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2018

Capitulo I – A Vida de Sebastiana de


Mello Freire
Sebastiana de Mello Freire, carinhosamente tratada por Yayá, nasceu em 21 de janeiro
de 1887 na cidade de Mogi das Cruzes, uma dentre os cinco filhos de Manoel de Almeida Mello
Freire e Josephina Augusta de Almeida Mello.

Até a perda dos pais, Yayá estudara em casa, sob os cuidados de Antônio de Barros
Barreto, seu preceptor. A partir de então, foi interna no tradicional colégio Nossa Senhora de
Sion, frequentado por filhas da elite paulista. Yayá recebeu educação esmerada. Falava
francês, tocava piano, pintava, dominava regras de etiqueta, realizava trabalhos manuais. E,
sobretudo, desenvolveu sua religiosidade, talvez um fator importante na manutenção de sua
integridade emocional diante dos abalos produzidos pela perda dos familiares próximos.

O Sion parece ter sido um referencial básico na vida de Yayá. Suas amigas durante a idade
adulta eram, na maioria, antigas colegas de escola. Mesmo depois de deixar o colégio, ela
continuava ligada às freiras –especialmente a Mère Amedée, sua orientadora espiritual durante
o período de estudante – obsequiando-as com favores e doações.

A vida de Yayá não se resumiu a momentos de tristeza e desespero. Na verdade ela os


superava levando uma vida alegre e rodeada pelos que a estimava. Yayá parece haver herdado
o temperamento brincalhão do pai. Segundo o Dr. Augusto Trigueirinho, ela era uma mulher
alegre que gostava de se divertir e, para isso, armava brincadeiras com amigas e gente
próxima.

Às vezes, servia a seus convidados pastéis recheados de algodão, divertindo-se em vê-


los sem jeito por não poderem engolir a iguaria que, segundo fazia crer, ela mesma preparara.
Até com os velhinhos aos quais distribuía mensalmente alimentos e auxílio financeiro, Yayá
fazia brincadeiras. Seu alvo preferido era uma velhota, divertida, vaidosa e um pouco aloucada,
a quem pessoalmente pintava os cabelos e ofertava ornamentos.

Yayá vivia na mansão da rua 7 de Abril, no centro de São Paulo, onde passava as horas
cuidando de um sofisticado (para a época) estúdio de fotografia onde revelava inúmeras fotos
de imagens de santos, seu tema preferido. Às vezes, passeava pelas ruas da pacata São Paulo
do início do século XX em seu Chevrolet grande e negro. Ia a Mogi das Cruzes para os fins de
semana com famílias amigas, ou ia à praia ou à fazenda em Guararema, onde fazia longos
passeios a cavalo pela mata.

Certo é que nunca seria encontrada fora de sua mansão da 7 de abril nos dias 19 de todo
mês (dia consagrado a São José). Esse dia era sagrado: era o dia em que ela ficava nos jardins
de sua casa, distribuindo alimentos e, infalivelmente, um conto de réis aos pobres que a tinham
como protetora.

Entre viagens de ida e vinda, Yayá de Mello Freire trazia sempre consigo algumas obras
de arte e não escondia dos seus amigos mais íntimos o orgulho por um cartão que conservava
sempre em local de honra. Fora-lhe dado por incentivadores dos movimentos artísticos de São
Paulo em reconhecimento pelo que fez em favor das artes.

Dona de um temperamento fechado e de uma personalidade forte, voluntariosa e


exigente, Yayá centralizava a vida dos que a rodeavam. Em sua casa, ligados por parentesco
ou amizade, habitavam muitas pessoas, todas, em diferentes medidas, dela dependentes.

Lá se criou Eliza de Mello Freire, sua prima e também sobrinha de Eliza Grant, educada
no colégio Sion, onde mais tarde foi professora de Educação Física, que ficaria com Yayá até
sua morte. Criou-se também Rosa Masullo, uma vizinha por ela batizada que se tornou sua
companheira preferida, agraciada com privilégios não concedidos aos demais moradores,
como, por exemplo, conhecer o segredo de seu cofre. Rosa, mãe do Dr. Augusto Trigueirinho,
foi educada no colégio Santa Inês e seu talento para a pintura foi sempre incentivado por Yayá,
que lhe solicitava quadros, com os quais presenteava as amigas.
Os que conheceram de perto apresentam Yayá como uma pessoa de hábitos simples e
vida social restrita a um pequeno grupo de amigos, do qual não participavam nem mesmo os
parentes residentes em Mogi. Embora desfrutando do bem estar propiciado por sua posição
social, viajou para a Europa apenas uma vez, em 1914, acompanhada de Rosa Masullo, Eliza
Grant e D. Hadjine, sua amiga desde os nove anos de idade.

De sua vida afetiva pouco se sabe. Consta que teria recusado muitas propostas de
casamento por considerar que os pretendentes estavam mais interessados em sua fortuna que
nela própria. Mas dizem que, demonstrando certo espírito romântico, Yayá teria cultivado uma
grande paixão oculta por Edu Chaves, rapaz de rica família paulista, que não se interessou por
ela.
Yayá teve sua trajetória marcada por tristes acontecimentos. Ainda muito pequena, aos 8
anos de idade, Yayá perdeu sua irmã Leonor, que morreu aos 13 anos, de tétano, ao se
machucar com um espinho de laranjeira.

Mas Yayá teve que conviver com outras perdas difíceis de serem compreendidas,
principalmente para uma criança. Sua outra irmã, Benedita Georgina, a menina da pipoca,
faleceu aos 3 anos de idade, asfixiada por um elo de um porta níquel feito de tricot de metal que
estava em seu berço.

Em 1899, seu pai e sua mãe ficaram doentes ao mesmo tempo e faleceram em apenas 2
dias sem um ficar sabendo da morte do outro.

Órfãos, Yayá, com 12 anos e seu único irmão Manuel de Almeida Mello Freire Junior, com
17 anos, ficaram sob a tutela do senador Dr. Albuquerque Lins, amigo pessoal de seu pai. E por
pedido de Yayá também foram cuidados por uma amiga e madrinha dela, Eliza Grant,
descendente de uma família americana que chegara a Mogi das Cruzes após a Guerra da
Secessão.

Com a morte dos pais, Yayá e seu irmão, tornaram-se herdeiros dos bens familiares
constituídos por um grande número de imóveis na Capital e em Mogi, valores e ações.
Em 1905, quando Yayá tinha 18 anos foi surpreendida por um acontecimento que, anos
mais tarde, faria parte também de seu destino, marcado pelo diagnostico de ―insanidade
mental‖.

No dia 21 de julho de 1905, seu irmão Manuel Junior que retornava de navio da Argentina com
o amigo Alfredo Grant e tendo desaparecido no referido navio, concluiu se que, Manuel Junior
havia se jogado ao mar. O médico de bordo, Dr. Francisco Benfica de Menezes, registrou um
termo com as seguintes palavras:

―Declaro que, cerca de 1 hora da noite, fui chamado a prestar socorros a Nhô Manuel de Mello
Freire, passageiro de 1ª classe, a bordo do‖ Orion ―, que anteriormente sofria das faculdades
mentais.

Ao chegar; encontrei-o presa de um acesso furioso, tornando-se necessário para conte-lo o


auxilio do comissário, maquinista, chefe dos criados e pessoal de bordo. Decorridos quarenta
minutos seguiu-se sono tranquilo, pelo que julguei desnecessários os meus serviços,
recolhendo-me porém ao camarote próximo pronto a atender a qualquer eventualidade, pois
confiava o enfermo a dois criados.

Pelas três horas fui despertar e avisado de que novo acesso o acometia (…) Ao penetrar no
camarote em que se achava, encontro-o deserto e aberta à vigia, sinal evidente de que o
doente tinha se atirado ao mar. ―.

Em 4 de setembro de 1961, aos 74 anos, Yayá falece às 14:55 de insuficiência cardíaca,


após ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica, onde foi levada 13 dias antes. Era
portadora de um câncer uterino.

Dona Yayá, que possui uma historia rica e envolvente, que era de uma família abastada e
que sua herança fez grande diferença para o progresso da cidade, e mesmo assim não possui
reconhecimento nenhum em Mogi das Cruzes.
Capitulo II – A Loucura e o Tratamento
A Loucura

No final de 1918, Yayá teve a primeira manifestação de desequilíbrio emocional. Achando que
iria morrer, redigiu a lápis, e sem a presença do tabelião, um testamento evidentemente sem
validade. Sua segunda providencia foi distribuir as joias que possuía entre as mulheres da casa;
depois, elas foram recolhidas por sua afilhada Rosa Masullo, que as guardou à espera de que
sua madrinha se restabelecesse para confirmar a doação.

Em janeiro de 1919 sobreveio uma nova crise. Yayá desconfiava de todos. Recusando
alimentos, gritava que a queriam matar e que tentavam desonrá – la. Em seu desespero tentou
suicídio, sendo então internada no Instituto Homem de Mello.

A notícia levada até o Curador Geral de Órfãos, provavelmente pelo antigo tutor de Yayá,
Albuquerque Lins, resultou na nomeação de dois médicos para que procedessem ao exame de
Sebastiana ―que se achava sofrendo das faculdades mentais a ponto de não poder gerir seus
bens‖.

Por ocasião de seu internamento, Yayá tinha 32 anos. A partir daí, sua vida, já bastante
marcada por acontecimentos trágicos, não mais foi conduzida por sua vontade.

Durante os 42 anos seguintes foi perdendo sua inteireza. Esquecida pela quase totalidade dos
amigos, afastada os espaços e objetivos que constituíam seus referenciais afetivos, tornou-se,
gradativamente, mais agressiva e, ao mesmo tempo, indefesa.

Os primeiros laudos sobre o estado mental de Yayá nos fornecem dados significativos para a
avaliação da camisa de força tecida pela moralidade burguesa do inicio do século, no sentido
de delimitar o papel feminino.

Aos olhos de hoje, as observações nela contidas parecem mais revelar os preconceitos da
época e tentar comprovar a eficácia da ciência médica do que fornecer dados que
possibilitassem orientar a cura.

Baseados no histórico de vida e em observações diretas do comportamento da paciente, os


laudos interpretam opções, como a recusa ao casamento, como um indício da ―organização
psíquica desarmônica, reveladora de uma predisposição latente para desarranjos mentais‖. Da
mesma forma, atitudes próprias da ―galanteria feminina‖, talvez por muito tempo reprimidas por
Yayá, ganharam classificação moral, uma vez que consideradas indicadoras de ―alterações dos
sentimentos éticos‖, principalmente do ―pudor natural do sexo‖.

Durante os delírios de Yayá, afloraram desejos e fantasiosas culpas produzidos por exigências
sociais e por uma educação dogmática e repressiva. Ela batia-se contra as paredes, feria-se
com objetos e farpas, dizia impropérios, proclamava-se partidária dos aliados na Primeira
Grande Guerra, repetia continuadamente ―eu sou católica apostólica romana‖, rasgava roupas,
chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada de morte e de violações, pedia o filho que
julgava amamentá-lo e embalá-lo.

Com o passar dos anos, os delírios diminuíram em frequência e intensidade. Aos poucos, a
psicose esquizofrênica – como tratado na linguagem médica moderna o mal que a afligia –
evoluiu sem remissão.
Em 1952, atingira o período demência, sua fase crônica final. Yayá, embora ainda tendo
algumas manifestações agressivas, estava abúlica, apática, quase inerte.

O Tratamento

Após os exames médicos que determinaram sua interdição, oficializada em abril de 1919, com
a publicação de um edital, Yayá esteve por cerca de um mês em uma casa alugada na rua Apa,
nº21. Só então foi encaminhada ao Instituto Paulista, onde permaneceu por pouco mais de um
ano.

A pedido do curador Souza Queiroz, Yayá foi submetida à observação de uma nova junta
médica. Depois da recusa, por motivos circunstanciais, de Franco da Rocha, Diogo de Faria e
Alberto Seabra, a junta foi composta pelos doutores Deolindo Galvão, David Cavalheiro e Paula
Lima. Chama a atenção à natureza dos quesitos respondidos. Além dos de costume, referentes
ao estado da interdita, constam outros sobre as instalações que ocupava, a competência dos
enfermeiros que a atendiam, as possibilidades de seu tratamento no Instituto Paulista e a
conveniência de transferi-la para outro local.

O laudo apontou o depauperamento físico de Yayá e uma insuficiência hepatorenal, indicativa


de um ―estado de intoxicação endógena‖, ressaltando a conveniência de exercícios moderados
ao ar livre e de um regime dietético apropriado a toxemia por ela apresentada.

Finalmente os especialistas ponderaram que, dado o seu grau de fortuna, a paciente poderia ter
cuidados exclusivos, sendo conveniente sua transferência para outro lugar que,
proporcionando-lhe as vantagens de um tratamento especial reclamado por seu estado físico,
―ofereça ou se adapte às condições exigidas por seu estado mental‖.

Respondendo a quesitos complementares, os médicos pronunciaram–se contrários ao retorno


da enferma para a sua antiga residência na rua Sete de Abril, uma vez que esta se achava em
um ―centro de aglomeração urbana‖ e não oferecia, ―pela disposição de seus aposentos, a
segurança indispensável a sua pessoa‖. Não aprovaram também sua transferência para o
Juquery por ser ―aquele asilo para alienados indigentes e não ter cômodos especiais que
sirvam a interdita‖.

Causa estranheza a referência ao Juquery como um asilo exclusivo de indigentes. Sabe-se que
lá também eram internadas pessoas de posse, a pagamento, às quais eram dispensadas
tratamento e acomodações especiais. De qualquer modo, a condição financeira de Yayá
permitia tratá-la sem afastá-la das pessoas mais próximas, um privilégio, então, ao alcance de
poucos.

O local adequado às necessidades de Yayá foi à chácara à rua Major Diogo nº 37, para onde
ela foi transferida em meados dos anos 20.Seu primeiro médico assistente foi Deolindo Galvão,
que considerou o local apropriado à cura da doente, então tratada pelo método francês non
restaint, assim explicado por ele: ―A doente será vigiada sem o perceber. Ela terá a ilusão de
que tem a liberdade, de que é senhora de seu nariz, mas de fato a vigilância será exercida
prudentemente não se permitindo senão aquilo que eu julgar conveniente‖.

A instalação de Yayá exigiu a adaptação do espaço, a contratação de pessoal especializado e a


transferência das pessoas que com ela moravam na Sete de Abril.

Para a Major Diogo nº 37, foram com Yayá gentes e coisas. Entre estas um piano, móveis e
objetos de grande valor afetivo, pois datavam do tempo de seus pais.Com ela ficaram Elizinha,
Eliza Grant, sua irmã Georgina Tavolaro e antigos empregados. Para cuidar dela chegou o
enfermeiro João Garcia, que permaneceria na casa por mais de 30 anos, e uma auxiliar.
Poucos amigos continuaram a visitá-la.

A transferência de dona Yayá do Instituto Paulista para a casa da rua Major Diogo atendia a
recomendação médica.

As condições oferecidas pela casa salvo pequenas adaptações necessárias, eram ideais,
segundo o parecer do médico assistente de Yayá. Ali seria possível praticar ―… a vigilância
sobre a doente sem que ela o perceba, método esse curativo aplicável ao seu estado atual‖,
uma vez que ―… nos departamentos que lhe vão pertencer poderá ela habitar a sós com a
enfermeira por mim escolhida, sem comunicação com as pessoas da casa salvo quando seu
estado permitir e ela desejar…‖.

Iniciou-se dessa forma, em meados de 1920, o longo período de reclusão domiciliar de Yayá.
Ela não sairia de casa até 1961, ano em que faleceu.

As adaptações necessárias à manutenção do isolamento e segurança de dona Sebastiana na


casa da Major Diogo, foram sendo sugeridas desde 1920.Em setembro daquele ano, o Dr.
Juliano Moreira –diretor do Hospício Nacional de Alienados do Rio de Janeiro e, ao lado de
Franco da Rocha, considerado o maior alienista – veio a São Paulo, com a finalidade especial
de examinar a interdita.

Moreira aprovou as instalações ocupadas pela enferma, porém recomendou modificações nas
janelas, chegando a fazer um rascunho no qual indica as características do sistema adotado no
hospício carioca.

A idéia presente nessa sugestão, a mesma que norteou outras intervenções, foi bem traduzida
por Juliano Moreira ao dizer que tratava-se de instalar uma casa de saúde só para dona
Sebastiana.
Na época, talvez mais do que hoje, as casa de saúde para alienados assemelhavam-se ás
prisões. Eram espaços de isolamento, de manutenção do paciente em um ambiente neutro,
sem estímulos, despersonalizados, livre de contatos perniciosos à psique e seguro.

Seguro de modo a proteger sua integridade física, mas, sobretudo, para preservar os ―de fora‖
da desordem causada por aquela que não seguiam as regras do convívio social. Eram também
espaços de vigilância, instrumento pelo qual o especialista observava, montava o quadro da
―loucura‖ e assim, segundo acreditava, corrigia comportamentos inadequados.

Primitivo Sette, em um relatório sobre as atividades da curadoria em 1921, nos fornece alguns
detalhes da construção desse ambiente asséptico – e, ao mesmo tempo, incentivador da perda
da razão-a casa da Major Diogo.

Segundo ele, o comportamento agressivo da interdita obrigou a substituição de colchões por


tapetes, de lençóis por toalhas de banho, de louças e talheres por vasilhames e colheres de
alumínio, materiais mais resistentes ás suas investidas destruidoras. Além do desconforto
advindo do uso de matérias tão grosseiros –especialmente para quem havia usufruído de todo
o bem estar possível às pessoas de alta condição social- esses objetos significavam punição e
rompimento, pois não estabeleciam elos com a vida passada, não estimulavam o aflorar de
lembranças, exercício de memória necessário à manutenção da identidade e da saúde
emocional.
Contendo Yayá e os objetos, criou-se um espaço impessoal que nos é apresentado no mesmo
relatório: ―… a enferma ocupa dois dormitórios espaçosos, ora um, ora outro, e às vezes, os
dois ao mesmo tempo. Estes cômodos são rigorosamente asseados, têm as paredes
esmaltadas até a altura das portas, para tornar possível a lavagem, às vezes necessária; e se
comunicam diretamente com o banheiro e o W.C.‖
A descrição acima indica que a casa passara por pequenas adaptações: pintura e, talvez,
abertura de passagem entre os dois quartos, um deles, aliás, bastante pequeno.

Embora o relatório não mencione, as janelas dos dois cômodos ocupados por Yayá, situados
no canto formado pelas faces norte e leste do edifício, devem ter sido substituídas, nessa
época, seguindo o modelo proposto por Juliano Moreira.

E seria estranho se isso não acontecesse, uma vez que a segurança da enferma era uma das
preocupações básicas dos que a cercavam.

Como o estado de Yayá permanecia ―mais ou menos estacionário e está a pedir instalações
mais amplas e confortáveis‖, o médico assistente da enferma, Dr. Ovídio Pires de Campos,
sugeriu que se adaptasse a ―atual sala de vistas da casa, anexa a um dos quartos que ela
ocupa presentemente, e que apresenta, além das vantagens de maior largueza a ser muito bem
batido de sol, o que não acontece com um dos atuais quartos, que se afigura muito frio no
inverno.‖

Dr. Ovídio sugeriu, também que se construísse ―uma sala de banho no terraço que circunda a
casa, com fácil e direta comunicação com seus aposentos‖.
Sugeriu, ainda, modificações que visavam à segurança da interdita, como a substituição do
antigo assoalho de seus aposentos por um piso de corticite e o levantamento do muro à volta
da casa, de modo a pôr dona Sebastiana em ―condições de absoluta segurança e a salvo de
olhares indiscretos e bisbilhoteiros.‖

O salão central dotado de três janelas e uma porta foi transformada em dormitório. Dali foram
retirados o papel de parede, o assoalho, as portas e as janelas. Estas foram substituídas ―por
caixilhos e vidraças resistentes, semelhantes às adotadas nos lugares destinados a doentes
como a interdita e por venezianas de madeira.‖ Adotou-se, também, aí, o modelo de janelas
proposto pelo alienista Juliano Moreira.

No piso colocou-se corticite, ―piso bastante higiênico, impermeável e inteiriço‖, ―assentado


sobre laje de cimento armado, amparada ao centro e ao longo do salão por uma parede
pequena que se construiu‖.
As paredes forma esmaltadas até a ―altura superior ao alcance da enferma‖, isto é, 2,30m, e o
teto pintado.

Os outros dois cômodos ocupados por dona Sebastiana sofreram as mesmas reformas, e ao
lado dos aposentos, ocupando a área do terraço, foi construído o quarto de banho, revestido de
azulejos brancos, piso de cerâmica, banheira e chuveiro com aquecedor a gás.

Outra obra de vulto realizada no prédio, visando a sua conservação e à melhoria das
acomodações de dona Yayá, teve duração de quase um ano, iniciando-se em 1952.

Nessa época era curador de dona Sebastiana o Dr. Luiz Antonio Figueiredo que, sensibilizado
com o confinamento em que vivia a interdita, ―procurou um lenitivo para sua triste existência‖.
As obras sugeridas pelo curador foram o fechamento do terraço contíguo aos aposentos de
Yayá, que assim se tornariam um jardim de inverno, e a construção de um solário em rampa
reentrante no jardim. Segundo o laudo do perito Roberto Guimarães Sobrinho, nelas deveriam
ser utilizadas materiais especiais, com o vidro ―triplex‖, massa plástica lisa nas paredes internas
e pisos moles, como os de cortiça revestida de material impermeável ou de borracha.

Quando Yayá foi instalada na casa da Major Diogo, ela foi descrita pelo Dr. Juliano Moreira com
―uma moça de cor branca, magra de corpo, cabelos castanhos escuros.‖

Nove anos depois tornara-se exageradamente gorda. Só raramente saía a passear no jardim ou
para sentar-se no alpendre. Passava a maior parte do tempo encerrada em seus aposentos,
sem fazer nada ou desfazendo a trama de um tecido, o que tomava por fazer frivolitê.

Olhava as demais dependências da casa através de uma abertura existente na porta de um de


seus quartos. Por uma pequena janela, que comunicava seu segundo quarto com o de Eliza
Grant, passava longo tempo observando as imagens de santos que estava dispostas em um
aparador.

Quase não falava. Sempre asseada e penteada, nos momentos de calma ―conversava‖ com as
pessoas da casa e chamava Augusto, filho de Rosa Masullo, e o filho de uma amiga pelo nome
de seu irmão e de outras crianças que conhecera.

Em seus aposentos, rigorosamente limpos, tudo era segurança. Móveis, apenas os


absolutamente necessários. A cama e uma cadeira higiênica eram pregadas ao chão. O piso
era liso, sem emendas. As janelas deixavam passar apenas ar e luz.

A terapêutica era simples. Poucos remédios, banhos quentes, observação. Os cuidados,


muitos. Neles esmeravam-se Eliza Grant e, após sua morte em 1944, Elizinha Freire.

Permaneciam os antigos hábitos domésticos, como a preparação dos doces para o consumo
anual da casa, e os trabalhos manuais das senhoras durante a tarde. Permaneciam também os
rituais e, entre eles, o de se comemorar o aniversário de Yayá com um jantar especial para o
qual eram convidados algumas pessoas. Por tradição servia-se peru, preparado com temperos
especiais no fogão de barro do quintal. A homenageada nunca esteve presente à mesa.
Pressentia-se Yayá. Nos antigos móveis e talheres, nos pratos de parede onde estavam
retratados seus dois cãezinhos de estimação, Fideli e Blanchet, na reverência com que todos
se referiam a ela.
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Capitulo III – As Lendas e o Inventario


As Lendas

A vida de Dona Yayá sempre foi marcada por muitos acontecimentos trágicos, e como sua
família era muito conhecida muitas histórias foram surgindo ou sendo modificadas, e com isso
foram surgindo lendas sobre Dona Yayá e sua família.

A Menina da Pipóca

Quem for ao Cemitério de São Salvador, em Mogi das Cruzes, no dia de Finados, verá quantas
mães levam seus filhinhos para visitar e levar flores para a ―menina da pipóca‖ – ali sepultada
em 1891.
Naquele ano a criança morreu .Seus pais mandaram erirgir-lhe um rico túmulo de mármore,
sobre o qual está a linda escultura de uma criancinha deitada e em suas mãos algumas flores ,
também de mármore.
O fato é que o povo não viu flores nas mãozinhas da escultura, pois elas ficaram parecendo
pipócas.

E daí nasceu a lenda que desde então repete-se ano apos ano e que a todos os Finados leva o
cemitério de Mogi um grande cortejo de mães, para rezar pelos seus filhos junto ao pequenino
túmulo.
E contam as mães que a criança morreu por castigo:
Passava a procissão de São Benedito. Mas como os pais não queriam que a família
homenageasse o santo preto, fecharam-se as janelas da casa.
E para distrais a pequenina, que queria ver a procissão, deram-lhe pipóca. Mas foi só a criança
botar uma na boca, engasgou-lhe e morreu!…

Nos dias de Finados há verdadeira romaria ao túmulo da criancinha.


E as mães olham as flores da escultura e, inexplicavelmente, veem as mãozinhas da menina
cheias de pipóca.

O Baile das Sexta – Feiras

À rua Senador Dantas, onde está hoje o novo edifício do Instituto Dona Placidina, havia um
grande e velho sobrado, com várias janelas e alpendres de ferro batido. Era a residência ―na
cidade‖ de ilustre e abonada família mogiana .
Pois o sobrado de Dona Yayá- como era conhecida- deixou muitas histórias .
Ainda há pouco uma senhora contou-nos uma delas:
Quem passasse por ali noite alta, nas Sextas-feiras, veria um belíssimo espetáculo . Um baile
dos mais ricos, com grande orquestra e inúmeros casais a rodopiar lindas valsas e afinadas
mazurkas.

Nos alpendres , senhoras e senhoritas de longos vestidos e cuidados penteados e gentis


cavalheiros de smoking e de casaca. Até a madrugada, quando cessava a música e o baile
tinha fim.

Perguntei à minha informante quem eram os dançarinos de tão alegres noitadas.


E ela , com a maior naturalidade :

– Almas do outro mundo- é claro ! …


Poder
Executivo
seção I

Estado de São Paulo Geraldo Alckmin - Governador


Palácio dos Bandeirantes • Av. Morumbi 4.500 • Morumbi • São Paulo • CEP 05650-000 • Tel. 2193-8000
Volume 128 • Número 46 • São Paulo, terça-feira, 13 de março de 2018 www.imprensaoficial.com.br

Vida trágica (e vanguardista) de


Dona Yayá é contada em cordel
M
eu leitor, prepare a mente/ Ao
FOTOS: PAULO CESAR DA SILVA

máximo de estatura/ Deixe-a


viver uma história/ Deixe-a ver
se a vida é dura/ Se transita-
mos tão fácil/ Da sanidade à
loucura
Assim começam os versos
do cordel De Sebastiana a Dona
Yayá, obra de Varneci Nasci­
mento lançada na semana de
comemoração do Dia Inter­­na­
cional da Mulher. Com 28 pági­
nas, o cordel conta a história de
Sebastiana de Mello Freire, a
Dona Yayá, personagem de vida
trágica e conturbada – e uma
vanguardista entre as mulheres
da sua época.

Representante da dade, sob a direção até pouco tempo de


Mônica Junqueira de Camargo, arquiteta
aristocracia paulista, e professora da Faculdade de Arquitetura
Sebastiana de Mello Freire Público ouviu atentamente os versos do cordel De Sebastiana a Dona Yayá e Urbanismo (FAU).
Na apresentação que faz do cordel,
foi uma mulher fora Yayá em cordel é inédito”, garante Iumatti, Mônica diz: “Trata-se de contribuição iné­
do seu tempo, e agora “reprodução fiel e, ao mesmo tempo, dife­ dita para a consolidação histórica dessa
rente das demais”. (Sebastiana de Mello,/ sofrida personagem, cuja casa é hoje um
ganha um cordel para Criança, receberá,/Ainda sentindo a aura/ bem cultural referencial da cidade de São
completar sua biografia Do período da sinhá/ O apelido carinhoso/ Paulo. Chama a atenção a sutileza do cor­
Que a chamava Yayá). delista Varneci ao expor a complexidade
“A publicação sobre Sebas­ do drama vivenciado por uma mulher aris­
tiana de Mello Freire, que viveu Renomado – Varneci Nascimento tocrática, isolada do convívio social por 40
reclusa na sua casa da Rua Major é um cordelista renomado. Já ministrou anos devido a distúrbios psicológicos”.
Diogo, representa um encontro várias palestras na USP. Autor de mais de O lançamento foi prestigiado por
esperado há muito entre a Uni­ 300 obras de cordel, 80 delas publicadas e autores de cordel, professores universi­
versidade de São Paulo, guardiã de 200 mil livretos vendidos. Baiano de Banzaê, tários, estudantes e profissionais do CPC,
um dos principais acervos sobre o cidade de 13 mil habitantes, tem formação público que ouviu atentamente a leitura
tema, e o universo dos cordelistas em História. Filho de pai poeta e repentista, De Sebastiana a Dona Yayá, nas vozes do
contemporâneos”, comenta o pro­ cresceu ouvindo cantigas de trabalho junto a Xilogravura da artista plástica Marina Nabuco autor e de Cleusa Santo, cordelista nasci­
fessor Paulo Teixeira Iumatti, do uma família de 15 irmãos. da em São Paulo.
Centro de Preservação Cultural Ele conta que já havia enfrentado representante de uma das mais importan­ Segundo o professor Iumatti, o cordel
(CPC), criado em 2002, como muitos desafios na carreira, como trans­ tes famílias do interior paulista. Marcada originário das regiões norte e nordeste
órgão da Pró-Reitoria de Cultura e formar em cordel obras famosas da litera­ pelo infortúnio, com a morte de seus pais ganhou força na região sudeste (São Paulo
Extensão Universitária da USP. tura brasileira, como Memórias Póstumas e irmãos, herdou a fortuna da família, mas e Rio de Janeiro) e centro-oeste (Brasília),
A vida de Dona Yayá e a de Brás Cubas, de Machado de Assis, A logo sucumbiu a uma doença mental que a a partir dos anos 1950 com as imigrações.
casa onde viveu, na Bela Vista, Escrava Isaura (Bernardo Guimarães), O impediu de administrar ou usufruir de seus “É arte brasileira e Yayá, uma grande refe­
já foram tema de documentários, Massacre de Canudos (autoria própria), bens. Ficou reclusa em sua residência no rência”, diz Varneci.
livros, inúmeras reportagens e até além de O Pequeno Polegar (Charles bairro paulistano do Bixiga, da juventude A obra recebeu ilustração em xilogra­
de bloco carnavalesco. “Mas Dona Perrault), mas confessa que ficou preocu­ até seu falecimento aos 74 anos, em 1961. vura na primeira página de autoria da artis­
pado quando recebeu a missão de contar a (Os íntimos a descreveram/ De uma forma ta plástica Marina Nabuco, paulista, apai­
vida de Dona Yayá: “Iumatti me levou um bonita:/ “Mulher de hábitos tranquilos/ xonada pelo universo do cordel. “Quando
livro de mais de 300 páginas, fartamente Vida social restrita/ Sem regalo ou exage- recebi o convite fiquei muito feliz em poder
ilustrado, com textos de autores diversos, ros/ Nem mesmo onde ela habita”). participar da produção e, principlamente,
além de conter rica pesquisa da professo­ pela oportunidade de conhecer a vida de
ra Marly Rodrigues, da Unicamp, sobre o Ineditismo – Sem filhos ou paren­ Dona Yayá. Transpor a fotografia de Yayá
tema. A partir daí mergulhei por completo tes próximos, teve sua herança consi­ para xilografia foi revelador, cheio de emo­
na vida dessa mulher e fiquei fascinado derada vacante e todos os seus bens ção. O cordel é democrático, acessível às
desde as primeiras linhas”. foram transferidos para a Universidade pessoas, de fácil circulação. Jovens, crian­
de São Paulo. O patrimônio deixado ças e idosos, todos podem ler”.
Reclusa – Nascida em Mogi das Cru­ incluia o casarão do Bixiga, hoje chama­
zes, em 21 de janeiro de 1887, Sebastiana do Casa de Dona Yayá, sede do Centro de Maria das Graças Leocádio
Varneci Nascimento (cordelista, autor da obra) de Mello Freire pertenceu à alta sociedade, Preservação Cultural (CPC), da universi­ Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

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terça-feira, 13 de março de 2018 às 02:11:34.
Varneci Nascimento

DE SEBASTIANA A
DONA YAYÁ
Autor Varneci Nascimento
Varneci Nascimento

Ilustração DE SEBASTIANA A DONA YAYÁ


Marina Nabuco
Projeto
Projeto gráfico
Ana Beatriz Ferreira
Martina Flores
YAYÁ EM CORDEL
Revisão
Aderaldo Luciano

Produção
Profa. Mônica Junqueira de Camargo (CPC-USP)
Cibele Monteiro da Silva (CPC-USP)
Gabriel Fernandes (CPC-USP)

Colaboração
Prof. Paulo Teixeira Iumatti (IEB-USP)
CPC - USP
2017
YAYÁ NA YAYÁ E O CPC
LITERATURA DE CORDEL

A história de Sebastiana de Mello Freire,


interpretada sob a ótica da literatura de
cordel, constitui uma síntese das mais inte-
ressantes da jornada de investigações e
Este folheto representa um encontro há muito reflexões na área de patrimônio cultural que
esperado entre a USP, que tem sob sua guarda o CPC vem desenvolvendo, e do importante
um dos principais acervos de cordel do Brasil, papel da extensão universitária na constru-
e o universo dos cordelistas contemporâneos. ção do conhecimento científico.
No Nordeste, os vínculos entre a universidade
e o cordel em projetos de extensão são bem Resultado de uma parceria entre o IEB e
mais antigos. Resultaram em iniciativas que o CPC, a partir da sugestão do prof. Paulo
encontraram, posteriormente, um terreno ins- Iumatti, a quem agradeço a brilhante ideia.
titucional favorável a partir da Constituição A sutileza do cordelista Varneci ao expor a
de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases da complexidade do drama vivenciado por uma
Educação. Hoje, as perspectivas que se abrem mulher aristocrática, isolada do convívio
tanto com o registro do cordel e do repente social por quarenta anos, devido a distúr-
como patrimônio imaterial pelo IPHAN quanto bios psicológicos, conseguiu relacionar de
com projetos de digitalização e ampliação do forma transdisciplinar conteúdos de diver-
acesso em diversas instituições tornam ainda sas áreas do conhecimento: gênero, loucura,
mais promissora essa aproximação, em âmbito isolamento, espaço doméstico e hospita-
nacional. Que este folheto seja apenas o início lar, arquitetura e cidade. Uma contribuição
de uma relação duradoura, destinada a favo- inédita para a consolidação histórica desta
recer a divulgação e o fortalecimento dessa sofrida personagem, cuja casa é hoje um bem
importante linguagem estética. cultural referencial da cidade de São Paulo.

Paulo Teixeira Iumatti Mônica Junqueira de Camargo


2 3
Meu leitor, prepare a mente
Ao máximo de estatura,
Deixe-a viver uma história,
Deixe-a ver se a vida é dura,
Se transitamos tão fácil
Da sanidade à loucura.

Mentes provectas, às vezes,


Perdem as venerandas luzes
De maneira inesperada,
Feito queda de avestruzes,
Como a nossa personagem
Nascida em Mogi das Cruzes.
DE SEBASTIANA A
DONA YAYÁ Aos 21 de janeiro
Nosso mundo a recebeu,
No ano de oitenta e sete
A família agradeceu,
Foi no século XIX
Que Augusta a concebeu.

Manoel de Mello Freire


Casado com Josephina
Augusta de Almeida Mello,
Conforme Deus determina,
São eleitos genitores
Daquela linda menina.
5
Sebastiana de Mello, Os Mello Freire moravam
Criança, receberá, Num palacete imponente
Ainda sentindo a aura Na Rua Sete de Abril
Do período da sinhá, À família pertinente.
O apelido carinhoso Em dois andares vistosos
Que a chamava de Yayá. Dignos de gente influente.

O pai, de Mogi das Cruzes, Quando em mil e novecentos


Homem de muito conceito, Começaram as agonias:
De uma família abastada, Dezembro devastador
O requisito perfeito Apagou as alegrias
Para que, aos vinte e três anos, Com a morte do casal
Forme-se, ele, em Direito. No período de dois dias.

Manoel, além de culto, Sebastiana contava


Era alegre e brincalhão, Com os seus quatorze anos.
Dono de outros atributos, Seu irmão Manoel Júnior
Prestígio na região Sentiu o peso dos danos
Em pouco tempo galgou Entrou na maioridade
Destacada posição. Frágil, órfão, sem ter planos.

Seguiu carreira modelo Aqueles jovens ficaram


Das elites paulistanas, A mercê da triste sorte
De bacharel a político, Padecendo desse estrago
Mas foi queimando as pestanas, Perpetrado pela morte.
Que ascedeu à Assembleia Restou-lhes seguir a vida,
Nas causas provincianas. Cuidando daquele corte.
6 7
Foram levados ao seio Viu-se Yayá solitária
Da estimada madrinha Tendo no colo a tristeza.
Que era dona Eliza Grant, Os seus dezenove anos
Cuja ascendência tinha Não lhes pediam fraqueza,
Raízes americanas, Porém o golpe da vida
Pois era de lá que vinha. Foi de amargura e dureza.

Manoel, no testamento, Enquanto seus pais viveram


Pareceu prever os fins Ela teve um professor
Porque deixou um tutor Antônio Barros Barreto,
Supondo coisas ruins. Bondoso preceptor,
O político liberal Sem eles vai ao colégio,
Chamado Albuquerque Lins. Ambiente formador.

Herdaram vários imóveis Foi o Colégio Sion,


Em São Paulo e região. Educandário escolhido,
Ele, estudando Direito Para seguir os estudos.
Em nome da tradição. Como lhe foi prometido,
E ela buscando a paz O saber em sua vida
Para o jovem coração. Era um caminho florido.

