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Resumo:
O artigo trata da crise social e política que levou à deposição do
presidente João Goulart pelas Forças Armadas, dando início a u m longo ciclo
de governos militares. Analisa também os principais instrumentos jurídicos
que deram sustentação ao regime militar instalado no País depois de 1964.
Abstract:
The article deals with the social and political crisis that caused the
deposition of president João Goulart by the Armed Forces, initiating a long
cycle of military governments. It also analyses the main legal instruments that
gave support to the military regime installed in the country after 1964.
Sumário:
1. Antecedentes do movimento
2. O colapso do populismo
3. A s Reformas de Base
4. O estopim do golpe
5. A deposição de Goulart
6. O primeiro Ato Institucional
7. A consolidação do regime
8. O golpe dentro do golpe
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1. Antecedentes do movimento
1. Dos estudos feitos sobre o assunto, no Brasil, destacam-se, por sua especificidade, os trabalhos
de Octavio Ianni, O Colapso do Populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 3 a ed.
1975; A Formação do Estado Populista na América Latina, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira^
1975; e, ainda, de Francisco Corrêa Weffort, O Populismo na Política Brasileira, Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1978.
2. Cf. Octavio Ianni, A Formação do Estado Populista na América Latina, cit., p. 7.
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2. O colapso do populismo
7. Idem, p. 209.
8. Ibidem, loc. cit.
9. Cf. Hélio Jaguaribe, "O Modelo Político e a Estrutura Econômica-Social Brasileira", cit, pp.
132 e ss., e Brasil: Crise e Alternativas, Rio de Janeiro, Zahar, 1974, pp. 30 e ss.; Bresser Pereira, O
Estado e o Subdesenvolvimento Industrializado: Esboço de uma Economia Política Periférica, São
Paulo, Brasiliense, 1977, pp. 126 e ss.; e Celso Furtado, Dialética do Desenvolvimento, Rio de
Janeiro, Fundo de Cultura, 2 a ed., 1964, pp. 113 e ss.
10. "O Modelo Político e a Estrutura Econômica-Social Brasileira", cit., p. 135.
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3. A s Reformas de Base
11. V. discurso de Goulart publicado na íntegra por Carlos Castello Branco, e m Introdução à
Revolução de 1964: A Queda de João Goulart, 2° tomo, Rio de Janeiro, Artenova, 1965, p. 264.
12. Idem, ibidem; v. também Moniz Bandeira, O Governo João Goulart: As lutas sociais no
Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2" ed., 1977, pp. 163-164; v., ainda, sobre a amplitude
das medidas Cibilis da Rocha Viana, Reformas de Base e a Política Nacionalista de
Desenvolvimento: De Getúlio a Jango, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980.
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4. O estopim do golpe
14. Cf. Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio Vargas a Castello Branco (1930-1964), Rio de
Janeiro, Paz e Terra, pp. 344 e ss.
15. Idem, ibidem.
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16. Discurso publicado na íntegra por Glauco Carneiro, História das Revoluções Brasileiras, 2°
v., Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1965, pp. 600-602.
17. V. Skidmore, op. cit., pp. 344 e ss.; v. também Alfred Stepan, Os Militares na Política:
Mudanças de Padrões na Vida Brasileira, Rio de Janeiro, Arte Nova, Í975, pp. 138 e ss.; Peter Flynn,
Brazil: A Political Analisys, London, Ernest Ben Boulder-Westview Press, 1978, pp. 280 e ss.; Glauco
Carneiro, op. cit., pp. 552 e ss.
li. Idem, ibidem.
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5. A deposição de Goulart
23. O art. 10 do Ato dispunha o seguinte: "No interesse da paz e da honra nacional, e sem as
limitações previstas na Constituição, os Comandantes em Chefe, que editam o presente Ato, poderão
suspender os direitos políticos pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais
estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.''
24. Op. cit., p. 51. O autor observa, na p. 52, que o termo poder moderador foi por ele extraído
de forma analógica, da faculdade atribuída ao Imperador pela Constituição Monárquica, no Brasil, dê
intervir nas disputas políticas e m momentos de impasse institucional.
Colapso do populismo e regime militar no Brasil 239
11, deveria vigorar até 31 de janeiro de 1966, data e m que se elegeria o novo
presidente e vice-presidente da República.
