Sunteți pe pagina 1din 25

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT.

2011

ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO


ESTADO:
POLÍTICAS DE REGISTROS ESTATÍSTICOS CRIMINAIS SOBRE
MORTES VIOLENTAS NO RIO DE JANEIRO E EM
BUENOS AIRES

Ana Paula Mendes de Miranda María Victoria Pita

RESUMO

Este artigo parte do interesse em produzir uma base de dados comparável das regiões metropolitanas do
Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Ao longo da pesquisa verificou-se que para atingir tal objetivo seria
necessária a explicitação dos processos técnicos e das competências políticas que, no Brasil e na Argenti-
na, deram lugar a modos específicos de produção de informação em matéria de criminalidade, com destaque
às conjunturas particulares que levaram, em cada caso, a que os dados oficiais sobre criminalidade fossem
objeto de disputas políticas, e à existência de conflitos intra e interinstitucionais. O que era, também,
matéria de que se nutria a “opinião pública” quando o debate sobre a segurança pública ascendia no
ranking da agenda pública. Tal abordagem permite concluir que as cifras falam mais sobre as instituições
que a produziram do que sobre a criminalidade ou sobre a situação das mortes violentas nas regiões
metropolitanas do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Portanto, neste artigo, tratar-se-á de apresentar como
esses dados, para poderem ser considerados comparáveis entre regiões metropolitanas tão próximas e tão
distantes como Buenos Aires e Rio de Janeiro, necessitaram ser (de)compostos e (des)agregados para
poder-se compará-los e lê-los como indicadores de formas violentas de resolução de conflitos.
PALAVRAS-CHAVE: registros; criminalidade; mortes violentas; comparação.

I. INTRODUÇÃO isto é, pensados como resultado de uma série de


processos e rotinas específicas de produção de
O que cifram as cifras? Sobre que aconteci-
informação. Parte de uma evidência etnográfica
mentos, quais processos, enfim, sobre quais da-
de que as estatísticas nem mentem, nem dizem a
dos nos falam os números? Quais rotinas buro-
verdade. Tal perspectiva permite que se levante
cráticas cristalizadas possibilitam que certos fa-
todas essas perguntas, mesmo correndo o risco
tos sejam convertidos em registros, o que, por
de não poder respondê-las e mesmo assim con-
sua vez, representam uma medida, um indicador,
tinuar mantendo-as como guias orientadoras,
uma forma de retratar a “realidade” de forma
como parte de nossa caixa de ferramentas para
pretensamente objetiva e padronizada, mas que
pensar as cifras oficiais referidas aos delitos
conforme lido e interpretado pode-se revelar um
registrados. Isso significa afirmar que não
número valioso de disputas políticas corporativas
estamos tratando de “estatísticas”, mas sim de
(policial e judicial) e midiáticas no processo de
processos de construção de registros de infor-
formulação de políticas públicas?
mações que, ao serem quantificadas, passam a
Essa abordagem é sobre os dados quantitati- representar oficialmente diferentes tipos de fe-
vos referentes à criminalidade1, qua constructo, nômenos e consolidam-se como argumentos
políticos na esfera pública.
1 Julga-se que o uso da categoria “criminalidade” é mais
adequado do que a de “crime”, pois a primeira enfatiza tanto Este artigo possui vários objetivos que resu-
os vínculos societários entre os indivíduos quanto as práti- mem os primeiros resultados da pesquisa “Análisis
cas institucionais, enquanto o “crime” restringe-se à dimen- comparado de políticas de producción de regis-
são legal (KANT DE LIMA, MISSE & MIRANDA, 2000). tros estadísticos criminales en Río de Janeiro y

Recebido em 18 de maio de 2010.


Aprovado em 18 de junho de 2010.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 59-81, out. 2011
59
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

Buenos Aires”, que nós, pesquisadores brasileiros car os processos técnicos e as competências po-
e argentinos2, iniciamos há um tempo. É justo líticas que, em cada país, davam lugar a um cir-
dizer que parte desses resultados é uma série de cuito particular de informação em matéria de
dados sobre mortes violentas nas regiões metro- criminalidade. Também se deve referir sobre as
politanas do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, conjunturas particulares que levaram, em cada
referente aos anos 2002 a 2005, que se encontra caso, a que os dados oficiais sobre criminalidade
ao final deste trabalho. fossem objeto de disputas políticas, da existência
de conflitos intra e inter-institucionais, e também,
No entanto, como todos os participantes des-
da matéria de que se nutria a “opinião pública”
te projeto foram em algum momento, ou ainda
quando o debate sobre a segurança pública as-
são funcionários em organismos públicos produ-
cendia no ranking da agenda pública. Pôr em jogo
tores de informações sobre criminalidade, é pre-
essas semelhanças e diferenças nos processos téc-
ciso destacar que somos, portanto, conhecedo-
nicos e as competências políticas no momento de
res, em maior ou menor medida, dos processos
construir uma base de dados, em termos práti-
de produção destes dados, das diversas lógicas
cos, implicou tomar uma importante quantidade
institucionais que orientam sua produção e que
de decisões, o que permite afirmar que as cifras
ocasionalmente se articulam e/ou colidem, bem
falam mais sobre as instituições que a produziram
como as diversas leituras sobre estes dados. Nes-
do que sobre a criminalidade ou sobre a situação
se sentido, entendemos que era necessário, simul-
das mortes violentas nas regiões metropolitanas
taneamente ao processo de produção de dados
do Rio de Janeiro e de Buenos Aires.
consistentes e comparáveis, descrever e explicar
como são produzidos estes dados, o que envolve Em outros trabalhos (MIRANDA & DIRK,
o desenvolvimento das etapas de construção des- 2010; PITA & OLAETA, 2010; MIRANDA &
tes dados para conhecer o alcance, e também, as PITA, no prelo) volta-se a atenção à descrição e
limitações dos mesmos, o que nos levou a iniciar análise de “quem produz o quê”, ou melhor, ocu-
una espécie de etnografia da produção de estatís- pa-se especificamente de explicar quais agências
ticas oficiais em matéria de criminalidade (pro- e por meio de que rotinas burocrático-administra-
gressos parciais podem ser vistos em Miranda e tivas são produzidos os dados nos dois países –
Dirk (2010), Pita e Olaeta (2010) e Miranda e Pita Argentina e Brasil. Também se analisam os pro-
(no prelo)), o que é descrito como um dos resul- blemas encontrados nos dois organismos públi-
tados da pesquisa. cos encarregados de produzir as estatísticas ofi-
ciais sobre criminalidade, destacando como a sua
Algum tempo depois de iniciado este projeto
produção necessariamente colocava em confron-
de pesquisa ficou claro que aquilo que se formu-
to a linguagem do direito e a linguagem policial,
lou como ponto de partida e suposição central tor-
assim como lógicas políticas diversas, aquela que
nou-se uma evidência e condição necessária: se-
procura fazer a gestão de dados para produzir in-
ria impossível aos pesquisadores do projeto ex-
formação oficial e pública e aquela que pretende
por e analisar dados sem considerar os modos
que o tratamento dos dados, chamado de “análise
pelos quais esses têm sido produzidos, e isso por-
criminal”, esteja voltado para a resolução de um
que o modo como foram gerados dá conta de seu
fato delituoso. Ainda nestes trabalhos procura-se
significado e alcance. Desse modo, para possibi-
demonstrar como mais de uma vez a lógica que
litar a geração de uma base de dados comparável,
orienta o debate público em torno da segurança
em primeiro lugar deve-se, conjuntamente, expli-
dá lugar a um uso (por parte de funcionários pú-
blicos como os agentes dos meios de comunica-
ção) dos dados para fundamentar ou argumentar
2 O subprojeto “Análise Comparada de Políticas de Pro- posições que, inevitavelmente, contornam a com-
dução de Registros Estatísticos Criminais no Rio de Janei- plexidade dessa construção e, portanto, das limi-
ro e em Buenos Aires”, integrou o projeto PRONEX – tações, dos dados existentes. Assim, foi possível
FAPERJ/CNPq, Sistemas de Justiça Criminal e Seguran- concluir que os dados sobre criminalidade, sobre
ça Pública em uma Perspectiva Comparada: Administra-
os quais há sempre uma suposição de
ção de Conflitos e Construção de Verdades, coordenado
pelo Professor Titular Roberto Kant de Lima (2007-2009). intencionalidade perversa ou de ignorância, são
A equipe de trabalho foi composta pelas autoras e por tratados como verdade irrefutável nas argumen-
Hernán Olaeta e Renato Coelho Dirk. tações, o que não somente propicia que sejam

60
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

desenvolvidos debates que levariam à formulação II. HOMICÍDIOS OU MORTES VIOLENTAS?


de políticas públicas, como revelam um uso feti- EM BUSCA DE UMA CATEGORIA
chista da informação quantitativa. Foram inúme-
A pesquisa que originou este artigo surgiu de
ros debates travados publicamente em torno da
um interesse de contar com dados comparativos,
verdade ou mentira dos dados, segundo o qual os
provenientes de fonte policiais, sobre mortes vio-
números consideravam-se favoráveis ou contrá-
lentas, em particular para os casos denominados
rios ao que se desejava argumentar, deixando cla-
como homicídios nas áreas metropolitanas de
ro que as disputas não se restringiam ao plano
Buenos Aires e Rio de Janeiro. Considerou-se que
político-partidário, mas também a disputas inter-
trabalhar com dados referentes a mortes violen-
institucionais entre as agências responsáveis pela
tas, a partir de uma análise quantitativa, possibili-
segurança pública, chegando a envolver também
taria uma percepção acerca dos níveis de violên-
disputas entre grupos acadêmicos que realizam
cia social, entendida como um fenômeno
pesquisas na área.
relacional, cuja principal característica em nossas
Neste artigo, busca-se expor outro capítulo de sociedades é a impossibilidade de regulação da
nosso projeto de pesquisa, que se destina a des- ordem pública em consonância com a garantia de
crever o processo de trabalho que levamos adian- direitos civis fundamentais (PERALVA, 2000), já
te para produzir uma série de dados, que será apre- que se considera que os dados de homicídios dão
sentada ao final do artigo. Descrever-se-á um pro- conta, em grande medida, de formas extremas e
cesso de trabalho, que se pretende técnico, mas violentas de administração de conflitos. Outro fa-
que conforme avança a descrição vai ficando cada tor relevante para a escolha foi que há um con-
vez mais evidente que não é possível considerar senso entre os pesquisadores desta área temática
que os processos técnicos, como metodologias de que os dados referentes aos homicídios são os
exportáveis e importáveis, sejam desvinculados de que apresentam o menor índice de sub-registro.
tradições burocrático-administrativas setoriais e No entanto, é preciso lembrar que o homicídio é
locais, no que se inclui o enorme corpus jurídico, uma categoria jurídica que corresponde à ação de
que transforma os fatos em objetos judicializáveis. matar alguém, o que obrigou também a esclare-
Ficou claro, em nosso ponto de vista, que os da- cer-se o uso da categoria mortes violentas, que
dos resultam de decisões administrativas, de mo- foi incorporada, no Rio de Janeiro, tanto pelo sis-
dalidades particulares de tratar fatos codificados tema de saúde quanto pelo de justiça criminal, e
como delitos, e também, de tradições institucionais posteriormente pela mídia.
que expressam ideologias próprias, ou seja, um
A estratégia de análise foi a leitura dos regis-
saber fazer e um modo particular de fazer as coi-
tros de ocorrências policiais visando à identifica-
sas. Assim, os fatos que são classificados como
ção da circunstância da morte para que fosse pos-
violentos, e que envolvem a pratica de um crime,
sível delimitar como eram realizados os procedi-
ao serem capturados pelo sistema penal acabam
mentos burocráticos e jurídicos pelos agentes do
sendo processados de um modo determinado, que
Estado. Assim, quando ocorria uma morte natu-
por sua vez supõe uma série de microdecisões e
ral, originada por doenças não relacionadas a aci-
procedimentos. Assim, ao analisar um dado é pre-
dentes ou agressões, o fato deveria ser registrado
ciso lembrar que ele nos fala de diferentes pers-
apenas pelo sistema de saúde. Já em casos de
pectivas, além de informar algum conflito, refe-
morte violenta foi necessário classificar os casos
re-se também a uma prática, um sistema
em outros tipos, a saber, morte acidental, homici-
classificatório, a vários atores. Portanto, o dado
da e suicida. Em todos os casos de morte violen-
construído informará algo que se constituirá no
ta no Brasil, para que a morte seja registrada como
que sabemos que acontece. Neste artigo, então,
um óbito3 é preciso um laudo do Instituto Médi-
tratar-se-á de mostrar como esses dados, para
co Legal, vinculado à Polícia Civil, caracterizan-
poder ser considerados comparáveis entre regi-
ões metropolitanas tão próximas e tão distantes
como Buenos Aires e Rio de Janeiro, necessitam 3 No Brasil os documentos que atestam a morte de um
ser (de)compostos e (des)agregados para logo
indivíduo são a Declaração de óbito, fornecida por um
poderem ser comparados e lidos como indica- médico apontando as causas da morte, e a Certidão de
dores de formas violentas de resolução de con- óbito, que é emitida por um Cartório de Registro Civil, sem
flitos. o qual não se pode realizar o sepultamento.

61
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

do que a causa da morte é externa4. Desse modo, Na verdade, a adoção da categoria morte vio-
a instituição policial não tem acesso a todos os lenta foi uma decisão tomada durante o próprio
tipos de mortes, mas apenas àquelas relacionadas trabalho de pesquisa. E fez-se não só buscando
a possíveis crimes. Por exemplo, em um caso certa tradutibilidade entre as instituições do siste-
registrado na polícia como tentativa de homicí- ma de justiça penal e outras instituições estatais e
dio, cuja vítima falecer posteriormente em decor- os mass media, porque consideramos necessário
rência dos ferimentos sofridos, na maioria das distinguir esses fatos das categorias penais, que
vezes, não será classificado como homicídio, o os colocavam em tipos diferentes, o que implica
que afetará a atualização das informações estatís- em tratamentos judiciais diferenciados e valorações
ticas5. Nos dados provenientes do sistema de saú- morais distintas, o que em algumas ocasiões dei-
de (Sistema de Informações de Mortalidade (SIM)) xavam fora da contabilização oficial como mor-
os casos de mortes violentas também não repre- tes. Adiante, voltar-se-á a essa questão.
sentam todas as mortes ocorridas, mas os pro-
Os tipos de morte que foram analisados tive-
blemas de qualidade das informações têm outras
ram como critérios de seleção a possibilidade de
explicações, das quais vale ressaltar a dificuldade
contar com dados consistentes, e fundamental-
de identificação dos cadáveres.
mente, comparáveis. Para isso, detemo-nos na
O mesmo acontece na Argentina, onde a cate- análise do processo de trabalho de elaboração des-
goria mortes violentas somente é empregada como ses dados – do Instituto de Segurança Pública
categoria de agregação, tanto no sistema de saúde (ISP) 7 , para o caso do Rio de Janeiro, e da
como nas agências que sistematizam informações Dirección Nacional de Política Criminal (de agora
do sistema penal. No caso do sistema de saúde é em diante DNPC)8, para o caso da área metropo-
usada fundamentalmente para distinguir as mor- litana de Buenos Aires, para conhecer assim o al-
tes resultantes de enfermidades daquelas cance e as limitações dos mesmos, mas também
provocadas por causas naturais, e basicamente buscar dar conta do processo de produção da in-
dão conta de mortes por acidentes (incluindo os formação.
de trânsito), suicídios e homicídios. No caso das
III. OS FATOS CONVERTEM-SE EM REGIS-
agências que sistematizam informações do siste-
TROS
ma penal referentes a todos os tipos de mortes
tramitados, distinguindo os tipos penais que se A que eventos referem-se os dados? Como se
referem a cada uma, diferenciando os homicídios articulam, de maneira mais ou menos conflituosa,
dolosos, culposos, culposos por acidentes de trân- os diversos saberes técnicos e políticos que ope-
sito e suicídios6. ram ou intervêm sobre eles? O registro dos fatos
nos contextos analisados supõe o uso de uma téc-
nica que transforma a história contada pelas víti-
4 O termo “causas externas” é utilizado pela área de saúde,
mas ou os supostos delinqüentes em um relato
no Brasil, para referir-se à mortes por homicídios, suicídi- impessoal utilizando-se de procedimentos buro-
os, agressões físicas e psicológicas; acidentes de trânsito,
cráticos e jurídicos. Também é sabido que essa
transporte, quedas, afogamentos e outros; lesões e traumas
provocados também por esses eventos (MINAYO, 2009). forma de narração difere-se da linguagem cientí-
fica, que se caracteriza por estabelecer uma rela-
5 Sobre uma comparação dos dados da saúde e da polícia,
ver Dirk (2007).
6 Os dados sobre suicídios analisados pela Dirección Na- mortes por causas não naturais, tal como os homicídios
cional de Política Criminal, vinculada ao Ministério de dolosos e culposos (destacando-se dentre os últimos aque-
Justicia y Derechos Humanos, informam que se o suicídio les ocorridos em acidentes de trânsito).
é uma conduta que atenta contra a própria vida, não carac- 7 Trata-se de uma autarquia estadual, vinculado à Secreta-
teriza um delito e não há punição, a exceção é apenas quan- ria de Estado de Segurança, que foi criada em dezembro de
do alguém “[...] instiga a outro ao suicídio ou ajuda a cometê- 1999, para assegurar, gerenciar e executar a política de se-
lo, se o suicídio tenha sido tentado ou consumado” (BRA- gurança do Estado do Rio de Janeiro, elaborando o planeja-
SIL, 1940, art. 83). De fato, o suicídio ou as condutas mento da força policial que mais atenda às necessidades da
suicidas são consideradas geralmente questões de saúde sociedade.
pública e não de caráter penal. Porém, os suicídios consti-
tuem um dos tipos de morte por causas “não-naturais”, 8 Organismo nacional vinculado ao Ministerio de Justicia,
sendo portanto parte do campo de interesse e preocupação que é o encarregado de processar, sistematizar e publicar
ao momento de comparar estes dados com outros tipos de aqueles que se constituirão em dados oficiais.