Decorridos cinco anos Educação esmerada


Júnior desapareceu. Recebeu por sua vez
Numa viagem marítima Aprendeu tocar piano
Foi dito que enlouqueceu Falar fluente o francês
Jogou-se no mar bravio Pintar, dominar as regras
E aos vinte e três faleceu. Do velho e bom português.
8 9
Fez das horas no colégio Vezes servia pastéis
Sua maior referência: Recheados de algodão
Mesmo depois de formada Avistava os comensais
Encontrava com frequência Rejeitando a refeição
As freiras, junto às amigas, Lembrava o jeito do pai
Para lhes dar assistência. Divertido e brincalhão.

Apesar dos seus abalos Dona Yayá se vestia


Era gentil, carinhosa. Com requinte e elegância
Com quem ela convivia, Conveniente à senhora
Dedicada e amorosa. De elevada importância.
Entrou com perseverança Passeava nos seus carros
Na prática religiosa. Gotejando exuberância.

Logo a dimensão de fé Às vezes Dona Yayá


Tornou-se primordial, Era bastante exigente,
Diante daquelas perdas, Centralizando o comando
Do desgaste emocional. Atendendo prontamente
Sublimou várias agruras A quem dependesse dela,
Na vida espiritual. Mas com olhar diferente.

Não deixou as intempéries Criou Eliza de Mello,


Retraírem as emoções Rosa Masullo, afilhada,
Cultivou as alegrias A companhia constante
Patrocinou diversões, Preferida e agraciada
Armou várias brincadeiras Com diversos privilégios
Aos mais próximos corações. Fartamente coroada.
10 11
Distorciam a sua imagem Como único passatempo
Nas colunas de jornais: Manteve na moradia
“Possui hábitos avançados Da Rua Sete de Abril,
Entre as rodas sociais! Com devida maestria
É protetora de artistas, Seu próprio laboratório,
Tem costumes fidalgais!”. Amava Fotografia.

Os íntimos a descreveram
De uma forma bonita: Entre o hobby e os passeios
“Mulher de hábitos tranquilos, Fez da vida um poema,
Vida social restrita, De vez em quando ia à praia
Sem regalo ou exageros, Banhar-se sem ter problema
Nem mesmo onde ela habita”. Outras vezes, às fazendas
De Mogi ou Guararema.
Todo dia dezenove,
Dona Yayá elegeu
Sobre as razões afetivas
O dia da caridade
Sabe-se bem pouco dela:
Pois sua fé a moveu
Que rejeitou pretendentes,
(Devota de São José)
Que fugiu da esparrela
Foi assim que ela viveu.
De quem queria dinheiro
Sem ser devotado a ela.
Somente por uma vez
Se ausentou de nossa terra.
Nessa viagem à Suíça Conta-se que por um tempo
Sua vida quase encerra Cultivou uma paixão
Por ser no ano quatorze¹ Pelo rapaz Edu Chaves.
Da Primeira Grande Guerra. Abalado o coração
Por não ser correspondida.
¹ 1914 Encerrou logo a questão.
12 13
Foi dentro dos verdes anos Foi com seus trinta e dois anos
Que a mulher de estrutura Que Yayá perdeu a rédea
Começou a dar sinais Da vida, dos bens, de tudo.
De mudança de postura. A loucura não faz média,
No final do ano dezoito² Quem a tem fica fadado
A mente fica insegura. A naufragar na tragédia.

Dentro do seu coração


Habitou um sentimento: Porque sem a sanidade
A iminência da morte. Some o sinal do sorriso,
Turvou-se seu pensamento, A vida perde a doçura,
Mesmo sem tabelião O fulcral do paraíso,
Escreveu um testamento. O ostracismo completa
A ausência do juízo.

Quando no ano vindouro³


Viu-se tudo piorar, Depois de exames médicos,
Gritou, no mês de janeiro: Ela ficou internada
“Eles querem me matar”. No Instituto Paulista
Transtornada mentalmente Porque foi interditada.
Não quis mais se alimentar. E saiu pra Rua Apa
Morar em casa alugada.
Desesperada, atentou
Contra sua própria vida.
Buscando encontrar respostas Afastada dos espaços
Foi internada em seguida. De sua delicadeza,
Albuquerque Lins nomeia Dos lugares afetivos,
A própria equipe escolhida. De amores, de certeza.
Cresceu-lhe agressividade
²1918; ³1919 Por se sentir indefesa.
14 15
A psicose aportou Com a terapêutica simples
Com sua tropa real, Tratavam de sua doença:
Yayá via o seu corpo Banhos de sol, água quente,
No sofrimento total Mas a atenção propensa
Enquanto a mente partia De Eliza Grant e Elisa
Para a viagem final. Era a grande diferença.

Ela foi acompanhada Eliza Grant e Georgina


Por bons especialistas. Seguiram junto a amiga,
O que havia de moderno Amparando-a nas dores
Foi incorporado às listas Daquela triste fadiga.
De tratamento, buscando, A amizade mais fina
Para a saúde, conquistas. É, na vida, a forte liga.

Na Rua Major Diogo Nove anos, depois disso,


Comprou-se uma residência, Sequelas em exagero,
As reformas foram feitas, Chegou a obesidade,
Preparou-se a transferência, Diminuíram o tempero
A fim de lhe proteger Do seu cardápio diário,
Dos perigos da demência. Foi um grande desespero.

Yayá foi acomodada O caso se complicava,


Num quarto de bom tamanho. Foi ficando mais confuso.
Ali ficava à vontade Um jornalista criou
Sem perceber nada estranho. Cenas para o fato escuso,
Pensando no seu conforto Publicando suas letras
Foi feito um quarto de banho. No jornal O Parafuso.
16 17
Benedito de Andrade, As generosas mulheres,
O seu medonho editor, De bondosos corações,
Achincalhava esse fato Anularam-se por ela,
Sem ter o mínimo pudor, Mas sofreram acusações
Semeava suspeições, Sem pena d’O Parafuso,
Sem prova ou qualquer valor. Chegado à difamações.

Mau caráter, sem escrúpulos Em torno da moradora


Este sensacionalista, Foram se criando histórias.
Querendo se promover Algumas se enraizaram,
Tornou-se especialista Transformaram-se em memórias.
Em repassar aos leitores Há outras desagradáveis
Sua visão derrotista. Por serem difamatórias.

O Parafuso, por anos, Pelos quarenta e um anos


Cruelmente espalhará: Yayá ficou confinada,
“A mentira nesse caso, Suscitando vários mitos,
Por muito perdurará. Próprios de gente malvada.
Pois querem botar a mão Na fértil imaginação,
Na riqueza de Yayá”. De todos ficou marcada.

As notícias levianas, Recebeu de suas amigas


Esse jornal publicava, O carinho e a ternura.
Dizendo que toda equipe As quais administravam
Somente lhe maltratava. A casa e sua estrutura
Embora lhe desmentissem, Até quando ela partiu
A verdade não chegava. Da mansão à sepultura.
18 19
Dia quatro de setembro O patrimônio de Yayá
Do ano sessenta e um Foi alvo de confusões.
Dona Yayá faleceu Os interesses ilícitos,
Sem deixar herdeiro algum Em falsas alegações,
Para o patrimônio imenso, Suscitou grande disputa
Na época, algo incomum. Debates e discussões.

Seu coração tão sofrido Por fim o seu patrimônio


Parou seu ciclo vital. Considerou-se jacente.
No hospital São Camilo Foi destinado a USP
Bateu pela vez final. Transformou-se em um presente
Foi essa a causa da morte Para a universidade
Dessa mulher sem igual. Que o conduz competente.

Rua da Consolação, Hoje, no bairro Bixiga,


No pomposo cemitério, Aquele que passar lá,
Dona Yayá sepultada, Vê o resumo da vida
Cumprindo o rígido critério Cujo maior alvará
No qual Vida e Morte são Foi lavrado em monumento:
Para nós grande mistério. Casa de Dona Yayá.

Aberta à visitação,
Aos setenta e quatro anos, Ao lazer e a cultura,
Partiu em aura de glória. Reflexão e saberes,
Libertou-se da prisão, Poética, literatura.
Dos grilhões da trajetória Numa distinta homenagem
O carro da lenda para Aos herdeiros da Loucura.
Na estação da História.
20 21
SOBRE O AUTOR

Varneci Nascimento nasceu em


Banzaê – BA em abril de 1978. É gra-
duado em História e autor de quase
300 obras em cordel, tendo publi-
cado mais de oitenta entre as quais
destacamos O Massacre de Canudos
(Editora Luzeiro), O Pequeno Polegar
(Panda Books) e Memórias Póstumas
de Brás Cubas de Machado de Assis
(Nova Alexandria).

SOBRE A ARTISTA

Marina Nabuco é artista plástica


e ilustradora natural de São Paulo
apaixonada pelo universo da litera-
tura de cordel. Tendo ilustrado outras
publicações, corta seus tacos de
Varneci Nascimento madeira inspirada nos grandes mes-
São Paulo, 11/07/2017 tres da xilogravura, figuras centrais
68 estrofes em sextilhas de sua pesquisa. É com muita honra
que ilustra este folheto com texto de
Varneci Nascimento para a Casa de
Dona Yayá, homenageando este tão
Tipografia: Lato querido centro de cultura e contando
Papel: sulfite reciclado (miolo) e sulfite colorido (capa) a história de sua ilustre residente.
CPC USP

O Centro de Preservação Cultural da


Universidade de São Paulo (CPC USP), órgão da
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
com a missão de refletir e promover ações sobre
o patrimônio cultural da USP, tem sede na Casa de Universidade de São Paulo
Dona Yayá, bem cultural tombado localizado no Reitor Prof. Marco Antonio Zago
bairro do Bixiga, na região central de São Paulo. Vice-Reitor Prof. Vahan Agopyan
O imóvel, além de se constituir de documento da
urbanização do bairro e da cidade, se configura Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
como lugar de memória das questões de gênero Pró-Reitor Prof. Marcelo de Andrade Roméro
e saúde mental no Brasil em função da trajetória Pró-Reitora Adjunta: Ana Cristina Limongi França
de sua mais ilustre moradora: Sebastiana Mello
Freire, a Dona Yayá. Em sua sede o CPC promove Centro de Preservação Cultural
cursos, seminários, oficinas, exposições e outras Diretora Profa. Mônica Junqueira de Camargo
ações de cultura e extensão com foco na temá- Vice-Diretora Profa. Fernanda Fernandes da Silva
tica do patrimônio cultural, bem como celebra e
procura manter viva a memória de Dona Yayá.
Realização Apoio
Capitulo IV – A menina da pipoca

Lenda Mogiana: As comemorações em torno de São Benedito em Mogi das Cruzes,


curiosamente ocorrem no mês de abril, mas não sabemos o real intuito das festividades nessa
época do ano. O dia reconhecido pela Igreja Católica para as comemorações do santo ocorre
em 5 de outubro. Mas quando citamos algo sobre São Benedito em Mogi das Cruzes, sempre
haverá uma curiosidade ou questionamento referente o santo. Desde o Período Colonial São
Benedito é cultuado em nossa cidade, várias histórias e lendas foram passadas entre gerações
até nossos dias. Mas a partir de pesquisas este mito em torno do santo está sendo
desconstruído, vejamos uma das histórias:

O jornalista Isaac Greenberg em seu livro ―Folclore de Mogi das Cruzes‖, relata uma lenda em
torno de São Bendito. O caso ocorreu no ano de 1879.

"Passava a procissão de São Benedito. Mas como os pais não queriam que a família
homenageasse o santo preto, fecharam-se as janelas da casa. E para distrair a pequenina, que
queria ver a procissão, deram-lhe pipoca. Mas foi só a criança botar uma na boca, engasgou-se
e morreu!..."

A lenda da ―Menina da Pipoca‖ não ocorreu, o único fato verdadeiro esta na morte da pequena
criança ocorrido no dia 20 de junho de 1879. A causa do falecimento de Benedita Georgina filha
do então senador mogiano Manuel de Almeida Mello Freire, irmãzinha da Sebastiana de Melo
Freire não foi asfixia por ingestão de pipoca, mas por uma pequena porca metálica que se
soltou do berço.

Esta lenda nasceu em um momento conturbado da história brasileira. O fim da escravidão


iniciou grandes discussões a respeito da liberdade da população negra. Supomos que o fato
que podemos apurar sobre a criação desta lenda, está pautado em São Benedito, um santo
negro que puniu uma família que não o cultuou. Na mentalidade da população mogiana, criar tal
fato fortaleceria a cultura negra na cidade, ao mesmo tempo demonstra a superioridade de um
santo negro sobre uma família aristocrática com forte poder político e a favor da escravidão.

Sabemos que o reflexo desta lenda pendura até hoje. Durante o dia 2 de novembro (Finados)
no Cemitério São Salvador, o túmulo da pequena menina é venerado por inúmeras mães que
pagam promessas por eventuais problemas de saúde ocorridos com seus filhos. O ex-voto é
pago em formato de velas, flores, doces e brinquedos. Mas um símbolo no túmulo fortalece a
lenda. Há uma estatua da menina desfalecida, com pétalas de flores nas mãos, que muito se
parece com as traiçoeiras pipocas.

O Inventario

No 9º andar do Fórum da Comarca de São Paulo, na praça João Mendes, funciona a 3ª Vara
da Família, exatamente por onde ocorreu, a partir do dia 15 de setembro de 1961, o inventário
de Sebastiana de Mello Freire, iniciado com uma certidão de óbito registrada sob o número
13990, folhas 96, livro 25 do subdistrito de Perdizes.

Sexo feminino, cor branca, prendas domésticas, natural de Mogi das Cruzes, solteira, parecem
ser características de muitas mulheres que faleceram nos últimos anos na Capital. Mas, com
certeza, não bastarão para caracterizar realmente quem era Yayá naquele frio atestado
assinado pelo médico Moacyr Tavolaro, dando como causa da morte um mal ainda mais
comum: insuficiência cardíaca.
Na verdade, Yayá tinha uma história especial. Não só uma história especial, como também um
patrimônio especial.

No seu levantamento de bens constava:

Em São Paulo:

27 casas na rua do Hipódromo nos números :

1245, 1253, 1261, 1263, 1271, 1273, 1281, 1293, 1289, 1291, 1297, 1301, 1303, 1309, 1311,
1317, 1319, 1325, 1327, 1333, 1335, 1341, 1343, 1353, 1355, 1363 e 1365;

07 casas na rua Conselheiro Justino nos números: 572, 574, 584, 586, 590, 600 e 602;

08 casas na rua Piratininga nos números : 405, 413, 415, 417, 423, 425, 427 e 431;

06 casas na rua Visconde de Parnaíba nos números : 693, 1080, 1088, 1090, 1094 e 1100;

06 casas na rua Prudente de Moraes nos números : 173, 175, 183, 185, 193 e 197;

03 casas na rua Correa de Andrade nos números : 54, 58 e 62;

02 casas na rua Pirineus nos números : 117 e 119;

03 casas na rua Brigadeiro Galvão nos números: 09, 23 e 31;

01 casa na rua Martim Buchard no número 320;

01 casa na rua Campos Sales no número 265 ;

01 casa na Av. Brigadeiro Luiz Antônio no número 1477;

01 casa na rua Maria Antônia no número 199;

A casa que residia na rua Major Diogo número 353;

Metade do 8º ao 14º andares do edifício Veneza, na rua Bráulio Gomes no número


107(construído na área antes ocupada pela mansão da rua 7 de abril.

Em Mogi das Cruzes:

01 chácara de 36 alqueires onde está hoje o Centro Cívico ;


01 terreno da esquina das ruas Capitão Paulino Freire com a Cardoso Siqueira;

01 terreno entre os números 418 e 454 da rua Senador Dantas;

01 casa na rua Barão de Jaceguai no número 626

01 casa na rua Senador Dantas no número 120 ;

01 casa na rua Capitão Paulino Freire no número 114.

01 sítio de 87 alqueires em Biritiba Mirim.

02 casas na rua Cardoso Siqueira nos números : 191 e 195;

03 casas na rua Coronel Souza Franco nos números : 615, 603 e 641;

Em depósitos bancários havia, nessa ocasião, pouco mais de Cr$20 milhões (cerca de US$35
mil na época) na Caixa Econômica do Estado e, entre outros papéis, 12 obrigações de guerra
de mil contos de réis cada.
Com a necessidade de se legalizar as despesas de manutenção da residência e de todo o
patrimônio, foi então apurado o total gasto nesse setor após a morte de Yayá: eram 35 mil
cruzeiros na manutenção da residência e outros 71 mil cruzeiros no pagamento dos serviços,
incluindo governanta, ajudante de enfermeira, lavanderia, copeira, cozinheira e jardineiro.

É bem verdade que Yayá de Mello freire era sozinha. pelo menos foi assim que decidiu a
Justiça. Pretendentes, quando moça, ela os teve. E muitos. Mas nunca se casou. Preferia
sempre a devoção à Igreja católica e não há quem saiba nem mesmo de algum namorado
firme. Notícias e parentes pouco se sabe, além de um irmão que morreu misteriosamente numa
viagem por mar à Europa. Soube-se de outro irmão natural, que certo dia teria aparecido em
sua casa pedindo dinheiro para internar uma filha doente. Desse irmão também nunca mais se
ouviu falar.

Sem parentes diretos, era de se esperar que surgissem pessoas interessadas em disputar parte
da herança. A primeira foi Esther Pereira Garcia, que em 1961já era viúva e tinha 67 anos de
idade. Morava na rua Cantagalo, no Tatuapé, e caracterizava-se como parente colateral de 4º
grau de Yayá. Queria ser a beneficiária do grande patrimônio. Pouco depois, João Resce e sua
mulher também se habilitaram no inventário.

Mas em 20 de dezembro de 1962 a habilitação de todos foi rejeitada. Nessa época, a avaliação
do patrimônio de Yayá de Mello Freire, feita pelo Serviço de Engenharia da procuradoria Fiscal
e sem contar os imóveis das ruas Bráulio Gomes, Mello Alves e Augusta, apurava um total de
113 milhões e 732 mil cruzeiros. Houve, a partir daí, algumas alterações no patrimônio, com a
venda e aquisição de algumas propriedades. É certo que já não havia, nessa época, a fazenda
Sertão, em Biritiba Mirim, que Yayá de Mello Freire dividia, sem sociedade, com o médico
Deodato Wertheimer.

Em outubro de 1963, uma nova avaliação do patrimônio inventariado conduzia, ao longo de


suas 167 folhas, aos seguintes totais: em São Paulo, Cr$661 milhões e, em Mogi das Cruzes,
Cr$1629 bilhão, totalizando quase Cr$2,5 bilhões.

O processo do inventário, até a declaração de vacância da herança, caminhou com algumas


ações paralelas. Joaquim de Almeida Mello Freire, por exemplo, reivindicou indenização
trabalhista por serviços de curatela até o falecimento. Outras pessoas tentaram habilitação
como herdeiros, entretanto em 19 de junho de 1967, foi assinada a sentença dando pela
improcedência dos pedidos.

Na mesma época, Elisa Mello Freire reivindicou o recebimento de cinco por cento do valor dos
bens da herança sob o título de pagamento por serviços prestados a Yayá durante o período de
42 anos.

O inventário ia assim caminhando pelo Fórum da Capital a passos lentos, obstado por ações
paralelas, até que, em dezembro de 1968, o juiz Odyr José Pinto Porto determinou ―andamento
preferencial‖, resultando, no dia 13 do mesmo mês, nas folhas 853 do processo, a sentença
que declarava vacante a herança de Sebastiana de Mello Freire. O processo havia terminado, mais de
sete anos após o seu falecimento, com total de 1087 páginas acondicionadas em seis volumes.

Da decisão final resultou o benefício à Universidade de São Paulo, à qual foram transferidos
todos os bens de Yayá de Mello Freire.

Dona Yayá aos 23 anos.

Sebastiana de Melo Freire (Mogi das Cruzes, 21 de janeiro de 1887 - São Paulo, 4 de
setembro de 1961), mais conhecida como Dona Yayá, foi uma aristocrata brasileira, membro
de uma das mais importantes famílias do interior paulista. Teve uma vida marcada por
tragédias. Com a morte de seus pais e irmãos, herdou a fortuna da família, mas logo sucumbiu
a uma doença mental que a impediu de administrar ou usufruir de seus bens, tendo sido
mantida reclusa em sua residência no bairro paulistano do Bixiga, da juventude até seu
falecimento aos 74 anos, quando se extingue a linhagem dos Melo Freire. Sem filhos ou
parentes próximos, teve sua herança considerada vacante e todos os seus bens foram
transferidos à Universidade de São Paulo.
Biografia

Filha de Josefina Augusta de Almeida Melo e Manuel de Almeida Melo Freire, empresário,
fazendeiro, e político de relevo no estado de São Paulo, Yayá passa os primeiros anos de sua
vida em Mogi das Cruzes. Uma série de tragédias marca desde cedo a sua vida. Uma de suas
irmãs morre asfixiada aos três anos de idade.

Pouco tempo depois, outra irmã falece em consequência de uma infecção por tétano, aos treze
anos. Em 1899, morre sua mãe e, dois anos depois, seu pai. Órfã, passa a ser tutorada, junto
com Manuel de Almeida Melo Freire Júnior, agora, seu único irmão, por Albuquerque Lins, que
futuramente exerceria o cargo de presidente do estado de São Paulo.

Já na capital paulista, Yayá frequenta o Colégio Sion, enquanto seu irmão ingressa
na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em 1905, nova tragédia: Manuel, desde cedo
diagnosticado como portador de uma doença mental, atira-se ao mar durante uma viagem a
bordo de um navio com destino a Buenos Aires.

Com sua morte, Yayá torna-se a única sobrevivente dos Melo Freire e herdeira de uma vasta
fortuna. Pôde por pouco tempo usufruir de seus bens. Residiu em um palacete na Rua Sete de
Abril, no centro de São Paulo, onde recebia seus amigos, promovia saraus e mantinha um
estúdio completo de fotografia, um de seus principais interesses. Relata-se que rejeitava todos
os seus pretendentes, por considerá-los interesseiros, e que teria mantido uma afeição não
correspondida pelo aviador Edu Chaves.

Já em 1918, manifestam-se os primeiros sintomas de sua doença mental, ao que se segue uma
tentativa de suicídio, no ano seguinte. Yayá é internada em um sanatório, interditada. Sua
residência na Sete de Abril era considerada inadequada para isolá-la. Assim, em 1925, seus
curadores adquirem um vasto casarão no bairro do Bixiga, à época convenientemente afastado
do centro da cidade. Paralelamente, ocorriam disputas judiciais pelo direito da curatela e pela
guarda dos bens da enferma, alimentando variadas acusações, escândalos e boatos, cobertos
pela imprensa da época.

Embora contando com os recursos financeiros necessários ao seu tratamento, e mesmo


submetida aos cuidados de alguns dos maiores especialistas do período, como Juliano
Moreira e Franco da Rocha, pioneiros da psiquiatria brasileira, a doença de Yayá progride
continuamente. Trata-se da enfermidade classificada pela psiquiatria moderna como psicose
esquizofrênica.

Em seus acessos, "batia-se contra as paredes, feria-se com objetos e farpas,


dizia impropérios, proclamava-se partidárias dos aliados na Primeira Grande
Guerra, repetia continuadamente 'eu sou católica, apostólica romana', rasgava
roupas, chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada de morte e de violações,
pedia o filho que julgava ter tido, imaginava amamentá-lo e embalá-lo".

Yayá permaneceria isolada em seu casarão no Bixiga por 36 anos. O imóvel foi inteiro
adaptado para o seu tratamento, da adaptação dos equipamentos dos banheiros à instalação
de janelas inquebráveis, que só abriam do lado de fora. Além dela, ocupam o casarão sua
amiga Eliza Grant, seu enfermeiro, uma prima e os criados. A última reforma ocorreu em 1952,
quando se construiu o solário, onde a enferma ficava ao ar livre. Dona Yayá faleceu em 1961,
no Hospital São Camilo.
Legado

Sem herdeiros, a fortuna de Dona Yayá foi considerada vacante, passando à propriedade
da Universidade de São Paulo. O patrimônio deixado compreendia o casarão do Bixiga, hoje
chamado Casa de Dona Yayá, sede do Centro de Preservação Cultural da universidade, 27
casas na rua do Hipódromo, 8 na rua Piratininga, 6 na Visconde do Parnaíba, um edifício na rua
que leva o nome de sua família, Mello Alves, outro na rua Augusta, parte do edifício Veneza,
uma chácara de 36 alqueires em Mogi das Cruzes, onde hoje se encontra o Centro Cívico da
cidade, além de inúmeros outros imóveis, terrenos, contas bancárias, títulos e outros bens.
São Paulo, 4 de setembro de 1961

O patrimônio foi definitivamente incorporado à USP em 14 de janeiro de 1968. Na ocasião, o


reitor da universidade, Hélio Lourenço de Oliveira, se comprometia a "prestar modesta
homenagem à memória da falecida, cujo sacrifício favoreceu a mocidade estudantil
desprovida de recursos que demanda os diversos cursos universitários", acrescentando que
"A USP cuidará do patrimônio com a responsabilidade que lhe cabe e fará com que ele
sirva aos estudantes tanto quanto não pôde servir à desditosa interdita".

Casa de Dona Yayá

De arquitetura eclética, a Casa de Dona Yayá foi a sede de uma das chácaras onde a elite
paulistana do fim do século 19, moradora do núcleo urbano, passava momentos de lazer.
A residência mostra duas formas de morar da época —o chalé, comum da época, e a casa
assobradada, construída em torno do chalé.

