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JOSÉ CARLOS LIBÂNEO

DEMOCRATIZAÇÃO
DA ESCOLA PÚBLICA

A pedagogia crítico-social dos conteúdos


a
2. Edição

Edições Loyola
São Paulo — 1985
1
TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS N A PRÁTICA
ESCOLAR (*)

A prática escolar consiste na concretização das condições


que asseguram a realização do trabalho docente. Tais condi -
ções não se reduzem ao estritamente "pedagógico", já que a
escola cumpre funções que lhe são dadas pela sociedade con -
creta que, por sua vez, apresenta -se como constituída por
classes sociais com interesses antagônicos. A prática escolar,
assim, tem atrás de si condicionantes sociopolíticos que con -
figuram diferentes concepções de homem e de sociedade e,
conseqüentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da
escola, aprendizagem, relações professor -aluno, técnicas pe-
dagógicas etc. Fica claro que o modo como os professores
realizam seu trabalho, selecionam e organizam o conteúdo das
matérias, ou escolhem técnicas de ensino e avaliação tem a ver
com pressupostos teórioo-metodológicos, explícita ou
implicitamente.
Uma boa parte dos professores, provavelmente a maio ria,
baseia sua prática em prescrições pedagógicas que vira ram
senso comum, incorporadas quando de sua passagem pela
escola ou transmitidas pelos col egas mais velhos; entretanto,
essa prática contém pressupostos teóricos implícitos.
Por outro lado, há professores interessados num trabalho do -

* Publicado anteriormente na Revista da. ANDE, n." 6, 1982. Re-


publicado aqui com algumas alterações.

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cente mais conseqüente, professores capazes de perceber o nem conseguem captar toda a riqueza da prática concreta.
sentido mais amplo de sua prática e de explicitar suas convic- São, aliás, as limitações de qualquer tentativa de classifica-
ções. Inclusive há aqueles que se apegam à última tendência ção. De qualquer modo, a classificação e descrição das ten-
da moda, sem maiores cuidados em refletir se essa escolha dências poderão funcionar como instrumento de análise para
trará, de fato, as respostas que procuram. Deve-se salientar, o professor avaliar sua prática de sala de aula.
ainda, que os conteúdos dos cursos de licenciatura, ou não Utilizando como critério a posição que adotam em re-
incluem o estudo das correntes pedagógicas, ou giram em tor- laçjojaos condicionantes sociopolíticos da escola, as tendên-
no de teorias de aprendizagem e ensino que quase nunca têm cias pedagógicas foram classificadas em liberais e progres-
correspondência com as situações concretas de sala de aula,
sistas, a saber:
não ajudando os professores a formar um quadro de refe-
rência para orientar sua prática. A — Pedagogia liberal
1 — tradicional
Em artigo publicado em 1981, Saviani descreveu com
2 — renovada progressivista
muita propriedade certas confusões que se emaranham na
3 — renovada não-diretiva
cabeça de professores. Após caracterizar a pedagogia tradi-
4 — tecnicista -
cional e a pedagogia nova, indica o aparecimento, mais re-
cente, da tendência tecnicista e das teorias crítico-reproduti- B — Pedagogia progressista
vístas, todas incidindo sobre o professor. Ele escreve: "Os 1 — libertadora
professores têm na cabeça o movimento e os princípios da 2 — libertária
escola nova. A realidade, porém, não oferece aos professores 3 — crítico-social dos conteúdos
condições para instaurar a escola nova, porque a realidade
em que atuam é tradicional. ( . . . ) Mas o drama do profes- A. PEDAGOGIA LIBERAL
sor não termina aí. A essa contradição se acrescenta uma
outra: além de constatar que as condições concretas não O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "de-
correspondem à sua crença, o professor se vê pressionado mocrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina
pela pedagogia oficial que prega a racionalidade e a produ- liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que,
tividade do sistema e do seu trabalho, isto é, ênfase nos ao defender a predominância da liberdade e dos interesses
meios (tecnicismo). ( . . . ) Aí está o quadro contraditório individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de organi-
em que se encontra o professor: sua cabeça é escolanovista, zação social baseada na propriedade privada dos meios de
a realidade é tradicional; ( . . . ) rejeita o tecnicismo porque produção, também denominada, sociedade de classes. A pe-
sente-se violentado pela ideologia oficial: não aceita a linha dagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse
crítica porque não quer receber a denominação de agente tipo de sociedade.
repressor".1
A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta,
Face a essas constatações, pretende-se, neste texto, fazer anos, tem sido marcada pelas tendências liberais, nas suas
um levantamento, ainda que precário, das tendências pedagó-
formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente tais
gicas que têm-se firmado nas escolas pela prática dos profes-
tendências se manifestam, concretamente, nas práticas esco-
sores, fornecendo uma. breve explanação dos pressupostos
lares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda
teóricos e metodológicos de cada uma.
que estes não se dêem conta dessa influencia,
É necessário esclarecer que as tendências não aparecem
em sua forma, pura, nem sempre são mutuamente exclusivas, A pedagogia libera? sustenta a idéia de que a escola tem
por função preparar os indivíduos para o desempenho de
papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Para isso,
1 Dermeval SAVIANI, "Tendências pedagógicas contemporâneas", os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos va-
p 65.
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lores e às normas vigentes na sociedade de classes, através soais, na formulação do psicólogo norte-americano Carl
do desenvolvimento da cultura individual.. A ênfase no as- Rogers.
pecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, A tendência liberal tecnicista subordina a educação à so-
pois, embora difunda a idéia de igualdade de oportunidades, ciedade, tendo como função a preparação de "recursos hu-
não leva em conta a desigualdade de condições. Historica- manos" (mão-de-obra para a indústria). A sociedade indus-
mente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradi- trial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas eco-
cional e, por razões de rocomposição da hegemonia da bur- nômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cien-
guesia, evoluiu pnra a pedagogia renovada (também deno- tificamente) nos alunos os comportamentos dê ajustamento
minada escola nova ou ativa), o que não significou a substi- a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade con-
tuição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convi- tém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-
vem na prática escolar. -las e aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo
Na tendência tradicional, a pedagogia liberal se carac- da realidade, mas as técnicas (forma) de descoberta e apli-
teriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, cação. A tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos,
no qual o aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço, com base no conhecimento científico) é o meio eficaz de
sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os procedi- obter a maximização da produção e garantir um ótimo funcio-
mentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma namento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico
relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as rea- por excelência. Ela "é encarada como um instrumento capaz
lidades sociais. É a predominância da palavra do professor, de promover, sem contradição, o desenvolvimento econômico
das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual. pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição da ren-
A tendência liberal renovada acentua, igualmente, o sen- da, pelo maximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo
tido da cultura çomo desenvolvimento das aptidões incüvi- desenvolvimento da 'consciência política' indispensável à ma-
dualsTTSEãs a educação é um processo interno, não externo; nutenção do Estado autoritário". 2 ³ Utiliza-se basicamente do
ela parte das necessidades e interesses individuais necessá- enfoque sistêmico, da tecnologia educacional e da análise ex-
rios para a adaptação ao meio. A educação é a vida presente, perimental do comportamento.
é parte da própria experiência humana. A escola renovada
propõe um ensino que valorize a auto-educação ( o aluno
1. Tendência liberal tradicional
como sujeito do conhecimento), a experiência direta sobre
Papel da escola — A atuação da escola consiste na pre-
o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no
paração intelectual e moral dos alunos para assumir sua po-
grupo. A tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós,
sição na sociedade. O compromisso da escola é com a cul-
em duas versões distintas: a renovada progressivista 1 ² ou
tura, os problemas sociais pertencem à sociedade. O caminho
pragmatista, principalmente na forma difundida pelos pio-
cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alu-
neiros da educação nova, entre os quais se destaca. Aní-
nos, desde que se esforcem. Assim, os menos capazes devem
sio Teixeira (deve-se destacar, também, a influência de
lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu lugar
Montessori, Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada
junto aos mais capazes. Caso não consigam, devem procurar
não-diretiva, orientada para os objetivos de auto-reaíi-
o ensino mais profissionalizante.
zação (desenvolvimento pessoal) e para as relações interpes-
Conteúdos de ensino — São os conhecimentos e valores
sociais acumulados pelas gerações adultas o repassados ao

1 2. A designação "progressivísta" vem de "educação progressiva",


termo usado por Anísio Teixeira para indicar a função da educação
numa civilização em mudança, decorrente do desenvolvimento cientí-
2 3. Acácia A. KUENZER. e Lucília R. S. MACHADO, "Pedagogia
fico (idéia equivalente a "evolução" em biologia). Esta. tendência ins-
pira-se no filósofo e educador norte-americano John Dewey. Cf. Anísio Tecnicista", in. Guiomar N. de MELLO <org.>, Escola nova, tecmctsmo
Teixeira, Educação Progressiva. e educação compensatória, p. 34.

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aluno como verdades. As matérias de estudo visam preparar (punição, notas baixas, apelos aos país); às vezes, é positivo
o aluno para a vida, são determinadas pela sociedade e orde- (emulação, classificações).
nadas na legislação. Os conteúdos são separados da expe-
Manifestações na prática escolar — A pedagogia liberal
riência do aluno e das realidades sociais, valendo pelo valor
tradicional é viva e atuante em nossas escolas. Na descrição
intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é criti-
apresentada aqui incluem-se as escolas religiosas ou leigas
cada como intelectualista e, às vezes, como enciclopédica.
que adotam uma orientação clássico-humanista ou uma orien-
Métodos — Baseiam-se na exposição verbal da matéria tação humano-científica, sendo que esta se aproxima mais
e/ou demonstração. Tanto a exposição quanto a análise são do modelo de escola predominante em nossa história edu-
feitas pelo professor, observados os seguintes passos: a ) cacional.
preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da
matéria anterior, despertar interesse); b ) apresentação (real- 2. Tendência liberal renovada progressivista
ce de pontos-chave, demonstração); c) associação (combi-
nação do conhecimento novo com o já conhecido por com- Papel da escola — A finalidade da escola é adequar as ne-
paração e abstração); d) generalização (dos aspectos particu- cessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve
lares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada); se organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida.
e) aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resoluções Todo ser dispõe dentro de si mesmo de mecanismos de adap-
de exercícios). A ênfase nos exercícios, na repetição de con- tação progressiva ao meio e de uma conseqüente integração
ceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a mente dessas formas de adaptação no comportamento. Tal integra-
e formar hábitos. ção se dá por meio de experiências que devem satisfazer, ao
Relacionamento professor-aluno — Predomina a autori- mesmo tempo, os interesses do aluno e as exigências sociais,
dade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e À escola cabe suprir as experiências que permitam ao aluno
impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução
aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do
a ser absorvida; em conseqüência, a disciplina imposta é o indivíduo e estruturas do ambiente.
meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio. Conteúdos de ensino — Como o conhecimento resulta da
Pressupostos de aprendizagem — A idéia de que o en- ação a partir dos interesses e necessidades, os conteúdos de
sino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito ensino são estabelecidos em função de experiências que o
da criança é acompanhada de uma outra: a de que a capa- sujeito vivencia frente a desafios cognitivos e situações pro-
cidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, ape- blemáticas. Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos
nas menos desenvolvida. Os programas, então, devem ser mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organi-
dados numa progressão lógica, estabelecida pelo adulto, sem zados racionalmente. Trata-se de "aprender a aprender", ou
levar em conta às características próprias de cada idade. A seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do
aprendizagem, assim, é receptiva e mecânica, para o que se que o saber propriamente dito.
recorre freqüentemente, à coação. A retenção do material en-
sinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos Método de ensino — A idéia de "aprender fazendo" está
e recapitulação da matéria. A transferência, da aprendizagem sempre presente. Valorizam se as tentativas experimentais,
depende do treino; é indispensável a retenção, a. fim de que a pesquisa,, a descoberta, o estudo do meio natural e social,
o aluno possa responder às situações novas de forma seme- o método de solução de problemas. Embora os métodos va-
lhante às respostas dadas em situações anteriores. A avalia- riem, as escolas ativas ou novas (Dewey, Montessori, De-
ção se dá por verificações de curto prazo (interrogatórios croly, Cousinet e outros) partem sempre de atividades ade-
orais, exercícios de casa) e de prazo mais longo (provas es- quadas à natureza do aluno e às etapas do seu desenvolvi-
critas, trabalhos de casa). O reforço é, em geral, negativo mento. Na maioria delas, acentua-se a importância do traba-

