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Caio Macedo Rodrigues Aniceto Célia Maria Ladeira Mota Cida Golin
Dayane do Carmo Barretos Demétrio de Azeredo Soster Diego Gouveia
Diogo Azoubel Duílio Fabbri Júnior Edgard Patrício Fabiana Moraes
Fabiana Piccinin Fabiano Ormaneze Felipe Viero Kolinski Machado
Heitor Costa Lima da Rocha Jaqueline Frantz de Lara Gomes
Karolina de Almeida Calado Lorena Tárcia Geane Alzamora Luana Ciecelski
Luísa Rizzatti Marta Maia Maurício Guilherme Silva Jr. Mayara de Araújo
Mirian Redin de Quadros Monica Martinez Nathan Nguangu Kabuenge
Renira Gambarato Rodrigo Bartz Sergio E. S. Ferreira Junior
Thais Luciana Corrêa Braga Thiago Haas Carlotto Valéria de Castro Fonseca
Vânia Torres Costa Victor Lemes Cruzeiro
Marta Maia e Monica Martinez
Organizadoras
NARRATIVAS MIDIÁTICAS
CONTEMPORÂNEAS:
perspectivas metodológicas
editora
C
Copyright dos autores
N234 Narrativas midiáticas contemporâneas: perspectivas metodológicas [recurso
eletrônico] / Marta R. Maia e Monica Martinez, organizadoras – Santa Cruz do
Sul: Catarse, 2018.
340 p. : 21x29,7 cm
Texto eletrônico.
Modo de acesso: World Wide Web.
PREFÁCIO 8
6
No item I, “Narrativas, memória e temporalidades”, são apresentados
elementos polarizados entre o que Reinhart Koselleck (2006) define como as
categorias de “espaço de experiência” e as de “horizonte de expectativas”. No item
II, “Narrativas, subjetividades e rupturas”, aparecem questões que problematizam
o chamado jornalismo de referência e amplia os caminhos possíveis para o
processo de subjetivação nas narrativas atuais. Já o III, denominado “Narrativas
e contextualizações”, além de propor novas formas de análise das narrativas,
contextualizam as produções do campo. O item IV, “Narrativas convergentes”,
entrega para o leitor e para a leitora a potência das novas narrativas em voga,
além de mapear os movimentos das pesquisas específicas sobre metodologias.
Advertimos aos leitores e às leitoras que desejam simplesmente
textos acomodados que desistam da leitura. Garantimos, por outro lado, aos
atentos pesquisadores e pesquisadoras que anseiam por questões novas e
experimentações que não se arrependerão do acompanhamento das páginas a
seguir. Mais do que ler os capítulos e devolver a obra na estante da casa ou na
pasta do computador, no entanto, vivamente recomendamos que empreguem
as que julgarem adequadas para tensionar suas próprias pesquisas dentro do
contexto da revisão de literatura crítica que é um dos pilares do fazer científico.
O que faz nosso campo avançar não é o trabalho solitário do pesquisador de
narrativas, mas sim a aventura da descoberta coletiva, onde cada um contribui
com seu estudo. Para isso, temos certeza, trazemos aqui trabalhos autorais
consistentes e originais, lembrando assim o que nos diz o poeta Manoel de Barros:
“Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada
do ser que a revelou”.
As organizadoras,
Marta Maia e Monica Martinez
(em uma tarde ensolarada de domingo)
Referências
BARROS, Manoel de. Livro sobre Nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.
BRAGA, José Luiz. Dispositivos interacionais. In Anais do XX Encontro da
Compós, Porto Alegre, junho de 2011.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo: Editora WMF/Martins Fontes,
vol. 1, 2010.
7
prefácio
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Sob essa perspectiva, as mídias, de modo geral, e o jornalismo, em
particular – já que são também e cada vez mais campos produtores de saberes
sobre o mundo – se veem desafiados a ressignificar os seus modos de agir, o que
podemos também chamar de “gestos narrativos”. É exatamente por ser possível
produzir narrativas outras, vindas de lugares distintos que invariavelmente se
misturam, que se torna evidente o fato de que narrar é estar no mundo. Ricoeur
(2010) tece este modo de compreender a narrativa nas entrelinhas do seu
pensamento, na medida em que, naquilo que chama de “círculo hermenêutico”,
não descola a narrativa do que ele chama de “mundo do agir”. São as lógicas
de produção e os jogos de alteridade e poder que se encontram neste que é
também chamado de “mundo do autor”.
São essas lógicas e esses jogos que, invariavelmente, se apresentam no
gesto de narrar. E este livro nos mostra bem este percurso, quando nos coloca
frente a problemas tão pertinentes e ao mesmo tempo tão fudantes para as
mídias e suas narrativas. As memórias, as temporalidades, os contextos, as
convergências, as rupturas e os processos de subjetivação inevitavelmente
entrelaçam fios (que são sim narrativos) não mais passíveis de serem mantidos
distantes dos olhos dos sujeitos que os tecem e/ou os leem. Assim é que a
indagação acerca dos modos de narrar se torna crucial. Pois, também como há
muito já nos dizia Barthes (2001), inumeráveis são as narrativas do mundo.
Da mesma forma, a entrada da narrativa como um problema no campo
de estudos das mídias e do jornalismo pode sempre ser entendida também
à luz dos avanços tecnológicos produzidos pelas sociedades contemporâneas,
particularmente essas que temos construído desde meados do século passado.
Em outras palavras, a variedade e a disseminação dos recursos tecnológicos,
aos quais, ainda que de forma assimétrica, passamos a ter acesso, fez com que
nós, pesquisadores deste campo, nos voltássemos às suas produções com olhos
atentos às pulverizações e às polarizações próprias de um cenário midiático
regido pelas convergências e pelas ubiquidades.
Nesse sentido, o desafio que este cenário impõe é estritamente ligado à
ideia de que narrar no mundo implica o reconhecimento da demanda por fazer
uso de outros instrumentos de análise e métodos que nos tornem aptos a criticar
e interpretar os gestos narrativos. Se muitos podem falar através de vários
lugares que a nós se apresentam, muitas vezes, de forma concomitante, quem
fala se torna uma pergunta crucial, pois é este o percurso que também nos fará
indagar acerca das legitimidades e dos poderes, dos artifícios de exclusão e das
estratégias de produção de autoritarismos.
Se tomarmos o jornalismo como exemplo, é no bojo deste cenário que
passamos a ter de pensar e discutir o lugar do jornalista, que antes se via
confortável no gesto simplório de recuar, ou de fingir estar ausente, no ato
próprio de narrar. Neste caso, o que vem à tona, como retórica e estratégia, é
a imparcialidade e a objetividade. E é com essas estratégias discursivas que
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nos deparamos, por exemplo, quando aprendemos que quem narra pode até
criar modos, narrativos, para fingir que não está no mundo que narra, mas à
luz do cenário midiático contemporâneo, agora sabemos todos, sua presença é
incontestável. E mais ainda, sua presença inventada como ausência se traveste,
muitas vezes e muito particularmente no jornalismo, de autoritarismos e, sim,
parcialidades. Um exemplo de como temos enfrentado parte do desafio que este
dilema nos impõe é a emergência da problemática do testemunho – também
presente neste livro –, na complexidade que ela hoje nos chega enquanto questão
no campo de estudos do jornalismo.
No reconhecimento da premissa, a meu ver emancipadora, de que narrar
no mundo é o nosso atual desafio, as perguntas sobre os modos de narrar e as
indagações acerca de quem narra seriam fortuitas caso não as estendêssemos
à ideia própria de Ricoeur de que narramos tanto o mundo que lemos quanto o
que vivemos. É neste círculo hermenêutico complexo, que nunca é tautológico,
como nos diz o filósofo, que passamos a ter que buscar saber que mundo é
este narrado pelas mídias e pelo jornalismo. A questão assim se coloca da
seguinte maneira: regidas pela ideia sustentada pela lógica moderna legitimada,
as narrativas do mundo, particularmente as devedoras de uma referência à
realidade dos fatos – a histórica e a jornalística, por exemplo –, resguardam-
se no princípio da transparência. Nesta lógica, os documentos, ou os próprios
acontecimentos do passado ou do presente, seriam hipoteticamente revelados
na própria narrativa. Em outras palavras, o mundo do passado ou do presente
nos seria dado da forma mais limpa e clara possível.
O cenário midiático contemporâneo joga por terra este ingênuo pressuposto.
O mundo que nos chega, através das narrativas, é o mundo inventado – e
esta palavra aqui não tem nenhuma relação com a ideia de “mentira” – por
quem narra. Assim, perguntar que mundo é este que acessamos, na lógica
comprometida com o gesto de narrar no mundo, é saber, por princípio, que
as narrativas inventam geografias (RESENDE, 2014); um processo através do
qual territórios são produzidos, criados e legitimados. Sejam territórios-corpo,
territórios-cidade, territórios-cor, territórios-religião, ou os muitos outros que
acessamos nas narrativas que lemos, o que ali se encena e legitima, muitas
vezes, é uma geografia do poder. Nesse sentido, é contra os binarismos, as
estereotipias e os autoritarismos inscritos nessas narrativas que também lutamos
quando nos inquietamos e duvidamos acerca dos mundos que nos chegam
através dos jornais e dos tantos outros aparatos midiáticos.
Que a narrativa esteja agora presente no campo de estudos das mídias e
do jornalismo é, portanto, um fato que nos implica a todos, na medida em que
somos todos partes fundamentais no processo de construção do mundo que
vivemos. Este livro nos chama atenção para os relevos da cidade que a narrativa
constrói, para a problemática das subjetivações no escopo dos enquadramentos
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da narrativa jornalística, ativa a ideia da memória como método de trabalho e
pesquisa, fazendo-nos particularmente atentos à escrita e aos que a produzem.
É isso que a narrativa requer de nós, olhos e ouvidos atentos às vozes e aos
sentidos que nos falam também do inefável que habita o mundo que vivemos.
Desta forma, ao cumprir a função de nos chamar a todos para estarmos
ativos e atentos ao processo de consolidação dos estudos da narrativa no campo
das mídias, este livro também nos diz que o tempo que hoje experimentamos
não é somente o tempo das convergências. Ele é, antes de tudo – e é aí que
está a sua força –, um enredamento de muitas espacialidades e temporalidades
dissonantes e em constante estado de confronto. Enfrentar a narrativa como um
problema é saber desta dimensão complexa, pois é também nela que as lutas
são travadas. Por esta razão, do meu ponto de vista, os estudos da narrativa –
do qual este livro agora é cúmplice –, quando afetados pelos desafios que nos
são postos pelo ato de narrar no mundo, evocam um gesto político e estético de
fundamental importância para o avanço das nossas pesquisas nos campos da
comunicação e do jornalismo.
Referências
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I
Narrativas,
memória
e temporalidades
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O relevo da cidade construído nos gestos
memorativos do jornalismo de suplementos:
O caso de Cultura de Zero Hora1
Cida Golin
Luísa Rizzatti
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Procedimentos metodológicos
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5 Os dados obtidos na panorâmica editorial do caderno Cultura de Zero Hora entre 2006 e 2009, a
partir do cadastro de 208 edições, totalizaram 1.413 textos lidos e indexados em um banco de dados
especialmente criado para a pesquisa. Corroboram resultados alcançados por Keller (2013) na leitura
de 422 textos publicados nas 52 edições de 2010. Somadas as duas pesquisas tivemos uma leitura de
cinco anos da publicação (2006 – 2010).
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Um breve percurso pelas chamadas de cada uma das edições aponta para
outra moldura em que estas narrativas são enquadradas sob o ponto de vista da
distinção e da trajetória superlativa e singular – “invenções de um padre genial”,
“mestre do cartum”, “pioneiro da escultura moderna gaúcha”, “escritor que
fundou a literatura pop”, “a voz do Brasil”, “erudito ímpar”, “maior dramaturgo
gaúcho vivo”, “um dos maiores pensadores da língua portuguesa”. Olhando em
conjunto, as chamadas mobilizam a atenção do leitor para aquilo que é único,
criando expectativa em relação a cada singularidade, narrativas que apontam
sempre o raro, mas que se repetem como enquadramento.
Dois terços dos personagens (24) têm uma relação direta com Porto Alegre,
reverberando a normativa hiperlocalista do jornal estudado. A capital aparece
como território construído em que cada um deixou um trajeto singular, trajeto
este enfatizado pelo esforço editorial de lembrança. Percebemos também,
no conjunto das narrativas, algo que Pollak (1989) sublinhou na recolha de
histórias de vida, isto é, certo alisamento dos conflitos e tensões que possam ter
havido no percurso dos sujeitos. Há uma tentativa de ordenação cronológica,
certa coerência entre acontecimentos-chave, organizando uma dimensão que é
da ordem da ilusão biográfica.
As narrativas, inseridas no protocolo editorial comemorativo, mesmo
quando se trata de anúncios de morte, buscam enquadrar cada história
naquilo que ela ilumina do presente. Pelos tipos de mortes relatadas na
amostra, percebe-se a morte como uma espécie de vida que prolonga, de
um modo ou de outro, a vida individual (e aqui entra em ação o rememorar
cíclico dos aniversários), ou seja, o reconhecimento de uma individualidade
(MORIN, 1997). Após este relevo de base, seguimos ampliando determinadas
espacialidades recorrentes de nossa amostra.
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configura biografias que, seguindo Harvey (2003), podem ser tomadas como
trilhas de vida no tempo e no espaço.
Segundo Pesavento (2004), haveria na urbe entendida como palimpsesto
uma espécie de reservatório, matriz de outros textos e imagens que, superpostos
e camuflados, se desvelariam a partir da atitude hermenêutica do pesquisador.
Esse exercício específico de sistematização das espacialidades projetadas
pelos gestos memorativos de um suplemento cultural sugeriu algumas pistas
amplificadas sobre o movimento que o jornalismo produz quando constrói e
reconstrói, junto a outras instituições, as imagens das personalidades a serem
lembradas em uma cidade, ao mesmo tempo em que a simboliza na evocação
de determinados lugares. Os lugares geográficos, como pondera Oliveira Júnior
(2014), são produtos narrativos que se constituem tanto de sua dimensão física
e social como dos discursos e falas que se dobram sobre eles.
A cidade é um tecido concreto e vivo em permanente construção, e o
jornalismo a habita produzindo sempre relações de tempo e espaço. Se toda a
relação espacial é também uma relação de poder – e aqui relembramos a pergunta
anterior sobre a configuração do poder na cidade –, o suplemento constrói um
espaço que chancela e ratifica o prestígio e a singularidade, identificando entre
tantos vultos aqueles que se reatualizam quanto mais se deslocam no tempo,
ancorados em datas. Verificamos que a maioria das narrativas configurou
biografias exemplares de quem já havia conquistado autoridade em vida e no
campo cultural.
Mesmo conduzida por autores distintos sobre diferentes personagens, há
uma série de paralelismos nestas trilhas de vida que apontam para a topografia
da distinção construída em torno da cidade. Não é à toa que um suplemento
estruturado editorialmente na expertise faça do prestígio do saber a sua
principal mirada. A geografia temporal comum às biografias analisadas ratifica
instituições canônicas de leitura e transmissão do século XX (a aula, a escola,
a universidade, o jornalismo) e personifica a cidade por meio da singularidade
dos lugares, especialmente daqueles atravessados pelo recolhimento e afeto
como a casa, a rua e o bairro. As cidades aparecem como pontos luminosos das
trajetórias, sendo atravessadas pelos processos de espelhamento entre si e pelos
deslocamentos dos sujeitos.
Por meio de um jornalismo cerimonioso, ritmado pelo ciclo de efemérides
e pelo sucessivo ato de prestar tributos aos mortos, o suplemento participa
da mediação dos vínculos de pertencimento de um sujeito a um lugar e vice-
versa. Ao funcionar pedagogicamente como um gestor de legados, a publicação
convoca a temporalidade mais lenta do texto de especialistas, devolvendo ao
leitor algum sentido temporal de permanência (HARVEY, 2003).
Dentro das múltiplas possibilidades de um mundo prefigurado, o suplemento
configura a trama de poder das histórias destinadas a serem contadas,
constituindo uma galeria de personagens representativos de uma cidade. Esta
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Referências
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Análise das narrativas sobre a ditadura no jornal
Estado de Minas: memória e acontecimento 1
Marta R. Maia
Caio M. Rodrigues Aniceto
Introdução
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seu centro” (p. 45, tradução nossa). A terceira diz que ideias iniciais e recentes
sobre estudos da memória foram uniformemente negligentes ao não articularem
o papel mnemônico cada vez mais central do jornalismo.
Em um recorte metodológico primário, foram divididas as produções
jornalísticas por editorias. De cada uma foi considerada sua materialidade
narrativa e significância social e política, já que se considerou desde o princípio
“que narrativas e narrações são forma de exercício de poder e de hegemonia
nos distintos lugares e situações de comunicação. (...) Todos realizam ações
e performances socioculturais, não são só relatos representativos” (MOTTA,
2005, p. 3). Os veículos jornalísticos assumem então seu papel no processo
de reconfiguração do passado por diversos eixos. Pollak (1989) ressalta a
importância da história oral na emergência de memórias submersas ao analisar
os excluídos, os marginalizados e as minorias, opondo-se à chamada “memória
oficial”. Por intermédio da valorização da fonte testemunhal, por exemplo, o que
foi possível de ser verificado pelos testemunhos agenciados pelas Comissões da
Verdade, o jornalismo inseriu-se nesta disputa de sentido cuja arena simbólica é a
memória impressa por uma cultura de Estado versus a memória clandestina que
surge da “irrupção de ressentimentos acumulados no tempo e de uma memória
da dominação e de sofrimentos que jamais puderam se exprimir publicamente”
(POLLAK, 1989, p. 5). A produção de sentidos, capitaneada pelas mídias e
acionada pela justiça de transição no Brasil, irá gerar a própria memória coletiva
no espaço público nacional.
Anna Reading (2014) nota o papel já há muito consolidado da mídia
como transmissora da história enquanto ela se desenrola. Os jornalistas teriam
desempenhado desde sempre um papel crítico no que tange à moldagem
tanto da lembrança pública como de seu esquecimento. Graças ao advento da
digitalização, o jornalismo tornou-se um componente ainda mais importante na
formação da memória coletiva. Disponibilizam-se online, por exemplo, jornais
que anteriormente só podiam ser acessados através de grandes livrarias ou
arquivos, que hoje não se limitam mais por seu espaço, estrutura e até mesmo
resiliência físicas, como foi o caso do presente trabalho, que se valeu de arquivos
dispostos pela versão digital do Estado de Minas. Neste processo, torna-se ainda
mais visível a importância do que a autora denomina “testemunho midiático” - a
maneira imediata pela qual jornalistas presenciam e relatam acontecimentos.
Segundo a autora, muitos estudiosos observaram como a globalização e a
digitalização estão alterando as vias de intersecção articuladas entre memória
e mídia. Desta forma, “a prática jornalística em relação à memória precisa
ser compreendida como remodelada dentro de uma ecologia midiática que é
digitalizada e globalizada desigualmente, e que nós podemos denominar ‘campo
de memória globital’” (READING, 2014 p. 166, tradução nossa).
Zelizer e Tenenboim-Weinblatt (2014) enxergam uma ausência do jornalismo
em relação aos parâmetros institucionais associados à forma como a memória
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os sujeitos: “Eles fazem pensar, suscitam sentidos, e fazem agir (...) E tais
ocorrências curto-circuitam o tempo linear; ocorrendo no nosso presente, eles
convocam um passado e re-posicionam o futuro (2012, p. 14).
Queré (2012) ainda argumenta que o acontecimento, além da instância
existencial, também é experimentado como uma configuração do discurso.
Dessa forma, as matérias publicadas no jornal são configuradas pelas narrativas
jornalísticas em estreita relação com a questão temporal. De todo modo, torna-
se importante frisar que antes de instituído discursivamente, os acontecimentos
representam um fenômeno. A partir das noções apresentadas por Louis Queré,
Vera França (2012) explica que as dimensões do acontecimento podem ser
delineadas como “primeira vida” – associada ao âmbito existencial -, e a “segunda
vida”, que é o “acontecimento tornado narrativa, tornado um objeto simbólico”
(p. 14). E é nessa perspectiva que trabalharemos a análise do material coletado.
Desdobramentos
Ao longo de doze meses, toda e qualquer matéria que tenho feito referência
ao período ditatorial ou seus personagens foi arquivada. O resultado final
compreendeu 72 notícias que compuseram o corpus de análise.3 Notou-se que,
das 72 notícias, a ampla maioria compunha a editoria de Política (40 matérias),
seguida pelos cadernos de Cultura (13 matérias), Pensar (7 matérias), Opinião
(4 matérias), Editorial (2), Internacional (2), Economia, Nacional, Gerais e
Especial (as últimas com 1 matéria cada).
Digno de nota, no entanto, é que apesar da maioria das matérias estarem
localizadas na editoria de Política, sua constância é irregular: há uma média de
quatro matérias publicadas por mês entre janeiro e março de 2016, mas durante
o mês de abril existe um aumento de mais de três vezes em relação à média:
foram 16 notícias publicadas que fizeram algum tipo de referência ao período
ditatorial. Situação que volta a se repetir quando da votação do impeachment
pelo Senado em agosto; são 7 matérias só nesse mês.
Este pico exponencial deve-se ao discurso proferido pelo deputado Jair
Bolsonaro no dia 17 de abril, durante a votação no Congresso que decidiu pelo
afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff:
3 Os produtos, com os títulos, datas e posições dentro do jornal, seriam dispostos em tabelas anexadas
ao final do trabalho, entretanto, por falta de espaço, as matérias não foram dispostas nesse capítulo,
sendo citadas somente algumas delas. De todo modo, todas as matérias estão registradas no Relatório
de pesquisa enviado ao CNPq, em dezembro de 2016.
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Logo abaixo, outro leitor identificado também somente pelo primeiro nome
“Full”, estabelece o contraste: “não se combate violência elegendo figuras
esdrúxulas como este Bolsonaro. Existem medidas mais efetivas, inteligentes
e democráticas de se combater a violência sem termos que apelar para a
ignorância. Bolsonaro é uma figura a ser extirpada da vida política deste país”.
O recurso utilizado pelo Estado de Minas é o de deixar a opinião para
terceiros, isentando-se dessa forma de um distanciamento da suposta ideia de
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Considerações finais
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Referências
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Fios narrativos da notícia:
uma perspectiva metodológica
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espera (como é o caso para o que diz respeito aos trabalhadores rurais);
outras ‘malhas’ serão provisoriamente largadas, ‘malhas’ serão perdidas;
e, finalmente, ao longo da prática discursiva populista de 1º de maio,
outras ‘malhas’ serão acrescentadas. (LIMA, 1990, p. 118)
Admitindo-se que os textos são tecidos, malhas que podem ser mais
bem vistas sob o reflexo da luz, buscar as malhas e as tramas nodais
fundamentais, os fios de montagem, as malhas básicas que sustentam
as narrativas expressivas do conhecimento humano, assim como outras
malhas, tecidos visíveis nos textos e nas práticas culturais que, embora não
sendo preponderantes, exercem papéis fundamentais para a compreensão
do discurso. Exemplo disso são as malhas de fio de espera, malhas
provisoriamente largadas, malhas perdidas e malhas acrescentadas. É o
momento da busca do já dito, do já visto, do já ouvido e que travará uma
relação expressiva e significativa com as coisas dizíveis, com as coisas
que ainda vão acontecer. (PORTO, 2010, p.30-31).
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Conclusão
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Referências
BARTHES, Roland (et al.). Análise estrutural da narrativa. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011.
BREMOND, Claude. A lógica dos possíveis narrativos IN: BARTHES, Roland (et
al.). Análise estrutural da narrativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
FONSECA, Valéria de Castro. Fios de O substrato da corrupção pela análise
narrativa. IN: MOTA, C. L., MOTTA, L. G. e CUNHA, M. J. (orgs.). Narrativas
Midiáticas. Florianópolis: Insular, 2012.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da
comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
GADAMER, G. e FRUCHON, P. (org.). O problema da Consciência Histórica. Rio
de Janeiro: FGV Editora, 2006.
JAMESON, Fredric. O Inconsciente político. São Paulo: Ática, 1992.
LEVI-STRAUSS, Claude. ‘A Estrutura e a Forma: reflexões sobre uma obra
de Vladimir Propp’ IN: PROPP, Vladimir Iakovlevitch. Morfologia do Conto
Maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
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Do passado ao presente pelo fio da memória:
por uma abordagem semântico-discursiva de perfis
Fabiano Ormaneze
O campo das práticas [do Jornalismo] não é alheio a essa interação com a
História, desde seu próprio âmbito. Ou seja, não são apenas os historiadores
que recorrem a jornais para elaborar suas narrativas (e jornalistas que utilizam
o conhecimento histórico), mas os jornalistas têm, por vezes, papel importante
e ao mesmo tempo polêmico na elaboração da chamada “história imediata”.
(ROMANCINI, 2007, p. 24).
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reflexão semântico-discursiva.
Parte de uma pesquisa maior de doutorado centrada na análise de duas
antologias que compilam perfis publicados pela revista piauí2, esse percurso
metodológico é ilustrado aqui pela análise de trechos do corpus, focando-se,
principalmente, nos aspectos relacionados à presença de trechos descritivos e
nos títulos dados aos perfis. Por perfil, entende-se um texto jornalístico, que se
justifica pelos critérios de noticiabilidade, centrando-se em retratar um indivíduo,
que se torna, ao mesmo tempo, foco e protagonista da pauta concretizada3.
No perfil jornalístico, um sujeito é retratado por meio de signos verbais
ou pela combinação de palavras e outros tipos de signos, no caso de obras
audiovisuais. Como diz Maia (2013, p. 176), trata-se de uma “composição
textual do sujeito”, em que a não cronologia, a liberdade estético-estilística e
a variedade de recursos narrativos, em geral, fazem-se presentes. Acreditamos
que, se há palavra, assim como qualquer signo, deve haver aí um espaço para
a reflexão sobre o sentido e, por isso, levamos em consideração as questões da
narrativa jornalística a partir da Análise de Discurso (AD), em diálogo com a
Semântica do Acontecimento (GUIMARÃES, 2002).
A análise da narrativa jornalística avança em qualidade quando, à
perspectiva dos elementos formais, do conteúdo e das rotinas de produção,
associam-se questões relativas à produção de sentidos, à ideologia e à memória,
compreendendo o discurso como constituído historicamente, resultado de uma
série de outras formulações, que, com dominância de umas sobre as outras,
circulam socialmente, o chamado interdiscurso (PÊCHEUX, [1975] 2010).
A AD, surgida na França no final dos anos 1960, pelo trabalho de Michel
Pêcheux, concebe o discurso como só existente na relação entre os sujeitos,
determinados pela ideologia4 e pela história. A abordagem discursiva baseia-
se na não literalidade, entendendo a língua como um sistema que organiza
sentidos possíveis e não possíveis, a partir do momento histórico e dos sujeitos
que participam da enunciação. A Semântica do Acontecimento, por sua vez,
dialoga com a AD, ao entender que “o enunciado tem como suporte um dizível
historicamente constituído” (GUIMARÃES, 2002, p. 8). A enunciação é tomada,
então, como “um acontecimento no qual se dá a relação do sujeito com a língua”
(GUIMARÃES, 2002, p. 8).
2 A revista piauí (cujo nome é grafado oficialmente em letras minúsculas) surgiu em 2006, criada pelo
jornalista e documentarista João Moreira Salles. Inspirada editorial e graficamente na estadunidense The
New Yorker, tem periodicidade mensal e é comercializada atualmente pelo Grupo Abril. A tiragem, de
acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), é de cerca de 20 mil exemplares/mês. Desde a
origem, a revista dedica-se a grandes-reportagens, caracterizando-se pelo uso do Jornalismo Literário,
ou seja, textos que se propõem à abordagem aprofundada, humanizada e utilizando estratégias estético-
estilísticas próprias da literatura, como a descrição, a linguagem metafórica e a voz autoral, entre outros.
3 Sobre a definição de perfis, cf. Vilas-Boas (2003), Maia (2013) e Ormaneze (2013).
4 Uma das contribuições trazidas por Pêcheux, sob influência de Althusser, é o rompimento com a
concepção marxista de ideologia. Para a AD, o ideológico não é simplesmente a expressão do poder
burguês, mas o local e o meio para a realização dessa dominação. Como lembra Orlandi (2009, p. 9),
“a ideologia não é x, mas o processo de produzir x”, levando a uma naturalização dos sentidos.
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A piauí, por meio das duas coletâneas aqui analisadas, instaura-se num
ritual de dizer o que é ser político e o que é falar sobre político(a) por meio de
um perfil jornalístico, além de dizer o que é ser “republicano”, no caso específico
da primeira antologia, e o que merece ser “republicado”, no caso de ambas.
O jogo de sentidos possíveis entre o “republicano” e o “republicado”
materializa-se no subtítulo da primeira antologia: “os melhores perfis políticos
da revista piauí”. A designação “melhores perfis” refere-se a quê? Produzem-
se aí sentidos que se relacionam tanto ao gênero discursivo a que os textos
pertencem (os melhores perfis) quanto à caracterização de um indivíduo, no
sentido de que os incluídos na coletânea têm o “melhor perfil” de político. Essa
possibilidade de deslize no sentido torna factível que o que esteja em jogo
como “melhores” sejam tanto os exemplos de “perfil” quanto de “perfilado”.
Estar ou ser incluído nesse grupo, portanto, significa também inscrever
tais discursos numa rede de formulações, em que eles se repetem num jogo
emaranhado de relações de poder:
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Em Tempos:
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coisa pública é colocada de lado para que a política seja enunciada não na
relação com o que é público, mas numa rede que se constrói por si e pelos
interesses de cada um dos personagens. Assim, vão surgindo, por exemplo,
aqueles que “querem” (como no título do texto sobre Michel Temer) e “aqueles
que cumprem ordens” (como no perfil de Delúbio Soares).
Mas, desse lugar que faz memória, do republicano e do republicado, há
também um apagamento. A revista surgiu durante o mandato de Lula como
presidente, que, independente de convicções políticas, tem importância histórica
reconhecida. A primeira antologia chegou às livrarias em 2010, dois anos depois
de encerrados os mandatos do petista. A segunda, em 2016, pretendia fazer
memória da década. Lula não figura, no entanto, como “vulto da República”,
nem tem texto exclusivamente dedicado a ele “no mundo, o Brasil e o Jornalismo
em 21 reportagens”. Em ambas as antologias, o ex-presidente é um personagem
coadjuvante, citados diversas vezes, pelas relações ou divergências, pessoais e
políticas, com os perfilados protagonistas.