A casa serviu de clausura para Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá, que dá o nome o
imóvel. Única herdeira da fortuna do pai fazendeiro, ela foi interditada ao apresentar sinais de
loucura e transferida para a chácara, onde viveu reclusa de 1919 a 1961.

A casa exibe várias adaptações para o tratamento da moradora, o que também revela a forma
de tratamento da loucura na época, que isolava o doente da vida social.

A propriedade original foi parcelada aos poucos para venda ou desapropriada para obras, como
a construção da Radial Leste. Após a morte de Dona Yayá, em 1961, o imóvel e a fortuna
ficaram sem herdeiros e foram transferidos para a USP (Universidade de São Paulo). Hoje
sedia o Centro de Preservação Cultural da universidade.

Funcionamento: sábado e domingo das 9 as 17hs


Visita guiada: Não haverá.
MÚSICA
CORALUSP DONA YAYÁ: A MÚSICA DO BIXIGA E DE SÃO PAULO

O coral Dona Yayá canta clássicos do samba que retratam a cidade de São Paulo em
composições de Geraldo Filme e Adoniran Barbosa, e de compositores atuais, como Eduardo
Gudin, Kiko Dinucci e Celso Viáfora. O repertório do grupo, que ensaia desde 2004 na Casa de
Dona Yayá, tem se dedicado a representar as manifestações e influências musicais presentes
na região do Bixiga, como a Escola de Samba Vai Vai e o bloco Ilú Obá de Min. Regência:
Mauro Aulicino.

CORALUSP TODO CANTO: MOSAICO

Há peças que são unanimidade no que se refere ao repertório coral. No mundo todo, onde há
coral a capella, as peças do período renascentista, especialmente as italianas e francesas,
fazem parte do repertório. O grupo apresenta um programa variado, com músicas da Europa e
das Américas, que vão da renascença aos dias de hoje, sacras e profanas, populares e
eruditas, além de folclóricas e contemporâneas brasileiras. O repertório inclui peças de
Debussy, Piazzolla, Brahms e Tom Jobim. Regência: Paula Christina Monteiro.

EXPOSIÇÃO
SESMARIA DE PASSARINHOS

A exposição faz um recorte do trabalho desenvolvido pelo Grupo Ururay, coletivo formado por
jovens pesquisadores e ativistas focados na identificação, preservação e valorização dos bens
culturais da Zona Leste da cidade de São Paulo. Apresenta um levantamento fotográfico dos
bens tombados ou em processo de tombamento presentes nessa região que, embora seja
historicamente preterida em relação às áreas centrais da cidade na formulação e implantação
de projetos e políticas públicas, abriga os mais variados grupos sociais, vindo de diversos locais
do Brasil e do mundo. Realização: CPC– USP e Grupo Ururay.

YAYÁ, UM LUGAR DE MEMÓRIA

Este pequeno espaço expositivo busca apresentar aos visitantes a trajetória de Sebastiana de
Mello Freire, a Dona Yayá. No início dos anos 1920, declarada incapaz de gerir a fortuna da
qual era única herdeira após manifestar repetidos sinais de desequilíbrio mental, Dona Yayá
passou a viver isolada na casa da Rua Major Diogo até sua morte, em 1961. A mostra
apresentam um levantamento documental que conta parte do pouco que se sabe sobre esta
personagem que hoje é parte da memória do bairro da Bela Vista. Realização: CPC– USP.

Inscrição: no local c/ 30 min de antecedência. Sujeito à lotação.

Varanda da Casa de Dona Yayá -depois da restauração


Crédito: Fotos: Candida Vuolo - Acervo do Centro de Preservação Cultural da USP
Fachada da casa de Dona Yayá (foto: Xinpaly)

Solário anexo à residência (foto: Vanessa Maeji)

Rua Major Diogo, nº 353. Rua Jardim Heloísa, s/n


Número de pavimentos: um mais porão
Ano de conclusão: anterior a 1881, tendo sofrido várias ampliações
Uso atual: atualmente abriga o Centro de Preservação e Cultura da USP
Proteção: Z8 200-032/ Condephaat

Solarium da Casa de Dona Yayá - antes e depois da restauração


Crédito: Fotos: Candida Vuolo - Acervo do Centro de Preservação Cultural da USP

Rua Major Diogo, nº 353. Rua Jardim Heloísa, s/n


Número de pavimentos: um mais porão
Ano de conclusão: anterior a 1881, tendo sofrido várias ampliações
Uso atual: atualmente abriga o Centro de Preservação e Cultura da USP
Proteção: Z8 200-032/ Condephaat
Rua Major Diogo, nº 353. Rua Jardim Heloísa, s/n
Número de pavimentos: um mais porão
Ano de conclusão: anterior a 1881, tendo sofrido várias ampliações
Uso atual: atualmente abriga o Centro de Preservação e Cultura da USP
Proteção: Z8 200-032/ Condephaat

Casa de Dona Yayá

Sebastiana de Mello Freire, conhecida como dona Yayá, morou neste casarão do Bexiga de
1921 a 1961. O imóvel acabou sendo um hospício privado da residente, em uma época que a
psiquiatria não era muito avançada. Moradores antigos do bairro diziam que era possível ouvir
os gritos de Yayá, mesmo depois de sua morte. Restaurada em 2003, a casa hoje é ocupada
pelo Centro de Preservação Cultural da USP.

R. Mj. Diogo, 353, Bela Vista, região central, tel. 3106-3562. Seg. a sex.: 9h às 17h. GRÁTIS
Capitulo VII – Teoria da Conspiração
“A ambição que dizimou toda uma família”

O canalha disfarçado de mocinho é Edu Chaves e o segundo criminoso é o Dr. Valadão. A


dupla (ou Edu sozinho) devem cumprir todas os desafios de cada fase para conseguir atingir o
objetivo da trama: Conseguir toda a fortuna da família Mello Freire.

Para conseguir ficar com todo o dinheiro da família Edu e seu amigo Dr. Valadão vão acabar
com a família inteira, causando acidentes fatais e até mesmo assassinando com as próprias
mãos, membro por membro da família.

Dr. Valadão, médico, corrupto, bandido, vagabundo e ladrão, enganou toda família Mello Freire do olho
na fortuna desses.

A Fortuna do Bixiga é o alvo, de um ou dois patifes que se desenvolve em 6 fases com desafios
diferentes.

Edu Chaves, o falso amante de Sebastiana, assassino covarde.


As Fases do crime:

Mogi das Cruzes: O Assassinato da irmã criança;

Missão: Colocar um objeto ―perigoso‖ no berço da criança sem que ninguém perceba.
(o objeto deve ser colocado em um lugar específico do berço)
Conclusão da fase: A criança morre asfixiada ao engolir o objeto.

1. Mogi da Cruzes: Assassinato da irmã do meio

Missão: Pilotar até SP, ir até o consultório do Dr. Valadão e pegar uma seringa infectada com
tétano, Voltar para Mogi e aplicar a seringa enquanto a irmã dorme, sem que ela acorde (a
agulha dele ser aplicada no lugar indicado).

Conclusão da fase: A irmã se infecta e morre de tétano.


3. Buenos Aires: Assassinato do irmão

Missão: Sair para passear de barco com o irmão e Dr. Valadão. Convence-lo à beber uísque e
colocar entorpecentes em sua bebida. Derrubá-lo ao mar, limpar todas as impressões digitais e
voltar à terra firme.

Conclusão da fase: O irmão morre afogado parecendo ter sido suicídio.

Pai de Sebastiana

Manuel de Almeida Melo Freire (Mogi das Cruzes, 3 de Abril de 1834 — São Paulo, 1901) foi um
fazendeiro, empresário e político paulista.

Formou-se pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1857.


Foi eleito por três vezes deputado para a Assembleia Provincial de São Paulo (hoje Assembleia Legislativa
do Estado de São Paulo) da 14ª a 16ª legislaturas (1862/1863, 1864/1865 e 1866/1867).

Publicou em 1888 a obra "Henriqueida", com poesias humorísticas e satíricas.

Em 1891 um dos constituintes do Senado do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo.


Como empresário, foi diretor da Companhia Mercantil paulista em 1892. Foi pai de Sebastiana Melo Freire,
a Dona Yayá.

4. Bexiga: Assassinato do Pai e da Mãe

Missão: Eles tem uma viagem marcada para o Rio de Janeiro. Ir à casa deles, cortar os cabos
do freio sem ser notados (tem que saber qual é o cabo certo).

Conclusão da fase: Pais morrem num acidente de carro.

5. Bexiga: Casamento e envenenamento.

Edu Chaves promete casar-se com Yayá e, com a ajuda do Dr. Valadão, começa à dopá-la com
alucinógenos. Dr. Valadão a diagnostica como esquizofrênica e, juntos, constroem um hospício
domiciliar para a moça.

Missão: Fazê-la assinar uma procuração de plenos poderes, para isso a combinação certa de
entorpecentes deve ser utilizada.

Final da Fase: Ela assina a procuração.

6. Fase final: O Cheque Mate

Missão: Assassinar Yayá

Yayá tenta fugir e Edu Chaves promete cuidar dela e mantê-la e leva-la de volta à casa no
bexiga. Ele deve montar o cenário e os objetos necessários para que o assassinato pareça um
suicídio por enforcamento.

Final da Fase: Yayá morre e acredita-se que foi suicídio.

Final do Jogo: Edu Kiko e Dr. Valadão, sem deixar nenhuma suspeita, ficam com todo o
dinheiro da família Mello Freire e fogem para Paris.

Sinopse:

Edu Kiko é um aviador de 27 anos que vive em Mogi das Cruzes no começo do século XIX.

Ambicioso por poder e fortuna é um profissional bem sucedido, mas isso não lhe é suficiente.
Conhece Sebastiana de Melo Freire, filha de Manoel de Almeida Mello Freire, empresário,
fazendeiro e político paulista, Senador e que se apresenta como a presa para o crime perfeito
(mas crimes perfeitos não deixam rastros).
A Mogi de Yayá Reprodução
Tinha cerca de 15 mil habitantes a Mogi das
Cruzes de 1877 em que nasceu Sebastiana de
Mello Freire. No total, eram cerca de 20 ruas. E
foi em um casarão construído na primeira meta-
de do século passado que nasceu Yayá. O casa- novamente ao Rio Tietê. Ou seja: a chácara
rão ocupava o terreno onde hoje está o Instituto ocupava toda a área hoje dominada pelos campi
Dona Placidina na Rua Senador Dantas, que das duas universidades de Mogi e pelos prédi-
então se chamava Rua Oriente. Era a maior cons- os da Prefeitura, Câmara, Casa da Lavoura,
trução de toda a rua, dominada em sua quase INSS, Casa do Advogado, Fórum, Corpo de
totalidade por moradias térreas de uma única Bombeiros, Delegacia Seccional e Justiça do
porta ladeada por duas janelas. Quase todas as Trabalho. Ainda sobra espaço para o Depósito
casas tinham beirais. A dos pais de Yayá, entre- Municipal.
tanto, tinha muito mais do que isso. Yayá tinha A Chácara da Yayá era, na sua maior par-
eiras e beiras. te, uma várzea alagadiça. O espaço habitável
Assobradado, o casarão de muitas janelas era estava onde hoje estão os prédios do INSS,
um ponto de referência da cidade. De reuniões Prefeitura e Justiça do Trabalho. A l i havia um
sociais e de encontros políticos que o seu pai, casarão térreo, de amplas portas, janelas e va-
advogado formado em São Paulo e que se ini- randas, à direita do qual se encontrava uma
ciou na política como vereador em Mogi, lidera- capela. Até meados da década de 1910 essa
va com o respeito que então se tributava aos propriedade esteve cuidada e habitada. Yayá
proprietários de terras. De muitas terras. dava preferência a ela quando viajava para
[ As propriedades herdadas por Manuel de Mogi. Com a sua interdição, entretanto, a pro-
Almeida Mello Freire e que foram transferidas priedade acabou abandonada.
à Yayá, sua única herdeira com a morte dos ou- A capela da Chácara da Yayá, destruída por um incêndio na década de Ainda assim resistiu por muito tempo. O ca-
tros filhos, incluíam dezenas de casas em Mogi 1960. Ficava entre os atuais prédios do INSS e da Justiça do Trabalho, no sarão térreo, de amplas portas, janelas e va-
das Cruzes e em São Paulo e vastas áreas agrí- Centro Cívico (Foto: Acervo Benedito Alves) randas fez a festa por muitos anos, das crian-
colas na região de Mogi. As terras agrícolas in- ças da primeira metade deste século. Elas in-
cluíam áreas no atual bairro da Penha, na Capi- vadiam o espaço para brincar. A falta de ma-
tal; a Fazenda do Guaió, em Suzano; terras ao Sul do território de Mogi (Serra do Itapety); um nutenção, entretanto, foi destruindo-o pouco a pouco. E, na década de 1950, já havia apenas
sítio de 87 alqueires em Biritiba Mirim e a Chácara da Yayá, de 36 alqueires, em Mogi das ruínas.
Cruzes. A capela resistiu por mais tempo. Ficou de pé até meados de 1960, quando um incêndio, por
A Chácara da Yayá sempre foi um dos locais prediletos da infância da rica herdeira. Não é certo iniciado a partir de alguns mendigos que a utilizavam como abrigo, destruiu o que restava.
difícil recompor sua área, ainda hoje: ia da ponte sobre o Rio Tietê, na atual Avenida dos Estu- Nos anos 70, já de posse da Universidade de São Paulo, a Chácara da Yayá foi desapropriada
dantes, seguia pela Rua Olegário Paiva até a Avenida Narciso Yague Guimarães, de onde e a Prefeitura de Mogi cuidou de destruir o pouco que restava, na cidade, da milionária que foi
atingia o atual Shopping Center. Daí, traçando-se uma linha reta na direção norte, chegava a protagonista principal da mais lendária saga da história de Mogi das Cruzes.

