal. Ele caça, pesca
e luta contra o meio físico, contra os animais e contra os seus semelhantes, tendo
como instrumento as suas próprias mãos.
Segundo Reis, o vocábulo trabalho

pode ser definido como o esforço físico ou intelectual, gratuito ou one­


roso, em proveito próprio ou de terceiros com objetivo de produzir ou
desenvolver algum bem ou serviço.
Esforço físico ou intelectual – quer dizer o desprendimento de energia
física ou mental no desenvolvimento de algum bem ou a prestação de
algum serviço.
Gratuito ou oneroso – quer referir-se à existência ou não de uma contra­
prestação pecuniária ou em utilidades.
Em proveito próprio ou de terceiros – poderá ser efetivado para a própria
pessoa ou para outros (pessoas naturais ou jurídicas).
Com objetivo de produzir ou desenvolver algum bem ou serviço – O esforço
utilizado terá como finalidade a produção ou desenvolvimento de algum
bem ou prestação de algum serviço. (2011, p. 30)

No entender de Maria Áurea Baroni Cecato (2013), a Declaração dos Direitos


do Homem e do Cidadão (Declaração Francesa) de 1789, ícone do surgimento da

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primeira geração ou dimensão de direitos (os civis e políticos) é, ao mesmo tempo,


a demarcação da conquista da liberdade do trabalhador. Este passa a ser livre das
amarras das corporações de ofício e das imposições da servidão, pela adoção da
premissa de que a faculdade de trabalhar é um dos primeiros direitos do homem.
Com a aprovação da referida Declaração, de repercussão mundial, o trabalhador
deixa de ser objeto para ser sujeito de direitos (e obrigações). O contrato é a figura
jurídica que garante a manifestação de sua própria vontade e representa, ao mes-
mo tempo, a liberdade e o respeito que lhe é devido a partir de então, enquanto
cidadão. Ele passa a ter, ao menos em tese, a opção de trabalhar ou não, além da
escolha do seu tomador de serviços.
Revela Cecato (2013) que os pilares do direito coletivo (e particularmente da
liberdade de reunião e associação) são construídos a partir das lutas dos movi-
mentos sociais e da persistência dos trabalhadores, então motivados pelo en-
frentamento das deploráveis condições de trabalho nas fábricas da Revolução
Industrial. Assim, os direitos econômicos, sociais e culturais (segunda dimensão
de direitos) resultam do cotejo entre as ideologias liberal e socialista e refletem
as conquistas do trabalhador, então coletivamente organizado. Aí se encontra
a efetiva adoção de direitos laborais, assentada, entretanto, nos direitos civis e
políticos, que garantem a autonomia do trabalhador, primeiro individual e, em se-
guida, coletivamente, permitindo a atuação nos movimentos sociais e, mais espe-
cificamente, sindicais. Por outro lado, fica claro que, a partir de então, os grandes
contingentes humanos não serão mais pacíficos.
Já, os direitos de terceira dimensão no entender de Cecato (2013) — cole-
tivos e de solidariedade — também contemplam o trabalhador, tanto porque
consideram a indispensabilidade de meio ambiente saudável de trabalho, como
porque ampliam os direitos coletivos, mas, sobretudo, porque definem que a
pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento. Com efeito, do texto da
Declaração de 1986, da ONU, infere-se que a inclusão sociolaboral é componente
essencial do desenvolvimento.

3  Marco legal da proteção ao não trabalho infantil


A legislação brasileira, ao tratar do trabalho infantil, guarda consonância
com os preceitos estabelecidos na Carta Republicana de 1988, cujas normas in-
corporaram os postulados de proteção prescritos na Convenção dos Direitos da
Criança, adotada em 1989 pela Organização das Nações Unidas (ONU), e que fixa,
em seu artigo 32, as seguintes obrigações:

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O direito fundamental ao não trabalho infantil e à educação em direitos humanos  131

Artigo 32
Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida
contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer tra-
balho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja
nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espi-
ritual, moral ou social.
Os Estados Partes adotarão medidas legislativas, administrativas, sociais
e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente artigo.
Com tal propósito, e levando em consideração as disposições pertinentes
de outros instrumentos internacionais, os Estados Partes deverão, em
particular:
- Estabelecer uma idade ou idades mínimas para a admissão em empregos;
- Estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições
de emprego;
- Estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegu-
rar o cumprimento efetivo do presente artigo.

Assim estabeleceu a Lex Maior, no caput do art. 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à crian-


ça, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (grifos nossos)

Já, no art. 7º, inc. XXXIII, com a alteração dada pela Emenda Constitucional
nº 20/1998, a Magna Carta estabelece as seguintes vedações:
- Qualquer trabalho, a pessoas com idade inferior a 16 (dezesseis) anos, salvo
na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos; e
- Trabalho noturno, perigoso ou insalubre a pessoas com idade inferior a 18
(dezoito) anos.
Leciona Medeiros Neto (2013) tratar-se de norma essencial de natureza proi-
bitiva, com visível escopo protetivo e tutelar, estabelecendo o direito fundamental
ao não trabalho em certa época da vida do ser humano, e ao trabalho protegido,
no período seguinte do seu desenvolvimento, no objetivo de preservar a forma-
ção, educação, lazer e convivência familiar da criança e do adolescente, de modo
a impedir a ocorrência de prejuízos e abusos.
Ainda para o autor mencionado, há, assim, constitucionalmente, duas situa­
ções de proteção à criança e ao adolescente, em face do trabalho: em primeiro, a

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regra geral do direito ao não trabalho da pessoa com idade inferior a 16 anos; em
segundo, o direito ao trabalho protegido, a partir dos 16 até os 18 anos, e, excepcio-
nalmente, a contar dos 14 anos, na condição de aprendiz.

Referências
ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton; MARANHÃO, Ney Stany Morais. Considerações sobre o combate à
exploração do trabalho infantil: bosquejo histórico, proteção jurídica e realidade humana. In: NOCCHI,
Andréia Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (Org.). Criança, adolescente,
trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013.
BARROSO FILHO, José. Do ato infracional. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1º nov. 2001. Disponível
em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2470>. Acesso em: 24 maio 2013.
CECATO, Maria Áurea Baroni. Direitos humanos do trabalhador: para além do paradigma da Declaração
de 1998 da OIT. Disponível em: <http://www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/
educacao_em_direitos_humanos/21%20-%20Cap%202%20-%20Artigo%2013.pdf>. Acesso em:
06 out. 2013.
MEDEIROS Neto, Xisto Tiago. Trabalho infantil. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/
hp/8/docs/manual_prevencao_ao_trabalho_infantil_-_mprn.pdf>. Acesso em: 05 out. 2013.
MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito constitucional. 5. ed. Brasília: Senado Federal, 2007.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos 1º e 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
REIS, Jair Teixeira dos. Curso de direitos humanos. Rio de Janeiro: Ferreira, 2012.
REIS, Jair Teixeira dos. Direito da criança e do adolescente: questões trabalhistas infanto-juvenis.
Campinas: Lacier, 2011.
REIS, Jair Teixeira dos. Manual prático de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011.
VIGLIAR, José Marcelo. Ação civil pública. São Paulo: Atlas, 1997.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

REIS, Jair Teixeira dos. O direito fundamental ao não trabalho infantil e à educação em direitos
humanos. Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte,
ano 2, n. 2, p. 123-132, jan./dez. 2014.

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O Direito do Trabalho em crise – O caso
português

João Leal Amado


Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Palavras-chave: “Código genético” do Direito do Trabalho. Regras trabalhis-


tas. Lei n.º 23/2012. Contrato de trabalho.

Sumário: 1 Introdução – O “código genético” do Direito do Trabalho e a fle­


xibilização das regras trabalhistas – 2 Flexibilidade e “flexigurança” – 3 As
recentes reformas trabalhistas em Portugal – Considerações gerais sobre a
Lei n.º 23/2012, de 25 de junho – 4 A redução do valor das compensações
devidas ao trabalhador por ocasião da cessação (lícita) do contrato de tra­
balho – 5 A (re)definição das causas de despedimento patronal – Ampliação
do despedimento por “inadaptação” – 6 Conclusão – O Direito do Trabalho
em xeque?

Na verdade, a palavra “flexibilização” é flexível: pode ter um sentido


negativo ou positivo. Em geral, como a lei é mesmo rígida, protegendo o
empregado, toda vez que se fala em flexibilizar, o que se quer é mesmo
desproteger, precarizar. Como desse modo o poder da empresa aumenta,
“flexibilizar”, para o empregado, significa “endurecer”. Só mesmo por
exceção não é assim.1

1  Introdução – O “código genético” do Direito do Trabalho e a


flexibilização das regras trabalhistas
Seja-nos permitido começar por recordar algumas banalidades relativas ao
“código genético” do Direito do Trabalho. É sabido que esse ramo do ordenamen-
to surgiu como um direito regulador de uma relação essencialmente conflitual e

1
VIANA, Márcio Túlio. 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília, Tribunal Superior do
Trabalho, 2013. p. 122.

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134  João Leal Amado

estruturalmente assimétrica, como um direito de tutela dos trabalhadores subor­


dinados, como uma ordem normativa de compensação da debilidade fáctica
destes face aos respectivos empregadores. Um direito que, enquanto tal, não con-
fiava nos automatismos do mercado nem na liberdade contratual.
Este é, pois, um direito cuja função originária consistia em limitar a concor-
rência entre os trabalhadores no mercado de trabalho, evitando uma “corrida para
o fundo”, uma race to the bottom por parte destes, isto é, prevenindo uma “licita-
ção negativa” entre estes, motivada pela escassez de vagas de emprego. Daí a
tradicional e singular imperatividade do ordenamento juslaboral — o princípio
do favor laboratoris, o princípio da norma social mínima, etc.
Nas palavras de Arnaldo Süssekind, “o princípio protetor, ou da proteção do
trabalhador, erige-se como o mais importante e fundamental para a construção,
interpretação e aplicação do Direito do Trabalho. A proteção social aos trabalha-
dores constitui a raiz sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu
sistema jurídico”.2 O Direito do Trabalho era, pois, concebido como “Direito Social”,
como ramo do ordenamento jurídico destinado a assegurar o trabalho digno e a
civilizar a relação de poder que se estabelece entre os sujeitos da relação traba-
lhista. Como bem escreve José Augusto Rodrigues Pinto, “nisso, aliás, se revela o
verdadeiro leitmotiv do Direito do Trabalho. Não o motiva a relação de trabalho
subordinado só por si. Motiva-o, sobretudo, a preocupação de acomodar os sujei-
tos dessa relação a uma tutela social que a ponha a salvo de abusos capazes de
levar à utilização anti-social da energia humana”.3
Porém, como é igualmente sabido, os anos 70 do século passado assistiram
ao início da crise do Direito do Trabalho, começando desde então a avolumar-­
se o coro de críticas ao “monolitismo”, ao “garantismo” e à “rigidez” das normas
trabalhistas. O Direito do Trabalho vê-se então remetido para o banco dos réus,
é colocado no pelourinho,4 é acusado de irracionalidade regulativa e de produ-
zir consequências danosas, isto é, de criar mais problemas do que aqueles que

2
Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., Renovar, Rio de Janeiro-São Paulo-Recife, 2004, p. 111. Nota
esta que, não raro, avulta na própria definição de Direito do Trabalho fornecida pelos autores —
assim, por exemplo, Octavio Bueno Magano, para quem “o Direito do Trabalho define-se como
conjunto de princípios, normas e instituições aplicáveis à relação de trabalho e às situações
equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador” (Primeiras Lições de
Direito do Trabalho, 3.ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 10).
3
Tratado de Direito Material do Trabalho, LTr, São Paulo, 2007, p. 56.
4
A expressão é de Alain Supiot, “O direito do trabalho ao desbarato no ‘mercado das normas’”
Questões Laborais, n.º 26, 2005, p. 122.

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O Direito do Trabalho em crise – O caso português  135

resolve, em particular no campo económico e no plano da gestão empresarial


(é o chamado “efeito-boomerang” das normas juslaborais, grandes responsáveis,
diz-se, pelas elevadas taxas de desemprego).
Desta forma, no último quartel do séc. XX a flexibilização afirma-se como
novo leitmotiv juslaboral e o Direito do Trabalho passa a ser concebido, sobretudo,
como um instrumento ao serviço da promoção do emprego e do investimento,
como variável da política económica, mostrando-se dominado — quando não
obcecado — por considerações de eficiência (produtividade da mão-de-obra,
competitividade das empresas, etc.). O Direito do Trabalho atravessa, desde en-
tão, uma profunda crise de identidade, com a sua axiologia própria (centrada em
valores como a igualdade, a dignidade, a solidariedade, etc.) a ser abertamente
questionada. Fala-se, não sem alguma razão, numa autêntica “colonização econo-
micista” deste ramo do ordenamento jurídico.
A retórica discursiva em torno da flexibilidade mostra-se, porém, altamente
sedutora, sendo o clássico (e, dir-se-ia, historicamente ultrapassado) conflito social
entre empregadores e trabalhadores substituído pelo novo conflito entre insiders
(os trabalhadores com vínculo por tempo indeterminado e com emprego está-
vel) e outsiders (os desempregados e os que apenas dispõem de um emprego
precário, como os contratados a prazo e os falsos trabalhadores independentes).
Um Direito do Trabalho demasiado rígido e excessivamente garantístico seria, afi-
nal, o grande responsável por esta segmentação e pelo dualismo do mercado de
trabalho, criando uma fractura entre os que estão dentro e os que estão fora da
“cidadela fortificada” do direito laboral.
Vistas as coisas sob este prisma, a defesa dos interesses dos outsiders recla-
maria a eliminação dos direitos (ou melhor: dos privilégios) dos insiders. E o apetite
flexibilizador de alguns revela-se, por isso, insaciável — “sempre mais!”: sempre
mais mobilidade, sempre mais adaptabilidade, sempre mais desregulamentação,
tudo em nome das supostas exigências do sacrossanto e omnipotente “Mercado”,
concebido este como a Grundnorm de toda a ordem jurídica.5

5
Jorge Leite formula a questão, que apresenta como uma das mais angustiantes e dramáticas
questões da modernidade: como articular o mercado com o trabalho? Sujeitando este último às
exigências daquele? Regulando aquele tendo em conta as necessidades deste? Assiste-se hoje,
na opinião do autor, a uma espécie de “vingança dos mercados” e à “desvalorização do traba-
lho”, tendendo o Direito do Trabalho a desempenhar uma função de “frio instrumento de gestão
empresarial” — “A reforma laboral em Portugal”, Revista General de Derecho del Trabajo y de la
Seguridad Social, n.º 34, 2013.

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136  João Leal Amado

2  Flexibilidade e “flexigurança”
Flexibilidade. Trata-se, realmente, de uma palavra mágica, encantatória. Flexível
significa maleável, ágil, suave... vocábulos, todos eles, que emitem sinais positivos.
Flexível opõe-se a rígido — e o que é rígido é mau, o que é rígido parte-se. Mas
flexível também pode significar dócil, complacente, submisso. Neste sentido, flexível
opõe-se a firme — e o que é firme é bom, o que é firme não se dobra. Na verdade,
entre a maleabilidade e a docilidade vai uma distância não despicienda. Tal como
entre a suavidade e a complacência. Tal como, afinal, entre a rigidez e a firmeza.
Boa parte da polémica em torno do termo “flexibilidade” reside, assim, na
polissemia do mesmo, na diversidade de acepções — nem todas positivas — que
comporta. Ninguém quer, julga-se, um Direito do Trabalho rígido e áspero. Mas
alguns aspiram, parece, a um Direito do Trabalho mole e condescendente. Alguns
suspiram mesmo por um Direito do Trabalho frouxo. Alguns falam em flexibiliza-
ção, mas pensam em genuflexão... Ora, a nosso ver, um Direito do Trabalho renova-
do e flexível jamais poderá deixar de ser um Direito do Trabalho robusto e vigoroso.
De qualquer modo, é inegável que, nos nossos dias, a flexibilidade do mer-
cado de trabalho constitui um objectivo omnipresente e incontornável, assu-
mindo-se aquela, nas certeiras palavras de Riccardo Del Punta, como um valor
“sociologicamente pós-industrial e culturalmente pós-moderno”.6 Aliás, nesta
matéria surgiu mesmo um fulgurante neologismo à escala europeia — a chamada
flexigurança —, a qual, diz-se, assentaria numa espécie de “triângulo mágico” de
políticas de articulação e compatibilização entre (i) flexibilidade acrescida em
matéria de contratações e despedimentos (flexibilidade contratual, “de entrada
e de saída”), (ii) protecção social elevada (leia-se: adequada) no desemprego,
(iii) políticas activas de formação, qualificação e emprego, propiciando uma tran-
sição rápida e não dolorosa entre diversos empregos.7

6
“L’economia e le ragioni del diritto del lavoro”, Giornale di Diritto del Lavoro e di Relazioni
Industriali, n.º 89, 2001, p. 12.
7
A este propósito, vale a pena consultar o documento do Conselho de Ministros da União Europeia,
de 5 de Dezembro de 2007, intitulado Definição de princípios comuns de flexigurança na União
Europeia. Aí se identificam oito princípios comuns de flexigurança, lendo-se no ponto 1 que a
flexigurança é um meio para “criar mais e melhores empregos, modernizar os mercados de
trabalho e promover o trabalho de qualidade através de novas formas de flexibilidade e segurança
para aumentar a adaptabilidade, o emprego e a coesão social”, acrescentando o ponto 2 que “a
flexigurança implica a conjugação deliberada de mecanismos contratuais flexíveis e fiáveis,
estratégias abrangentes de aprendizagem ao longo da vida, políticas activas e eficazes para o
mercado de trabalho, e sistemas de protecção social modernos, adequados e sustentáveis”.

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O Direito do Trabalho em crise – O caso português  137

A flexigurança surge, pois, como um concentrado de flexibilidade e de segu-


rança — flexibilidade na relação laboral, no emprego; segurança no mercado de
trabalho, no desemprego —, em que a tradicional “protecção do emprego/esta-
bilidade do posto de trabalho” é sacrificada em prol da ideia de uma “mobilidade
protegida/segurança na vida activa”. Como se lê no ponto 5 da referida Definição
de princípios, “a flexigurança interna (no interior da mesma empresa) e externa
(entre empresas) são igualmente importantes e devem ser ambas promovidas.
Um grau suficiente de flexibilidade contratual deve ser acompanhado de segu-
rança nas transições entre empregos”.
Ou seja, em lugar de tutelar o emprego, promove-se a empregabilidade
do trabalhador. Numa sociedade “pós-moderna” dinâmica e altamente volátil,
marcada pelo risco, pela incerteza e pela instabilidade, tanto o emprego como
o desemprego são, por definição, situações transitórias, devendo a aposta residir
no empowerment (empoderamento) dos indivíduos, em ordem a que estes, sem
ansiedades existenciais, possam dar resposta aos desafios emergentes.8 Quanto
à flexigurança, o cerne do problema consiste em determinar a dosagem certa de
cada um dos elementos que compõem o respectivo conceito, em efectuar um
adequado trade-off entre flexibilidade e segurança.9 Aliás, a referida Definição de
princípios não deixa de alertar para que “a flexigurança requer uma boa relação
eficácia-custo na afectação de recursos e deverá manter-se plenamente compatí-
vel com a solidez e a sustentabilidade financeira dos orçamentos públicos” (ponto 8).
Daí a dúvida sobre se a flexigurança não representará, afinal, mais uma vã tentativa
de quadratura do círculo.

3  As recentes reformas trabalhistas em Portugal – Considerações


gerais sobre a Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho
Publicada no dia 25 de Junho de 2012 e tendo entrado em vigor no dia 1 de
Agosto desse ano, a Lei n.º 23/2012 deu corpo a mais uma reforma da legislação

8
Para uma reflexão crítica, Zygmunt Bauman, Tempos líquidos, Zahar, Rio de Janeiro, 2007. Diz-­
se, inclusive, que, no séc. XXI, lutar pela estabilidade do posto de trabalho vale tanto como lutar
por um lugar sentado a bordo do Titanic... Assim sendo, importaria, sobretudo, ensinar o traba-
lhador a nadar. Sendo certo, contudo, que, se a água estiver demasiado fria, também de pouco
lhe valerá saber nadar...
9
Sem que, todavia, se deva olvidar a sábia advertência de Mario Giovanni Garofalo: “Os direitos no
mercado, se não forem sustentados por direitos na relação, são escritos na água” (“Post-moderno
e diritto del lavoro – Osservazioni sul Libro verde ‘Moddernizare il diritto del lavoro’”, Rivista
Giuridica del Lavoro e della Previdenza Sociale, n.º 1, 2007, p. 141).

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laboral portuguesa. Trata-se de um diploma que, em parte, veio dar cumprimento


aos compromissos assumidos pelo Estado português no chamado “Memorando
da troika” (rectius, “Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de
política económica”) e que se escora em dois importantes acordos de concertação
social — o Acordo Tripartido para a Competitividade e Emprego, de 22 de Março
de 2011, celebrado antes do Memorando, e, já depois deste, o Compromisso para
o Crescimento, Competitividade e Emprego, de 18 de Janeiro de 2012.
Os objectivos que o legislador assinala a mais esta reforma da legislação
trabalhista são, dir-se-ia, os do costume, isto é, são aqueles que têm norteado
as sucessivas alterações legislativas introduzidas nesta matéria, em Portugal, nas
últimas décadas: promover a criação de emprego, combater a segmentação do
mercado de trabalho, aumentar a competitividade das empresas e melhorar a
produtividade laboral. Em ordem a atingir tais objectivos, pode dizer-se que toda
a reforma legislativa em apreço obedece a duas ideias-chave, isto é, assenta em
dois grandes eixos, a saber: o eixo da redução/compressão dos custos empre­
sariais e o eixo da ampliação das faculdades/poderes patronais de gestão da
mão-de-obra.
Em traços gerais, dir-se-ia que o “novo” e “reformado” Direito do Trabalho
parece, cada vez mais, converter-se numa mercadoria depreciada. No quadro da
grave crise orçamental que atravessamos e na verdadeira “economia de casino”
em que vivemos, o legislador parece actuar, em relação ao Direito do Trabalho,
utilizando uma estratégia simples: vende-o quase que ao desbarato, em ordem
a tentar atrair clientes, em ordem a acalmar os “mercados”, em ordem a cativar os
investidores, isto é, o capital. Trata-se de um fenómeno bem conhecido, inerente
ao processo de globalização capitalista que marca o nosso tempo e que, em paí­
ses como o nosso, está a ser acirrado pela crise: concorrência entre trabalhado-
res à escala universal, ênfase na competitividade das empresas, deslocalizações
transnacionais, dumping social... tudo isto e muito mais tem contribuído para
gerar o chamado “mercado dos produtos legislativos”, colocando os ordenamen-
tos jurídico-laborais nacionais em concorrência feroz, sob a égide dos mercados
financeiros — corrida à desregulamentação social, race to the bottom (não já,
note-se, dos trabalhadores, mas sim das legislações laborais) em ordem a garantir
a sobrevivência, a qual tende, logicamente, a redundar na proliferação dos “paraí­
sos sociais”...
Neste sentido, como alguém observou, a globalização capitalista represen-
tou tanto o triunfo das leis do mercado como a consagração do mercado das leis.

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O Direito do Trabalho em crise – O caso português  139

E, algo ironicamente, a crise dos mercados financeiros só parece ter vindo acentuar
esta tendência para o “darwinismo normativo” em matéria laboral.10
No plano das relações individuais de trabalho e quanto ao regime da extin-
ção do contrato, a reforma legal em apreço estrutura-se, sem dúvida, em torno de
dois vectores fundamentais: i) o relativo ao valor das compensações devidas ao
trabalhador por ocasião da cessação (lícita) do contrato de trabalho; ii) a questão
da (re)definição das causas de despedimento patronal. Por isso mesmo, iremos
centrar a nossa atenção nestes aspectos nucleares do diploma. Mas convém
sublinhar que a reforma em apreço não se cinge a estas matérias, antes percorre
diversos institutos jurídico-laborais, sempre, repete-se, numa óptica de contenção
de custos empresariais e de reforço dos poderes patronais. Passemos em revista,
ainda que de forma quase telegráfica, alguns exemplos, aqueles que, a nosso ver,
surgem como mais marcantes.

a) Banco de horas
O banco de horas consiste num mecanismo flexibilizador da organização
do tempo de trabalho, conferindo ao empregador o poder de alargar o período
normal de trabalho diário e semanal até certo limite (por exemplo, até duas ou até
quatro horas diárias, podendo atingir 50 ou 60 horas semanais), de acordo com as
conveniências da empresa. A compensação do trabalho assim prestado em acrés-
cimo poderá ser feita mediante diversas formas, seja através da redução equiva-
lente do tempo de trabalho, seja mediante pagamento em dinheiro, seja, até, na
sequência da nova lei, através do aumento do período de férias do trabalhador.
O instituto do banco de horas, que apresenta alguma similitude com a cha-
mada “adaptabilidade do tempo de trabalho”11 e que, numa óptica patronal, se
perfila como uma interessante alternativa ao trabalho suplementar, foi introduzido
na nossa legislação laboral pelo Código do Trabalho (CT) de 2009, não sendo, por-
tanto, uma novidade da Lei n.º 23/2012. Contudo, na sua redacção originária o CT
apenas permitia que este mecanismo fosse gerado e moldado mediante instru-
mento de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT). Só a autonomia colectiva

10
Amplamente, sobre esta “course au moins-disant social”, Alain Supiot, L’esprit de Philadelphie: la
justice sociale face au marché total, Éditions du Seuil, 2010, passim. Entre nós, por último, António
Casimiro Ferreira, Sociedade da Austeridade e direito do trabalho de exceção, Vida Económica,
Porto, 2012, pp. 109-115.
11
Sobre a distinção entre os dois institutos, por todos, Catarina Carvalho, “A desarticulação do
regime legal do tempo de trabalho”, Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho?,
Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 395-400.

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140  João Leal Amado

poderia, pois, dar vida a este instituto; o IRCT era, decerto, condição suficiente,
mas era também condição sine qua non para que o empregador pudesse implan-
tar o esquema do banco de horas (art. 208.º do CT, redacção originária). Ora, a Lei
n.º 23/2012 veio alterar substancialmente esta situação, visto que agora, a par do
chamado “banco de horas por regulamentação colectiva” (art. 208.º do CT, redac-
ção actual), são previstas duas outras modalidades: o “banco de horas individual”,
no art. 208.º-A, e o “banco de horas grupal”, no art. 208.º-B. Naquele caso, o regime
do banco de horas pode ser instituído por acordo entre o empregador e o tra-
balhador, sendo certo que a lei facilita sobremaneira tal acordo, pois presume a
aquiescência do trabalhador à proposta patronal contanto que a ela não se opo-
nha, por escrito, nos 14 dias seguintes ao conhecimento da mesma. Neste último
caso, de “banco de horas grupal”, a lei vai ainda mais longe, dispensando o próprio
acordo do trabalhador caso se verifiquem determinados requisitos, na linha do
disposto em matéria de “adaptabilidade grupal” (art. 206.º do CT).
Ou seja, em nome da necessidade de moldar o regime do tempo de trabalho
de acordo com os ditames da economia globalizada, possibilitando às empresas
uma melhor utilização dos chamados “recursos humanos”, a lei enfraquece a auto­
nomia colectiva em matéria de banco de horas,12 permitindo que este esquema
de organização temporal da prestação, o qual suscita delicados problemas em
matéria de respeito pelo período de descanso e de conciliação entre o trabalho
e a vida pessoal e familiar, seja criado por mero acordo interindividual ou, até,
prescindindo do acordo do trabalhador em causa, nas condições predispostas no
novo art. 208.º-B do CT. Competitividade empresarial oblige...

b) Trabalho suplementar
Em matéria de trabalho suplementar, as alterações são de vária ordem, mas
são, outrossim, de sentido único. Por um lado, elimina-se o direito a descanso
compensatório remunerado em caso de prestação de trabalho suplementar em
dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em dia feriado, nos termos
da nova redacção dos arts. 229.º e 230.º do CT (apenas se salva, neste domínio, o

12
Outros preferirão dizer: a lei destrói o monopólio da contratação colectiva nesta matéria... Dito
assim soa melhor, sem dúvida, mas a verdade é que colocar a contratação colectiva quase a par
do acordo individual e até da desnecessidade de acordo, no seio de uma relação estruturalmente
assimétrica como é a relação de trabalho, corresponde, em rectas contas, a debilitar a eficácia da
contratação colectiva nesta sede. Em sentido próximo, João Reis, “Troika e alterações no direito
laboral colectivo”, O Memorando da Troika e as Empresas, IDET, Colóquios, n.º 5, Almedina,
Coimbra, 2012, p. 155.

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trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal obrigatório). Por outro


lado, em sede de acréscimo retributivo devido ao trabalhador pela prestação de tra-
balho suplementar, tudo é reduzido a metade: os anteriores acréscimos de 50%, 75%
ou 100% volvem-se em acréscimos de 25%, 37,5% ou 50%, de acordo com a nova
redacção do art. 268.º do CT. E os direitos do trabalhador são também reduzidos a
metade em caso de prestação de trabalho normal em dia feriado em empresa não
obrigada a suspender o funcionamento nesse dia: em tal hipótese, antes o traba-
lhador tinha direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de
100% da retribuição correspondente; agora tem direito a descanso compensatório
com duração de metade do número de horas prestadas ou a acréscimo de 50% da
retribuição correspondente (art. 269.º do CT)... Palavras para quê?

c) Feriados
No que diz respeito aos feriados obrigatórios, a comparação entre a velha e
a nova redacção do art. 234.º do CT revela que foram suprimidos quatro: Corpo
de Deus, 5 de Outubro, 1 de Novembro e 1 de Dezembro. Esta eliminação só pro-
duziu afeitos a partir de 1 de Janeiro de 2013 (art. 10.º da Lei n.º 23/2012), não
deixando de impressionar, a nosso ver, a eliminação de feriados tão carregados de
simbolismo como o do dia 5 de Outubro (dia da implantação da República) ou o
do dia 1 de Dezembro (dia da restauração da Independência).
Acresce que, caso os feriados (ainda) subsistentes ocorram à terça-feira ou
à quinta-feira e o descanso semanal ocorra, como é frequente, ao sábado e/ou ao
domingo, o empregador poderá decidir encerrar a empresa ou o estabelecimento
no dia que ficar de permeio (segunda ou sexta-feira), sendo esse dia de encerra-
mento imputado/descontado nas férias dos trabalhadores (novo art. 242.º, n.º 2-b)
do CT) ou sendo esse dia compensado posteriormente pelo trabalhador, através
de trabalho extra que, todavia, não será considerado trabalho suplementar (novo
art. 226.º, n.º 3-g) do CT). Tudo com base na decisão unilateral do empregador e
em prol da sacrossanta competitividade empresarial...13
Registe-se ainda que, na hipótese de a empresa não encerrar e de o traba-
lhador faltar injustificadamente nesse dia intercalar (dando azo à suspeita de ter
feito a chamada “ponte”), tal falta injustificada, a mais de ser considerada uma
infracção disciplinar grave (art. 256.º, n.º 2, do CT), implicará a perda de retribui-
ção relativamente aos dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou

13
Segundo o n.º 3 do art. 242.º do CT, o empregador deverá informar os trabalhadores abrangidos
do encerramento a efectuar no ano seguinte, ao abrigo da mencionada al. b) do mesmo artigo,
até ao dia 15 de Dezembro do ano anterior.

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posteriores ao dia de falta (nova redacção do n.º 3 do art. 256.º do CT). Conquanto
se louvem no propósito de combater o absentismo, ambas as soluções legais são,
a nosso ver, de bondade duvidosa: considerar qualquer falta injustificada dada
nesse dia intercalar como uma infracção grave, sem curar dos motivos da concreta
falta em causa, atenta contra o princípio da justiça individualizante que informa
todo o direito disciplinar laboral; por outro lado, fazer abranger na perda de retri-
buição períodos de ausência que correspondem, legalmente, a períodos de inter-
rupção do trabalho (dias de descanso semanal, feriados), não deixa de constituir
uma solução violenta.

d) Férias
Em matéria de férias, a principal alteração introduzida prende-se com o res-
pectivo período de duração. É sabido que o CT de 2009, aliás na linha do estabele-
cido pelo CT de 2003, previa um regime legal diferenciado em função da maior ou
menor assiduidade do trabalhador no ano a que as férias se reportavam. Assim, o
período anual de férias teria a duração mínima de 22 dias úteis, mas aquele período
seria aumentado num máximo de 3 dias úteis em caso de inexistência de faltas ou
na hipótese de o trabalhador ter dado um número diminuto de faltas justificadas
no ano precedente. À luz da redacção inicial do art. 238.º do CT, as férias teriam,
por conseguinte, uma duração anual de 22, 23, 24 ou 25 dias úteis, consoante o
grau de assiduidade do trabalhador no ano a que as mesmas respeitavam.
Ora, neste ponto o legislador cortou cerce, eliminando o acréscimo legal de
até 3 dias e passando a prever, ne varietur, que o período anual de férias tem a du-
ração mínima de 22 dias úteis. Pela nossa parte, nunca simpatizámos com a solução
anterior, que aliás suscitava numerosos problemas interpretativos e aplicativos,14
mas não deixa de ser sintomático que o legislador, chamado a rever a norma, tenha
resolvido colocar a fasquia e tenha fixado a extensão legal do direito a férias no
menor dos períodos antes previstos — justamente, nos 22 dias úteis.
Os quatro pontos acima referidos bastam, pensamos, para esclarecer o leitor
sobre o sentido geral das alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012 no CT de
2009. Maior facilidade de recurso patronal ao esquema do banco de horas, condi-
ções menos onerosas para o recurso ao trabalho suplementar,15 menos feriados,
menos dias de férias...

14
A este propósito, seja-nos permitida a remissão para o que escrevemos no nosso Contrato de
Trabalho, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 283-287.
15
Note-se que, conferindo este trabalho suplementar menos direitos ao trabalhador que o preste
(a nível de descanso compensatório e de majoração retributiva), o mesmo implicará menos

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É certo que a revisão do CT abrangeu ainda outros importantes institutos


jurídico-laborais — é o caso, por exemplo, das numerosas alterações introduzidas
no regime da suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empre-
sarial. Mas não há dúvida de que o núcleo duro da reforma passou pela maté-
ria da cessação do contrato de trabalho, em particular pelo regime jurídico do
despedimento. O despedimento consiste, decerto, numa das formas de cessação
do contrato, numa ruptura do vínculo jurídico-laboral por iniciativa unilateral da
entidade empregadora. O despedimento é isso, mas é muito mais do que isso. O
despedimento, como bem assinalam Baylos Grau e Pérez Rey, é também um acto
de violência do poder privado.16 Justamente porque o despedimento se traduz —
também se traduz — num acto de violência do poder patronal/empresarial, saber
em que condições tal acto poderá ser legitimamente praticado pela entidade em-
pregadora e determinar as consequências patrimoniais do respectivo exercício na
esfera do trabalhador atingido constituem dois aspectos de suma relevância para
o ordenamento trabalhista. Como sublinham os autores acima citados, a violên-
cia do despedimento constitui um facto que não deixou de ser submetido a um
processo de “civilização democrática”17 por parte do Direito do Trabalho — esse
poder foi racionalizado, foi condicionado, foi procedimentalizado, foi formalizado,
foi limitado. Vejamos, então, quais foram as principais alterações introduzidas,
nesta matéria, pela Lei n.º 23/2012.

4  A redução do valor das compensações devidas ao trabalhador por


ocasião da cessação (lícita) do contrato de trabalho
Nos termos da redacção inicial do art. 366.º do CT, em caso de despedimento
colectivo o trabalhador tinha direito a receber uma compensação pecuniária, cujo
montante correspondia a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada
ano completo de antiguidade. A lei acrescentava que, em caso de fracção de ano,


custos para o empregador, que assim será mais tentado a utilizar tal instituto. O que, todavia,
parece contraproducente numa óptica de política de emprego: em lugar de criar mais postos
de trabalho e de contratar novos trabalhadores, assim reduzindo o desemprego, estas soluções
legais estimulam o empregador a sobreutilizar os trabalhadores já contratados...
16
“A empresa, através da privação do trabalho a uma pessoa, procede à expulsão dessa pessoa de
uma esfera social e culturalmente decisiva, vale dizer, de uma situação complexa em que, através
do trabalho, esta obtém direitos de integração e de participação na sociedade, na cultura, na
educação e na família. Cria uma pessoa sem qualidade social, porque a qualidade da mesma e
os referentes que lhe dão segurança na sua vida social dependem do trabalho” (El Despido o la
Violencia del Poder Privado, Editorial Trotta, Madrid, 2009, p. 44).
17
El Despido o la Violencia del Poder Privado, cit., p. 47.