62
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

ção entre a “realidade” e sua representação na busca uma elevada quantidade de delitos que não se ba-
de algo universal, em especial, a identificação de seiam em denúncias de particulares e que são muito
padrões. Outro aspecto importante é que o siste- difíceis de serem captados pelo sistema de justiça
ma penal caracteriza-se por manter sua tradição por deficiências próprias dos organismos de con-
inquisitiva de busca da verdade por meio, princi- trole: como o caso dos denominados “delitos com-
palmente, da suspeição, por isso toda documen- plexos”, narcotráfico, lavagem de dinheiro etc.
tação juntada aponta à imputação de um crime a
Outra importante observação refere-se à
um sujeito considerado suspeito9. No caso dos
seletividade do sistema de justiça na recepção dos
registros policiais, os processos de trabalho dão-
crimes. Basta analisar qualquer estatística oficial
se de forma particular. O registro representa o
(registros policiais, ações penais ou pessoas puni-
começo do trabalho de classificar os conflitos, de
das com privação de liberdade) para observar que
modo que os agentes chegam à conclusão de que
o perfil dos imputados pelo cometimento de um
“cada caso é um caso”10. Portanto, ao processar
crime responde a um padrão determinado. Em
a informação, os registros policiais acabam
primeiro lugar, há que se levar em conta que cer-
descontextualizando os fatos, desconsiderando
ca de 70% dos fatos delituosos registrados são
que o “conteúdo” a que se referem é resultado de
delitos contra a propriedade (basicamente roubos
diversas práticas inter e intra-institucionais, que
e furtos), dos 30% restantes destacam-se as le-
convergem e também colidem em função de dife-
sões (dolosas e culposas) e as infrações à lei de
rentes lógicas forjadas em processos de trabalho
drogas. Essa característica tem a ver com o tipo
e definições de categorias sobre os fatos.
de infração que habitualmente denuncia-se (basi-
Na Argentina existe uma ampla gama de deli- camente roubos pessoais, de veículos e de resi-
tos que, ao não serem denunciados por suas víti- dências) e com os crimes que se iniciam pela pró-
mas, nem “pegos” pela polícia, não ingressam ao pria atuação da polícia nas denominadas tarefas
circuito judicial e, portanto, não são registrados de prevenção, o que aponta principalmente ao
na estatística oficial, fenômeno que é conhecido modo como as polícias lidam com os “crimes de
comumente como “cifra negra”. Conforme estu- rua” cometidos por um infrator que reúne os ele-
dos de vitimização desenvolvidos na Cidade de mentos considerados a priori como de
Buenos Aires e no Conurbano, aproximadamente “periculosidade”. Por isso não é de surpreender-
70% das vítimas de roubos e furtos não o relata- se que entre os delitos sobressaiam-se os roubos
ram (Informe Encuesta de Victimización CABA, de rua e as infrações relacionadas às drogas ilíci-
2006, DNPC)11. Trata-se principalmente de gran- tas. Se muitas dessas limitações não se aplicam
de parte de roubos, furtos, lesões e crimes sexu- ao caso do homicídio doloso, por tratar-se de um
ais, que por diferentes razões não são informa- delito com um alto nível de registro oficial, é pre-
dos: porque a vítima não quer perder tempo, por- ciso lembrar que se trata de um dado surgido de
que não crê que se pode esclarecer o fato, porque uma fonte particular, de acordo com categorias e
não confia no sistema de justiça etc. Também há interpretações específicas da agência produtora
da informação, que devem ser “traduzidas” em
uma lógica jurídica, o que orienta o formulário
com as informações para a confecção de estatís-
9 Era comum no ISP o recebimento de solicitações de ticas oficiais.
informações sobre crimes encaminhados pelo Ministério
Público ou pela Defensoria Pública para anexar em proces- Essa questão possui especial importância, já
sos judiciais. Mais raramente os pedidos eram feitos por que toda vez que se elabora estatísticas pela
particulares para este objetivo. Dirección Nacional de Política Criminal reque-
10 É comum no meio policial ouvir que “cada caso é um re-se à polícia que se classifique um fato de mor-
caso”, o que impossibilitaria a construção de estratégias de te com a categoria jurídica homicídio doloso, que
análise a partir da definição de padrões dos crimes e criaria a rigor somente será validada ao final de um pro-
uma dificuldade maior para pensar-se a investigação dos cesso judicial. Dá-se, então, nesse momento total
homicídios (MIRANDA, OLIVEIRA & PAES, 2010).
liberdade de ação – e sem nenhum tipo de proce-
11 Estudos de vitimização realizados na área metropolita- dimento de controle ou padronização, que provê
na de Rio de Janeiro (2006-2007) indicaram que 35,50% o próprio exercício do oficio no qual o policial
das vítimas de roubos e furtos denunciaram-nos (MISSE, toma a decisão, a partir do saber empírico, de
2008).
agir ou não, e de como intervirá no caso. Portan-

63
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

to, os policiais que chegam ao lugar do fato ou interpretativo do Estado por meio da polícia, cons-
que participam do fato que resulta em uma morte tituindo-se em uma primeira representação do fato
reconstroem o acontecimento a partir de relatos, delituoso pela instituição policial. Trata-se de um
declarações e de sua presença no local, constru- documento provisório, pois é elaborado com base
indo assim o material que constituirá parte das nas primeiras informações que a polícia incorpo-
primeiras atuações policiais, integrando o expedi- ra acerca do fato, que é posteriormente entranha-
ente judicial: as ações policiais que formarão parte do ao processo judicial (KANT DE LIMA, 1995).
da instrucción da causa ou do expediente judicial, As informações que constam no registro de ocor-
isto é, aquilo que a polícia produzir em seu cará- rência vão orientar a investigação subseqüente e
ter de auxiliar da justiça. Porém, ainda que os po- serão complementadas, confirmadas ou refutadas
liciais considerem que se trata de um homicídio no decorrer da investigação. A investigação poli-
doloso, a rigor essa é uma categorização judicial, cial tem por base o inquérito policial que é inicia-
somente ao final do processo judicial poderá ser do, nos casos de ação penal pública, de ofício,
afirmado. O resultado é o registro do fato que se mediante requisição da autoridade judiciária ou do
compilará e sistematizará para construir as esta- Ministério Público, ou mediante requerimento do
tísticas policiais, com base nas quais completar- ofendido ou de quem tiver qualidade para
se-ão as planilhas que enquadrarão o fato como representá-lo13. Considerando que o registro é um
um tipo de caso particular (a categoria homicídio ato interpretativo do Estado sobre os fatos e que
doloso), para informar ao DNPC. A polícia está o oficial de cartório possui fé pública, a estatísti-
interpretando o fato e possivelmente atribuindo ca oficial não tem relação com tudo o que aconte-
intencionalidade ao ato de matar somente movido ce, mas sim com aquilo que a instituição policial
pela obrigação burocrática de completar a infor- decide registrar e, conseqüentemente, atestar sua
mação requerida pela DNPC. veracidade. Nesse sentido, a discussão política
sobre a verdade ou mentira sobre as estatísticas
Na tradição jurídica brasileira, o registro em
oficiais torna-se problemática, pois a informação
cartório é necessário para dar publicidade, auten-
que se publica no Diário Oficial, pelo Instituto de
ticidade, segurança e eficácia aos atos praticados,
Segurança Pública, possui um estatuto de “verda-
assegurando o cumprimento das formalidades le-
de oficial”, conferida automaticamente pela auto-
gais necessárias a cada situação. A “lógica cartorial”
ridade legítima do Estado, independente da vera-
permeia os procedimentos jurídico-burocráticos,
cidade de seu conteúdo.
o que implica que o registro é algo que deve ser
feito pelo Estado para o próprio Estado, com o Assim, quando alguém fala que “as estatísti-
objetivo de criar uma interpretação autorizada so- cas mentem”, o debate político direciona a dis-
bre os fatos. É preciso destacar que a legitimida- cussão com base na crença de que as cifras deve-
de do registro está dada pela “fé pública”12, quer riam reproduzir fielmente a realidade, sendo que a
dizer, pela imposição de certeza-veracidade ao prática revela que elas são construções feitas a
documento produzido, que é dada pelo cartório partir de uma determinada perspectiva, a visão
(MIRANDA, 2000). Portanto, é possível compre- policial sobre os crimes. Nesse caso, seria mais
ender por que o registro de ocorrência não repro- adequada uma reflexão sobre a seletividade poli-
duz literalmente o discurso do “depoente”, seja cial, que julga os fatos com base em critérios pes-
vítima, agressor ou testemunha, e, sim, soais e institucionais, o que é mais “grave”, de
reinterpreta-o em termos burocráticos e jurídicos. modo que os conflitos interpessoais sejam
Tudo o que é dito é repetido pelo delegado ao ofi- desconsiderados e desqualificados como questões
cial de cartório, de modo a traduzir os fatos acon- de menor relevância.
tecidos em narrativas de segunda mão, nas quais
No caso de Argentina, em Buenos Aires, dife-
predomina a linguagem jurídica. Assim, pode-se
rentemente do Brasil, especificamente do Rio de
afirmar que o registro policial é um ato

13 O artigo 5º, incisos I e II, do Código de Processo Penal


12 Embora a “fé pública” não assegure o conteúdo do Brasileiro, descreve quando o Inquérito Policial é iniciado
documento, funciona como atestação de veracidade. Deve- nos casos de ação penal pública, isso é, quando o titular da
se lembrar que, no Brasil, os documentos públicos possu- ação penal é o Estado em função da natureza do bem jurídi-
em valor de “prova plena”. co violado, o que se aplica ao caso do homicídio doloso.

64
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

Janeiro, a polícia produz um tipo de informação e pelos tribunais, pelo ministério público na
para o poder judicial e outro para a DNPC, sendo área penal e os serviços penitenciários, res-
o primeiro um relato dos fatos que constituirá parte pectivamente14. Para os objetivos deste ar-
do que se chama a instrução policial e que inicia tigo trabalhou-se exclusivamente com a in-
o expediente judicial, e o segundo corresponde a formação produzida pelas polícias, a prefei-
um registro quantitativo que se informa em tura naval e a gendarmeria. Como esse ano
planilhas produzidas pela própria DNPC. Porém, foi o primeiro na implantação do sistema,
esses dados, ainda que não sejam publicados em não se encontrava suficientemente consoli-
um Boletim Oficial, também possuem caráter de dado e contava com importantes carências
dados oficiais. Por isso, do mesmo modo, o im- de informação. Isso sugere que, por exem-
portante é dar conta do momento do processo de plo, em uma categoria particular de delitos
trabalho policial e das lógicas que intervêm ao re- não se tenha certeza se um zero implica au-
gistrar-se ou não um fato e como se faz. sência de ocorrência de casos ou ausência
de registro de informação sobre casos acon-
IV. TORNANDO POSSÍVEL A COMPARAÇÃO
tecidos. Por isso, a decisão foi iniciar-se a
O foco da comparação na perspectiva antro- série com o ano 2001, período para o qual a
pológica é a busca da diversidade, e não da seme- DNPC já havia realizado capacitações e ge-
lhança (BARTH, 2000), o que significa dizer que rado um sistema de controles das informa-
a comparação etnográfica não se refere ao pró- ções recebidas (ainda assim, no caso dos
prio objeto descrito, mas contrasta as descrições. dados referidos a vítimas e autores somente
Dito de outro modo, ao serem analisados os re- conta-se com informação completa a partir
gistros procurou-se pistas que permitiam enten- do mês de julho desse ano). No caso do Rio
der os significados que eles possuíam em cada de Janeiro15, os dados passaram a ser pu-
contexto e lugar, para posteriormente perceber blicados mensalmente no Diário Oficial16
como eram interpretados por aqueles que o “pro- a partir do ano de 1999, como parte do Pro-
duziam”. As variações de significado sobre os re- grama de Qualificação Estatística e Relação
gistros de mortes violentas foram levando à cons- com a Mídia, o que passou a dar maior
trução de hipóteses explicativas sobre os proces- confiabilidade aos dados produzidos pela
sos subjacentes a sua produção. Nesse sentido, Polícia Civil. Em 2000, foi criado o Núcleo
identificamos que para compreender as diferen-
ças em relação aos conhecimentos empregados
na definição do que seriam as mortes violentas,
14 O sistema foi criado e implantado em virtude da Lei n.
em especial, os casos de homicídio, era preciso
25 266, que modificou a Lei n. 22 117. Existe um projeto de
ficar atento aos seguintes parâmetros:
regulamentação desta norma que, entre outras questões,
1. O período temporal: definir o período a con- especifica como se programarão os sistemas de informação
siderar, levando-se em consideração que o sobre criminalidade: periodicidade no envio da informação,
organismos obrigados a informar, apresentação de infor-
objetivo era uma extensão temporal signifi- mes, publicações, controle da informação remetida, intimação
cativa, mas ao mesmo tempo não escolher para sua retificação ou ratificação etc., que ainda não está
anos, cujos dados sabia-se que tiveram pro- vigente.
blemas técnicos que afetavam sua qualida- 15 No caso do Brasil, apenas em 2003 foi desenvolvido o
de, foi uma decisão importante. Por exem- Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e
plo, o ano 2000 foi na Argentina, o primeiro Justiça Criminal (Sinespjc), com o objetivo de reunir as
ano da implantação a nível nacional do Sis- informações de segurança pública e justiça criminal produ-
tema Nacional de Información Criminal, que zidos pelos estados, que até hoje apresenta problemas de
delegou a DNPC a função de confeccionar cobertura em função das características regionais. O Rio de
Janeiro é um dos poucos estados cujos dados possuem
a estatística anual sobre criminalidade e fun-
100% de cobertura, mas não há pesquisas que avaliem a
cionamento do sistema de justiça penal do qualidade dessas informações.
país, sobre a base da informação registrada 16 Trata-se de um veiculo de comunicação oficial, cuja
pelas polícias, forças de segurança (prefei-
criação remonta a chegada de D. João VI ao Brasil, voltado
tura naval argentina, com poder de polícia a imprimir com exclusividade os atos normativos e admi-
nas zonas portuárias, rios e mar; gendarmeria, nistrativos nos âmbitos do governo federal (Decreto n. 4
com poder de polícia nas zonas fronteiriças), 520, de 16 de dezembro de 2002), estadual e municipal.