O s militares de linha dura, contudo, que Stepan classifica de
nacionalistas autoritários, opuseram-se tenazmente aos desígnios dos moderados,
denominados de internacionalistas liberais pelo autor, que pretendiam devolver, o
quanto antes, o poder aos civis.25
N ã o resta dúvida hoje que o Ato Institucional baixado pelo Alto
Comando da Revolução apresentava u m caráter meramente instrumental e
temporário, m e s m o porque os políticos e civis que apoiaram o golpe não tinham o
menor interesse e m manter os militares indefinidamente no poder. Pretendiam os
golpistas, valendo-se do Ato, apenas, afastar os esquerdistas do governo e impedir a
realização das mudanças estruturais propostas por Goulart e seus aliados,
promovendo, e m lugar destas, algumas reformas no campo político e no plano
econômico, que permitissem a retomada do processo de desenvolvimento.
Para atingir tais objetivos colocou-se nas mãos do presidente da
República u m a enorme gama de poderes: a competência de enviar emendas
constitucionais e projetos de lei ao Congresso Nacional, para apreciação
compulsória, no prazo de trinta dias, sob pena de considerá-los aprovados (arts. 3 o e
4 o ); a iniciativa exclusiva de projetos de lei que criassem ou aumentassem a despesa
pública, vedadas as emendas que a onerassem (art. 5 o ); a ampliação das hipóteses de
decretação do estado de sítio (art. 6 o ); a suspensão, pelo prazo de seis meses, das
garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade, para permitir o
afastamento de servidores públicos, civis ou militares, nos três níveis federativos,
depois de investigação sumária, nos casos de atentado contra a segurança do País, o
regime democrático ou a probidade administrativa, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis, vedado o exame judicial da medida, salvo no tocante aos seus aspectos
formais extrínsecos (art. 7 o ); e a faculdade de suspender direitos políticos, por dez
anos, e de cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a
apreciação judicial do ato (art. 10).
O Preâmbulo explicava a extensão e as finalidades desse instrumento,
nos seguintes termos: "O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes
em Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se
tornou vitoriosa com o apoio da Nação, na quase toda a sua totalidade, destina-se a
7. A consolidação do regime
26. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969), Petrópolis, Vozes, T ed.,
1974, p. 64.
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27. Cf. Luís Pinto Ferreira, Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno, v. I, São Paulo
Revista dos Tribunais, 5a ed., 1971, p. 122; e, também, Wilson Accioli, Instituições de Direito
Constitucional, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 85.
28. Castello Branco, op. cit., p. 552.
29. Op. cit., p. 418.
Colapso do populismo e regime militar no Brasil 243
30. Sobre o impedimento de Costa e Silva, v. Carlos Chagas, 113 Dias de Angústia: Impedimento
e Morte de um Presidente, São Paulo, L & P M , 1979.
31. Para Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Coimbra, Armênio Amado, 3a ed., 1974, p. 264 a
norma fundamental "é a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma
ordem normativa'' Nesse sentido, observa-se que o art. 183 da CF de 1969 dispunha o seguinte:
"Continuam em vigor o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, e os demais
posteriormente baixados. Parágrafo único: O Presidente da República, ouvido o Conselho de
Segurança Nacional, poderá decretar a cessação da vigência de qualquer desses Atos ou dos
dispositivos que forem considerados desnecessários''
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ressalvando as medidas já tomadas com base nos mesmos, as quais ficavam isentas
de apreciação judicial.32
O arcabouço legal autoritário, lembra-se, foi desmontado
paulatinamente, constituindo a edição da referida E C n. 11/78 a primeira etapa desse
processo, na medida e m que se introduziu na Carta de 1969, e m substituição aos atos
institucionais e complementares, ao lado do tradicional Estado de Sítio, o Estado de
Emergência e as Medidas de Emergência, instrumentos que permitiam ao presidente
da República suspender algumas garantias constitucionais "para preservar ou,
prontamente, restabelecer, em locais determinados e restritos, a ordem pública ou a
paz social, ameaçadas ou atingidas por calamidades ou graves perturbações" ou,
ainda, para impedir ou repelir atividades subversivas.33 A volta à plenitude do
Estado de Direito, como se sabe, somente foi alcançada com a promulgação da
Constituição de 1988.