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A memória sobre o que é ser biografado carrega uma relação com o fato de que
esse gênero discursivo-jornalístico e seus subgêneros, confluências do Jornalismo,
da Literatura e da História, devem “nos proporcionar uma descrição detalhada
de uma existência” (VILAS BOAS, 2008, p. 21-22). A ideia de uma descrição
detalhada, por outro lado, abre-nos para a discussão de como esse princípio,
ligado à proposta de humanização6, presente na base conceitual de tais gêneros,
também está sujeita e é ela mesma uma forma de manifestação das formações
ideológicas. Que detalhes seriam esses que caracterizam essa descrição de uma
existência? Na concepção discursiva, mesmo quando há uma tentativa de se
desvencilhar dos estereótipos em busca de uma visão mais complexa e completa
de um personagem, só se consegue enunciar dentro daquilo que é formulável na
formação ideológica em que o sujeito-autor do texto se inscreve.
Como exemplo desse funcionamento da memória, citamos o caso de Dilma
nas antologias. A ex-presidenta tem dois perfis em Vultos. No primeiro, o título
já indica o caminho percorrido: “as armas e os varões”. Toda a narrativa sobre
o passado da presidenta é construída a partir de sua relação com homens, seja
pela presença grande do pai na primeira parte da narrativa ou pelo destaque dado
aos relacionamentos amorosos dela. Ao final do texto, é também um homem
que chancela sua (possível, naquele momento) candidatura: “(...) Qual seria a
alternativa que Lula teria em mente? O ministro Franklin Martins respondeu
de bate-pronto: ‘O presidente pode ter um plano B, mas não pode comentá-
lo absolutamente com ninguém. Porque, em política, o aparecimento de um
plano B inviabiliza imediatamente o plano A. Por isso, a candidata é Dilma”
(CARVALHO, 2010, p. 166).
Essa relação entre homens e mulheres está presente em outros trechos da
antologia. No caso do perfil de Marina Silva, por exemplo, a menção ao marido,
muito menos conhecido que ela no cenário nacional, vem acompanhada de um
sentido de concessão e de permissão, materializado pelo uso do mesmo verbo,
utilizado para abordar a relação da ex-senadora acreana com o marido, Fábio
Lima: “Alto, loiro e corpulento, Lima deixou Santos, onde cursou uma escola
agrícola, para morar numa comunidade alternativa no Acre. Filiado ao PT e com
um cargo no governo estadual, ele é discreto e deixa os holofotes para a mulher”
(PINHEIRO, 2010, p. 282).
Em manuais e materiais que tentam explicar como produzir descrições
de pessoas em textos jornalísticos e como usá-las em perfis e biografias, é
comum a citação às referências corporais ou aos chamados símbolos de status
de vida, características do cotidiano do personagem, que oferecem pistas sobre
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sua forma e padrão de viver. A presença dessas descrições são decisivas para
a classificação de um texto como Jornalismo Literário, o que é não só uma
referência habitual à proposta de piauí, como também é o nome da coleção em
que as antologias estão publicadas. No entanto, a presença dessas descrições é
indicativa de uma memória sobre o que se imagina de um corpo feminino e de
um corpo masculino, de modo que a humanização e as descrições são também
determinações ideológicas.
Dilma, por exemplo, desde o início de suas aparições mais corriqueiras
na imprensa ou na política, sempre foi associada a uma imagem de mulher
dura, com características historicamente associadas ao masculino. Nos perfis a
ela dedicados na antologia, isso se materializa, entre outras formas, na quase
ausência de descrições sobre o seu corpo ou seu modo de vestir-se, o que ocorre
de modo homólogo com os homens perfilados no material republicado de piauí.
Poucas são as referências a roupas nos perfis de Fernando Henrique Cardoso,
José Serra ou Márcio Thomaz Barros. No caso de José Dirceu e de Francenildo,
a vestimenta é citada pela relação existente com o nível socioeconômico. No
primeiro caso, por exemplo, a menção à marca é central na descrição: “Era o
começo da tarde de um sábado de novembro e ele vestia uma calça escura,
camisa polo com o decote forrado por um estampado Burberry e mocassins sem
meias” (PINHEIRO, 2010, p. 37). O mesmo ocorre mais à frente, noutro trecho:
“Vestido com um sobretudo azul, carregando uma pasta de uma marca francesa
com seu computador e o livro A era da turbulência (...), Dirceu só reapareceu
quando faltavam poucos minutos para o avião fechar a porta” (PINHEIRO,
2010, p. 42-43). No caso de Francenildo, a menção às roupas, que inicia o
perfil, produz o efeito de rememorar o passado do jardineiro e relaciona as peças
também à situação social, a exemplo do ocorrido no texto sobre Dirceu. “Era
caseiro, tinha 24 anos, quatro bermudas, três calças jeans, cinco camisetas,
três camisas, cinco cuecas, três pares de meia, dois pares de tênis, um sapato e
um salário de 370 reais quando tudo começou” (SALLES, 2010, p. 69).
Em outro extremo, é sobre a mulher da qual mais se fala sobre maternidade
e família, que também se diz mais sobre roupas e atributos físicos: Marina Silva,
a quem são feitas referências sobre o peso, “o mesmo da juventude” (SALLES,
2010, p. 269), à “elegância natural”, a que se segue o fato de que “quase
sempre usa vestidos longos, arrematados por um xale. Tem perto de 50 deles.
O cabelo anelado é amarrado em um coque, circundado por uma fina trança.
No dedo anular esquerdo, usa uma aliança dourada com a inscrição Jesus”
(SALLES, 2010, p. 270). São também informações sobre ela o
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Referências
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Mídia, história e memória na narrativa comemorativa
da Rede Globo: os espaços “ocupados” pelos jornalistas
Introdução
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Para essa dinâmica, faz-se necessário pôr em relevo as relações entre o que
se tem numa narrativa jornalística cujo foco é a rememoração e a comemoração,
refletindo sobre que memória é evidenciada. Essa contextualização auxilia-nos a
compreender de que maneira aquele que fala com seriedade (e/ou pretensão de)
assume, de maneira implícita, um compromisso diante dos seus interlocutores,
a saber, o compromisso de que os argumentos apresentados possam ser
julgados verdadeiros, não só como memória, mas como história. Como lembra
Foucault (1979, p. 12), a “verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças
às múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder”.
Isto posto, podemos pensar que a memória tem também uma outra função:
a de escolher o que pode ser lembrado e o que pode ser esquecido hoje e
no futuro. Assim, pode ser usada, no futuro, para evocar fatos que hoje estão
esquecidos. E, por outro lado, pode fazer esquecer aquilo que hoje é tido como
fundamental para dar sentido às nossas práticas e condições sociais. Sem esse
esquecimento, não haveria espaços para novos conteúdos, elaborações e para
a constituição e/ou manutenção das relações de poder. É preciso considerar,
então, que há na memória um pressuposto de esquecimento, que integra seu
funcionamento de forma nunca linear. Como lembra Courtine (2006, p. 79), “a
função interdiscursiva como domínio da memória permite ao sujeito, portanto,
o retorno e o reagrupamento de enunciados, assim como seu esquecimento ou
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representar a voz da Globo na narrativa sobre sua história do que o âncora casado4,
pai de três filhos, branco, hétero, com imagem de trabalhador construída pela
mídia, apresentador das “principais notícias” do Brasil e do mundo?
A narrativa sobre a história retoma, nesse ponto, características que são
próprias dos produtores jornalísticos, como a credibilidade. Isso se manifesta já
no texto que abre a série no Jornal Nacional, lido pela editora e apresentadora
Renata Vasconcelos:
4 Na época da exibição da série em 2015, Bonner e Fátima Bernardes, que também foi sua partner
de bancada, eram casados.
5 Marcas dêiticas são elementos linguísticos que não têm valor referencial próprio, mas remetem à
situação em que o texto é produzido, permitindo situar o enunciado em relação a tempo, espaço, sujeito
e circunstâncias.
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a seleção dos fatos: estão retomados na memória dos jornalistas fatos que já
ganharam as páginas da história. A afetividade e emoção são derivadas disso,
apagando narrativas que sejam mais emocionais do que históricas, como
poderiam ser lembranças sobre coberturas factuais que possam ter marcado
sobremaneira os repórteres, mas não se inscreveram como fatos históricos. A
objetividade – como um efeito de sentido – é um pilar essencial para autorizar a
narrativa jornalística como porta-voz da verdade, da credibilidade infalível, que
garante o status de verdade. Na nossa perspectiva, a objetividade funciona como
um efeito de sentido do discurso jornalístico, que os veículos de comunicação,
sobretudo os hegemônicos destacam como sendo uma característica. Ao usar
a objetividade para justificar suas práticas, os veículos ocultam um dizer que é
ideologicamente construído.
Assim, os enunciados da apresentadora produzem o efeito de que a
memória fica atrelada ao que estaria na história e não nos processos subjetivos
de cada um dos repórteres que compuseram o projeto. É uma narrativa sobre o
passado que é mediada e medida para se tornar uma narrativa sobre a história.
Vê-se ainda que “memória” é tomada como uma espécie de lembrança,
como se fosse determinada por provocações e por evocações e não por um
processo histórico de constituição e formulação de discursos. A lembrança é
tida como “rememoração” e não como memória. Podemos perceber desse modo
que a memória é um fator de construção, revelação da história e da identidade.
No desenvolver da questão, existe uma imposição do tempo presente para que
as “memórias” do passado sejam recordadas, lembradas conforme o convite
da apresentadora do telejornal. “Como elaboração de variados estímulos,
a memória é sempre uma construção feita no presente a partir de vivências/
experiências ocorridas no passado” (KESSEL, 2009, p. 2). Mesmo a memória
podendo (re)ver e (re)visitar o passado, ela não pode ser compreendida se não
existir a ação no presente do sujeito que a recorda. E é nessa interação com o
telespectador e com os outros colegas jornalistas da série que as lembranças são
ativadas. Nota-se, então, que a memória é agente articulador do confronto entre
identidade, história e narrativa.
Ora, se ela se insere nessa posição, também está sujeita à traição6 e ao
esquecimento. Para evocá-la, é preciso confronto e que este desencadeie
um processo de imaginação, amparado por uma rede de lembranças para
preenchimento das lacunas trazidas pelo testemunho dos jornalistas enunciadores:
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7 É nome dado pela emissora ao complexo onde estão localizados os estúdios, cenários de novelas e
programas da Globo, no Rio de Janeiro.
8 Trata-se de uma ironia. Abraham Lincoln assumiu a Presidência dos EUA em 04.03.1861.
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Considerações finais
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Referências
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Memória, reconstituição narrativa
e fontes/testemunhas em Notícia de um Sequestro
Fabiana Piccinin
Andressa Bandeira Santana
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literárias para apresentar, com todo o fôlego, seu poder de apuração jornalística
e capacidade de organização narrativa.
Analisando a memória
a) memória de contexto:
A memória de contexto configura-se numa articulação fundamental à
estruturação da narrativa, especialmente do livro-reportagem que parte em sua
origem, de um fato gerador inserido em um contexto. Neste sentido, as remissões
são indissociáveis a esse narrar, dando-lhe forma e sentido.
A narrativa trata de dar ao leitor elementos que o permitem desenhar o
mapa e, por consequência, o sentido do sequestro à luz da problemática atuação
do narcotráfico na Colômbia
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política do país pela porta traseira, primeiro com seu crescente poder de
corrupção e suborno, e depois com aspirações próprias. Pablo Escobar
tinha tentado se insinuar no movimento de Luis Carlos Galán, em 1982,
mas Galán tirou-o das listas de candidatos e o desmascarou em Medellín
diante de uma manifestação de cinco mil pessoas. Pouco depois Escobar
chegou como suplente à Câmara de Deputados por uma ala marginal
do liberalismo oficialista, mas não esqueceu a afronta e desatou uma
guerra mortal contra o Estado, em especial contra o Novo Liberalismo.
(...) No dia 18 de agosto de 1989, Luis Carlos Galán foi metralhado
em praça pública no município de Soacha, a dez quilômetros do palácio
presidencial e no meio de dezoito guarda-costas bem armados. (GARCÍA
MÁRQUEZ, 2014, p .27).
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chefe máximo do partido liberal Julio César Turbay. Junto com ela foram
sequestrados quatro membros de sua equipe: a editora do noticiário,
Azucena Liévano; o redator Juan Vitta, os cinegrafistas Richard Becerra
e Orlando Acevedo, e o jornalista alemão residente na Colômbia, Hero
Buss. No total, seis. (GARCÍA MÁRQUEZ, 2014, p. 33).
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b) memória de tempo:
Deste ponto em diante, iremos destacar a categoria de memória de tempo
em que consideramos a relação entre memória e tempo. Há momentos em que
a memória do tempo é construída por meio das datas, objetiva e precisamente
como em: “O desaparecimento da equipe de Diana Turbay continuava sendo
um mistério dezenove dias depois, quando sequestraram Marina Montoya.”
(GARCÍA MÁRQUEZ, 2014, p. 37). Percebemos como a memória trata com o
tempo “dezenove dias depois”, ou seja, localiza a lembrança em um determinado
período depois do sequestro ocorrido. Enquanto em outras situações, se dá de
forma mais abstrata e psicológica, mas da mesma forma importante para a
construção de sentido do “clima” da narrativa.
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c) memória de verbos:
Em diversos momentos, há palavras utilizadas que fazem com que
nos remetemos à memória e que podem ser identificados nos exemplos que
seguem. “Agiram tão entrosados e com tamanha rapidez, que Maruja e Beatriz
só conseguiram recordar retalhos dispersos dos dois escassos minutos que o
assalto durou” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2014, p. 9). Aqui vemos um típico exemplo
do uso da memória na narrativa, visto que além do verbo “recordar”, há o
narrador nos dizendo que tudo ocorreu tão rápido que é difícil para as vítimas
lembrarem como tudo ocorreu.
Assim, por ser um momento de muita tensão, cheio de emoções e rápido,
as lembranças ficam confusas, transformam-se em retalhos difíceis de unir, para
ao final, recordar. Há também a ideia apresentada por Halbwachs (2004) de
que os depoimentos de uma mesma cena devem ser parecidos entre si para
que possamos reconhecer de que evento se trata. Mesmo Maruja e Beatriz não
podendo lembrar de tudo e recordar de formas diferentes, é possível perceber
que falam dos mesmos momento e fato. Ainda neste trecho é possível perceber
a importância da memória individual para compor uma memória coletiva. Como
Halbwachs (2004) enfatiza, a memória individual serve como ponto de vista
sobre a memória coletiva. Neste caso, a memória coletiva do dia do sequestro
recebe dois pontos de vista individuais, o de Maruja e de Beatriz.
Outro exemplo de memória de verbos é encontrado em: “Maruja enrolada
como um novelo no fundo do assento, nem lembrou que estava com um anel
de diamantes e esmeraldas que fazia par com os brincos” (GARCÍA MÁRQUEZ,
2014, p. 10). Evidenciando que Maruja não havia lembrado, no momento, de
seu anel, a memória é apresentada por sua falta neste momento. Assim, não
são apenas os verbos que remetem ao bom funcionamento da memória que
compõem Notícia de um sequestro. Há os momentos em que a memória não
funciona como deveria. “Só então Beatriz percebeu que tinha esquecido a bolsa
no banco do seu automóvel, mas já era tarde. Mais que o medo e a incomodidade,
o que não conseguia suportar era o fedor de amoníaco da jaqueta” (GARCÍA
MÁRQUEZ, 2014, p. 11). Ao trazermos essa parte da narrativa, evidenciamos a
ideia apresentada por Ricoeur (2007) de que o esquecimento não é um defeito
e, sim, parte da memória e que estas “ausências” completam o sentido da
narrativa. Sobretudo, compreendemos que, embora se use dados objetivos, a
memória narrativa é sempre uma criação e interpretação possível do evento. Na
página 14, há mais um exemplo da memória que não é única, evidenciando as
visões plurais e multifacetadas que se pode ter de um mesmo evento.
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Referências
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II
Narrativas,
subjetividades
e rupturas
Para além do robô, a reportagem: pavimentando
uma metodologia do jornalismo de subjetividade
Fabiana Moraes
Diego Gouveia
Introdução
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Abordagem metodológica
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podem nos informar bem mais que as questões espetaculares, estas servindo
tanto para visibilizar determinado acontecimento - explosão, denúncia, acidente,
vitórias - quanto para invisibilizar o cotidiano que se esconde por trás destes.
Diz Perec (2010, p. 178) que o “escândalo não é a explosão, é o trabalho nas
minas. As ‘perturbações sociais’ não são preocupantes em períodos de greve,
elas são intoleráveis vinte e quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco
dias por ano”.
É preciso dizer que a adoção por um olhar miúdo na construção das
representações começou a ser alvo de interesse no campo do jornalismo já a partir
dos anos 30, durante o fortalecimento da Escola de Chicago. Criada em 1910,
ela fazia parte de uma certa “virada etnográfica” observada na antropologia: o
interesse migrava das ilhas distantes e dos “povos desconhecidos” para cidades,
suas populações, seus bairros e imigrantes, seus problemas, suas mudanças.
Agier (2015), ao fazer uma análise dos enquadramentos antropológicos
iniciais, aponta para um olhar imensamente exotificante e eurocêntrico por
parte dos que iam a campo - geralmente escolhendo aquilo que era distante,
“estranho”, aquilo que melhor podia se configurar como sendo “o outro”. Esse
enquadramento também transforma aquele que é visto em agente passivo, visto
que é o meu olhar o que perscruta. Enquanto observo, não me uno, mantenho
uma distância segura. Mas, quando abandonamos esse lugar (essencial também
na prática jornalística) que não se fecha ao encontro, abro a possibilidade de
meu olhar não ser o que domina, o entendido como não-contaminado, o isento.
O objetivo, enfim. É claro que o mero deslocamento do campo/objeto do olhar
não significa de saída a redução desse olhar exotificante sobre o outro, mas sem
dúvida o trabalho de autores como Robert Park, sociólogo e também jornalista,
mostrou que o jornalismo se favorecia bastante com a adoção de análises mais
apuradas e menos espetaculares para falar do comportamento humano. A
prática etnográfica, própria do campo das ciências sociais, é importante na
construção de um método para o jornalismo de subjetividade. Apesar de sua
enorme potência no fazer jornalístico, ela foi ora negada ora mal realizada
pelo próprio campo, em que se pese investigações que deixaram importantes
contribuições, aquelas que Neveu chamou de “jornalismo etnográfico” (2006).
É vital, aqui, também trazer a noção da visibilidade e de visibilidade distorcida
trabalhadas por Brighenti (2007) enquanto categoria para as ciências sociais,
como lugar de hierarquizações. Para o autor, visibilidade é uma propriedade que
pode ser usada para dividir as pessoas. Nesse sentido, trazer focos de luz para
grupos pouco ou mal representados também é importante não como “temas”
em si, mas justamente pelo fato de, nas relações assimétricas midiáticas, estes
ocuparem um lugar de desvantagem.
Esses estilos e modos de acesso são centrais na discussão. Há, sabemos,
a visibilidade de grupos vários em ambiente midiático, como indígenas,
quilombolas, mulheres marcadas pela violência, adolescentes, gays, mas como
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mulher que leitores e chefes tinham previamente na cabeça (aquela vista nos
jornais, nas redes sociais, nas piadas, no cinema etc.), o assombro teria sido
menor ou mesmo não existiria. A imagem da mulher construída socialmente,
culturalmente, foi maculada, trazendo uma nova perspectiva sobre as construções
do feminino. Era fissura, e não repetição de modelos, algo que, entendemos, é
também obrigação de jornalismo.
Optou-se ainda pela não espetacularização da moradora de Alagoinhas
(agreste de Pernambuco), por uma observação densa, participante, com ênfase
no enfoque do cotidiano: foram vários dias acompanhando o movimento do
salão de beleza, as consultas médicas, as conversas com vizinhos e familiares.
Nessa observação, a repetição das ações, a banalidade dos fatos, traziam dados
importantes: a relação contínua com o celular, este um companheiro contínuo
da cabeleireira, quase sempre enfrentando solidão; as conversas no mercado
público, com frequentadores fazendo piadas ou olhando de maneira risível quando
Joicy passava. A escuta no pequeno sofá, enquanto Joicy cortava os cabelos de
seus clientes também era preciosa: ali, a contínua necessidade de falar sobre o
sonho que tivera com um anjo que lhe dissera seu novo nome mostrava como de
certa maneira o divino era usado como proteção por Joicy, como moeda para sua
aceitação em sua comunidade. O infra-ordinário mostrava sua potência. Acusar
a presença da repórter também é outra estratégia subjetiva assumida nesse
método, uma vez que ela proporciona um melhor entendimento da construção
própria que o jornalismo realiza de seus personagens. Não se trata de dar ênfase
a um testemunho, e mais acusar um processo de construção (ou seja, uma
verdade entre muitas). O processo de construção dessa metodologia, como dito,
está sendo pavimentado, mas podemos começar a sintetizar esse percurso, que
nasceu do abraço da longa prática com a teoria. Na busca por uma reportagem
que privilegie tanto a objetividade quanto a subjetividade, temos:
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Considerações finais
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área que perdeu boa parte de seu crédito nos últimos anos, uma forma de assegurar
espaço para pessoas e grupos cujas representações foram historicamente
mancas – e a própria mídia é responsável por boa parte desse fenômeno. Se
profissionais e mesmo estudantes desse campo aprenderam historicamente que
a prática, atravessada pela velocidade (outro bastião para defesa do privilégio
da objetividade), forja pessoas que não têm tempo para pensar (MORETZSOHN,
2007) – o que nos transformaria, ironicamente, em quase robôs – é hora de
reparar a produção massiva de sub-representações lançando um olhar mais
longo, generoso e integral sobre nossas realidades.
Referências
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Percursos metodológicos para análise de atos
de subjetivação em narrativas jornalísticas
Mayara de Araújo
Edgard Patrício
Introdução
O que é o jornalismo hoje? Quem são os jornalistas hoje? Estas perguntas têm
surgido com certa constância, estando no cerne de diversos estudos de jornalismo
contemporâneos, em um esforço de acompanhamento das transformações
inerentes ao campo. Na pesquisa que desenvolvemos, seguimos semelhante
caminho de questionamentos, abrindo, no entanto, uma vereda paralela, à
beira da estrada, circunscrita aos estudos sobre a problemática da narratividade
no discurso jornalístico (MOTTA, 2013; RESENDE, 2005): como fazemos
jornalismo hoje? Interessa-nos investigar, nesse sentido, os modos de apreensão
da realidade operados pelo jornalismo – que singra histórica e conceitualmente
entre fatos e valores (SCHUDSON, 2010) – e, assim, compreender como
construímos e somos construídos pelo real. Para tanto, voltamo-nos aos sujeitos,
buscando identificar como se dá a interação entre objetivação e subjetivação no
texto jornalístico e nas práticas e, mais especificamente, ensaiando a construção
de indicadores de atos de subjetivação nas etapas produtivas.
Pensar em como o jornalismo se enverga ao Outro na contemporaneidade
é entrevê-lo numa rede espessa (porém dinâmica) de poderes, firmada à base
de pequenas e grandes resistências, e em um cenário de transições. As rupturas
paradigmáticas ocorridas no campo, uma vez afetadas por transformações nas
práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2010) – dada a relação umbilical do jornalismo
com o modelo sócio-político-econômico capitalista, urbano e industrial, interferem
diretamente no modo como os conceitos de objetividade e subjetividade foram/
são operados pelos múltiplos sujeitos da narrativa jornalística, estimulando e
desestimulando, autorizando e desautorizando, abrindo espaços ou silenciando
objetivações e subjetivações (assim, no plural), seja nos textos ou nas práticas
discursivas (FAIRCLOUGH, 2010).
Charron e Bonville (2016) distinguem quatro períodos em que as práticas
jornalísticas passaram por transformações paradigmáticas, que ajudam a perceber
a trajetória nada linear do discurso e das práticas jornalísticas, marcados, entre
outros, pelo tensionamento entre objetividade e subjetividade, fatos e valores. O
jornalismo de transmissão, próprio de meados do século XVIII, aponta para um
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
estágio inicial, quando os jornais funcionavam como canais, cujos conteúdos não
obedeciam necessariamente a critérios pré-estabelecidos – o impressor atuava
como um curador de anúncios, notas, pequenos registros. Funcionava como um
“elo entre ‘fontes’ e leitores” (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 28), mas não
necessariamente desenvolvia uma identidade discursiva. Já no jornalismo de
opinião, durante o século XIX, como o termo já indica, parcialidade e subjetividade
dão o tom dos conteúdos, produzidos com intenções de ataque e revide. Nesta
fase, no entanto, ainda que os jornais tenham se tornado um importante campo
de disputas por poderes simbólico e político, o analfabetismo e os parcos recursos
tecnológicos, impedem os periódicos de alcançar uma maior parcela da população.
É durante o jornalismo de informação (no início do século XX) que, de fato, os
produtos jornalísticos terão um alcance considerável, interferindo de forma mais
relevante e estratégica no cotidiano das sociedades urbanas. Isto se dá graças a
uma série de transformações ocorridas à época: industrialização, produção em
massa, melhoria dos transportes e investimentos em publicidade (consequência
da evolução das práticas de comércio). Este momento é marcado, portanto,
pela percepção do jornalismo como oportunidade de negócio. Neste paradigma,
também como o termo sugere, vive-se uma nova virada, desta vez apontando para
a consolidação da imparcialidade e da objetividade como princípios norteadores
da produção jornalística – fenômeno justificado, entre outros fatores, como uma
estratégia comercial de ampliação do público-alvo.
Na contemporaneidade, por sua vez, percebem-se intenções de ruptura
com princípios até então canônicos, como a objetividade, a imparcialidade e
a percepção do jornalismo como a verdade dos fatos – tentativas estas que se
revelam em pesquisas acadêmicas e em experimentações midiáticas, no seio
das redações. No entanto, inclusive como marca da dinâmica entre paradigmas
(já que os autores admitem o entrecruzamento de elementos paradigmáticos
distintos numa mesma época e até em um mesmo produto), ainda que tais
princípios já sejam amplamente contestados (fazendo com que tal discussão
soe datada), eles são operados por muitas empresas de comunicação e por
jornalistas, como modo de atrair leitores e de conquistar credibilidade (MIGUEL;
BIROLI, 2010).
As transgressões do discurso e da prática jornalística a partir da
subjetivação, por sua vez, uma das características do jornalismo de
comunicação – atual paradigma que o jornalismo atravessa, segundo Charron
e Bonville (2016), dialogam com estudos de Medina (2014) sobre as
narrativas da contemporaneidade, produzidos desde a década de 1970. A
pesquisadora compreende esse cenário recente de transformações como um
momento de revisão de conceitos basilares do jornalismo e de se assumir um
fazer jornalístico que abrace a subjetivação, a contradição, a pluralidade de
vozes – que se afete. Para Medina (2014), o que se observa é uma espécie
de transição do jornalismo de explicação ao jornalismo de compreensão dos
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Construção metodológica
A ACN é composta por sete movimentos de análise, que podem ser aplicados
integralmente ou em separado. Nesta construção metodológica, optamos por
adotar duas contribuições de Motta (2013): o sexto movimento de análise, voltado
para a identificação das estratégias de objetivação e subjetivação no texto, e o
estudo das vozes narrativas. O sexto movimento é a identificação dos dispositivos
retóricos presentes nas narrativas jornalísticas. Para Motta (2013, p. 196), “toda
narrativa é um permanente jogo entre os efeitos de real (veracidade) e outros
efeitos de sentido (a comoção, a dor, a compaixão, a ironia, o riso, etc.)”. Partindo
desse princípio, o autor aponta alguns indícios desses efeitos, que podem ser
percebidos em recursos linguísticos e extralinguísticos: a “profusão de advérbios
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(1999), mas o mais rápido possível. Uma ordem discursiva subjetivada aponta
para uma resistência a esse imperativo temporal, perseguindo a reflexão, a
apuração e a pesquisa que a lógica hegemônica de trabalho retira do jornalista.
Sugere ainda, de modo geral, a reorientação dos métodos já utilizados em prol
da valorização dos sujeitos da narrativa jornalística (MEDINA, 2014).
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múltiplas, a partir de seus próprios atores, sem temer o conflito entre versões e
o desajuste da balança discursiva. O consenso ou a gestão neutra dos interesses
comuns nem sempre é alcançável e o produto jornalístico não deixa de ser
menos profissional por abrir mão dessas metas – pelo contrário.
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Considerações finais
Referências
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Um olho na escrita e outro no escritor: desafios
metodológicos na análise de narrativas jornalísticas autorais
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escrita, passando pela relação com os diversos outros que surgem no processo
e dele passam a fazer parte. Assim, o jornalista, visto a partir de uma óptica
autoral, constrói um modo de narrar que compreende, além de estratégias
discursivas, modos de olhar o mundo e de se relacionar com os personagens e
fontes, construindo-se também como narrador.
Assim, se falar do outro é falar de si, está posto um diálogo, uma polifonia que
pressupõe a alteridade em contraste com uma polarização que segrega e aparta.
As grandes reportagens são um exemplo disso: a presença do enunciador, seja ao
narrar em primeira pessoa ou ao trazer para o relato elementos só possíveis a partir
da sua própria experiência no local, como descrições subjetivas do espaço, dos
sujeitos e dos processos retratados, traz consigo o rastro da experiência do narrador
repórter. “‘Ter’ uma experiência, nesse sentido, não significa controlá-la, possuí-la, e
sim vivenciá-la, tornar-se sujeito nela e para ela” (LEAL, 2013, p. 33).
A experiência nesse âmbito pode ser entendida em dois níveis. O primeiro diz
respeito à vivência do acontecimento, ao testemunho, já um segundo relaciona-
se ao contato com as pessoas que testemunharam, a escuta desses sujeitos
e a experiência tanto da relação como do contexto no seu sentido espacial.
A jornalista Adriana Carranca, em sua fala em uma mesa1 sobre narrativas
diversas, destacou a importância de se hospedar na casa de pessoas da própria
comunidade do local que aborda, como fez na Síria e no Paquistão, o que
possibilita um maior contato com a realidade vivida por aquelas pessoas, ouvindo
o que elas têm a dizer sobre a guerra, mas, acima de tudo, experienciando o
cotidiano daqueles sujeitos que sobrevivem à guerra. Dessa forma, por mais que
a jornalista não viva a experiência dos bombardeios, ela vivencia o cotidiano da
guerra, aproximando-se daquilo que é contado pelas pessoas.
Com base nessas questões, levando em conta que o meu interesse principal
passava pela problematização do narrar e das narrativas das quatro repórteres, foi
importante discutir alguns aspectos da prática jornalística vistos aqui enquanto
elementos-chave do processo de construção de uma reportagem, sendo eles: o
tempo, o cotidiano, o olhar, a escuta, a aproximação e o diálogo. Tais pontos
são tratados a partir da visão tanto de pesquisadores que se debruçaram sobre
o fazer jornalístico, como de outros jornalistas que expuseram os desafios e
potências vivenciados por eles. Novamente, o interesse era articular esses dois
lugares de produção de conhecimento sobre o jornalismo e, assim, cercar o meu
objeto empírico.
O tempo e o cotidiano
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O olhar e a escuta
A aproximação e o diálogo
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Considerações finais
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Por fim, é pertinente destacar que, durante todo o percurso, pude observar
que olhar apenas para a materialidade dos produtos jornalísticos não é suficiente
para uma reflexão sobre as narrativas. O narrar envolve sujeitos em uma relação
de partilha que é tensa, atravessada pelo social e possível pela linguagem. Sendo
assim, estudá-lo demanda um olhar que busque abarcar tal multiplicidade.
Referências
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As vozes que narram em O olho da rua, de Eliane Brum1
Introdução
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Disputa de vozes
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Bem vimos, pelo exposto acima, que o nível de poder entre os narradores
flui, predominantemente, de fora para dentro. Contudo, há questões a serem
consideradas em torno desse esquema de ascendência de poder. Desta forma,
pensamos que quando a disputa de vozes narrativas se estabelece em um
dispositivo de circulação temporal mais larga, em que não há pressões de espaço
e tempo como no caso de jornais diários e até mesmo de revistas semanais, há
uma reconfiguração no esquema de poder. Como o modelo do qual tratamos na
seção anterior foi elaborado pensando em narrativas jornalísticas publicadas,
principalmente, em jornais diários, recorremos a Soster (2015), que traz um
olhar que consideramos importante para subsidiar nossa análise acerca do livro-
reportagem O olho da rua. Vamos destacar alguns pontos principais.
Ao ponderar sobre as reconfigurações de ordem processual na emissão de
vozes narrativas em uma perspectiva de jornalismo midiatizado, Soster (2015)
chamou a atenção para o fato de haver uma reconfiguração na hierarquia de
vozes em função da periodicidade do diálogo dos dispositivos com seu público-
alvo, como no caso do livro. Isso porque, tanto jornais diários como, por exemplo,
livro, “são geridos, em termos de processos, por uma hierarquia produtiva
composta, de um lado, por organizações, que interferem hierarquicamente nas
demais instâncias narrativas, caso dos repórteres, e assim sucessivamente”
(SOSTER, 2015, p. 28).
Assim, se, na instância apresentada por Motta (2013), a interferência
tende a ser mais incisiva do primeiro para o terceiro narradores, essa lógica é
diferente quando muda a periodicidade. Soster (2015, p. 28-29), então, lança
mão de alguns questionamentos, entre os quais, “o que ocorre em modelos de
relatos jornalísticos em que a periodicidade não interfere em sua forma de ser,
caso dos livros-reportagem e das biografias de natureza jornalística?”.
O pesquisador aponta que “nestes casos, ainda que o primeiro-narrador
(organização) se faça igualmente presente, a hierarquia na emissão de vozes
parece se reconfigurar” (SOSTER, 2015, p. 29), inserindo novas vozes
enunciativas no sistema. Embora seja objeto de análise do autor, não daremos
foco à questão da configuração de uma quarta voz narrativa. Optamos, neste
momento, apenas pela reconfiguração do poder das vozes já conhecidas no
sistema jornalístico.
Então, a partir dessa proposição de reconfiguração das vozes, Soster
(2015), juntamente com membros do grupo de pesquisa Jornalismo e
literatura: narrativas reconfiguradas2, sugeriu um novo esquema analítico em
vista dos tempos diferenciados de narrativas jornalísticas. Com base no modelo
já proposto por Genette (1988) e adotado por Motta (2013), a sugestão é que
há uma diferença estabelecida no que se refere à emissão das vozes quando se
2 O grupo, constituído em 2013, é ligado, de um lado, ao Programa de Pós-graduação em Letras (PPG
Letras), enquanto que, de outro, ao Departamento de Comunicação da Unisc.
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Estratégias de análise
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REPORTAGEM 1
Título
NÍVEIS NARRATIVOS PÁGINA EXCERTO
1º narrador
2º narrador
3º narrador
BASTIDORES DA REPORTAGEM
NÍVEIS NARRATIVOS PÁGINA EXCERTO
1º narrador
2º narrador
3º narrador
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Considerações interpretativas
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3 Aqui, utilizamos o termo matéria para nos referirmos como sinônimo de reportagem, pauta, notícia.
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O Povo do Meio
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Considerações finais
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Referências
BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real.
São Paulo: Globo, 2008.
GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins.
Lisboa, Portugal: Vega, 1976.
GENETTE, Gérard. Nuevo discurso del relato. Madrid: Cátedra, 1998.
GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades.
Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63, abr.
1995.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão
do jornalismo e da literatura. 4. ed. revisada e ampliada. Barueri: Monole, 2009.
MEDINA, Cremilda. Povo e personagem. Canoas: Ed. da ULBRA, 1996.
MOTTA, Luís Gonzaga. Narrativas: representação, instituição ou experimentação
da realidade? In: ENCONTRO DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, 7.,
2009, São Paulo. Anais... São Paulo: SBPJor, 2009.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2013.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. 22. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
REIS, C.; LOPES, A. C. M. Dicionário de Teoria da Narrativa. São Paulo: Ática,
1988.
RESENDE, Fernando. O jornalismo e suas narrativas: as brechas do discurso e
as possibilidades do encontro. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES
EM JORNALISMO, 7., 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: SBPJor, 2009.
Disponível em: <http://www.sbpjor.kamotini.kinghost.net/sbpjor/admjor/
arquivos/fernando_resende.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2017.
SOSTER, Demétrio de Azeredo. A reconfiguração das vozes narrativas no
jornalismo midiatizado. Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 23, jul./2015.
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Últimas palavras? Formas de aproximação
do inefável através das narrativas
biográficas de suicidas
Sigo o destino que me é imposto. [...] Eu vos dei a minha vida. Agora
ofereço a minha morte. (VARGAS apud NETO, 2013, p. 346).
Eu sinto que eu fui longe demais dessa vez para voltar [...] estou certa
que não vou superar isso dessa vez. (WOOLF apud DALLY, 1999, p.
131).
Esses breves trechos das duas cartas de suicídio, tão diferentes em seus
contextos, estilos e destinatários, servem como uma demonstração do alcance
do autoextermínio. Enquanto Virginia escrevia para sua irmã e seu marido,
Getúlio endereçava suas palavras a todo o povo brasileiro. Contudo, apesar de
qualquer diferença que os separe, ambos uniram-se no inexorável momento de
dar cabo das próprias vidas. À guisa de introdução, essas cartas e seus dois
singulares autores abrem este trabalho sobre um assunto que permeia toda a
história da humanidade, a despeito de ser pouco discutido com profundidade.
Estima-se que 800 mil pessoas tirem a própria vida todos os anos, e acredita-
se ainda que, para cada suicídio, ocorram mais de 20 tentativas frustradas (OMS,
2017). Isso torna o suicídio a 15ª maior causa global de mortes, perdendo apenas
para as chamadas “doenças não-comunicáveis” (doenças cardiovasculares, câncer,
diabetes etc., responsáveis por mais de 70% das mortes globais) e ultrapassando
a soma de todas as mortes violentas – incluindo homicídios, conflitos e terrorismo
(RITCHIE, 2018). São inúmeras as motivações, desde econômicas a emocionais,
mas o fato é que suicídios aconteceram e acontecerão.
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que foi, também, um exímio biógrafo. Mesmo não sendo um crítico do chamado
Jornalismo Literário, Dines não o compreendia como um campo separado da
área, mas como uma de suas melhores formas, a que ele também chamava de
“beletrística” (PEREIRA, 2008), as belas letras do jornalismo.
Dito isto, parte-se agora para uma imersão no campo fértil de visões e
possibilidades do Jornalismo Literário, presente nas biografias que possibilitarão
– introdutoriamente – o encontro com essas emoções tão avassaladoras que,
escondidas na escuridão inefável do irracional, levam alguém a botar fim à
própria vida.
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2 A questão ética que aqui se apresenta não tem tanto um tom moral, mas uma nuance epistemológi-
ca, como a que cabe ao filósofo, e que o austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) coloca na premis-
sa 7 do seu Tractatus Lógico-Filosófico: “sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar”. Ao contrário
do cientista das ciências duras ou exatas, que não precisa se engajar diretamente no seu trabalho de
apresentar os fatos, dados de maneira objetiva, o cientista da complexidade – para trazer a noção de
Morin à discussão – seja o filósofo, o antropólogo, ou o escritor, envolve-se direta e demoradamente na
maturação de suas ideias. Antes do período de confecção desses fatos em sua subjetividade, é inútil
pronunciar-se. É importante evitar o “fascínio linguístico da exatidão” (MORENO, 2000, p. 71).
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maior ainda de lacunas, deve-se abrir caminho para discussões sobre as formas
de construir narrativas.
E, no que tange especificamente sobre o ato de construir narrativas – e não
somente narrar –, deve-se lembrar que ele está intimamente ligado ao espírito
arquivístico do Ocidente, conjurado pela escrita alfabética e materializado em
uma série de objetos como o livro de contabilidade, o relógio, o calendário e,
por extensão, o livro3. Tal desejo de registro contumaz floresceu no desejo pela
biografia definitiva, aquela que, afastada do seu objeto (como preza a ciência),
esgota os detalhes, dos mais triviais, como o nascimento e a carreira, aos mais
sórdidos, como a sexualidade e o suicídio, esgotando até mesmo os biografemas.
A biografia romanceada, no entanto, está arvorada na multiplicidade
combinatória dos biografemas, e na infinitude de estilos e vozes oferecida pelo
Jornalismo Literário, não busca ser definitiva. Ela não deve ser vista como um
ponto de partida para uma narrativa linear e uma voz única, mas como um
grande pátio onde se encontram os corredores das várias narrativas de uma
vida. E, no caso específico de Getúlio Vargas e Virginia Woolf, um pátio onde
terminam as obscuras galerias por onde correram tantas perturbações, quase
invisíveis, e que os levaram à decisão última do suicídio.
3 Para uma discussão mais aprofundada da genealogia material do registro, principalmente íntimo, cf.
CRUZEIRO, 2018, capítulo 1.
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4 O fenomenólogo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) traz uma importante noção de enga-
jamento no mundo que envolve a percepção do indivíduo como sujeito e como objeto, num circuito de
existência que serve muito bem à discussão da dor, que o autor invoca na discussão sobre o membro
fantasma. (Cf. MERLEAY-PONTY, 2014, p. 121-131).
5 “1. Um galo sozinho não tece uma manhã:/ele precisará sempre de outros galos./De um que apanhe
esse grito que ele/e o lance a outro; de um outro galo/que apanhe o grito de um galo antes/e o lance a
outro; e de outros galos/que com muitos outros galos se cruzem/os fios de sol de seus gritos de galo,/
para que a manhã, desde uma teia tênue,/se vá tecendo, entre todos os galos./2. E se encorpando em
tela, entre todos,/se erguendo tenda, onde entrem todos,/se entretendendo para todos, no toldo/(a ma-
nhã) que plana livre de armação./A manhã, toldo de um tecido tão aéreo/que, tecido, se eleva por si: luz
balão.” (MELO NETO, 1973, p. 15-16).
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Tiros e pedras
[...] deitado, com meio corpo para fora da cama. No pijama listrado,
em um buraco chamuscado de pólvora um pouco abaixo e à direita do
monograma GV, bem à altura do coração, borbulhava uma mancha
vermelha de sangue. O revólver Colt calibre 32, com cabo de madrepérola,
estava caído próximo à sua mão direita.
Getúlio ainda lançou um olhar indefinido pelo quarto. Era como se nos
segundos que lhe restavam de vida estivesse procurando, entre os que o
rodeavam, identificar a presença de alguém.
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Quando ela não voltou para o almoço, Leonard correu pelos campos até
o rio e encontrou sua bengala na margem. Após uma busca infrutífera,
ele chamou a polícia. O corpo foi encontrado três semanas depois por
crianças, perto de onde ela se afogou.
6 O subtítulo original utiliza o termo Manic Depression, outro termo para o Transtorno Afetivo Bipolar
(CID-10 F31). No entanto, o próprio Dally, psiquiatra por formação, identifica as variações de humor
da escritora como ciclotimia (CID-10 F34.0), teoricamente excluído do grupo dos transtornos bipolares.
Essa diferenciação é, no entanto, meramente técnica, buscando classificar com exatidão uma variação
singular de espírito, de caráter biológico e emocional, que, como consequência, leva indivíduos ao suicí-
dio. Dally, compreendendo bem isso, colocou Manic Depression no título de forma a chamar a atenção
para a condição e suas consequências.
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termina com uma vida, mas cria um rasgo na teia vivencial dos sujeitos, abrindo
uma lacuna que, apesar de ser reparada com o tempo, cria – ao seu modo – uma
paralisação da razão, agora coletiva. O suicídio é, também, sublime7.
É ao auxílio desta aporia que surge novamente Gómez-Esteban (2016,
p. 140), que ao tentar resgatar o acontecimento “em uma perspectiva
geopolítica e cultural concreta”, para compreender os modos de existência
latino-americanos, sugere o uso de duas estratégias biográficas: a epifania e a
ficcionalização da biografia.
Interessa ao suicídio a epifania, que ele resgata da tradição literária de
James Joyce (1882-1941) e Ernest Hemingway (1899-1961) – ele mesmo um
suicida, assim como seu próprio pai8. Enquanto o irlandês Joyce considerava a
epifania “uma súbita manifestação espir itual, quer pela vulgaridade da
língua e do gesto, ou por um momento memorável da mente” (VALVERDE,
1982 apud GÓMEZ-ESTEBAN, 2016, p. 141) para descrever os momentos
mais delicados e fugazes, Hemingway buscava-a para descrever não apenas a
ação que um personagem realizava, mas “a emoção produzida por essa ação, um
‘evento no instante em que acontece’” (BOTERO, 1992, p. 222 apud GÓMEZ-
ESTEBAN, 2016, p. 141).
A epifania é, portanto, uma maneira de traduzir, na biografia, a vivência.
Trazendo consigo a carga etimológica do grego, das revelações divinas aos mortais,
a epifania é o fato, o acontecimento, o biografema que traz o elemento fantástico,
de desvelamento do incomensurável, do inefável, para a frágil mente humana.
Voltando-se, por fim, às últimas palavras de Getúlio Vargas e Virginia Woolf,
tem-se dois trechos marcantes que elencam, num único lampejo, não apenas a
fragilidade de seus espíritos, mas também a solidez de seu desespero.
Eu sinto que eu fui longe demais dessa vez para voltar. Estou certa agora
que estou ficando louca de novo. É exatamente como foi da primeira
vez, eu estou sempre ouvindo vozes, e estou certa que não vou superar
isso dessa vez. (WOOLF apud DALLY, p. 131).
7 Deve-se lembrar da delicada tomada do suicídio pela geração romântica, que desde Os Sofrimentos
do Jovem Werther, do alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), aos sonetos do brasileiro
Álvares de Azevedo (1831-1852), carregam consigo um profundo pessimismo ultrasentimental, que vê
na morte a solução para as desilusões e os pesos do mundo. O livro de Goethe, em especial, que narra
as desventuras de um jovem aristocrata que se suicida por uma desilusão amorosa, gerou pela Europa
um efeito de contágio apelidado de Efeito Werther.
8 A jornalista estadunidense Janet Flanner, cujo pai também se suicidou, reconta o suicídio de Hemin-
gway como “o melodrama final da sua existência espetacular” (FLANNER, 2006, p. 18). Em seguida,
ela define o suicídio, a partir de uma visão “mais racionalista e agnóstica” que a do escritor, “como um
ato de busca de liberdade [...] possível e permissível de libertação de qualquer cativeiro humilhante, na
Terra, que não pudesse mais ser tolerado com respeito próprio” (FLANNER, 2006, p. 19).
171
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Desta forma, a epifania nada mais é do que uma outra forma de identificar o
afeto por trás do real, é um biografema que une o factual ao fantástico. Amparado
pela riqueza factual da vida, a biografia possibilita espaços de sensibilidade
igualmente ricos, eleitos pelo próprio autor, que em seguida os oferece ao leitor.
E, em meio a esses salões recriados dos escombros de uma vida que já se foi,
o autor tem a chance de compartilhar também sentimentos impossíveis, como
a dor e o desespero. A carta de suicídio não é, finalmente, uma resposta a uma
questão inconcebível, mas um chamado a um afeto incompreensível. É o brilho
de uma joia escondida na escuridão mais densa.
Considerações finais
172
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Referências
173
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
174
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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175
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
176
III Narrativas
e contextualizações
Metodologia para identificação de processos
transcriadores em narrativas jornalísticas
Introdução
178
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Abordagem metodológica
Preâmbulo conceitual: transcriação
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7 Importante ressaltar, neste ponto, o conceito de “tríplice mimese”, elaborado por Paul Ricoeur, no
que diz respeito aos atos de “resistência e contestação” do leitor (e/ou usuário etc.) diante de algo a ser
consumido e interpretado. Apesar de, neste capítulo, buscar-se percorrer tal “movimento” interpretativo
sob outros aspectos teóricos – com base, principalmente, em Paes (1995) e Rancière (2012) –, há que
se ressaltar certos pressupostos conceituais e éticos elencados por Ricoeur (2007, p. 159), a serem me-
lhor desenvolvidos em trabalhos futuros, de modo a também aproximá-los da lógica metodológica aqui
apresentada: “Em ‘architecture et narrativité’, Catalogue de La Mostra ‘Identitá e Differenze’, Triennale
de Milan, 1994, eu havia tentado transpor para o plano arquitetural as categorias ligadas à tripla mime-
sis expostas em Tempo e Narrativa (...): prefiguração, configuração, refiguração. Eu apontava no ato de
habitar a prefiguração do ato arquitetural, na medida em que a necessidade de abrigo e de circulação
desenha o espaço interior da moradia e os intervalos dados a percorrer. Por sua vez, o ato de construir
se dá como o equivalente espacial da configuração narrativa por composição do enredo; da narrativa
ao edifício, é a mesma intenção de coerência interna que anima a inteligência do narrador e do cons-
trutor. Enfim, o habitar, resultante do construir, era tido pelo equivalente da ‘refiguração’ que, na ordem
da narrativa, produz-se na leitura: o morador, como o leitor, acolhe o construir com suas expectativas
e também suas resistências e suas contestações. Eu concluía o ensaio com um elogio da itinerância”.
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Tradução e transleitura
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O método
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A revista
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Case “O procedimento”
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[...]
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[...]
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[...]
188
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[...]
Não, ninguém pode dizer o que uma mulher deve fazer com o próprio
corpo. Felipe, o caçula, estava com febre e dor de garganta. Será que o
pai do menino lhe ministrara as gotas de ibuprofeno? (MANIR, 2018,
p. 34).
[...]
[...]
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Narratividade polissêmica
Preocupação ético-social
Considerações finais
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Referências
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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193
A juventude ao alcance de suas mãos:
uma análise dos discursos sobre a velhice
em cinquenta anos de Veja (1968 – 2017)
Introdução
194
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Como questão biológica e discursiva, constitui-se tanto nos corpos físicos dos
sujeitos, que percebem em si as marcas da passagem dos anos, quanto no
corpo social de uma coletividade (ocidental, ao menos) que é assinalada por um
hedonismo crescente (LIPOVETSKY, 2005) e pela promoção da juvenilidade
(MORIN, 1997).
Conforme lembra Beauvoir (1990), apesar de ser um fato que transcende
a história (o homem sempre esteve, de uma forma ou de outra, sob a tutela
do tempo) a velhice, em seus múltiplos aspectos simbólicos, foi percebida de
maneiras plurais, variando conforme o contexto.
Podendo, ainda, ser vista como o resultado do investimento do discurso
médico sobre o corpo envelhecido (KATZ, 1996), a velhice traz, de modo
intrínseco, desde essa origem, as ideias de que a decrepitude seria uma
característica invariável desse ponto do ciclo vital e de que, nesse momento, o corpo
se degeneraria inevitavelmente. A juventude, em contrapartida, configurando-
se em valor, deixa de ser restrita a determinado instante do desenvolvimento e
passa a ser meta e desejo, um sonho de uma sociedade (DEBERT, 1999; LINS
DE BARROS, 2004).
Com o crescimento demográfico mundial da população com mais de 60
anos, contudo, todo um mercado buscou ressignificar tais traços estigmatizados
(GOFFMAN, 2008), na tentativa de consolidar uma identidade, em um sentido
de produção cultural e discursiva (HALL, 2000), mais plena de realização
(SARTRE, 1997). A terceira idade, a melhor idade e o público sênior (não
mais chamado de velho, deve-se perceber), assim, seriam tentativas não de
superação de imagens negativas, mas de postergação delas (LENOIR, 1979),
associando matizes menos nebulosas a um nicho comercial em expansão.
Em relação ao Brasil, de modo mais específico, há uma premência de se
discutir a questão da velhice mais profundamente. Entre os anos de 2012 e
2017, a população idosa no país aumentou 19% e, em 2017, o número de
pessoas com mais de 60 anos atingiu a marca de 30 milhões. Estima-se, ainda,
que em 2031 o Brasil já será composto, demograficamente, mais por idosos do
que por crianças e adolescentes (COSTA, 2018). Discutir e compreender tais
elementos, bem como seus impactos políticos, econômicos e sociais, mostra-se
então fundamental.
O jornalismo, pois, é aqui percebido como o “discurso revelador/plasmador
da sociedade contemporânea” (BERGER, 1996, p. 188) e como prática
social e discursiva cujas tramas costuram o presente, ao passo que dá a ver/
corrobora para a construção de determinados reais. Ainda sob esse ponto de
vista, o jornalismo pode ser compreendido como “um lugar de circulação e de
produção de sentidos” (BENETTI, 2008, p. 107) e como um discurso dotado
de características específicas. Conforme lembra Benetti (2008), o discurso
jornalístico poderia ser concebido como dialógico, polifônico e opaco, uma vez
que apresentaria um caráter interdiscursivo e intersubjetivo, que seria composto,
195
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
196
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
[...] posições políticas e ideológicas, que não são feitas de indivíduos, mas
que se organizam em formações que mantêm entre si relações de anta-
gonismo, de aliança ou de dominação [...] podendo incluir uma ou vá-
rias formações discursivas interligadas. (HAROCHE; HENRY; PÊCHEUX,
1971 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 241)
197
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Para quem faz questão de ser bonita, manter a forma é uma luta que dura
toda a vida. Mas existem alguns cuidados que devem ser tomados desde
cedo e problemas que só surgem em determinadas etapas da existência.
Fazer ginástica ajuda a manter o peso e a elasticidade da pele. Já foi
criada até uma série de exercícios para manter o rosto sem rugas. Para
fazê-los, basta articular, forçando os músculos da face, as cinco vogais
nessa ordem: A, O, U, E, I. (A MEDICINA..., 1981, p. 64) (T13 SD 24).
A blogueira Carol Magalhães, 38 anos, é um exemplo de como a preven-
ção precoce é a maior aliada do espelho: “Só uso produtos antienvelhe-
cimento para a minha idade, vou atrás deles. Sei que com isso chegarei
aos 50 anos com uma pele boa e jovem, algo diferente da referência que
tenho de mulheres nessa faixa etária quando eu tinha 20 anos”. É um
bom sonho de juventude. (VIDALE, 2017, p. 92) (T118 SD 241).
201
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Tendo em vista aquilo que foi coletado e analisado, foi possível constatar dois
grandes núcleos de sentido, duas grandes categorias dentro das quais, mesmo em
diferentes momentos e de diferentes modos, sentidos comuns foram reiterados
por Veja. A tabela a seguir (tabela 2) expõe, portanto, as Formações Discursivas
percebidas, o número de sequências que cada uma agrega e a sua ocorrência.
202
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
A FD que se mostrou dominante, uma vez que agregou mais de setenta por
cento das sequências coletadas em todo o período de análise, permitiu que uma
velhice muito específica fosse constituída e consolidada nas páginas de Veja.
Não se trata da velhice do número crescente de idosos, tampouco da velhice
pauperizada à qual estão submetidos muito velhos brasileiros, mas da velhice
que é de uma esfera privada, de um processo de envelhecimento que está nas
mãos dos sujeitos que o vivenciam diariamente e que, portanto, possuem meios
de torná-lo menos agressivo ou até mesmo impedi-lo. Trata-se de um discurso
que tende a reprivatizar o processo de envelhecimento (DEBERT, 1999).
Para além desse núcleo de sentidos, contudo, uma segunda FD também foi
percebida. Com um total de 64 sequências, e uma representatividade da ordem
de 26,55%, ela construiu espaços para uma velhice pública, de características
coletivas e sociais.
Aspectos sobre a velhice que ultrapassam a esfera privada, concernentes,
por exemplo, a políticas públicas, foram aqui englobados. Questões como
aposentadoria, legislação específica, aumento demográfico do número de idosos
e sobrecarga da previdência tiveram vez, opondo-se à perspectiva que toma a
velhice meramente como relativa ao sujeito. A terceira idade, tomada como
fase positiva, gerando impacto social, também foi o foco em alguns textos. As
sequências abaixo ilustram tais pontos.
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Referências
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
A AURORA dos cinquentões. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 41, ed. 2068, 2008.
A MEDICINA da beleza. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 14, ed. 658, 1981.
A MELHOR idade. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 39, ed. 1920, 2005.
ALISAR ou não alisar. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 40, ed. 1990, 2007.
ALLEGRETTI, Fernanda. Envelhecer no século XXI. Veja. São Paulo: Editora
Abril, ano 49 ed. 12, 2016.
CAPRIGLIONE, L.; LEITE, V. A batalha começa aos quarenta. Veja. São Paulo:
Editora Abril, ano 28, ed. 1399, 1995.
CERCO à velhice. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 06, ed. 252, 1973.
CONSTRUÇÃO da beleza. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 19, ed. 933,
1986.
DIREITO ao futuro. Veja. São Paulo: editora Abril, ano 26, ed. 1287, 1993.
JUVENTUDE agora em pílulas. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 02, ed. 21,
1969.
MELO, Carolina. A matemática da beleza. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano
48, ed. 17, 2015.
MELO, Carolina. O truque da segunda pele. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano
49, ed. 20, 2016.
NEIVA, Paula. As idades do corpo. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 39, ed.
1957, 2006.
PINHEIRO, Daniela. Inteiras na meia-idade. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano
36, ed. 1793, 2003.
VEIGA, Aida. Sexo depois dos 40 (agora fora das telas). Veja. São Paulo: Editora
Abril, ano 33, ed. 1650, 2000.
VENTUROLI, Thereza. Viver mais e melhor. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano
37, ed. 1871, 2004.
209
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
VIDALE, Giulia. O sonho da juventude. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 50,
ed. 46, 2017.
VIVENDO a terceira idade. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 06, ed. 428,
1976.
VIVER bem é a melhor vingança. Veja. São Paulo: Editora Abril, ano 25, ed.
1306, 1993.
210
A Hermenêutica de Profundidade
e os apontamentos teórico-metodológicos
de análise das narrativas jornalísticas
Introdução
211
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
212
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Abordagem metodológica
É com o filósofo Paul Ricoeur (1976, 1998, 2010) que se tem uma
contribuição bastante original aos estudos da hermenêutica, na medida em
que ele busca refletir sobre o ato interpretativo como fenômeno e utilizando o
subsídio da linguagem para entender a compreensão como um modo de ser.
O projeto hermenêutico de Ricoeur constitui-se em um guia metodológico, de
orientação de leitura e escrita de obras literárias e outros textos; configura-
se como um método cujo objetivo é compreender uma obra. Para o filósofo,
hermenêutica diz respeito à “teoria das operações da compreensão em sua
relação com a interpretação de textos”, a fim de desvelar o sentido do ser
pelos movimentos de leitura (RICOEUR, 1988, p. 299). Desse modo, o
autor acredita que a hermenêutica pode oferecer tanto uma reflexão teórico-
conceitual quanto uma ferramenta metodológica que se expressa nos
seguintes termos:
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14 ASSASSINATOS
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Considerações finais
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Referências
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Matérias
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Jornalista e fonte na narrativa jornalística:
hierarquia, autonomia e problematizações
em conceitos teórico-metodológicos
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o jornalista precisa recorrer, “(…) esses atores sociais passam muitas vezes a
narrar como testemunhas, ganham status de personagens e voz ativa na estória,
transformando-se, em última instância, também em narradores” (MOTTA,
2013, p. 230). Ciente de seu papel enquanto ator social, ele age para defender
seus próprios interesses. Dependendo do cargo que ocupa e de sua posição
na narrativa, poderá ter maior ou menor poder de voz. O autor deixa claro que
aquele que está subordinado em um primeiro momento poderá ser subordinador
em um momento posterior, pois essa relação é fluída e dinâmica.
No modelo de análise de Motta (2013), o primeiro narrador, ou seja, o
veículo, tende a exercer o maior poder da cadeia, estipulando o que o repórter
vai abordar e investigar, mas isso não significa que não haja abertura para
distintas perspectivas. A personagem-fonte que está sendo abordada pelo
jornalista também não é ingênua. Ela sabe do poder social que a mídia possui.
Seu discurso, portanto, estará alinhado aos resultados que deseja alcançar
mediante exposição, mediante fala (MOTTA, 2013). As fontes sabem de sua
importância para o jornalismo, sabem que o jornalista busca suas informações
para associar credibilidade aos seus relatos.
A fala da personagem poderá permear todo o texto jornalístico com citações
diretas ou indiretas dependendo de sua relevância para a narrativa. Ao tomar
consciência da visibilidade que a mídia proporciona, as fontes tentam distorcer
fatos em seu próprio benefício e em prol do favorecimento das instituições das
quais fazem parte; para isso, contam com o apoio de assessorias de imprensa.
Para Hall et al. (2016), a fonte e o jornalista possuem uma relação diferente
daquela pensada por Motta (2013). Hall et al. (2016) procuram dar o enfoque
para as fontes, pois as consideram mais decisivas em termos de enquadramento
do que o jornalista, seus olhares estão sobre a fonte, enquanto Motta (2013)
busca complexificar tal questão.
Os autores trazem à tona a discussão sobre os critérios de noticiabilidade
e enfatizam o quão relevantes são os rituais na rotina de produção para facilitar
que alguns objetivos sejam atingidos, a exemplo dos ideais de imparcialidade
e de objetividade. Para tanto, os jornalistas procuram fontes oficiais disponíveis
que possam dar mais confiabilidade ao conteúdo. A partir desse critério, vozes
que comumente falam se tornam cristalizadas e desenvolvem um domínio sobre
as demais. Os jornalistas transferem a responsabilidade do conteúdo para as
fontes noticiosas, munidos de um ideal de objetividade, fingindo não narrar e
fingindo descrever os fatos tal como acontecem.
Wolf (2003) e Tuchman (2016) acreditam que a consulta a determinadas
vozes acontece não exatamente por uma questão ideológica, mas por um
exercício rotineiro atrelado à rotina de produção. Limitados pela lógica do tempo
e do furo de reportagem, e para se resguardar de problemas em relação a
questionamentos sobre a parcialidade na interpretação dos fatos, os jornalistas
consultam geralmente as mesmas fontes em seu dia a dia. Para Wolf (2003), os
230
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
231
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
caso, observamos que a teoria de Motta (2013) busca orientar para o relativismo
e a importância da voz de cada figura na narrativa, atribuindo poderes a cada
uma delas. Embora também esse autor deixe claro que o poder é transitório e
depende do papel que cada um exerce em um determinado contexto: o veículo
orienta a linha editorial a ser seguida; o jornalista enquadra a história; e a
fonte decide se fala, e em quais condições. Entretanto, um poder considerável é
destinado ao jornalista por sua capacidade de negociar com o veículo e com a
fonte, pois é ele quem narra a partir do critério de noticiabilidade valor-narrativa.
O modelo de análise de Motta (2013) está voltado à teoria da narrativa,
portanto, é compreensível que haja uma importância especial ao narrador. Seu
modelo teórico dividido em sete movimentos busca exatamente direcionar o foco
para quem narra os fatos, a exemplo de como o narrador estrutura a narrativa,
qual modelo organiza seu texto, como constrói seu enredo com base na intriga,
como elenca a sequência dos episódios, em torno de qual conflito dramático a
narrativa se estrutura, quais as pessoas que escolhe para fazer parte do texto,
quais as estratégias argumentativas utilizadas e em qual pano de fundo cultural
a narrativa está estruturada.
Trata-se de um material muito rico, porém, alguns questionamentos podem
ser desenvolvidos com base na responsabilização do profissional, entre elas: não
contar com a possibilidade de o editor atualizar o texto do repórter e ali estarem
impressas não necessariamente o recorte de quem assina a matéria, em uma
atitude que deixa evidente o poder do narrador-veículo sobre os demais narradores.
Na teoria problematizada por Hall et al. (2016) temos também uma
abordagem diferente que evidencia a importância da fonte em detrimento
das demais vozes na narrativa. A concepção revelada no artigo “The Social
Production of News: Mugging in the Media” publicado primeiramente no livro
“The Manufacture of News” de Stanley Cohen e Jock Young e, posteriormente,
no livro de Nelson Traquina “Jornalismo: questões, teorias e estórias”, traz à tona
a importância das fontes de forma decisiva nos meios de comunicação, uma
vez que possuem legitimidade por portarem o discurso da classe dominante.
Elas são privilegiadas e estão em um patamar de superioridade em relação aos
demais membros da sociedade, pois revelam um ethos distintivo e ocupam
cargos como representantes de órgãos do poder executivo, legislativo, judiciário,
administrativo, entre outros. Essas figuras públicas são consultadas todas as
vezes que há necessidade de checar alguma informação, ou seja, determinadas
pessoas são mais portadoras da verdade do que outras e, na narrativa jornalística,
elas se tornam personagens centrais, são os primeiros a definir uma situação, a
construírem o enquadramento do problema.
Essa concepção não leva em consideração que, dependendo da linha
editorial de um veículo, o poder de decisão de uma fonte, a exemplo de um
político de um determinado partido, é quase nulo, uma vez que o veículo não dá
espaço para o seu conteúdo específico ou mesmo age para distorcê-lo.
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
procuram trazer o foco para tais falas. Essa concepção é confirmada por Miguel
e Biroli (2010), os quais mostram que, como os jornalistas pertencem à classe
dominante, os mesmos abrem espaço para a voz dessa classe, não havendo,
portanto, um pluralismo.
Na complexa relação dos jornalistas com as fontes e a política editorial da
organização empresarial, podem-se registrar duas perspectivas diametralmente
opostas, ainda que igualmente consideradas equivocadas por Serra (2001).
Por um lado, uma abordagem liberal-pluralista, vinculada a uma concepção
dos veículos de comunicação de massa como “organizações independentes
da estrutura de poder da sociedade, controladas principalmente externamente
pelos seus consumidores e pela competição entre as fontes e internamente
pelos seus profissionais, influenciados pelos valores comuns da sociedade”
(SERRA, 2001, p. 85). Dentro dessa perspectiva, compete, idealmente, à mídia
noticiosa as funções de vigilância sobre os governos, garantia de acesso de
todas as interpretações e a disponibilização de representações objetivas para o
estabelecimento de um debate amplo e geral nas questões de interesse público.
Por outro lado, na perspectiva oposta, a abordagem radical denuncia que os
meios de comunicação exercem, principalmente, a função de veiculação da
ideologia da classe dominante, devido à sua subordinação aos interesses do
Estado capitalista e demais organizações poderosas na sociedade, apresentando
uma atuação controlada pelos governos, anunciantes e proprietários, sob a
influência das condições econômicas do mercado, a exemplo da concepção
marxista estruturalista de Althusser (1980).
Na superação deste reducionismo dicotômico entre a liberdade absoluta de
atuação do jornalista, porteiro responsável pela passagem de acontecimentos,
fontes e versões para se transformarem em notícia, por um lado, e, por outro, a
determinação total da atuação do profissional pela política editorial ditada pelos
controladores do investimento de capital no negócio da indústria das notícias,
apresenta-se como esclarecedora a reflexão de Breed (2016).
Segundo o teórico estadunidense, idealmente, numa democracia plena, não
existiria nenhum problema de “controle” ou de “política” no jornal. As decisões
estariam condicionadas exclusivamente pela natureza do acontecimento e a
habilidade do repórter para o descrever. Na realidade empírica, porém, verifica-
se que o proprietário define a política editorial que é, geralmente, seguida pelos
membros do corpo redatorial. Para Breed (2016), a aceitação, no entanto, não é
automática devido às normas éticas da ideologia profissional do jornalismo, que
prescrevem aos veículos uma autocompreensão normativa comprometida com
a autoridade do público; ao fato dos jornalistas funcionários terem posições e
interesses ideológicos diferentes dos seus patrões e poderem invocar as normas
éticas para justificar enquadramentos além dos limites da política editorial; e ao
“tabu ético”, que impede o proprietário de obrigar abertamente seus subordinados
a seguirem a sua orientação, sob pena de desmoralizar a imagem do veículo e
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Conclusão
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Referências
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IV Narrativas
convergentes
Cobertura jornalística transmídia de megaeventos
esportivos: proposta metodológica aplicada às Olimpíadas
de Sochi (2014) e do Rio de Janeiro (2016)
Lorena Tárcia
Geane Alzamora
Renira Gambarato
Introdução
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10. Estética Que tipo de elementos visuais (vídeo, fotos, infográficos, animações,
newsgame, holografia etc) são utilizados na cobertura?
A aparência geral da cobertura é realista ou um ambiente composto (uso
do grafismo, a holografia, o jornalismo de imersão, realidade aumentada)?
É possível identificar estilos de design específicos na cobertura?
Como funciona o áudio na cobertura? Existe som ambiente, efeitos
sonoros, música, e assim por diante?
Existem experiências visuais com incorporação de drones por exemplo?
Cobertura jornalística dos Jogos Olímpicos de Sochi (2014) e Rio de Janeiro (2016)
Objetivos e premissas
Estrutura e contexto
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News Storytelling
Construção do universo
Personagens
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pelo Comitê Olímpico, com suporte das emissoras oficiais (TÁRCIA, 2015).
No Rio, a visibilidade do estúdio da Rede Globo, no Parque Olímpico,
criou um fenômeno diferenciado em termos de coberturas Olímpicas. Durante
as principais transmissões televisivas, muitas pessoas se aglomeraram na
frente do prédio e acabaram sendo incorporadas ao show. Mesmo com esta
iniciativa, o controle excessivo, os regulamentos e os interesses econômicos do
COI restringiram a capacidade geral do público para participar ativamente da
cobertura de notícias de forma colaborativa. Portanto, o público não pode ser
considerado personagem principal da mídia em nenhuma das duas coberturas.
Extensões
Plataformas e gêneros
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Audiência e mercado
Engajamento
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para experimentá-lo, pode clicar aqui ou ali, pode reagir às entradas das redes
sociais, mas não é capaz de colaborar e co-criar” (GAMBARATO, 2012, p.
76). A participação implica cocriação, envolvendo o público “de uma forma
que expressa sua criatividade de forma única e surpreendente, permitindo-lhes
influenciar o resultado final” (GAMBARATO, 2012, p. 74).
Como reflexo, Channel One, em sua cobertura, privilegiou a interação em
detrimento da participação real. Portanto, a cobertura do Channel One funcionou
como um atrator cultural que conquistou “uma comunidade de pessoas que
compartilham interesses comuns” (JENKINS, 2009, p. 26), mas não como
um ativador cultural, o que daria à comunidade algo significativo a fazer em
perspectiva colaborativa.
De acordo com o estudo divulgado pela empresa de marketing SocialBrain
(SOUTELO, 2016), a Rede Globo alcançou o maior envolvimento de qualquer
marca em mídias sociais online durante os Jogos Olímpicos do Rio 2016.
Entretanto, como já ressaltado, as regras e regulamentos do COI diminuíram
as oportunidades para promover a participação, em perspectiva cocriativa, da
audiência na cobertura dos Jogos.
Estética
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Considerações finais
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Referências
BARKHO, G. How social media changed the Olympics, and what it means for
#Rio2016. Later., 11 ago. 2016. Disponível em https://later.com/blog/how-
social-media-changed-the-olympics-and-rio-2016/. Acesso em: 22 ago 2016
FAST, K.; ÖRNEBRING, H. Transmedia world-building: The Shadow (1931–
present) and Transformers (1984–present). International Journal of Cultural
Studies, Londres, 2015.
FELTRIN, R. Exclusivo: Globo investiu US$ 250 milhões na Rio 2016 [Exclusive:
Globo invested US$250 million on Rio 2016]. UOL, Rio de Janeiro, 21 ago.
2016. Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br Acesso em: ago 2017.
FREEMAN, M. Industrial approaches to media: A methodological gateway to
industry studies. Londres: Palgrave Macmillan, 2016a.
FREEMAN, M. Historicising transmedia storytelling: Early twentieth-century
transmedia story worlds. Nova Iorque: Routledge, 2016b.
GAMBARATO, R. R. Signs, Systems and Complexity of Transmedia Storytelling.
Communication Studies, Londres, v. 12, p. 69–83, 2012.
GAMBARATO, R. R. Transmedia project design: Theoretical and analytical
considerations. Baltic Screen Media Review, Londres, v. 1, p. 80–100, 2013.
GAMBARATO, R. R.; TÁRCIA L. Transmedia Strategies in Journalism: An
Analytical Model for the Coverage of Planned Events. Journalism Studies,
Londres, v. 18, n. 11, p. 1381–1399, 2017.
251
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O jornalismo e as zonas intermediárias
de circulação: uma abordagem metodológica
Primeiros movimentos
1 O sistema midiático, no que ele tem de jornalístico, objeto de nosso interesse neste capítulo, é
composto pelo conjunto de dispositivos, em seus aspectos organizacionais ou institucionais, que, isola-
damente ou em seu conjunto, oferecem sentidos de natureza jornalística, caso, por exemplo, dos sites,
jornais, revistas, rádios etc.
254
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
A Rede Globo, enfim, não conseguiu mais esconder o que o Brasil todo havia
visto e repercutido nas redes sociais: protestos contra a violência no Rio de
Janeiro e críticas aos políticos, especialmente Michel Temer, e às questões
sociais foram uma marca forte e indiscutível deste Carnaval. Inicialmente,
o telejornal deu um tempo bem menor para a Paraíso do Tuiuti no dia
anterior, em relação às outras escolas. Além disso, durante a transmissão
dos desfiles, os apresentadores se calaram e sequer citaram os protestos.
255
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Delimitações conceituais
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A processualidade do objeto
Assédio sexual na Rede Globo de Televisão
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: #Agoraéquesãoelas
262
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: O Dia.
Fonte: ClicRBS.
263
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264
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Facebook.
265
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Twitter.
Imagem 8: blogosfera17
266
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: G1.
267
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: G1.
268
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Lócus.
Fonte: Facebook
269
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Bambô.
Fonte: Bambô
271
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Twitter.
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Facebook.
Fonte: G1.
273
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Fonte: Bambô.
Considerações interpretativas
274
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
semelhante às ZICs (as zonas de contato). É dizer, por outras palavras, que, em
se tratando de compreender reflexivamente as ZICs na perspectiva jornalística,
todo movimento é seminal, da ordem do porvir.
O segundo aspecto está relacionado à estratégia metodológica mais
adequada para dar conta de uma problemática dessa natureza. Se, de um
lado, sugerimos, neste capítulo, que “seguir as pistas” discursivas nos permite
compreender, ao fim, as reconfigurações narrativas que sofrem os dispositivos,
também é importante lembrar, como dito, e agora com Bergson (1995), que
o objeto está em movimento. Assim, muda constantemente, constituindo-se,
esta, antes uma característica do mesmo que um obstáculo. Bem por isso,
segue sugerindo que as ferramentas metodológicas utilizadas até então, sejam
no plano na comunicação, ou em sua especificidade jornalística, talvez não
sejam as mais adequadas para dar conta de uma problemática dessa dimensão.
É bem verdade que a abordagem qualitativa, com suas dimensões pragmáticas
e reflexivas, nos posiciona melhor diante do objeto. É por meio dela, por exemplo,
que definimos caminhos empíricos (gráficos, marcas textuais, processualidades
etc.) e sua necessária interpretação, mas isso antes de maneira indiciática que
peremptória. Ou seja, usando uma expressão referenciada em algum momento
neste capítulo, como indicador da existência de camadas mais profundas de
significação que como resultado efetivo. Resta ainda, portanto, considerando que
nossos esforços de pesquisa caminham neste sentido, o movimento do objeto e
a relevância e atualidade do fenômeno em questão, compreender este como um
desafio a ser considerado doravante em nosso percurso de pesquisa.
Referências
275
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Proposta metodológica para análise
de reportagens hipermídia
Alciane Baccin
Ensaios gerativos
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Entendendo a teoria
2 É a partir de Derrida que Landow reconhece que o hipertexto incorpora a abertura textual defendida
pela teoria pós-estruturalista.
278
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
do hipertexto abre o texto para uma gama de relações com outros textos e libera
o usuário à percepção de múltiplas interconexões. Essas interconexões são
possibilitadas pelos links que unem os vários textos que se relacionam.
2) Já o conceito de descentralização caracteriza o hipertexto como um todo
composto por vários fragmentos de textos conectados, formando um sistema
onde o leitor escolhe o centro de experiência, onde “o hipertexto se experimenta
como um sistema que se pode descentrar e recentrar até o infinito, em parte
porque transforma qualquer documento que tenha mais de um link em um
centro passageiro”3 (LANDOW, 2009, p. 89, tradução nossa). Isso quer dizer
que o texto principal é determinado pela lexia, nó ou fragmento de texto que o
leitor lê no momento, na medida em que acessa outra lexia o centro se desloca
também. A descentralização se refere também à ausência de uma hierarquização
mais rígida dos textos.
3) Para definir a multivocalidade como uma característica do hipertexto,
Landow (2009) recorre a Bakhtin (1981). De acordo com Bakhtin, o conceito
de polifonia é como se na narrativa estivesse inserida a réplica do outro, “o
nosso discurso da vida prática está cheio de palavras de outros. Com algumas,
fundimos inteiramente a nossa voz, esquecendo-nos de quem são; com outras,
reforçamos nossas próprias palavras (...); por último, revestimos terceiras das
nossas próprias intenções” (BAKHTIN, 1981, p. 181). A conceituação de
polifonia de Bakhtin pode abarcar duas formas de interpretação: tanto a de que
a narrativa do autor é construída a partir da multiplicidade de vozes de outras
pessoas com as quais o autor se relaciona em toda a sua vivência, bem como a
possibilidade de uma escrita colaborativa, onde outros vozes possam elaborar a
narrativa de modo cooperativo.
4) O rizoma, outra característica do hipertexto identificada por Landow
(2009) está intimamente relacionado com o conceito desenvolvido por Deleuze
e Gattari (1995), a partir da metáfora com a botânica4. Segundo os autores,
no rizoma não existem caminhos certos, não há uma forma fechada, não há
conexões definitivas, pois qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado
a qualquer outro, conectando assim cadeias semióticas de toda natureza. O
rizoma contrapõe-se à ideia de hierarquia porque um rizoma pode oferecer
muitos começos e muitos fins.
5) Embora Landow (1995, 1997, 2009) não deixe claro que considera
a intratextualidade uma característica do hipertexto. Essa característica fica
subentendida na obra do autor quando aborda a questão dos enlaces eletrônicos
3 “El hipertexto se experimenta como un sistema que se puede descentrar y recentrar hasta el infinito,
en parte porque transforma cualquier documento que tenga más de un enlace en un centro de pasajeros”
(LANDOW, 2009, p. 89).
4 A noção de rizoma foi adotada da estrutura de algumas plantas cujos brotos podem ramificar-se
em qualquer ponto, assim como engrossar e transformar-se em um bulbo ou tubérculo; o rizoma da
botânica, que tanto pode funcionar como raiz, talo ou ramo, independente de sua localização na figura da
planta, servindo para exemplificar um sistema epistemológico onde não há raízes - ou seja, proposições ou
afirmações mais fundamentais do que outras - que se ramifiquem segundo dicotomias estritas.
279
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
que podem ser utilizados “para elaborar um mapa das alusões e referências do
texto, tanto internas como externas – sua inter e intratextualidade”5 (LANDOW,
2009, p. 106). A intratextualidade diz respeito às ligações internas que podem
existir entre lexias dentro de uma mesma obra. Nas reportagens jornalísticas
hipermídia, a intratextualidade é percebida em vários momentos da narrativa:
para acionar vídeos e áudios, acessar galerias de imagens e infográficos,
direcionar a narrativa para outros capítulos.
Essas características atribuídas por Landow ao hipertexto dizem respeito
às narrativas ficcionais. Por outro lado, de acordo com Landow (2009, p. 279),
o hipertexto informativo precisa utilizar-se de retóricas de orientação, navegação
e ponto de partida para que o leitor possa orientar-se na informação. A partir
dessa afirmação, percebo a necessidade de identificar quais características
então são pertinentes ao hipertexto jornalístico.
Tensionando a teoria
5 “... para elaborar un mapa de las alusiones y referencias del texto, tanto internas como externas - su
inter e intratextualidade” (LANDOW, 2009, p. 106).
6 esta escritura fragmentada no implica en sí misma ausencia de organización u orden lógico, ya que
el autor mantiene su responsabilidad de articulación jerárquica de todo el conjunto.
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Abordagem metodológica
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8 ... even with trends such as “big data” or the “internet of things” gaining momentum, our social world
is not yet entirely made of pieces of data and meta-data, neatly mapped and interconnected.
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O objeto de análise
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por trás da primeira camada (ver Figura 1). Os conteúdos das lexias Lm3,
Lm6 e Lm7 estão na segunda camada informativa, onde cada um assume a
denominação de lexias modulares ocultas: Lm3O, Lm6O e Lm7O. As demais
informações da Lexia Capitular 1 (Figura 1) estão todas na primeira camada.
290
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
comunicativa nos capítulos, o que cada uma expressa. Na reportagem Crise da Água
– Líquido e Incerto reconheço cinco modalidades comunicativas diferentes: texto,
vídeo, fotografia, infografia e videografia. A modalidade que mais vezes aparece é a
fotografia, precisamente 56 imagens estáticas diferentes compõem a reportagem.
Para compreender o objetivo de cada modalidade comunicativa na composição
da história contada, identifico assuntos que perpassam por várias modalidades.
No geral, as modalidades comunicativas nesta reportagem são utilizadas para
expressarem problemas, informar sobre questões técnicas, ambientar temáticas,
expor a avaliação de especialistas, apresentação de personagens e soluções
possíveis. Para entender os objetivos das modalidades comunicativas, em utilizar
determinado tema para contar a história, realizo a análise de cada modalidade.
291
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
com os resultados das análises dos dois níveis e seis categorias construídas
com a matriz teórico-metodológica proposta.
As bases de dados são reveladas A multivocalidade tem relação O formato longo de narrativa
por links narrativos do tipo direta com a humanização requer que a maioria dos links
complementação e detalhamento. dos relatos, quando expõe a de navegação sejam conjuntivos,
Os recursos de imersão são história de 18 personagens necessitando apenas da barra
distribuídos em todos os tipos que têm suas vidas impactadas de scroll para o acesso à
de links narrativos. Nos links de pelos problemas hídricos. Os reportagem. Os links sendo
particularização e contraponto, a relatos das histórias de vida conjuntivos também viabilizam
proposta imersiva é acionada por e dos dramas vividos pelos uma das características do
meio de recursos de linguagem. Os personagens têm potencial longform que é a verticalização
recursos visuais e sonoros também imersivo. As múltiplas vozes da narrativa. Os links
Variantes
contribuem para a proposta podem acionar por meio conjuntivos também contribuem
contextuais
imersiva. Os links de detalhamento de recursos de linguagem para a imersão, mantendo o
e complementação ativam o a sensação de imersão. O leitor com a atenção focada
potencial imersivo por meio de longform, enquanto variante na história, e não nas idas e
recursos de interação e animação. contextual, também colabora na vindas de páginas ou abas de
Os links de complementação multivocalidade, por meio do navegação.
e de detalhamento são os que texto longo, apuração profunda
mais aparecem no longform. e verticalização da história.
A humanização do relato está
presente nos links do tipo narrativo
de particularização.
Fonte: Elaboração da autora.
292
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Referências
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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Metodologias de pesquisa em jornalismo:
trabalhos apresentados nos congressos
da SBPJor (2004-2017)
Monica Martinez
Diogo Azoubel
Considerações preliminares
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Metodologia de pesquisa
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
300
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Percebe-se que apenas dois (33,33%) dos seis textos (T3 e T6)
apresentam a metodologia empregada – embora esse entendimento decorra
da leitura e interpretação do material mais do que da descrição da escalada
metodológica empreendida. Dos seis textos abordados, contudo, nenhum
descreve a metodologia empregada no resumo e no corpo do texto. Quatro
deles (66,66%) trazem pistas dessa caminhada, dois (33,33%) no resumo e
dois (33,33%) no corpo do texto.
Em seguida, foi efetuada a checagem de referências citadas e listadas
do corpus para estabelecer a literatura de base sobre o tema metodologia de
pesquisa em Jornalismo:
Tabela II – Referências
Autoras/Autores e obras
Código Referenciadas Citadas Autorreferenciadas
T1 11 11 2 (uma de cada coautor)
T2 18 16 1 (de uma das coautoras)
O texto é integralmente construído a
T3 Não há Não há
partir de reflexões do autor6
T4 36 22 4
T5 19 67 1 (de um dos coautores)
T6 45 108 --
Total 129 65 8
301
NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
Destaca-se que são referenciadas tanto obras teóricas, como os títulos de Eco,
como metodológicas, mescla que sugere a fragilidade da fundação adequada sobre
metodologia. Assim, Nelson Traquina é o único autor citado quatro vezes com três
obras distintas; seguido por Ramón Salaverría, com três citações de duas obras.
Teorias do Jornalismo (Vol. I) é, junto à Redacción periodística en Internet; O que
é, afinal, Estudos Culturais?, de Richard Johnson; e The language of new media,
de Lev Manovich, a obra mais citada (duas vezes cada). Já Jornalismo e O estudo
do jornalismo no século XX (TRAQUINA); Géneros periodísticos en los cibermedios
hispanos (SALAVERRÍA; CORES); Lector in fabula e Seis passeios pelos bosques da
ficção (ECO); El relato en la infografía digital e La infografia (VALERO SANCHO);
Infographics e Web journalism (STOVALL); A discussão metodológica e a construção
do campo jornalístico e Análise global de processos jornalísticos (STRELOW) são
citadas apenas uma vez cada e aparecem na Tabela III em decorrência de suas autorias,
usadas duas vezes nos textos analisados. A rigor, podemos dizer que há apenas
cinco obras que poderiam de fato ser classificadas como manuais metodológicos,
quatro delas sobre infografia/jornalismo on-line, a saber:
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NARRATIVAS MIDIÁTICAS CONTEMPORÂNEAS: PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
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Quadro V – Perfil
_______________
9 Não tencionamos, entretanto, abordar vínculos e/ou atividades exercidas concomitantemente, haja
vista a intenção de situar as reflexões abordadas apenas entre a prática acadêmica ou mercadológica.
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Anos Total %
2010 1 16,66
2009 1 16,66
2007 3 50
2006 1 16,66
Total 6 100
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Referências
Corpus de análise
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Mecanismos de busca
Demais referências
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Análise de narrativas jornalísticas radiofônicas:
reflexões sobre os desafios metodológicos
da pesquisa em rádio
Introdução
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radiofônicas transmitidas em tempo real. Nosso foco recaía sobre quem narra
as narrativas radiofônicas, quem são os sujeitos autorizados a enunciar as
narrativas factuais no rádio e, especificamente, como se dá o acionamento dos
ouvintes-enunciadores1 enquanto personagens das narrativas.
Mas por que escolhemos abordar essas questões a partir da perspectiva da
narrativa? Acreditamos que a abordagem pela narrativa enfatiza a função mediadora
do jornalismo, como o nexo simbólico entre os acontecimentos do mundo factual
e a experiência humana. Este viés reforça o caráter processual do jornalismo,
compreendendo-o como ação comunicativa, polifônica e intencional. A narrativa,
assim, permite-nos visualizar as porosidades do jornalismo, interpretando-o como
um palco de disputas, onde diferentes vozes entram em conflito por visibilidade,
inclusive a dos receptores, antes vistos apenas como o ponto final do processo
comunicacional.
Inicialmente identificado como um veículo de massa, em que a comunicação
se daria de maneira unilateral (FERRARETTO, 2000), o rádio também se
caracteriza pela sua capacidade de interação com o público, propriedade que
lhe é atribuída, principalmente, pelo emprego de estratégias enunciativas que
criam a sensação de proximidade entre locutor e ouvintes (FERRARETTO,
2014; ZUCULOTO, 2012; ORTRIWANO, 1985), mas também pela adoção de
diferentes ferramentas e práticas que viabilizam a relação entre as duas instâncias
comunicacionais (LOPEZ, 2010; LOPEZ et al., 2015; CEBRIÁN HERREROS,
2007; KISCHINHEVSKY, 2016). A interação com a audiência acompanha o
rádio desde sua origem, mas, atualmente, é potencializada pelas tecnologias de
informação e comunicação disponíveis.
Essa capacidade de intervir, contudo, segue sendo “limitada e filtrada por
produtores que, nos bastidores da emissora, decidem quais ouvintes poderão
expressar suas opiniões no ar” (KISCHINHEVSKY, 2016, p. 97). Assim,
nossa pesquisa partia do pressuposto de que a participação do ouvinte no
radiojornalismo é convocada pelos jornalistas durante o processo de configuração
das narrativas com diferentes objetivos e com base em critérios – tanto objetivos
quanto subjetivos – que orientam a seleção e o acionamento destes sujeitos.
A fim de investigarmos nossas suposições, nos dedicamos à análise da
participação dos ouvintes em um programa radiofônico do segmento jornalístico
com transmissão ao vivo. Elegemos como objeto a Rádio Gaúcha2 em virtude
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O isolamento das SNs relacionadas com cada caso analisado nos permitiu
extrair, dentre as várias outras pautas abordadas ao longo de cada um dos
programas, cinco narrativas coerentes. Ao quantificarmos e mensurarmos
temporalmente as SNs pudemos observar que tipo de recurso jornalístico foi
priorizado – atuação da reportagem, inserção de comentários, concessão de
voz aos ouvintes, entrevistas – permitindo-nos a comparação com as demais
narrativas analisadas. Este primeiro movimento também nos permitiu visualizar
a história em si, preparando a narrativa para a etapa seguinte, em que
direcionamos nosso olhar para a reconstrução da intriga e a identificação dos
pontos de virada, episódios e conflitos.
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Referências
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Quem são os autores e as autoras:
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Valéria de Castro Fonseca é graduada em Letras-Tradução e Letras-Língua Inglesa
pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Comunicação e Sociedade pela FAC-
UnB. Autora da dissertação sobre a construção discursiva da Comissão Nacional
da Verdade. Pesquisadora jornalista (Mtb 8713), faz parte do Grupo de pesquisa
“Jornalismo e Construção Narrativa da História do Presente”, (UnB/CNPq). É autora
de artigos publicados em periódicos e livros, e participa de encontros internacionais
do campo da Comunicação. E-mail: valfcastro@outlook.com
333
Andressa Bandeira Santana é formada em Comunicação Social, habilitação
Jornalismo, pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Bolsista CAPES,
integrante do GENALIM, Grupo de Estudos sobre Narrativas Literárias e Midiáticas
(CNPQ) e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
de Santa Cruz do Sul (Unisc). E-mail: santana.andressa@gmail.com
334
Dayane do Carmo Barretos é jornalista formada pela Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP). Concluiu o mestrado pelo Programa de Pós-Graduação
em Comunicação na mesma instituição e atualmente cursa o doutorado no
Programa de pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). É professora substituta no curso de jornalismo da
UFOP e integrante do JorNal – Grupo de Pesquisa Jornalismo, Narrativas
e Práticas Comunicacionais (CNPq/UFOP). Possui interesse nos estudos de
alteridade, gênero e sujeitos nas narrativas e práticas jornalísticas. E-mail:
dayane.barretos@yahoo.com.br
335
Felipe Viero Kolinski Machado é bolsista de Pós-Doutorado Junior (PDJ/CNPq)
junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade
Federal de Minas Gerais e professor substituto do Curso de Jornalismo da
Universidade Federal de Ouro Preto. É doutor e mestre em Ciências da
Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Jornalista pela
Universidade Federal de Santa Maria. Em suas pesquisas interessa-se,
principalmente, pelos sentidos que se constituem, na mídia e no jornalismo,
acerca das gerações, dos gêneros e das sexualidades, tendo em vista seus
discursos e rotinas produtivas. E-mail: felipeviero@gmail.com
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Karolina Calado é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação
da Universidade Federal de Pernambuco, onde desenvolve pesquisa sobre a
influência do financiamento coletivo na construção de narrativas jornalísticas
plurais. E-mail: karolinacalado@gmail.com
IV – NARRATIVAS CONVERGENTES
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Studies (com Matthew Freeman, Routledge, 2018) e Kulturdialoge Brasilien-
Deutschland–Design, Film, Literatur, Medien (com Geane Alzamora e Simone
Malaguti, Verlag Walter Frey, 2008). E-mail: renira@msn.com
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Monica Martinez é doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, com
pós-doutorado pela UMESP e estágio de pesquisa junto ao departamento de
Rádio, Televisão e Cinema da Universidade do Texas. É docente do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba
(Uniso). Uma das coordenadoras da Rede de Pesquisa em Narrativas Midiáticas
(Renami). E-mail: martinez.monica@uol.com.br
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Ao cumprir a função de nos chamar a todos para
estarmos ativos e atentos ao processo de consolidação
dos estudos da narrativa no campo das mídias, este livro
também nos diz que o tempo que hoje experimentamos não
é somente o tempo das convergências. Ele é, antes de tudo
– e é aí que está a sua força –, um enredamento de muitas
espacialidades e temporalidades dissonantes e em constante
estado de confronto. Enfrentar a narrativa como um problema
é saber desta dimensão complexa, pois é também nela que as
lutas são travadas. Por esta razão, do meu ponto de vista, os
estudos da narrativa – do qual este livro agora é cúmplice –,
quando afetados pelos desafios que nos são postos pelo ato
de narrar no mundo, evocam um gesto político e estético de
fundamental importância para o avanço das nossas pesquisas
nos campos da comunicação e do jornalismo.