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lhe em grupo não apenas como técnica, mas como condição tação na educação pré-escolar. Pertencem, também, à ten-
básica do desenvolvimento mental. Os passos básicos do mé- dência progressivista muitas das escolas denominadas "expe-
todo ativo são: a ) colocar o aluno numa situação de expe- rimentais", as "escolas comunitárias" e mais remotamente
riência que tenha um interesse por si mesma; b ) o problema (década de 6 0 ) a "escola secundária moderna", na versão di-
deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; c ) o aluno fundida por Lauro de Oliveira Lima.
deve dispor de informações e instruções que lhe permitam
pesquisar a descoberta de soluções; d ) soluções provisórias 3. Tendência liberal renovada não-diretiva
devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta do
professor; e ) deve-se garantir a oportunidade de colocar as Papel da escola — Acentua-se nesta tendência o papel da
soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para escola na formação de atitudes, razão pela qual deve estar
a vida. mais preocupada com os problemas psicológicos do que com
os pedagógicos ou sociais. Todo esforço está em estabelecer
Relacionamento professor-aluno — Não há lugar privi- um clima favorável a uma mudança dentro do indivíduo, isto
legiado para o professor; antes, seu papei é auxiliar o desen-
é, a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente. Ro-
volvimento livre e espontâneo da criança; se intervém, é para
gers14 considera que o ensino é uma atividade excessivamente
dar forma ao raciocínio dela. A disciplina surge de uma to-
valorizada; para ele os procedimentos didáticos, a competên-
mada de consciência dos limites da vida grupai; assim, aluno
cia na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca impor-
disciplinado é aquele que é solidário, participante, respei-
tador das regras do grupo. Para se garantir um clima harmo- tância, face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de
nioso dentro da sala de aula é indispensável um relaciona- autodesenvolvimento e realização pessoal, o que implica
mento positivo entre professores e alunos, uma forma de estar bem consigo próprio e com seus semelhantes. O resul-
instaurar a "vivência democrática" tal qual deve ser a vida tado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma
em sociedade. boa terapia.

Pressupostos de aprendizagem — A motivação depende Conteúdos de ensino — Ã ênfase que esta tendência põe
da força de estimulação do problema e das disposições in- nos processos de desenvolvimento das relações e da comuni-
ternas e interesses do aluno. Assim, aprender se torna uma cação torna secundária a transmissão de conteúdos. Os pro-
atividade de descoberta, é uma auto-aprendizagem, sendo o cessos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios
ambiente apenas o meio estimulador. Ê retido o que se in- para buscarem por si mesmos os conhecimentos que, no en-
corpora à atividade do aluno pela descoberta pessoal; o que tanto, são dispensáveis.
é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser Métodos de ensino — Os métodos usuais são dispensa-
empregado em novas situações. A avaliação é fluida e tenta dos, prevalecendo quase que exclusivamente o esforço do pro-
ser eficaz à medida que os esforços e os êxitos são pronta fessor em desenvolver um estilo próprio para facilitar a
e explicitamente reconhecidos pelo professor. aprendizagem dos alunos. Rogers explicita algumas das ca-
Manifestações na prática escolar — Os princípios da pe- racterísticas do professor "facilitador": aceitação da pes-
dagogia progressivista vêm sendo difundidos, em larga escala, soa do aluno, capacidade de ser confiável, receptivo e ter
nos cursos de licenciatura, e muitos professores sofrem sua plena convicção na capacidade de autodesenvolvimento do es-
influência. Entretanto, sua aplicação é reduzidíssima, não tudante. Sua função restringe-se a ajudar o aluno a se organi-
somente por falta de condições objetivas como também por- zar, utilizando técnicas de sensibilização onde os sentimentos
que se choca com uma prática pedagógica basicamente tra- de cada um possam ser expostos, sem ameaças. Assim, o ob-
dicional. Alguns métodos são adotados em escolas particula- jetivo do trabalho escolar se esgota nos processos de melhor
res, como o método Montessori, o método dos centros de
interesse de Decroly, o método de projetos de Dewey. O en-
sino baseado na psicologia, genética de Piaget tem larga acei- 1 4. Cf. Carl ROGERS, Liberdade para aprender.