65
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

de Pesquisa em Justiça Criminal e Seguran- eram fornecidos pela DNPC separadamente


ça Pública (Nupesp), vinculado ao Instituto e considerar também que se referiam a duas
de Segurança Pública, tendo como finalida- polícias diferentes (a polícia federal e a da
des principais produzir os relatórios estatís- província de Buenos Aires), com tradições
ticos sobre o sistema de segurança pública de trabalho diferentes, com rotinas de tra-
estadual. Inicialmente, só foi possível traba- balho distintas e, portanto, também com
lhar-se com os dados agregados, mas após “desvios” e “erros” diversos.
o ano de 2002 o Nupesp passou a ter acesso
3. As categorias nativas: definir com precisão
com regularidade aos micro-dados17 da Po-
as categorias de uma e da outra base de da-
lícia Civil, o que possibilitou o desenvolvi-
dos que seriam consideradas para construir
mento e coordenação de análises que con-
a categoria de mortes violentas foi resultado
tribuíram para o aprimoramento da qualida-
de importantes discussões atendendo ao que
de das informações policiais, em especial,
em cada país e, especificamente, em cada
no que se refere à desagregação por Áreas
agência produtora de informação, registra-
Integradas de Segurança Pública (AISP)18,
va-se. É possível dizer que isso implicou
a fim de produzir mapas de risco com indi-
construir um “tradutor” de categorias de um
cação de pontos de concentração de ocor-
e outro país, o que por sua vez implicou em
rências de crimes, entre outras análises. Par-
desconstruir o próprio, e particular, proces-
ticiparam desse projeto diversos setores da
so de registro e interpretação dos fatos por
sociedade, em especial, pesquisadores que
parte de cada uma das agências
estudam a temática da violência,
intervenientes.
criminalidade e segurança pública
(MIRANDA, 2008). Nos dois casos ficou Assim, foi como considerar-se que para o caso
claro que se podia tomar a decisão do re- do Rio de Janeiro deviam ser incluídas as catego-
corte temporal a partir de 2002 por ter-se rias de homicídio doloso, mas também as de la-
participado de alguma forma de seu proces- trocínio, ou seja, o roubo seguido de morte, que
so de produção. são processadas como outro tipo penal, já que
implicam em outro processo judicial vinculado a
2. O alcance territorial: definir a área a consi-
crimes contra a propriedade19; lesão corporal se-
derar também foi uma questão que supôs
guida de morte; e auto de resistência, termo que
uma importante série de “micro-decisões” e
originariamente se referia a um documento admi-
explicitações. Estima-se que fosse especial-
nistrativo20. O documento era preenchido pelos
mente valioso poder contar com informa-
policiais quando se tratava da morte de um su-
ções das cidades e da área metropolitana que
posto criminoso em confronto com os policiais,
as circundam. Assim, estariam sendo con-
dispensando a confecção do auto de prisão em
sideradas áreas relativamente semelhantes no
flagrante ou a instauração de inquérito policial nes-
que se refere a seu caráter urbano e também
ses casos; e hoje é utilizado como título de regis-
em termos de população. Mas isso teve im-
plicações no caso da Argentina, já que os
dados referentes à “região metropolitana” 19 Foi possível observar também uma preferência por
referem-se a distritos independentes, que parte dos policiais civis pelo uso da categoria “latrocínio”
na tipificação das mortes ao invés de “homicídio”, exata-
mente porque o crime passa a ser julgado por um juiz da
Vara Criminal Comum e não pelo Tribunal do Júri, o que
17 O microdado é a menor parte observável de uma base de “facilitaria a condenação, pois no Júri tudo é um teatro, o
dados; é o conjunto, em meio digital, de todas as informa- advogado arma uma cena e os jurados muitas vezes acredi-
ções que compõe uma base de dados (BORGES & DIRK, tam no teatro que ele está fazendo. Por isso é mais difícil de
2006). provar que ele é culpado e de punir o autor. Se deixar para
18 Trata-se da correspondência geográfica entre a área de o juiz decidir é mais fácil condenar do que deixar para os
jurados decidirem” (Delegado de Polícia Civil entrevistado
um batalhão da Polícia Militar (responsável pelo policia-
para a pesquisa).
mento ostensivo e a preservação da ordem pública) e uma
ou mais circunscrições de delegacias da Polícia Civil (exer- 20 Ordem de Serviço “N”, n. 803, de 2 de outubro de 1969,
cendo as funções de polícia judiciária e apuração de infra- da Superintendência da Polícia Judiciária do Estado da
ções penais). Guanabara.

66
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

tro de ocorrência. A seguir estão as orientações pecentes, empregando suas armas em fogo cer-
que aparecem nos documentos de orientação para rado contra os membros do aparato policial, pro-
o preenchimento do Sistema de Controle voca uma reação armada legal por parte dos re-
Operacional (SCO) do Programa Delegacia Le- presentantes do Estado. Pode ocorrer nesse con-
gal21: fronto a morte de algum oponente, o que não é
difícil de esperar, pois seu autor se encontra sob o
“Morte provocada pela Ação de Terceiros
manto da excludente de ilicitude, instituto jurídi-
Afastada a morte natural e a morte violenta co-penal em que se acha a legítima defesa, não
provocada pela ação exclusiva da vítima, verifi- existindo assim, condenação para o autor da ação
caremos a participação direta (ou indireta) de ter- perpetrada, caso se configure essa modalidade”
ceiros, na ação (ou omissão) que contribui para o (SESP-RJ, 2005, p. 50-51; sem grifos no origi-
evento morte. Em outras palavras, pelas evidên- nal).
cias apresentadas na investigação preliminar de-
No caso da Argentina, a categoria homicídio
senvolvida na Unidade Policial, foi verificada (em
doloso (que inclui roubo e outros tipos de delitos
tese) a existência de dolo ou culpa de terceiros. A
cujo resultado seja a morte, tanto do autor como
infração penal (em tese) é identificada, devendo
da vítima) e que é a categoria na qual as polícias
investir-se na apuração do fato. A escolha da in-
devem completar uma planilha especial, inclui por
fração penal entre os diversos delitos e
sua vez as mortes equivalentes ao que no Rio de
detalhamentos da relação do sistema (SCO)
Janeiro (e em São Paulo) registra-se como “auto
norteará o caminho da complementação da inves-
de resistência”. Essa é uma questão importante,
tigação, inobstante a imediata identificação ou não
pois consta que, ao classificar os dados, as polí-
da autoria. As opções são muitas, vejamos:
cias resistem em registrar essas mortes com a
Homicídio – Homicídio Provocado por Projé- categoria penal homicídio doloso, toda vez que
til de Arma de Fogo (artigo 121 do Código Penal); consideram que é altamente discutível a intenção
[...] de matar. De fato, tanta resistência criou nas po-
lícias essa instrução de registrar esses casos como
Lesão Corporal seguida de morte – Lesão Cor-
homicídio doloso que, no Manual de Instrucciones,
poral seguida de morte Provocada por Pedrada
as orientações resumidas para os funcionários
(artigo 129 § 3º do Código Penal); [...]
policiais encarregados do registro dos fatos apa-
Roubo Seguido de Morte – Roubo Seguido de recem os seguintes textos:
Morte Provocado por Emprego de Arma Branca
“Homicidios dolosos: comprende todos los
(artigo 157, § 3º do Código Penal); [...];
homicidios causados en forma intencional por el
Etc.” (SESP-RJ, 2003; grifos no original). imputado, ya sea homicidio simple (art. 79 C.P.),
“O CONFRONTO POLICIAL: Nem sempre agravado (art. 80 C.P.), en estado de emoción vi-
uma morte se origina de uma ação ilícita provocada olenta (art. 81 inc. a C.P.), homicidio
pelos integrantes do tráfico de entorpecentes. Os preterintencional (art. 81 inc. b C.P.), homicidio
confrontos violentos entre os órgãos repressores en ocasión de robo (165 C.P.) y homicidio en riña
e os integrantes do tráfico também ocasionam (art. 95 C.P.).
vítimas, algumas fatais. Esses fatos devem ser Las muertes producidas por miembros de las
registrados da melhor forma possível, pois essa fuerzas de seguridad en cumplimiento del deber
resistência constitui uma clara demonstração de también deben consignarse como homicidios
poderio de força armada dos grupos criminosos, dolosos (aunque no constituyan delito)” (DNPC,
evidenciando o alto grau de periculosidade desses 1999a; grifos no original).
segmentos delituosos. Ao resistir às incursões
En ocasión de otro delito? (C): Ver Tablas de
policiais, a resposta violenta do tráfico de entor-
Codificación de Datos e Indicar sólo el número
que corresponde a la categoría seleccionada (sólo
UNA).
21 Para uma análise do Programa Delegacia Legal, ver:
Miranda (2005); Paes (2006); Miranda, Oliveira e Paes
Sí, robo: cuando el homicidio se produce en
(2007); Gomes (2008); Oliveira (2008); Peixoto (2008) e ocasión de un robo o intento de robo. Incluye los
Miranda, Oliveira e Paes (2010). casos de muertes producidas por posteriores

67
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

enfrentamientos (en caso de robo) con la policía, os públicos diretamente ligados às tarefas de cons-
sean éstos delincuentes o terceros” (DNPC, trução de sistemas de classificação de crimes e
1999b; sem grifos no original). outras formas de registros policiais e à produção
de informação no ISP e na DNPC, ou seja, nós
Uma vez que fizemos isso passamos também
fomos especialmente afetados (FAVRET-SAADA,
a construir bases equivalentes, questão que para
2005; MIRANDA, 2010).
o cruzamento de dados era especialmente neces-
sária, já que a base de dados brasileira é uma só V. OS DADOS OFICIAIS
para fatos, vítimas e autores do fato; enquanto na
Conforme desenvolvemos anteriormente, ao
Argentina tratava-se de duas bases de dados, uma
partirmos do princípio de que as estatísticas não
para os fatos e suas características e outra para
mentem e nem dizem a verdade, buscamos com-
as pessoas implicadas (vítimas e autores, que com
preender seus processos de produção para tentar
a lógica judicial que permeia o sistema são deno-
construir comparações entre as informações
minados “imputados”). Isso implicou não só o
divulgadas oficialmente sobre as regiões metro-
desenvolvimento de tarefas informáticas de certa
politanas de Buenos Aires e Rio de Janeiro, tendo
complexidade, mas também o confronto com pes-
em vista que a temática da gestão da informa-
soal técnico que, nos dois lugares, mencionaram
ção22 tem sido considerada contemporaneamente
seus sistemas, suas rotinas e suas modalidades de
um dos “pressupostos” para uma política de se-
trabalho padronizadas, que não eram simples de
gurança eficiente e transparente.
alterar. O certo é que, conforme avançava o tra-
balho de investigação ficou cada vez mais eviden- A primeira consideração relevante é que, en-
te que essa tarefa prévia de explicar os processos quanto a região metropolitana de Buenos Aires
de produção de informação levava a uma etnografia (RMBA) é maior em termos de população, com
da produção de estatísticas oficiais de cerca de 12 198 207 de pessoas em 2005, com-
criminalidade. Uma tarefa na qual, como se disse parada com os 10 973 530 de pessoas estimadas
por todos os participantes deste projeto de pes- para a área metropolitana do Rio de Janeiro
quisa, além de cientistas sociais, desempenharam (RMRJ), o número de homicídios é muito maior,
papéis em distintos momentos, como funcionári- onde em um ano o total de vítimas excede o mon-
tante de vítimas em quatro anos de RMBA.

TABELA 1 – VÍTIMAS DE HOMICÍDIOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANAS DO RIO DE


JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

22 A gestão da informação geralmente está associada à


estruturação de formas de acesso e difusão da informação.
Embora não seja o escopo deste trabalho, é preciso salien-
tar que há uma grande discussão sobre as diferenças entre
gestão da informação e gestão do conhecimento. O que se
pode identificar no que se refere ao debate na área de segu-
rança é que os modelos propostos partem da idéia de uma
complexificação progressiva: Dados > INFORMAÇÃO
> CONHECIMENTO (MIRANDA, no prelo).

68
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

TABELA 2 – CASOS DE HOMICÍDIOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANAS DO RIO DE


JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Outro aspecto relevante é que nas duas regi- flitos predominante. Pode-se notar, no entanto, que
ões observou-se uma diminuição de registros de em ambas as regiões a razão entre os fatos e as
homicídios nas taxas por 100 000 habitantes, mas vítimas é, muitas vezes 1:1, ou seja, a relação en-
a escala do fenômeno é claramente divergente, tre fatos/vítimas para a RMRJ foi 1:14 vítimas
tendo uma média no período analisado de 61,42 por fato e na RMBA foi de 1:03. Tal observação
vítimas na RMRJ e 9,62 vítimas para a RMBA. permite afirmar que essas mortes possuem uma
Talvez, essas escalas muito diferentes possibili- natureza interpessoal, mas como não se pode iden-
tem destacar as diferenças que fazem uma matriz tificar a motivação do crime, é possível ao menos
de sociabilidade diferente, na qual a extrema vio- afirmar que não se tratam de mortes em massa ou
lência expressa uma maneira de resolução de con- em série.

TABELA 3 – SUPOSTOS AUTORES DE HOMICÍDIOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANAS


DO RIO DE JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Quando se analisa a razão entre fatos e autores, foi de 0,72. Vale ressaltar que no caso do Rio de Ja-
entendidos como as pessoas inicialmente neiro essa relação não significa o indiciamento, mas
identificadas como responsáveis pela autoria do cri- sim que ao abrir um inquérito de homicídio o sistema
me na fase de investigação policial, observa-se que pressupõe a existência de um autor, mesmo que ele
na RMRJ a existência de supostos autores indiciados não seja identificado e muito menos indiciado pela
pelos oficiais de polícia foi de 0,99 enquanto na RMBA polícia.

GRÁFICOS 1-4 – LOCAL DO FATO DAS MORTES VIOLENTAS REGISTRADAS


NAS REGIÕES METROPOLITANAS DO RIO DE JANEIRO E DE
BUENOS AIRES (2002-2005)

69
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Os casos de morte violenta nas duas regiões nificados e usos distintos em favelas, “villas”23 e
metropolitanas revelam que os eventos ocorreram bairros pobres daqueles existentes em bairros
principalmente na “via pública” ou em áreas de residenciais, característicos das classes médias,
menor espaço de privacidade ou intimidade (valor
que pode ser aumentado se forem tratados como
categorias agregadas à via pública e ao comér-
23 Villa de emergencia ou Villa miseria é o termo utilizado
cio), o que realmente poderia levar a pensar sobre
os usos dos espaços públicos, mas também e prin- na Argentina para se referir a bairros muito pobres, de
viviendas precárias e infraestrutura deficiente surgidos sem
cipalmente a indagar que tipo de lugares são clas- planificacao oficial. No seu interior tem ruelas ou corredo-
sificados nesta categoria genérica de via pública, res muito estreitos (“pasillos”) por onde as pessoas circu-
levando-se em consideração que a “rua” tem sig- lam.

70
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

sendo o primeiro um espaço público de alta con-


centração de pessoas, moradores ou passantes,
que é integrado socialmente às rotinas da comu-
nidade, de modo muito diferente de bairros
residenciais ou das áreas centrais, mais voltadas
às atividades comerciais. O aprofundamento des-
sa análise demandaria uma desagregação territorial
de dados, o que não foi possível para os dados
compilados.
GRÁFICOS 5-28 – SEXO E FAIXA ETÁRIA DAS
VÍTIMAS DE MORTES VIOLEN-
TAS REGISTRADAS NAS RE-
GIÕES METROPOLITANAS DO
RIO DE JANEIRO E DE BUE-
NOS AIRES (2002-2005)

71
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

72
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-


RJ (s/d).

Observamos que as mortes violentas são even-


tos que envolvem majoritariamente a população
masculina jovem. Nas duas regiões metropolita-
nas, as vítimas de sexo masculino excedem 90%,
enquanto proporcionalmente a RMBA apresenta
uma maior percentagem de vítimas do sexo femi-
nino. No caso da RMRJ, as vítimas do sexo mas-
culino concentram-se em grupos de idade que va-
riam de 15 a 29 anos, enquanto que o RMBA deve

73
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

incluir também o grupo de idade após os 34 anos. homens no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, res-
No entanto, para RMBA deve-se considerar a dis- pectivamente. Porém, ressalta-se que no caso da
tribuição das vítimas mulheres por grupo etário, Região Metropolitana de Buenos Aires a percenta-
assim se pode ver que ela é muito diferente dos gem de homens subiu para 92%. Em relação à
padrões da população masculina. Para as mulhe- idade das vítimas, é uma coincidência o elevado
res, as maiores percentagens concentram-se em número de casos de pessoas menores de 26 anos.
grupos de idade que se pode chamar de extremas, Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 22,5%
estando em primeiro lugar o grupo de idade de 65 das vítimas estavam concentradas na faixa etária
anos ou mais (15%), seguido pelo grupo de 15- entre 18 e 26 anos, enquanto em Buenos Aires
19 anos (11,6%). Entre as vítimas mulheres na essa percentagem sobe para 29%. Outro ponto
RBMA, destaca-se também uma participação não- importante é que não há nenhuma informação em
negligenciável de grupos de idade de mulheres que 12% dos casos no Rio de Janeiro, o que poderia
variam de zero a nove anos (5,5%). indicar um problema relativo à qualidade das in-
formações que constam nos registros de ocor-
Existe uma forte coincidência na concentra-
rências.
ção das percentagens de vítimas, 82% e 85% dos

TABELAS 4 E 5 – HOMICÍDIOS PROVOCADOS POR ARMA DE FOGO REGISTRADOS NAS REGIÕES


METROPOLITANAS DO RIO DE JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

SÉRIE ANUAL DE VÍTIMAS DE HOMICÍDIOS PROVOCADOS POR ARMA DE FOGO

PERCENTUAL DE PARTICIPAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO SOBRE O TOTAL DE VÍTIMAS DE HOMICÍDIOS

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Pelos dados é possível observar que se o total armas usadas nesses modos ou circunstâncias em
de casos e a taxa de vítimas de homicídio são que as mortes foram produzidas, o que não foi
significativamente diferentes nas duas Regiões Me- possível devido à limitação de qualidade das in-
tropolitanas, a evolução do número de casos formações.
registrados durante os anos estudados apresenta
No que se refere à RMRJ, entre os anos de
semelhanças. A maioria dos homicídios registrados
2001 a 2003, houve um aumento da participação
em ambos os locais foi cometida com uso de ar-
do uso de armas de fogo no Rio de Janeiro, que
mas de fogo.
passou a cair a partir de 2004. Embora não seja
No entanto, a percentagem de casos com ar- possível demonstrar com base nessas informa-
mas de fogo durante o ano de 2005 foi a menor ções, é importante ressaltar que nesse período
de toda a série em ambos os casos, destacando- entrou em vigor no Brasil o Estatuto do Desarma-
se o que aconteceu em Buenos Aires, onde a per- mento, que além de aumentar as restrições para
centagem diminuiu de 81% para 64,4% em 2005. porte e uso de armas, implantou uma política de
Embora esses dados sejam meramente indicativos, recompensa financeira para quem entregasse suas
sendo necessário um aprofundamento para saber armas. No caso da RMBA é possível notar que a
sobre as possíveis razões para esse comportamen- tendência de queda está presente desde o ano de
to, seria interessante relacionar os outros tipos de 2001.