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a compensação seria calculada proporcionalmente (art. 366.º, n.º 2), bem como
que essa compensação nunca poderia ser inferior a três meses de retribuição base
e diuturnidades (art. 366.º, n.º 3). E é sabido que esta regra definidora dos critérios
de cálculo da compensação valia para os casos de despedimento colectivo, mas não
apenas para esses casos. Com efeito, a norma em apreço aplicava-se igualmente
a outros tipos de hipóteses, por expressa remissão legal: em caso de despedimen-
to por extinção do posto de trabalho (art. 372.º), em caso de despedimento por
inadaptação (art. 379.º), em caso de caducidade do contrato por encerramento
total e definitivo da empresa (art. 346.º, n.º 5), em caso de despedimento após a
declaração de insolvência do empregador, em caso de extinção do contrato de
trabalho na sequência da cessação da comissão de serviço (art. 164.º), em caso de
resolução do contrato, pelo trabalhador, na hipótese de transferência definitiva
de local de trabalho que lhe causasse prejuízo sério (art. 194.º, n.º 5)...
Na economia do CT de 2009, a norma contida no art. 366.º assume, pois, um
valor matricial, tendo em conta as múltiplas remissões que o Código faz para a
mesma, as quais alargam substancialmente o seu âmbito de aplicação. Nos últi­
mos tempos, porém, esta norma tem sido objecto de sucessivas intervenções
cirúrgicas por parte do legislador, maxime através da Lei n.º 23/2012, a qual, a tra-
ço grosso, passou a estabelecer que o trabalhador despedido teria direito a uma
compensação correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por
cada ano completo de antiguidade, e, por último, através da Lei n.º 69/2013, de 30
de agosto, que emagreceu ainda mais esse direito do trabalhador, fazendo-o cor-
responder a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo
de antiguidade (actual redacção do n.º 1 do art. 366.º). Segundo o n.º 2 do mesmo
artigo, a compensação prevista no número anterior será determinada do seguinte
modo: i) o valor da retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador a con-
siderar, para efeitos de cálculo da compensação, não pode ser superior a 20 vezes
a retribuição mínima mensal garantida; ii) o montante global da compensação
não pode ser superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do
trabalhador (ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida); iii) o valor
diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da
retribuição base mensal e diuturnidades; iv) em caso de fracção de ano, o mon-
tante da compensação é calculado proporcionalmente.
Ou seja, num período temporal inferior a dois anos o critério de cálculo da
compensação devida aos trabalhadores despedidos modificou-se (leia-se: estrei-
tou-se) drasticamente: de 30 para 20, primeiro, de 20 para 12, depois; suprime-se
o tradicional limite mínimo, criam-se, em substituição, limites máximos... Estas

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são, julgamos, alterações muito significativas e bem sintomáticas da mudança de


rumo operada: enquanto a lei anterior se preocupava com a consistência mínima
do direito do trabalhador, a nova lei perspectiva este direito, sobretudo, como um
custo empresarial — e procura conter esse custo, embaratecendo o despedimento.
Mais uma vez, competitividade empresarial oblige...18

5  A (re)definição das causas de despedimento patronal – Ampliação


do despedimento por “inadaptação”
“Considera-se despedimento por inadaptação a cessação do contrato de
trabalho promovida pelo empregador e fundamentada em inadaptação super-
veniente do trabalhador ao posto de trabalho”, nos termos do art. 373.º do CT.
Quais são os sintomas dessa inadaptação? Os previstos no art. 374.º: redução con-
tinuada de produtividade ou de qualidade; avarias repetidas nos meios afectos
ao posto de trabalho; riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros
trabalhadores ou de terceiros. Quando alguma destas situações for determinada
pelo modo de exercício de funções do trabalhador e torne praticamente impos-
sível a subsistência da relação de trabalho, verificar-se-á a inadaptação do traba-
lhador (n.º 1 do art. 374.º).19
Aqui chegados, importa sublinhar que, à luz da redacção originária do CT,
o despedimento por inadaptação só poderia ter lugar desde que se verificassem,
cumulativamente, os seguintes requisitos, previstos no “velho” art. 375.º, n.º 1:
i) tivessem sido introduzidas, nos seis meses anteriores, modificações no posto
de trabalho; ii) tivesse sido ministrada formação profissional adequada às modi-
ficações do posto de trabalho; iii) tivesse sido facultado ao trabalhador, após a
formação, um período de adaptação de, pelo menos, 30 dias; iv) não existisse na
empresa outro posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação pro-
fissional do trabalhador; v) a inadaptação não decorresse de falta de condições de
segurança e saúde no trabalho imputável ao empregador.
Tal como se encontrava recortada na lei, a inadaptação do trabalhador não se
reconduzia, pois, a qualquer situação de inaptidão superveniente do trabalhador,

18
Sobre a aplicação no tempo destas novas regras, vd. o disposto no art. 5.º da Lei n.º 69/2013,
que procurou salvaguardar as expectativas dos trabalhadores, sobretudo as daqueles com maior
antiguidade na respectiva empresa. O próprio Memorando da troika, aliás, não deixou de ser
sensível a esta questão, ao sublinhar que as alterações a introduzir nesta matéria deveriam sê-lo
“sem redução dos direitos adquiridos”.
19
Para os trabalhadores afectos a cargos de complexidade técnica ou de direcção, a lei prevê um regime
próprio em sede de inadaptação (vd., a este propósito, os arts. 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 3, do CT).

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resultante da perda de faculdades profissionais deste.20 Pelo contrário: no caso da


inadaptação, o trabalhador permanecia apto (porventura tão apto como sempre)
para o desempenho das suas funções habituais; ele não deixava de ser capaz de as
realizar, de forma segura e competente; acontecia, apenas, que as funções ineren-
tes ao seu posto de trabalho haviam sido modificadas, maxime através da introdu-
ção de novas tecnologias ou de equipamentos baseados em diferente tecnologia;
e, neste novo e alterado contexto produtivo, o trabalhador não lograva adaptar-se
(reduzia a produtividade, baixava a qualidade da sua prestação, provocava avarias,
criava riscos para si e para os outros); ele não conseguia responder, com êxito, ao
desafio colocado pelas inovações tecnológicas; ele, repete-se, não perdera facul-
dades, mas as exigências produtivas tinham mudado e tinham aumentado — e ele,
aí, sucumbira. É sabido: quem não acompanha as mudanças fica, inapelavelmente,
para trás. E as mudanças, nos dias que correm, sucedem-se a um ritmo vertiginoso.
Em suma: quem não se adapta, morre!
De todo o modo, como a inadaptação, nos termos descritos, não radicava
num qualquer comportamento culposo do trabalhador, sendo resultante, em úl-
tima análise, de um factor que lhe era externo — as modificações introduzidas
pelo empregador no posto de trabalho —, compreende-se que esta figura sem-
pre tenha sido concebida como mais uma modalidade de despedimento baseado
em causas objectivas (“despedimento tecnológico”), com traços regimentais simi-
lares aos do despedimento colectivo e por extinção de posto de trabalho.
Vale a pena, a este propósito, atentar nas palavras e no seu significado, nos
conceitos e no seu conteúdo. Se consultarmos um dicionário, verificamos que
a palavra inadaptação significa isso mesmo: incapacidade para se modificar de
acordo com uma situação ou ambiente novo, diferente. Diz-se que é inadaptada,
por seu turno, uma pessoa que não se modificou de acordo com uma nova situa­
ção ou ambiente. Com este sentido, a inadaptação consiste numa modalidade
de despedimento introduzida no ordenamento jurídico português nos anos 90,
apresentando um radical duplamente objectivo: prescinde da culpa do trabalha-
dor; requer (rectius, requeria) a introdução de modificações no posto de trabalho
(“despedimento tecnológico”).
Tratava-se, repete-se, de uma modalidade de despedimento que não abran-
gia as situações de inaptidão profissional do trabalhador. Mais uma vez, impõe-se
uma consulta ao dicionário. Que significam estas palavras? Inaptidão? Inapto? Por

20
Sobre a distinção, Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. II, Serviços Sociais da Universidade de Coimbra,
2004, p. 226.

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inaptidão entende-se a falta de capacidade, de predisposição para determinada


forma de actividade. Inapta, por sua vez, é uma pessoa que não tem propensão
ou capacidade para fazer alguma coisa. Estamos aqui, portanto, perante uma fi-
gura distinta da inadaptação, com um radical subjectivo — não no sentido de
pressupor a culpa do trabalhador, mas no sentido de estar exclusivamente ligada
ao trabalhador.
Ora, com a reforma legal em apreço, sucede que a inadaptação se dilata e se
metamorfoseia, passando a respectiva noção a recobrir as hipóteses de verdadeira
e própria inadaptação (na sequência da introdução de modificações no posto de
trabalho, criadoras de um novo quadro de prestação da actividade laboral, ao qual
o trabalhador não consegue adaptar-se), bem como os casos, qualitativamente
distintos, de autêntica inaptidão profissional (em que não existem modificações
no posto de trabalho, mas em que se regista uma alteração substancial da pres-
tação realizada, maxime com redução continuada de produtividade/qualidade,
com carácter definitivo).
Que dizer? Seja-nos permitido tomar de empréstimo o expressivo termo de
Mia Couto e dizer que estamos aqui, sem dúvida, perante um legislador “artima-
nhoso”. Aquilo de que se trata, em boa verdade, é de criar uma nova causa lícita de
despedimento por decisão do empregador. Porém, o legislador, talvez para tentar
contornar as previsíveis dificuldades de ordem constitucional — recorde-se que
o art. 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) proíbe os despedimen-
tos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos —, apresenta a nova
figura como se ela fosse uma simples variante do despedimento por inadapta-
ção. Operação semântica esta que, desde logo, força o sentido próprio da palavra
inadaptação. Com efeito, pergunta-se: neste caso, a que é que o trabalhador terá,
afinal, de se adaptar, se nada de novo surge no seu horizonte laboral? Repare-se
que, neste contexto, é logicamente impossível qualquer inadaptação do trabalha-
dor, pois nada há de novo, na empresa e no trabalho por si prestado, a que ele tenha
de se adaptar e a que, portanto, possa vir a revelar-se inadaptado. Preferimos, por
isso, cunhar esta hipótese, que o legislador apresenta como de inadaptação mas
que é de inaptidão, com um outro termo: “inadaptidão”. Se o legislador inventa,
nós talvez também possamos fazê-lo...
Operação semântica que, ademais, corresponde, em certas contas, a uma
transmutação da figura, redundando, a nosso ver, numa autêntica operação
de “prostituição conceitual”. Aquilo de que se trata, repete-se, é de transitar de
um verdadeiro e próprio despedimento por inadaptação, baseado em causas
objecti­vas e radicado na prévia introdução de modificações no posto de trabalho

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(maxime resultantes de modificações tecnológicas ao nível dos equipamentos


utilizados) para um despedimento por inaptidão profissional (incompetência,
desempenho insuficiente ou insatisfatório, baixa produtividade ou deficiente
qualidade da prestação, fraca performance...), baseado em causas subjectivas e
desligado da referida introdução de modificações no posto de trabalho.21 22

6  Conclusão – O Direito do Trabalho em xeque?


As alterações introduzidas no CT português representam, sem dúvida, mais um
sinal dos tempos, de tempos em que o Direito do Trabalho parece encontrar-se “em
saldo” — em ordem, diz-se, a reforçar a competitividade das empresas e a estimular
a criação de emprego. O Direito do Trabalho vai, assim, revendo em baixa as suas
ambições, vergado ao peso das crises, da globalização e da ideologia neoliberal hoje
reinante, a qual, nas palavras de Alain Supiot, “conduz a ver em todos os homens, no
pior dos casos, um custo que é preciso reduzir e, no melhor, um ‘capital humano’ que
é preciso gerir, isto é, um recurso, cuja exploração obedece a leis universais que se
impõem a todos”.23
Goste-se ou não, a verdade é que o “capitalismo de casino” que hoje domina
o mundo não é dado a compromissos como aquele que fez nascer e deu vigor ao
Direito do Trabalho. E as recentes reformas legislativas confirmam que este ramo
do Direito está cada vez menos centrado no trabalho e na pessoa de quem o presta
e cada vez mais na empresa e nos custos que esta tem de suportar. Nas certeiras
palavras de Márcio Túlio Viana, hoje é comum dizer: “Se os direitos pesam muito, a

21
Em sentido próximo, acusando o legislador “de criar, de modo mais ou menos camuflado por de-
trás da “cortina das palavras”, uma nova causa de cessação a qual de inadaptação só tem o nome e
que é o despedimento, sem necessidade de culpa do trabalhador, por redução de produtividade”,
Júlio Gomes, “Algumas reflexões sobre as alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei
n.º 23/2012, de 25 de Junho”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, Abr./Set. 2012, p. 591.
22
Nem por isso, contudo, as dúvidas sobre a eventual inconstitucionalidade da nova figura da
“inadaptidão” foram automaticamente superadas. Com efeito, era pacífico que o art. 53.º da CRP
tolerava despedimentos baseados em causas objectivas, ligadas à empresa (como é, no limite, o
chamado “despedimento tecnológico”), mas já era muito discutível que aquele preceito tolerasse
despedimentos baseados em causas subjectivas de carácter não infraccional/disciplinar (como é,
precisamente, o caso do “despedimento por inadaptidão”). Registe-se que na hipótese de a redu-
ção de produtividade derivar de uma conduta culposa do trabalhador tal poderá constituir motivo
para despedimento com justa causa, “por facto imputável ao trabalhador”, nos termos gerais (vd.,
a este propósito, o disposto no art. 351.º do CT, em particular na al. m) do seu n.º 2). Porém, no seu
Acórdão n.º 602/2013, o Tribunal Constitucional português analisou e discutiu a questão, tendo
concluído, por maioria, pela não inconstitucionalidade da nova figura da “inadaptidão”.
23
Homo Juridicus – ensaio sobre a função antropológica do direito, Instituto Piaget, Lisboa, 2006,
p. 99.

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empresa se fecha; se ela se fecha, o empregado perde o emprego; logo, o melhor


modo de proteger o empregado é tirar direitos”. E assim se vira de cabeça para
baixo a própria ideia de protecção...24
Pede-se, pois, a este ramo do ordenamento jurídico que abdique do seu
código genético e que seja, cada vez mais, um direito market friendly.25 Por este
andar, um dia destes revogamos o Código do Trabalho e substituímos esse “arcaís­
mo ideológico” por um genuíno e puro Código do Mercado Laboral, um corpo
normativo que regule, em moldes de suma eficiência, o processo de aquisição,
utilização e disposição da mercadoria força de trabalho... esquecendo, porém,
que esta é uma mercadoria “fictícia”, por indissociável da pessoa do seu detentor.26
Em jeito conclusivo, cremos ser algo falaciosa a tese segundo a qual a flexibili-
zação do direito laboral equivale, sic et simpliciter, a ganhos de eficiência do apare-
lho produtivo e, logo, a uma maior competitividade das empresas. A verdade é que,
até hoje, a ciência económica nunca conseguiu demonstrar a existência de uma
relação causal entre o nível de protecção do emprego e as taxas de desemprego.27
Porém, ainda que assim fosse, isto é, ainda que uma tal correlação viesse a
ser estabelecida sem margem para dúvidas, sempre conviria não perder de vista
que uma regra jurídica (em especial, uma regra jurídico-laboral) nunca poderá
encontrar um arrimo válido e bastante em meras considerações de eficiência,
sob pena de cairmos numa visão puramente mercantil do Direito e das suas fun-
ções. Na verdade, existem outros valores, de índole não económica (desde logo,
a dignidade do trabalho e da pessoa que o presta), que ao Direito do Trabalho
cabe preservar e promover - ontem como hoje. Ora, a preocupação com o traba-
lho digno e com a salvaguarda dos direitos humanos no trabalho não pode ser

24
70 anos de CLT, cit., p. 100.
25
No dizer de Avelãs Nunes: “O Direito do Trabalho, muitas vezes apresentado como Direito dos
Trabalhadores (porque inspirado no princípio do favor laboratoris, na proteção da parte mais
fraca na relação contratual entre capitalistas e trabalhadores) ou até como “direito contra a
exploração”, assume cada vez mais a sua verdadeira face de Direito dos Empresários” (“O Euro:
das promessas do paraíso às ameaças de austeridade perpétua”, separata do Boletim de Ciências
Económicas, FDUC, vol. LVI, 2013, pp. 23-24).
26
Sobre o tema, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva e Carlos Henrique Horn, “O princípio
da proteção: fundamento da regulação não-mercantil das relações de trabalho”, Revista OAB/RJ,
vol. 26, n.º 2, 2010, pp. 81-112.
27
A este respeito não podemos deixar de compartilhar o cepticismo de Umberto Romagnoli, expresso
na seguinte boutade: “A ideia segundo a qual, para ajudar e proteger todos os que procuram tra-
balho, é necessário ajudar e proteger menos quem tem trabalho, é filha da mesma maldade com a
qual se sustenta que, para fazer crescer cabelo aos calvos, é necessário rapar o cabelo a quem o tem”
(“Divagazioni sul rapporto tra economia e diritto del lavoro”, Lavoro e Diritto, n.º 3, 2005, p. 531).

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sobrelevada por uma pura lógica de produtividade laboral e de competitividade


empresarial.
A chamada “mão-de-obra” será, decerto, um factor produtivo, a conjugar
com os demais no todo que é a empresa. Mas, antes e acima disso, a mão-de-obra
são pessoas. Como alguém certa vez escreveu, o trabalho não existe, o que existe são
pessoas que trabalham. Pela nossa parte, cremos que o Direito do Trabalho terá
de ser flexível, mas flexível naquele sentido ideal, de “resistência tênsil”, apontado
por Richard Sennett: “Ser adaptável à mudança de circunstâncias mas sem ser que-
brado por ela”.28

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

AMADO, João Leal. O Direito do Trabalho em crise: o caso português. Revista da Associação
Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 133-150,
jan./dez. 2014.

28
A Corrosão do Carácter, Terramar, Lisboa, 2001, p. 73.

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O direito de greve existe ou não?

Jorge Luiz Souto Maior


Professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade
de Direito da USP. Juiz do Trabalho em Campinas.

Palavras-chave: Greve. Lei nº 7.783/1989. Legalidade da greve. Direto a


greve. Justiça do Trabalho

Tem-se assistido nos últimos meses, em âmbito nacional, um ataque gene-


ralizado contra as greves, fundado no argumento do respeito à legalidade. Mas, o
que tem havido, juridicamente falando, é a negação do direito de greve tal qual
insculpido na Constituição Federal:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores


decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que de­
vam por meio dele defender.

Verdade que a própria Constituição prevê que “a lei definirá os serviços ou


atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis
da comunidade” (§1º) e que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às
penas da lei”.
É óbvio, no entanto, que essas especificações atribuídas à lei não podem
ser postas em um plano de maior relevância que o próprio exercício da greve.
Em outras palavras, as delimitações legais, para atender necessidades inadiáveis
e coibir abusos, não podem ir ao ponto de inibir o exercício do direito de greve.
A aversão cultural à greve, difundida por setores da grande mídia, infeliz-
mente invadiu o próprio Poder Judiciário trabalhista, de tal modo a não permitir
a percepção de que mesmo a Lei nº 7.783/1989, que regulou com restrições que
já seriam indevidas se considerarmos a amplitude do texto constitucional, não foi
até o ponto de limitação ao qual o Judiciário tem chegado.
Deflagrada a greve, com respeito aos termos da legalidade estrita, ou seja,
por meio do sindicato, mediante assembleia e comunicação prévia, de 72 (setenta
e duas) horas, compete à entidade empregadora manter diálogo com os trabalha-
dores, como determina a lei, e não valer-se da via judicial para que esta dirima o
conflito.

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Essa postura de parcela da classe patronal brasileira, na qual se inclui, nota-


damente, os entes públicos, de se negar a dialogar com tra­balhadores em greve,
constitui ato antissindical, que é coibido pela Convenção 98 da OIT, ratificada pelo
Brasil, e merece, isto sim, repúdio do Judiciário.
Lembre-se de que o Brasil, mais de uma vez, foi repreendido pela OIT pela
inexistência de mecanismos específicos que impeçam as práticas antissindicais,
como se deu em 2007, quando professores, dirigentes do Sindicato Nacional
dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), ligados a várias universidades —
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Universidade Católica de Brasília
(UCB), Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) e Faculdade de Caldas Novas (GO) —
foram dispensados após participação em atividade grevista.
Indicando uma sensível mudança nesta postura do Judiciário frente ao
direito de greve, é oportuno destacar a recente decisão proferida pela Sétima
Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em ação civil pública movida pelo
Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e
Região (Processo nº RR 253840-90.2006.5.03.0140, Rel. Luiz Philippe Vieira de Mello
Filho), que condenou alguns Bancos (ABN AMRO Real S.A., Santander Banespa
S.A., Itaú S.A., União de Bancos Brasileiros S.A. – UNIBANCO, Mercantil do Brasil
S.A., Bradesco S.A., HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo e Safra S.A.) a pagarem
indenização à classe trabalhadora por terem utilizado a via judicial como forma
de impedir o exercício do direito de greve, o que foi caracterizado como conduta
antissindical.
Segundo consta da decisão do TST: “A intenção por trás da propositura dos
interditos era única e exclusivamente a de fragilizar o movimento grevista e difi-
cultar a legítima persuasão por meio de piquetes”.
Nos casos aludidos teria havido abuso de direito das entidades patronais,
ao vislumbrarem “o aparato do Estado para coibir o exercício de um direito fun-
damental, o direito dos trabalhadores decidirem como, por que e onde realizar
greve e persuadirem seus companheiros a aderirem o movimento”.
Aliás, várias são as decisões judiciais que começam a acatar de forma mais
efetiva e ampla o conceito do direito de greve, como se verificou, por exemplo, nos
Processos nºs 114.01.2011.011948-2 (1ª Vara da Fazenda Pública de Campinas);
00515348420125020000 (Seção de Dissídios Coletivos do TRT2); e 1005270-
72.2013.8.26.0053 (12ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo).
De tais decisões extraem-se valores como o reconhecimento da legitimidade
das greves de estudantes, dos métodos de luta, incluindo a ocupação, e do conteú­
do político das reivindicações, decisões estas, aliás, proferidas sob o amparo de uma

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decisão do Supremo Tribunal Federal, na qual se consagrou a noção constitucional


de que a greve é destinada aos trabalhadores em geral, sem distinções, e que a
estes “compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que
devam por meio dela defender”, sendo fixado também o pressuposto de que mes-
mo a lei não pode restringir a greve, cabendo à lei, isto sim, protegê-la. Essa decisão
consignou de forma cristalina que estão “constitucionalmente admissíveis todos
os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas,
greves de protesto” (Mandado de Injunção nº 712, Rel. Min. Eros Roberto Grau).
Trilhando o caminho dessa decisão, recentemente, o Min. Luiz Fux, também
do STF, impôs novo avanço à compreensão do direito de greve, reformando deci-
são do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no que tange ao corte de ponto dos pro-
fessores da rede estadual em greve. Em sua decisão, argumentou o Ministro: “A
decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar
os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja,
ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servi-
dores, verdadeira garantia fundamental” (Reclamação nº 16.535).
Além disso, a Justiça do Trabalho, em decisões reiteradas de primeiro e
segun­do graus, tem ampliado o sentido do direito de greve como sendo um “direi-
to de causar prejuízo”, extraindo a situação de “normalidade”, com inclusão do di-
reito ao piquete, conforme decisões proferidas na 4ª. Vara do Trabalho de Londrina
(Processo nº 10086-2013-663-09-00-4), no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª.
Região (Processo nº 0921-2006-009-17-00-0), na Vara do Trabalho de Eunápolis/BA
(Processo nº 0000306-71-20130-5-05-0511), todas sob o amparo de outra recente
decisão do Supremo Tribunal Federal, esta da lavra do Min. Dias Toffoli (Reclamação
nº 16.337), que assegurou a competência da Justiça do Trabalho para tratar de
questões que envolvem o direito de greve, nos termos da Súmula Vinculante n. 23,
do STF, integrando o piquete a tal conceito.
Esse parece ser o melhor encaminhamento jurídico frente ao direito de greve,
especialmente quanto à repartição das responsabilidades pela ocorrência da gre-
ve e a impossibilidade de o empregador manter sua atividade em funcionamento,
passando por cima do dever de negociar, valendo-se de mecanismos de pressão
e do trabalho dos “fura-greves”.
Se há dúvida a respeito, vejamos o que diz a lei.
Preceitua o art. 9º da Lei nº 7.783/1989 que “Durante a greve, o sindicato ou
a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou direta-
mente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o
propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável,

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154  Jorge Luiz Souto Maior

pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a


manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando
da cessação do movimento” (grifos nossos).
Resta claro, portanto, que deflagrada a greve, que é um direito dos trabalha-
dores, cumpre a estes e ao empregador, de comum acordo, definirem como serão
realizadas as atividades inadiáveis. As responsabilidades pelo efeito da greve não
podem ser atribuídas unicamente aos trabalhadores, até porque esses estão no
exercício de um direito. Aos empregadores também são atribuídas responsabili-
dades e a primeira delas é a de abrir negociação com os trabalhadores, inclusive
para definir como será dada continuidade às atividades produtivas.
Não pertence ao empregador o direito de definir sozinho como manter em
funcionamento as atividades. A manutenção das atividades do empregador, com
incentivos pessoais a um pequeno número de empregados, que, individualmente,
resolvem trabalhar em vez de respeitar a deliberação coletiva dos trabalhadores,
constitui uma ilegalidade, uma frustração fraudulenta ao exercício legítimo do direito
de greve.
Ou seja, para a lei, a tentativa do empregador de manter-se funcionando nor-
malmente, sem negociar com os trabalhadores em greve, valendo-se das posições
individualizadas dos ditos “fura-greves”, representa ato ilícito, que afronta o direito
de greve.
Qualquer tipo de ameaça ao grevista ou promessa de prêmio ou promoção
aos não grevistas constitui ato antissindical, tal como definido na Convenção 98
da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952), que justifica, até, a apresentação de queixa
junto ao Comitê de Liberdade Sindical da referida Organização.
No que se refere às consideradas atividades essenciais, a lógica é exatamente
a mesma. O art. 11 da Lei nº 7.783/1989 dispõe que “Nos serviços ou atividades
essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de
comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis
ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (grifos nossos),
acrescentando o parágrafo único do mesmo artigo que “São necessidades inadiá­
veis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente
a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
As responsabilidades quanto aos efeitos da greve atingem, portanto, igual-
mente, trabalhadores e empregadores. Isso implica que cumpre ao emprega-
dor iniciar negociação com os trabalhadores, coletivamente considerados, para
manutenção das atividades, estando impedido de fazê-lo por conta própria,
utilizando-se de trabalhadores que, por ato individual, se predisponham a conti-
nuar trabalhando, seja por vontade própria, seja por pressão do empregador, em

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O direito de greve existe ou não?  155

virtude de ocuparem cargos de confiança (supervisores, por exemplo) ou por se


encontrarem em situação de precariedade jurídica.
Do ponto de vista legal, não cumpre ao Judiciário, sem permitir que a
dinâ­mica da negociação seja desenvolvida, definir qual percentual de atividade
cumpre aos trabalhadores manter, ainda mais visualizando a greve apenas na
perspectiva do consumidor dos serviços, pois essa postura, que conduz a per-
centuais superiores a 70%, chegando mesmo até a 100%, acaba por eliminar em
concreto o direito de greve, que carrega em sua essência o conflito, essencial à
democracia, e a nação de transtorno, ou seja, a quebra da normalidade.
Ainda que haja a iminência de um risco de grave dano à população como
um todo em virtude da greve, cabe ao Judiciário chamar à responsabilidade a
entidade patronal e não dar guarida à sua pretensão unilateral de utilizar a via
judicial, que já traz em si o vício do descumprimento da obrigação legal da nego-
ciação quanto à forma de continuação das atividades.
Vale frisar que pelos parâmetros legais não é possível obrigar os trabalhado-
res a retornarem ao trabalho, mesmo no caso de atividades essenciais, pois como
preconizado pelo art. 12 da Lei em comento, não se chegando ao comum acordo,
cabe ao Poder Público assegurar a prestação dos serviços indispensáveis, mas não
conduzir os trabalhadores, manu militaris, aos postos de trabalho.
Na linha das ilegalidades cometidas contra o direito de greve, é importante
destacar o papel que, infelizmente, vem sendo atribuído à força policial, como
elemento de repressão aos piquetes. Ora, como dita o art. 6º da Lei nº 7.783/1989,
“são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I - o emprego de meios
pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.
Verdade que esse mesmo dispositivo diz que “As manifestações e atos de
persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho
nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa” (§3º), mas o que se pode
extrair daí é a existência de um conflito de direitos, que se resolve em contenda
judicial, e não pela via do “exercício arbitrário das próprias razões”, que, inclusive,
constitui crime, conforme definido no art. 345, do Código Penal, sendo certo, ainda,
que no conflito de direitos há que se dar prevalência ao exercício do direito de
greve, pois no Direito do Trabalho a normatividade coletiva supera a individual, a
não ser quando esta seja mais favorável. Recorde-se que é a partir dessas premis-
sas que se tem entendido imprópria a interposição de interdito proibitório contra
piquetes, como visto acima.
Assim, não é função da Polícia Militar intervir em conflito trabalhista e defi-
nir arbitrariamente que direito deve prevalecer, reprimindo um interesse juridica-
mente garantido e tratando trabalhadores como criminosos.

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No caso específico do ataque feito pela “tropa de choque” da Polícia Militar


na recente greve dos metroviários ocorrida na cidade de São Paulo, a gravidade
da ilegalidade cometida, que foi ilegal também porque feriu direitos de persona-
lidade dos trabalhadores, já que a integridade física e moral de muitos foi concre-
tamente atingida, ganha o gravame de ser a Polícia Militar diretamente ligada ao
chefe do Poder Executivo do Estado de São Paulo, que também responde pela
Companhia Metropolitano de São Paulo. Assim, o governador, que teria autorizado
expressamente a operação, segundo informa a imprensa,1 utilizou, indevidamente,
a força policial a serviço de um interesse próprio, dentro da esfera restrita de um
conflito trabalhista com os trabalhadores do metrô, desviando a Polícia de sua
função específica e cometendo um grave atentado ao direito sindical, até porque
sua ordem não foi embasada em qualquer autorização judicial.
Não bastasse isso, noticiou-se que o governo estadual enviou, na manhã
de sábado, 220 telegramas para pressionar condutores de trens a comparecerem
ao trabalho a partir das 14 horas,2 em mais um ato de flagrante ilegalidade, pois
como dispõe o §2º do art. 6º da Lei nº 7.783, “É vedado às empresas adotar meios
para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capa-
zes de frustrar a divulgação do movimento”.
Por fim, é importante consignar que a pior afronta que se pode cometer con-
tra o direito de greve é a de represália pela participação em greves, cujo ápice é
a dispensa por justa causa dos trabalhadores mais atuantes, considerados “agita-
dores” na linguagem da antiga do Setor Trabalhista, integrado à Divisão de Polícia
Política e Social (DPS), órgão do Departamento Federal de Segurança Pública,
criado em 1944, no contexto da vigência da Lei nº 38, de 04 de abril de 1935, que
declarava a greve um delito, quando realizada no funcionalismo público e nos ser-
viços inadiáveis e da Constituição de 1937, que definiu a greve como recurso antis-
social nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses

1
“O secretário comentou a ação da PM na manhã desta sexta na estação Ana Rosa, quando poli-
ciais agrediram os grevistas com bombas de gás e balas de borracha. Ele disse que manteve con-
tato com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o secretário de Estado da Segurança Pública,
Fernando Grella Vieira, para pedir reforço policial.
– Eu tinha exposto ao governador que havia risco hoje de situação de radicalização. Nas primei-
ras horas, recebi as informações de que eles ocupavam duas estações. O governador foi muito
tranquilo e pediu de energia, dentro da lei”. Disponível em: <http://noticias.r7.com/sao-paulo/
metro-envia-telegramas-para-convocar-grevistas-e-ameaca-demissoes-06062014>. Acesso em:
07 jun. 2014.
2
Metrô envia telegramas para convocar grevistas e ameaça demissões. Disponível em: <http://
noticias.r7.com/sao-paulo/metro-envia-telegramas-para-convocar-grevistas-e-ameaca-demis
soes-06062014>. Acesso em: 07 jun. 2014.

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O direito de greve existe ou não?  157

da produção nacional. Na mesma linha, o Decreto-Lei nº 431, de 18 de maio de


1938, considerava crime tanto a promoção da greve quanto a simples participação
no movimento grevista; e no Decreto-Lei nº 1.237, de 02 de maio de 1939, eram
fixadas as sanções de suspensão, despedida e prisão para grevistas, o que foi refor-
çado no Código Penal de 1940.
Esse sentimento cultural de aversão à greve, considerada não como um
direito, mas como ato de subversivo ou criminoso, avança mesmo depois do ad-
vento da Constituição de 1946, que reconheceu a greve como um direito, ao
ponto de que o referido Setor Trabalhista continuou existindo e atuando ao arre-
pio da legalidade.
Mesmo sob vigência da Constituição de 1946, as instituições ainda estavam
impregnadas da lógica antissindical, acoplada à lógica anticomunista, e a rejeição
às greves dos trabalhadores era baseada no propósito de inibir a ação comunista,
como se vê do teor do Ofício emitido ao DPS pelo Presidente do Tribunal Superior
do Trabalho, TST, Manoel Caldeira Netto, em 12 de dezembro de 1952, tratando da
greve dos tecelões do Rio de Janeiro:

Sr. Chefe de Polícia


Tenho a honra de solicitar a V. Exa. que se digne de mandar fornecer a esta
Presidência, pelo Departamento competente e com possível urgência, as
seguintes informações:
a) convicções ideológicas e ação subversiva de todos os membros da Dire-
toria do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem do
Rio de Janeiro, cujos nomes constam da relação inclusa;
b) idem, idem de todos os membros do Sindicato dos mestres e Contra-
mestres de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro;
c) idem, idem dos elementos de choque designados para a preparação e
deflagração da atual greve dos tecelões, cujos nomes constam da relação
enviada pelo Sr. Ministro do Trabalho a este Tribunal Superior.
Reiterando os protestos de elevada consideração e elevada estima, subs-
crevo-me
Manoel Caldeira Netto
Presidente

Depois de um período de certa tolerância, na década de 1953 a 1963, a greve


volta a ser objeto de repressão. A intenção dos militares de rever a legislação tra-
balhista e de conter o movimento operário sindical é verificável pela adoção, logo
dois meses da efetivação do golpe, da Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, que
veio para limitar o direito de greve ao ponto de torná-la quase impossível de ser
realizada, além de proibir expressamente a greve do funcionário público.

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Na “lei” de segurança nacional, instituída, em março de 1967, mediante


decreto-lei, pelo então Presidente Castello Branco, usando os poderes que lhe
foram conferidos pelos Atos Institucionais nº 2, de 27 de outubro de 1965, e
nº 4, de 07 de dezembro de 1966, considerou crime contra a segurança nacional,
a ordem política e social, a promoção de greve que implicasse a paralisação de
serviços públicos ou atividades essenciais e tivesse como propósito coagir qual-
quer dos Poderes da República, prevendo uma pena de reclusão, de 2 a 6 anos,
para os incursos em tal prática.
O desafio real que se impõe aos juristas é o de superar esses momen-
tos históricos, para conferir, enfim, eficácia ao preceito jurídico, insculpido na
Constituição de 1988, acima citado, que garante aos trabalhadores o exercício da
greve como direito fundamental, considerado, portanto, como essência da lógica
democrática.
Dentro de um contexto de greve, a dispensa de trabalhadores por justa causa
insere-se na lógica de ato discriminatório, que deve ser coibido rigidamente, para
que a vontade não revelada do empregador atinja o seu objetivo de minar o direi-
to de greve da classe trabalhadora como um todo. Se há um rigor no exame das
hipóteses de justa causa, como muito mais razão isso deve se dar no contexto de
uma greve, impondo-se, inclusive, a reversão liminar da situação, sendo certo que
o direito potestativo de resilição contratual na hipótese sequer pode ser aduzido.
Não é demais lembrar que nos termos da decisão do STF, proferida no RE
nº 589.998, a dispensa, mesmo sem justa causa, de empregado de empresa públi-
ca deve ser motivada e a simples adesão à greve não constitui falta grave (Súmula
nº 316, do STF), o que não se altera mesmo com a declaração judicial da abusivi-
dade ou ilegalidade da greve (RR-124500-08.5.24.0086, 8ª Turma do TST, Rel. Min.
Maria Cristina Peduzzi). Assim, o mero não retorno ao trabalho, após o julgamen-
to da greve (o que aqui se negou como juridicamente possível, conforme acima
mencionado) e a participação ativa em greve considerada ilegal não ensejam a
justa causa.
Não se pode tratar a questão, que envolva a dispensa coletiva de trabalha-
dores pelo ato da greve, mesmo que esta seja julgada ilegal e mesmo que os tra-
balhadores não retornem ao trabalho, como afronta à ordem judicial, justificando
o ato do empregador de efetuar a dispensa de alguns grevistas, notadamente, os
mais atuantes. O que a lei diz é que os excessos e abusos serão avaliados nos ter-
mos da lei e para a ocorrência de uma justa causa é necessário muito mais que um
ato de falta ao trabalho, cumprindo a incidência da conduta em uma das figuras
do art. 482, da CLT, com verificação específica das atuações individualizadas, até

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O direito de greve existe ou não?  159

como forma de verificar os antecedentes dos trabalhadores, estando abarcadas,


como já dito, pela proteção contra discriminação.
Quem sabe com esse sentimento, que vê a greve com naturalidade demo-
crática e reconhece a relevância social, política e econômica da classe trabalha-
dora, se possa, enfim, fazer valer o preceito constitucional que inequivocamente
garantiu a greve como direito fundamental.
Afinal, esse direito existe, ou não?

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito de greve existe ou não?. Revista da Associação Brasileira
de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 151-159, jan./dez. 2014.

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Dano existencial e o direito à felicidade

José Affonso Dallegrave Neto


Mestre e Doutor em Direito pela UFPR. Membro da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT) e da Associação
Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho (JUTRA). Advogado,
Professor da Escola da Magistratura Trabalhista (Ematra IX). Sócio do
Escritório Dallegrave Neto Advocacia Trabalhista em Curitiba
e em São Paulo (www.dallegrave.com.br).

Palavras-chave: Exploração moral. Dano moral. Dignidade da pessoa huma-


na. Felicidade.

Sumário: 1 Conceito de dano moral – 2 O direito à felicidade – 3 Dano exis-


tencial e sua reparação – 4 Indústria do dano moral ou da exploração moral?
– Referências

1  Conceito de dano moral


Registre-se uma primeira fase negatória do dano moral. Contudo, se havia
alguma ressalva no que diz respeito ao seu cabimento e amparo legal, com o ad-
vento da Constituição Federal de 1988 tal incerteza restou superada em face da
clara dicção dos incs. V e X do art. 5º, in verbis:

V - é assegurado o direito da resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.

Impende registrar que os valores tutelados nesse inc. X (intimidade, vida pri-
vada, honra e imagem) nem de longe são tidos como numerus clausus. Conforme
observa Paulo Netto Lôbo, a orientação majoritária é a “da tipicidade aberta, ou
seja, os tipos previstos na Constituição e na legislação civil são apenas enuncia-
tivos, não esgotando as situações suscetíveis de tutela jurídica à personalidade”.

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162  José Affonso Dallegrave Neto

Nessa esteira afirmativa, o novo Código Civil fez questão de incluir expres-
samente o dano moral ao modificar a redação da vetusta regra do art. 159 do
Código Civil de 2016, para assim constar, doravante no art. 186 do Código Civil
de 2002:

aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,


violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.

O Código Civil de 2002 inovou ao introduzir um capítulo específico, intitu-


lado Dos direitos da personalidade, abarcando os arts. 11 a 21, onde se ampliou e
relacionou alguns direitos da pessoa como o de proteção ao corpo, nome, sobre-
nome e pseudônimo.
Conforme observa Estevão Mallet, a Consolidação das Leis do Trabalho, na
mesma linha do antigo Código Civil de 1916, não se ocupou detidamente dos
direitos de personalidade do empregado, com algumas raras exceções, a exemplo
da justa causa por ato que viola a honra e a boa fama ou mesmo dos casos de
vedação à revista íntima após o expediente. Tudo ficou limitado ao plano mera-
mente patrimonial próprio da época em que se editou a CLT, em 1943. Contudo,
sendo o empregado necessariamente pessoa física (art. 3º da CLT), os direitos de
personalidade encontram-se inevitavelmente em causa em todo e qualquer con-
trato de trabalho.
A doutrina hesita em conceituar e classificar o dano moral. Há autores que
adotam uma conceituação residual de danos extrapatrimoniais, declarando serem
todos aqueles “danos que não têm repercussão de caráter patrimonial”. Há uma
segunda corrente, encabeçada pelos irmãos Mazeaud, que vincula o dano extra-
patrimonial como “aquele que causa uma dor moral à vítima”. Em posição inter-
mediária a essas duas correntes, há aqueles que, como Savatier, sustentam ser
todo sofrimento humano não resultante de uma perda pecuniária (toute souffrance
humaine ne résultant pás d’une perte percuniaire). Em igual sentido, Clayton Reis traz
o seguinte conceito de dano moral:

Trata-se de uma lesão que atinge os valores físicos e espirituais, a honra,


nossas ideologias, a paz íntima, a vida nos seus múltiplos aspectos, a
personalidade da pessoa, enfim, aquela que afeta de forma profunda não
bens patrimoniais, mas que causa fissuras no âmago do ser, perturbando-
lhe a paz de que todos nós necessitamos para nos conduzir de forma
equilibrada nos tortuosos caminhos da existência.

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Dano existencial e o direito à felicidade  163

Finalmente, há uma terceira corrente que sustenta que a dor não é a causa
da reparação, nem mesmo é ela que configura o direito violado, não havendo,
pois, outras hipóteses de danos morais “além das violações aos direitos de perso-
nalidade”, nas palavras de Paulo Netto Lôbo.
Particularmente, entendemos que o dano moral se caracteriza pela simples
violação de um direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou o des-
conforto emocional da vítima sentimentos presumidos de tal lesão (presunção
hominis) e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo:

Na concepção moderna da reparação do dano moral, prevalece a orien-


tação de que a responsabilidade do agente se opera por força do simples
fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo
em concreto. (STJ. Resp. 173.124. 4ª Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha,
julgado em 11.09.2001, DJ, 19 nov. 2001)

O Colendo TST, em voto de lavra da eminente Ministra Rosa Maria Weber,


assim se posicionou:

Inclusão do nome de ex-empregado em lista discriminatória. Concebido


o dano moral como a violação de direitos decorrentes da personalidade
— estes entendidos como “categoria especial de direitos subjetivos que,
fundados na dignidade da pessoa humana, garantem o gozo e o respeito
ao seu próprio ser, em todas as suas manifestações espirituais ou físicas”
(BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas,
2005. P. 25) —, a sua ocorrência é aferida a partir da violação perpetrada
por conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana, sendo dispensável
a prova de prejuízo concreto, já que a impossibilidade de se penetrar na
alma humana e constatar a extensão da lesão causada não pode obstacu-
lizar a justa compensação. [...] “O dano moral caracteriza-se pela simples
violação de um direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou
o desconforto emocional da vítima sentimentos presumidos de tal lesão
(presunção hominis) e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo”
(DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do
trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 154. Recurso de revista conhecido
e provido. (TST. RR 533/2003-091-09-00.5, 3ª Turma, Rel. Min. Rosa Maria
Weber, DEJT, p. 782, 26 jun. 2009)

Em igual direção doutrinária, Maria Celina Bodin de Moraes enaltece a impor-


tância de conceituar o dano moral como lesão à dignidade humana, sobretudo pelas
consequências dela geradas:

Assim, em primeiro lugar, toda e qualquer circunstância que atinja o


ser humano em sua condição humana, que (mesmo longinquamente)

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164  José Affonso Dallegrave Neto

pretenda tê-lo como objeto, que negue a sua qualidade de pessoa, será
automaticamente considerada violadora de sua personalidade e, se
concretizada, causadora de dano moral a ser reparado. Acentue-se que o
dano moral, para ser identificado, não precisa estar vinculado à lesão de
algum ‘direito subjetivo’ da pessoa da vítima, ou causar algum prejuízo a
ela. A simples violação de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial
(ou de um ‘interesse patrimonial’) em que esteja envolvida a vítima, desde
que merecedora da tutela, será suficiente para garantir a reparação.

Até pouco tempo atrás, remanescia certa dúvida acerca do cabimento da


reparação do dano moral no campo da responsabilidade civil contratual. Não
obstante o art. 1.059 do Código Civil de 1916 fazer menção apenas ao dano emer-
gente e ao lucro cessante, deixando de se reportar ao dano moral. O novo Código
Civil de 2002, em seu art. 186, passou a contemplar expressamente o direito à
reparação dos danos extrapatrimoniais.
É bem verdade que aludido dispositivo do diploma civil em vigor se reporta
aos atos ilícitos, dando a entender que se refere apenas às responsabilidades ex-
tracontratuais. Contudo, para melhor compreensão desse quadro, é preciso regis-
trar que, a partir da Carta Constitucional de 1988, um novo paradigma surgiu para
estudar o direito privado. Trata-se do direito civil-constitucional, ou seja, o direito
civil esquadrinhado e interpretado à luz dos novos valores e princípios estampa-
dos na Constituição Federal.
Nessa esteira paradigmática, surgiram os direitos de personalidade plasma-
dos no art. 5º, V e X, da Carta. Mais que isso, o constituinte, dada a importância
do tema, trouxe uma regra que desenha verdadeira cláusula geral de proteção à
personalidade, qual seja, o art. 1º, III, que assegura a dignidade da pessoa humana
como fundamento de todo Estado Democrático de Direito. Assim, toda a ordem
jurídica deve ser interpretada à luz do princípio da máxima efetividade dos direi-
tos de personalidade.
Nos dias de hoje há uma corrente de pensadores que imbrica a noção de
direito geral de personalidade ao direito à felicidade, ínsito a todo cidadão, con-
forme verificaremos a seguir.

2  O direito à felicidade
Uma das características da norma jurídica é sua reflexividade. Vale dizer
toda norma legal deve ser reflexiva no sentido de refletir os anseios da sociedade.
Ocorre que a sociedade está em constante mutação axiológica. E assim deter-
minados valores morais, antes vistos como intransigíveis, hoje são flexibilizados,

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Dano existencial e o direito à felicidade  165

a exemplo do que aconteceu com a regulação legal do divórcio como forma de


rompimento do casamento.
Nessa quadra, hoje se fala no direito à felicidade. Ainda que não regulamen-
tado na ordem jurídica, já começamos a ver algumas decisões judiciais baseadas
no direito à busca da felicidade. O próprio Supremo Tribunal Federal fez menção a
ele quando, em 2002, restabeleceu adicional de 20% suprimido a um aposentado,
após 20 anos de pagamento. Nesse caso, o Ministro Relator Carlos Velloso ressal-
tou que uma das razões mais relevantes para a existência de normas é o direito
do homem de buscar a felicidade. Desde então, o termo “felicidade” passou a ser
cada vez mais mencionado por ministros de tribunais superiores. O Min. Carlos
Ayres Britto chegou a registrar nesse processo a seguinte frase: “Subjacentemente
em tudo o que analiso, eu verifico a busca da felicidade”.1
Um dos mais emblemáticos casos que imbrica o tema do direito à felicidade
foi aquele em que se discutiu a validade das pesquisas com células-tronco para
tratamento de deficientes físicos (STF, maio 2008). Neste processo, o Ministro Ayres
Britto, relator do processo, asseverou: “as pesquisas com células-tronco objetivam
o enfrentamento de patologias e traumatismos que severamente limitam, ator-
mentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam a vida de expres-
sivo contingente populacional”. Por outro lado, o Min. Celso de Mello consignou
que a aludida pesquisa “significa a celebração solidária da vida e alento aos que
se acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos à felicidade e
do viver com dignidade” (ADI nº 3.510). Hoje há notícia de que a felicidade já foi
citada em pelo menos sete casos no STF e outros quatro no STJ.
Em sede de Direito Comparado, impende registrar a Declaração de Inde­pen­
dência dos EUA, de 1776, em seu segundo parágrafo, verbis:

Todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Cria-
dor certos direitos inalienáveis, entre os quais se contam a vida, a liberdade
e a busca da felicidade.

A Suprema Corte Americana julgou mais de noventa casos sob esse funda-
mento. O tema também se encontra previsto no art. 13 da Constituição do Japão
de 1946 e no art. 10 da Constituição da Coreia do Sul de 1948.2

1
Dados extraídos do blog: Luiz Nassif ONLINE. A felicidade na jurisprudência brasileira. Publi­
cado em 24.03.2012 por Marco Antonio L. do Valor Econômico apud MAGRO, Maír; BASILE,
Juliano. Direito à felicidade. Disponível em: <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-felici
dade-na-jurisprudencia-brasileira>.
2
O art. 13 da Constituição do Japão, de 03.11.1946, prescreve que todas as pessoas têm direito à
busca pela felicidade, desde que não interfira no bem-estar público ou comum, incumbindo ao

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166  José Affonso Dallegrave Neto

Em tom mais apologético, os 193 membros da Assembleia Geral da ONU,


em 12.07.2012, aprovaram Resolução nº 66/281, fixando o 20 de março como Dia
Internacional da Felicidade. “A busca pela felicidade é um objetivo humano fun-
damental”, diz a Resolução que partiu de uma campanha diplomática do reino do
Butão, país que substituiu o tradicional índice PIB (produto interno bruto) pelo
FIB (felicidade interna bruta). E assim, ao medir o desenvolvimento nacional, os
butaneses levam em consideração o quanto as pessoas são felizes, fazendo uma
relação entre objetivos definidos por elas e o que de fato alcançam.
Deveras, estudiosos de boa parte do mundo têm se dedicado a mensurar o
grau de felicidade das sociedades. Nos EUA existe até um campo de investigação
própria, qual seja a “law and happiness” (direito e felicidade).
Calcado numa sociedade pós-moderna cada vez mais hedonista, a felicidade
vista como valor jurídico vem ganhando força, como se vê dos mencionados pre-
cedentes. No Brasil, imbuído desse propósito, nasceu o Movimento Mais Feliz, que
defende a meta da felicidade para as políticas públicas. E nessa esteira, o senador
Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou um Projeto (PEC da Felicidade nº 19/2010)
para alterar o art. 6º da Constituição Federal, o qual passará a ser assim redigido:

são direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde,


a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampa-
rados.

O próprio senador Buarque reconhece que a inclusão terá pouca serventia


nas discussões jurídicas, mas o status constitucional alçará a felicidade a valor a
ser perseguido.

2.1  Posições críticas


Em sentido contrário à onda que visa plasmar em lei a busca da felicidade,
algumas vozes se erguem para criticar esse movimento nacional e internacional.
Uma delas é a de Célio Borja. O Ministro da Justiça foi enfático ao dizer que tanto a
ONU quanto a proposta do senador Buarque estão equivocadas, pois é muito difícil
enquadrar a felicidade como um direito constitucional, vez que “ela pertence à

Estado, mediante leis e atos administrativos, criar os mecanismos necessários para proporcionar
as condições por atingir a felicidade. O art. 10 da Carta da Coreia do Sul, adotada a 17.07.1948,
estatui que todos têm direito à busca da felicidade, vinculando esse direito ao dever do Estado
em confirmar e assegurar os direitos humanos das pessoas.

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Dano existencial e o direito à felicidade  167

ordem do afeto; creio que quando nós transportamos para o mundo do direito
essas coisas, nós cometemos um trágico equívoco”.
O tributarista Ives Gandra Martins vai além, tecendo críticas ao uso amplo
do termo felicidade:

O direito à felicidade é invocado como se estivesse acima, sem se perceber


que varia de pessoa para pessoa. Qual a felicidade de um serial killer? É
matar. E a de um cidadão viciado em sexo? Como todo direito corresponde
a uma garantia, a busca da felicidade teria que ser assegurada a todos os
cidadãos. O Estado não teria como garantir o direito à felicidade de 195
milhões de brasileiros de acordo com seu próprio conceito de felicidade.3

Georgenor de Souza Franco Filho adverte que a busca da felicidade, proposta


como Emenda à Constituição do Brasil, deve ser entendida não apenas no seu
sentido subjetivo, mas como mola propulsora de uma reavaliação de postura de
governantes e governados (especialmente daqueles), no sentido de se efetivar os
direitos sociais consagrados no art. 6º constitucional.4
Diante dessa controvérsia, surge a indagação: a felicidade é um direito sub-
jetivo, um conceito ou um valor jurídico?
Em um dos seus votos, o Ministro do STF, Carlos Ayres Britto, sustenta que a
felicidade é um conceito implícito na Constituição, pois “ela está em todo o artigo
5º”. De nossa parte, a felicidade é uma axio jurídica que deve inspirar o legislador,
o julgador, o administrador público e o próprio gestor de pessoal nas relações de
trabalho. Não se negue que a dicção do art. 193 da Constituição Federal, quando
preceitua que “a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”,
alberga o valor da felicidade, na medida em que o conceito de bem-estar social
encontra-se imbricado com o de felicidade.
Antes de ser nomeado ministro do STF, o advogado Luís Roberto Barroso,
em eloquente defesa no STF, no caso da união estável homoafetiva, sustentou:

O direito à busca da felicidade não tem uma dimensão normativa direta.


Ele não é um direito fundamental, como os direitos à integridade física e
à vida. É um valor interpretativo que permite ao juiz escolher a alternativa
que produza mais felicidade. (ADPF nº 132 transformada em ADI nº 4.277,
julgada em 05 maio 2011)

3
As declarações de Celso Borja e Ives Gandra Martins foram extraídas do blog: Luiz Nassif ONLINE.
A felicidade na jurisprudência brasileira. Publicado em: 24.03.2012, por Marco Antonio L. do Valor
Econômico apud MAGRO, Maír; BASILE, Juliano. Direito à felicidade. Disponível em: <http://jornalggn.
com.br/blog/luisnassif/a-felicidade-na-jurisprudencia-brasileira>.
4
FRANCO FILHO. O direito social à felicidade.

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168  José Affonso Dallegrave Neto

Oportuno trazer o conceito de felicidade apresentado por Sigmund Freud,


quando sustenta que ela provém da ausência de sofrimento ou mesmo de um es-
tado zero de tensão. Para o psicanalista, a infelicidade provém do corpo do mundo
externo e dos relacionamentos humanos:

Assim como a satisfação pulsional equivale à felicidade, assim também é


causa de grave sofrimento quando o mundo externo nos deixa na indi­
gência, ao recusar a satisfação de nossas necessidades (do corpo e dos
relacionamentos).5

Logo, havendo bem-estar social, que é objetivo da ordem social expressa-


mente delimitado na nossa Constituição Federal, haverá felicidade no sentido
freudiano de ausência de sofrimento ou ausência de estado de tensão. Logo, ser
feliz é não sofrer; é não ficar tenso. No Budismo, chama-se nirvana o estado de
liber­tação do sofrimento ou de superação da existência. No Cristianismo chama-se
novo nascimento, a conversão do velho homem aprisionado às coisas materiais ao
novo homem que se esvazia a si mesmo, liberta-se e eleva o seu espírito.6
Como se vê, o valor da felicidade está sempre ligado ao valor bem-estar.
Para o capitalista, ser feliz é consumir; é o “ter” (possuir). Para o espiritualista, ser
feliz é ter paz de espírito; é o “ser”. Para os hedonistas da pós-modernidade, a feli-
cidade está no prazer de desfrutar a vida (carpe diem).
Especificamente no ambiente de trabalho, diz-se feliz o empregado que tra-
balha com o que gosta e que recebe um salário justo, tendo as suas expectativas
atendidas (arts. 460 a 462, CLT, e 422, CC). Ainda, pode-se dizer feliz o empregado
que trabalha em um ambiente saudável e hígido (art. 200, VIII, CF), sem ser vítima
de qualquer prática de abuso, assédio, estresse e humilhações da chefia ou cole-
gas (arts. 187 do CC; 5º, X, da CF; 482, “j”, e 483, da CLT). Em suma, empregado feliz
é aquele que é tratado não apenas como pessoa abstrata, mas como gente digna,
de carne e osso, que anela, sonha, ri e busca felicidade (art. 1º, III, CF).
Contrario sensu, cada vez que o empregador extrapolar o seu jus variandi
e passar a tratar o empregado com menoscabo, ao ponto de lhe impor medidas
exorbitantes que lhe causem obstrução ao seu próprio projeto de vida pessoal,
estaremos diante de um dano existencial.

5
In: O mal-estar na civilização, p. 78.
6
Nesse sentido são os belos versos da Bíblia Sagrada em João 3:3 e Filipenses 2: 3-8.

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Dano existencial e o direito à felicidade  169

3  Dano existencial e sua reparação


A doutrina e a jurisprudência hodiernas vêm consolidando um novo con-
ceito de dano, qual seja, o dano existencial, também chamado de dano ao projeto
de vida.
No conceito de Amaro Almeida Neto, o dano existencial, ou o dano à exis-
tência da pessoa, “consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais
da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa
no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas
ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou
econômica que do fato da lesão possa decorrer”.7
Com efeito, sempre que o trabalhador se vê vítima de práticas abusivas decor­
rentes do seu contrato de trabalho que acabam por comprometer e frustrar aquilo
que o trabalhador idealizou como sendo o seu projeto de vida pessoal, diz-se que
houve um dano existencial.
Conforme assinala Júlio Bebber, pelo projeto de vida se entenda o destino
escolhido pela pessoa; ou seja, o que decidiu fazer com a sua vida:

O ser humano, por natureza, busca sempre extrair o máximo de suas po­
ten­cialidades. Por isso, as pessoas permanentemente projetam o futuro
e realizam escolhas no sentido de conduzir sua existência à realização
do projeto de vida. O fato injusto que frustra esse destino (impede a
sua plena realização) e obriga a pessoa a resignar-se com o seu futuro é
chamado de dano existencial.8

Assim, muitas vezes fará parte do sonho de vida do trabalhador cursar uma
faculdade, fazer pós-graduação, estudar música ou tocar bateria numa banda,
jogar futebol, tênis ou mesmo praticar artes marciais ou pintar quadros artísticos.
Da mesma forma, engloba-se na noção de projeto de vida participar de atividades
associativas, recreativas ou religiosas nos períodos fora do expediente de traba-
lho. Há outros que planejam realizar viagens em suas férias ou visitar seus amigos
em finais de semana. Cada vez que o empregado se vê tolhido injustamente em
um desses itens de seu plano de vida ele estará frustrado e infeliz, caracterizan-
do um dano existencial.

7
ALMEIDA NETO. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais,
p. 68.
8
BEBBER. Danos extrapatrimoniais: estético, biológico e existencial: breves considerações. Revista
LTr – Legislação do Trabalho, p. 28.

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170  José Affonso Dallegrave Neto

O precedente mais importante desse tema ocorreu em 1998 quando a Corte


Interamericana de Direitos Humanos reconheceu tratar-se de uma lesão à pessoa,
“considerando suvocación, aptitudes, circunstancias, potencialidades y aspiraciones,
que le permiten fijarse razonablemente determinadas expectativas y aceder a ellas”.
A despeito de sua autonomia conceitual, de nossa parte o dano existen-
cial sempre estará enquadrado no conceito de dano moral, na medida em que
é ofensivo ao direito geral de personalidade e, algumas vezes estará dentro do
conceito de dano material, máxime quando o dano daí decorrente for suscetível
de valoração econômica, a exemplo do caso que veremos abaixo onde a Corte
Interamericana de Direitos Humanos reconheceu o dano existencial e condenou
o agente a conceder à vítima uma bolsa de estudos, além de cobrir os gastos de
sua manutenção durante o período de estudos.
Trata-se do emblemático julgamento da Corte IDH que envolveu o caso
Benavides versus República do Peru, julgado em 03 de dezembro de 2001. O jul-
gado concluiu pela existência de “dano ao projeto de vida”.
Benavides foi vítima de prisão ilegal e arbitrária, realizada Polícia do Peru
que, procurava pelo irmão mais velho, mas na ausência deste, prendeu aquele. A
reclusão injusta por quatro anos, inclusive com abusos físicos e psicológicos, pro-
vocou graves problemas psiquiátricos, prejudicando a aspiração acadêmica do
seu projeto de vida anterior à prisão (então com vinte anos de idade e cursando
graduação em Biologia em Lima).
Ao motivar sua decisão, a Corte Interamericana assim fundamentou:

É, de outra parte, evidente para esta Corte que os fatos deste caso oca-
sionaram uma grave alteração do curso que, normalmente, teria seguido
a vida de Luis Alberto Cantoral Benavides. Os transtornos que esses fatos
lhe impuseram, impediram a realização da vocação, das aspirações e po-
tencialidades da vítima, em particular no que diz respeito à sua formação
e ao seu trabalho como profissional. Tudo isso tem representado um sério
prejuízo para o seu projeto de vida.

Nessa esteira, a doutrina pátria de Jorge Boucinhas e Rubia Alvarenga for-


mula o seguinte conceito de dano existencial:

O dano existencial no Direito do Trabalho, também chamado de dano à


existência do trabalhador, decorre da conduta patronal que impossibilita
o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de
atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e
de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequên-
cia, felicidade; ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de

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Dano existencial e o direito à felicidade  171

recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis
pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal.9

A jurisprudência trabalhista já começa a deferir indenização decorrente


da configuração do dano existencial, mormente no caso de prolongada jornada
exte­nuante. Nesse sentido é o aresto do TRT da 9ª Região:

DANO EXISTENCIAL. DANO MORAL. DIFERENCIAÇÃO. CARGA DE TRABA­


LHO EXCESSIVA. FRUSTRAÇÃO DO PROJETO DE VIDA. PREJUÍZO À VIDA
DE RELAÇÕES. [...] Caracteriza-se o dano existencial quando o empregador
impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, impossibilitando-o
de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social
e pessoal, nos termos dos artigos 6º e 226 da Constituição Federal. O
trabalho extraordinário habitual, muito além dos limites legais, impõe
ao empregado o sacrifício do desfrute de sua própria existência e, em
última análise, despoja-o do direito à liberdade e à dignidade humana. Na
hipótese dos autos, a carga de trabalho do autor deixa evidente a prestação
habitual de trabalho em sobrejornada excedente ao limite legal, o que
permite a caracterização de dano à existência, eis que é empecilho ao livre
desenvolvimento do projeto de vida do trabalhador e de suas relações
sociais. Recurso a que se dá provimento para condenar a ré ao pagamento
de indenização por dano existencial. (TRT 9ª R.; RO 28161-2012-028-09-00-6,
2ª Turma, Rel. Des. Ana Carolina Zaina, DEJT, 11 out. 2013)

Em igual direção é a ementa do TRT da 4ª Região:

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE


TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie
de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o
trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente
de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do
trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras
excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta
configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do
trabalho que integram decisão jurídico-objetiva adotada pela Constituição.
Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o
direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, nele in­
te­grado o direito ao desenvolvimento profissional, o que exige condições
dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos
empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso
provido. (TRT 4ª R.; RO 0000105-14.2011.5.04.0241, 1ª Turma, Rel. Des. José
Felipe Ledur, DEJT, 19 mar. 2012)

9
BOUCINHAS FILHO; ALVARENGA. O dano existencial e o direito do trabalho. Revista LTr – Legislação
do Trabalho, p. 451.

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172  José Affonso Dallegrave Neto

Com efeito, cada vez que o empregado se sentir incapaz de realizar seus
projetos de vida pessoal em face de limitações de seu tempo livre, deformações
ou patologias ocupacionais adquiridas por culpa do seu empregador que agiu em
excesso, estaremos diante de um dano existencial sujeito à reparação material e
moral. Mencionem-se como exemplo as seguintes causas:
- realização habitual de quantidade excessiva de horas extras com jornada
acima do limite de dez horas (art. 59, §2º, CLT);
- não concessão frequente de RSR em domingos na periodicidade mínima
de lei (quinzenal para as mulheres, cf. art. 386, CLT; a cada três semanas
nos termos do art. 6º, parágrafo único, da Lei nº 10.101/2000);
- não concessão de gozo de férias durante longos anos;
- submissão a permanente e desgastante regime de sobreaviso;
- ambiente de trabalho degradante ou insalubre que comprometa a saúde
do empregado;
- assédio moral ou sexual que implique transtornos psicológicos ou fobias;
- trabalho extenuante que cause deformação física que afete não só a capa­
cidade profissional, mas iniba o seu projeto de vida idealizado.
A vítima do dano existencial tem direito a ser indenizada quando estiverem
presentes os requisitos da responsabilidade civil. Vale dizer o dano à existência da
pessoa deverá ser reparado quando tiver por nexo causal a prática de ato ilícito
do empregador que cerceou os tempos livres e de descanso legal do empregado
ou mesmo lhe provocou alguma incapacidade física, mental ou emocional que o
impediu de pôr em prática o seu projeto de vida pessoal.
Cabe sublinhar que somente a frustração injusta de projetos razoáveis, pos-
síveis e prováveis é que irá caracterizar dano existencial. Com outras palavras: a
frustração implicará renúncias diárias, tendo a vítima que reprogramar seu projeto
de vida diante das limitações que o dano lhe impôs.10
Nesse sentido transcreva-se parte da acertada ementa do TST:

DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABA­


LHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABO­
RAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. [...] 3. Constituem
elementos do dano existencial, além do ato ilícito, o nexo de causalidade
e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo
à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal

10
BEBBER. Danos extrapatrimoniais: estético, biológico e existencial: breves considerações. Revista
LTr – Legislação do Trabalho, p. 28-29.

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Dano existencial e o direito à felicidade  173

ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente,


das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho
(fa­mi­liares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a
integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do
indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o
cha­mado dano existencial. 4. Na hipótese dos autos, a reclamada deixou
de conceder férias à reclamante por dez anos. A negligência por parte da
reclamada, ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não
conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico personalíssimo,
por atentar contra a saúde física, mental e a vida privada da reclamante.
(TST, RR 727-76.2011.5.24.0002, 1ª Turma, Rel. Hugo Carlos Scheuermann,
publicação 28.06.2013)

Enfim, qualquer consequência que o empregado venha a ter por excessos


decorrentes da execução do seu contrato de trabalho e que seja capaz de com-
prometer o seu projeto de vida pessoal, restará configurado o dano existencial,
sendo devido o pagamento da respectiva indenização por dano material e moral
à vítima.

AÇÃO INDENIZATÓRIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR “DANO EXISTEN-


CIAL”. PRESTAÇÃO DE TRABALHO EM JORNADAS DIÁRIAS EXAGERADAS
E EXAUSTIVAS POR LONGO PERÍODO DE TEMPO. A simples realização de
horas extras não dá ensejo à indenização por dano extrapatrimonial; to-
davia, a exigência de cumprimento de jornada exaustiva, como é o caso
do empregado que trabalha de segunda-feira a sábado, das 7h às 21h, e,
em dois domingos por mês, das 7h às 19h, por longo período de tempo, con-
figura ato ilícito por evidente abuso de direito da empresa, nos termos
do art. 187 do Código Civil, capaz de gerar dano passível de reparação,
na forma do artigo 927, caput, do mesmo Código. Recurso do reclaman-
te provido para julgar procedente o pedido indenizatório. (TRT 4ª R., RO
0000276-68.2011.5.04.0241, 7ª Turma, Rel. Des. Flavio Portinho Sirangelo,
DEJT, 09 maio 2013)

Consoante observa Raphael Pinheiro, a felicidade, indefinível, é algo ine-


rente à própria natureza humana, de modo que cada um busca o que o torna
plenamente realizado em seu projeto de vida. Porém, para a busca da felicidade,
cada indivíduo deve ter acesso ao mínimo essencial a uma existência digna. E o
caminho para se alcançar a felicidade é aquele que propugna pelo cumprimento
dos Direitos Sociais pelo Estado pós-moderno.11

11
PINHEIRO. A positivação da felicidade como direito fundamental: o Projeto de Emenda Constitu-
cional n. 19/10.

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174  José Affonso Dallegrave Neto

4  Indústria do dano moral ou da exploração moral?


O solidarismo marcante na nossa atual Carta da República, plasmado em
seu art. 1º, III, ao se referir à dignidade da pessoa humana, encerra um conteúdo
normativo não só para impor limites ao poder diretivo do empregador, mas, sobre-
tudo, para infundir ações positivas de respeito e elevação à pessoa do empregado.
É oportuno trazer à baila a observação atenta de Francisco Amaral:

O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor jurídico consti-


tucionalmente positivado que se constitui no marco jurídico, no núcleo
fundamental do sistema brasileiro dos direitos da personalidade como
referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais.
Significa ele que o ser humano é um valor em si mesmo, e não um meio
para os fins dos outros.

Hoje há um número expressivo de ações que versam sobre indenização por


dano moral na Justiça do Trabalho. Assim, estaria o Brasil caminhando em dire-
ção à malsinada “indústria do dano moral” a exemplo do que ocorre nos Estados
Unidos? Ainda é de se indagar: qual o verdadeiro significado social desse aumento
do número de ações trabalhistas que postulam indenização por dano moral?
Quem responde com propriedade a essas indagações é o magistrado
Ricardo Carvalho Fraga:

Provavelmente, estejamos diante de certas contradições entre a persis-


tência de estruturas e práticas autoritárias e discriminatórias e o nasci-
mento de significativo e forte sentimento de anseio por uma sociedade
mais evoluída em termos de civilidade. Os estudos da sociologia, entre
outros, já registraram tais desacertos inaceitáveis. Cada vez mais se sabe
quais condutas não são desejadas e/ou não são mais toleradas.

Em igual sentido é a eloquente ementa que se segue:

Ao contrário do que afirmam os detentores do poder econômico, a cujo


“canto da sereia”, lamentavelmente, se aliam alguns integrantes do Poder
Judiciário, de que recrudesce a indústria do dano moral, a realidade é outra.
É o despertar na consciência, na experiência e até mesmo no estímulo de
doutrinadores e jurisconsultos sensíveis, o espírito de cidadania, de amor
próprio, de autoestima, que há muito o povo brasileiro havia perdido e
agora tenta, a duras penas, recuperar e a esses esforços, sem dúvida algu-
ma, não pode o Judiciário ficar alheio. Não é indústria do dano moral. É
indústria da defesa dos seus direitos, tentativa de, pelo menos, se atenuar
a indústria da impunidade. (TJRJ. AC nº 3.442/2000, 14ª Câmara Cível, Rel.
Des. Ademir Pimentel, DJ, 27 jun. 2000)

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Dano existencial e o direito à felicidade  175

A verdade é que o Brasil nem de longe se aproxima da realidade norte-ame-


ricana, seja porque lá as empresas cumprem integralmente a legislação social, ao
contrário da cultura brasileira de sonegação e exploração da mão de obra, seja
porque nos EUA os valores das indenizações são sensivelmente mais elevados
(28), inclusive com caráter punitivo ao agente (punitive damage e exemplar damage),
a fim de coibir a reincidência do dano. Some-se a isso a postura comedida de
nossos tribunais no sentido de declarar que “meros transtornos e dissabores fa-
zem parte do cotidiano, não tendo o condão de causar sofrimento, vexame ou
humilhação [...] hábeis a ensejar a reparação de danos morais” (TRT. 4ª. Região; RO
0001-24.2011.5.04.0111, 1ª Turma, DRJTRS, p. 44, 14 nov. 2011). O grande desafio
reside em distinguir “meros transtornos e dissabores” de uma violação ao direito
de personalidade.
A propósito dessa disparidade, Guilherme Caputo Bastos observa que não é
tarefa fácil discorrer sobre moral, “pois os valores atribuídos podem variar de acor-
do com o tempo e o espaço, assumindo novas peculiaridades a cada época histó-
rica vivenciada pela humanidade, revelando por intermédio do comportamento
humano os elementos axiológicos que comandam as estruturas político-sociais e
econômicas de um determinado povo”.12
Deveras, ao trabalhador, como ser humano, deve ser assegurado um am-
biente de trabalho adequado, tratamento leal e digno, salário capaz de atender
as suas necessidades vitais e de sua família, além ter reconhecido o valor de sua
performance profissional por meio de promoções funcionais, reconhecimentos e
reajustes de mérito. Práticas esquecidas em tempos de reestruturação produtiva
que caminha na busca frenética do lucro, ainda que à custa do aviltamento da
mão de obra.

[...] Conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se


sobrepõe, juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa hu-
mana e partícipe da obra que encerra o empreendimento econômico.
(TST. RR 7.642/86. AC nº 3.879, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Mendes
de Farias Mello, DOU, 09 nov. 1987)

Referências
ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista
dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, out./dez. 2005.
BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. O dano moral no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

12
BASTOS. O dano moral no direito do trabalho, p. 17.

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176  José Affonso Dallegrave Neto

BEBBER, Julio César. Danos extrapatrimoniais: estético, biológico e existencial: breves considerações.
Revista LTr – Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 73, n. 1, p. 26-29, jan. 2009.
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito
do trabalho. Revista LTr – Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 4, p. 450-458, abr. 2013.
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. O direito social à felicidade. Disponível em: <http://abertura
mundojuridico.blogspot.com.br/2013/05/o-direito-social-felicidade-georgenor.html>.
PINHEIRO, Raphael Fernando. A positivação da felicidade como direito fundamental: o Projeto de
Emenda Constitucional n. 19/10. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_
artigos_leitura&artigo_id=11701&revista_caderno=9>.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Dano existencial e o direito à felicidade. Revista da


Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2,
p. 161-176, jan./dez. 2014.

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Acidentes de trabalho – O genocídio da
classe trabalhadora

Luis Enrique Ramírez


Presidente da Asociación Latinoamericana
de Abogados Laboralistas (ALAL).

Palavras-chave: Acidente de trânsito. Genocídio. Doenças profissionais.

Sumário: 1 Introdução – 2 Que acontece na Argentina?

1 Introdução
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a cada ano no
mundo mais de 270 milhões de trabalhadores sofrem acidentes de trabalho, ao
passo que aproximadamente 160 milhões contraem doenças profissionais. Deles,
mais de 2 milhões perdem sua vida, de modo tal que o trabalho assalariado mata
quase 5.500 (cinco mil e quinhentas) pessoas por dia. E, acrescenta o relatório, os
dados são parciais e estão por baixo da realidade, já que não há estatísticas dos
sinistros ocorridos entre os trabalhadores do setor informal da economia.
Para se ter uma ideia da magnitude deste verdadeiro massacre que sofrem
os trabalhadores, temos que levar em conta que as mortes causadas pelo trabalho
dependente superam largamente as originadas em acidentes de trânsito, guerras,
fatos de violência e Aids. Outro dado assustador é que, do total de trabalhadores
mortos anualmente em sinistros de trabalho, 12.000 são crianças que trabalham
em condições perigosas.
Esse verdadeiro tributo que pagam os trabalhadores para poder obter os
meios econômicos para sua subsistência e a de suas famílias é um autêntico “im-
posto de sangue”, que desvenda as lacras e misérias do sistema social e econômico
em que vivem.
Se projetarmos esses números a todos os anos de vigência do sistema capita-
lista, poderemos afirmar que estamos em presença de um verdadeiro genocídio da

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178  Luis Enrique Ramírez

classe trabalhadora. É preciso lembrar que esta figura foi tipificada como a “submis-
são intencional do grupo a condições de existência que venham acarretar sua des-
truição física, total ou parcial” (Corte Penal Internacional, Estatuto de Roma, 17.07.98).
A imensa maioria dos sinistros de trabalho são evitáveis, reconhece a pró-
pria OIT, porém, acrescentamos nós, não o são em um sistema que se apoia em
valores perversos, que privilegia a defesa do lucro e a taxa de lucro, antes que o
cuidado da saúde e a vida dos trabalhadores.
Se a ordem social vigente na maioria de nossos países divide os indivíduos
entre aqueles que têm a titularidade dos meios de produção e aqueles que ape-
nas contam com sua capacidade de trabalho para subsistir, então o sistema só
pode aspirar a um mínimo de legitimação, se garantir a estes últimos o cuidado e
a preservação de sua vida e sua saúde.
Este “compromisso” dos setores sociais dominantes teve que ser parte do
“pacto social” que levou um grande setor do movimento sindical a renunciar a sua
histórica pretensão de substituir o sistema capitalista. Pacto social que, aliás, teve
que incluir, necessariamente, o direito a um trabalho decente e a uma remunera-
ção justa, já que somente assim se pode explicar essa renúncia.
No entanto, a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da União
Soviética levaram a uma indissimulável denúncia desse “pacto” por parte do capi­
talismo, o que se pode comprovar com as permanentes ofensivas que lançam
contra os direitos dos trabalhadores.
O pensamento neoliberal se exibe triunfante pelo mundo, impondo suas
receitas econômicas e laborais. A internacionalização da economia se transforma
em globalização, que no mundo do trabalho se traduz em desregulação, flexibi-
lização, precarização, competitividade, polivalência funcional, e demais palavras
paridas pela matriz ideológica do neoliberalismo, que os trabalhadores conhe-
cem mais por suas consequências que por seu significado literal.
O progresso tecnológico da humanidade não se reflete em uma diminuição
dos sinistros de trabalho. Pelo contrário, há um sustentado incremento ao com-
passo das novas regras de jogo do capitalismo.
Impõe-se um novo conceito de empresa, supostamente mais apta para se
adaptar às flutuações do mercado. Esta empresa conserva apenas um núcleo de
trabalhadores permanentes e externaliza muitas funções e tarefas. Na periferia
desse núcleo aparecem empresas contratantes e subcontratantes que fazem o
“trabalho sujo” da flexibilização laboral e o abatimento da mão de obra, geralmente
mediante procedimentos conflitantes com a legalidade.

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Acidentes de trabalho – O genocídio da classe trabalhadora  179

Os trabalhadores entram e saem rapidamente das empresas, graças às


agências de serviços eventuais e aos contratos temporários, seguindo o fluxo e
refluxo da demanda dos bens ou serviços que produz a empresa principal. Entre
os trabalhadores que têm uma inserção precária na empresa, a sinistralidade é
altíssima. Sua capacitação implica um custo que os empregadores não estão dis-
postos a assumir.
A globalização também leva ao dumping social. Os capitais se transferem
com espantosa facilidade para aqueles países com menor custo de trabalho,
fomen­tando entre os governos uma competição para ver quem é mais eficaz em
abater os níveis de proteção que os trabalhadores desse país puderam conseguir.
O que se procura é desarticular toda a estrutura que tutela seus direitos,
para melhorar a competitividade empresária. É assim que se exportam os riscos
para populações mais vulneráveis, de países nos quais não há maiores exigências
em matéria ambiental e de trabalho, e em matéria de gestão da segurança e da
higiene no trabalho, em particular.
A própria OIT pôde comprovar que as empresas multinacionais são muito
mais rigorosas em temas de saúde e segurança na sede central que nas filiais loca­
lizadas em países em desenvolvimento.
É por isto tudo que no projeto de uma Carta Sociolaboral Latino-Americana
— que a ALAL pôs a consideração do movimento sindical e dos governos da re-
gião —, há entre seus pontos principais a obrigação dos Estados de ditar uma
legislação interna que consagre o direito “à efetiva proteção da saúde e da vida
do trabalhador”.
Isso significa que os Estados devem assumir o compromisso de legislar sobre
os sinistros laborais, abordando a temática da prevenção de uma perspectiva glo-
bal e integrada.
Tomando como exemplo o artigo 15 da Lei de Prevenção de Riscos Laborais
(LPRL) da Espanha, podemos sustentar que o dever geral de prevenção do empre-
gador deveria se traduzir em:
a) eliminar os riscos;
b) neutralizar os riscos que não se podem evitar;
c) combater os riscos na sua origem;
d) adaptar o trabalho à pessoa, particularmente no que diz respeito aos pos-
tos de trabalho, bem como à escolha do equipamento e dos métodos
de trabalho e de produção, visando especialmente atenuar o trabalho
monó­tono e repetitivo e a reduzir os seus efeitos na saúde;

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180  Luis Enrique Ramírez

e) ter permanentemente em conta a evolução da técnica de prevenção de


riscos do trabalho;
f ) substituir o perigoso pelo que envolva pouco ou nenhum perigo;
g) planejar a prevenção, buscando um conjunto coerente que integre nela a
técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações
sociais e a influência dos fatores ambientais no trabalho;
h) adotar medidas que anteponham a proteção coletiva à individual.
i) dar a devida capacitação aos trabalhadores;
j) informar obrigatoriamente os trabalhadores sobre os riscos da tarefa que
devem realizar, dos materiais ou ferramentas que devem utilizar e do am-
biente de trabalho;
k) autorizar os trabalhadores a se recusarem a prestar tarefas em condições
que impliquem um risco para sua saúde ou sua vida.
A legislação interna dos países subscritores da Carta Sociolaboral Latino-
Americana deveria também incriminar penalmente os atos ou as omissões dos em-
pregadores que suponham um perigo contra a vida ou a saúde dos tra­balhadores.
Como já dissemos, a imensa maioria dos sinistros laborais são evitáveis.
Portanto, chamá-los “acidentes” constitui uma inaceitável concessão da lingua-
gem. Os acidentes evitáveis sempre serão lesões ou homicídios culposos, ou com
dolo eventual.
Os trabalhadores devem ter o direito e a obrigação de participar tanto no
desenho do sistema de prevenção dos riscos do trabalho, como em sua imple-
mentação em cada lugar de trabalho.
Ninguém melhor do que eles conhece quais são os riscos. Isso garantirá,
aliás, o cumprimento das normas e procedimentos de prevenção. A capacitação
permanente é necessária, mas insuficiente. O trabalhador deve participar ativa-
mente em todas as questões relativas à segurança laboral, já que ele é o principal
interessado.
Quando a prevenção tiver fracassado e o sinistro tiver mesmo se produzido, a
legislação interna de cada país deverá estabelecer um sistema de reparação inte-
gral dos danos sofridos pelo trabalhador. Uma indenização que não seja integral
não é justa.
De forma expressa, o ponto 11 do projeto de Carta Sociolaboral Latino-
Americana estabelece que a gestão do sistema de prevenção e reparação dos riscos
do trabalho “não poderá estar em mãos de operadores privados que atuem com
fim de lucro”. A experiência em países da região nos quais foram habilitadas segu-
radoras de riscos do trabalho como principais agentes do sistema tem sido nefasta.

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Acidentes de trabalho – O genocídio da classe trabalhadora  181

O fim de lucro é absolutamente incompatível com a gestão dos subsistemas


da Previdência Social em geral, e com o de riscos do trabalho em particular. O
operador privado tem um interesse contraditório com o da vítima de um sinistro
laboral. Com o agravante de que o natural conflito que se dá entre ambos se resolve
no âmbito de uma abismal diferença na correlação de forças.

2  Que acontece na Argentina?


No ano 1996 foi sancionada a Lei de Riscos do Trabalho. O novo corpo legal
foi parido pela matriz ideológica que se exibia triunfante por nossas pampas. Seus
autores materiais e ideológicos viram que era possível reduzir os custos laborais,
uma de suas obsessões, dar “segurança jurídica” aos empregadores e, fundamen-
talmente, gerar um novo negócio para os grandes grupos financeiros, que já fazia
um bom tempo tinham abandonado os estreitos limites da atividade bancária e
experimentavam qualquer negócio que lhes gerasse boa rentabilidade.
Tratava-se, simplesmente, de uma nova virada no processo de privatização
da Seguridade Social na Argentina. O argumento era a ineficácia do Estado para
administrá-la, porém, o que realmente motorizava cada iniciativa era os bilhões
de dólares que se moviam em cada um de seus subsistemas. As Seguradoras de
Riscos do Trabalho (ART, por sua sigla em espanhol), que deviam operar o sistema,
são irmãs das Administradoras de Fundos de Aposentadorias e Pensões (AFJP, por
sua sigla em espanhol), que o governo kirchnerista eliminou.
O pior do sistema era, sem dúvidas, a natureza de seu principal operador, a
ART. Com efeito, o fato de que a gestão das prestações e das outras ações previs-
tas na lei tenha ficado a cargo de sociedades comerciais que atuam com fim de
lucro desvendou a verdadeira intenção do legislador.
Com efeito, as seguradoras privadas têm, como já se disse, interesses con-
traditórios no tocante aos interesses das vítimas de sinistros laborais. A maior e
melhor cobertura para elas, menor taxa de lucro para as seguradoras, e vice-versa.
Entretanto, o verdadeiramente perverso desta lei é que os naturais conflitos que
produz a colisão de interesses opostos são resolvidos em um terreno no qual
existe uma abismal disparidade de forças. O trabalhador está, geralmente, pra-
ticamente indefeso frente ao poderio econômico da seguradora. Numa sorte de
jogo macabro de “soma zero”, no qual o que um ganha, o outro perde, a desigual
correlação de forças nos antecipa quem são os perdedores.
É verdade que o Estado intervém no conflito “trabalhador – seguradora”,
mediante a atuação de Comissões Médicas oficiais, que deveriam equilibrar a si-
tuação e proteger a parte mais débil.

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182  Luis Enrique Ramírez

A experiência nos indica que as Comissões Médicas jamais assumiram essa


função. Pelo contrário, elas acabaram sendo funcionais à defesa dos interesses
das seguradoras. A maioria dos profissionais que as compõem carecem de forma-
ção em assuntos de Seguridade Social e, longe de aplicar seus princípios, em par-
ticular o reiteradamente lembrado pela Corte Suprema Argentina de resolver, em
caso de dúvida, a favor da outorga do benefício, acabaram gerando uma literatura
médica que se ajusta bem demais aos interesses das seguradoras.
Se alguma vez tivemos a esperança de que estes organismos aplicassem
racionalidade jurídica e justiça nos conflitos, confesso que logo nos sentimos
defraudados. Eles tiveram em suas mãos uma das leis mais injusta, arbitrária e
irracional da história do Direito do Trabalho, e acabaram sendo funcionais aos inte-
resses das seguradoras.
De forma visível ou disfarçada, sempre aparece em cena o verdadeiro bem
jurídico tutelado pela lei: a taxa de lucro da seguradora. Esta lógica impregna o
sistema todo. Do funcionário da mesa de entrada da seguradora, que se recusa
a receber de um trabalhador a denúncia do sinistro (em que pese a permissão
expressa da lei), ao auditor médico que autoriza altas apressadas, ou as outorga
sem incapacidade, mesmo que seja evidente que ela existe, ou as fixa em valores
mínimos, ou reduz o tempo de prestações em espécie para reduzir custos, sempre
está presente a lógica do interesse de lucro do operador do sistema.
As consequências estão à vista: a maioria dos sinistros de trabalho ficaram
sem cobertura. Exagero? Vejamos:
As doenças profissionais são uma raridade em nosso país. Não porque
não existam, mas porque estão “subdiagnosticadas” (eufemismo que utiliza a
Superintendência de Riscos do Trabalho para dizer que elas são sistematicamente
rejeitadas pelas ART). Se para a Organização Internacional do Trabalho as doenças
profissionais são aproximadamente 38% do total de sinistros de trabalho de que
padecem os trabalhadores, na Argentina são menos de 2% (que se reduzem a
1% se excluirmos as hipoacusias, que não são pagas pelas seguradoras). Segundo
um estudo realizado pela contadora Adriana E. Séneca, se a Argentina tivesse
uma taxa de doenças profissionais similar à média mundial, então poderíamos
dizer que em nosso país ficaram sem cobertura uns dois milhões quatrocentas
mil patologias de origem laboral, no período 07/1996 – 08/2008. Para onde é que
elas foram? Aos planos de saúde dos sindicatos ou aos hospitais públicos. Bem
simples. A isto devemos acrescentar as regravações de incapacidades de trabalho de-
terminadas e indenizadas, que as ART decidiram não cobrir (tomando estatísticas
internacionais, na Argentina deveriam ser mais de 170.000 no mesmo período).

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Acidentes de trabalho – O genocídio da classe trabalhadora  183

As patologias do sistema osteomuscular, as mais comuns na era industrial,


não atingem 0,17% do total de sinistros reconhecidos pelo sistema, que também
não cobre varizes ou hérnias inguinais. No período 1996/2004 na Itália, para dar
um exemplo, foram diagnosticados 2.407 casos de câncer laboral. Em nosso país
nenhum, mesmo que esteja previsto na lista de doenças profissionais.
Trata-se, simplesmente, da ação do lobo que botaram para tomar conta
das galinhas. Há, em consequência, uma enorme contradição entre a natureza
do sistema, inserido na Seguridade Social por decisão expressa do legislador, e
a lógica de seu funcionamento, que se preocupa em cuidar da rentabilidade do
investimento feito pelos acionistas da sociedade anônima constituída como ART.
Como subsistema da Seguridade Social, uma lei de riscos do trabalho deve
funcionar apoiada em princípios próprios deste ramo do direito, como os de uni-
versalidade e integralidade, que representam sua vocação por atingir a maior
quantidade de pessoas e de contingências protegidas. No entanto, se na reali-
dade tudo parece apontar para o cuidado do negócio do operador privado, então
aparece essa contradição que mencionamos e que gera tensões insuperáveis no
interior do sistema.
Qual foi a chave que permitiu às seguradoras deixar sem cobertura essa parte
das contingências de trabalho? Uma interpretação mesquinha e interesseira do
nexo de causalidade entre o sinistro e o dano.
Se estamos perante um subsistema da Seguridade Social, tal como a OIT o
define, o que interessa é a contingência social que se pretende tutelar, mais do
que deslindar responsabilidades como no caso de um sistema de responsabilidade
individual do empregador. No primeiro caso, olhamos a contingência “incapaci-
dade laboral”, ficando em um segundo plano o problema das responsabilidades
e o nexo causal. Porém, a lei argentina e a interpretação que dela fizeram as segu-
radoras e as Comissões Médicas levaram a um processo inverso ao que teria cor-
respondido, abrindo uma porta de acesso ao sistema tão pequena que a maioria
dos sinistros ficaram fora.
A manobra foi simples. Num mundo em que há multicausalidade, foi exigido
que o trabalho fosse a causa única do acidente ou da patologia. Todos sabemos
que na realidade sempre aparecem causas preexistentes, causas concomitantes
e causas supervenientes. Portanto, exigir um nexo causal único entre o trabalho e
o sinistro era a melhor maneira de fechar a torneira. E assim funcionou o sistema
durante catorze anos. E assim foram despojados muitíssimos trabalhadores de
seus direitos, com a cumplicidade de muitos.

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184  Luis Enrique Ramírez

O desafio de proporcionar segurança e saúde aos trabalhadores latino-­


americanos é hoje em dia maior que nunca. Na região mais desigual do planeta,
reduzir e eliminar o “imposto de sangue” é uma necessidade imperiosa.
A consciência social da humanidade, frente o século XXI, que é o século dos
direitos humanos, demanda pôr fim ao genocídio que sofre a classe trabalhadora.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

RAMÍREZ, Luis Enrique. Acidentes de trabalho: o genocídio da classe trabalhadora. Revista


da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2,
p. 177-184, jan./dez. 2014.

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Respuesta legal a la violencia laboral en
países seleccionados de América Latina

Lydia Guevara Ramírez


Consultora legal. Master en Empleo, Relaciones Laborales
y Diálogo Social de la Unión Europea. Master en Derecho Laboral y
Seguridad Social de la Universidad de La Habana. Profesora titular
adjunta de la Facultad de Derecho de la Universidad de la Habana.
Miembro de la Directiva de la Sociedad Cubana de Derecho Laboral
y Seguridad Social de la Unión Nacional de Juristas de Cuba.
Secretaria General de la Asociación Latinoamericana de Abogados
Laboralistas. Miembro del Tribunal Internacional de Libertad
Sindical con sede en México y del Tribunal Mundial de
la libertad sindical con sede en Colombia.

Resumen: El objetivo de este artículo radica en demostrar la factibilidad


del tratamiento y regulación legal de la violencia laboral en sus múltiples
manifestaciones como son el acoso discriminatorio, sexual y en razón del
género, las humillaciones, desprotección, persecuciones y discriminación
laboral en todos los órdenes y en diferentes sectores laborales con vistas a
garantizar el respeto a los derechos de las partes involucradas en la relación
laboral mediante el enfrentamiento, prevención y erradicación de las causas
que la provocan, así como de las consecuencias en la salud física y mental de
las personas afectadas.

Palabras-clave: Violencia laboral. Acoso sexual. Acoso laboral. Conducta


social.

Sumario: 1 Introducción – 2 Algunas soluciones halladas en la Unión


Europea – 3 Papel de la OIT – 4 La situación actual en América Latina –
5 Conclusiones – Referencias

1 Introducción
La violencia en el trabajo reconocida como factor de riesgo en las relacio-
nes laborales conspira contra el buen desenvolvimiento del trabajo causando
afectaciones a los derechos fundamentales de los trabajadores, entre los que se

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186  Lydia Guevara Ramírez

destacan, a la protección de la integridad física y mental, la dignidad, la igualdad


de oportunidades, a un ambiente sano y seguro y a la continuidad de la relación
laboral.
El concepto de violencia ha sido definido por la Organización Mundial de
la Salud, en el Informe mundial sobre la violencia y la salud (OMS, 2003, 3) como
“el uso deliberado de la fuerza física o el poder, ya sea en grado de amenaza o
efectivo, contra uno mismo, otra persona o un grupo o comunidad, que cause
o tenga muchas probabilidades de causar lesiones, muerte, daños psicológicos,
trastornos del desarrollo o privaciones”.
En el “Repertorio de recomendaciones prácticas sobre la violencia en el lugar
de trabajo en el sector de los servicios y medidas para combatirla”, la Organización
Internacional del Trabajo ha definido que la violencia en el trabajo será “toda ac-
ción, incidente o comportamiento que se aparte de lo razonable mediante el
cual una persona es agredida, amenazada, humillada o lesionada por otra en el
ejercicio de su actividad profesional o como consecuencia directa de la misma”,
quedando claro que como “consecuencia directa” se sobreentiende “un vínculo
claro con el ejercicio de la actividad profesional y se supone que dicha acción, in-
cidente o comportamiento ocurre posteriormente, dentro de un plazo de tiempo
razonable” (OIT, 2003, 11).
Con vistas a la prevención, enfrentamiento y sanción de los hechos de vio-
lencia laboral, se han adoptado diferentes posiciones por parte de los países, aun-
que se ha podido comprobar que las soluciones aplicadas no son uniforme, que
algunos optan por modificar la legislación laboral, otros adoptan una legislación
específica, los terceros aplican legislación penal o se someten a la jurisdicción la-
boral, civil, contencioso-administrativa y social y algunos no cuentan con ninguna
de estas opciones, ya que aún la violencia no ha sido visualizada, lo que contri-
buye a que aumenten los hechos de discriminación y el principio de la igualdad
brille por su ausencia.

2  Algunas soluciones halladas en la Unión Europea


En el ámbito europeo se cuenta con una profusa actividad normativa, dentro
de los cuales, a título de mención específica sobre la violencia laboral se mencio-
nan la Carta de Derechos fundamentales de la Unión Europea (diciembre 2000),
(2000/C 364/01), la Resolución del Parlamento Europeo sobre el acoso moral en
el lugar de trabajo (2001/2339 (INI), 20.09.2001), la Resolución del Consejo de 25
de junio de 2007 sobre una nueva estrategia comunitaria de salud y seguridad en

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Respuesta legal a la violencia laboral en países seleccionados de América Latina  187

el trabajo (2007-2012) (2007/C 145/01), el Informe Randstad. Calidad del Trabajo


en la Europa de los Quince. El Acoso Moral. 2003 y el Acuerdo Marco Europeo
sobre Acoso y Violencia en el trabajo.1 El Acuerdo Marco Europeo sobre Acoso y
Violencia en el trabajo fue firmado el 26.04.07, por organizaciones empresariales
y sindicales de la Unión Europea con el fin de prevenir y gestionar problemas de
intimidación, acoso sexual y violencia física en el lugar de trabajo, condenando
toda forma de acoso y de violencia y estableciendo la obligación de los empre-
sarios de proteger a los trabajadores y basa su aplicabilidad en el art. 139.2 del
Tratado Constitutivo de la UE. Se destaca que AMEVA incorpora una política de
tolerancia cero y un conjunto de procedimientos para hacer efectivo el respeto
a los principios de dignidad, confidencialidad, imparcialidad y trato equitativo, ga-
rantizando la adopción de medidas apropiadas contra los autores de actos de
acoso y violencia, que irán de la sanción disciplinaria al despido. Por su parte, las
víctimas recibirán apoyo para su reintegración, en caso necesario.
Son tres los acuerdos sociales europeos entre organizaciones empresariales
y sindicales que han contribuido al combate contra la violencia, siendo estos el
Acuerdo Europeo sobre el Estrés Laboral de 2004, el Acuerdo sobre Violencia y
Acoso de 2007 y las Directrices multisectoriales sobre violencia y acoso de terce-
ros de 2010.
Es preciso apuntar que los documentos constitutivos de la UE y siguientes
se enfilan hacia la igualdad como base del disfrute de los derechos y del respeto
a la dignidad y así desde el Tratado de Roma, el Tratado de Lisboa, el Tratado
de Ámsterdam, la Carta de Derechos Fundamentales y otros documentos
normativos,2 hay un primado de la igualdad en las relaciones jurídicas para llegar
a ser “igualdad jurídica”.
Se supone que la igualdad no solamente se refiere a la relación entre hombres
y mujeres, sino que asume igualdad de oportunidades y de trato para todas las
personas sin discriminación de ninguna índole, ni motivo lesivo a la dignidad hu-
mana, ya sea por raza, etnia, color de la piel, edad, sexo, orientación sexual, diver-
sidad, origen nacional o social, situación económica, estado de salud, etc. Lo que
sucede es que la discriminación de género que pugna en contra de la igualdad

1
Conocido como AMEVA, COM(2007) 686 final.
2
El principio de igualdad de trato entre mujeres y hombres está firmemente establecido en un
amplio conjunto de normas comunitarias en lo que se refiere al empleo, a la formación, a la
promoción profesional y a las condiciones de trabajo.

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188  Lydia Guevara Ramírez

entre hombres y mujeres es el leitmotiv e incluso paradigma de todos los análisis


sobre igualdad y no discriminación.3

3  Papel de la OIT
La organización internacional más comprometida en el combate contra las
múltiples formas de manifestación de la violencia laboral es, sin lugar a dudas, la
Organización Internacional del Trabajo, cuya actividad contra la discriminación y
por ambientes de igualdad de oportunidades se concreta a través de declaracio-
nes y normas internacionales, entre las que se destacan, sin ser exhaustiva la lista,
la Declaración de Principios y Derechos Fundamentales de la OIT (1998), el infor-
me Violencia en el trabajo de 1998, revisado y actualizado en 2006, la Resolución
de problemas psicológicos en el trabajo concretada en la Metodología SOLVE
del año 20004 y el Repertorio de recomendaciones prácticas sobre la violencia
en el lugar de trabajo en el sector de servicios y medidas para combatirla (OIT,
MEVSWS/2003/11).

4  La situación actual en América Latina


América Latina presenta características dignas de resaltar. La violencia labo-
ral constituye un hecho social generalizado, pero es un fenómeno no visualizado
en todos los países, a pesar de ser un factor de riesgo en las relaciones de empleo
y actuar en consecuencia sobre otras relaciones interpersonales. Se observa resis-
tencia al reconocimiento, porque es una violencia en relaciones donde están pre-
sentes los entes públicos o personas jurídicas y no interpersonales, donde quien
tiene la obligación de proteger es quien ocasiona el daño, pero sin base científi-
ca es imposible estudiar el fenómeno. Todavía la violencia laboral no se trata en
todos los países como un factor organizacional, sino que se sigue observando
como el resultado de una conducta y comportamiento narcisista e individual de
un sujeto contra otra persona y no se observa interés en conceptualizarla para
sancionar leyes.

3
Se ha hecho mención de la discriminación porque es una forma de violencia que impide el
ejercicio de los derechos laborales fundamentales en el ámbito de una relación jurídico-laboral
(Nota de la autora).
4
Se ha completado con modificaciones recientes incorporando otros elementos importantes
para valorar los factores de riesgo de conjunto con el entramado de relaciones dentro del medio
ambiente laboral y en otras relaciones comunitarias, sociales, etc., como son la actividad física, el
sueño saludable, el humo de segunda mano, el estrés económico y la nutrición.

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Respuesta legal a la violencia laboral en países seleccionados de América Latina  189

A finales del año 2012, en México se agregó a la Ley Federal del Trabajo,
como garantía de la protección a los trabajadores ante fenómenos laborales que
les afectan, un artículo en específico, el 3 bis, que define los conceptos de hostiga-
miento y acoso sexual. La fracción XII del artículo 133 determinó específicamente
la prohibición a los patrones de acosar a sus trabajadores y la fracción XIII establece
la responsabilidad del patrón frente al acoso en su empresa o centro de trabajo,
aún cuando él no la haya ocasionado y sea propiciada por sus trabajadores
Es importante destacar la promulgación de la Ley de las Mujeres para una
vida sin violencia por el Honorable Congreso del Estado de Durango de 13 de
enero de 2012 que se refiere a la violencia de género y en su texto define qué se
entiende por acoso moral en el trabajo y por violencia de género en el ámbito
laboral.
En cuanto a Brasil, el Código Penal aplica sanción por acoso sexual, pero
el acoso moral todavía no forma parte de una legislación específica de nivel na-
cional. La legislación específica sobre acoso moral se limita a la administración
pública municipal y estadual.
Hay leyes contra acoso moral en 340 municipios. São Paulo es el estado de
mayor población del país con más de 41 millones de habitantes y está casi total-
mente cubierto por legislación estadual y municipal. La región del Sudeste y del
Sur son las que tienen más leyes aprobadas, además de ser las de mayor cantidad
de población con un total de más de 80 millones de habitantes. Actualmente se
encuentra en discusión un proyecto de Ley 7.202/2010 que incluye el acoso moral
como accidente del trabajo.
El día 2 de mayo se ha declarado por ley como Día de Combate al Acoso
Moral. Los tribunales regionales de trabajo de Bahía, Espíritu Santo, Sao Paulo,
Minas Gerais y Río Grande del Sur han creado una jurisprudencia por acoso moral,
abusos y violaciones de los derechos humanos.
Es de destacar la actividad de las organizaciones sociales y sindicales por lo
que aún sin una ley de carácter federal podemos mencionar el acuerdo negociado
entre dos centrales obreras, CONTRAF y CUT con BRADESCO,5 que trajo como re-
sultado un Protocolo para prevenir el conflicto en el ambiente de trabajo, así como
la Ley 11.948, de 16 de junio de 2009, en el sentido de no ejecutar préstamos a las
entidades que hayan sido sancionadas por actos de acoso moral en el trabajo.

5
El sector bancario brasileño es considerado uno de los más violentos en el país, ya no por las
acciones derivadas de la violencia externa, sino la que se comete internamente en el concepto
de acoso moral en el trabajo.

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190  Lydia Guevara Ramírez

La solución hallada en Ecuador ha sido a través de la norma constitucional,


que en el título II, capítulo sexto, derechos de libertad, artículo 66, regula el derecho
a la integridad personal, que incluye la integridad física, psíquica, moral y sexual y
una vida libre de violencia en el ámbito público y privado. El Estado adoptará las
medidas necesarias para prevenir, eliminar y sancionar toda forma de violencia,
en especial la ejercida contra las mujeres, niñas, niños y adolescentes, personas
adultas mayores, personas con discapacidad y contra toda persona en situación
de desventaja o vulnerabilidad.
En Bolivia, las regulaciones aparecen en su Constitución recientemente
aprobada. Marca un hito para el resto de los países de la región, el hecho de que
en su artículo 49, la Constitución defina que el Estado protegerá la estabilidad
laboral, prohibiéndose el despido injustificado y toda forma de acoso laboral.
En el tema de referencia, Argentina a nivel nacional no cuenta con una ley
específica, sin embargo existen normas en las diversas provincias que tratan el
tema, en la mayoría de las mismas se contempla la situación dentro del sector
público, exceptuando en la Provincia de Entre Ríos, que es comprensiva del sector
público y privado
En Uruguay se aprobó definitivamente en agosto 2009 la Ley 18.561 para ti-
pificar como falta laboral grave la violencia moral en el trabajo, conjuntamente con
el acoso sexual, brindando además protección frente al despido en estos casos.
En cuanto a Chile, el 08 de agosto de 2013 comenzó a regir la ley relativa
al acoso laboral (Ley 20.607), la cual introduce modificaciones en el Código de
Trabajo vigente. Antes de esta ley, no existía regulación específica sobre este tema
en Chile. Los aspectos relevantes de la Ley se refieren a la definición de acoso
laboral y las acciones a adoptar contra quien cometa dicho acto, pudiendo ser
despedido sin derecho a indemnización por años de servicio ni indemnización
sustitutiva del aviso previo.
En Venezuela su marco legal contempla la Ley Orgánica de Prevención,
Condiciones y Medio Ambiente de Trabajo (2005) con su Reglamento Parcial de
fecha 2007, la Ley sobre el Derecho de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia
(2007) y la Ley Orgánica de los trabajadores y trabajadoras, LOTTT de 2012, com-
plementada por un Reglamento parcial puesto en vigor en 2013.
La Ley Orgánica de Prevención, Condiciones y Medio Ambiente de Trabajo
constituye la primera ley al nivel nacional en un país latinoamericano que norma
todo lo relativo al acoso moral en el trabajo, desde la seguridad y salud en el trabajo.
La Ley Orgánica del Trabajo, de trabajadores y trabajadoras, LOTTT de 06
de mayo de 2012, incorpora las definiciones de acoso laboral y acoso sexual y en

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Respuesta legal a la violencia laboral en países seleccionados de América Latina  191

el artículo 166 destaca las acciones contra el acoso laboral o sexual por parte del
Estado, las organizaciones sociales, los patrones y patronas.
En Colombia se adoptó en 2006 la Ley 1.010 por medio de la cual se adoptan
medidas para prevenir, corregir y sancionar el acoso laboral y otros hostigamien-
tos en el marco de las relaciones de trabajo de los que realicen sus actividades
económicas en el contexto de una relación laboral privada o pública y aclara que
no se aplicará en el ámbito de las relaciones civiles y/o comerciales derivadas de
los contratos de prestación de servicios en los cuales no se presenta una relación
de jerarquía o subordinación. Tampoco se aplica a la contratación administrativa.
Para concluir, Cuba no cuenta con una legislación específica referida a la
sanción del acoso laboral, no lo define, e incluso existen muy pocas reclamacio-
nes ante los tribunales sobre esta figura, no obstante el sistema de justicia laboral,
puesto en vigor por el Decreto ley 176 de 1997, completado con la Resolución
Conjunta del Ministerio de Trabajo y Seguridad Social y el Tribunal Supremo
Popular del mismo año, reconoce como violación de la disciplina laboral el mal-
trato de palabra u obra a superiores, compañeros de trabajo y terceros en oca-
sión o con motivo de la actividad laboral y la legislación aplicable a los cuadros
y funcionarios reconoce iguales violaciones de la disciplina laboral de estos con
respecto a los trabajadores subordinados, en ocasión o con motivo de la actividad
laboral.
El sector que en todos los estudios se considera como el de mayor violencia
psicológica en el mundo es el de la Administración Pública. La incidencia de este
sector en las estadísticas de violencia provocó el estudio de la OIT conocido como
Violence at Work y el Repertorio de Recomendaciones prácticas sobre la violencia
en el lugar de trabajo en el sector de los servicios y medidas para combatirla del
año 2003, que tiene por objeto facilitar pautas generales de orientación para tra-
tar el problema de la violencia en el lugar de trabajo en el sector de los servicios.
Sin embargo, América Latina se diferencia del resto de las regiones por el
incremento de la violencia en las empresas productivas y de servicios subsidia-
rias de las grandes trasnacionales, como son Wallmart, McDonald, Carrefour, los
Bancos más importantes, que como todos conocemos impiden la creación de
sindicatos, la negociación colectiva y el ejercicio del derecho colectivo de repre-
sentación sindical y por tanto, los hechos de violencia que ocurren ni son “visuali-
zados” ni “identificados”.
Para que la sociedad enfrente el fenómeno, se hace necesario un proceso
de información y formación que contribuirá en definitivas a la creación de un he-
rramental jurídico que sirva a todos los operadores del derecho. Es necesario que

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192  Lydia Guevara Ramírez

tanto los jueces que administran justicia como los abogados litigantes, conozcan
y se capaciten en todo lo relativo a las causas y consecuencias de la violencia psi-
cológica, ya sea en la administración pública, en la empresa productiva pública
o privada, en las escuelas, hospitales y otras esferas de los servicios. Por tanto, es
especialmente interesante un trabajo de reflexión intenso y detallado por parte
de la doctrina, puesto que ya es posible detectar, de un análisis de los pocos ejem-
plos de lo que hoy disponemos, los principales problemas que se están planteando
y que frenan una comprensión adecuada, por parte del derecho, dificultando una
aplicación efectiva de la legislación existente para reprimir o sancionar conve-
nientemente tales comportamientos.

5 Conclusiones
Son más los países que carecen de una legislación específica y que tratan
de resolver la necesaria protección a través de un proceso de reforma de la legisla-
ción vigente o mediante la autorregulación y últimamente a través de los modelos
promocionales, aunque no hay fronteras definidas y puede haber una mistura de
los diferentes modelos a favor de la protección de las víctimas de tales conductas
abusivas y dañinas de la salud de las personas.
Hay países que ya cuentan con un avance legislativo importante, caracteri-
zado por referencias de carácter constitucional y normas laborales, civiles y penales,
que asegura un marco legal para proteger a la víctima de tales acciones, aunque
sería recomendable cierta unificación de los cuerpos legales vigentes para evitar la
dispersión normativa que en ocasiones pudiera arrojar dudas de aplicabilidad en el
juzgador.
De una forma u otra, todos los países cuentan con armas legales e institu-
cionales para afrontar el problema en sus múltiples perspectivas, basados en el
respeto a los derechos humanos tales como la dignidad, la honra, el honor, la inte-
gridad física y mental, que son atacados directamente en un ambiente de violencia
laboral, sobre todo del orden psicológico, en su manifestación de acoso laboral.
Tanto desde una perspectiva de la legislación vigente como de las propues-
tas legislativas, existe un clarísimo primado de la tutela preventiva y, paradójica-
mente, de la tutela penal, ya que al adscribir la violencia y el acoso como tratos
degradantes hay una fuerte corriente hacia la “penalización” del derecho laboral,
lo que a nuestro juicio limita el uso de las herramientas propias del derecho la-
boral, desviando la tutela de esta rama, hacia la acción de la justicia penal, en
algunos casos, con sanciones extremas que tampoco parecen ser suficientes a los
fines de la prevención y la educación.

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Respuesta legal a la violencia laboral en países seleccionados de América Latina  193

Se precisa de la labor coordinada y consciente de los especialistas, investi-


gadores, profesionales para garantizar una doctrina que pueda proporcionar los
principios, fundamentos y razones para que las normas que regulan la materia,
proporcionen la debida protección a la víctima, evitando por su ausencia o por
“doctrinas falsas y negativas” consecuencias nefastas hacia la seguridad y salud de
los trabajadores y trabajadores, ya que estas conducen a la confusión por parte de
los jueces y en última instancia se traducen en indefensión para la víctima.

Abstract: The aim of this work is to demonstrate the feasibility of treatment


and legal regulation of workplace violence in its various forms, such as
discriminatory harassment, sexual and gender, humiliation, vulnerability,
persecution and discrimination in the workplace at all levels and work in
different sectors in order to ensure respect for the rights of the parties to the
employment relationship through confrontation, prevention, and the health
consequences of physical and mental affected.

Key words: Violence in the workplace. Sexual harassment. Bullying. Social


behaviour.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

GUEVARA RAMÍREZ, Lydia. Respuesta legal a la violencia laboral en países seleccionados


de América Latina. Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT,
Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 185-194, jan./dez. 2014.

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A degradação do trabalhador – Os grandes
eventos esportivos internacionais e o
trabalho escravo no Brasil

Manoel Maurício Ramos Neto


Graduando em Direito da Universidade Federal do Pará. Autor do
artigo vencedor do I Concurso Universitário da ABRAT, em 2013.

Netícia Melo Conceição


Graduando em Direito da Universidade Federal do Pará. Autora do
artigo vencedor do I Concurso Universitário da ABRAT, em 2013.

Resumo: O presente trabalho versa sobre os impactos que os grandes even-


tos esportivos internacionais que serão realizados no Brasil em 2014 e 2016
causarão nas relações de trabalho, com especial enfoque para as violações a
direitos trabalhistas e degradação do trabalhador através de condutas que
caracterizam trabalho análogo ao de escravo. Aborda-se a temática através
do método empírico, método de procedimento histórico, buscando-se uma
interação dialética entre a realidade vivida no contexto histórico social e as
informações obtidas por intermédio de doutrina jurídica, informativos, sites
ou outros meios de pesquisa bibliográfica. O principal objetivo deste traba-
lho é entender e demonstrar a fundamental importância que o direito do
trabalho assume neste contexto para que se possa usar efetivamente a sua
força na salvaguarda da dignidade dos trabalhadores e cumprir as normas
constitucionais que ratificam o seu status ímpar no ordenamento jurídico
brasileiro como instrumento de harmonização entre os fundamentos da
República brasileira, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho e da livre-iniciativa.

Palavras-chave: Eventos esportivos internacionais. Direitos trabalhistas. Tra-


balho análogo ao de escravo.

Sumário: Introdução – 1 O Brasil dos grandes eventos esportivos interna-


cionais, das desigualdades sociais e das violações a direitos jus laborais –
2 O trabalho degradante nas obras dos eventos desportivos internacionais
no Brasil – Conclusão – Referências

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Introdução
O Brasil será país-sede da Copa do Mundo FIFA de 2014, que ocorrerá entre
11 de junho e 13 de julho, em várias cidades do país, e também sediará os Jogos
Olímpicos de 2016, que serão realizados na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias
05 e 21 de junho. É cediço que sediar eventos desse porte exige alto comprome-
timento das cidades, pois são diversos os encargos apresentados pela FIFA e pelo
Comitê Olímpico Internacional (COI). Assumir esses encargos é uma condição de
candidatura do interessado em sediar um megaevento esportivo.1
É neste contexto econômico-social que o Direito do Trabalho “entra em
campo” como alvo de modificações basilares, nem sempre tão favoráveis à parte
hipossuficiente da relação jurídica laboral — o trabalhador —, pois sediar estes
grandes eventos esportivos envolve a implantação de estruturas, como estádios,
obras de mobilidade urbana, aeroportos, portos, implantação de hotéis, entre ou-
tras relativas a turismo e serviços, como rede de comunicações, redes de tecnolo-
gia de comunicação, proteção à saúde e à segurança pública. Tudo isso a custo, é
claro, de muita força de trabalho. Assim, é fundamental refletir sobre a questão do
trabalho no contexto do projeto dos grandes eventos desportivos.
Nesse sentido, o presente trabalho analisa essas questões e estrutura-se de
modo a considerar primeiramente os aspectos ligados às contradições sociais,
degradação do trabalhador e demais violações a direitos trabalhistas no contexto
dos eventos esportivos internacionais e as repercussões que estes gerarão nas
relações de trabalho. Aborda a degradação do trabalhador relacionada às obras
desses eventos sob a perspectiva da noção internacional de trabalho decente
e, por último, ressalta a fundamental importância do direito do trabalho nesse
contexto, como instrumento de proteção da dignidade do trabalhador, ampla-
mente salvaguardada pelo nosso ordenamento jurídico e aponta o destaque que
o direito laboral assume frente às complexas modificações sociais, “assumindo o
seu lugar no pódio” legitimado constitucionalmente e internacionalmente como
tutor de direitos humanos fundamentais.

1  O Brasil dos grandes eventos esportivos internacionais, das


desigualdades sociais e das violações a direitos jus laborais
Em um primeiro momento, o governo brasileiro garantiu que os megaeventos
desportivos atrairiam investimentos e atenção internacional; gerariam emprego,

1
UZZO; SAULE JÚNIOR. Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos humanos no âmbito
de megaprojetos e megaeventos, p. 56.

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renda, benefícios econômicos e de infraestrutura em geral e que as referidas obras


não seriam subsidiadas com o dinheiro público.2 Todavia, os protestos e manifesta-
ções populares que tomaram conta das ruas em meados do primeiro semestre de
20133 demonstram a ineficiência estatal em garantir serviços básicos como saúde,
educação, mobilidade urbana, entre outros, e deixam transparecer a indignação
de inúmeros cidadãos em relação aos altos investimentos que o país realiza para
cumprir as exigências necessárias para sediar os eventos desportivos em comento.
As experiências recentes, nacionais e internacionais, relacionadas a grandes
projetos de infraestrutura urbana, muitas vezes combinados com a realização de
megaeventos esportivos, tais como a famigerada Copa do Mundo e Olimpíadas,
demonstram que o planejamento e a execução das ações para a realização des-
tes “superprojetos”, muitas vezes, não dialogam com envolvidos, não preveem os
impac­tos a serem gerados para a comunidade atingida, “intensificando proble-
mas sociais e desrespeitando direitos humanos, em especial, o direito à cidade, à
moradia, ao trabalho, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à digni-
dade da pessoa humana”.4
Nesse ínterim, a geração de emprego surge como uma das principais con-
sequências das obras relacionadas com os eventos internacionais desportivos no
Brasil — a título de exemplo, na página eletrônica do Consórcio Maracanã Rio
2014,5 estima-se que as obras de reforma do estádio Maracanã geram três mil
empregos diretos.
Razão esta para que os impactos trazidos por estes grandes eventos, além
de poderem ser compreendidos através dos aspectos socioeconômico e ambien-
tal, também podem ser claramente visualizados sob o prisma “justrabalhista”, uma
vez que o Direito do Trabalho, como afirma Martins, “é muito dinâmico, mudando
as condições de trabalho com muita frequência, pois é intimamente relacionado
com as questões econômicas”.6 E de diferente modo não poderia sê-lo, já que
diante de tantas transformações no Brasil e no mundo, o Direito do Trabalho não
pode se quedar inerte.
Não obstante, se é verdade que os megaeventos podem oferecer uma opor-
tunidade para inclusão social dos trabalhadores, para a geração de empregos e a

2
Conforme, BRASIL. Planalto. Pronunciamento oficial da Presidente da República Dilma Rousseff,
21 jun. 2013.
3
FOLHA de S. Paulo. País e protesto.
4
AGÊNCIA PÚBLICA. Dossiê megaeventos e violações a direitos humanos no Rio de Janeiro.
5
CONSÓRCIO Maracanã Rio 2014. O projeto.
6
MARTINS. Direito do trabalho, p. 3.

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ampliação de direitos; não tem sido somente essa a realidade brasileira, uma vez
que se percebe um padrão de crescente precarização, “seja em relação a operários
empregados e subempregados nas grandes obras, como estádios e rodovias; seja
em relação a trabalhadores informais reprimidos no exercício de sua atividade
econômica ou encontrados em condições degradantes de trabalho”.7
É então que se deve clamar pelo “princípio de proteção ao trabalhador”, cujo
fundamento se subsome a essência do Direito do Trabalho. É assim, basicamente,
que este deve “entrar em campo” e cumprir o papel fundamental de garantir o
equilíbrio da relação trabalhista, pois conforme alerta Delgado: “a valorização do
trabalho humano é um dos princípios da nossa ordem econômica e garante um
patamar de civilização mínima”.8
Ao lado disso, o discurso para legitimação de todas as ações (e violações)
necessárias para realização da Copa do Mundo, por exemplo, obriga os países
que a realizarão, como no caso do Brasil, a aprovar uma lei específica para tratar
dos assuntos relacionados à Copa. A Lei Federal nº 12.663/2012, doravante Lei
Geral da Copa, foi publicada oficialmente em 05 de junho de 2012. É uma legisla-
ção especial para atender aos compromissos impostos pela FIFA, ou seja, uma lei
de exceção que, somada as pressões internacionais de aceleração da construção
de obras relacionadas à Copa, contribui significativamente para a fomentação do
que se entende por flexibilização do trabalho — em verdade precarização.

[...] A flexibilização pode ser entendida como “liberdade da empresa” para


desempregar trabalhadores; sem penalidades, quando a produção e as
vendas diminuem; liberdade, sempre para a empresa, para reduzir o horá-
rio de trabalho ou de recorrer a mais horas de trabalho; possibilidade de
pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho exige; pos-
sibilidade de subdividir a jornada de trabalho em dia e semana segundo
as conveniências das empresas, mudando os horários e as características
do trabalho (por turno, por escala, em tempo parcial, horário flexível etc.),
dentre tantas outras formas de precarização da força de trabalho.9

Razões não são poucas para que em pouco tempo mobilizações, paralisa-
ções e greves começassem a eclodir nas obras dos estádios e também em outras
obras de infraestrutura, pois, segundo informações contidas no documento digi-
tal intitulado “Megaeventos e Violações a Direitos Humanos no Rio de Janeiro”,10

7
AGÊNCIA PÚBLICA. Dossiê megaeventos e violações a direitos humanos no Rio de Janeiro.
8
DELGADO. Curso de direito do trabalho, p. 183.
9
ANTUNES. Século XXI: nova era da precarização estrutural do trabalho?. In: SEMINÁRIO NACIONAL
DE SAÚDE MENTAL E TRABALHO.
10
AGÊNCIA PÚBLICA. Dossiê megaeventos e violações a direitos humanos no Rio de Janeiro.

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até novembro de 2011, há registros de pelo menos dez paralisações em seis


dos 12 estádios que serão usados para a Copa (Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá,
Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro). A pauta de reivindicações incluía, geralmente,
os seguintes itens: aumento salarial, aumento do pagamento para horas extras,
fim do acúmulo de tarefas, concessão de benefícios como plano de saúde e auxí-
lio alimentação, e, sobretudo, melhoria nas condições de trabalho e diminuição
das jornadas de trabalho desumanamente prolongadas.

2  O trabalho degradante nas obras dos eventos desportivos


internacionais no Brasil
O trabalho análogo ao de escravo, com base no artigo 149 do Código Penal
Brasileiro, pode ser basicamente esquematizado em quatro condutas: submissão
do obreiro a trabalhos forçados; retenção no local de trabalho em razão de dívida
contraída; jornadas exaustivas ou condições degradantes de trabalho. O tipo penal
do artigo supracitado é fechado alternativo, ou seja, qualquer das quatro condutas
tipifica, por si só — alternativamente — o crime em questão, de modo que resta su-
perada a retrógrada e arcaica noção, baseada na experiência brasileira no período
colonial, de que a privação da liberdade é indispensável para a caracterização da
escravidão contemporânea, haja vista que o objetivo principal dessa norma penal é
a proteção da dignidade da pessoa humana,11 a qual é qualidade integrante, ineren-
te e irrenunciável da própria condição humana, um conjunto de direitos e deveres
fundamentais que visam proteger a pessoa de todo ato degradante e desumano.12
Dentre as repercussões trazidas pelos grandes eventos esportivos interna-
cionais nas relações laborais está o trabalho análogo ao de escravo, especialmente
no que diz respeito aos meios de execução e submissão a trabalho em condições
degradantes13 e jornadas exaustivas. Ressalta-se que o conceito de jornada exaus-
tiva, de certa forma, é englobado pelo de condições degradantes de trabalho,
uma vez que obrigar o empregado a trabalhar além daquilo que é legal, aceitável,
razoável e humano é uma forma de degradação humana.14

11
BRITO FILHO. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho: trabalho escravo e
outras formas de trabalho indigno, p. 66.
12
SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 44.
13
Aborda-se o termo “condições degradantes de trabalho” como sinônimo de “trabalho degradante”,
vez que não é cabível, para os fins a que se propõe este trabalho, adotar a diferenciação entre estes
termos tratada por Wilson Ramos Filhos (Trabalho degradante e jornadas exaustivas: crime e castigo
nas relações de trabalho neo-escravistas. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Paraná).
14
BRITO FILHO. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho: trabalho escravo e outras
formas de trabalho indigno, p. 72.

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Posto isso, faz-se mister destacar ainda a referência internacional, através


do conceito de “trabalho decente”, postulado pela Organização Internacional do
Trabalho, caracterizando-se como um labor produtivo adequadamente remune-
rado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer
formas de discriminação, capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que
vivem de seu trabalho, com a garantia da liberdade sindical e da proteção contra
os riscos sociais, além da proibição de jornadas exaustivas e trabalho infantil.

O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos


estra­tégicos da OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aque-
les definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos
e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em
1998: (i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de nego-
ciação coletiva; (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado;
(iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as for-
mas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção
do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o
fortalecimento do diálogo social.15

Não raro se tem notícias sobre trabalho escravo relacionado a obras da Copa
do Mundo de 2014.16 Um dos casos mais notáveis é aquele no qual uma inspeção
do Ministério do Trabalho e Emprego, através do Grupo Móvel de Auditoria de
Obras e Infraestrutura, que fiscalizou 25 obras da mobilidade urbana em Cuiabá
e Várzea Grande, no Mato Grosso, flagrou a ocorrência de trabalho em condições
análogas às de escravo, que colocavam em risco a saúde e a segurança dos obrei-
ros em obras da Copa do Mundo de 2014.17

“Verificamos situações degradantes e insalubres em alojamentos de uma


construtora de obra da Copa”, afirmou Amarildo Borges que não revelou
o nome da empreiteira. Segundo ele, no local vistoriado boa parte dos
colchões estão podres e não há qualquer conforto para os trabalhadores.
“Enquanto algumas empresas oferecem alojamentos dignos, a maioria
não tem a mínima preocupação com esse fato. Detectamos refeitórios
sujos e vergonhosos. Os banheiros sanitários são de péssima qualidade”,
aponta o inspetor, informando que muitas das 430 autuações executadas
pelo GMAI até esta quinta-feira (7) foram relacionadas à insalubridade [...]
Amarildo Borges não poupou críticas às construtoras e pediu providên-
cias no sentido de humanizar o amparo a trabalhadores que vieram de

15
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. O que é trabalho decente.
16
G1-MATOGROSSO. Três obras previstas para a Copa em Cuiabá são suspensas por falhas.
17
OLHAR DIREITO. Inspetor vê situação análoga a trabalho escravo em obras da Copa.

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outras cidades para trabalhar nas obras da Copa. E não escondeu uma
preocupação: “Alguns alojamentos estão em situação degradante, com
semelhança à de trabalho escravo. Já imaginou se a Fifa vir a Cuiabá e
verificar uma situação dessas? Seria extremamente vergonhoso”.18

A ocorrência de trabalho escravo nas obras dos grandes eventos internacio-


nais demonstra uma inversão de valores e violação literal aos direitos humanos e
à Constituição, vez que a construção de obras de infraestrutura a menores prazos
e custo econômico assume o lugar de fim, enquanto o trabalhador de meio. Essa
realidade ratifica os argumentos da professora Valena Mesquita,19 de que atual-
mente “a conotação para o trabalho escravo é outra, mas o significado é o mesmo:
a exploração pelo poder econômico do homem, oprimido pela falta de opções,
de profissão, de expectativas e pela miséria”.
As ações de combate ao trabalho em condições degradantes visam a pro-
moção da dignidade do obreiro, pois, segundo o Procurador do Trabalho Leomar
Daronch,20 “o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança, é assegurado pela Constituição
Federal e o seu não cumprimento configura afronta ao postulado da dignidade
da pessoa humana”. Neste sentido, também completa o referido procurador: “é
imprescindível que o empregador observe, rigorosamente, os procedimentos de
segurança disciplinados nas normas regulamentadoras expedidas pelo Ministério
do Trabalho e Emprego, sob pena de infirmar o valor social do trabalho, outro
fundamento da República Federativa do Brasil”.
O ordenamento jurídico pátrio salvaguarda incisivamente a dignidade do
trabalhador, haja vista que tal tutela é feita através da Constituição de 1988, colo­
cando-a até mesmo nos fundamentos da República brasileira — artigo 1º, III, IV —,
assim como na esfera dos direitos e garantias fundamentais — nos direitos sociais,
artigos 6º ao 9º. Ademais, a constitucionalização do trabalho humano, previsto no
art. 170 da Constituição de 1988, fundamenta a ordem econômica e determina a
busca do pleno emprego — art. 170, VII da Carta Magna — e o desenvolvimento

18
Idem.
19
MESQUITA. A utilização de mão de obra escrava na colonização e ocupação da Amazônia: os
reflexos da ocupação das distintas regiões da Amazônia nas relações de trabalho que se formaram
nesta localidade. In: NOCCHI; VELLOSO; FAVA (Coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio
de superar a negação, p. 114.
20
BRASIL. Ministério Público do Trabalho. MPT firma TAC com empresa que executava obras da Copa
de 2014 em Cuiabá.

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de políticas aptas a proporcionar a distribuição equitativa da renda, bem como o


acesso a bens e serviços.21
Sendo assim, qualquer ato atentatório contra os direitos trabalhistas, que
resguardam o labor em condições dignas, é flagrante violação ao ordenamento
jurídico tanto no plano constitucional, infraconstitucional e internacional. Como
exemplo dessas violações, o trabalho escravo ainda é uma realidade caótica e
desumana que “mancha” a história do Brasil e vem sendo efetivamente impactada
pelos grandes eventos esportivos, manifestando-se, sobretudo, através da forma
de execução de trabalho em condições degradantes e jornadas exaustivas.

Conclusão
Os direitos fundamentais são o núcleo do Estado Democrático de Direito
e orientam a interpretação de todas as demais normas constitucionais, vinculando,
assim, tanto as ações do Poder Público quanto da iniciativa privada, inclusive
aquelas voltadas para a regulação das relações de trabalho.
Sediar tais eventos deve ter como finalidade primordial promover o bem de
todos, o crescimento econômico sustentável, o lazer, a saúde, o verdadeiro desen-
volvimento voltado para a qualidade de vida das pessoas e para a efetivação de
Direitos fundamentais.
Desta feita, é inadmissível que ocorra no Brasil situações em que a ordem
de importância dos atores envolvidos na relação se invertam. Todas as políticas
públicas e privadas devem ser voltadas para a promoção da dignidade da pessoa
humana e não para a exploração do trabalhador com vista à execução de grandes
eventos ou qualquer outro fim. É preciso ficar claro que o trabalhador não pode
ser considerado como um meio, um instrumento para a construção de estádios e
outras obras de construção civil para garantir a infraestrutura exigida pelas enti-
dades organizadoras de eventos esportivos.
Por fim, é importante frisar que o trabalho deve dignificar o homem, e não
degradá-lo. É neste desiderato que o Direito do Trabalho “entra em campo”, como
meio fundamental na regulação das relações laborais que sofrerão impactos antes
e após esses eventos, além de que é um instrumento eficaz para repudiar qual-
quer ação que tenha como base os argumentos que defendem a relativização
dos direitos laborais e para combater as práticas de submissão do trabalhador a
condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, entre outras violações a
direitos laborais.

21
GUERRA. O direito fundamental ao trabalho e o papel da empresa na sociedade pós-moderna.

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Destarte, o Direito do Trabalho assume seu lugar no pódio, dado seu elevado
grau de importância como instrumento de salvaguarda do “direito fundamental
ao trabalho digno”,22 de democratização e inclusão social, estabelecendo a incor-
poração do fator humano ao sistema econômico e assegurando o pleno e efetivo
exercício da cidadania através do labor,23 de modo que o seu desrespeito ou su-
pressão implica rechaçar fundamentos do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho.

Referências
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22
DELGADO. Direito fundamental ao trabalho digno, p. 71.
23
DELGADO. Capitalismo, trabalho e emprego, p. 128.

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204  Manoel Maurício Ramos Neto, Netícia Melo Conceição

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UZZO, Karina Gaspar; SAULE JÚNIOR, Nelson. Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos
humanos no âmbito de megaprojetos e megaeventos. São Paulo: Instituto Pólis; Brasília: Secretaria
Especial de Direitos Humanos, 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

RAMOS NETO, Manoel Maurício; CONCEIÇÃO, Netícia Melo. A degradação do trabalhador:


os grandes eventos esportivos internacionais e o trabalho escravo no Brasil. Revista
da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2,
p. 195-204, jan./dez. 2014.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de
revista no processo do trabalho

Mauro Schiavi
Juiz Titular da 19ª Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e
Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor Universitário.
Autor, entre outros 16, do livro Recursos no
processo do trabalho (2. ed. São Paulo: LTr, 2013).

Palavras-chave: Justiça do trabalho. Recurso de revista. Processo trabalhista.


Direito processual do trabalho.

Sumário: 1 Conceito e fundamentos – 2 A questão da violação de literal dis-


positivo de Lei Federal ou da Constituição da República – 3 O prequestiona-
mento – 4 A polêmica questão da transcendência

1  Conceito e fundamentos
O recurso de revista, conforme nos traz a melhor doutrina, é um recurso de
natureza extraordinária, ao lado do recurso especial (que é cabível ao STJ) e do
recurso extraordinário (interposto perante do STF).
Ensina-nos Ives Grandra da Silva Martins Filho:1

As instâncias ordinárias correspondem ao direito do cidadão de ver sua


causa apreciada por um juiz singular (juiz de direito, juiz federal ou juiz
do trabalho) e reexaminada por um colegiado (Tribunal de Justiça, Tri-
bunal Regional Federal ou Tribunal Regional do Trabalho), tanto nos seus
aspectos de direito quanto nos seus aspectos de fáticos. Já as instâncias
extraordinárias dizem respeito ao direito do Estado Federal ter suas nor-
mas aplicadas e interpretadas de modo uniforme em todo o território
nacional, quer se tratade de lei federal (cujos guardiões são o Superior

1
Critério de transcendência no recurso de revista: Projeto de Lei n. 3.267/2000. Revista LTr –
Legislação do Trabalho, v. 65, n. 8, p. 905-918, ago. 2001. p. 906.

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Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho), quer se trate da


própria Constituição Federal (que tem o Supremo Tribunal Federal como
guardião máximo).

Como destaca Estêvão Mallet:2

Enquanto os recursos ordinários prestam-se para corrigir qualquer injus-


tiça contida na decisão — entendida injustiça como incorreta solução da
lide — os de natureza extraordinária servem apenas para eliminar injusti-
ças específicas [...]. É de se repelir, portanto, a diferenciação dos recursos
em ordinários e extraordinários conforme os efeitos que a interposição
possa ter sobre a coisa julgada.

Podemos conceituar o recurso de revista como um recurso de natureza ex-


traordinária, cabível em face de acórdãos proferidos pelos Tribunais Regionais do
Trabalho em dissídios individuais, tendo por objetivo uniformizar a interpretação
das legislações estadual, federal e constitucional (tanto de direito material como pro-
cessual) no âmbito da competência da Justiça do Trabalho, bem como resguardar a
aplicabilidade de tais instrumentos normativos.
A expressão dissídio individual a que se refere o art. 896, da CLT, deve ser lida
como sendo o dissídio de competência originária do primeiro grau de jurisdição,
uma vez que há ações de natureza coletiva como as envolvendo substituição pro-
cessual e própria ação civil pública que se iniciam em primeiro grau, podendo ser
objeto do recurso de revista. Já os dissídios coletivos previstos na legislação pro-
cessual trabalhista (de natureza econômica, jurídica ou de greve) não se iniciam no
primeiro grau de jurisdição e, portanto, não podem ser objeto de recurso de revista.
O recurso de revista é o recurso último, na Justiça do Trabalho, para impug-
nação de decisões proferidas em dissídios individuais, não obstante ainda haver a
possibilidade de se questionar a decisão no Supremo Tribunal Federal, na hipótese
de violação da Constituição Federal.
Trata-se de recurso técnico, com pressupostos rígidos de conhecimento e,
portanto, não se destina a apreciar fatos e provas e tampouco avaliar a justiça da
decisão, pois tem por objeto resguardar a aplicação e vigência da legislação de
competência da Justiça Trabalhista.
Atualmente, muito se tem discutido sobre a necessidade e utilidade do
recurso de revista no processo do trabalho, considerando-se os princípios da

2
Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 15.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  207

oralidade e também da necessidade de se imprimir celeridade ao processo traba-


lhista, pois é sabido que a tramitação do recurso de vista é lenta e enquanto não
for julgado, como regra, a decisão não transita em julgado, impedindo a execução
definitiva da decisão de segundo grau. Além disso, em nosso país de dimensões
continentais, é necessária uma única interpretação do direito material e proces-
sual do trabalho diante das flagrantes diversidades culturais e socioeconômicas
existentes entre os Estados brasileiros?
A necessidade do recurso de revista, embora questionável, está na manu-
tenção da unidade de interpretação do direito do trabalho e também da necessi-
dade de se dar eficácia igualitária dos princípios constitucionais trabalhistas em
todo o território nacional.
Estêvão Mallet3 justifica a necessidade do recurso de revista com os seguin-
tes argumentos:

A revista não pode ser abolida porque isso levaria, em última análise, à
desintegração do direito do trabalho federal. Diante da força criadora da
jurisprudência, sobre a qual se falou no início do presente estudo, se não
houvesse como unificar intepretações divergentes em torno do mesmo
dispositivo legal, em pouco tempo o Direito do Trabalho nacional substi-
tuído, na prática, por diferentes versões locais, o que não parece desejável
nem é pretendido por quem buscar tornar mais célere a tramitação das
demandas trabalhistas. Por aí se vê que o recurso de revista desempenha
função realmente relevante, não convindo sua eliminação: os prejuízos
decorrentes não compensariam as vantagens obtidas, até porque a eco-
nomia de tempo alcançada seria proporcionalmente pequena, em com-
paração com o tempo total do processo.

O recurso de revista deveria ser o último em matéria trabalhista, mesmo


que fosse constitucional, uma vez que o Tribunal Superior do Trabalho é um tri-
bunal especializado em matéria constitucional trabalhista e é corte de natureza
extraordinária. Portanto, de lege ferenda, em se tratando de dissídio individual do
trabalho, o último recurso deveria ser o de revista e não o extraordinário para o
Supremo Tribunal Federal.
Embora a jurisprudência tenha dificultado ao máximo o conhecimento de
recursos extraordinários em causas individuais trabalhistas, pensamos que não
faz sentido, no sistema recursal trabalhista e no sistema judiciário brasileiro, duas
cortes de natureza extraordinária e constitucional apreciarem a mesma demanda.

3
Do recurso de revista no processo do trabalho, p. 201.

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208  Mauro Schiavi

Somente deveriam chegar ao Supremo Tribunal Federal discussões sobre


controle concentrado de constitucionalidade das leis trabalhistas, mandados de
injunção em matéria trabalhista ou demandas coletivas em ações civis públicas
ou coletivas que tivessem repercussão geral.

2  A questão da violação de literal dispositivo de Lei Federal ou da


Constituição da República
Dispõe a alínea “c” do art. 896 da CLT ser cabível o Recurso de revista quando
o acórdão de Tribunal Regional do Trabalho violar dispositivo de Lei Federal ou da
Constituição da República.
Ensina-nos Cândido Rangel Dinamarco:4

Leis, com a amplitude que o vocábulo se empresta nesse contexto, são


os textos normativos elaborados segundo as competências e o processo
legislativo definidos na Constituição e nas leis pertinentes, sempre com a
participação do Poder Legislativo. São processuais as leis portadoras de
normas gerais e abstratas alusivas ao processo, disciplinando o exercício
da jurisdição, da ação e da defesa mediante os atos e formas processuais.

A expressão “lei federal” não deve ser interpretada de forma restritiva, como
sendo apenas o instrumento normativo, de competência da União, elaborado
pelo poder legislativo que estabelece uma regra de conduta, mas todo ato nor-
mativo de natureza federal, elaborado por órgão que detenha competência para
tal finalidade.
Desse modo, a expressão lei federal abrange as espécies normativas previs-
tas no art. 59, da Constituição Federal,5 desde que se referiam à matéria da com-
petência da Justiça do Trabalho.
No aspecto, entendemos correta a visão de Alexandre Simões Lindoso,6
quando assevera:

[...] à luz da concepção material de lei, portanto, que deve ser interpreta-
do o art. 896, alínea a, da CLT. Assim, a divergência apta a ensejar a inter-
posição de recurso de revista poderá ter por objeto a interpretação de

4
Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1, p. 73.
5
Art. 59, da CF: “O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição;
II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos
legislativos; VII - resoluções”.
6
Técnica dos recursos trabalhistas extraordinários. São Paulo: LTr, 2010. p. 202.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  209

dispositivos da Constituição e de emendas constitucionais, de leis ordi-


nárias, complementares e delegadas, de decretos regulamentares, me-
didas provisórias e decretos-leis de estatura federal, bem como tratados
internacionais.

A lei objeto de violação pode ser tanto de direito material como processual.
Não necessita ser legislação trabalhista, apenas que a matéria nela versada seja da
competência da Justiça do Trabalho (art. 114, CF).
Violação a normas costumeiras não ensejam o cabimento do recurso de
revista.
Não se exige divergência jurisprudencial com outro Tribunal Regional ou
Tribunal Superior do Trabalho, apenas que o acórdão do regional tenha negado
vigência ou contrariado lei federal ou constitucional.
Como bem adverte Amauri Mascaro Nascimento:7

A afronta direta e literal à Constituição Federal é aquela que está em total


oposição ao sentido da letra e do espírito do texto da Lei Magna. A tendên-
cia, nesse ponto, é a de interpretação restritiva à interposição da Revista.
Nem sempre será fácil a solução do caso concreto. Há princípios consti-
tucionais que podem ser afrontados por decisões judiciais embora não
diretamente. A prudência do magistrado será fator decisivo para razoá­vel
apreciação de cada caso.

Conforme Júlio César Bebber,8 “não se trata de verificar, portanto, se a


inter­pretação é justa ou injusta (questão axiológica). Por não haver um critério
suficientemente seguro para conceituar violação literal de lei, enumerarei, com
suporte na doutrina e jurisprudência autorizadas, algumas situações objetivas em
que isso ocorre, e que se verificam nas hipóteses em que: a decisão nega validade
a uma lei que é válida; reconhece validade a uma lei que não é válida; nega vigên-
cia a uma lei que ainda se encontra em vigor; admite a vigência de uma lei que
ainda não vigora ou que já deixou de vigorar; nega aplicação a uma lei reguladora
da espécie; aplica uma lei não reguladora da espécie; nega o que a lei afirma;
afirma o que a lei nega”.
Segmentos da doutrina têm criticado a exigência do presente inciso de vio-
lação literal de lei federal ou texto da constituição federal, argumentando que se
trata de hipótese de difícil ocorrência e praticamente esvazia o recurso de revista
nestas hipóteses.

7
Curso de direito processual do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 617.
8
Recursos no processo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 333.

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210  Mauro Schiavi

Nesse sentido, defendeu Estevão Mallet:9

[...] É um dado da realidade o fato de que muito raramente — para não


dizer quase nunca — o juiz contraria frontalmente disposição de lei, des-
respeitando seu sentido literal. Para não a aplicar recorre, quase sempre,
à argumentação viciosa ou exegese sofística. Com isso, viola a lei sem dú-
vida alguma, mas pode não macular a letra dela. A prestigiar-se o critério
da literalidade, acabaria a revista sendo cabível tão somente em casos
teratológicos, deixando de poder desempenhar seu papel na quase tota-
lidade dos processos trabalhistas.

De nossa parte, a exigência de que a violação seja literal, dificulta o conheci-


mento do recurso de revista, fortalecendo a decisão de segundo grau, bem como
a celeridade na tramitação processual.
No aspecto, concordamos com José Augusto Rodrigues Pinto,10 quando as­-
se­vera:

[...] A exigência da literalidade da violação — hoje mais forte com a de


que seja direta — tem um propósito salutar de prevenir recursos “sofís-
ticos”, para usuar expressão sua, hoje obviadas pela rigidez da caracteri-
zação, contribuindo para diminuir o número de impugnações inúteis, no
fim de contras, mas que nem por isso deixam de atravancar pautas do TST
e desacelerar o curso da ação. Além disso, o requisito da literalidade não
é o mesmo que seria o requisito da frontalidade, ou seja, é perfeitamente
possível estabelecer-se a inteligência de que o texto da lei foi malferido
sem ser precioso que o agressor declare sua intenção, detectando-a no
interior da “argumentação viciosa”, que por isso mesmo não resistirá à ra-
cionalidade de sua análise.

A violação, segundo o dispositivo consolidado, tem de ser literal. Se o texto é de


interpretação controvertida, o recurso de revista não é cabível por tal fundamento.
Nos termos da Súmula nº 221 do TST, a admissibilidade do recurso de revista
por violação tem como pressuposto a indicação expressa do dispositivo de lei ou
da Constituição tido como violado. Desse modo, aqui, o princípio “iuria novit curia”
fica mitigado, pois a parte deve indicar o dispositivo legal violado e demons­trar
sua violação no caso concreto.

9
Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 116.
10
Manual dos recursos nos dissídios trabalhistas. São Paulo: LTr, 2006. p. 175.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  211

Nesse sentido, a seguinte a ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – TRANSFERÊNCIA DE BEM DO


EXECUTADO NO CURSO DA AÇÃO TRABALHISTA – FRAUDE À EXECUÇÃO
– CARACTERIZAÇÃO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO EXPRESSA DE DISPOSI-
TIVO CONSTITUCIONAL. Com efeito, nas razões de revista, a reclamada
alega, somente, violação ao princípio constitucional do direito à pro-
priedade, de forma genérica, sem contudo, indicar o dispositivo tido por
violado. A Súmula nº 221, I, desta Corte, condiciona o conhecimento do
recurso de revista à indicação expressa do dispositivo de lei e/ou da Cons-
tituição Federal violado. De outro lado, observado o §2º do art. 896 da CLT,
é inovatória a alegação de ofensas constitucionais, só tratadas no agravo
e, não, antes, na revista. Agravo de instrumento não provido (TST – Pro-
cesso: AIRR – 1344-80.2011.5.15.0133. Data de Julgamento: 17.04.2013,
Rel. Min. Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira, 2ª Turma, Data de
Publicação: DEJT, 26 abr. 2013).

Entendia o TST, majoritariamente, por meio do inciso II da Súmula nº 221,


que a Interpretação razoável de preceito de lei (entendida como sendo a legis-
lação federal) ainda que não fosse a melhor, não dava ensejo à admissibilidade
ou ao conhecimento de recurso de revista ou de embargos com base, respec-
tivamente, na alínea “c” do art. 896 e na alínea “b” do art. 894 da CLT. A violação
há de estar ligada à literalidade do preceito. Entretanto, em setembro de 2012, o
Tribunal Superior do Trabalho cancelou o referido inciso, não mais sendo majori-
tário tal entendimento.
De nossa parte, a interpretação razoável de preceito legal, que é interpreta-
ção proporcional ao caso concreto, ou seja, a justiça do caso concreto, não deve
ensejar o recurso de revista.
O princípio da proporcionalidade, também chamado de regra de ponde-
ração, se destina a solucionar o conflito entre princípios constitucionais, em um
caso concreto, aplicando-se um princípio ao invés do outro que está em conflito,
sem descartar a validade e eficácia do princípio não aplicado.
Como bem destacou Marcelo Freire Costa Sampaio:

O verbo ponderar, fora do discurso jurídico, significa: 1. Examinar com


atenção e minúcia; pesar. 2. Ter em consideração. 3. Meditar. 4. Dizer em
defesa de uma opinião. Portanto, toda decisão racional envolve algum
tipo de exercício de ponderação. Avalia-se a vantagem ou a desvantagem
em se adotar determinado comportamento em desfavor de outro [...] No
discurso jurídico pode-se tentar conceituar o exercício da ponderação
como a técnica de solução de conflitos normativos que envolvem casos

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212  Mauro Schiavi

difíceis ou duvidosos, usualmente de princípios constitucionais em tensão,


conflitos esses insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais, isto
é, pela estrutura geral da simplificada e mecânica técnica da subsunção.11

Ao aplicar o princípio da proporcionalidade, a doutrina tem fixado algumas


regras ou subprincípios da proporcionalidade, quais sejam: necessidade, adequa-
ção e proporcionalidade em sentido estrito.
No mesmo sentido, as conclusões de Carlos Zangrando12 ao comentar a
Súmula nº 221, “in verbis”:

Assim, de fato, a “intepretação razoável” a que se refere a Súmula em co-


mento tem seus limites delineados pelos princípios da proporcionalidade
e razoabilidade, devendo a autoridade perscrutá-los, inicialmente, dentro
dos autos, verificando a existência ou não de um relacionamento harmo-
nioso entre as alegações, os fatos narrados, as provas produzidas, o direito
aplicável e a decisão proferida. Num segundo momento, essa mesma au-
toridade deverá guiar-se pela ponderação inteligente sobre os reflexos
sociais da decisão, além de questionar sempre se essa decisão propor-
cionará o bem comum, ou apenas o bem de um ou de alguns, em detri-
mento de outros. Não é um exame afoito da causa, por óbvio, que fará
com que alcancemos a certeza da existência ou não da tal “interpretação
razoável”. Como tudo na vida, a ponderação, também nesse momento, se
faz imprescindível, sob pena de fomentar-se a discórdia, a insegurança e
o descrédito do Poder Judiciário.

Doravante, diante do cancelamento do incis II da Súmula nº 221 do TST, a


jurisprudência do TST, irá analisar caso a caso se houve ou não violação literal
de lei ou da constituição no caso concreto, não mais prevalecendo o critério da
intepretação razoável. Com isso, o Tribunal Superior do Trabalho passa a admitir o
recurso de revista com maior flexibilidade.
O Tribunal Superior do Trabalho vem tendo essa tendência ao conhecer e
julgar recursos visando à rediscussão dos critérios de fixação de indenizações
findadas na extensão do dano (artigo 944, do CC), como na reparação de danos
morais, em que os critérios preponderantes para a indenização são os de justiça,
razoabilidade e proporcionalidade, atento as características inibitória, compensa-
tória e pedagógica da reparação.

11
Eficácia dos direitos fundamentais entre particulares: juízo de ponderação no processo do trabalho.
São Paulo: LTr, 2010. p. 44.
12
Processo do trabalho: processo de conhecimento. São Paulo: LTr, 2009. v. 2, p. 1634.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  213

Nesse sentido é a visão de Luiz de Pinho Pedreira da Silva:13

Não temos notícia da fixação de valor abusivo para indenização por dano
moral na Justiça do Trabalho, de sorte que inexiste razão para, nela, se
desnaturar os seus recursos extraordinários (revista e extraordinário para
o STF), admitindo-se nestes a reapreciação de matéria de fato, como é
a importância daquela indenização. Rafael García extrai da jurisprudên-
cia espanhola a distinção, quando se trata de valorar o dano moral, para
efeitos de impugnação, entre dois elementos: as bases de regulação e de
quantificação. O primeiro corresponde ao estabelecimento dos pressu-
postos de fato que servem de fundamento para determinar a existência
e entidade do dano moral (idade, condições pessoais e familiares, vin-
culações afetivas, situação econômica, etc.). A quantificação é a fixação
da soma pecuniária estabelecida com relação às bases da regulação. “De
maneira que o que inicialmente se declara irremissível em cassação é a
quantificação e não as bases”. Afigura-se-nos passível de aceitação pelo
direito brasileiro desse critério, admitindo-se em recursos extraordiná-
rios, a determinação das bases, mas não do quantum da indenização.

3  O prequestionamento
Ensina José Augusto Rodrigues Pinto,14 com suporte em Plácido e Silva, que
“prequestionamento é debate da hipótese jurídica acerca de dispositivos permis-
sivos do conhecimento de recurso extraordinário ou especial”.
Segundo a doutrina, o prequestionamento fora criado na jurisprudência
tanto do Supremo Tribunal Federal como do Superior Tribunal de Justiça a partir
da interpretação teológica dos incisos III do art. 102 e III do art. 105 da Constituição
Federal que asseveram caber recursos extraordinário e especial das causas deci-
didas em última ou única instância pelos Tribunais. A expressão “causa decidida”
significa que o Tribunal de segundo grau enfrentou diretamente a questão objeto
dos recursos de natureza extraordinária (extraordinário e especial).
Esse entendimento também foi transportado para o recurso de revista, em-
bora o art. 896, da CLT, em sua literalidade, não exija que a causa tenha sido deci-
dida pelo Tribunal Regional do Trabalho.
Conforme Cássio Scarpinella Bueno:15

O “prequestionamento”, porém, diferentemente do que insinua o seu


nome, caracateriza-se pelo enfrentamento de uma dada tese de direito

13
A reparação do dano moral no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 155.
14
Manual dos recursos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2006. p. 190.
15
Curso sistematizado de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 5, p. 275.

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214  Mauro Schiavi

constitucional ou de direito infraconstitucional federal na decisão a ser


recorrida, e não pelo debate ou pela suscitação da questão antes de seu
proferimento. A palavra deve ser compreendida como a necessidade de o
tema objeto do recurso haver sido examinado, enfrentado, decidido pela
decisão atacada.

Diz-se que a matéria está prequestionada quando a decisão recorrida apre-


cia expressamente a tese jurídica debatida nos autos, por meio da qual a parte
vencida pretende reapreciação em grau recursal.
Desse modo, para ser cabível o recurso de revista, a decisão do acórdão regio-
nal deve ter enfrentado expressamente a tese jurídica invocada pelo recorrente no
recurso de revista.
O prequestionamento é próprio dos recursos de natureza extraordinária
(especial, extraordinário e de revista), pois nos recursos de natureza ordinária
(p.ex., recurso ordinário), o efeito devolutivo transfere ao Tribunal todas as teses
jurídicas invocadas pelas partes, ainda que a sentença não as tenha apreciado
(§1º do art. 515 do CPC).
Nesse sentido, a abalizada visão de Estêvão Mallet:16
É impossível deixar de ressaltar, nessa altura, ainda que apenas de passa-
gem, que só se cogita de prequestionamento em recurso de natureza extraordi-
nária, absolutamente inexigível em recurso ordinário ou mesmo em agravo de
petição, ambos recursos de natureza ordinária. Trata-se de decorrência do efeito
devolutivo amplo inerente aos recursos da última espécie que faz com que se
transfira ao juízo recursal a competência originária do juízo recorrido para conhe-
cer de todas as questões nele suscitadas e discutidas, mesmo que a sentença não
as tenha julgado por inteiro.
O Tribunal Superior do Trabalho traçou o conceito de prequestionamento
na Súmula nº 297, admitindo a oposição de embargos de declaração para tal fina-
lidade. Com efeito, dispõe a referida Súmula:

PREQUESTIONAMENTO. OPORTUNIDADE. CONFIGURAÇÃO. I - Diz-se pre-


questionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja
sido adotada, explicitamente, tese a respeito; II - Incumbe à parte interes-
sada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor
embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema,
sob pena de preclusão; III - Considera-se prequestionada a questão ju-
rídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de
pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração.

16
Do recurso de revista no processo do trabalho, p. 92.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  215

O inciso I da referida Súmula nº 297 do TST trata do chamado prequestiona-


mento explícito, que está presente quando a matéria ou questão objeto do recur-
so de revista esteja presente de forma explícita na decisão recorrida. Se a decisão
não enfrentou a questão, incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja
sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o
pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão.
No mesmo sentido, destacamos as seguintes ementas:

Prequestionamento – Configuração – Súmula n. 297 do TST. Constitui


ônus da parte debater no Juízo de origem a matéria que pretende ver
reexaminada em razão de recurso de natureza extraordinária, sob pena
de seu não conhecimento pelo Juízo ad quem, ante o óbice da falta de
prequestionamento. Prequestionar significa obter a definição precisa
da matéria ou questão, nos seus exatos contornos fático-jurídicos, evi-
denciadores de explícita tese de direito a ser reexaminada pela instân-
cia extraordinária. A simples arguição da questão ou matéria, sem seu
enfrentamento explícito pelo julgador a quo, e sem que a parte tenha
oposto embargos declaratórios com essa finalidade, não atende ao insti-
tuto do prequestionamento. Inteligência da Súmula n. 297 do TST. Agravo
não provido. (TST, SBDI-1, A-E-RR n. 479.808/1998-5 – Rel. Min. Milton de
Moura França – DJ, 13 out. 2014 – p. 809) (RDT, n. 11, novembro de 2006)

Recurso de embargos – Prequestionamento – Violação ao art. 896 da


CLT. O instituto do prequestionamento é elemento essencial neste grau
recursal, valendo lembrar que a jurisprudência desta Corte consagra-o
como pressuposto de recorribilidade em apelo de natureza extraordinária
— item n. 62 da Orientação Jurisprudencial da SBDI-1. Recurso de
embargos não conhecido. Exclusão da multa prevista no art. 557, §2º,
do CPC. A interposição do agravo em agravo de instrumento em recurso
de revista não foi protelatória, mas necessária para a ampla defesa
assegurada pela Constituição Federal vigente, tendo em vista que, para o
reclamado interpor o presente recurso de embargos, era imprescindível a
oposição do agravo, já que o art. 894 da CLT, bem como o art. 245, inciso II,
do RI/TST, dispõe ser inviável a interposição de embargos de divergência
para a SBDI contra despacho monocrático do relator da Turma. Recurso
de embargos conhecido e provido. (TST, SBDI-1, E-RR n. 536.133/1999-0,
Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ, 11 abr. 2006, p. 531) (RDT, n. 5,
maio de 2006)

3.1 Prequestionamento ficto
O inciso III da Súmula nº 297 do Tribunal Superior do Trabalho consagrou
o que a doutrina tem denominado presquestionamento ficto. Desse modo, se

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216  Mauro Schiavi

a parte opuser os embargos de declaração com o objetivo de prequestionar a


matéria, ainda que o Tribunal não se pronuncie sobre questão invocada nos em-
bargos, considerar-se-á prequestionada a matéria.
Como adverte Raul Armando Mendes:17

Todas as vezes que for alegada ofensa à Constituição ou violação à lei


ou ao direito federal, deve o recorrente prequestionar a controvérsia no
Tribunal a quo, quando das razões do apelo. Em não cuidando o acórdão
do tema aventado, deve opor embargos de declaração que, providos ou
não, afastam o obstáculo à inadmissibilidade.

Como bem adverte Teresa Arruda Alvim Wambier,18 “é imperativo, todavia


observar que essa dispensa ou esse considerar fictício o prequestionamento pode
resolver a situação da parte e deixar de embaraçar o curso do processo quando se
trata, por exemplo, de incluir no acórdão impugnado o dispositivo que teria sido
violado, mas nunca quando se trata da necessidade que às vezes existe de fazer
constar do acórdão do órgão a quo fatos que deveriam ter levado, segundo o
recorrrente, a uma decisão diferente daquela que foi prolatada [...] Em problemas
assim, não há dispensa ou ficção que resolva”.
De nossa parte, embora não seja o ideal, o prequestionamento ficto possi-
bilita o acesso à jurisdição extraordinária do TST e está em consonância com os
princípios do devido processo legal, ampla defesa e acesso à justiça. Portanto, é
constitucional.

3.2  A dispensa de prequestionamento


Como visto, o prequestionamento é um pressuposto criado pela jurispru-
dência para admissibilidade do recurso de revista. Entretanto, a jurisprudência
do TST tem dispensando o prequestionamento quando a violação à Lei ou à
Constituição nasceu no próprio acórdão regional, nos termos da OJ nº 119, da
SDI-I. Desse modo, se o acórdão aplicou nova tese jurídica de forma explícita, não
constante da decisão de primeiro grau, por exemplo, alterou a regra do ônus da
prova prevista nos arts. 818, da CLT, e 333, do CPC, será possível a admissibilidade
do recurso de revista sem o prequestionamento da matéria.

17
Da interposição do recurso extraordinário. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 77.
18
Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p. 410.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  217

Para parte da doutrina, a OJ nº 119, da SDI-I do TST somente é aplicável em


se tratando de erros de procedimento nos acórdão regionais, vale dizer: ques-
tões formais. Se a discussão envolver questão de mérito, há necessidade do
prequestionamento.
Nesse sentido é a opinião de Júlio César Bebber,19 “o prequestionamento é
dispensável quando o fundamento do recurso excepcional disser respeito à vio-
lação da norma perpetrada na própria decisão recorrida (TST-OJ-SDI-1 nº 119).
Essa orientação, entretanto, se dirige, apenas, à hipótese de erro de procedimento
ocorrido por ocasião do julgamento, que é causa de nulidade formal (v.g., falta de
publicação da pauta de julgamento, ausência de intimação para julgamento). Se
a violação da norma perpetrada no julgamento for decorrente da ação de funda-
mento inédito (julgamentos ditos com surpresa para as partes), o prequestiona-
mento torna-se indispensável à admissibilidade do recurso de revista. Como é do
juízo o poder de definir a correta qualificação jurídica, pode ser que o caso seja
solucionado com fundamento não debatido previamente. Assim, se o fundamento
violar dispositivo da lei federal ou da Constituição, deverá o interessado, antes de
lançar mão do recurso de revista, apresentar embargos para prequestionar o tema”.
De nossa parte, tanto questões de erros de procedimento como de julga-
mento estão inseridos na OJ nº 119 da SDI-I do TST, uma vez que a referida orien-
tação jurisprudencial não faz qualquer distinção. Desde que a violação à norma
constitucional ou à lei federal tenha surgido, pela primeira, no acórdão regional, e
a tese jurídica esteja devidamente explicitada, não há necessidade de prequestio-
namento, independentemente da matéria tratada.
Também, segundo a jurisprudência do TST, o prequestionamento não é exi-
gido se na decisão regional houver tese explícita sobre a matéria, mas não refe-
rência expressa do dispositivo legal (OJ nº 118 da SDI-I do C. TST). Nessa hipótese,
se a tese jurídica debatida foi expressamente ventilada no acórdão regional, a
menção ao dispositivo legal violado não é necessária, aplicando o princípio “juria
novit curia”, ou seja, os Tribunais conhecem o direito.

4  A polêmica questão da transcendência


Diz o art. 896-A da CLT:

O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previa-


mente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais
de natureza econômica, política, social ou jurídica.

19
Recursos no processo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 348-349.

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218  Mauro Schiavi

Conforme José Augusto Rodrigues Pinto:20

Transcendente é qualificativo do “muito elevado, sublime”, a ponto de ser


metafísico, levando o Direito a bordejar a ciência do suprassensível, o que
já nos levou a pensar na transcendência como a relevância elevada ao
cubo ou à 4º potência. Por aí se imagine a carga de subjetivismos que se
está entregando aos magistrados incumbidos de declará-la totalmente
incompatível com a imperiosa exigência de objetividade da Justiça nas
declarações de convencimento dos juízes.

Embora possa se questionar a constitucionalidade quanto ao aspecto formal


na criação da transcendência por medida provisória, pensamos que não há incons-
titucionalidade quanto ao aspecto material da norma, vale dizer: a Lei pode instituir
a transcendência para os recursos de natureza extraordinária como o de Revista.
O recurso de revista, conforme já mencionamos, tem natureza extraordinária
e objetivos diversos da justiça da decisão ou reapreciação do quadro probatório já
discutido em segundo grau. Desse modo, a criação da transcendência não obsta o
acesso à Justiça do Trabalho. Além disso, o duplo grau de jurisdição não tem assento
constitucional, cabendo à lei estabelecer os pressupostos e requisitos dos recursos.
Diante da enorme quantidade de recursos de revista que chegam ao Tri­
bunal Superior do Trabalho diariamente, o requisito da transcendência passa a ser
um poderoso aliado para racionalização dos serviços junto do TST, melhoria da
qualidade dos serviços prestados e implementar, no aspecto recursal, o princípio
da duração razoável do processo.
Pensamos que, embora os requisitos para regulamentação da transcendên-
cia possam ser subjetivos e de difícil elaboração, acreditamos que ao invés de in-
viabilizar o acesso à Justiça, a transcendência agilizará a tramitação dos processos,
impedindo que inúmeros recursos cheguem ao TST.
Como destacou Ives Gandra Martins Filho:21

O critério de transcendência previsto para admissibilidade do recurso de


revista para o TST dá ao Tribunal e seus ministros, uma margem de discri-
cionariedade no julgamento dessa modalidade recursal, na medida em
que permite uma seleção prévia dos processos que, pela sua transcen-
dência jurídica, política, social ou econômica, mereçam pronunciamento da

20
Manual dos recursos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2006. p. 200.
21
Critérios de transcendência do recurso de revista: Projeto de Lei n. 3.267/2000. Revista LTr – Legis-
lação do Trabalho, p. 915.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  219

Corte [...]. A rigor, qualquer procedimento de seleção de causas a serem


julgadas pelas Cortes Superiores constitui juízo de conveniência e não,
propriamente, pronunciamento jurisdicional, uma vez que não se aprecia
questão de direito material ou processual, mas se faz uma avaliação da
conveniência, pela repercussão geral do caso ou pela transcendência da
matéria, de haver um pronunciamento final da Corte Superior.

A transcendência funciona como um filtro para o recurso de revista, a fim


de impedir que certos recursos, que não tenham repercussão para a coletividade,
sejam admitidos.
Trata-se de um requisito que impede o julgamento do recurso de revista, se
a matéria de mérito versada no recurso não oferecer transcendência, segundo os
parâmetros da legislação.
Embora a doutrina tenha fixado que a transcendência é mais um requisito
de admissibilidade do recurso, mais um pressuposto subjetivo a ser preenchido
pelo recorrente no ato da interposição do recurso, pensamos ser a transcendên-
cia, na verdade, prejudicial de mérito, do recurso, pois, ao apreciá-la, o TST obri-
gatoriamente está enfrentando o mérito do recurso. Além disso, somente o TST
pode apreciar a transcendência e não o Tribunal Regional. Desse modo, no nosso
sentir, a transcendência funciona, na verdade, como uma prejudicial de mérito do
recurso de revista.
A transcendência no recurso de revista ainda não foi regulamentada pelo
Tribunal Superior do Trabalho e, no nosso sentir, a regulamentação da transcen-
dência somente será possível por meio de lei ordinária, pois somente cabe à União
legislar sobre Direito Processual do Trabalho (art. 22 da Constituição Federal),
não obstante o art. 2º da MP nº 2.226/2001 assevera que “o Tribunal Superior do
Trabalho regulamentará, em seu regimento interno, o processamento da trans-
cendência do recurso de revista, o que assegura a apreciação da transcendência
em sessão pública, com direito a sustentação oral e fundamentação da decisão”. O
TST ainda não regulamentou a transcendência no seu Regimento Interno, e está à
espera de aprovação de Lei a respeito.
Nesse diapasão, destacamos a seguinte ementa:

Recurso de revista – Transcendência. Inviável falar-se em transcendência,


enquanto ausente a regulamentação prevista no art. 2º da MP n. 2.226/2001.
Recurso de revista não conhecido. (TST, 2ª T., Rel. Des. José Simpliciano F.
de F. Fernandes, DJe, p. 504, n. 351-0.11.09, RR n. 319/2003.657.09.00-7)
(RDT, n. 12, dezembro de 2009)

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220  Mauro Schiavi

Há, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 3.267/2000, que regulamenta


a transcendência prevista no art. 896-A da CLT, sob os aspectos jurídico, político,
social e econômico.
Conforme o referido Projeto de Lei, há transcendência jurídica quando: “des-
respeito patente aos direitos humanos fundamentais ou aos interesses coletivos
indisponíveis, com comprometimento da segurança e estabilidade das relações
jurídicas”.
Comentando o referido dispositivo, Ives Gandra Martins Filho22 nos traz os
seguintes exemplos: recursos oriundos de ações civis públicas nas quais se dis-
cutem interesses difusos e coletivos; processos em que o sindicato atue como
substituto processual; causas que discutam alguma norma que tenha por funda-
mento maior o próprio Direito Natural; processos em que o TRT resista a albergar
jurisprudência pacificada do TST.
Nos termos, do referido Projeto de Lei, a transcendência política signi-
fica: “desrespeito notório ao princípio federativo ou à harmonia dos Poderes
Constituídos”.
Conforme Martins Filho,23 podem comprometer a harmonia entre pode-
res os processos de entes públicos, mormente quando a execução se faça por
meio de precatórios, em que medidas extremas ligadas a sequestro de contas
podem gerar antagonismos entre TRT e governo local, ensejando a pacificação do
Tribunal Superior do Trabalho.
A transcendência social é definida como “a existência de situação extraor-
dinária de discriminação, de comprometimento do mercado de trabalho ou de
perturbação notável à harmonia entre capital e trabalho”.
Segundo Martins Filho,24 pode exigir uma intervenção do TST, para corrigir
distorções no campo laboral, a constatação da existência, no âmbito de empresas,
de procedimentos, praxes ou normas, de caráter genérico que sejam: nitidamente
discriminatórias em relação a determinadas parcelas de empregados ou grupos
sociais; indevidamente restritivos à contratação, em face de circunstâncias não
justificadoras da limitação ao mercado de trabalho ou estimuladores de confli-
tuosidade entre patrões e empregados, pela exigência de recurso contínuo ao
Judiciário.

22
Critérios de transcendência do recurso de revista: Projeto de Lei n. 3.267/2000. Revista LTr – Legis-
lação do Trabalho, p. 916.
23
Critérios de transcendência do recurso de revista. Projeto de Lei n. 3.267/2000. Revista LTr – Legis-
lação do Trabalho, p. 917.
24
Idem.

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Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho  221

Há transcendência econômica, conforme o PL nº 3.267/2000: “a ressonância


de vulto da causa em relação à entidade de direito público ou economia mista,
ou a grave repercussão da questão na política econômica nacional, no segmento
produtivo ou no desenvolvimento regular da atividade empresarial”.
Segundo Martins Filho,25 a transcendência econômica não está diretamente
ligada ao valor da causa, em termos absolutos, mas à sua importância para a empre-
sa pública ou privada. Se a imposição de determinada condenação puder acarretar
o próprio comprometimento da atividade produtiva de uma empresa, deve haver
uma última revisão da causa pelo TST, para verificar se o direito é patente e não
houve distorções que supervaloraram o que é devido em Justiça.
Há autores que se mostram pessimistas com a implantação da transcendên-
cia no recurso de revista, argumentando que ele criará obstáculos e incidentes
processuais, atrapalhando a celeridade de tramitação dos recursos. Nesse sentido,
sustenta Carlos Henrique Bezerra Leite:26

De nossa parte, pensamos que, não obstante o esforço de se restringir a


admissibilidade da revista, o requisito da transcendência acabará criando
novos obstáculos à celeridade processual, pois, à evidência: estimulará
sobremaneira a discussão da “matéria de fundo que ofereça transcendên-
cia”; o aumento de sustentações orais no TST; o que exigirá a diminuição
dos processos em pauta, a proliferação de aditamentos ao recurso de revis-
ta para a supressão do não preenchimento de pressuposto extrínseco do
recurso etc.

Para nós, diante da natureza extraordinária do recurso de revista, o requisito


da transcendência deve ser implementado o mais rápido possível no âmbito do
Tribunal Superior do Trabalho, a fim de que esta Corte possa enfrentar as ques-
tões trabalhistas de maior relevo para a sociedade e as questões de menor relevo
possam ser finalizadas no âmbito do segundo grau de jurisdição.
Após a implementação da repercussão geral no âmbito do Recurso Extraor­
dinário, houve redução significativa do número de processos junto ao Supremo
Tribunal Federal, melhorando a qualidade dos serviços no âmbito deste Tribunal,
bem como a agilidade na tramitação dos processos.
De nossa parte, o Tribunal Superior do Trabalho deveria apreciar, em sede de
recurso de revista, as seguintes matérias:

25
Idem.
26
Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 864.

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222  Mauro Schiavi

a) causas em que se discutem direitos humanos ou fundamentais;


b) causas em que houver contrariedade a Súmulas do Tribunal Superior do
Trabalho e Súmulas Vinculantes do TST;
c) ações coletivas, discutindo direitos difusos, coletivos e individuais homo-
­gêneos;
d) ofensa direta à Constituição Federal, bem como contrariedade aos princí-
pios constitucionais relacionados ao Direito do Trabalho e ao Processo do
Trabalho.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

Schiavi, Mauro. Aspectos polêmicos e atuais do recurso de revista no processo do trabalho.


Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2,
n. 2, p. 205-222, jan./dez. 2014.

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Algumas reflexões sobre os caminhos da
celeridade processual

Reginald D. H. Felker
Ex-Presidente da ABRAT. Advogado Trabalhista.
Professor Jubilado. Autor de obras jurídicas.

Palavras-chave: Administração da Justiça. MARCs. Resolução de conflitos.

Sumário: 1 O incentivo à criação de MARCs, mecanismos alternativos de re-


solução de conflitos, exteriorizados por Tribunais de Arbitragem e Mediação
– 2 A instituição obrigatória do processo eletrônico

Muito meritoriamente os órgãos superiores da Administração da Justiça


no País tem se voltado para procurar solucionar o problema da morosidade
dos processos, quer dos feitos trabalhistas, quer das ações em geral da Justiça
Comum Estadual e Federal. Verifica-se que se têm preocupado com a eficiência
do Judiciário de primeira e segunda instâncias, através de critérios de aferição
de eficiência frente ao volume de processos julgados, dois foram os remédios
aventados, ultimamente, partidos das esferas administrativas superiores, tanto
do Judiciário quanto dos demais Poderes da República. Ambos estão a merecer
algumas reflexões.

1  O incentivo à criação de MARCs, mecanismos alternativos de


resolução de conflitos, exteriorizados por Tribunais de Arbitragem
e Mediação
Sob o manto de auxiliar no desafogo do Judiciário assoberbado por enorme
volume de ações, e oferecer uma solução rápida para o deslinde do conflito entre
as partes, o Banco Mundial ofereceu à América Latina e Caribe, através do seu
Documento Técnico 319, a panaceia dos Tribunais de Mediação e Arbitramento.
Na verdade o problema é ideológico. O que se pretende é privatizar a Justiça. Já
de início, esse Documento 319, espécie de Bíblia dos pretensos reformadores da

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224  Reginald D. H. Felker

Justiça brasileira, preconiza: “Um Poder Judiciário eficaz e previsível é relevante


ao desenvolvimento econômico”. Ainda: “O intuito das reformas é de promover o
desenvolvimento econômico”. E: “O desenvolvimento econômico não pode conti-
nuar sem um efetivo esforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre
a propriedade”.
Por este introito, podemos vislumbrar qual o objetivo da reforma do Judi­
ciário, através da privatização da Justiça. É a defesa da propriedade. Pura e simples-
mente. Não é a integridade do ser humano, nem a defesa do meio ambiente, nem
a dignificação do trabalho, nem a valorização dos direitos da cidadania, nem o res-
guardo dos padrões culturais da Nação, não, nada disso interessa a um conceito de
Judiciário eficiente. O que interessa é um sistema Judiciário que resguarde o direito
de propriedade. E é sob esta ótica que raciocina o esboço de reforma prenunciado
no Documento do Banco Mundial: “... o Judiciário detém o monopólio da Justiça, e
conseqüentemente apresenta incentivos para atuar de forma ineficiente”.
Pelo mesmo raciocínio, como o Congresso detém o monopólio da feitura
das leis, deverá ser o mesmo fechado e contratados escritórios particulares para
redigirem e promulgarem as novas leis! Tem mais:
“O acesso à Justiça pode ser fortalecido através de MARCs. Estes mecanis-
mos que incluem arbitragem, mediação, conciliação e juízes de paz podem ser
utilizados para minimizar a onerosidade e a corrupção do sistema”. Ainda, conside-
rando o advogado, na ótica dos reformadores da Justiça, defensores dos MARCs.
“Os programas de reforma do Judiciário devem rever as custas processuais
determinando se são suficientemente altas ao ponto de deter demandas frívolas
[...]. Neste sentido, também devem ser revistos os honorários advocatícios arbitra-
dos pelo juiz”. “Em Salvador a mediação garante às Partes a possibilidade de acordos
e num prazo de 2 meses E SEM A PRESENÇA DE ADVOGADOS...”. “[...] a simples
exigência de um advogado para representar as partes obsta o acesso à Justiça,
ainda que em algumas instâncias não possa ser evitada”. “A morosidade também
aumenta os gastos com advogado impedindo as partes de levar uma demanda
válida e justa, após as cortes de 1ª instância”. “Em alguns casos, os membros da
advocacia têm relutado em participar de discussões abertas sobre a reforma, que
podem ser vistas como críticas ao Judiciário, por temor que os juízes possam se
indispor contra eles prejudicando-os em processos futuros”.
Em resumo, deve-se privatizar a Justiça através dos Tribunais Arbitrais, pois
o Judiciário é ineficiente e corrupto; os advogados devem ser dispensados dos
processos, pois ganham demais, são empecilho à distribuição da Justiça e são
covardes diante dos magistrados!!!

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Algumas reflexões sobre os caminhos da celeridade processual  225

Não queremos dizer que a mediação não é desejável e pode ser um instru-
mento de agilização na solução de lides, mas promovida pelo Poder Judiciário,
sob a direção de um Juiz concursado, de carreira, com nomeação sob compro-
misso de obediência à Constituição Federal. Da mesma forma como conveniente
pode ser um Tribunal Arbitral em solução de conflitos internacionais que envol-
vam complexas questões entre corporações. Mas Tribunal de arbitramento, diri-
gido por cidadãos comuns, que podem julgar por equidade contra a lei, sem a
participação de advogado, com decisões irrecorríveis? Jamais!
O que causa espécie é depararmos com certos Tribunais e Entidades de
Advogados, a OAB inclusive, incentivando a criação desses Tribunais da Justiça
Privada e fomentando cursos de árbitros, para atuarem em órgãos que prescin-
dem da participação de advogado, para buscar Justiça, não se dando conta que
estão criando um corvo que lhes furará os olhos em futuro não muito distante. No
Paraná, numa cidade interiorana, um Tribunal de Arbitragem patrocinava a irra-
diação de partidas de futebol, pela emissora local. E aí, quando uma bola saía pela
lateral, enquanto o gandula cumpria sua missão, o locutor anunciava a viva voz:
“Se você tem algum problema procure o Tribunal de Arbitragem. É muito mais
rápido e você não precisa de advogado”! Em Porto Alegre, os jornais por algumas
semanas anunciaram a abertura de um Curso de Árbitros. No dia do início das
aulas o Diretor não apareceu. Fugira da polícia, indiciado em três inquéritos de
estelionato e com os bens decretados em indisponibilidade.
A situação não é mais confiável em se tratando de Tribunais de Mediação ou
Comissões de Conciliação, fora do âmbito do Judiciário. Já vivenciamos em nosso
País os nefastos frutos das pretendidas Comissões de Conciliação prévias, preten-
didamente obrigatórias. Comissão houve que colocou um leão-de-chácara na
porta para impedir a entrada de advogado. Um sindicato de São Paulo criou uma
franquia para criação de Comissões de Conciliação. Vendia um kit contendo mode-
los de decisões e matéria de publicidade para a mídia. Os franqueados pagavam
um tanto por mês para usar a franquia. São apenas alguns exemplos para ilustrar
até que ponto pode chegar o abastardamento da pretendida Justiça Privada.
O arbitramento, a mediação, a conciliação são desejáveis, quando instru-
mentos do Poder Judiciário, promovidos pelo Judiciário Estatal, com seus graus de
recursos, menos sujeitos à corrupção e conferindo melhor segurança jurídica, além
de evitar que a arbitragem privada venha tolher o desenvolvimento do Direito. O
velho Hiering já ensinava que o Direito advém da luta. Não do amorcegamento
dos problemas. E como evolui, via de regra, o Direito? Não constitui uma dádiva
aleatória do rei ou do presidente. Premido pelas circunstâncias socioeconômicas

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226  Reginald D. H. Felker

e culturais, um advogado criativo, lúcido, inteligente e corajoso inova um pedido,


na ausência ou na injustiça da norma estabelecida. Será vencido, num primei-
ro momento; na mesma esteira, alguns pedidos seguir-se-ão até sensibilizar um
juiz com maior inclinação social; na superior instância após as primeiras derrotas,
a tese é acolhida para integrar o sistema jurídico. Exemplo elucidativo foi a luta
pelo reconhecimento da obrigação de reparação do dano moral, desde o período
em que era tal reivindicação considerada como “extravagância do espírito huma-
no”, na opinião do grande civilista Lafayete Rodrigues, até sua inserção no Texto
Constitucional vigente. Todo esse processo adveio de intensa luta nos tribunais.
Nós, advogados, não somos algodão para ficar entre cristais. Nossa função insti-
tucional é lutar pelo Direito. Antigamente os romanos diziam que os advogados
deveriam possuir três virtudes fundamentais: lealdade ao cliente, postura e inde-
pendência. Hoje, seguramente, devemos acrescentar: espírito crítico e capacidade
de se indignar e resistir.

2  A instituição obrigatória do processo eletrônico


Os órgãos superiores do Judiciário argumentam que estão instituindo o
processo eletrônico para apressar a tramitação das ações. O projeto, na realidade,
está intimamente vinculado ao exposto no primeiro item, retro. Ao lado de alguns
aspectos positivos que o novo modelo processual imposto apresenta, cabem algu-
mas reflexões. Inicialmente, registre-se que no enfrentamento da morosidade do
Judiciário estão levando em conta somente os efeitos, mas não as causas desse
descalabro. Realmente é caótica a situação do Judiciário, em que processos que
trazem alguma dose de complexidade se arrastam, não raro, com instruções por
dezenas de anos, com vista ao demandante, vista ao demandado, vista ao MP, vista
ao perito, (agora aguardando vista do assessor) num verdadeiro festival de ping
pong, menos com a vista definitiva ao Julgador, que aguarda sua próxima transfe-
rência ou promoção, para se livrar do “abacaxi”. Via de regra, o maior culpado é o
próprio Judiciário, mal aparelhado, em que, últimas dezenas de anos, o movimento
forense cresceu em progressão geométrica, enquanto os meios de atendimento
da demanda não chegaram a alcançar uma progressão aritmética, sem uma atitude
firme da cúpula do Judiciário para a obtenção de recursos suficientes e necessá-
rios. Isso aliado à existência de alguns magistrados ineficientes, navegando entre a
ociosidade e a irresponsabilidade. Vem-nos agora o processo eletrônico.
Em primeiro lugar, cumpre levarmos em conta o açodamento com que
fontes de Tribunais Superiores impõem o famigerado processo eletrônico, atro-
pelando Constituição Federal e leis processuais vigentes através de Resoluções,

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Algumas reflexões sobre os caminhos da celeridade processual  227

dispensando uma prévia discussão com advogados e mesmo juízes de 1º grau,


num País onde o IBGE informa que existem regiões onde nem 20% da população
tem acesso à Internet, onde após cada trovoada mais forte seguem-se apagões
que deixam municípios sem luz por muitos dias, onde se torna rotina irmos a ban-
cos e ouvirmos das gentis atendentes a informação de que: “Não estamos operando,
o sistema caiu”.
Importante assinalar que a primeira grande vítima do processo eletrônico
é a Constituição Federal, tal como está sendo concebido, pois inicia por tornar
letra morta o princípio constitucional da publicidade de todos os atos judiciais.
Algumas Turmas dos Tribunais Regionais do Trabalho, ao início de cada Sessão,
informam que será dada preferência aos processos com sustentação oral reque-
rida, que normalmente atingem de 2 ou 3% do número de processos em pauta.
Os demais, como os votos já foram previamente dado conhecimento aos demais
Desembargadores, são considerados julgados!!! Isso em total desconsideração às
Partes que compareceram à Sessão para conhecerem do julgamento de seu pro-
cesso e saem sem saber sequer se foram vencedores ou vencidas na demanda.
Afigura-se que se impõe, também, que façamos outra indagação: qual a
ideo­logia que impulsiona tal açodamento para pôr em execução de imediato o
processo eletrônico? O que tem atrás disso? Nem falo de interesses comerciais,
com a venda de centenas de milhares de bens para aparelhar o funcionamento
do PJE, mas sob qual a sombra ideológica que se desenvolve todo este esforço
para nos empurrar goela abaixo este novo processo? Qual a ideologia que dá
força a essa inovação? Lícito será concluir que o que se pretende, na realidade,
é estimular a criação da Justiça Privada, esvaziando a Justiça Estatal, mediante
a criação de tal número de empecilhos ao acesso do cidadão ao Judiciário, tal
número de restrições e dificuldades desde a propositura de uma ação, aos meios
de prova, à oralidade e publicidade dos atos. Enfim, desestimular o cidadão a re-
correr à Justiça Estatal, para buscar uma solução ao seu litígio num dos entes da
Justiça Privada, apresentando-se esta mais rápida, onde não precisa de advogado
e é irrecorrível. Assim será consideravelmente diminuído o número de ações e
recursos a serem julgados pela Justiça Estatal, todos restarão felizes, e o mais forte
comemorará mais um triunfo sobre o mais fraco.
É de se assinalar que a preocupação pela produção, constatável através de
mapas estatísticos, é louvável. Mas traz outra ordem de preocupações. Será que o
simples número de processos julgados não conduz à cultura do “mapismo”, sem
preocupação do conteúdo das decisões? Onde fica a verdadeira Justiça neste
esquema?

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228  Reginald D. H. Felker

Nos Tribunais Regionais vemos, agora, sessões que julgam (?) mais de oito-
centos processos numa tarde. Que fantástica capacidade terão os componentes
dessas Câmaras ou Turmas em examinar este número de processos, que certa-
mente farão boa figuração no mapa estatístico do mês! Mas e a Justiça? Dir-se-á:
os processos foram examinados pelos assessores. Bem, estaremos agora diante
de um quadro novo em que as ações são, na realidade, julgadas por um grupo
de assessores, alguns com nível superior e competentes, mas não raro por esta-
giários acadêmicos de Direito. Este Corpo de Assessores 1, por sua vez, terá que
se socorrer de um Corpo de Assessores 2, técnicos em informática, que dominam
a parafernália do processo eletrônico, agora instalado para acelerar o processa-
mento das ações, e em casos inúmeros, a inovação veio afastar do mercado de
trabalho advogados mais velhos. Não raro juízes e assessores diretos também não
conseguem dominar este novo processamento, mas, ao contrário dos advogados,
não são afastados de suas funções porque amparados por cargos estáveis, com
remuneração garantida ao fim de cada mês e com técnicos a sua disposição.
É lícito concluir que o esforço produzido para impor um processo eletrônico
a ferro e fogo, ao fim e ao cabo constitui-se um problema ideológico. Cumpre
dificultar ao máximo o acesso do cidadão ao Judiciário, afastar na medida do pos-
sível a atuação dos advogados, que são considerados como pedra no sapato do
interesse neofascista econômico que impera no Mundo atual. E ao final esvaziar a
Justiça Estatal, que conta com muitos Juízes independentes, lúcidos e atrelados à
concretização de uma Justiça Social, em prol de uma Justiça Privada, mais maleá-
vel aos interesses dos poderosos, política e economicamente. Poderá esta Justiça
Privada julgar muito mais rapidamente, sem participação de advogados, baseada
em alegada equidade, em caráter irrecorrível, em favor do forte contra o fraco.
Mas e a Justiça com “J” maiúsculo? Como fica?
Diante do que estamos vivenciando, não será demais exercermos uma pe-
quena operação de futurologia, sobre as medidas que nos aguardam para acelera-
mento do Judiciário. Teremos, certamente, em futuro, a médio prazo, uma grande
Central de Distribuição da Justiça, junto à Suprema Corte da Nação. Uma espé-
cie de “Máquina de Fazer Justiça”. Nos Fóruns da Justiça Comum e nas sedes da
Justiça do Trabalho, teremos então apenas terminais eletrônicos. Todo cidadão
ao nascer já receberá, na Certidão de Nascimento, o seu e-mail, imutável, como
toda pessoa jurídica, ao ser formada. As pessoas físicas e jurídicas já existentes
terão o prazo de 30 dias, para registrarem seu e-mail, sob pena de perda dos direi-
tos de cidadania. O Demandante, pretendendo uma decisão judicial, digitará seu
pedido, limitado a uma lauda, vedada a citação de doutrina ou jurisprudência,

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Algumas reflexões sobre os caminhos da celeridade processual  229

contendo no máximo dois pedidos e encaminhará diretamente ao Demandado,


juntamente, se quiser, com cópia de documentos limitados a três, cópia de laudo
pericial, não superior a dez quesitos, já com as devidas respostas do expert, e de-
claração de testemunhas, já com suas respostas, ao máximo de cinco perguntas
formuladas, depositando na máquina, a guia de recolhimento da taxa judiciária
na qual já estarão incluídas as demais despesas judiciais. O Demandado terá 5
(cinco) dias para contestar, também por via eletrônica, com as mesmas diligências
do Autor (cópia de documentos, perícia e declarações testemunhais). Cinco dias
após a resposta do Demandado, o Demandante poderá obter, na máquina do
Fórum, a sentença que será irrecorrível. Os processos terão duração inferior a duas
semanas.
Acrescente-se que, para maior celeridade, a Central Judiciária somente
se valerá, para solução do litígio, das Súmulas Vinculantes da Corte Suprema,
que passarão a ser a fonte primária e única do Direito. Leis continuarão sendo
promulgadas pelo Poder Legislativo, mas, após trinta dias de sua publicação, a
Corte Suprema emitirá uma Súmula Vinculante interpretando, vetando, aditando,
corrigindo ou modificando o texto do Legislativo. Se ainda inexistir Súmula vin-
culando, regrando a matéria abordada pelo Demandante, previamente, deverá
promover um IPP (Incidente Processual Preliminar) perante a Suprema Corte, que
deverá publicar uma súmula sobre a matéria no prazo de trinta dias, podendo
este prazo ser prorrogado, a critério da Corte.
Todos nossos problemas judiciais estarão resolvidos. Nossas ações, salvo a
última hipótese, estarão resolvidas em menos de duas semanas, sem estas coisas
ultrapassadas como audiências, depoimentos, sustentações orais e recursos múl-
tiplos. Muito menos atuação de advogados. Quem viver certamente verá.
Mas, outrossim, será mais prudente, que os Magistrados de primeiro e se-
gundo grau adeptos do novo sistema não se aliem tão entusiasticamente ao pro-
cesso eletrônico, pois este será o caminho aberto para uma nova ordem judiciária
que ocasionará a perda de seus empregos, pois também eles serão dispensáveis.
Por enquanto nos restará apenas apreciar mapas estatísticos.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

FELKER, Reginald D. H. Algumas reflexões sobre os caminhos da celeridade processual.


Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2,
n. 2, p. 223-229, jan./dez. 2014.

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Contribuição previdenciária e o processo do
trabalho – A Macondo jurídica

Sidnei Machado
Professor de Direito da Universidade Federal do Paraná. Advogado.

Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 20/1998. Justiça do Trabalho.


Previdência. Tributação.

Sumário: 1 Introdução – 2 A Construção da Súmula nº 368 do TST – 3 O


cômputo do tempo de serviço perante a Previdência Social – 4 Considera­
ções finais

1 Introdução
A tributação no processo do trabalho é tema que se inscreve dentro das
chamadas de novas fronteiras do Direito do Trabalho. Seu âmbito de incidência
e aplicação, que se forma precisamente a partir da ampliação da competência
da Justiça do Trabalho promovida pela Emenda Constitucional nº 20/1998, que
introduziu a “execução de ofício” de contribuições sociais e fiscais pela Justiça do
Trabalho nas sentenças que proferir.
A tributação no processo deixou de ser tema acessório e passou a ocupar o
cotidiano da advocacia trabalhista, pois raras são as demandas que não envolvam
debates em torno dessa problemática. Persiste ainda assistemático tratamento
legislativo, constitucional e infraconstitucional, enquanto em torno do tema tenha
havido um protagonismo jurisprudencial sobre o qual pairam inúmeras contro-
vérsias práticas em torno do alcance e sentido.
Pretendo localizar a minha abordagem em alguns aspectos relevantes da
juris­prudência dos tribunais, especialmente tribunais do trabalho, ao se pronun-
ciarem sobre a execução de ofício, especificamente da contribuição previdenciária.

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232  Sidnei Machado

2  A Construção da Súmula nº 368 do TST


2.1  Da resistência à capitulação da nova competência
Em um primeiro momento a postura da jurisprudência da Justiça do Tra­
balho foi de resistência à nova competência.
A assunção dessa competência, sobretudo para cobrar a contribuição pre-
videnciária, que tem previsão legal desde 1989 (Lei nº 7.789/1989), enfrentou,
inicialmente, resistência na jurisprudência trabalhista. O Provimento nº 1, de
20.01.1990, da Corregedoria Geral do TST, estabelecia não ser competência da
Justiça do Trabalho, mas da Justiça Federal. O fato é que havia uma resistência
mais ideológica no sentido de que não caberia à Justiça do Trabalho finalidade
arrecadatória de tributos. Os Provimentos nºs 02/1993 e 01/1996 assimilaram a
obrigação de incluir na conta.
A superação dessa resistência somente se deu com a EC nº 20/1998 que
deixou clara a competência para execução de ofício. Esse, digamos, segundo mo-
mento, abriu caminho para a discussão do alcance sentido da execução de ofício,
debate que se prolonga até os dias atuais.
A Súmula nº 368 do TST, editada em abril de 2005 (Res. nº 129/2005, de
25.04.2005), reflete a capitulação da jurisprudência à execução ex officio, frente ao
texto do §3º da Emenda Constitucional nº 20/1998, mesmo texto mantido na EC
nº 45/2004, que não deixa margem a dúvidas, ao mesmo tempo em que instaura
a polêmica em torno dos efeitos da sentença trabalhista. Daí a relevância dessa
nova jurisprudência.1

1
Nº 368 [...] I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das con-
tribuições previdenciárias e fiscais provenientes das sentenças que proferir. A competência
da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias alcança as parcelas
integrantes do salário de contribuição, pagas em virtude de contrato de emprego reconhecido
em juízo, ou decorrentes de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS,
objeto de acordo homologado em juízo (ex-OJ nº 141 da SBDI-1, inserida em 27.11.1998)
Redação Original (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 32, 141 e 228 da SBDI-1)
– Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 Nº 368 [...] I. A Justiça do Trabalho é competente para
determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais provenientes das sen-
tenças que proferir. A competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições
previdenciárias alcança as parcelas integrantes do salário de contribuição, pagas em virtude
de contrato, ou de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de anotação da Carteira de
Trabalho e Previdência Social – CTPS, objeto de acordo homologado em juízo (ex-OJ nº 141
da SBDI-1, inserida em 27.11.1998). II. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento
das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de
con­denação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da
condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei nº 8.541,

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Contribuição previdenciária e o processo do trabalho – A Macondo jurídica  233

2.2  Tese da incidência ampla da competência


Em relação às contribuições previdenciárias, o item I, da Súmula, fixa que
a execução “alcança as parcelas integrantes do salário de contribuição, pagas
em virtude de contrato de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de
anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, objeto de acordo
homo­logado em juízo” (ex-OJ nº 141 da SBDI-1, inserida em 27.11.1998) Redação
Original (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 32, 141 e 228 da SBDI-1).
A Súmula foi construída também em atenção ao disposto na Lei de Custeio
da Previdência Social (Lei nº 8.212/1991), na redação conferida na alteração feita
em 1993 no art. 43 (Lei nº 8.620/1993), que passou a introduzir a polêmica obri-
gação do magistrado “sob pena de responsabilidade, determinará o imediato
recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social”. Até então, o art. 44
da Lei apenas dizia que o juiz “velara pelo cumprimento” expedindo notificação à
Fazenda e dando ciência da sentença.
A intenção manifesta, portanto, que promoveu a alteração legislativa de
1993, foi obrigar impor ao juiz diretamente o recolhimento, independentemente
de notificação. Como subsistia ainda a resistência quanto à competência, a EC
nº 20/1998 tratou de equacionar.
Nota-se que o fim perseguido com a competência ampliada foi simples-
mente garantir o recolhimento da contribuição à seguridade social diretamente
pela Justiça do Trabalho.
Em um primeiro momento surgiu a resistência daqueles que passaram a
sustentar a inconstitucionalidade da nova competência, sob o fundamento de:
a) não ser possível sem o devido processo legal a condenação do réu em paga-
mento de verbas previdenciárias se sequer se instaurara conflito de interesses
entre o órgão gestor da seguridade social (INSS) e o réu, e tampouco se permi-
tira o contraditório e a ampla defesa; b) atentar contra a separação dos poderes
ao transformar a Justiça do Trabalho em órgão auxiliar de autarquia do Poder
Executivo (INSS), ao lançar e fazer a cobrança.

de 23.12.1992, art. 46 e Provimento da CGJT nº 01/1996. (ex-OJ nº 32 da SBDI-1, inserida em


14.03.1994 e OJ nº 228 da SBDI-1, inserida em 20.06.2001) III. Em se tratando de descontos
previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, §4º, do Decreto
nº 3.048/99 que regulamentou a Lei nº 8.212/1991 e determina que a contribuição do empre­
gado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previs-
tas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição (ex-OJ nº 32 da SBDI-1,
inserida em 14.03.1994 e OJ nº 228, inserida em 20.06.2001).

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234  Sidnei Machado

Praticamente vencida a batalha pela definição da competência, depois pelo


alcance das decisões.

2.3  Primeira revisão da Súmula nº 368 – Restrição do alcance


Se inicialmente o TST inclinou-se pela competência abrangente (Súmula
nº 368, Res. nº 125, de 05.04.2005), em seguida a Corte reviu a sua posição e, seis
meses depois de edita da Súmula nº 368, alterou a sua orientação e passou a restrin-
gir as parcelas contidas na condenação (Res. 138, de 10.11.2005), ou seja, segundo
o texto novo: “limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos
valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário-de-contribuição”.
Com isso, as decisões declaratórias de vínculo de emprego e períodos
abrangidos pela prescrição passaram a não mais sofrer incidência da contribuição
previdenciária.
Ocorre que, contrário à nova Súmula nº 368, em sua reação, sobreveio a
Lei nº 11.457/2007, que alterou o art. 876 da CLT, cuja redação anterior, da Lei
nº 10.035/2000. Esta norma estabeleceu as regras atinentes à execução das con-
tribuições, introduzindo no art. 878-A da CLT, que nada dispunha a respeito do
alcance, para doravante fixar que: “Serão executadas ex-officio as contribuições
sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do
Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre
os salários pagos durante o período contratual reconhecido”.
O confronto da jurisprudência que se pensava então consolidada com a
nova lei desaguou, finalmente, no pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.

2.4  A interpretação do STF e configuração da Justiça do Trabalho


O conflito entre a Lei nº 11.457/2007 (também conhecida como “Lei da
Super Receita”) e a jurisprudência sobre o alcance foi submetido ao Supremo no
julgamento no ano de 2008, em processo de Recurso Extraordinário relatado pelo
falecido Min. Menezes Direito (RE nº 569.056, DJe, 12 dez. 2008).
Com substantiva argumentação, o Supremo partiu da premissa de que, se-
gundo voto do relator, “a decisão trabalhista que não dispõe sobre o pagamento
de salários, mas apenas se limita a reconhecer a existência de vínculo não constitui
título executivo judicial no que se refere ao crédito de contribuições previdenciá-
rias” [...]”. Daí conclui: “a execução das contribuições previdenciárias está ao alcan-
ce da Justiça Trabalhista quando relativas ao objeto da condenação constante

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Contribuição previdenciária e o processo do trabalho – A Macondo jurídica  235

das suas sentenças, não abrangendo a execução de contribuições previdenciárias


atinentes ao vínculo de trabalho reconhecido na decisão, mas sem condenação
ou acordo quanto ao pagamento de verbas salariais que lhe possam servir como
base de cálculo”.2
O STF entendeu ser inconstitucional o art. 876 por falta de um título exe-
cutivo na declaração do vínculo e depois por problemas de ordem prática para
apuração do crédito, quando não há dívida líquida, certa e exigível. Ademais,
a competência é acessória e não ampla para abranger qualquer contribuição
previdenciária.
A decisão do STF, ao acolher a inconstitucionalidade do trecho da lei que
dizia que a contribuição incidiria “inclusive sobre os salários pagos durante o pe-
ríodo contratual reconhecido” teve no mesmo julgamento a recomendação de
edição de Súmula vinculante.
O fato que é, a partir do posicionamento do supremo, prevaleceu o enten-
dimento da Súmula nº 368, I, do TST, cujo texto já havia sido construído na ex-OJ
nº 141 — inserida em 27.11.1998.
Somente depois de quase 4 anos de batalha sobre o alcance da competên-
cia, a jurisprudência do STF fixou entendimento de que ela está restrita às con-
tribuições sociais, incidentes sobre as folhas de salário e demais rendimentos do
trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física que lhe preste ser-
viço, mesmo sem vínculo empregatício, bem como a do trabalhador e dos demais
segurados da previdência social. Prevaleceu a incompetência das contribuições
devidas a terceiros.
A análise do Supremo, a meu ver, constitui um paradigma importante para
a configuração do papel da Justiça do Trabalho e da natureza das sentenças
trabalhistas.

3  O cômputo do tempo de serviço perante a Previdência Social


Em paralelo a esse debate de alcance os reclamantes trabalhadores, empre-
gados ou contribuintes individuais (autônomos, por exemplo), ao terem as contri-
buições previdenciárias descontadas do crédito na execução trabalhista, colocam

2
No mesmo sentido, vide: AI nº 760.826-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15.12.2009,
Segunda Turma, DJe, 12 fev. 2010; AI nº 757.321-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em
20 out. 2009, Primeira Turma, DJe, 06 ago. 2010; RE nº 560.930-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 28.10.2008, Primeira Turma, DJe, 20 fev. 2009.

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236  Sidnei Machado

a apropriada questão dos efeitos da sentença trabalhista com a repercussão pre-


videnciária decorrente do pagamento efetuado, especialmente para a contagem
do tempo de serviço.
A pergunta central é: uma vez recolhida a contribuição previdenciária pela
Justiça do Trabalho, automaticamente o tempo e o valor objeto de contribuição
deve obrigatoriamente ser computado pela Previdência Social?

3.1  Prova de tempo de serviço


Em resposta a essa questão já há uma substantiva jurisprudência do STJ,
sucessivamente reiterada que, ao interpretar o art. 55, §3º da Lei nº 8.213/1991,
firmou a posição de que a sentença trabalhista, para fins de reconhecimento
de tempo de serviço, será admitida como início de prova material, ainda que a
Autarquia não tenha integrado a lide, quando corroborada pelo conjunto fático-­
probatório carreado aos autos.3
Vale dizer, para a jurisprudência do STJ, a sentença trabalhista, independen-
temente se houve execução de contribuições decorrentes da execução de ofí-
cio, pode ser usada como início de prova material, jamais como prova plena. Em
verdade, o STJ dá ênfase à previsão do art. 55 que exige, para comprovação do
tempo de serviço, “início de prova material”.
A interpretação do STJ da lei previdenciária não resolve o grande impasse
criado com milhares de ações trabalhistas que reconhecem vínculo de emprego,
determinam e executam as contribuições devidas. Pior é que, em sua grande maio-
ria, esses vínculos são provados exclusivamente por testemunhas, pois, claro, têm
origem em uma relação de informalidade.
Em situação paradigmática — e agora em decisão Plenária — o STF igual-
mente admitiu a exigência de inadmissibilidade da prova exclusivamente teste-
munhal para a concessão de pensão prevista na Lei nº 7.986/1989 c/c art. 54, §1º
do ADCT/CF (pensão vitalícia aos seringueiros que, convocados pelo Governo,
trabalharam no esforço de guerra na produção de borracha, na Amazônia, duran-
te a 2ª Guerra Mundial). A decisão da Suprema Corte na ADI nº 2.555 ficou assim
ementada:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54 DO ADCT. PEN-


SÃO MENSAL VITALÍCIA AOS SERINGUEIROS RECRUTADOS OU QUE

3
AgREsp 543.764/CE, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ, 02 fev. 2004 e REsp 463.570/PR, Rel. Min. Paulo
Gallotti, DJ, 02 jun. 2003.

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Contribuição previdenciária e o processo do trabalho – A Macondo jurídica  237

COLABORARAM NOS ESFORÇOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. ART. 21


DA LEI Nº 9.711, DE 20.11.98, QUE MODIFICOU A REDAÇÃO DO ART. 3º DA
LEI Nº 7.986, DE 20.11.89. EXIGÊNCIA, PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO,
DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL E VEDAÇÃO AO USO DA PROVA EXCLUSI-
VAMENTE TESTEMUNHAL. A vedação à utilização da prova exclusivamente
testemunhal e a exigência do início de prova material para o reconheci-
mento judicial da situação descrita no art. 54 do ADCT e no art. 1º da Lei
nº 7.986/89 não vulneram os incisos XXXV, XXXVI e LVI do art. 5º da CF. O
maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da seguran-
ça jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para
o recebimento do benefício. Precedentes da Segunda Turma do STF: REs
nº 226.588, 238.446, 226.772, 236.759 e 238.444, todos de relatoria do emi-
nente Ministro Marco Aurélio. Descabida a alegação de ofensa a direito
adquirido. O art. 21 da Lei 9 .711/98 alterou o regime jurídico probatório
no processo de concessão do benefício citado, sendo pacífico o entendi-
mento fixado por esta Corte de que não há direito adquirido a regime jurí-
dico. Ação direta cujo pedido se julga improcedente. E no mesmo sentido
a Súmula 149 do STJ, com o seguinte enunciado: A prova exclusivamente
testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da
obtenção de benefício previdenciário.

3.2  Falta um tratamento normativo específico


A meu ver é necessária uma revisão na norma inserta no art. 55, §3º, da Lei
de Benefícios para contemplar a contagem de tempo de serviço pela simples exe-
cução de ofício das contribuições à seguridade social.
Nesse sentido, em 23.05.2008 houve a oportuna apresentação do Projeto
de Lei que, na Câmara dos Deputados, recebeu o nº 3.451/2008. Trata-se de um
projeto elaborado em conjunto com o TST e que tenta expressar, de modo induvi-
doso, a eficácia das sentenças trabalhistas, acrescentando os parágrafos 5º a 7º ao
art. 55 da Lei nº 8.213/1991. O Projeto, com acerto, visa promover a contagem de
tempo de serviço do período imprescrito contemplado pela demanda trabalhista,
cujas contribuições foram executadas.4

4
Veja a redação dos dispositivos propostos: “§5º As decisões proferidas pela Justiça do Trabalho,
resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive as referentes a reconhecimento
de período contratual, poderão ser aceitas como início de prova material, desde que tenham
sido proferidas com base em prova documental, contemporânea aos fatos a comprovar. §6º As
decisões a que se refere o §5º, não proferidas com base em prova documental, terão sua eficácia
perante o Regime Geral de Previdência Social limitada ao período não abrangido pela prescrição
trabalhista e desde que tenha havido recolhimento de contribuições previdenciárias no curso do
período laboral.§7º Na hipótese de não ter havido o recolhimento a que se refere o §6º, a eficácia
da decisão fica condicionada à comprovação, ao INSS, do efetivo recolhimento das contribuições
previdenciárias correspondentes ao respectivo período” (NR).

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Note-se que o regime previdenciário desde 1998, justamente pela EC


nº 20/1998 tornou regime contributivo. Assim, a prova é do tempo de contribui-
ção e não mais do tempo de serviço. Mas há também espaço para uma jurispru-
dência criativa para rever a posição de que a sentença trabalhista apenas serve de
início de prova material se fundada em documentos.
A realidade tem feito com que muitos segurados, depois de aguardar por
três, cinco ou oito anos para ver finalmente reconhecido o vínculo de emprego,
ao receber os créditos sofram a retenção da contribuição da seguridade social,
calculados justamente pelo que ficou configurado como salário, ou salário de
contribuição para fins previdenciários e, para aproveitar tal benefício, somente
possam iniciar um processo de justificação administrativa ou judicial caso a prova
tenha lastro em documentos.
A própria Previdência Social dispensa o início de prova material quando há
motivo de força maior ou caso fortuito. A situação do trabalho informal, compro-
vada na justiça do trabalho apenas por testemunhas, é bastante análoga à força
maior.5
Trata-se aqui de buscar a realização dos direitos sociais do trabalhador que
necessitava usufruir da sua condição de segurado perante o RGPS, conforme o
art. 6º da Constituição que inclui o direito à previdência. Seria necessária uma
construção teórica da garantia dos direitos sociais, mas há um déficit teórico para
isso e, ainda, depende-se de lei.

3.3  Pode o Juiz do Trabalho determinar a averbação?


Alguma jurisprudência de juízes e tribunais do trabalho chegou a propor,
especialmente o TRT de Campinas (15ª Região) e isso se repercutiu em alguns

5
A força maior ou caso fortuito são disciplinados no Regulamento Geral (Decreto nº 3.048/1999,
art. 63 c/c art. 143, §2º). Destaque para o último dispositivo, porque explicativo: Art. 143. A
justificação administrativa ou judicial, no caso de prova exigida pelo art. 62, dependência
econômica, identidade e de relação de parentesco, somente produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. §1º No caso
de prova exigida pelo art. 62 é dispensado o início de prova material quando houver ocorrência
de motivo de força maior ou caso fortuito. §2º Caracteriza motivo de força maior ou caso fortuito
a verificação de ocorrência notória, tais como incêndio, inundação ou desmoronamento, que
tenha atingido a empresa na qual o segurado alegue ter trabalhado, devendo ser comprovada
mediante registro da ocorrência policial feito em época própria ou apresentação de documentos
contemporâneos dos fatos, e verificada a correlação entre a atividade da empresa e a profissão
do segurado. §3º Se a empresa não estiver mais em atividade, deverá o interessado juntar prova
oficial de sua existência no período que pretende comprovar.

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julgados, que o juiz do trabalho, como um poder implícito de sua jurisdição e,


considerando o recolhimento das contribuições previdenciárias, poderia (art. 876,
parágrafo único, da CLT), por uma questão de lógica e de justiça e até por aplica-
ção do princípio da economia processual, é também deve ser considerada com-
petente para determinar ao INSS a averbação do tempo de serviço respectivo,
tratando a averbação como um dos efeitos secundários da sentença.
Apoiam sua argumentação na OJ nº 57, da SDI-II do C. TST,6 por seu turno,
não mais impede que a averbação seja determinada, porquanto o entendimento
jurisprudencial nela encerrado tornou-se incompatível com a atual redação do pa-
rágrafo único, do art. 876, acima citado. E o início de prova documental da existên-
cia do vínculo de emprego somente é exigível no âmbito da Justiça Federal, pois
lá a averbação do tempo de serviço se dá independentemente da cobrança das
contribuições previdenciárias correspondentes e, no âmbito desta Especializada,
ao contrário, ela é consequência natural do reconhecimento do próprio débito
previdenciário, o que torna a autarquia previdenciária imune a prejuízos ( TRT-15ª
Reg., R.O., Processo nº 1195-2006-093-15-00-1, Ac. n. 38130/08-PATR, 5ª C., Rel.
Jorge Luiz Costa, DOE, p. 114, 04 jul. 2008).
Essa interpretação ainda se vale da ideia de que, se a Justiça do Trabalho
é competente para declarar o vínculo de emprego, em forma mandamental, o
INSS poderia ser instado a averbar o tempo de serviço, e não poderia recusar
ante os efeitos vinculantes da sentença trabalhista. Do mesmo modo, deveria o
INSS comprovar nos autos o estrito cumprimento da ordem judicial, após o seu
trânsito em julgado, mediante juntada da competente certidão, sob pena de
responsabilidade.
O fato é que o TST, ao interpretar a matéria, optou por rejeitar a compe-
tência da Justiça do Trabalho para averbar o tempo de serviço, por admitir que
essa competência é exclusiva da Justiça Federal, tal como previsto no art. 109 da
Constituição.7

6
OJ-SDI2-57 MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO E/OU RECO­NHE­
CIMENTO (inserida em 20.09.2000). Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que
determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço.
7
RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DEVÍNCULO EMPREGATÍCIO EM JUÍZO E DETERMINAÇÃO
DE REGISTRO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS - INCOMPETÊNCIA MATERIAL
DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Esta Colenda Corte Superior, firmou entendimento segundo o
qual a Justiça do Trabalho é incompetente para determinar a averbação do tempo de serviço e
contribuição decorrente do vínculo de emprego reconhecido judicialmente, uma vez que se trata
de tutela que envolve matéria previdenciária e inerente às figuras do segurado e da autarquia
previdenciária, mormente em face do disposto no artigo 109, inciso I, §3º, da Constituição

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Chegamos, nesse tema, a uma situação paradoxal. De um lado, parece claro


que o regime constitucional da Previdência Social é organizado sob a forma
de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados cri-
térios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201 da CF). Também
provém do texto constitucional a garantia de todos os salários de contribuição
considerados para o cálculo de benefícios sejam devidamente atualizados (§3º
do art. 201 da CF). Mais ainda, a nossa Constituição garante que os ganhos
habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para
efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios,
nos casos e na forma da lei (§11 do art. 201, CF). Por outro lado, a realização dessas
garantias padece de mecanismos de efetividade desses direitos.
Até agora, o efeito prático da competência para execução de ofício das sen-
tenças trabalhistas foi de eliminar o lançamento e a inscrição na dívida ativa da
contribuição, como era no regime anterior, passando a desde logo executar.

4  Considerações finais
Primeira. Estou convencido de que a Justiça do Trabalho não pode tudo. Há
um limite imposto pela Jurisprudência do STF na decisão que declarou a incons-
titucionalidade do art. 876 e forçou a mudança da Súmula nº 368 do TST, ao dizer
que Justiça do Trabalho não executa as contribuições sociais, mas executa um
título judicial.
Segunda. O fato é que a nova competência abriu espaço para novos pro-
cedimentos na execução, como da intervenção da Previdência, que levaram à
criação de novos incidentes no já crítico processo de execução trabalhista. Em
alguns casos, a irracionalidade tomou conta do processo do trabalho, cujas con-
trovérsias levam a fragilizar os princípios fundantes do processo do trabalho. As
defesas, inva­riavelmente, seguem uma sequência, não muito coerente e lógica,
para refutar em ordem sucessiva que: não tem vínculo e, se reconhecido, não
há competência para as contribuições à Justiça do Trabalho; e, se reconhecida,
limitar-se-á aos créditos da sentença; e em relação aos créditos, fixar-se-á a deca-
dência de dez ou cinco anos. O grande déficit, que representa o seu ponto mais
crítico, é ausência de celeridade. A demora em entregar o crédito ao trabalhador,

Federal. Neste sentido, precedentes de todas as Turmas desta Colenda Corte Superior bem como
de sua SBDI-2. Recurso de revista conhecido e próvido (RR-181000-44.2006.5.15.0077, Rel. Min.
Renato de Lacerda Paiva, Julgamento em 21.09.2011, Segunda Turma, publicação 30.09.2011).

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pelo falta de celeridade na execução trabalhista, é o ponto mais crítico do processo


do trabalho. É claro que é decorrente da produção legislativa fragmentária, as-
sistemática e pontual no Brasil, o que dá grande margem a criação doutrinária e
jurisprudencial. Apesar dos avanços recentes, com o processo eletrônico e metas
do CNJ, os processos duram ainda em média três anos e os trabalhadores são
ainda pressionados por transações desfavoráveis. Isso se agrava porque a dívida
trabalhista é ainda a mais barata no Brasil. Em suma, não há nenhum estímulo ao
pagamento rápido do crédito trabalhista.
Terceira. Não se pode ocultar que o problema mais crítico está no reconhe-
cimento dos vínculos de emprego, onde há a fuga do direito do trabalho, nas suas
diversas formas de ocultação da relação de trabalho. Nesse sentido, falta justiça
efetiva.
Quarta e última reflexão. É preciso recuperar a autonomia do processo do
trabalho, como caráter instrumental de seu princípio protecionista e de aplicação
do direito material. Ao atribuir competência para executar, não pode significar
que o processo do trabalho, na execução, se transforme em mera execução fiscal.
A questão mais emergente é: qual é o papel do processo do trabalho e da Justiça
do Trabalho em uma sociedade democrática? Sua eficácia e rapidez devem ser
harmonizadas com o direito de defesa, com critério protetivo e o caráter alimen-
tar do crédito. Enquanto isso perdura no tema contribuição previdenciária uma
espécie de “Macondo jurídica”, uma referência à cidade do romance Cem anos de
solidão, de Gabriel García Márquez, em que a nova competência trabalhista ficou
isolada, sem contato com o mundo exterior.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MACHADO, Sidnei. Contribuição previdenciária e o processo do trabalho: a Macondo jurídica.


Revista da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2,
n. 2, p. 231-241, jan./dez. 2014.

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Responsabilidade civil do empregador
em face dos acidentes laborais e ao meio
ambiente do trabalho

Valena Jacob Chaves Mesquita


Advogada. Membro do Corpo Editorial da Revista da Associação
Brasileira de Advogados - ABRAT. Mestre em Direito pela Universidade
Federal do Pará (UFPA). Doutoranda em Direitos Humanos e
Inclusão Social pela Universidade Federal do Pará.
Professora Efetiva e Vice-Diretora da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Pará.

Juliana Lima de Mesquita


Doutoranda em Direitos Humanos e Inclusão Social
pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em
Direito pela Universidade Federal do Pará. Bacharel em Direito.
Professora e Vice-Diretora da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Pará. Advogada.

Palavras-chave: Meio ambiente do trabalho. Acidente de trabalho. Respon-


sabilidade civil subjetiva. Responsabilidade civil objetiva.

Sumário: 1 Introdução – 2 Responsabilidade civil do empregador – 3 Pres-


­supostos da responsabilidade civil – Dano, nexo causal e culpa – 4 Res­
ponsabilidade civil subjetiva – 5 Responsabilidade civil objetiva –
6 Res­pon­­sabilidade civil em relação ao meio ambiente do trabalho – 7 Res-
­ponsabilidade civil do empregador à luz da Constituição da República
Federativa do Brasil e do Código Civil de 2002 – 8 Conclusão – Referências

1 Introdução
O alarmante número de acidentes do trabalho no Brasil é uma triste reali-
dade que clama por providências. Na década de 70 do século XX, o Brasil foi con-
siderado o campeão mundial em número de acidentes laborais. Apenas no ano

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de 1975, em um universo de 12.996.796 trabalhadores formais, foram registrados


1.869.689 acidentes típicos, aproximadamente 15% do total.1
Embora nos anos seguintes tenha se observado uma considerável redução
no número de acidente do trabalho, infelizmente no ano de 2002 o número de
regis­tros de acidentes voltou a crescer. Em 2009 e 2010, reduziu; mas já demons-
tra novo crescimento, como é possível se observar na tabela abaixo:23

Acidentes do trabalho no Brasil3


Ano Número total de acidentes Acidentes sem CAT
2002 393.071 ---
2003 399.077 ---
2004 465.700 ---
2005 499.680 ---
2006 512.232 ---
2007 659.523 141.108
2008 755.980 204.957
2009 733.365 199.117
2010 709.474 179.681
2011 711.164 172.684

O que a realidade mostra é que muitos acidentes poderiam ser evitados


com a simples observância das normas de saúde, higiene e segurança, obrigação
imputada ao empregador pela própria Constituição Federal, em seu artigo 7º,
inciso XXII, que dispõe ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de ou-
tros que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
A obrigação de preservar e defender o meio ambiente do trabalho encon-
tra fundamento ainda no caput do art. 225 c/c o inciso VIII do art. 200 da Carta
Maior, o qual estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.

1
OLIVEIRA. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional, p. 31.
2
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Base de dados históricos da previdência social.
3
Até 2006 os dados oficiais levavam em conta apenas os acidentes com CAT (Comunicação de Acidente
do Trabalho) emitida, razão pela qual não há dados disponíveis acerca do número de eventos sem
CAT registrada até o ano 2006. Não foram encontrados dados relativos aos anos de 2012 e 2013.

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  245

O homem não pode mais ser concebido como simples ferramenta do pro-
cesso produtivo. A responsabilidade civil conquistou indelével importância no
Direito Moderno e não pode ser diferente no âmbito do direito do trabalho.

2  Responsabilidade civil do empregador


Sebastião Geraldo de Oliveira assinala que “A responsabilidade de natureza
subjetiva tem raízes milenares e está visceralmente impregnada em toda a dog-
mática da responsabilidade civil”.4
Nesse sentido, a ideia de responsabilização está intrinsecamente ligada
à ideia de culpa, em sua acepção mais ampla (lato sensu),5 que, nas palavras de
Cavalieri Filho, compreende toda espécie de comportamento contrário ao Direito,
seja intencional, como no caso do dolo, ou tencional, como na culpa,6 porém im-
putável por qualquer razão ao causador do dano. Ou seja, verificada a ocorrên-
cia de um dano, insta identificar o seu causador, para só então exigir-se a devida
reparação.
Nessa perspectiva, para que seja imputada ao agente (empregador) a obri-
gação de reparação do dano, é necessária a comprovação do liame causal entre
o dano (acidente do trabalho — lato sensu) e atividade do obreiro, bem com a
existência de culpa do empregador.
Ocorre que a complexidade das atividades empresariais hodiernas e sua
multiplicidade de fatores de risco, por vezes, torna demasiadamente difícil a prova
da culpa, criando óbice à responsabilização e, por conseguinte, à reparação do
dano (indenização).
A exigência probatória da culpa como pressuposto do dever de reparação
acaba por ser inexoravelmente injusta, ainda mais quando levada em conta a
vulnerabilidade do obreiro e a complexidade do maquinismo empregado na ati-
vidade, que, como afirmou Josserand (1941), citado por Ney Maranhão: “Impor à
vítima ou aos seus herdeiros demonstrações desta natureza equivale, de fato, a
recusar-lhes qualquer indenização”.7

4
OLIVEIRA. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional, p. 106.
5
“[...] culpa (em sentido genérico, que abrange, pois, dolo e culpa em sentido estrito)” (MARANHÃO.
Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma perspectiva civil-constitucional, p. 179).
6
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 31.
7
JOSSERAND, Luís apud MARANHÃO. Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma
perspectiva civil-constitucional, p. 181.

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Diante de tal quadro, começou a ser construída a teoria da responsabilidade


objetiva — teoria do risco — já que o rigorismo na prova da culpa como pres-
suposto para a responsabilização passou a representar um grande obstáculo à
efetiva reparação do dano sofrido.
Informa Ney Maranhão que, a partir de então, surgiram posições doutriná-
rias e jurisprudenciais que diminuíam o clássico rigor na configuração da culpa,
extraindo-a das circunstâncias per si. Em seguida, nasceram as primeiras teorias
favoráveis à aplicação de uma presunção de culpa a desfavor do agente causador
do dano, cabendo a este demonstrar, inequivocamente, a ausência de nexo causal
entre o dano e sua conduta (inversão do ônus da prova). “Com isso, libertava-se a
vítima da árdua tarefa de provar o estado de culpa do ofensor”.8 Posteriormente,
tal presunção passou de juris tantum para juris et de jure, de tal sorte a restar quase
dispensado o fator culpa.9
Na mesma linha, começou a desabrochar a concepção objetiva de culpa,
inicial­mente num cotejo entre a conduta empregada no caso concreto e a condu-
ta esperada, para enfim haver o reconhecimento legal da responsabilidade civil
objetiva, notadamente nas áreas com maior índice de acidentes e maior dificuldade
em se provar a culpa — “atividades de risco”.
Paulatinamente, o foco da atenção deslocou-se do dano causado para o
dano sofrido. Na visão da responsabilidade subjetiva, o empregador indeniza o
empregado quando comprovado que o dano decorreu da ilicitude ou antijuridici-
dade de seu ato, enquanto, pela responsabilidade objetiva, o dano injusto causado
ao obreiro passa a ser indenizado mesmo quando decorrente de atividade lícita.
Desta feita, o cerne da responsabilidade civil deslocou-se “[...] do ato ilícito
para o dano injusto, do lesante para a vítima”.10
Como acentuou Evaristo de Moraes ainda em 1919, em texto transcrito por
Claudio Brandão: “Não se trata de condenar o indivíduo a sofrer pena pecuniá-
ria; mas, sim, de conduzi-lo a suportar as consequências de um risco, resultante
do exercício de sua atividade lícita”.11 Até mesmo porque, como irrefutavelmente
pontua Cavalieri Filho, “[...] para quem vive de seu trabalho, o acidente corporal
significa a miséria”.12

8
MARANHÃO. Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma perspectiva civil-consti-
tucional, p. 182.
9
Ibidem, p. 181-184.
10
Ibidem, p. 181.
11
MORAES, Evaristo de apud BRANDÃO. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do emprega-
dor, p. 222.
12
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 151.

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  247

Outrossim, não podemos nos furtar de enfrentar a questão sob o prisma da


responsabilidade civil em relação ao meio ambiente do trabalho, haja vista que a
Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, §3º, estabeleceu ser objetiva a res-
ponsabilidade daquele que causar dano ao meio ambiente, nele compreendido o
meio ambiente de trabalho (inciso VIII do art. 200 da CF/88).

3  Pressupostos da responsabilidade civil – Dano, nexo causal e culpa


Os pressupostos da responsabilidade civil, tal qual estatuída no inciso XXVIII
do artigo 7º da Constituição Federal, estão expressos no art. 186 do Código Civil
Brasileiro, in verbis:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,


violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.

De um modo geral, a responsabilidade civil pressupõe a existência de um


dano. Por lógico, não há que se falar em reparação sem que antes haja a confi-
guração de um dano, constituindo este o principal pressuposto da responsabili-
dade civil.
Com efeito, o art. 186 do Código Civil exige, para conformação do ato ilícito,
a violação de direito e a ocorrência de dano (“violar direito e causar dano a ou-
trem”). Restando configurado o ilícito, têm-se, nos termos do art. 927 do CC/2002,
presente a obrigação de repará-lo.13
Conforme assevera Sebastião Geraldo de Oliveira: “Onde houver dano ou
prejuízo, a responsabilidade civil é invocada para fundamentar a pretensão de
ressarcimento por parte daquele que sofreu as consequências do infortúnio”.14
Outro pressuposto da responsabilidade civil é o nexo causal. Ora, havendo
um dano, há que se estabelecer o liame de causalidade entre a conduta do agente
ou sua atividade e o dano sofrido (“Aquele que [...] causar dano a outrem”). Em
suma, o nexo causal é o vínculo que se estabelece entre a causa e o efeito, sendo
certo que, no acidente do trabalho, este é a consequência, e a execução do serviço,
sua causa.

13
Art. 927, caput: “Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo”.
14
OLIVEIRA. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional, p. 77.

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Em relação a este pressuposto, Sebastião Geraldo de Oliveira faz a seguinte


ressalva:

[...] a lei concedeu uma amplitude maior ao nexo causal para os efeitos
do seguro acidentário, incluindo situações não relacionadas diretamente
ao exercício do trabalho. Desse modo, algumas hipóteses de eventos
cobertos pelo seguro acidentário, no âmbito da responsabilidade civil,
são enquadrados como excludentes do nexo causal ou da indenização.15

Assim, para efeito de responsabilidade civil, são considerados apenas os casos


em que houver nexo causal (causalidade direta) ou concausal, sendo que as hipóte-
ses de causalidade indireta admitidas para fins de cobertura acidentária, em regra,
constituem causas excludentes do nexo causal para fins de responsabilização civil.
Haverá causalidade direta sempre que o acidente ocorrer pelo exercício do
trabalho a serviço da empresa, havendo vinculação imediata entre este e aquele,
a exemplo do que ocorre no acidente típico e nas doenças ocupacionais. Em re-
lação à concausalidade, verificar-se-á o nexo concausal sempre que houver pelo
menos uma causa que ligue o acidente ou doença ao trabalho, muito embora
este não seja a sua causa única, havendo a conjunção de outros fatores.
Deste modo, em regra, excluem o nexo de causalidade, para fins de res-
ponsabilidade civil e consectária indenização, os acidentes decorrentes de caso
fortuito ou força maior (acidentes sofridos no local e no horário do trabalho, mas
sem relação direta com o exercício da atividade profissional) e os acidentes decor-
rentes de fato de terceiro (ato lesivo praticado por terceiros contra o empregado
no local de trabalho) etc.
Entretanto, conforme ressalta Sebastião Geraldo de Oliveira, “Se o fato for
imprevisível, mas as consequências evitáveis, cabe ao empregador adotar me-
didas para tanto, sob pena de restarem configurados os pressupostos do nexo
causal e da culpa patronal, tornando cabível a indenização”.16
Também exclui o requisito do nexo causal o acidente causado por culpa ex-
clusiva da vítima (fato da vítima), já que, embora ocorrido durante a prestação de
serviço, não há como imputar-lhe ao empregador, uma vez que a causa única do
acidente do trabalho foi a conduta da vítima.
Por fim, tem-se ainda como pressuposto da responsabilidade civil o ele-
mento culpa, havendo, entretanto, que se atentar para o fato de que a culpa será

15
Ibidem, p. 148.
16
Ibidem, p. 164.

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  249

considerada requisito da obrigação de reparar o dano apenas em se tratando da


responsabilidade subjetiva, sendo que neste caso, figura não apenas como pres-
suposto, mas como fundamento.
Já em relação à responsabilidade objetiva, tal pressuposto foi expressamente
extirpado no parágrafo único do art. 927 do CC/2002, sendo que neste caso a
perquirição da existência de culpa em sentido lato importa apenas como circuns-
tância agravante ou atenuante na fixação do quantum indenizatório.
A respeito disto, Sebastião Geraldo de Oliveira conclui:

[...] a comprovação da culpa atende a um requisito essencial para o defe-


rimento das indenizações no enfoque da responsabilidade subjetiva, ou
representa importante circunstância agravante no arbitramento do dano
moral, mesmo quando se adota a teoria do risco.17

Logo, a responsabilização e consectária indenização pelo acidente do traba-


lho pressupõe a existência de um dano ocasionado pela prática de um ato ilícito
ou erro de conduta, ou ainda, decorrente do exercício de uma atividade que por
sua natureza implique risco; e do liame causal entre a atividade laboral e o dano
experimentado pelo empregado.
Em relação ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade civil, que nes-
te caso é objetiva, decorre expressamente do art. 225, §3º da Constituição Federal
de 1988, o qual despreza o fator culpa, tendo como pressupostos apenas o dano
e o nexo causal,18 como se verá a seguir.

4  Responsabilidade civil subjetiva


A Constituição Federal de 1988 consagrou a responsabilidade civil do em-
pregador em seu art. 7º, inciso XXVIII, imputando-lhe a obrigação de indenizar,
quando incorrer em dolo ou culpa. Trata-se da responsabilidade subjetiva, cujos
pressupostos podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil de
2002.
Conforme ensina Cavalieri Filho, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos
da responsabilidade, de modo que a responsabilização pressupõe que estejam
presentes os seguintes elementos: a) elemento formal – violação de um dever

17
Ibidem, p. 173.
18
§3º do art. 225 da CF/88: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujei-
tarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independen-
temente da obrigação de reparar os danos causados”.

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250  Valena Jacob Chaves Mesquita, Juliana Lima de Mesquita

jurídico mediante conduta voluntária; b) elemento subjetivo – culpa ou dolo e;


c) elemento causal-material – dano e nexo causal.19
Sendo o ato ilícito o conjunto de pressupostos da responsabilidade, sempre
que presentes os pressupostos acima elencados estará configurado o ato ilícito,
e, por conseguinte, o dever de reparar (indenizar), conforme previsão contida no
art. 927, caput: “Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem
fica obrigado a repará-lo”.
Destarte, para ensejar a responsabilidade do empregador por acidente do
trabalho é necessária a comprovação de que o dano sofrido pelo empregado
guarda nexo de causalidade com a atividade desenvolvida na empresa. Ademais,
necessário é, ainda, que se comprove o dolo ou culpa do empregador.

5  Responsabilidade civil objetiva


A teoria da responsabilidade objetiva tem como percussores Raymond
Saleilles e Louis Josserand, seguidos por Georges Repert. Na seara trabalhista,
referida teoria começou a se desenvolver em decorrência da dificuldade encon-
trada pelo trabalhador em provar que a ocorrência do acidente do trabalho se
deu por culpa do empregador, criando óbice à responsabilização e consectária
indenização.
A responsabilidade objetiva afasta o requisito culpa, considerando-se como
pressupostos da responsabilidade civil apenas o dano e o nexo causal, conforme
previsão contida no parágrafo único do art. 927 do CCB, in verbis:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente


de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normal-
mente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem. (grifos nossos)

É cediço afirmar que se trata de responsabilidade que independente de


culpa, estando centrada na ideia de risco, aí ser também denominada de respon-
sabilidade pelo risco, sendo aplicada nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua na-
tureza, risco.
O próprio conceito de empregador formulado no art. 2º da CLT atrai para si
os riscos da atividade econômica, a saber: “Considera-se empregador a empresa,

19
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 19.

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  251

individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite,


assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.
Destarte, ao optar por desenvolver uma atividade econômica que, por suas
características intrínsecas, implicam riscos à saúde do trabalhador, ainda que ob-
servadas todas as medidas necessárias à prevenção de infortúnio laboral, violando
o direito à integridade física do obreiro, o empregador imana para si o dever obje-
tivo de reparação de qualquer dano que possa vir a subsistir.
Neste caso, a responsabilidade civil decorre do exercício de atividade de risco,
e não da conduta do empregador.
Não há que se perquirir sobre a culpa lato sensu, o dever de reparação exige
simples comprovação da existência do dano e do liame causal entre este e a ativi-
dade expositora do risco. O foco está na vítima e no dano por ela sofrido.
Assim, a investigação acerca da existência ou não de culpa lato sensu presta-se
apenas como subsídio para fixação do quantum indenizatório.

6  Responsabilidade civil em relação ao meio ambiente do trabalho


Na legislação pátria, o conceito de meio ambiente encontra-se disposto no
art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
assim o definindo: “[...] conjunto de condições, leis, influências e interações de or-
dem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.
Embora apressadamente possamos afirmar que o conceito acima disposto é
restritivo, tutelando apenas o meio ambiente em sentido estrito (meio ambiente
natural ou físico), é necessário partir-se de uma interpretação sistemática, cote-
jando a norma acima referida com outras normas que cuidam do mesmo objeto.
Nos diversos dispositivos constitucionais que versam sobre o meio ambien-
te, constatamos que o conceito é tratado de forma genérica e abrangente. É o
caso, por exemplo, do art. 170, VI, que ao tratar da ordem econômica e financeira,
no capítulo denominado “Dos princípios gerais da atividade econômica”, assim
preceitua:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano


e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, con-
forme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus proces-
sos de elaboração e prestação; (grifos nossos)

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Ora, se o constituinte estabeleceu que a ordem econômica está fundada na


valorização do trabalho humano, como entender o meio ambiente do trabalho
dissociado do meio ambiente em sentido lato? É nítido que a defesa do meio
ambiente, nos termos acima, inclui a defesa do meio ambiente do trabalho.
Tal é a amplitude outorgada ao conceito de meio ambiente pela Constituição
Federal de 1988 que o artigo 225 procurou tutelar o meio ambiente de modo es-
pecífico e global, não apenas o meio ambiente natural ou físico, mas também o
artificial, o cultural e o do trabalho, conforme se infere de sua leitura: “Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida [...]”.
Outro não poderia ser o entendimento, posto que, se o meio ambiente do
trabalho está inserto no meio ambiente em sentido lato, não podendo ser dele
apartado, não seria razoável conceber o conceito de meio ambiente do trabalho
dissociado do conceito de meio ambiente, já que este é o gênero do qual aquele
é espécie.
O caput do art. 225 da Constituição Federal consagra o princípio da minimi-
zação de riscos ambientais, estabelecendo ser extensível a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, sendo também imposto a todos o dever
de defendê-lo e preservá-lo, sob as penas do §3º, in verbis:

§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente


sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.

Por todo o exposto é que se pode afirmar que a responsabilidade civil esta-
tuída no §3º do art. 225 da Magna Carta aplica-se não apenas ao meio ambiente
natural, mas também ao meio ambiente do trabalho, sendo certo que as condutas
praticadas pelo empregador, consideradas lesivas ao meio ambiente do trabalho,
implicando, assim, riscos à saúde e à integridade física do obreiro, e colocando-o
exposto a doenças e acidentes laborais, devem ser reparadas independentemente
de estar ou não configurada sua culpa ou dolo.
De forma mais específica, o princípio da minimização dos riscos ambientais
também está expresso no art. 7º, XXII, da Magna Carta, o qual estabelece ser di-
reito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança.
Desta feita, no âmbito laboral, o princípio em epígrafe imputa ao empre-
gador a obrigação de adotar medidas que previnam a ocorrência de acidentes

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e doença ocupacionais e promovam a saúde ocupacional dos trabalhadores,


preservando-lhes sua integridade física e mental.
A proteção ao meio ambiente do trabalho encontra fundamento ainda nos
direitos ligados à saúde (Título VIII, Capítulo II, Seção II da CF/88), sendo indispen-
sável a garantia de condições de trabalho salubres e seguras (artigo 196 e seguin-
tes da Constituição Federal). Ademais, especificamente no inciso VIII do artigo
200 da Magna Carta, o legislador deixa claro que no conceito de meio ambiente
compreende-se o meio ambiente do trabalho, in verbis:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições,


nos termos da lei: [...]
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho. (grifos nossos)

7  Responsabilidade civil do empregador à luz da Constituição da


República Federativa do Brasil e do Código Civil de 2002
Como assinala Claudio Brandão: “[...] com considerável atraso, o Brasil absor-
veu o resultado de debates mundiais em torno dos direitos humanos”.20 Para refe-
rido jurista: “A redemocratização do Brasil, fruto dos movimentos sociais e políticos
que eclodiram ao final da década de 1970, culminou com a Constituição de 1988,
considerada como a que deu melhor acolhida aos direitos humanos em geral”.21
A Constituição Federal de 1988 reservou um capítulo específico para tratar
dos Direitos Sociais e, no artigo 7º, elencou direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, dentre os quais: limitações à jornada de trabalho (incisos XIII e XIV); des-
canso semanal e anual remunerado (incisos XV e XVII); adicionais para o trabalho
executado no turno da noite, em sobre labor ou quando em atividades penosas,
insalubres ou perigosas (incisos IX, XVI e XXIII), de forma a privilegiar o trabalho
não realizado nestas condições, posto que mais penosas ao obreiro.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 representou um grande marco
para a responsabilização civil no âmbito do direito do trabalho, especificamente
no que concerne à reparação do acidente do trabalho.
Este fato se deve à cristalização trazida pelo art. 7º, XXVIII, da Magna Carta,
em que o legislador criou para o trabalhador, o direito à redução dos riscos ine-
rentes ao trabalho e imputou ao empregador a obrigação de assegurar a redução

20
BRANDÃO. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador, p. 84.
21
Ibidem, p. 87.

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de tais riscos, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, de forma a


garantir a integridade física e psíquica do obreiro.
Indo mais além, assegurou-se, em nível constitucional, a responsabilidade
civil do empregador, de forma a imputar-lhe não apenas a obrigação de manter
um seguro contra acidentes do trabalho, mas obrigando-o a indenizar o obreiro,
quando, em dolo ou culpa, causar-lhe dano.
Pois bem, a partir de então, restou pacificada a ideia de responsabilização
do empregador pelos infortúnios trabalhistas, independente dos benefícios aci-
dentários, garantindo-se o dever de indenizar na ocorrência de dolo ou culpa,
restando para o obreiro o ônus probatório.
Com o Código Civil de 2002, que em seu artigo 927, parágrafo único, esta-
belece a possibilidade de responsabilização civil independente da comprovação
de culpa,22 ou seja, responsabilidade civil objetiva, pautada na ideia de risco, for-
maram-se acalorados debates acerca de sua aplicabilidade ao direito do trabalho.
Parte da doutrina e jurisprudência entende não ser adequado trazer para o
empregador uma responsabilização tão ampla, sob a tese de que, de certa forma,
os benefícios acidentários já se prestam à reparação, e neles os riscos inerentes ao
trabalho são suportados por toda a coletividade e não somente pelo empregador,
visto que, de outro modo, seria muito penoso para este.
Outra corrente de pensamento, com viés mais justo e assentada no princípio
da dignidade da pessoa humana, justifica que a responsabilização do emprega-
dor deve ser ampla, alcançando não apenas a reparação do dano baseada numa
conduta ilícita e antijurídica, como ocorre com a responsabilidade civil subjetiva,
mas de forma que os riscos da atividade sejam de fato suportados por quem dela
lucrará.
Daí a razão pela qual a Consolidação das Leis do Trabalho, ao formular o
conceito de empregador, conforme acima já explicitado, cuidou de estabelecer
que incumbe a este, suportar os riscos da atividade econômica.23
Passadas essas considerações, convém trazer a lume que, não obstante a
CLT seja a norma específica para reger as relações de trabalho, o parágrafo único
de seu artigo 8º dispõe que o direito comum será fonte subsidiária do direito do
trabalho, naquilo que não for incompatível com seus princípios fundamentais.

22
Código Civil de 2002, artigo 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, indepen-
dente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
23
Art. 2º da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

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Destarte, reafirmamos que a previsão constitucional contida no art. 7º,


XXVIII, em nada obsta a aplicação do parágrafo único do art. 927 do CC/2002,
já que o artigo 7º da Constituição Federal de 1988 assegurou aos trabalhadores
urbanos e rurais, entre um rol de direitos sociais mínimos, a responsabilidade civil
subjetiva do empregador, não obstando, todavia, que outros direitos lhe fossem
assegurados pela legislação infraconstitucional, o que claramente se pode inferir
do caput do artigo 7º, através da expressão “além de outros direitos que visem à
melhoria de sua condição social”.
Além disso, é possível afirmar também que, não obstante o inciso XXVIII do
art. 7º da Carta Maior estabeleça a responsabilidade civil subjetiva do empregador
em relação aos acidentes do trabalho, é plenamente cabível a aplicação do §3º do
art. 225 da Constituição aos casos em que as condutas e atividades do empregador
sejam lesivas ao meio ambiente, sendo a este imposto o dever de reparação dos
danos causados, independentemente de ter agido com dolo ou culpa.

7.1  Aparente conflito entre as normas constitucionais e


infraconstitucionais
Urge trazer à baila que, não obstante a primeira lei brasileira específica so-
bre acidentes do trabalho (Decreto Legislativo nº 3.724/1919) tenha imputado ao
empregador a obrigação de indenizar os casos de acidente do trabalho, em nada
estabeleceu acerca dos benefícios acidentários.
Já o Decreto nº 24.637/1934 (segunda lei acidentária) foi marcado pela irres­
ponsabilidade patronal, porquanto previa o pagamento de seguro acidentário
como forma de cobrir todos os riscos relacionados aos infortúnios laborais, con-
tendo, inclusive, em seu artigo 12, previsão expressa excluindo a responsabilidade
civil do empregador. Todavia, como bem lembra Sebastião Geraldo de Oliveira:
“[...] a cobertura da lei acidentária tinha limites estabelecidos que não atingiam o
ressarcimento integral do dano”.24
Esta situação começou a sofrer mudança a partir do Decreto-Lei nº 7.036/1944,
que passou a prever a responsabilidade civil, independente do seguro acidentário,
mas apenas em casos de dolo do empregador ou de seus prepostos.
A previsão de cumulação do seguro acidentário com a indenização decor-
rente da responsabilidade civil, mesmo que apenas em casos de dolo, gerou gran-
de polêmica. De um lado, os empregadores consideravam-na injusta, alegando

24
OLIVEIRA. Indenização por acidentes do trabalho ou doença ocupacional, p. 78.

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configurar bis in idem. De outro lado, os trabalhadores defendiam que tal cumulação
deveria estender-se também aos casos de culpa do empregador, e não apenas na
ocorrência do dolo.
A jurisprudência do STF, através da Súmula nº 229, pôs fim a essa discus-
são, dando interpretação ampla à Lei, de forma a equiparar a culpa grave ao dolo.
Desse modo, restou pacificado o entendimento de que todas as vezes que res-
tasse comprovado o dolo ou culpa grave, deveria ser imputada ao empregador
a obrigação de reparação decorrente da responsabilidade civil, não obstante, é
claro, ser devido também o seguro acidentário.
O grande problema passou a assentar-se na verificação do grau de culpa.
Quando então estaria configurada a culpa grave e a consectária responsabiliza-
ção do empregador pela reparação do dano?
A Constituição Federal de 1988 elucidou a questão, retirando a quantifica-
ção da culpa, ou seja, assentou o entendimento de que, sempre que verificada a
culpa, independente de seu grau, caberá à indenização, tornando assim comple-
tos os limites da responsabilidade subjetiva.
O Código Civil de 2002, através do parágrafo único do artigo 927, fez eferves-
cer novas discursões na esfera da responsabilidade civil, ao acolher a responsabi-
lidade independente de culpa (responsabilidade pelo risco). Seria tal dispositivo
aplicável no âmbito do Direito do Trabalho ou estaria em conflito com o disposto
no art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal de 1988?
A aplicação da norma contida no parágrafo único do artigo 927 do novo
Código Civil, em face do disposto no inciso XXVIII do artigo 7º da Magna Carta,
seria inconstitucional?
Parte da doutrina entende que o dispositivo civil em questão não se aplica
à responsabilidade do empregador, porquanto tal matéria já foi tratada em nível
constitucional. De outro modo, estar-se-ia ferindo o preceito constitucional e co-
locando em xeque a hierarquia da norma.
A doutrina majoritária,25 no entanto, possui entendimento que parece mais
coerente, na medida em que aduz que a aplicação do parágrafo único do art. 927
do CC/2002 não fere o preceito constitucional presente no inciso XXVIII do art. 7º
da CF/88; isso porque não se pode interpretar um dispositivo de forma isolada, e
o caput do artigo 7º deixa claro que os direitos ali elencados não excluem outros
que visem à melhoria da condição social do trabalhador.

25
Dentre os quais: Amauri Mascaro Nascimento, Sebastião Geraldo de Oliveira, Rodolfo Pamplona
Filho, Alexandre de Moraes e Arnaldo Süssekind.

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  257

Nesse sentido conclui Claudio Brandão:

Não há dúvida de que essa melhor condição social é obtida quando se


abraça a responsabilidade sem culpa naquelas atividades desenvolvidas
no empreendimento que o expõe a um risco considerável, anormal, ex-
traordinário.26

Portanto, resta evidente que o rol de direitos sociais constante no artigo 7º da


Constituição Federal trata-se de um rol meramente exemplificativo, não excluindo
outros direitos.
O entendimento de que o rol de garantias do art. 7º da CF/88 não esgota a
proteção aos direitos sociais tem sido declarado pelo Supremo Tribunal Federal
em diversos julgados, como na ADI nº 639/DF, de 02 de junho de 2005.
A previsão contida no dispositivo infraconstitucional não fere a hierarquia
das normas, porquanto não entra em choque com seu conteúdo. Destarte, não há
inconstitucionalidade vez que a lei ordinária (Código Civil) institui a responsabili-
zação civil, além do caso previsto constitucionalmente, promovendo a ampliação
do direito do trabalhador, sendo-lhe, assim, mais benéfico.
A responsabilidade civil prevista no parágrafo único do art. 927 do novo
Código Civil, aplicada aos casos de acidente do trabalho, não desrespeita nem
colide com a disposição contida no inciso XXVIII do art. 7º da Magna Carta, mas
apenas amplia a responsabilização do empregador, já prevista no dispositivo
constitucional, para alcançar os casos em que, não obstante seja difícil para o
obreiro comprovar o dolo ou culpa do empregador, a atividade por sua natureza
de risco já justifica a responsabilização do empregador, bastando ao empregado
a simples comprovação do dano e do nexo causal entre este e a referida atividade.
Aliás, como bem fundamentam os defensores da aplicação da responsabili-
dade civil objetiva aos casos de acidentes do trabalho, não seria razoável pensar
de outra forma, vez que a não aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código
Civil aos casos de acidente do trabalho é um tanto quanto contraditória, já que, se
ao exercer atividade de risco, o empregador responde objetivamente pelos danos
causados por si a outrem, não é razoável que em relação aos danos causados a
seus empregados responda o mesmo empregador de forma subjetiva.
Tal entendimento também é extensível à previsão contida no §3º do art. 225
da Carta Maior, o qual estabelece a responsabilidade civil objetiva em relação aos

26
BRANDÃO. Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador, p. 273.

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258  Valena Jacob Chaves Mesquita, Juliana Lima de Mesquita

danos causados ao meio ambiente. Ora, se a Constituição Federal estabelece que


aquele que causar danos ao meio ambiente está sujeito à reparação, independente
de ter agido com dolo ou culpa, e como vimos, o meio ambiente do trabalho é parte
constitutiva do meio ambiente, como não entender ser também objetiva a respon-
sabilidade do empregador que causar danos ao meio ambiente de trabalho?

8 Conclusão
A problemática acerca dos acidentes do trabalho no Brasil sofreu intensas
transformações ao longo dos anos. Gradativamente, os direitos conferidos aos
trabalhadores com o fito de lhes garantir sua integridade física e psíquica foram
sendo alargados.
O ser humano deixou de ser vislumbrado como simples ferramenta do pro-
cesso produtivo, passando a ser visto como um ser detentor de direitos, de modo
que, com fundamento na necessidade de promoção do princípio da dignidade da
pessoa humana, cresceu a preocupação em garantir-lhes maior proteção.
A legislação brasileira específica sobre acidentes do trabalho, inicialmente
marcada pela irresponsabilidade patronal (Decreto nº 24.637/1934), passou a as-
segurar a responsabilidade civil do empregador em casos de dolo deste ou de
seus prepostos, independente do seguro acidentário (Decreto-Lei nº 7.036/1944).
Avançando, a jurisprudência do STF (Súmula nº 229) deu interpretação ampla
à Lei, de forma a equiparar a culpa grave ao dolo, restando, todavia, o problema da
quantificação da culpa, dado o caráter essencialmente subjetivo do termo culpa
grave.
Apenas com a Constituição Federal de 1988, assentou-se o entendimento de
que, sempre que verificada a culpa, não importando o seu grau, caberá a indeni-
zação, independente do seguro acidentário, tornando, assim, completos os limites
da responsabilidade civil subjetiva do empregador.
Todavia, a responsabilidade civil fundada na culpa em sentido lato, em face
do seu caráter subjetivo, começou a mostrar-se insuficiente para atender a todos
os casos de acidentes do trabalho, tornando-se extremamente onerosa para o
obreiro, que não raramente ficava desamparado por não conseguir provar a culpa
do empregador.
Ao instituir a cláusula geral da responsabilidade objetiva em seu artigo 927,
parágrafo único, o Código Civil de 2002 fez efervescer discursões doutrinárias e
divergências jurisprudenciais no que se refere à aplicação desta responsabilidade
aos casos de acidente do trabalho, surgindo, inclusive, questionamentos quanto

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  259

à constitucionalidade da aplicação de referida norma ao direito do trabalho, bem


como acerca do aparente conflito entre a norma constitucional inserta no art. 7º,
inciso XXVIII, e a norma contida no parágrafo único do artigo 927 do CC/2002.
A conclusão a que chega o presente artigo é a de que a aplicação do pará-
grafo único do art. 927 do CC/2002 não fere o preceito constitucional presente no
inciso XXVIII do art. 7º da CF/88, em face do enunciado aberto do caput do artigo
7º, que dispõe: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social”. Tal enunciação deixa nítido que os
direitos ali arrolados não excluem outros que visem à melhoria da condição social
do trabalhador.
Conclui, ainda, que a norma constitucional e a norma civil em comento pos-
suem campos de incidência diferentes, razão pela qual não se pode falar em con-
flito de normas. O reconhecimento da responsabilidade civil objetiva aos casos de
acidentes do trabalho não pretende suplantar a responsabilidade civil subjetiva
prevista na norma constitucional, mas tão somente promover a ampliação dos
direitos dos trabalhadores.
Assim, a ocorrência de acidente do trabalho em atividades de risco impõe,
por si só, o dever de reparação do dano, prescindindo da existência de dolo ou
culpa, nos termos do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
Neste caso, a verificação do grau de culpa do empregador presta-se apenas
para quantificação da indenização, até mesmo porque, como já dito anteriormente,
incumbe ao empregador zelar pelo meio ambiente do trabalho, com a redução
de riscos a ele inerentes, por meio de normas de saúde, higiene e segurança,
sob pena de responder objetivamente pelos danos que causar, nos termos do
que dispõe o §3º do art. 225, combinado com o inciso VIII do art. 200, ambos da
Constituição Federal de 1988.

Referências
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260  Valena Jacob Chaves Mesquita, Juliana Lima de Mesquita

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Responsabilidade civil do empregador em face dos acidentes laborais...  261

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MESQUITA, Valena Jacob Chaves; MESQUITA, Juliana Lima de. Responsabilidade civil do
empregador em face dos acidentes laborais e ao meio ambiente do trabalho. Revista
da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Belo Horizonte, ano 2, n. 2,
p. 243-261, jan./dez. 2014.

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Índice
página página

Autor MEDEIROS, Benizete Ramos de


- Artigo: A depressão como doença ocupacional e
AMADO, João Leal a difícil prova na Justiça do Trabalho....................73
- Artigo: O Direito do Trabalho em crise – O caso
português.................................................................... 133 MENDES, Felipe Prata
- Artigo: A Emenda Constitucional nº 72/2013
BELMONTE, Alexandre Agra e a jornada de trabalho dos empregados
- Artigo: A proteção do emprego na Constituição domésticos.................................................................. 111
Federal de 1988 – Estabilidade, garantias
provisórias, proteção geral à despedida MESQUITA, Juliana Lima de
arbitrária ou sem justa causa e direitos - Artigo: Responsabilidade civil do empregador
decorrentes da extinção contratual......................11
em face dos acidentes laborais e ao meio
ambiente do trabalho.............................................. 243
CHEN, Daniel
- Artigo: O problema da desconfirmação das
MESQUITA, Valena Jacob Chaves
decisões liminares em dissídios coletivos de
- Artigo: Responsabilidade civil do empregador
greve em serviços essenciais...................................99
em face dos acidentes laborais e ao meio
CONCEIÇÃO, Netícia Melo ambiente do trabalho.............................................. 243
- Artigo: A degradação do trabalhador – Os
grandes eventos esportivos internacionais e RAMÍREZ, Luis Enrique
o trabalho escravo no Brasil.................................. 195 - Artigo: Acidentes de trabalho – O genocídio
da classe trabalhadora............................................ 177
DALLEGRAVE NETO, José Affonso
- Artigo: Dano existencial e o direito à RAMOS NETO, Manoel Maurício
felicidade...................................................................... 161 - Artigo: A degradação do trabalhador – Os
grandes eventos esportivos internacionais e o
FELKER, Reginald D. H. trabalho escravo no Brasil...................................... 195
- Artigo: Algumas reflexões sobre os caminhos
da celeridade processual........................................ 223 REIS, Jair Teixeira dos
- Artigo: O direito fundamental ao não trabalho
GUEVARA RAMÍREZ, Lydia infantil e à educação em direitos humanos..... 123
- Artigo: Respuesta legal a la violencia laboral en
países seleccionados de América Latina.......... 185 SCHIAVI, Mauro
- Artigo: Aspectos polêmicos e atuais do recurso
MACHADO, Sidnei de revista no processo do trabalho.................... 205
- Artigo: Contribuição previdenciária e o processo
do trabalho – A Macondo jurídica...................... 231 TERRA, Carolina de Carvalho
- Artigo: A depressão como doença ocupacional
MACIEL, Álvaro dos Santos
e a difícil prova na Justiça do Trabalho.................73
- Artigo: O direito do trabalhador estrangeiro
no Brasil sob o enfoque da principiologia
constitucional – A polêmica trabalhista do Título
“Programa Mais Médicos” .........................................57
ACIDENTES de trabalho – O genocídio da classe
MAIOR, Jorge Luiz Souto trabalhadora
- Artigo: O direito de greve existe ou não?.......... 151 - Artigo de: Luis Enrique Ramírez............................. 177

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264  Índice

página página

ALGUMAS reflexões sobre os caminhos da PROTEÇÃO do emprego na Constituição Federal


celeridade processual de 1988 – Estabilidade, garantias provisórias,
- Artigo de: Reginald D. H. Felker............................. 223 proteção geral à despedida arbitrária ou sem
justa causa e direitos decorrentes da extinção
ASPECTOS polêmicos e atuais do recurso de contratual, A
revista no processo do trabalho - Artigo de: Alexandre Agra Belmonte......................11
- Artigo de: Mauro Schiavi.......................................... 205
RESPONSABILIDADE civil do empregador em face
CONTRIBUIÇÃO previdenciária e o processo do dos acidentes laborais e ao meio ambiente do
trabalho – A Macondo jurídica trabalho
- Artigo de: Sidnei Machado...................................... 231 - Artigo de: Valena Jacob Chaves Mesquita,
Juliana Lima de Mesquita....................................... 243
DANO existencial e o direito à felicidade
- Artigo de: José Affonso Dallegrave Neto............ 161 RESPUESTA legal a la violencia laboral en países
seleccionados de América Latina
DEGRADAÇÃO do trabalhador – Os grandes
- Artigo de: Lydia Guevara Ramírez ........................ 185
eventos esportivos internacionais e o trabalho
escravo no Brasil, A
- Artigo de: Manoel Maurício Ramos Neto, Assunto
Netícia Melo Conceição.......................................... 195
A
DEPRESSÃO como doença ocupacional e a difícil ACIDENTE DE TRABALHO
prova na Justiça do Trabalho, A - Ver: Responsabilidade civil do empregador em
- Artigo de: Benizete Ramos de Medeiros, face dos acidentes laborais e ao meio ambiente
Carolina de Carvalho Terra........................................73 do trabalho. Artigo de: Valena Jacob Chaves
Mesquita, Juliana Lima de Mesquita.................. 243
DIREITO de greve existe ou não?, O - Ver: Acidentes de trabalho – O genocídio da
- Artigo de: Jorge Luiz Souto Maior......................... 151 classe trabalhadora. Artigo de: Luis Enrique
Ramírez......................................................................... 177
DIREITO do trabalhador estrangeiro no Brasil sob
o enfoque da principiologia constitucional – ACOSO LABORAL
A polêmica trabalhista do “Programa Mais - Ver: Respuesta legal a la violencia laboral en
Médicos”, O países seleccionados de América Latina.
- Artigo de: Álvaro dos Santos Maciel........................57 Artigo de: Lydia Guevara Ramírez ....................... 185

DIREITO do Trabalho em crise – O caso


ACOSO SEXUAL
português, O
- Ver: Respuesta legal a la violencia laboral en
- Artigo de: João Leal Amado.................................... 133
países seleccionados de América Latina.
Artigo de: Lydia Guevara Ramírez ....................... 185
DIREITO fundamental ao não trabalho infantil
e à educação em direitos humanos, O
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
- Artigo de: Jair Teixeira dos Reis.............................. 123
- Ver: Algumas reflexões sobre os caminhos da
EMENDA Constitucional nº 72/2013 e a jornada celeridade processual. Artigo de: Reginald D. H.
de trabalho dos empregados domésticos, A Felker............................................................................. 223
- Artigo de: Felipe Prata Mendes.............................. 111
AMBIENTE DE TRABALHO
PROBLEMA da desconfirmação das decisões - Ver: A depressão como doença ocupacional
liminares em dissídios coletivos de greve em e a difícil prova na Justiça do Trabalho. Artigo
serviços essenciais, O de: Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de
- Artigo de: Daniel Chen.................................................99 Carvalho Terra................................................................73

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Índice  265

página página

C DIGNIDADE
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS - Ver: O direito fundamental ao não trabalho
- Ver: A depressão como doença ocupacional infantil e à educação em direitos humanos.
e a difícil prova na Justiça do Trabalho. Artigo Artigo de: Jair Teixeira dos Reis............................. 123
de: Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de
Carvalho Terra................................................................73 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
- Ver: Dano existencial e o direito à felicidade.
“CÓDIGO GENÉTICO” DO DIREITO DO TRABALHO Artigo de: José Affonso Dallegrave Neto........... 161
- Ver: O Direito do Trabalho em crise – O caso
português. Artigo de: João Leal Amado............ 133 DIREITO DE GREVE
- Ver: O problema da desconfirmação das decisões
liminares em dissídios coletivos de greve em
COMPANHIA MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA
serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99
DO RIO DE JANEIRO
- Ver: O problema da desconfirmação das decisões
DIREITO DO TRABALHO
liminares em dissídios coletivos de greve em
- Ver: O direito do trabalhador estrangeiro
serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99 no Brasil sob o enfoque da principiologia
constitucional – A polêmica trabalhista do
CONDUCTA SOCIAL “Programa Mais Médicos”. Artigo de: Álvaro
- Ver: Respuesta legal a la violencia laboral en dos Santos Maciel........................................................57
países seleccionados de América Latina.
Artigo de: Lydia Guevara Ramírez ....................... 185 DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
- Ver: Aspectos polêmicos e atuais do recurso
CONSTITUCIONALISMO de revista no processo do trabalho. Artigo de:
- Ver: O direito do trabalhador estrangeiro Mauro Schiavi............................................................. 205
no Brasil sob o enfoque da principiologia
constitucional – A polêmica trabalhista do DIREITOS FUNDAMENTAIS
“Programa Mais Médicos”. Artigo de: Álvaro - Ver: O direito do trabalhador estrangeiro
dos Santos Maciel........................................................57 no Brasil sob o enfoque da principiologia
constitucional – A polêmica trabalhista do
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 “Programa Mais Médicos”. Artigo de: Álvaro
- Ver: A proteção do emprego na Constituição dos Santos Maciel........................................................57
Federal de 1988 – Estabilidade, garantias
provisórias, proteção geral à despedida DIREITOS HUMANOS
arbitrária ou sem justa causa e direitos - Ver: O direito fundamental ao não trabalho
decorrentes da extinção contratual. infantil e à educação em direitos humanos.
Artigo de: Alexandre Agra Belmonte.....................11 Artigo de: Jair Teixeira dos Reis............................. 123

DIREITOS TRABALHISTAS
CONTRATO DE TRABALHO
- Ver: A degradação do trabalhador – Os grandes
- Ver: O Direito do Trabalho em crise – O caso
eventos esportivos internacionais e o trabalho
português. Artigo de: João Leal Amado............ 133
escravo no Brasil. Artigo de: Manoel Maurício
Ramos Neto, Netícia Melo Conceição................ 195
D
DANO MORAL DIRETO A GREVE
- Ver: Dano existencial e o direito à felicidade. - Ver: O direito de greve existe ou não?. Artigo de:
Artigo de: José Affonso Dallegrave Neto........... 161 Jorge Luiz Souto Maior........................................... 151

DEPRESSÃO DOENÇA OCUPACIONAL


- Ver: A depressão como doença ocupacional - Ver: A depressão como doença ocupacional
e a difícil prova na Justiça do Trabalho. Artigo e a difícil prova na Justiça do Trabalho. Artigo
de: Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de de: Benizete Ramos de Medeiros, Carolina de
Carvalho Terra................................................................73 Carvalho Terra................................................................73

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266  Índice

página página

DOENÇAS PROFISSIONAIS F
- Ver: Acidentes de trabalho – O genocídio da FELICIDADE
classe trabalhadora. Artigo de: Luis Enrique - Ver: Dano existencial e o direito à felicidade.
Ramírez......................................................................... 177 Artigo de: José Affonso Dallegrave Neto........... 161

E G
EDUCAÇÃO GENOCÍDIO
- Ver: O direito fundamental ao não trabalho - Ver: Acidentes de trabalho – O genocídio da
infantil e à educação em direitos humanos. classe trabalhadora. Artigo de: Luis Enrique
Artigo de: Jair Teixeira dos Reis............................. 123 Ramírez......................................................................... 177

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/1998 GREVE DOS GARIS


- Ver: Contribuição previdenciária e o processo - Ver: O problema da desconfirmação das decisões
do trabalho – A Macondo jurídica. Artigo de: liminares em dissídios coletivos de greve em
Sidnei Machado......................................................... 231 serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013 GREVE


- Ver: A Emenda Constitucional nº 72/2013 - Ver: O direito de greve existe ou não?.
e a jornada de trabalho dos empregados Artigo de: Jorge Luiz Souto Maior........................ 151
domésticos. Artigo de: Felipe Prata Mendes.... 111
J
EMPREGADOR JORNADA DE TRABALHO
- Ver: A Emenda Constitucional nº 72/2013 - Ver: A Emenda Constitucional nº 72/2013
e a jornada de trabalho dos empregados e a jornada de trabalho dos empregados
domésticos. Artigo de: Felipe Prata Mendes.... 111 domésticos. Artigo de: Felipe Prata Mendes.... 111

ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO JUSTIÇA DO TRABALHO


- Ver: A proteção do emprego na Constituição - Ver: Aspectos polêmicos e atuais do recurso
Federal de 1988 – Estabilidade, garantias de revista no processo do trabalho. Artigo de:
provisórias, proteção geral à despedida Mauro Schiavi............................................................. 205
arbitrária ou sem justa causa e direitos - Ver: Contribuição previdenciária e o processo do
decorrentes da extinção contratual. trabalho – A Macondo jurídica. Artigo de:
Artigo de: Alexandre Agra Belmonte.....................11 Sidnei Machado......................................................... 231
- Ver: O direito de greve existe ou não?.
ESTABILIDADE NO EMPREGO Artigo de: Jorge Luiz Souto Maior........................ 151
- Ver: A proteção do emprego na Constituição - Ver: O problema da desconfirmação das decisões
Federal de 1988 – Estabilidade, garantias liminares em dissídios coletivos de greve em
provisórias, proteção geral à despedida serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99
arbitrária ou sem justa causa e direitos
decorrentes da extinção contratual. L
Artigo de: Alexandre Agra Belmonte.....................11 LEGALIDADE DA GREVE
- Ver: O direito de greve existe ou não?.
EVENTOS ESPORTIVOS INTERNACIONAIS Artigo de: Jorge Luiz Souto Maior........................ 151
- Ver: A degradação do trabalhador – Os grandes
eventos esportivos internacionais e o trabalho LEI N.º 23/2012
escravo no Brasil. Artigo de: Manoel Maurício - Ver: O Direito do Trabalho em crise – O caso
Ramos Neto, Netícia Melo Conceição................ 195 português. Artigo de: João Leal Amado............ 133

EXPLORAÇÃO MORAL LEI Nº 7.783/1989


- Ver: Dano existencial e o direito à felicidade. - Ver: O direito de greve existe ou não?.
Artigo de: José Affonso Dallegrave Neto........... 161 Artigo de: Jorge Luiz Souto Maior........................ 151

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Índice  267

página página

- Ver: O problema da desconfirmação das decisões REGRAS TRABALHISTAS


liminares em dissídios coletivos de greve em - Ver: O Direito do Trabalho em crise – O caso
serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99 português. Artigo de: João Leal Amado............ 133

LIMPEZA URBANA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS


- Ver: O problema da desconfirmação das decisões - Ver: Algumas reflexões sobre os caminhos da
liminares em dissídios coletivos de greve em celeridade processual. Artigo de: Reginald D. H.
serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99 Felker............................................................................. 223

M RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA


MARCs - Ver: Responsabilidade civil do empregador em
- Ver: Algumas reflexões sobre os caminhos da face dos acidentes laborais e ao meio ambiente
celeridade processual. Artigo de: Reginald D. H. do trabalho. Artigo de: Valena Jacob Chaves
Felker............................................................................. 223 Mesquita, Juliana Lima de Mesquita.................. 243

MEIO AMBIENTE DO TRABALHO RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA


- Ver: Responsabilidade civil do empregador em - Ver: Responsabilidade civil do empregador em
face dos acidentes laborais e ao meio ambiente face dos acidentes laborais e ao meio ambiente
do trabalho. Artigo de: Valena Jacob Chaves do trabalho. Artigo de: Valena Jacob Chaves
Mesquita, Juliana Lima de Mesquita.................. 243 Mesquita, Juliana Lima de Mesquita.................. 243

N S
NORMAS TRABALHISTAS SERVIÇOS ESSENCIAIS
- Ver: A Emenda Constitucional nº 72/2013 - Ver: O problema da desconfirmação das decisões
liminares em dissídios coletivos de greve em
e a jornada de trabalho dos empregados
serviços essenciais. Artigo de: Daniel Chen.........99
domésticos. Artigo de: Felipe Prata Mendes.... 111
T
P
TRABALHADOR ESTRANGEIRO
PREVIDÊNCIA
- Ver: O direito do trabalhador estrangeiro
- Ver: Contribuição previdenciária e o processo do no Brasil sob o enfoque da principiologia
trabalho – A Macondo jurídica. Artigo de: constitucional – A polêmica trabalhista do
Sidnei Machado......................................................... 231 “Programa Mais Médicos”. Artigo de: Álvaro
dos Santos Maciel........................................................57
PROCESSO TRABALHISTA
- Ver: Aspectos polêmicos e atuais do recurso TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO
de revista no processo do trabalho. Artigo de: - Ver: A degradação do trabalhador – Os grandes
Mauro Schiavi............................................................. 205 eventos esportivos internacionais e o trabalho
escravo no Brasil. Artigo de: Manoel Maurício
“PROJETO MAIS MÉDICOS” PARA O BRASIL Ramos Neto, Netícia Melo Conceição................ 195
- Ver: O direito do trabalhador estrangeiro
no Brasil sob o enfoque da principiologia TRABALHO DOS DOMÉSTICOS
constitucional – A polêmica trabalhista do - Ver: A Emenda Constitucional nº 72/2013
“Programa Mais Médicos”. Artigo de: Álvaro e a jornada de trabalho dos empregados
dos Santos Maciel........................................................57 domésticos. Artigo de: Felipe Prata Mendes.... 111

PROTEÇÃO TRIBUTAÇÃO
- Ver: O direito fundamental ao não trabalho - Ver: Contribuição previdenciária e o processo do
infantil e à educação em direitos humanos. trabalho – A Macondo jurídica. Artigo de:
Artigo de: Jair Teixeira dos Reis............................. 123 Sidnei Machado......................................................... 231

R V
RECURSO DE REVISTA VIOLENCIA LABORAL
- Ver: Aspectos polêmicos e atuais do recurso - Ver: Respuesta legal a la violencia laboral en
de revista no processo do trabalho. Artigo de: países seleccionados de América Latina.
Mauro Schiavi............................................................. 205 Artigo de: Lydia Guevara Ramírez ....................... 185

R. Assoc. bras. Adv. trab. – ABRAT | Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 263-267, jan./dez. 2014

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Esta obra foi composta na fonte Myriad Pro, corpo 11
e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo
250g (capa) pela Artes Gráficas Formato Ltda, em Belo
Horizonte/MG.

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