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relacionamento interpessoal, como condição para o cresci- do sistema social global. Tal sistema social é regido por leis
mento pessoal. naturais (há na sociedade a mesma regularidade e as mes-
Relacionamento professor-ahmo — A pedagogia não-di- mas relações funcionais observáveis entre os fenômenos da
retiva propõe uma educação centrada no aluno, visando for- natureza), cientificamente descobertas. Basta aplicá-las. A
mar sua personalidade através da vivência de experiências atividade da "descoberta" é função da educação, mas deve
significativas que lhe permitam desenvolver características ser restrita aos especialistas; a "aplicação" é competência do
inerentes à sua natureza. O professor é um especialista em processo educacional comum. A escola atua, assim, no aper-
relações humanas, ao garantir o clima de relacionamento pes- feiçoamento da ordem social vigente ( o sistema capitalista),
soal e autêntico. "Ausentar-se" é a melhor forma de respeito articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para
e aceitação plena do aluno. Toda intervenção é ameaçadora, tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou
inibidora da aprendizagem. seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato
é o de produzir indivíduos "competentes" para o mercado
Pressupostos de aprendizagem — A motivação resulta de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações preci-
do desejo de adequação pessoal na busca da auto-realização; sas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, a tecnologia
é portanto um ato interno. A motivação aumenta, quando o educacional, a análise experimental do comportamento garan-
sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em tem a objetividade da prática escolar, uma vez que os obje
termos de atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a tivos instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis
valorização do "eu". Aprender, portanto, é modificar suas naturais que independem dos que a conhecem ou executam.
próprias percepções; daí que apenas se aprende o que es-
Conteúdos de ensino — São as informações, princípios
tiver significativamente relacionado com essas percepções.
Resulta que a retenção se dá pela relevância do aprendido em científicos, leis etc, -estabelecidos e ordenados numa seqüên-
relação ao "eu", ou seja, o que não está envolvido com o cia lógica e psicológica por especialistas. É matéria de en-
"eu" não é retido e nem transferido. Portanto, a avaliação sino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e
escolar perde inteiramente o sentido, privilegiando-se a mensurável; os conteúdos decorrem, assim, da ciência obje-
auto-avaliação. tiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. O ma-
terial instrucional encontra-se sistematizado nos manuais,
Manifestações na prática escolar — Entre nós, o inspira- nos livros didáticos, nos módulos de ensino, nos dispositivos
dor da pedagogia não-diretiva é C. Rogers, na verdade mais audiovisuais etc.
um psicólogo clínico que.um educador. Suas idéias influen- Métodos de ensino — Consistem nos procedimentos e
ciam um número expressivo de educadores e professores, técnicas necessárias ao arranjo e controle das condições am-
principalmente orientadores educacionais e psicólogos es- bientais que assegurem a. transmissão/recepção de informa-
colares que se dedicam ao aconselhamento. Menos recente- ções. Se a primeira tarefa do professor é modelar respostas
mente, podem-se citar também tendências inspiradas na es- apropriadas aos objetivos instrucionais, a principal é conse-
cola de Summerhill do educador inglês A. Neill. guir o comportamento adequado pelo controle do ensino; daí
a importância da tecnologia educacional. A tecnologia educa-
4. Tendência liberal tecnicista cional é a "aplicação sistemática de princípios científicos
comportamentais e tecnológicos a problemas educacionais,
Papel da escola — Num sistema social harmónico, orgâ- em função de resultados efetivos, utilizando uma metodolo-
nico e funcional, a escola funciona como modeladora do gia e abordagem sistêmica abrangente". 1 5 Qualquer siste-
comportamento humano, através de técnicas específicas. À ma instrucional (há uma grande variedade deles) possui três
educação escolar compete organizar o processo de aquisição componentes básicos: objetivos instrucionais operacionaliza-
de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e
necessários para que os indivíduos se integrem na máquina
1 5. Lígia O. AUBICOHIO. Manual de tecnologia educacional, p. 25.

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dos em comportamentos observáveis e mensuráveis, procedi- um processo de condicionamento através do uso de refor-
mentos instrucionais e avaliação. As etapas básicas de um çamento das respostas que se quer obter. Assim, os siste-
processo ensino-aprendizagem são: a ) estabelecimento de mas instrucionais visam o controle do comportamento indi-
comportamentos terminais, através de objetivos instrucio- vidual face a objetivos preestabelecidos. Trata-se de um en-
nais; b) análise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar foque diretivo do ensino, centrado no controle das condições
seqüencialmente os passos da instrução; c) executar o pro- que cercam o organismo que se comporta. O objetivo da
grama, reforçando gradualmente as respostas corretas cor- ciência pedagógica, a partir da psicologia, é o estudo cientí-
respondentes aos objetivos. O essencial da tecnologia educa- fico dó comportamento: descobrir as leis naturais que presi-
cional é a programação por passos seqüenciais empregada na dem as reações físicas do organismo que aprende, a fim de
instrução programada, nas técnicas de microensino, multi- aumentar o controle das variáveis que o afetam. Os compo-
meios, módulos etc. O emprego da tecnologia instrucional na nentes da aprendizagem — motivação, retenção, transferên-
escola pública aparece nas formas de: planejamento em mol- cia — decorrem da aplicação do comportamento operante.
des sistêmicos, concepção de aprendizagem como mudança Segundo Skinner, o comportamento aprendido é uma res-
de comportamento, operacionalização de objetivos, uso de posta a estímulos externos, controlados por meio de refor-
procedimentos científicos (instrução programada, audiovi- ços que ocorrem com a resposta ou após a mesma: "Se a
suais, avaliação etc, inclusive a programação de livros didá- ocorrência de um (comportamento) operante é seguida pela
ticos) .16 apresentação de um estímulo (reforçador), á probabilidade
Relacionamento professor-aluno — São relações estru- de reforçamento é aumentada". Entre os autores que contri-
turadas e objetivas, com papéis bem definidos: o professor buem para os estudos de aprendizagem destacam-se: Skinner,
administra as condições de transmissão da matéria, conforme Gagné, Bloom e Mager.27
um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de re- Manifestações na prática escolar — A influência da pe-
sultados da aprendizagem; o aluno recebe, aprende e fixa as dagogia tecnicista remonta à 2.a metade dos anos 50
informações. O professor é apenas um elo de ligação entre (PABAEE — Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao
a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sis- Ensino Elementar). Entretanto foi introduzida mais efetiva-
tema instrucional previsto. O aluno é um individuo respon- mente nõ final dos anos 60 com o objetivo de adequar o
sivo, não participa da elaboração do programa educacional. sistema educacional à orientação político-econômica do re-
Ambos são espectadores frente à verdade objetiva. A comu- gime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização
nicação professor-aluno tem um sentido exclusivamente téc- do sistema de produção capitalista. É quando a orientação
nico, que é o de garantir a eficácia da transmissão do conhe- escolanovista cede lugar à tendência tecnicista, pelo menos
cimento. Debates, discussões, questionamentos são desneces- no nível de política oficial; os marcos de implantação do mo-
sários, assim como pouco importam as relações afetivas e delo tecnicista são as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorgani-
pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino-apren-
zam o ensino superior e o ensino de 1.° e 2.° graus. A des-
dizagem.
peito da máquina oficial, entretanto, não há indícios seguros
Pressupostos de aprendizagem — As teorias de apren- de que os professores da escola pública tenham assimilado
dizagem que fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que a pedagogia tecnicista, pelo menos, em termos de ideário. A
aprender é uma questão de modificação do desempenho: o aplicação da metodologia tecnicista (planejamento, livras di-
bom ensino depende de organizar eficientemente as condi- dáticos programados, procedimentos de avaliação etc) não
ções estimuladoras, de modo a que o aluno saia da situação de configura uma postura tecnicista do professor; antes, o exer-
aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, o ensino é

27. Para maiores esclarecimentos, cf. Lígia de O. AUBICCHIO, Manual de


Tecnologia Educacional; J. G. A. OLIVEIRA, Tecnologia Educacional: teorias da
1 6 . CL Acácia A. KUENZER e Lucília R. S. MACHADO, op. cii .p.47
instrução.

30 31
cício profissional contínua mais para uma postura eclética de um aluno concreto (inserido num contexto de relações
sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente
em torno de princípios pedagógicos assentados nas pedago- reelaborado.
gias tradicional e renovada.81
1. Tendência progressista libertadora
B. PEDAGOGIA PROGRESSISTA
O termo "progressista", emprestado de Snyders9 2 , é usa- Papel da escola — Não é próprio da pedagogia liberta-
dora falar em ensino escolar, já que sua marca é a..atuação
do aqui para designar as tendências que, partindo de uma
"não-formal". Entretanto, professores e educadores engaja-
análise crítica das realidades sociais, sustentam implicita- dos no ensino escolar vêm adotando pressupostos dessa pe-
mente as finalidades sociopolíticas da educação. Evidente- dagogia. Assim, quando se fala na educação em geral, diz-se
mente a pedagogia progressista não tem como instituciona- que ela é uma atividade onde professores e alunos, medíati-
lizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instru- zados pela realidade que apreendem e da qual extraem o
mento de luta dos professores ao lado de outras práticas conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência
sociais. dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num. sentido
A pedagogia progressista tem-se manifestado em três ten- de transformação social. Tanto a educação tradicional, de-
dências: a libertadora, mais conhecida como pedagogia de nominada "bancária" — que visa. apenas depositar informa-
Paulo Freire, a libertária, que reúne os defensores da auto- ções sobre o aluno —, quanto a educação renovada — que pre-
gestão pedagógica; a crítico-social dos conteúdos que, dife- tenderia uma libertação psicológica individual — são domes-
rentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos ticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade
no seu confronto com as realidades sociais. social de opressão. A educação libertadora, ao contrário,
As versões libertadora e libertária têm em comum o anti- questiona concretamente a realidade das relações do homem
autoritarismo, a valorização da experiência vivida como base com a natureza e com os outros homens, visando a uma trans-
da relação educativa e a idéia de autogestão pedagógica. Em formação — daí ser uma educação crítica.103
função disso, dão mais valor ao processo de aprendizagem Conteúdos de ensino — Denominados "temas gerado-
grupai (participação em discussões, assembléias, votações) res", são extraídos da problematização da prática de vida dos
do que aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prá- educandos. Os conteúdos tradicionais são recusados porque
tica educativa somente faz sentido numa prática social junto cada pessoa, cada grupo envolvidos na ação pedagógica dis
ao povo, razão pela qual preferem, as modalidades de edu- põem em si próprios, ainda que de forma rudimentar, dos
cação popular "não-formal". conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não
é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma
A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos
nova forma da relação com a experiência vivida. A transmis-
propõe uma síntese superadora das pedagogia tradicional e
são de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada
renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida como "invasão cultural" ou "depósito de informação", porque
na prática social concreta. Entende a escola como mediação não emerge do saber popular. Se forem necessários textos de
entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre leitura, estes deverão ser redigidos pelos próprios educan-
a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte dos com a orientação do educador.
Em nenhum momento o inspirador e mentor da peda-
gogia libertadora, Paulo Freire, deixa de mencionar o cará-

18. Sobre a introdução da pedagogia tecnicist a no Brasil, cf. Barbara FREITAS,

Escola, Estado e sociedade; Layment G. S. GARCIA, Desregulagens – Educação,


Planejamento e tecnologia como ferramenta social; Luis A. CUNHA, Edecação e
Desenvolvimento Social no Brasil, entre outros. 310. Cf. Paulo FREIRE: Ação Cultural para a Liberdade; Pedagoria do Oprimido e
29. Cf. George SNYDERS, Pedagogia Progressista. Extensão ou Comunicação?

32 33
ter essencialmente político de sua pedagogia, o que, segundo Elimina-se, por pressuposto, toda relação de autoridade, sob
suas próprias palavras, impede que ela seja posta em prá- pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientização, de
tica, em termos sistemáticos, nas instituições oficiais, antes "aproximação de consciências", Trata-se de uma "não-direti-
da transformação da sociedade. Daí porque sua atuação se vidade", mas não no sentido do professor que se ausenta
dê mais a nível da educação extra-escolar. O que não tem (como em Rogers), mas que permanece vigilante para assegu-
impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam rar ao grupo um espaço humano para "dizer sua palavra",
adotados e aplicados por numerosos professores. para se exprimir sem se neutralizar.
Métodos de ensino — "Para ser um ato de conhecimento Pressupostos de aprendizagem — A própria designação
o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educa- de "educação problematizadora" como correlata de educação
dores e educandos, uma relação de autêntico diálogo; aquela libertadora revela a força motivadora da aprendizagem. A
em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram media- motivação se dá a partir da codificação de uma sítuação-pro-
tizados pelo objeto a ser conhecido" ( . . . ) "O diálogo engaja
blema, da qual se toma distância para analisá-la criticamente.
ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer: educa-
"Esta análise envolve o exercício da abstração, através da
dor-educando e educando-educador."
qual procuramos alcançar, por meio de representações da
Assim sendo, a forma de trabalho educativo é o "grupo realidade concreta, a razão de ser dos fatos."
de discussão", a quem cabe autogerir a aprendizagem, defi-
nindo o conteúdo e a dinâmica das atividades. O professor é Aprender é um ato de conhecimento da realidade con-
um animador que, por princípio, deve "descer" ao nível dos creta, isto é, da situação real vivida pelo educando, e só tem
alunos, adaptando-se às suas características e ao desenvolvi- sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa reali-
mento próprio de cada grupo. Deve caminhar "junto", inter- dade. O que é aprendido não decorre de uma imposição ou
vir o mínimo indispensável, embora não se furte, quando memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao qual
necessário, a fornecer uma informação mais sistematizada. se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. O
Os passos da aprendizagem — codificação-decodificação, que o educando transfere, em termos de conhecimento, é o
e problematização da situação — permitirão aos educandos que foi incorporado como resposta às situações de opressão
um esforço de compreensão do "vivido", até chegar a um — ou seja, seu engajamento na militância política.
nível mais crítico de conhecimento da sua realidade, sempre Manifestações na prática escolar — A pedagogia liber-
através da troca de experiência em torno da prática social. tadora tem como inspirador e divulgador Paulo Freire, que
Se nisso consiste o conteúdo do trabalho educativo, dispen- tem aplicado suas idéias pessoalmente em diversos países,
sam-se um programa previamente estruturado, trabalhos es- primeiro no Chile, depois na África. Entre nós, tem exercido
critos, aulas expositivas, assim como qualquer tipo de verifi- uma influência expressiva nos movimentos populares e sin-
cação direta da aprendizagem, formas essas próprias da "edu- dicatos e, praticamente, se confunde com a maior parte das
cação bancária", portanto, domesticadoras. Entretanto ad- experiências do que se denomina "educação popular". Há
mite-se a avaliação da prática vivenciada entre educador-edu- diversos grupos desta natureza que vêm atuando não somente
candos no processo de grupo e, às vezes, a auto-avaliação no nível da prática popular, mas também por meio de publi-
feita em termos dos compromissos assumidos com a prática cações, com relativa independência em relação às idéias ori-
social. ginais da pedagogia libertadora. Embora as formulações teó-
Relacionamento professor-aluno — No diálogo, como mé- ricas de Paulo Freire se restrinjam à educação de adultos
todo básico, a relação é horizontal, onde educador e edu- ou à educação popular em geral, muitos professores vêm ten-
candos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. tando colocá-las em prática em todos os graus de ensino
O critério de bom relacionamento é a total identificação com formal.
o povo, sem o que a relação pedagógica perde consistência.

34 35
2. Tendência progressista libertária satisfatórias de sua própria "instituição", graças à sua pró-
pria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de
Papel da escola — A pedagogia libertária espera que a
"colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o con-
escola exerça uma transformação na personalidade dos alu-
nos num sentido libertário e autogestionário, A idéia básica junto da vida, as atividades e a organização do trabalho no
é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis interior da escola (menos a elaboração dos programas e a
subalternos que, em seguida, vão "contaminando" todo o sis- decisão dos exames que não dependem nem dos docentes,
tema. A escola instituirá, com base na participação grupai, nem dos alunos)". Os alunos têm liberdade de trabalhar ou
mecanismos institucionais de mudança (assembléias, conse- não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas
lhos, eleições, reuniões, associações etc), de tal forma que o necessidades ou das do grupo.
aluno, uma vez atuando nas instituições "externas", leve para O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de
lá tudo o que aprendeu. Outra forma de atuação da pedago- fora do grupo, se dá num "crescendo": primeiramente a opor-
gia libertária, correlata à primeira, é — aproveitando a mar- tunidade de contatos, aberturas, relações informais entre os
gem de liberdade do sistema — criar grupos de pessoas com alunos. Em seguida, o grupo começa a se organizar, de modo
princípios educativos autogestionários (associações, grupos a que todos possam participar de discussões, cooperativas,
informais, escolas autogestionárias). Há, portanto, um sen- assembléias, isto é, diversas formas de participação e expres-
tido expressamente político, à medida que se afirma o são pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em
indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o
»individual somente se realiza no coletivo. A autogestão é, grupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no
assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivo peda- quarto momento, parte para a execução do trabalho.
gógico quanto o político. A pedagogia libertária, na sua moda- Relação professor-aluno — A pedagogia institucional visa
lidade mais conhecida entre nós, a "pedagogia institucional", "em primeiro lugar, transformar a relação professor-aluno
pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia no sentido da não-diretividade, isto é, considerar desde o
como instrumento da ação dominadora do Estado, que tudo
início a ineficácia e a nocividade de todos os métodos à base
controla (professores, programas, provas etc), retirando a
de obrigações e ameaças". Embora professor e aluno sejam
autonomia.111
desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha
Conteúdos de ensino — As matérias são colocadas à dis- a serviço do aluno, sem impor suas concepções e idéias, sem
posição do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento transformar o aluno em "objeto". O professor é um orienta-
a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das dor e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma re-
experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de flexão em comum.
mecanismos de participação crítica. "Conhecimento" aqui Se os alunos são livres frente ao professor, também este
não é a investigação cognitiva do real, para extrair dele um o é em relação aos alunos (ele pode, por exemplo, recusar-se
sistema de representações mentais, mas a descoberta de res- a responder uma pergunta, permanecendo em silêncio). En-
postas às necessidades e às exigências da vida social. Assim,
tretanto, essa liberdade de decisão tem um sentido bastante
os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de
claro: se um aluno resolve não participar, o faz porqiie não
necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não
se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre
são, necessária nem indispensavelmente, as matérias de
este fato e vai se colocar a questão; quando o professor
estudo.
se cala diante de uma pergunta, seu silêncio tem um
Método de ensino — É na vivência grupai, na forma de significado educativo que pode, por exemplo, ser uma
autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais ajuda para que o grupo assuma a resposta ou a situação
criada. No mais, ao professor cabe a função de "conselheiro"'
e> outras vezes, de instrutor-monitor à disposição do grupo.
111. Cf. Michel LOBROT, Pedagogia institucional, La escuela hacia la autogestion. Em nenhum momento esses papéis do professor se confun-

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portanto, indissociáveis das realidades sociais. A valorização
dem com o de "modelo", pois a pedagogia libertária recusa da escola como instrumento de apropriação do saber é o
qualquer forma de poder ou autoridade.
melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que
Pressupostos de aprendizagem — As formas burocráticas a própria escola pode contribuir para eliminar a seletivi-
das instituições existentes, por seu traço de impessoalidade, dade social e torná-la democrática. Se a escola é parte inte-
comprometem o crescimento pessoal. A ênfase na aprendi- grante do todo social, agir dentro dela é também agir no
zagem informal, via grupo, e a negação de toda forma de rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma
repressão visam favorecer o desenvolvimento de pessoas pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes his-
mais livres. A motivação está, portanto, no interesse em tórico-sociais, a função da pedagogia "dos conteúdos" é dar
crescer dentro da vivência grupai, pois supõe-se que o grupo um passo à frente no papel transformador da escola, mas a
devolva a cada um de seus membros a satisfação de suas partir das condições existentes. Assim, a condição para que a
aspirações e necessidades. escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um
Somente o vivido, o experimentado é incorporado e uti- bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares
lizável em situações novas. Assim, o critério de relevância básicos que tenham ressonância na vida dos alunos. Enten-
do saber sistematizado é seu possível uso prático. Por isso dida nesse sentido, a educação é "uma atividade mediadora
mesmo, não faz sentido qualquer tentativa de avaliação da no seio da prática social global", ou seja, uma das media-
aprendizagem, ao menos em termos de conteúdo. ções pela qual o aluno, pela intervenção do professor e por
sua própria participação ativa, passa de uma experiência
Outras tendências pedagógicas correlatas — A pedago- inicialmente confusa e fragmentada (sincrética), a uma visão
gia libertária abrange quase todas as tendências antiautori- sintética, mais organizada e unificada.132
tãrias em educação, entre elas, a anarquista, a psicanalista,
Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação
a dos sociólogos, e também a dos professores progressistas.
do aluno para o mundo adulto e suas contradições, forne-
Embora Neill e Rogers não possam ser considerados progres-
sistas (conforme entendemos aqui), não deixam de influen- cendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteú-
ciar alguns libertários, como Lobrot. Entre os estrangeiros dos e da socialização, para uma participação organizada e
devemos citar Vasquez e Oury entre os mais recentes, Ferrer ativa na democratização da sociedade.
y Guardiã entre os mais antigos. Particularmente significa- Conteúdos de ensino — São os conteúdos culturais uni-
tivo é o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado versais que se constituíram em domínios de conhecimento
entre nós, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu relativamente autônomos, incorporados pela humanidade,
método12.1 mas permanentemente reavaliados face às realidades sociais.
Entre os estudiosos e divulgadores da tendência libertá- Embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores
ria pode-se citar Maurício Tragtemberg, apesar da tônica de ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente
seus trabalhos não ser propriamente pedagógica, mas de crí- reinventados, eles não são fechados e refretários às realidades
tica das instituições em favor de ura projeto autogestionário. sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados,
Em termos propriamente pedagógicos, inclusive com propos- ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma
tas efetivas de ação escolar, citamos Miguel Gonzales Arroyo. indissociável, à sua significação humana e social.
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não es-
3. Tendência progressista "crítico-social dos conteúdos" tabelece oposição entre cultura erudita e cultura popular, ou
Papel da escola — A difusão de conteúdos é a tarefa
primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, 2 13. Cf. Dermeval SÂVTANI, Educação: do senso comum à. cons-
ciência filosófica, p. 120; Guiomar K de MELLO, Magistério de 1º
1 12. Cf, a esse respeito, G. SNYDERS, Para onde vâo as peda- grau..., p. 24, Carlos R. j. CURY, Educação e contradição; elemen-
gogias não-diretivas? tos..., p. 75.

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FALTAM AS
PÁGINAS
40 E 41
meio. Não são suficientes o amor, a aceitação, para que os vista ( . . . ) "a democratização da sociedade brasileira, o aten-
filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, dimento aos interesses das camadas populares, a transfor-
de progredir; é necessária a intervenção do professor para mação estrutural da sociedade brasileira".141
levar o aluno a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais
Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a
longe, a prolongar a experiência vivida.
experiência pioneira, mas mais remota, do educador e escritor
Pressupostos de aprendizagem — Por um esforço pró- russo, Makarenko. Entre os autores atuais citamos B. Char-
prio, o aluno se reconhece nos conteúdos e modelos sociais lot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial, G, Sny-
apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua pró- ders, além dos autores brasileiros que vêm desenvolvendo
pria experiência. O conhecimento novo se apoia numa estru- investigações relevantes, destacando-se Dermeval Saviani.
tura cognitiva já existente, ou o professor prove a estrutura Representam também as propostas aqui apresentadas os
de que o aluno ainda não dispõe. O grau de envolvimento na inúmeros professores da rede escolar pública que se ocupam,
aprendizagem depende tanto da prontidão e disposição do competentemente, de uma pedagogia de conteúdos articulada
aluno, quanto do professor e do contexto da sala de aula. com. a adoção de métodos que garantam a participação do
aluno que, muitas vezes sem saber, avançam na democrati-
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, zação efetiva do ensino para as camadas populares.
é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar
com os estímulos do ambiente, organizando os dados dispo-
níveis da experiência. Em conseqüência, admite-se o princí- 4. Em favor da pedagogia crítieo-social dos conteúdos
pio da aprendizagem significativa que supõe, como passo
inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor pre- Haverá sempre objeções de que estas considerações le-
cisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, vam a posturas antidemocráticas, ao autoritarismo, à cen-
o aluno precisa compreender o que o professor procura di- tralização no papel do professor e à submissão do aluno.
zer-lhes. A transferência da aprendizagem se dá a partir do
momento da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão Mas o que será mais democrático: excluir toda forma de
parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unifi- direção, deixar tudo à livre expressão, criar um clima amigá-
cadora. vel para alimentar boas relações, ou garantir aos alunos a
aquisição de conteúdos, a análise de modelos sociais que vão
Resulta com clareia que o trabalho escolar precisa ser lhes fornecer instrumentos para lutar por seus direitos? Não
avaliado, não como julgamento definitivo e dogmático do serão as relações democráticas no estilo não-diretivo uma
professor, mas como uma comprovação para o aluno do seu forma sutil de adestramento, que levaria a reivindicações
progresso em direção a noções mais sistematizadas. sem conteúdo? Representam as relações não-diretivas as
reais condições do mundo social adulto? Seriam capazes de
Manifestações na prática escolar — O esforço de elabo
promover a efetiva libertação do homem da sua condição de
ração de uma pedagogia "dos conteúdos" está em propor mo-
dominado?
delos de ensino voltados para a interação conteúdos-realida-
des sociais; portanto, visando avançar em termos de uma arti Um ponto de vista realista da relação pedagógica não re :
cuíação do político e do pedagógico, aquele como extensão cusa a autoridade pedagógica expressa na sua função de en-
deste ou seja, a educação "a serviço da transformação das sinar;Mas não se deve confundir autoridade com autorita-
relações de produção". Ainda que a curto prazo se espere rismo. Este se manifesta no receio do professor em ver sua
do professor maior conhecimento dos conteúdos de sua ma- autoridade ameaçada; na falta de consideração para com o
téria e o domínio de formas de transmissão, a fim de garan- aluno ou na imposição do medo como forma de tornar mais
tir maior competência técnica, sua contribuição "será tanto cômodo e menos estafante o ato de ensinar.
mais eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vín-
culos de sua prática com a prática social global", tendo em
114. Dermeval SAVIANI, Escola a Democracia, p. 83.

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Além do mais, são incongruentes as dicotomias, tão di-
fundidas por muitos educadores, entre "professor-policial" e
"proíessor-povo", entre métodos diretivos e não-diretivos,
entre ensino centrado no professor e ensino centrado no es-
tudante. Ao adotar tais dicotomias, amortece-se a presença do
professor como mediador pelos conteúdos que explicita,
como se eles fossem sempre imposições dogmáticas e que
nada trouxessem de novo.
Evidentemente que, ao se advogar a intervenção do pro- fessor,
não se está concluindo pela negação da relação pro-
fessor-aluno. A relação pedagógica é uma relação com um
grupo e o clima do grupo é essencial na pedagogia. Nesse
sentido, são bem-vindas as considerações formuladas pela
"dinâmica de grupo", que ensinam o professor a relacionar-se
com a classe; a perceber os conflitos; a saber que está li-
dando com uma coletividade e não com indivíduos isolados,
a adquirir a confiança dos alunos. Entretanto, mais do que
restringir-se ao malfadado "trabalho em grupo", ou cair na
ilusão da igualdade professor-aluno, trata-se de encarar o
grupo-classe como uma coletividade onde são' trabalhadosmodelos
de interação como a ajuda mútua, o respeito aos
outros, os esforços coletivos, a autonomia nas decisões, a
riqueza da vida em comum, e ir ampliando progressiva-
mente essa noção (de coletividade) para a. escola, a cidade,
a sociedade toda.
Por fim, situar o ensino centrado no professor e o en-
sino centrado no aluno em extremos opostos é quase negar
a relação pedagógica porque não há um aluno, ou grupo de
alunos, aprendendo sozinho, nem um professor ensinando
para as paredes. Há um confronto do aluno entre sua cul-
tura e a herança cultural da humanidade, entre seu modo de
viver e os modelos sociais desejáveis para um projeto novo
de sociedade. E há um professor que intervém, não para se
opor aos desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia
do aluno, mas para ajudá-lo a ultrapassar suas necessidades
e criar outras, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no seu
esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudá-lo a com-
preender as realidades sociais e sua própria experiência.

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