CARTA A UM A:

Coisas de estudantes Ia numa manifestação de repúdio à


Arquivo
Meu caro Bila violência no Rio. Assim foi feito: ao
0 advogado Odilon manifesto lançado pelos estudantes
\ i O encontro que tivemos há alguns Benedito Ferreira Affonso - * de BStçjt© juntou-se uma emociona-
•dias em minha câs"a - eu, você, Wà - é também professor da carta aberta escrita por um jovem
Euclides Ferreira Jr. e João José de universitário e procurador estudante de jornalismo da E C A , que
jSiqueira - não pode ser chamado de jurídico da Prefeitura de residia em Mogi: era Floral Rodrigues
|um reencontro. Afinal, reencontro só Biritiba Mirim. Casado com a
Roza, hoje um dos mais respeitados
seria se todos não nos víssemos há
cirurgia dentista Maria
consultores em Comunicação no
imuito tempo. Não é o caso. Mas o
Aparecida Nogueira Affonso,
País.
é pai da veterinária Maria
!mote de darmos um depoimento à T V Pois a intimação que nos foi envi-
Sílvia e da médica Maria
|Diário sobre o movimento estudantil ada pela polícia, em abril, dizia res-
Cláudia.
•em Mogi das Cruzes após o golpe de peito a essa peruada. Era uma
• 1964, serviu pelo menos para sindicância para apurar um possível
Irelembrarmos aquele março de 1968. crime contra a segurança nacional.
|E desarquivar um jurássico projetor Fomos lá, com o advogado Cássio de
;de slides que pudesse mostrar-nos al- Tenente Manoel Alves o comboio se Souza e saímos, algumas horas de-
gumas fotos. Depois que vocês se fo- desgarrou. Jipe para um lado, carre- pois. Nunca tivemos acesso aos au-
!ram, eu fiquei a buscar na memória ta sobre um poste. O palanque ficou tos dessa sindicância. Anos depois,
alguns detalhes daquele período, pronto em cima da hora. abertos os arquivos do Departamen-
j Retrocedi um tempo antes dele e No meio do comício, os candida- to de Ordem Polícia e Social, o temi-
'cheguei ao início da década de 1960 tos da outra chapa lançaram o desa- do Dops, encomendei uma pesquisa
quando nós dois, então adolescentes, fio de usar o mesmo palanque. To- para saber se a sindicância constava
]conhecemo-nos no Instituto de Edu- dos concordaram e as eleições ter- dos guardados do regime militar. Não
cação Dr. Washington Luís e nos en- minaram em paz. havia nada.
volvemos com o Grêmio Estudantil Os que fizeram uma campanha de Houve quem, na época, garantis-
Ubaldo Pereira e o Clube de História tanto movimento, precisavam fazer o se que a sindicância pretendia ape-
|Prof. Jair Rocha Batalha. Foi por mesmo no início de sua gestão. E se nas intimidar o movimento estudantil
xonta do Grêmio que, numa.semana, decidiu, então, por duas ações de re- da cidade, que começava a criar ba-
•liderados pelo então diretor Epaphras cepção aos calouros no início do ano ses e poderia ter alguma participa-
Gonçalves Ennes (com dois 'ns', não letivo. A primeira foi um show de mú- ção nas eleições marcadas para o fi-
esqueça), fomos nós dois acompa- sica popular brasileira no teatro da fa- nal de 1968.
nhar uma delegação esportiva para culdade. Era época dos festivais da Pois é meu caro. Faz 36 anos que
uma competição em Ribeirão Preto. Record e se reuniu, ali, gente como isso aconteceu. Todos nos formamos
Eta viagenzinha difícil aquela, lembra- o Zimbo Trio e a cantora Neide Ale- e seguimos nosso caminho. Constru-
se? De trem, em um vagão dormitó- xandre. Tenho até hoje o voto de con- ímos carreiras profissionais - Euclides
rio sarcófago. Não sei seja lhe disse: gratulações com o qual a Câmara no Ministério Público; você, João e o
mas não dormi a viagem toda na cer- Municipal, por obra de um vereador saudoso Lúcio na Advocacia e eu na
teza de que algum fumante cuidaria também acadêmico de Direito (Sylvio Imprensa - e constituímos família.
de botar fogo no vagão. Sobrevive- da Silva Pires) resolveu nos home- Alguns já são avós; eu e você conti-
mos. nagear. nuamos invictos nesse predicado. E
Prova disso foi o março de 1968 A segunda foi uma peruada, sá- preservamos amizades que me são
que recordamos há alguns dias. bado pela manhã, pelas ruas da cida- muito caras.
Quando vocês partiram, lembrei-me de. Seria uma passeata irreverente Não poderia terminar esta carta
da manhã em que fomos - você, As eleições foram concorridas. então secretário de Obras da Prefei- de calouros e veteranos. Ocorre que, sem lembrar uma passagem que ain-
Euclides Ferreira Jr., João Siqueira, Editamos um jornal de campanha e tura, Milton Rabelo dos Santos. Só nas vésperas da peruada, marcada da me cobro não ter testemunhado,
Lúcio de Melo e eu - à Delegacia combinamos, certa noite, que a Ban- que Milton não poderia ceder uma ca- para o sábado, 30 de março, o estu- mas que me contaram com tantos
Seccional de Polícia atender a uma da Santa Cecília abriria um comício mioneta para levar o palanque do dante Edson Luís de Lima Souto foi detalhes que não tenho por que duvi-
'intimação expedida pela Secretaria da em frente a faculdade, na Rua Fran- depósito da Prefeitura, na Rua Otto morto (28.3.) no restaurante Calabou- dar: prontos para uma viagem ao
Segurança Pública. Efetivamente, cisco Franco. O comício seria no in- Unger, até a Francisco Franco. Lú- ço, núcleo de universitários cariocas. Caribe, você, Cidinha, Maria Sílvia e
não tínhamos a menor idéia do que tervalo das aulas. Os candidatos, des- cio de Melo, que então trabalhava Todo o movimento estudantil brasi- Maria Cláudia esperavam em sua
estava para acontecer. Era abril de ceriam a rua com a banda atrás. Su- com a família Abbondanza na reven- leiro levantou bandeiras em protesto casa apenas o motorista que os leva-
1968. Freqüentávamos, então, o pri- biriam num palanque instalado bem da de automóveis Simca, emprestou e nós, em Mogi, ficamos sem saber o ria ao Aeroporto de Guarulhos. Tão
meiro ou o segundo ano da Faculda- em frente a faculdade e ali discursa- de Cachito Abbondanza um jipe que fazer: manter a peruada ou logo o motorista chegou, uma escor-
de de Direito Braz Cubas e dividía- riam. O palanque era uma carreta Toyota e se dispôs ao transporte. Na cancelá-la? regadela o lançou direto à piscina. Foi
mos a direção do Diretório Acadê- sobre rodas que fora emprestada pelo esquina das ruas Flaviano de Melo e Decidiu-se mantê-la e transformá- assim mesmo? Com ferro-de-passar
mico I de Setembro. Havíamos ven-
o
você cuidou de secar dólares e pas-
cido as eleições no final do ano ante- saportes que estavam no bolso?
rior com o PIRA - Partido Indepen-
dente de Renovação Acadêmica e Grande abraço em todos
Euclides assumiu a presidência suce-
dendo Eduardo Malta Moreira, o pri-
Os vitrais da Catedral de Santana. Doados O portal do Cemitério de São Salvador. Por
Chico
meiro presidente que o D A teve e por algumas das mais antigas famílias da quais motivos a Prefeitura da cidade ainda
hoje secretário de Assuntos Jurídicos cidade, bem que merecem maior cuidado. não providenciou sua substituição,
da Prefeitura de Mogi. Uma restauração lhes cairia bem. dando-lhe o aspecto que merece?
Edu se aproxima de Sebastiana, também conhecida como dona Yayá, uma moça a frente de
seu tempo, e, em pouco tempo a conquista. No entanto, Yayá tem uma família grande o que o
impede de conquistar a herança do velho Manoel toda para sí.

Edu tem planos maiores que um bom casamento e, juntamente com seu amigo Valadão, um
médico reconhecidamente corrupto, inicia sua saga pela fortuna do Bexiga.

Edu Chaves aviador canalha e Valadão médico imundo e corrupto tem como objetivo acabar
com a família Mello Freire, sem deixar rastros e vão utilizar-se de todos os artifícios mais
sórdidos para atingi-los.

Sinopse Geral

Dona Yayá na década de 1910. Autor desconhecido

No dia 4 de setembro de 1961 morria no Hospital São Camilo a


única moradora do casarão situado à rua Major Diogo, 353. A
senhora de 74 anos havia permanecido confinada em sua casa
desde 1925, e dela só saíra para morrer, pois fora condenada a
viver reclusa para sempre em seu cárcere particular por conta da
doença mental que a acometera aos 32 anos de idade. Era uma
das mulheres mais ricas de seu tempo, mas por pouco tempo pôde
gozar de sua imensa fortuna. Sua riqueza, sua felicidade e sua
juventude foram perdidas junto com a sua lucidez, e penou durante
mais de 40 anos como uma morta-viva, cercada do maior luxo sem
poder usufruí-lo. Enquanto que todos os seus entes mais queridos
morreram tragicamente, ela viveu tragicamente, alheia ao mundo
que a cercava e principalmente, a si mesma, e quando finalmente a
morte pôs um fim a seu sofrimento, com ela se extinguiu uma
antiga e poderosa linhagem paulista. Até seus parentes mais
distantes foram morrendo um a um sem verem concretizadas suas
esperanças de vir a herdar uma das maiores fortunas da época,
pois ela viveu mais que todos eles.

Chamava-se Sebastiana de Mello Freire, e era mais conhecida


como Dona Yayá.

Existem várias maneiras de ter a riqueza ao alcance das mãos e


não poder desfrutá-la. Uma delas é ser abandonada pelo marido
rico, ou pelo pai rico. Outra é enlouquecer, e foi esse o caminho
que Dona Yayá trilhou para descer aos infernos, abandonando o
mundo após ser abandonada de sua razão. Sua história superou
em muito a da casa onde vivia sem viver, embora a própria casa
também tenha muitas histórias para contar.

A casa

Embora se localize a apenas 1 quilômetro da Praça da Sé, a casa


de d. Yayá, quando foi construída, localizava-se fora do núcleo
urbano da cidade - inicialmente tinha a função de casa de campo
ou chácara. A construção inicial data provavelmente do final da
década de 1870, década de muitas transformações na cidade de
São Paulo, advindas principalmente da chegada da ferrovia, com a
Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, a Sorocabana e outras.
A cidade, que durante três séculos ficou limitada ao morro onde foi
fundada, desperta de sua letargia e inicia nessa época seu
processo de crescimento inexorável. Com a ferrovia, a imigração
toma impulso, a cidade se enriquece e começa a se espraiar pelas
áreas vizinhas ao núcleo histórico, costumes e técnicas européias
são introduzidas. Muita gente enriquece no período, e optam por
construir residências nas imediações do núcleo urbano, não na
tradicional arquitetura de taipa de pilão, característica de todas as
construções no período colonial e nas primeiras décadas do século
XIX, mas já em tijolos e cujos estilos imitavam os da Europa.
Sabe-se que o primeiro proprietário da casa foi José Maria Talon,
que ergueu um pequeno chalé de tijolos com provavelmente
apenas quatro cômodos, num terreno de mais de 30.000 metros
quadrados que limitava aos fundos com o córrego do Bixiga,
formador do Anhangabaú, ambos há muito subterrâneos.

Em 1888 o imóvel foi vendido a Afonso Augusto Roberto Milliet,


quem provavelmente deu à residência sua configuração atual,
ampliando-a consideravelmente e cercando-a de um alpendre em
três de seus lados, conforme indicam recentes estudos. Paredes
externas do antigo chalé passaram a ser internas, e o número de
cômodos passou a uns 13. A chácara foi vendida novamente em
1902 para João Guerra, um próspero comerciante de secos e
molhados. Já estava então plenamente integrada à mancha
urbana, embora mantivesse a área original.

O novo proprietário realizou novas ampliações, construindo alguns


anexos, e por meio de reformas procurou dar à casa uma
ornamentação mais sofisticada. Era uma residência da alta
burguesia, mas de forma alguma da oligarquia do café ou da
crescente elite industrial adventícia. Como João Guerra, havia
muitos comerciantes que enriqueceram no período e procuravam
emular em suas casas o modo de vida da elite político-econômica
da época.

Uma das características da Casa de Dona Yayá é o significativo


repertório de afrescos que cobrem as paredes de diversos
aposentos do imóvel. A pintura mural que se disseminou pela
Europa no século XIX baseou-se nos afrescos então recém
descobertos na cidade de Pompéia. Em São Paulo, as pinturas
murais eram comuns nas residências de alto padrão do final do
século XIX e primeira do século XX, e demonstravam o nível
econômico de seu proprietário. Atualmente, São Paulo conta com
pouquíssimos exemplares deste tipo de arte, já que a grande
maioria das casas do período foi perdida, e os remanescentes
continuam a ser demolidos a cada dia.

Sob seis ou sete camadas de tinta, foram encontradas duas


camadas de afrescos quando da restauração recentemente
efetuada no casarão. A camada mais antiga corresponde
provavelmente ao período em que foi proprietário Afonso Milliet (já
que o chalé construído por José Maria Talon teria sido de tijolos
aparentes e portanto desprovido desse tipo de ornamentação), e
caracteriza-se por motivos florais de execução mais simples, de
inspiração pompeiana.
A segunda camada de afrescos é mais requintada e complexa. A
inspiração é o art nouveau, estilo surgido na Europa no final do
século XIX em oposição à arte acadêmica então vigente, e que logo
depois chegava ao Brasil. Suas formas sinuosas baseavam-se no
mundo vegetal e em outros padrões da natureza. Além dessas
pinturas art nouveau, paisagens marinhas adornavam as paredes
da sala de jantar. Essa segunda camada corresponderia ao período
em que João Guerra ocupou a casa.

Externamente, a ornamentação se dá pelos frontões, pilastras


embutidas, compoteiras, típicos ornatos da arquitetura neoclássica,
pelas colunas de ferro fundido (fabricadas em série na Europa) que
sustentavam o alpendre, alpendre aliás solução característica de
todas as regiões de clima tropical. Em suma, uma casa em estilo
neoclássico "tropicalizada". Um portão também de ferro com as
iniciais de João Guerra guarnece a entrada.

Várias adaptações foram feitas no casarão nos anos 20 com a


chegada de d. Yayá, primeiro como locatária, depois como
proprietária, já que em 1925 foi efetuada a compra do imóvel por
meio de seu curador. Visavam a compatibilizar o local com seu uso
como sanatório particular de Yayá. O piso de madeira do salão
central, transformado em seu dormitório, foi substituído por corticite.

Os papéis de parede foram removidos e os afrescos foram


recobertos com tinta esmaltada de cor neutra e de fácil limpeza -
necessidade decorrente talvez de certa característica do
comportamento da paciente. Diversos cuidados foram dispensados
no sentido de evitar que a paciente se machucasse durante seus
acessos de fúria: seu banheiro, por exemplo, não possuía torneiras,
a água saía diretamente da parede. As janelas dos cômodos
ocupados por Yayá foram especialmente projetadas pelo dr. Juliano
Moreira, e além de serem inquebráveis, só se abriam do lado de
fora.
A última reforma de vulto foi realizada em 1952, quando foi
construído o solário, a fim de possibilitar que a paciente ficasse ao
ar livre.

Na residência moravam, além de d. Yayá, numerosa criadagem,


seu enfermeiro, sua amiga Eliza Grant e sua prima Eliza de Mello
Freire.

O terreno do imóvel foi retalhado à medida em que a antiga


propriedade rural foi sendo absorvida pela tessitura urbana, e o
Bixiga passou de arrabalde a bairro central. Dos mais de 30.000
metros quadrados originais, tinha sido reduzido a 22.000 quando de
sua aquisição por João Guerra. Em 1925, ao ser adquirido para d.
Yayá por seu curador, encolhera para 2.500 m². Devido às obras da
Radial Leste, no final dos anos 60, cerca de 300 metros quadrados
do jardim da casa foram amputados.

Após a morte de Yayá em 1961, o imóvel não teve finalidade fixa,


mesmo após ter passado definitivamente para a USP em 1969.
Uma das iniciativas que não prosperaram, por questões
burocráticas, foi a tentativa de instalar ali o Museu Memórias do
Bixiga. A USP não sabia que uso dar a um lugar que teve o mais
absurdo dos usos. Por longos anos esteve desocupado, um
mistério para os motoristas que passavam apressados pela Radial
Leste e deparavam intrigados com aquele enorme casarão rodeado
de árvores frondosas, e mesmo para os moradores do Bixiga.

O que haveria lá dentro?


Quem seria seu dono?
Seria uma casa mal-assombrada? - era o que muita gente devia se
perguntar.
A casa foi se tornando uma espécie de mito, mas até o mito era
menor que a realidade.
Quem poderia imaginar que aquele oásis de beleza e placidez em
meio à cidade grande foi o cárcere de uma mulher em conflito
permanente?
Uma cápsula isolando hermeticamente uma louca da loucura do
mundo exterior.
Hoje o mistério não existe mais, pois a casa está aberta à livre
visitação e restaurada, abriga
o Centro de Preservação Cultural da USP

A moradora

Dona Yayá nasceu em 21 de janeiro de 1887, no seio de uma


antiga família terratenente paulista, de grande valimento em
Mogi das Cruzes. Natural daquela cidade, era filha de Josefina
Augusta de Almeida Mello e Manoel de Almeida Mello Freire,
Senador estadual e Deputado constituinte, que tinha 53 anos
quando nasceu Yayá. A família foi marcada por uma série de
calamidades: uma das irmãs de Yayá morreu asfixiada aos 3 anos,
pela ingestão um objeto em seu berço. Outra irmã morreu aos 13
anos, de tétano, ao espetar-se num simples espinho de laranjeira.
Em 1899, ambos os pais de Yayá adoeceram e morreram com um
intervalo de apenas 2 dias, em lugares diferentes e sem que sequer
soubessem da doença um do outro. A pequena órfã e seu único
irmão sobrevivente, Manuel de Almeida Mello Freire Junior, então
com 17 anos, passaram a ser tutelados por Albuquerque Lins - que
mais tarde viria a ser Presidente do Estado de São Paulo.

Manuel entrou na faculdade de direito, enquanto que Yayá


ingressou no Colégio Sion, onde conheceria as amigas que a
acompanharam na vida adulta e mesmo depois de louca. Mas não
tardou para que nova tragédia se abatesse sobre a família, ou o
que restara dela. Foi em 1905, durante uma viagem de Manuel a
Buenos Aires, no paquete Orion. O médico de bordo assim narra o
ocorrido:

"Declaro que, cerca de 1 hora da noite, fui chamado a prestar


socorro a Nhô Manuel de Mello Freire, passageiro de 1ª classe, a
bordo do "Orion", que anteriormente sofria das faculdades mentais.

Ao chegar, encontrei-o presa de um acesso furioso, tornando-se


necessário para conte-lo o auxilio do comissário, maquinista, chefe
dos criados e pessoal de bordo. Decorridos quarenta minutos,
seguiu-se sono tranquilo, pelo que julguei desnecessários os meus
serviços, recolhendo-me porém ao camarote próximo pronto a
atender a qualquer eventualidade, pois confiava o enfermo a dois
criados.

Pelas três horas fui despertar e avisado de que novo acesso o


acometia(...)Ao penetrar no camarote em que se achava, encontro-
o deserto e aberta a vigia, sinal evidente de que o doente tinha se
jogado ao mar".

E assim Yayá se tornou a única sobrevivente de uma família de


sete pessoas. E a única herdeira de uma fortuna fabulosa. Foi
levando a vida das pouquíssimas filhas da ponta da pirâmide social
paulista, cercada do maior luxo que o dinheiro poderia comprar.
Recebia as amigas dos tempos do Sion para saraus no seu
palacete da R. Sete de Abril, passeava pela cidade em um de seus
dois automóveis - numa época em que esse meio de transporte era
uma raridade só disponível às pessoas extremamente ricas.

Possuía em sua casa um estúdio fotográfico completo, sendo a


fotografia era um de seus hobbies. Também gostava de viajar a
passeio, passou seis meses na Europa em uma delas. Era muito
católica, mandava rezar missas particulares em sua casa, e fazia
frequentes doações à Igreja.

Da sua vida sentimental, sabe-se apenas que teve muitos


pretendentes, rejeitando a todos por considerá-los interesseiros, e
que teria nutrido um amor não correspondido pelo aviador Edu
Chaves, outro membro da elite paulista da época.

Os primeiros sinais de desequilíbrio mental surgiram em 1918,


culminando com uma tentativa de suicídio, no ano seguinte.
Seguiu-se a internação em um sanatório e a interdição. Contou
com a assistência dos melhores alienistas da época, como Juliano
Moreira e Franco da Rocha, e naturalmente, sendo riquíssima,
podia ter o luxo de ser confinada num sanatório exclusivamente
destinado para ela, e não no Juqueri, destino dos doentes mentais
menos abonados. Seu palacete na Sete de Abril foi considerado
inadequado para a função de isolar a enferma da sociedade, e o
espaçoso casarão da Major Diogo, convenientemente afastado (na
época) do centro urbano, em meio a um amplo jardim, era a
escolha ideal.
E para lá foi levada, alheia às disputas que então se travavam em
torno de sua pessoa. Parentes e amigos cobiçavam a curatela,
dando origem a pendengas judiciais, fofocas e escândalos. O caso
foi acompanhado pela sociedade da época através do jornal O
Parafuso, que apresentava a jovem como vítima de um complô de
seus guardiões, dispostos a tudo para por as mãos em sua fortuna.

Em vão foram os esforços para manter Yayá afastada dos olhares


curiosos, mas com o passar do tempo, a sociedade foi se
desinteressando da história. A enferma foi definhando esquecida do
mundo e de si mesma, somente a morte sendo capaz de resgatá-la
de sua tormentosa existência.

Quando se fala em loucura e doenças congênitas acometendo


membros de antigas famílias paulistas, logo se vem à mente os
casamentos consangüíneos, que buscando preservar a linhagem,
acabavam por destruí-la. Talvez esse tenha sido o caso dos Mello
Freire, e uma breve consulta à genealogia da família reforça esta
minha suposição.

A psiquiatria moderna define sua moléstia como psicose


esquizofrênica, já que em seus acessos "batia-se contra as
paredes, feria-se com objetos e farpas, dizia impropérios,
proclamava-se partidárias dos aliados na Primeira Grande Guerra,
repetia continuadamente "eu sou católica, apostólica romana",
rasgava roupas, chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada
de morte e de violações, pedia o filho que julgava ter tido,
imaginava amamentá-lo e embalá-lo". Chamava os meninos que
visitavam a casa pelo nome de seu irmão.
Ao morrer, e não tendo parentes próximos, sua fabulosa herança
foi declarada vacante, passando assim a propriedade da
Universidade de São Paulo. Além do casarão da Major Diogo,
deixou nada menos que 27 casas na rua do Hipódromo, 8 na rua
Piratininga, 6 na Visconde de Parnaíba, um prédio de 15
apartamentos na r. Mello Alves, 550, outro na rua Augusta, 1194,
vários andares no Edifício Veneza, construído no terreno de seu
antigo palacete na rua Sete de Abril, além de uma chácara de 36
alqueires em Mogi, onde se localiza atualmente o Centro Cívico da
cidade, inúmeros outros terrenos, imóveis, bens, contas bancárias,
títulos, etc.
Um parêntese: o livro "A Casa de Dona Yayá" faz menção a um
filho natural do pai de Yayá, que certa vez teria visitado a irmã
pedindo dinheiro para tratar do filho doente. Pela legislação da
época, ele ou seus descendentes não teriam direito à herança. Pela
lei atual, teriam.

O melhor resumo desta história está em carta datada de 14 de


janeiro de 1968, do reitor em exercício da USP, Hélio Lourenço de
Oliveira, e dirigida ao juiz Odyr Porto. Buscava "prestar modesta
homenagem à memória da falecida, cujo sacrifício favoreceu a
mocidade estudantil desprovida de recursos que demanda os
diversos cursos universitários. A USP cuidará do patrimônio com a
responsabilidade que lhe cabe e fará com que ele sirva aos
estudantes tanto quanto não pôde servir à desditosa interdita".

Hoje, Centro de Preservação Cultural da USP


Agradecimentos: Profa. Dra. Ana Lúcia Duarte Lanna (coordenadora da Comissão de
Patrimônio Cultural da USP)
Bibliografia:
LOURENÇO, Maria Cecília França (org). A Casa de Dona Yayá.
São Paulo, Edusp, 1999

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