74
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

GRÁFICOS 29-32 – PROPORÇÃO ENTRE VÍTIMAS DE MORTES VIOLENTAS E


ROUBOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANAS
DO RIO DE JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

75
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

É notável que a RMRJ seja onde se tem a mai- deve ser considerado para a sua redução que não
or percentagem de mortes violentas em eventos esteja centrado na lógica da “luta para o crime”?
nos quais não houve nenhum roubo (97,4% para
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
2005 contra 50,7 por cento para RMBA), ressal-
tando-se que na RMBA nesse ano não havia infor- Desde o início este trabalho implicou o reco-
mação sobre 20,6% no que se refere às circuns- nhecimento de um fato: toda vez que se propu-
tâncias do evento. sesse a produzir dados e dar conta do processo
de produção de estatísticas estatais em matéria de
Assim, para a RMRJ apenas 2,6% das vítimas
criminalidade, dever-se-ia trabalhar observando
foram mortas em situação de roubo, enquanto no
várias dimensões dos registros. Isso ocorria por-
RMBA foram 28,7%. Por conseguinte, é impor-
que ao tratar-se da produção de estatísticas ofici-
tante observar que a maior parte das mortes vio-
ais, ou seja, de estatísticas como saberes legíti-
lentas não estão relacionadas ao cometimento de
mos do Estado, está-se lidando diretamente com
outro delito, sendo altamente provável inferir que
uma “linguagem do Estado”. Uma linguagem que
uma elevada percentagem de eventos ocorreu en-
ao mesmo tempo é resultado e/ou efeito das ações,
tre as pessoas com algum grau de relacionamento
decisões e “formas de pensar o mundo” de uma
anterior.
burocracia, que possui em si mesmo um sentido,
Neste ponto, em função dos dados apresenta- uma significação24 e que porta uma ampliação de
dos, têm-se algumas afirmações, alguns pressu- valor: a “estatalidade”25. Essa afirmação, que po-
postos e novas perguntas: as mortes violentas deria dizer respeito à produção de conhecimento,
registradas não parecem resultar de situações de em geral, nos âmbitos do Estado, em nosso cam-
roubo, que são classificados como crimes contra a po específico de interesse, a segurança pública,
propriedade, mas sim parecem estar relacionadas a
outro tipo de eventos que envolvem a morte, que 24 Sobre a distinção entre “sentido” e “significação”, ver
se tornam o resultado de um conflito, de qualquer
Oliveira (2000).
daqueles envolvidos no evento. Por essa razão, pelo
25 Embora desenvolver essa questão in extenso aqui nos
menos um percentual significativo de casos deve
desviaria demasiadamente dos objetivos deste artigo, não
ser separado dos atos de violência extrema em si-
queremos deixar de mostrar de um modo sintético que sen-
tuações de roubo de rua. No entanto, a maioria das tido damos à noção de “estatalidade”. Quando falamos de
vítimas é morta em resultado do uso de armas de estatalidade nos referimos a um acréscimo de autoridade
fogo, o que evidencia em grande medida a existên- que reveste as ações de certos indivíduos e/ou grupos de
cia, a circulação e a utilização de armas - indepen- pessoas. Neste sentido incorporamos a premissa
dentemente do status de sua posse, legal ou ilegal. metodológica de Radcliffe-Brown que o leva a afirmar que
“o Estado é uma ficção dos filósofos”. Sustentar isto não
Essas mortes são evidências claras de formas vio-
implica subtrair seu poder, muito pelo contrário, já que se
lentas de resolução de conflitos. Mas a que tipo de trata de una ficção poderosa. Mas permite advertir que o
conflito as mortes referem-se? Conflitos entre co- Estado não é nem uma “coisa” com vontade própria e su-
nhecidos? Conflitos de vizinhança? Conflitos coti- pra-individual, nem tampouco uma “abstração legal”, mas
dianos que transcendem aos limites tolerados soci- sim o efeito de um grupo das pessoas, de repartições, de
almente de violência física? Quantos desses confli- leis, regulamentos, que encarnam a autoridade de essa fic-
ção, ou seja, investidos de estatalidade. Conforme afirmou
tos têm encontrado essa forma extrema de resolu-
Radcliffe-Brown (1970, p. xxxiii), “o que existe é uma or-
ção com a eliminação do outro? Em que medida ganização, isto é, um grupo de seres humanos ligados por
tais eventos e suas características podem levar-nos um sistema complexo de relações. Dentro desta organiza-
a pensar que as mortes violentas correspondem ção diferentes indivíduos desempenham diferentes papéis,
menos a uma forma própria de resposta a crimes e alguns detêm um poder especial ou autoridade, como
contra a propriedade, mas sim a um tipo de socia- chefes ou anciãos capazes de dar ordens que serão obedeci-
das, como legisladores ou juízes, e assim por diante. O
bilidade, uma forma de relacionamento que ultra-
poder do Estado é coisa que não existe; há apenas na rea-
passa e excede uma dinâmica criminosa prévia do lidade, poderes de indivíduos – reis, primeiros-ministros,
qual a morte violenta é uma consequência? Pode- magistrados, polícias, chedes de partido e votantes”. Con-
se pensar que elas são resultados de ajustes e desa- cordando com essa leitura, Melossi (1992) nos recorda que
cordos – dos mais variados tipos – dos quais resul- Weber sustenta a importância de compreender como os indi-
tam uma resolução pensada, possível e evidente? víduos, com suas ações fazem as organizações e instituições
que, por sua vez, dão um caráter de pessoas fictícias e que,
Se esse fosse o caso, que tipo de política pública
agrupadas sobre a “idéia de Estado”, constituem-no.

76
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

envolve diferentes “especialistas”, com saberes, dúvida contribuem para criar cenários nos quais
interesses e capacidades de poder diversas: cien- o poder político e as agências estatais envolvidas
tistas sociais, policiais e funcionários políticos, ou devem responder com urgência diante “do que
seja, aqueles que ocupam cargos em função de acontece”. Criados esses climas sociais, os da-
uma indicação política. Todos eles envolvem-se dos resultam em um elemento de combate com
na produção de uma informação que, por um lado alto valor político.
reflete processos de trabalho que vão desde a des-
Tornou-se claro que seria necessário também
coberta (pela via da queixa – policial ou judicial –
dar conta da articulação da burocracia com o po-
ou a investigação policial) de um fato até a cons-
der político. O “valor político” dos dados produ-
trução de um caso que se converterá em um dado;
zidos por essa burocracia particular tratava-se de
e proverá elementos para pensar “a realidade” e o
um espaço privilegiado para dar conta das ten-
“clima social” referidos à criminalidade e a vio-
sões e conflitos entre a produção de conhecimen-
lência social, que de maneira concomitante
to e as razões de Estado. Assim, ficou evidente
incidem sobre a formulação de políticas públicas,
que o campo de trabalho implicava atender a es-
ao menos na pretensão de sua formulação.
sas várias dimensões (PANTALEÓN, 2004) que
Essa última questão não é um assunto banal, produzem a configuração de uma racionalidade
já que especialmente nesse campo, tanto os “cli- própria, expressa por uma dimensão técnica (le-
mas sociais” que necessariamente ligam-se às gitimada “cientificamente” mediante processos
demandas da população, como as pretensões de unificados de medições), alimentada por una di-
respostas rápidas dos “poderes políticos”, espe- mensão cognitiva experta (aquela que faz a cons-
cialmente sensíveis a elas, têm nos dado um es- trução de categorias classificatórias e taxonomias
pecial objeto de interesse e também de disputa. resultantes de um saber prático – policial – bem
Quer dizer, embora a questão do crime não seja como a vinculação entre esse saber prático e os
nova, a forma como tem articulado-se o tema com códigos legais – o código penal), e uma dimensão
as demandas por segurança nas últimas décadas política (produzida pela articulação, muitas vezes
tem levado a consolidar-se um campo de “opi- conflituosa, das perspectivas e do trabalho dos
nião” ou de “demanda social” relativamente difusa, burocratas, dos funcionários políticos e dos cien-
mas fortemente poderosa e que incide de maneira tistas sociais, que buscam definir e impor deter-
eficaz não apenas em definir os assuntos da agen- minados modos de medir e ler os fenômenos so-
da pública, mas de impor a forma de interpretar ciais que, por sua vez, ao serem transformados
os fatos e, conseqüentemente, demandar respos- em dados, resultam em insumos para o diagnósti-
tas urgentes e rápidas. As intervenções ativas que co de situações e para a formulação de políticas
se poderia denominar, segundo Darío Melossi, de públicas) (GUEDES, 2008; MIRANDA & DIRK,
elites morais, “aqueles que estão autorizados para 2010; PITA & OLAETA, 2010; MIRANDA, no
identificar e rotular os problemas sociais e que prelo). Compreender essas dimensões é funda-
em conseqüência operam para controlar uma si- mental porque as classificações do Estado são a
tuação que percebem como ameaçadora para as materialização de relações de poder, portanto o que
bases políticas, sócio-econômicas e culturais que resulta de uma disputa, questão que mais de uma
identificam com a “defesa e promoção de sua pró- vez fica obscurecida e/ou eventualmente apresen-
pria hegemonia”26 (MELOSSI, 1992, p. 43), sem tada como um problema metodológico, o que leva
a discussão a outro tipo de debate, um debate “téc-
nico”.
26 Ao esboçar o tema nestas condições, Darío Melossi
leva o olhar mais além do que “o Estado ‘faz’ ou ‘deixa de
No caso particular das estatísticas de
fazer’”, estendendo sua análise de maneira que seja possí- criminalidade, elas têm recebido dois grandes
vel considerar a intervenção de “grupos, de organizações e questionamentos: que existe um alto número de
de indivíduos, assim como de outros atores sociais, que eventos que não ingressam ao sistema, e que há
tem razões e fundamentos para suas próprias ações”, de una seletividade nos casos que são reportados. O
elites morais “[...] indivíduos e grupos que dentro de pau- que se pode afirmar é que a estatística oficial de
tas dadas, têm êxito em expressar as posições morais que
eventualmente se transformarão em hegemônicas, frequen-
criminalidade surge de um processo complexo
temente através do conflito. Mais especificamente, eles de construção da informação em que diferentes
têm êxito em reclamar sua ‘propriedade’ [...] sobre áreas atores pertencentes a organismos produtores de
específicas da vida social” (MELOSSI, 1992, p. 43). dados devem tomar uma série de decisões que

77
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

implica recortes ou suspeitas sobre os números de desconfiança e falta de credibilidade a respeito


informados. Assim, trata-se de informações que de qualquer indicador proveniente do circuito de
refletem a atuação da agência, sua forma particu- produção de informações e estatísticas oficiais
lar de tratar o fenômeno, expressando limites que (O’DONNELL, 1997).
refletem, entre outras questões, em seu próprio
No caso das estatísticas oficiais sobre mortes
campo de atuação. A estatística oficial sobre
violentas é relevante destacar que, no Rio de Ja-
criminalidade surge do próprio registro que fa-
neiro, foi possível observar um processo de des-
zem os organismos integrantes do sistema de jus-
valorização da categoria homicídio a partir da aná-
tiça sobre sua própria área de competência. Em
lise das distinções entre os casos atendidos pelos
um sentido amplo, pode-se dizer que os dados
policiais entre aqueles considerados “crimes de
oficiais abarcam as polícias e forças de seguran-
verdade” e conflitos “menores”, comumente cha-
ça, o poder judiciário, o ministério público e os
mados entre os policiais de “feijoada” (SOUZA,
serviços penitenciários. No que se refere ao re-
2008). Os “crimes de verdade” estariam relacio-
gistro de delitos em particular, as estatísticas po-
nados aos crimes contra o patrimônio, como gran-
liciais e de forças de segurança são as que repre-
des assaltos e tráfico de drogas, enquanto os ho-
sentam a cifra oficial. Em suma, as estatísticas
micídios apenas se destacariam quando fossem
policiais mostram o estado da criminalidade de
“crimes de repercussão”, ou seja, o fato poderia
acordo com os critérios e as concepções das pró-
ganhar destaque na mídia em função da natureza
prias agências de segurança; tomando como base
do morto, o que lhe garantiria um tratamento di-
o registro originado nas denominadas atividades
ferenciado no âmbito policial, pois esse é um dos
de prevenção, que realizam as polícias nas ruas
critérios para que um caso seja requisitado nas
ou por meio de reclamações particulares efetuadas
Delegacias de Homicídios . Tal fato é mais uma
nas delegacias. Foi conhecendo esse processo de
demonstração de que as rotinas relacionadas ao
produção, analisando as categorias e seu alcance,
registro de uma morte violenta revelam uma di-
que conseguimos gerar esses dados que aqui ex-
versidade de interpretações das normas legais que
pomos.
explicitam uma sensibilidade jurídica (GEERTZ,
Ter realizado uma pesquisa dessa natureza não 2006) própria, marcada por uma tradição
fez duvidar da validade científica da informação inquisitorial de construção da verdade, na qual o
quantitativa, nem desistir de considerá-la no mo- segredo, a suspeição e a desigualdade jurídica são
mento de avançar em descrições e análises a res- os princípios básicos de intervenção. Isso conflita
peito dos fatos que resultam em mortes violentas. com um modelo da transparência e publicidade
Ao contrário, ao descrever seu complexo proces- dos dados, que orienta as atuais políticas públicas
so de produção, acreditamos que foi possível de segurança, denominadas de “gestão da infor-
avançar não apenas na geração de informação mação”, segundo as quais a informação estaria
consistente e comparável, mas principalmente em associada a formas pré-estabelecidas de análise,
dar conta daquilo que está cifrado nas cifras, ou que pressupõem algum consenso sobre os signi-
seja, o resultado cristalizado de rotinas burocráti- ficados atribuídos ao fato e o compartilhamento
cas e sensibilidades. Acredita-se que a articulação do conhecimento construído, para que possam
das metodologias qualitativa e quantitativa possi- ser legitimados socialmente.
bilita romper com uma visão positivista corrente
A comparação das diferenças entre os modos
de que os “dados” estão na realidade prontos a
de registrar, buscando eventuais equivalências,
serem “coletados”, o que nega uma oposição vi-
possibilitou perceber que a variedade das classifi-
gente no senso comum entre os métodos quanti-
cações relativas às mortes violentas é reveladora
tativos e qualitativos como modos opostos e in-
de representações que qualificam a morte em fun-
conciliáveis de ver a realidade.
ção não só da intencionalidade do ato, como pre-
Uma questão adicional que excede o limite de vê a legislação, mas também em função da natu-
nosso trabalho, mas não deve ser perdida de vis- reza do morto, delimitando assim a existência de
ta, é a legitimidade social da autoridade que valida “seres matáveis” (PITA, 2010), o que pode ser
os dados em um ato de fé pública, tendo em vista pensado como uma legitimação da morte e uma
que questão é a confiança pública no Estado. É forma de administração institucional e informal de
importante lembrar que há uma enorme tradição conflitos.

78
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

Ana Paula Mendes de Miranda (ana_paulamiranda@yahoo.com.br; amiranda@isp.rj.gov.br) é Doutora


em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Professora do Programa de Pós-Gradu-
ação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Coordenadora-Executiva do Núcleo
Fluminense de Estudos e Pesquisas (Nufep).
María Victoria Pita (mariapita@gmail.com) é Professora Adjunta do curso de Ciencias Antropológicas
da Universidad de Buenos Aires (UBA, Argentina) e Investigadora Adjunta do Consejo Nacional de
Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTH, F. 2000. Metodologias comparativas na RO, L. M. L. (orgs.). A análise criminal e o
análise dos dados antropológicos. In: _____. planejamento operacio-nal. Rio de Janeiro:
O guru, o iniciador e outras variações antro- Rio-Segurança.
pológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa.
KANT DE LIMA, R. 1995. A polícia da cidade
BORGES, D. & DIRK, R. 2006. Compreenden- do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos.
do os dados de violência e criminali-dade. In: 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense.
MIRANDA, A. P. M. & TEIXEI-RA, P. A. S.
KANT DE LIMA, R.; MISSE, M. & MI-
(orgs.). Polícia e comunidade: temas e desa-
RANDA, A. P. M. 2000. Violência, criminali-
fios na implantação de conselhos comunitári-
dade, segurança pública e justiça criminal no
os de segurança. Rio de Janeiro: Instituto de
Brasil: uma bibliografia. BIB, Rio de Janeiro,
Segurança Pública.
n. 50, p. 45-123, 2º semestre.
DIRK, R. C. 2007. Homicídio doloso no Estado
MELOSSI, D. 1992. El Estado del control soci-
do Rio de Janeiro: uma análise sobre os regis-
al. Un estudio sociológico de los conceptos
tros de ocorrência da Polícia Civil. Rio de Ja-
de Estado y control social en la conformación
neiro. Dissertação (Mestrado em Estudos
de la democracia. Ciudad de México: Siglo
Populacionais e Pesquisa Social). Escola Na-
XXI.
cional de Ciências Estatísticas.
MINAYO, M. C. S. 2009. Seis características
FAVRET-SAADA, J. 2005. Ser afetado. Cader-
das mortes violentas no Brasil. Revista Brasi-
nos de Campo, São Paulo, ano 14, n. 13, p.
leira de Estudos de População, São Paulo, v.
155-162. Disponível em: http://
26, n. 1, p. 135-140, jan.-jun. Disponível em:
www.fflch.usp.br/da/cadcampo/ed_ant/
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v26n1/
revistas_completas/13.pdf . Acesso em:
v26n1a10.pdf . Acesso em: 15.set.2011.
15.set.2011.
MIRANDA, A. P. M. 2000. Cartórios: onde a tra-
GEERTZ, C. 2006. O saber local: fatos e leis em
dição tem registro público. Antropo-lítica,
uma perspectiva comparativa. In: ______. O
Niterói, v. 8, p. 59-75.
saber local: novos ensaios em Antropologia
Interpretativa. 8ª ed. Petrópolis: Vozes. _____. (coord). 2005. Avaliação do trabalho po-
licial nos registros de ocorrências e nos inqué-
GOMES, A. S. 2008. Transparência, democrati-
ritos referentes a homicídios dolosos consuma-
zação e otimização das informações com a Im-
dos em áreas de delegacias legais. Relatório
plantação do sistema informatizado da Dele-
final de pesquisa. Rio de Janeiro: Instituto de
gacia Legal. In: MIRANDA, A. P. M. & LIMA,
Segurança Pública. Disponível em: http://
L. L. G. (orgs.). Políticas públicas de segu-
urutau. proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/
rança, informação e análise criminal. Niterói:
RelatorioPesquisa003.pdf. Acesso em:
UFF.
15.set.2011.
GUEDES, S. 2008. O sistema classificatório das
_____. 2008. Informação, análise criminal e sen-
ocorrências na Polícia Militar do Rio de Janei-
timento de (in)segurança: considerações para
ro e a organização da experiência policial: uma
construção de políticas públicas de seguran-
análise preliminar. In: PINTO, A. S. & RIBEI-
ça. In: PINTO, A. S. & RIBEIRO, L. M. L.

79
ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO

(orgs.). A análise criminal e o planejamento PINTO, A. S. & CAM-PAGNAC, V. (orgs.).


operacional. de Janeiro: Rio-Segurança. Pesquisa de condições de vida e vitimização –
2007. Rio de Janeiro: Rio-Segurança.
_____. 2010. “Hablar bien” o “hablar mal”:
reflexiones sobre la Antropología del Estado y O’DONNELL, G. 1997 . ¿Y a mí, que mierda me
de las burocracías. Palestra proferida na mesa importa? sobre sociabilidad y política en la Ar-
redonda “Campos, objetos y sujetos: la gentina y Brasil. In: _____. Contrapuntos.
Etnografía como modo de construcción de Ensayos escogidos sobre autoritarismo y
conocimiento”, durante as VI de Investigación democratización. Buenos Aires: Paidós.
en Antropología Social, realizado en Buenos
OLIVEIRA, J. B. P. 2008. Um “raio x” da pri-
Aires.
meira Delegacia Legal no Estado do Rio de
_____. No prelo. Resguardar ou punir: produção Janeiro: 5ª DP (Mem de Sá) em seu primeiro
e usos de registros em Guardas Municipais do ano de existência. In: MIRANDA, A. P. M. &
Rio de Janeiro. In: SOUZA, L. A. (org.). Ava- LIMA, L. L. G. (orgs.). Políticas públicas de
liação de políticas públicas de segurança. Te- segurança, informação e análise criminal.
oria e prática. Niterói: UFF.
MIRANDA, A. P. M. & DIRK, R. 2010. OLIVEIRA, R. C. 2000. O trabalho do antropó-
Análise da construção de registros estatísticos logo: olhar, ouvir, escrever. In: _____. O tra-
policiais no Estado do Rio de Janeiro. In: KANT balho do antropólogo. Brasília: Paralelo 15.
DE LIMA, R.; EILBAUM, L. & PIRES, L.
PAES, V. F. 2006. A Polícia Civil do Estado do
(orgs.). Conflitos, direitos e moralidades em
Rio de Janeiro: análise de uma (re)forma de
perspectiva comparada. V. II. Rio de Janeiro:
governo na Polícia Judiciária. Rio de Janeiro.
Garamond.
Dissertação (Mestrado em Sociologia). Univer-
MIRANDA, A. P. M. & PITA, M. V. 2011. O que sidade Federal do Rio de Janeiro.
as cifras cifram? Reflexões comparativas so-
PANTALEÓN, J. 2004. Uma nação sob medida.
bre as políticas de produção de registros esta-
Estatísticas, economia e planificação na Argen-
tísticos criminais sobre mortes violentas nas
tina (1918-1952). Rio de Janeiro. Tese (Dou-
áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e de
torado em Antropologia Social). Universidade
Buenos Aires. In: KANT DE LIMA, R.; PI-
Federal do Rio de Janeiro.
RES, L. & EILBAUM, L. (orgs.). Burocraci-
as, direitos e conflitos: pesquisas comparadas PEIXOTO, G. R. 2008. O Programa Delegacia
em Antropologia do Direito. Rio de Janeiro: Legal. Uma história à margem da história. Uma
Garamond: 175-202. reflexão sobre o propósito e a realidade. In:
MIRANDA, A. P. M. & LIMA, L. L. G. (orgs.).
MIRANDA, A. P. M.; OLIVEIRA, M. B. &
Políticas públicas de segurança, informação
PAES, V. F. 2007. Antropologia e políticas
e análise criminal. Niterói: UFF.
públicas: notas sobre a avaliação do trabalho
policial. Cuadernos de Antropología Social, PERALVA, A. 2000. Violência e democracia: o
Buenos Aires, v. 25, p. 51-70, ene.-jul. Dispo- paradoxo brasileiro. São Paulo: Paz e Terra.
nível em: http://www.scielo.org.ar/pdf/cas/ PITA, M. V. 2010. Formas de morir y formas de
n25/n25a03.pdf. Acesso em: 15.set.2011. vivir. activismo contra la violencia policial.
_____. 2010. A reinvenção da “cartorializa-ção”: Buenos Aires: Del Puerto.
análise do trabalho policial em registros de
PITA, M. V. & OLAETA, H. 2010. Primeiras
ocorrência e inquéritos policiais em “delegaci-
notas para uma Etnografia da produção de es-
as legais” referentes a homicídios dolosos na
tatísticas oficiais na área criminal. In: KANT
cidade do Rio de Janeiro. Segurança, Justiça e
DE LIMA, R.; EILBAUM, L. & PIRES, L.
Cidadania, Brasília, ano II, n. 4, p. 119-152.
(orgs.). Conflitos, direitos e moralidades em
MISSE, M. 2008. Vitimização e estatísticas poli- perspectiva comparada. V. II. Rio de Janeiro:
ciais na Região Metropolitana do Rio de Janei- Garamond.
ro em 2006-2007: uma análise preliminar. In:

80
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

RADCLIFFE-BROWN, A. R. 1970. Preface. In: SOUZA, E. G. A. 2008. Feijoada completa: refle-


FORTES, M. & EVANS-PRITCHARD, E. E. xões sobre a administração institucional e dile-
(eds.). African Political Systems. Oxford: mas nas Delegacias de Polícia da Cidade do
Oxford University. Rio de Janeiro. Niterói. Dissertação (Mestrado
em Antropologia). Universidade Federal
Fluminense.

OUTRAS FONTES

BRASIL. 1940. Decreto-Lei n. 2 848, de 7 ISP-RJ. s/d. Dados oficiais. Rio de Janeiro:
de dezembro. Código Penal. Diário Ofici- Instituto de Segurança Pública. Disponível
al, Rio de Janeiro, 31.dez.1940, p. 2391. em: http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ asp?ident=150. Acesso em: 15.set.2011.
ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado. SESP-RJ. 2003. Programa Delegacia Le-
htm. Acesso em: 15.set.2011. gal. Manual de delitos e detalhamento de
DNPC. s/d. Dirección Nacional de Política delitos do Sistema de Controle Operacional
Criminal. Buenos Aires. – SCO. Documento de circulação restrita.
Rio de Janeiro: Secretaria Estadual de Se-
_____. 1999a. Manual de instrucciones. Sis- gurança do Rio de Janeiro.
tema Nacional de Información Criminal y
Sistema de Alerta Temprana. Buenos Aires: _____. 2005. Programa Delegacia Legal.
Dirección Nacional de Política Criminal. Homicídio. Documento de circulação res-
trita. Rio de Janeiro: Secretaria Estadual de
_____. 1999b. Instructivo planilla SAT. Segurança do Rio de Janeiro.
Homicidios dolosos. Buenos Aires:
Dirección Nacional de Política Criminal.

81
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 291-296 OUT. 2011

BUREAUCRATIC REGIMES AND STATE LANGUAGES: THE POLITICS OF STATISTICAL


CRIMINAL RECORDS ON VIOLENT DEATHS IN RIO DE JANEIRO AND BUENOS AIRES
Ana Paula Mendes de Miranda and María Victoria Pita
This article emerges from our interest in producing a comparable data base for the metropolitan
areas of Rio de Janeiro and Buenos Aires. Our research reveals the need to identify the technical
processes and political skills that, in Brazil and Argentina, give rise to particular modes of producing
information on criminality. This, in turn, requires fleshing out the particular conditions that, in each
case, turn official criminal data into the object of political disputes, and lead to intra- and inter-
institutional conflicts - as well as turning it into the stuff of “public opinion”, as the debate on public
safety moves up on the list of public agenda priorities. This approach enables us to conclude that the
figures speak more about the institutions that produce them than about criminality or violent deaths
in the Rio de Janeiro or Buenos Aires metropolitan regions per se. Therefore, in this article, we try
to show that creating comparable data for metropolitan regions as near and as far Buenos Aires and
Rio de Janeiro demands its part- by- part examination and disaggregation. Only then can data be
compared and read as an indicator of violent forms of conflict resolution.
KEYWORDS: Records; Criminality; Violent Death; Comparison.
* * *

292
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 299-305 OUT. 2011

LES ROUTINES BUREAUCRATIQUES ET LES LANGAGES DE L‘ETAT : LES POLITIQUES


DE REGISTRES STATISTIQUES CRIMINELS SUR LES MORTS VIOLENTES À RIO DE
JANEIRO ET À BUENOS AIRES
Ana Paula Mendes de Miranda et María Victoria Pita
Cet article part de l’intérêt de produire une base de données comparable des régions métropolitaines
de Rio de Janeiro et de Buenos Aires. Tout au long de la recherche, on a vérifié que pour atteindre
à cet objectif, il serait nécessaire d’expliciter les processus techniques et les compétences politiques
qui ont donné lieu, au Brésil et en Argentine, à des méthodes spécifiques de production d’information
en matière de criminalité, en particulier les conjonctures spécifiques qui ont conduit, dans chaque
cas, les données officielles sur la criminalité à devenir l’objet de disputes politiques, et à l’existence
de conflits intra et inter-institutionnels. Ce qui était aussi, un sujet dont « l’opinion publique » s’en
nourrissait, au moment où le débat sur la sécurité publique s’élevait dans le classement de l’agenda
public. Cette approche nous permet de conclure que les chiffres parlent plus sur les institutions que
l’ont produite, au lieu de parler sur la criminalité ou sur la situation des morts violentes dans les
régions métropolitaines de Rio de Janeiro et de Buenos Aires. Donc, cet article présentera la façon
dont ces données ont dû être (dé) composées et (dés) agrégées pour être comparées et lues autant
qu’indicateurs de formes violentes de résolution de conflits, pour qu’elles puissent enfin être
considérées comparables entre des régions métropolitaines aussi proches et aussi distantes comme
Buenos Aires et Rio de Janeiro.
MOTS-CLÉS: les registres ; la criminalité ; les morts violentes ; la comparaison.
* * *

300

S-ar putea să vă placă și