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N° USP: 8983137
Disciplina: Lógica I
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A verdade se diz de vários modos, porém, para Alfred Tarski o que importa é a
noção lógica da verdade. Ou seja, seu esforço se concentra “exclusivamente no
significado do termo ‘verdadeiro’ quando usado com referência a sentenças”. E as
sentenças são tomadas, por ele, de modo restrito, se referindo apenas àquelas que afirmam
que alguma coisa ‘é’ ou ‘não é’1. Trata-se, portanto, de pensá-las em sua significação
semântica, isto é, discutir a relação entre as sentenças e aquilo que é expressado por elas.
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A compreensão de verdade de Tarski concorda com a definição clássica de verdade estabelecida por
Aristóteles na Metafísica: “Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso, enquanto dizer do
que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro.” No entanto, ele afirma, tentar “obter uma
explanação mais precisa da concepção clássica da verdade, uma explanação que possa superar a
formulação aristotélica e que preserve, ao mesmo tempo, suas intenções básicas.”
verdade”. Entretanto, antes, precisamos esclarecer o trajeto percorrido no
desenvolvimento de tal teoria.
A tarefa que Tarski assume é formular uma explanação mais precisa que o
princípio de não-contradição aristotélico – a base de toda concepção clássica - sem,
contudo, negar suas intenções básicas, de modo que consiga dar uma definição
satisfatória: materialmente adequada e formalmente correta. Sendo assim, e partindo da
prerrogativa de que uma sentença verdadeira necessita designar um estado de coisas
existentes, Tarski propõe o seguinte exemplo: “a neve é branca”. Em que medida
podemos afirmar que tal sentença é verdadeira? Ora, somente se a neve for branca, sendo
falsa quando a neve apresentar outra cor, isto é, não for branca. Portanto, a sentença
verdadeira apresenta a seguinte forma: “a neve é branca” é verdadeira se, e somente se, a
neve é branca. Como a palavra ‘neve’ ocorre duas vezes na sentença poderíamos cair em
um círculo vicioso, pois se a neve é branca somente se ela for branca, à primeira vista,
não parece provar muita coisa, uma vez que dizemos a partir do mesmo, o mesmo. No
entanto, é preciso ler a sentença dividindo-a em duas partes separadas pelo conectivo ‘se
e somente se’ (bicondicional), de modo que o lado esquerdo será o definiendum, a frase
cujo significado é explicado pela definição, e o lado direito será o definiens, a frase que
fornece a explicação.
Dessa maneira, o problema apresentado pela repetição da palavra ‘neve’ pode ser
superado assumindo-se que no definiens a palavra ‘neve’ cumpre um papel sintático,
sendo a ‘neve’ o sujeito da frase. Como o definiendum expressa a verdade do definiens,
nele o sujeito da frase será o nome do definiens, isto é, ‘a neve é branca’. Isso significa
que quando se encontra no definiendum, a expressão ‘a neve é branca’ torna-se uma só
palavra designativa do nome do sujeito do definiens. Tarski diz: “um lógico medieval
diria que ‘neve’ ocorre, no definiens, in suppositione formalis e, no definiendum, in
suppositione materialis. Contudo, palavras que não são partes sintáticas do definiendum
não podem criar um círculo vicioso...”
Para ser mais breve, podemos substituir ‘a neve é branca’ por ‘p’, e então, teremos
o seguinte formato: ‘p’ é verdadeiro se e somente se p – que Tarski chamará de “forma-
T”. Portanto, só conseguiremos utilizar de modo adequado o termo ‘verdadeiro’ se
conseguirmos construir uma definição de verdade que tenha como consequências lógicas
todas as equivalências da forma acima. Mas seria possível estabelecer um uso adequado
do termo ‘verdadeiro’ para quaisquer sentenças possíveis em português? A resposta de
Tarski é não, pois além do fato de serem infinitas as possibilidades sentenciais no
português2, a maioria delas nos levaria a antinomias semelhantes a antinomia do
mentiroso. Desse modo, precisamos abrir mão da universalidade das linguagens comuns,
como o português de um ponto de vista geral, e recorrermos as linguagens formais usadas
pelas ciências, pois para que uma linguagem consiga se adequar a uma noção de verdade
satisfatória, “as regras sintáticas deverão ser puramente formais, isto é, deverão referir-se
exclusivamente à forma das expressões, sendo que a função e o significado de uma
expressão deverá depender exclusivamente de sua forma.” Ou seja, uma definição
satisfatória tem que ser tanto materialmente adequada quanto formalmente correta.
Por fim, para que evitemos paradoxos semânticos, como o do mentiroso, Tarski
diz que precisamos empregar duas linguagens diferentes ao discutir o problema da
definição da verdade e, de forma mais geral, de quaisquer problemas no campo da
semântica. A primeira dessas linguagens é a linguagem ‘a cujo respeito se fala’, e que é
o assunto de toda a discussão. A segunda é a linguagem na qual ‘falamos a respeito’ da
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Nas palavras de Tarski: “ao tentar preparar uma lista completa das sentenças em português,
deparamo-nos de início com a dificuldade de as regras da gramática portuguesa não determinarem com
precisão a forma das expressões (sequências de palavras) que devam ser contadas como sentenças:
uma dada expressão, uma exclamação, digamos, pode, em um dado contexto, funcionar como
sentença, enquanto um expressão da mesma forma não funcionará como sentença em outro contexto.
Além disso, o conjunto de todas as sentenças em português é, ao menos potencialmente, infinito.”
3
‘L’ refere-se a linguagem formal.
primeira, e em termos da qual desejamos, em particular, construir a definição de verdade
para a primeira linguagem. A última Tarski denominará metalinguagem e a primeira,
linguagem-objeto4. Como por exemplo, podemos dizer: “the snow is withe” é verdade, se
o somente se a neve é branca. Isto é, a parte escrita em inglês representa a linguagem-
objeto enquanto a parte escrita em português representa a metalinguagem.
4
Tarski diz: “A metalinguagem, que fornece meios suficientes para definir verdade, deve ser
essencialmente mais rica que a linguagem-objeto; não pode coincidir com esta última, nem ser nela
tradutível, já que, de outra forma, ambas as linguagens seriam semanticamente universais e a antinomia
do mentiroso poderia ser reconstruída em ambas.”
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Tarski ainda diz que, “é importante notar que as condições para a adequação material da definição
determinam unicamente a extensão do termo ‘verdadeiro’. Portanto, toda definição de verdade que
seja materialmente adequada seria necessariamente equivalente àquela de fato construída. A
concepção semântica da verdade não nos dá, por assim dizer, nenhuma possibilidade de escolher entre
diversas definições não-equivalentes dessa noção.”
teoria produz um critério de verdade somente no que se refere a correlação entre
linguagens formalizadas. Outros resultados, dirá Tarski, podem ser obtidos se aplicarmos
tal teoria às linguagens formalizadas de certas classes das disciplinas matemáticas6.
Resultando, desse modo, que a noção de verdade nunca coincide com a de
demonstrabilidade. Pois “em nenhum domínio da matemática a noção de
demonstrabilidade é um substituto perfeito para a noção de verdade”, uma vez que
sentenças demonstráveis são verdadeiras, mas nem todas sentenças verdadeiras são
demonstráveis. Isto, por fim, nos permite constatar que, de duas sentenças contraditórias,
uma delas é demonstrável e existe um par de sentenças contraditórias das quais nenhuma
é demonstrável. Dessa maneira a teoria da verdade “fornece um método geral para
demonstrações de consistência para disciplinas matemáticas formalizadas. ”
6
“Apenas disciplinas de caráter elementar e de estrutura lógica muito elementar são excluídas dessa
classe”.
Bibliografia: