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Lucas 18.9-14; Salmos 9.10; Salmo 32.9; 1 Coríntios 2.16; Filipenses 4.4; 1 Pedro 1.8; Lucas 24.32; Judas 1.3;
Mateus 7.6-9.
INTRODUÇÃO
I- ZELO E HUMILDADE
“Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e
desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro,
publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não
sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas
vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem
ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que
este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se
humilha será exaltado”. (Lucas 18.9-14).
A parábola proposta por Cristo é importante para nos ensinar, dentre outras coisas,
sobre o zelo religioso e a humildade.
Duas pessoas entraram no templo para orar, um fariseu e um publicano. Os fariseus
se achavam superiores em sua espiritualidade por causa de suas obras, seu zelo. Seu
sistema religioso era reconhecido como o mais severo entre as facções judaicas. Assim, era
comum um fariseu confiar em seu rigor na observância das leis e se considerar justo por
causa de tais obras, em detrimento da graça divina.
A oração do fariseu ilustra isso, foi completamente arrogante e egocêntrica. Ela se
parecia mais com um pronunciamento de virtudes próprias do que um clamor pela dádiva
de Deus! “O fariseu usava a oração como forma de obter reconhecimento público, não como
exercício espiritual para glorificar a Deus”1. Na primeira parte, o fariseu esnoba os homens
pecadores; pois, segundo ele, não comedia os pecados de roubo, adultério, etc, como os
outros. Parece que ele não se reconhecia pecador. Era alguém superior à humanidade, pois
o salmista já dizia: “Todos se extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça
o bem, não há nem sequer um”. (Salmo 53.3). Na segunda parte ficou pior ainda, ele abriu
um leque de suas práticas religiosas tais como jejuar e dar o dízimo. Sua segurança estava
em não se parecer como os outros e em praticar alguns rituais religiosos. Na oração não
houve exaltação a Deus. Esse tipo de oração foi bem caracterizada no início: “O fariseu (...)
orava de si para si mesmo”. Tal oração, segundo se depreende do texto, não foi bem-sucedida.
1WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. volume I. Santo André – SP:
Geográfica Editora, 2006. p. 323.
O fariseu não alcançou a propiciação com tal atitude. “O orgulho do fariseu condenou-o, mas
a fé humilde do publicano o salvou”2. J. C. Ryle fez uma excelente análise dessa oração.
A oração do fariseu destaca um grande defeito, tão notável que mesmo uma criança
poderia identifica-lo. Sua oração não demonstrava qualquer senso de pecado ou de
necessidade. Não continha nenhuma confissão, súplica, reconhecimento de culpa e
insignificância, nenhum pedido de misericórdia e graça. Foi apenas uma recitação
orgulhosa de supostos méritos, acompanhada por uma perversa reflexão sobre um
irmão pecador. Foi uma afirmação soberba e presunçosa, destituída de arrependimento,
humildade e amor. Em resumo, dificilmente poderia ser chamada de oração3.
Por outro lado, o publicano, que fazia parte de uma classe de pessoas execradas no
meio religioso judaico (pois eram cobradores de impostos a serviço de Roma), fez uma prece
humilde, sincera e clamando ao Senhor por sua misericórdia. Ele não confiou em si mesmo,
mas pediu àquele que podia salvá-lo. Não tinha obras para mostrar. Não “ousava” nem olhar
para o céu tamanha era sua vergonha diante do Senhor. Isso mostrou o reconhecimento de
sua pequenez, de que era pecador e carente de perdão. A oração do publicano foi aceita. Este
desceu do templo perdoado. A conclusão, dada por Cristo foi: “todo o que se exalta será
humilhado; mas o que se humilha será exaltado”.
Temos que tomar muito cuidado para não cometermos os mesmos erros mostrados
nessa parábola. O equilíbrio é saudável na vida cristã e, em relação ao zelo e humildade,
deve ser praticado. A polarização, em uma das opções, pode ser ruim e infrutífera.
Primeiramente, o zelo é importante para o cristão. Não devemos negar que é preciso
ter uma vida de obediência ao Senhor. É preciso guardar seus mandamentos, viver vida
santa. Não roubar, adulterar, mentir, dizer falso testemunho. Também, nenhum cristão será
contrário às responsabilidades religiosas, tais como ir à igreja, prestar culto ao Senhor, orar,
ofertar, ler e compreender as Escrituras, etc. Contudo, essas práticas da genuína vida cristã
não devem, de forma alguma, ser motivo de orgulho, de autossatisfação ou de menosprezo
ao próximo.
Apesar de termos sido chamados, de fato, para sermos sal da terra e luz do mundo,
isso não deve ser motivo para orgulho humano. Devemos tomar cuidado quanto a isso.
Nos arraiais evangélicos é comum a manifestação desse sentimento. Os mais “letrados”
digamos assim, menosprezam os mais simples. Se acham superiores por terem lido teologia,
grandes compêndios, entenderem do grego, do hebraico, etc. Tem a tendência de ser críticos
da cristandade e tentar impor seu sistema de religião. As denominações históricas, os
cristãos mais tradicionais comumente estão mais vulneráveis a tal postura. Por outro lado,
os cristãos carismáticos, as denominações ditas avivadas, igualmente podem cometer
orgulho religioso. Por vezes, se acham superiores por conta de suas experiências religiosas,
menosprezam os que supostamente seriam frios na fé. Acusam as igrejas de não terem “fogo”,
não serem avivadas. Os crentes que não manifestam alguns dons e virtudes espirituais são
considerados de “segunda classe”. Alguns até chilreiam: “Quem é aquele crente para falar
isso? Não é nem batizado com o E.S. ainda, não fala nem em línguas ainda!”.
Por outro lado, é evidente que devemos ser humildes, mas a humildade e simplicidade
não deve ser motivo para a negligência. Uma vez que conhecemos os caminhos do Senhor e
estamos sendo edificados por ele, não é salutar viver tranquilamente sem zelo por nossa
espiritualidade na vã confiança irresponsável de que simplesmente devemos pedir perdão
aos nossos pecados quando eles ocorrerem! A vida cristã não deve ser conivente com o
pecado. O apóstolo João já nos ensinou: “Filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não
pequeis”. (1 João 2.1).
Então, como lidar com tais questões? Devemos viver com zelo, honrando ao Senhor,
conhecendo a sua Palavra, praticando boas obras, fugindo da aparência do mal; mas, ao
mesmo tempo, ser humildes, não nutrindo uma religiosidade arrogante e orgulhosa. Não
2 Idem.
3 RYLE, J. C. Meditações no evangelho de Lucas. São José dos Campos-SP: Fiel, 2002. p. 290.
somos chamados a sair pelo mundo batendo no peito que somos melhores que os outros.
Não é essa a ideia cristã. Lembremos que se há alguma virtude em nós é exclusivamente
devido à graça de Deus. “Cristo em nós é a esperança da glória”.
“Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome, porque tu, SENHOR, não desamparas os que te buscam”.
(Salmos 9.10).
“Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de
outra sorte não te obedecem.” (Salmo 32.9).
“Nós, porém, temos a mente de Cristo”. (1 Coríntios 2.16).
“Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos”. (Filipenses 4.4).
“(...) no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória”. (1 Pedro 1.8).
“Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava e quando nos abria as
Escrituras?”. (Lucas 24.32).
Deus nos fez seres racionais. Nossa mente é uma dádiva do Senhor. A razão é o que
nos diferencia dos demais animais. É uma bênção e não deve ser menosprezada. “(...) A
Palavra de Deus ensina que a nossa razão é parte da imagem divina na qual Deus nos criou.
Ele é o Deus racional”4. “Deus fez o homem à sua própria imagem, e um dos aspectos mais
nobres da semelhança de Deus no homem é a capacidade de pensar”5.
Longe de pensarmos que a fé é um “pulo no escuro”, uma concepção irracional, temos
a certeza de que a mente está envolvida no entendimento e culto a Deus. A Bíblia não postula
uma oposição entre fé e razão. Pelo contrário, a fé está ligada diretamente à razão. Ao uso do
raciocínio, da mente.
No texto acima, temos que “os que confiam”, ou seja, aqueles que tem fé, são os que
“conhecem o teu nome”, ou seja, aqueles que tem conhecimento, informação, sabedoria
acerca de quem é Deus. A fé, portanto, está atrelada ao conhecimento.
Ademais, somos exortados nas Escrituras a fazer uso da razão. “Não sejais como o
cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de
outra sorte não te obedecem.” (Salmo 32.9). O conselho do salmista, ao contrário de parecer
um insulto, é um enlevo das condições intelectuais humanas. Temos condições de pensar,
compreender e corresponder ao nosso Deus diante disso. Para corroborar ainda mais com
esse pensamento, temos o que o apóstolo Paulo afirmou: “Nós, porém, temos a mente de
Cristo”. (1 Coríntios 2.16).
Contudo, é preciso manter o equilíbrio em relação ao intelectualismo para que ele não
desague num hiper-intelectualismo frio e seco. “Um hiperintelectualismo árido e sem vida,
uma preocupação exclusiva com ortodoxia não é cristianismo do Novo Testamento”6.
Se é um erro negar o intelecto no cristianismo, da mesma forma o é negar as emoções.
Somos seres completos e temos sentimentos e emoções que não podem simplesmente ser
negadas.
A Bíblia está cheia de referências às emoções. O apóstolo Paulo escreveu: “Alegrai-vos
sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos”. (Filipenses 4.4). Ou seja, a vida cristã não
deve ser triste e enfadonha. Pedro endossou basicamente a mesma mensagem: “(...) no qual,
não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória”. (1 Pedro 1.8).
“A verdade é que Deus nos fez criaturas, tanto emocionais, como racionais. Não somos
apenas mamíferos de sangue quente, mas seres humanos, capazes de sentimentos
profundos de amor e de ira, de compaixão e de temor”7.
Os discípulos de Emaús tiveram uma experiência formidável com o Senhor.
Caminharam ao lado do Cristo ressurreto, mas sem terem imediatamente discernimento
disso. Ouviram o Senhor falar com eles e lhes expor o evangelho. Qual o sentimento presente
na ocasião? Qual foi o relato dos discípulos? “Porventura não ardia em nós o nosso coração
“(...) senti a necessidade de vos escrever, exortando-vos a pelejar pela fé que de uma vez para sempre foi
entregue aos santos”. (Judas 1.3).
“Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com
os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim; mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são
preceitos de homens. Vós deixais o mandamento de Deus, e vos apegais à tradição dos homens. Disse-lhes
ainda: Bem sabeis rejeitar o mandamento de Deus, para guardardes a vossa tradição. (Marcos 7.6-9).
8
Ibidem.
9
Ibidem.
Pai, Filho e Espírito Santo. A salvação é somente em Jesus Cristo, por sua morte expiatória.
A salvação é pela graça e não por obras. Enfim, os princípios bíblicos são antigos e devem
ser preservados sem alterações. Stott afirmou: “Cada crente deveria ser conservador porque
toda igreja é chamada por Deus para conservar sua revelação, para ‘guardar o depósito’”10.
A tarefa da Igreja não é continuar inventando novos evangelhos, novas teologias, novas
moralidades e novos cristianismos, mas, antes, ser uma guardiã fiel do único Evangelho
eterno, pois a auto-revelação de Deus alcançou sua consumação no seu Filho Jesus
Cristo e no testemunho apostólico de Cristo, preservado no Novo Testamento. Isto não
pode ser alterado de forma alguma: É imutável em verdade e autoridade. (STOTT, 1995).
“Por certo, algumas tradições ajudam a lembrar nossa rica herança e servem de
‘cimento’ para unir as gerações, mas devemos estar sempre alertas para que a tradição não
tome o lugar da verdade”11.
Contudo, apesar da postura conservadora em alguns aspectos ser boa e necessária, o
cristão deve ficar de olho para não ser antiquado e obscurantista. Conservar coisas somente
pelo apego ao passado, pelo desejo de manter uma época pretérita, pode não ser salutar.
Alguns crentes extrapolam no conservadorismo. Além dos limites teológicos e
dogmáticos, eles são conservadores em quase todas as esferas da vida. Não querem, e
relutam, diante de mudanças, diante do novo.
Por outro lado, um cristão “progressista”, seria aquele avesso a qualquer tradição,
convenção ou instituição. Não aceitaria coisas do passado sem muita crítica e estaria
disposto sempre a reformas e revoluções. A estrutura contemporânea de arte, sons e
imagens; a tecnologia e todo aparato computacional causariam enorme fascínio e atração a
ele.
De certa forma, o cristão deve ser “progressista”. Jesus agiu contrário algumas
tradições judaicas equivocadas. Quebrou protocolos quando falava com mulheres. Mudou
convenções ao se relacionar com pecadores e tocar em leprosos. Permitiu que prostitutas lhe
tocassem e recebeu bem a crianças. “Jesus recusou-se a ser preso por costumes humanos:
sua mente e consciência estavam presas unicamente à Palavra de Deus”12.
Em especial, Jesus criticou a tradição dos anciãos por ser contrária à Palavra de Deus:
“Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este
povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim; mas em vão me
adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Vós deixais o mandamento de
Deus, e vos apegais à tradição dos homens. Disse-lhes ainda: Bem sabeis rejeitar o
mandamento de Deus, para guardardes a vossa tradição. (Mateus 7.6-9).
Desta forma, entendemos que nem toda tradição é legítima. E que, às vezes, a mudança
é inevitável. Mas, o equilíbrio é sempre importante.
A mudança não deve ocorrer simplesmente pelo afã de mudar. Igualmente, no contexto
da igreja a mudança deve estar amparada por princípios que não contradigam o evangelho.
Ultimamente temos visto mudanças, de certa forma radicais na igreja. As cores estão sendo
mudadas, de claras para escuras, pretas, supostamente para melhorar a visibilidade. Os
púlpitos, antes de madeira e firmes, representando a centralidade e firmeza da Palavra, estão
cedendo lugar à tambores de óleo remanufaturados. A arquitetura, antes caracteristicamente
religiosa, agora com aspecto neutro, ou mesmo sem relação com o sagrado; igrejas se
parecem verdadeiros shoppings. O antigo órgão desapareceu diante dos instrumentos
populares elétricos, de cordas e percussão. A mudança chegou e alcançou a muitos.
O que fazer diante dessa dupla realidade? Novamente a resposta não está em
radicalismos nem nos extremos, mas no equilíbrio. “Jesus foi uma combinação única do
conservador e do radical: conservador em relação às Escrituras, e radical no seu escrutínio
(seu escrutínio bíblico) de todas as outras coisas”13.
10 Ibidem.
11 WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. volume I. Santo André – SP:
Geográfica Editora, 2006. p. 173.
12 STOTT, John R. W. Cristianismo equilibrado. 3 ed. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 1995..
13 Idem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS