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O novo Código de Processo Civil conecta o direito processual à Constituição e à realidade social, exigindo que operadores do direito estejam atentos às mudanças sociais e à interpretação dos princípios à luz da teoria jurídica. A aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos como a conciliação e a mediação pode ajudar a superar a morosidade do judiciário.
Descriere originală:
Artigo onde autor analisa os desafios do novo processo civil brasileiro, e aborda as conexões da disciplina com outros saberes (sociologia, filosofia, economia, politica).
O novo Código de Processo Civil conecta o direito processual à Constituição e à realidade social, exigindo que operadores do direito estejam atentos às mudanças sociais e à interpretação dos princípios à luz da teoria jurídica. A aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos como a conciliação e a mediação pode ajudar a superar a morosidade do judiciário.
O novo Código de Processo Civil conecta o direito processual à Constituição e à realidade social, exigindo que operadores do direito estejam atentos às mudanças sociais e à interpretação dos princípios à luz da teoria jurídica. A aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos como a conciliação e a mediação pode ajudar a superar a morosidade do judiciário.
A NOVA REALIDADE DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: A BUSCA PELA
CONEXÃO COM O CONHECIMENTO E COMA REALIDADE SOCIAL
Marcos Luiz da Silva
Advogado da União Professor da Uespi
O novo Código de Processo Civil, a Lei n. 13.105, de 16 de março de
2015, inicia tratando das normas fundamentais do processo civil, e já no primeiro artigo estabelece que "o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código". O dispositivo estabelece, portanto, uma conexão direta da norma processual com a norma constitucional, deixando expresso que o direito processual deverá ser aplicado à luz da Magna Carta. E mais do que isso: a norma processual passa a ter um acoplamento com o “mundo da vida”, para utilizar uma expressão de Habermas, de modo que o novo processualista deve estar cada vez mais antenado com as mudanças na sociedade contemporânea e com os efeitos que essas mudanças causam no processo e na solução de litígios. Com efeito, o texto do novo CPC deixa claro uma opção por uma interpretação e aplicação do direito mais "antenada" com o texto constitucional, e isso é feito também de maneira expressa quando o novel diploma praticamente repete vários dispositivos constitucionais que tratam de prerrogativas e direitos fundamentais processuais. O artigo 3º em seu caput trata do princípio do acesso ao judiciário e do direito de ação, ao estabelecer que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito". É claro que tal disposição não importa em direito absoluto, e comporta exceções. O próprio diploma processual, logo em seguida, ressalta a possibilidade de arbitragem como forma de solução de conflitos (§ 1o, art. 3o), bem como fortalece os meios alternativos de solução de conflitos como a conciliação e a mediação (§ 2o e § 3o, art. 3o). Por outro lado, a conciliação e a mediação ganharam grande impulso com o novo CPC. É aguardar para ver se a sociedade brasileira de fato abraça essa proposta, e que os operadores do direito detenham o instrumental necessário para levar adiante e de forma efetiva esses meios alternativos de solução de controvérsias, que são, ao nosso ver, a grande solução para o problema que impera no Judiciário brasileiro há algumas décadas que é a morosidade. É preciso ainda enfrentar o desafio de capacitar os operadores do direito para operar com esse novo instrumental, da consensualidade, bem como buscar alternativas para que haja a superação do paradigma social da litigiosidade, talvez o principal óbice para que tenhamos uma superação daquele paradigma citado. É preciso que a sociedade seja mais voltada para a solução amigável dos conflitos e menos dispostas a buscar a solução judicial, o que envolve, portanto, um esforço transformador que vai muito além da mudança no direito positivo. Um outro aspecto que deve ser mensurado em relação ao novo CPC é que os princípios, e, portanto, a moral e a política, ganharam extrema relevância no âmbito processual civil. Os princípios forma recepcionados como elementos normativos fundamentais do sistema, ganhando o status de “norma” jurídica, sem os quais não será possível uma interpretação e aplicação da norma jurídico-processual consentânea com os valores erigidos ao patamar constitucional em 1988. Nesse sentido, impõe-se ao operador do Direito melhor compreender teorias como as de Dworkin, Alexy, Habermas, Ávila e Neves sobre a aplicação de princípios do direito, e de que modo há essas teorias relacionam direito e moral na construção da solução jurídica para os casos complexos. Para exemplificar, o CPC trata de princípios mas não faz a definição dessa categoria, de modo que o operador do direito terá que se utilizar de um reforço de fora do direito processual para complementar esse vácuo conceitual. Isso implicará em ter que analisar diversas teorias, e realizar um juízo de valor sobre estas, buscando a que melhor se adeque a nossa realidade social e jurídica. Ou seja, quem melhor define os princípios? Alexy? Habermas? Kelsen? Hart? Ávila? Com efeito, alguns princípios constitucionais do processo foram reproduzidos no texto do novo CPC. Outros princípios foram inseridos de forma inédita no texto, como é o caso da cooperação. Contudo, essa forma de tratar os princípios pelo Processo Civil introduz na seara processual um grande aporte teórico que precisa ser revisitado, e que não está necessariamente inserido na tradição de estudo do processo civil, pelo menos quando se pensa em processo civil brasileiro. Robert Alexy, por exemplo, vê os princípios como mandamentos de otimização, ou seja, normas que podem ser satisfeitas em graus variáveis, a depender das condições do mundo real. Essa é a melhor definição? Enfim, eis o desafio que se coloca para o operador do direito: dialogar com as diferentes correntes teóricas que tratam das relações entre o direito e a moral, como o positivismo, o moralismo jurídico e outras. O que se pode depreender do que foi dito acima é o seguinte: o Processo Civil do novo CPC se abre a outras ciências, à moral, á política, à filosofia, à sociologia e outras ciências, e à moral. A inserção de dispositivos que tratam de princípios informativos e de outras questões de ordem teórica, como, por exemplo, da ideia de "ponderação" (Alexy) terminou por conectar o processo civil a outros ramos das ciências sociais e, principalmente, à filosofia. O novo processo civil exige, portanto, que o operador do direito detenha um maior manancial de informações teóricas do que a simples prática do dia-a-dia confere, porquanto a boa técnica processual não poderá mais prescindir de conceitos que estão fora da ciência processual, e deverão ser buscados em outros ramos do direito (teoria do direito, filosofia do direito, sociologia do direito) ou mesmo de fora do direito (ética, ciências sociais, filosofia, ciência política). A academia, portanto, possui um papel desafiador para os próximos anos. Os professores de processo civil terão o grande desafio de realizar essa conexão de saberes, de trazer a filosofia do direito e outras informações e conhecimentos para o campo próprio do Processo Civil, tendo ainda que enfrentar os próprios limites e preconceitos, assim como conscientizar o corpo docente de que é necessário ampliar o leque de conhecimentos de que se servirão nos próximos anos. O processo deixa o plano estático, da mera ciência processual, racional e formalista, para ingressar numa era em que há maior flexibilização, maleabilidade, e uma interconexão cada vez maior com o mundo e com o conhecimento não jurídico. Tomemos como exemplo a ideia de ativismo judicial, muito em voga nos últimos anos. O ativismo tem sido definido como uma forma de atuação inovadora do Poder Judiciário, onde este se vale de argumentos políticos e morais para inovar o ordenamento jurídico sem o crivo do Poder Legislativo. Nesse modo de atuar o direito passa ter uma conexão muito próxima a moral, o que impõe ao interprete/operador o conhecimento adequado de categorias teóricas relacionadas à ética e à moral. A equidade, a decisão judicial informada pelo contexto, assim como o chamado "ativismo judicial", não pode decorrer de decisões solitárias e baseadas tão somente em valores morais que são específicos do próprio operador do direito. Há um dever de buscar a norma ética e moral que é convalidada pela coletividade, de modo que o responsável pela decisão possui ainda o dever de realizar uma “investigação processual”, uma cognição que seja epistemicamente bem informada, ou seja, que a própria prática processual se revele enquanto uma prática voltada para a coleta de dados informadores do órgão julgador, ampliando-se, democraticamente, o diálogo com o conjunto da sociedade civil dentro do processo. É a transformação do processo e da sua dinâmica em uma “esfera pública”, onde todas as demandas e argumentos sejam colocados, como vem ocorrendo, por exemplo, no âmbito de algumas audiências públicas do STF. É preciso que, em um processo democrático, o julgador seja os "olhos e ouvidos" da sociedade, auscultando seus anseios e valores, sem que isso, por óbvio, implique em desrespeito à Carta Constitucional e aos direitos fundamentais que se expressam no compromisso firmado pelo legislador constituinte original. Isso vai se dar com maior profundidade no processo de conhecimento, mas não pode ser esquecido ou esmaecido nos processos de execução e cautelar. A prática processual tem que ser informada pelo melhor conteúdo possível em termos teóricos, racionais e práticos, de modo que o papel do julgador se converte, prioritariamente, em um investigador não só da prova do processo mais também de fluxos culturais e morais que provém da sociedade, das outras formas de conhecimento, e do caldo cultural que é inerente a uma dada comunidade. Sair da sua "caixinha" e formar-se como alguém que se coloca como uma caixa de ressonância social, informada pelos direitos fundamentais e por uma prática efetivamente democrática, passa a ser o papel fundamental de um operador do direito no novo processo. Mas atenção: neutralidade e imparcialidade continuam sendo valores e deveres fundamentais de um bom julgador, o que lhe coloca na condição ambígua de ter que lidar com valores contrários aos seus, e possuir o distanciamento necessário dos seus valores morais para melhor julgar uma causa e fazer justiça. A justiça individual, deixe-se claro, não é justiça. O juízo no direito deve se dar a partir de um conjunto de normas impessoais e gerais, e não de normas pessoais, da minha escala de valores e das regras que eu reputo como corretas. Isso é autoritarismo, e não direito democrático. O desafio é gigante para a prática do direito, especialmente no direito processual. Não há como praticar o direito hoje sem o conhecimento de conceitos outros que não estão na seara do direito. É praticamente impossível lidar com precedentes judiciais, com ponderação racional judicial, com teoria da decisão, sem que o operador do direito detenha conhecimentos outros, já mencionados acima. O direito hoje, cada vez mais, é um direito aberto, que dialoga com outras formas de conhecimento, e acima de tudo é um direito que exige o conhecimento do mundo e da realidade em que vivemos. Aplicar o direito, de forma puramente abstrata e sem conexão com a realidade, é algo que não se coaduna com a nova sistemática processual e exige de cada um de nós um grande esforço pela construção de um direito processual interdisciplinar e conectado com o mundo.