Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
AULA
Educação em saúde: O que é?
Meta da aula
Examinar os diferentes enfoques dados pela Educação
às questões relativas à saúde.
objetivos
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
• Reconhecer os diversos enfoques da relação existente entre educação e
saúde, relacionando-os, se possível, aos modelos educativos apresentados.
• Diferenciar atividades tradicionais de educação para a saúde de atividades
que promovam uma visão mais integrada entre o indivíduo e o meio.
Pré-requisitos
q
Para que você tenha maior facilidade na compreensão desta aula, é importante
que retome o(s) conceito(s) de saúde apresentado(s) na Aula 1.
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
EDUCAÇÃO EM SAÚDE
30 CEDERJ
MÓDULO 1
É, então, uma forma de culpabilizar a criança pelo seu fracasso?
2
Todas as crianças estão sujeitas a isso da mesma forma? A criança é
AULA
culpabilizada; entretanto, a medicalização de questões educacionais não
atinge todas as crianças de forma unificada. Há variações, sobretudo
relacionadas ao estrato social, que não podem deixar de ser observadas.
Isso quer dizer que as causas dos problemas educacionais são estabelecidas
diferentemente em função da origem social da criança?
Vamos pensar a respeito, analisando o que as duas autoras dizem
sobre as práticas de educação e saúde. Para as crianças pertencentes às
classes trabalhadoras, ignoram-se todas as condições de vida e da própria
escola, e o fracasso escolar é atribuído às condições adversas de saúde
da própria criança, as quais, na maioria das vezes, traduzem-se por
desnutrição, verminoses e outras doenças afins. Assim, fracasso escolar
e deficiência intelectual acabam sendo considerados sinônimos.
Por outro lado, as crianças de famílias que possuem recursos
para mantê-las em escolas particulares, quando apresentam mau
rendimento, normalmente são submetidas a um corpo de especialistas
(psicopedagogos, orientadores educacionais, psicólogos etc.), visando
a um processo de (re)adaptação da criança. Muitas vezes, disfunções
neurológicas são apontadas como causas. Dentre elas, a disfunção
cerebral mínima (DCM) foi amplamente diagnosticada.
Em ambos os casos, entretanto, da identificação do problema (mau
rendimento) à consolidação do diagnóstico (evidenciado pela presença
da doença), o percurso é semelhante.
Você deve estar se perguntando como isso acontece, não é mesmo?
Em muitos casos, quando um professor ou uma professora encaminha a
criança oriunda das classes trabalhadoras para um serviço médico e as
das classes média e alta para especialistas de saúde diversos, já formulou
um diagnóstico de doença: desnutrição para o primeiro caso e disfunção
neurológica para o último.
Este “pré-diagnóstico”, formulado pelo professor ou professora,
se for ratificado pelo profissional médico pode acabar rotulando essas
crianças. A assimilação desses rótulos pelas crianças, suas famílias e mesmo
colegas da escola pode, por sua vez, trazer conseqüências que muitas vezes
comprometem mais ainda seu rendimento escolar, pois afetam o aspecto
emocional, sobretudo no que diz respeito à auto-estima.
CEDERJ 31
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
32 CEDERJ
MÓDULO 1
Como nos cursos de formação de professores não se dava uma
2
discussão crítica de questões relativas à saúde, o desenvolvimento
AULA
dos Programas de Saúde (seja sob a forma de disciplina ou parte da
disciplina ciências para o então 1° grau) se dava com base no “bom
senso” dos professores. Na prática, este “bom senso” se traduzia
por conceitos do senso comum, impregnados de espírito autoritário
e elitista (COLLARES; MOYSÉS, 1986, p. 14).
CEDERJ 33
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
ATIVIDADE
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
34 CEDERJ
MÓDULO 1
d. Como você poderia, com pequenas modificações no texto, por
2
exemplo, desvalorizar a culpabilização do indivíduo, promovendo
AULA
uma visão integrada do indivíduo e o meio?
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_____________________________________________________________
RESPOSTA COMENTADA
CEDERJ 35
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
36 CEDERJ
MÓDULO 1
Essas dimensões se mantêm “fora” do setor saúde. A solução, então,
2
consiste, única e exclusivamente, em seguir a norma, o que pode ser
AULA
traduzido por cumprir prescrições e consumir medicamentos. Configura,
assim, um enfoque referido por Eduardo Stotz como preventivista.
O papel dos serviços de saúde é fornecer compensação individual
aos problemas de caráter social (situações socialmente injustas), o que
acaba se configurando como uma forma de controle social (já foi
discutido na aula anterior), reforçando e legitimando a ordem social
capitalista (NAVARRO, 1983), como mostra a citação a seguir:
CEDERJ 37
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
38 CEDERJ
MÓDULO 1
É preciso ressaltar o papel pioneiro do Brasil na constituição do
2
método da educação popular. O início de sua estruturação se deu no final da
AULA
década de 1950, quando intelectuais e educadores ligados à Igreja Católica
se interessaram pelas questões populares. Cristianismo, humanismo,
socialismo foram associados para sua composição. O trabalho de PAULO
PAULO REGLUS
FREIRE foi pioneiro na sistematização teórica da educação popular. NEVES FREIRE nasceu
em Recife, em 19 de
Eymard Vasconcelos (2005) salienta que, ainda hoje, o livro Pedagogia setembro de 1921, e
faleceu em São Paulo,
do oprimido, escrito em 1966, repercute em todo o mundo. no dia 2 de maio de
E aqui está, na visão de Nuñez Hurtado (2005, p. 2), a característica 1997. Uma de suas
mais famosas obras
essencial da educação popular. Esta define-se “por sua concepção e é o livro Pedagogia
do oprimido, em
compromisso de classe e por sua ligação orgânica com o movimento popular, que apresenta uma
definido em termos políticos (não necessariamente partidários)”. proposta pedagógica
voltada para a
A educação popular é um processo contínuo e sistemático. transformação da
realidade a que está
É a teoria a partir da prática e não sobre ela. Implica uma reflexão e o submetida uma
grande parcela da
confronto sobre a prática sistematizada (do grupo ou da organização/
população do Terceiro
instituição) com elementos de interpretação e informação, o que Mundo.
CEDERJ 39
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
40 CEDERJ
MÓDULO 1
Aliado a isso, o elevado impacto sobre a vida das pessoas, decorrente
2
de algumas dessas soluções propostas, faz com que a saúde não possa
AULA
mais ser vista como uma área restrita apenas ao domínio de cientistas e
técnicos. Assim, outros pares devem ser incluídos, visando à ampliação
dessa comunidade, como, por exemplo, os próprios pacientes e seus
familiares, as organizações que agrupam portadores de determinadas
(e diversas) patologias, os movimentos militantes na área da saúde e,
mesmo, os representantes dos usuários nos conselhos de saúde.
O desenvolvimento de formas compartilhadas de conhecimento
entre técnicos, profissionais, pesquisadores e população (CARVALHO;
ACIOLI; STOTZ, 2001) é fundamental, mas, sobretudo, o próprio
estabelecimento e manutenção desse processo, onde as pessoas se
configuram e se sentem como sujeitos, percebendo-se capazes de
participar da busca de novas soluções.
Para lidar com a incerteza e o elevado impacto das ações de saúde,
é imprescindível o estabelecimento de interação social, já que:
CEDERJ 41
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
MODELOS EDUCATIVOS
Saúde, qualidade de
toda vida humana
em processo.
Saúde marcada por
Conceito ecológico Capacidade de
Ausência de doenças. estilos de vida e
CONCEPÇÃO DE de saúde. Totalmente adaptação e de
Saúde num contexto comportamentos
SAÚDE vinculado ao sistema transformação
Higienista. adequados. Saúde, fim
econômico. do ambiente. Se
em si mesma.
promove a partir
do indivíduo e da
comunidade.
VER-JULGAR-ATUAR.
Centrada na Chave metodológica:
aprendizagem participação e
Análise das raízes
de conteúdos, de Persuadir e motivar. diálogo. Comunidade
socioeconômicas da
hábitos saudáveis, de Ênfase nos efeitos. A e o médico-
PRÁXIS EDUCATIVA saúde. Promove a
normas de higiene. técnica é o paradigma educador sanitário
participação cidadã.
Comunicação e não a complexidade e outros técnicos,
Educação em uma
unidirecional. Não se da vida. em colaboração.
realidade sistêmica.
dá processo educativo. Multiperspectiva
Iniciativa do educador. científica.
42 CEDERJ
MÓDULO 1
a) Modelo informativo → Considera a informação como elemento
2
principal e fundamental do processo educativo. O médico-educador
AULA
possui papel de destaque no centro do processo, e a saúde pode ser
obtida por meio da aprendizagem de normas de conduta higienistas.
Assim, a saúde é vista como algo individual, decorrente do cumprimento
de normas de conduta. A existência de maus hábitos deve ser sanada por
meio da educação (que Paulo Freire chamou de bancária).
Este modelo se fundamenta em uma Pedagogia tradicional,
centrada na transmissão de conteúdos, apoiada num modelo de
comunicação unidirecional, onde um fala, ensina e o outro aprende,
carecendo de um processo formativo. Não considera o fato de que a
saúde não se dá apenas em função da informação, e parte de uma análise
da realidade em que o ambiente, a estrutura social e a cultura não são
considerados. A supervalorização das instituições como responsáveis por
restituir a saúde aos indivíduos impõe a estes a tarefa de aprender o que
é ensinado, ou seja, reproduzir comportamentos e hábitos higienistas.
Os conteúdos normativos veiculados, na verdade, legitimam uma ordem
social vigente (SERRANO GONZÁLEZ, 1990).
b) Modelo persuasivo motivacional → Parte da premissa de que
os estilos de vida dos indivíduos não são compatíveis com a saúde.
O objetivo é a mudança de comportamentos, mas os comportamentos
aprendidos são aqueles ensinados por alguém. Esta concepção,
mecanicista, possibilita inclusive a aferição das condutas incorporadas,
ou seja, identificar ações previstas como decorrentes daquilo que foi
ensinado. E ainda que neste modelo, ao contrário do anterior, a cultura
e os valores tenham lugar, “a autonomia dos homens está ameaçada”
(SERRANO GONZÁLEZ, 1990, p. 37), pois as metas individuais e a
adaptação social acentuadas estão impregnadas com parâmetros e valores
do grupo dominante.
Os comportamentos considerados saudáveis (ou não) são
predefinidos, e a iniciativa do educador e da instituição social, como
no modelo informativo, mantém-se supervalorizada como responsável
pela modificação de condutas. A transmissão de valores se dá de fora
para dentro, sem considerar a possibilidade de participação crítica. Além
disso, não considera que as escolhas das pessoas e grupos muitas vezes
refletem exigências e contradições de seu meio social.
CEDERJ 43
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
44 CEDERJ
MÓDULO 1
d) Modelo participação e compromisso → Na verdade, este modelo
2
(fruto do trabalho de um grupo no qual a autora se insere) decorre da
AULA
crítica (ao modelo anterior) de que, embora a economia e a política
sejam importantes na saúde, não são determinantes nem da vida nem da
saúde dos indivíduos. Ele reconhece elementos importantes colocados
pelos outros três, mas propõe um outro caminho metodológico a ser
seguido. Almeja uma melhor qualidade de vida para todos, por meio
de uma educação para a saúde com uma visão de humanização, em que
a responsabilidade, a autonomia, a solidariedade, a participação e o
compromisso com o entorno são elementos fundamentais na elaboração
de um novo estilo de vida. O trabalho de Paulo Freire é referido para
consubstanciar uma visão de sujeito datado e situado historicamente.
!
Maria Isabel Serrano González cita um trecho da obra de
Paulo Freire para elucidar a noção de sujeito historicamente
datado e situado: “Cada homem está situado no espaço e no
tempo, no sentido de que vive em uma época precisa, em um
lugar preciso, em um contexto social e cultural determinado”
(FREIRE apudd SERRANO GONZÁLEZ, 1990, p. 43).
RETOMANDO CONCEITOS
2
AULA
Na primeira aula, vimos que diversos conceitos de saúde coexistem.
Na aula de hoje, percebemos que também em relação aos diferentes
enfoques entre educação e saúde e mesmo entre modelos educativos que
se propõem a discutir essa relação não há consenso.
Para concluirmos, é preciso salientarmos que, mais do que
referendarmos modelos, é importante estabelecermos condutas que
priorizem uma visão crítica, inclusive – e sobretudo – acerca de nossas
próprias práticas, se quisermos ser pessoas comprometidas com a
construção de um mundo mais justo e igualitário.
ATIVIDADE FINAL
2) Escolha informada
Participação e compromisso
4)
(com restrições).
CEDERJ 47
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
RESPOSTA COMENTADA
48 CEDERJ
MÓDULO 1
2
ENFOQUE CARACTERÍSTICAS MODELO EDUCATIVO
AULA
Cumprir prescrições, consumir
1) Preventivo Informacional
medicamentos.
RESUMO
Você teve contato com diferentes autores que trabalham as questões relativas à
educação e a saúde.
Verificou que nas escolas à inclusão dos Programas de Saúde ocorreu em função
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 5.692/71. A forma como eram
trabalhados justificou a atribuição do nome “Programas de Doenças”.
Percebeu uma tentativa de contrapor diferentes enfoques de educação e
saúde (discutidos por STOTZ, 2005) e modelos educativos de educação para a saúde
(apresentados por SERRANO GONZÁLEZ, 1990). Cotejando o material dos dois
autores, é possível perceber que tanto o enfoque preventivo como o modelo
educativo informacional, o da escolha informada e o modelo motivacional
pressupõem indivíduos livres para eleger escolhas, o que nem sempre é possível,
já que as escolhas estão, na maioria das vezes, impregnadas de ideologias
(dominantes). O enfoque radicall não se equipara ao modelo econômico ecológico
e vice-versa, já que o primeiro desconsidera o indivíduo e atribui tudo ao social e
o último, embora considere a saúde como questão social, supervaloriza a questão
econômica como determinante das condições sociais e ambientais.
CEDERJ 49
Educação em Saúde | Educação em saúde: O que é?
50 CEDERJ