Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
William Estaquio
pontuar numa palestra sobre educação clássica, em 2016, que a palavra latina mo-
numenta (plural de monumentum) indica também obras escritas, “obras literárias”.
4 A Imagem Descartada, p. 180.
Estes mesmos versos, já na Idade Média, eram empregados pelos mon-
ges irlandeses, professores na Alemanha, a fim de imprimir na memória dos
alunos a sequência das artes. Ora, reconhecem os poetas, em vista da enormi-
dade do conjunto de detalhes que seus épicos abarcam, e do fato de que sua é a
posição de alguém que narra e descreve coisas anteriores, não vistas de primei-
ra mão, ser necessária a intervenção de alguém que não tem memória falha,
precisamente as Musas a quem clamam já no início dos relatos.
Você pode perguntar-se como viemos parar aqui. E o fará se estiver
perdido. Mas veja que a pergunta permanece, e que estou mostrando a respos-
ta. Não a minha resposta, mas aquela que surge naturalmente de profunda refle-
xão sobre o problema, e que na história foi por muitos encontrada. Estas últi-
mas palavras têm duplo sentido. O primeiro quer dizer que a resposta, ao longo
da história, já foi encontrada; o segundo quer dizer que a História é a resposta
para o grande problema. Ou seja, como pode uma sociedade propagar sua
forma de existência ao longo do tempo, já que os indivíduos são mortais, ao
contrário do próprio tempo, que prossegue incessantemente? A resposta, por-
tanto, não é outra: mantendo esta forma de existência na memória. Na memória de
quem, todavia? De todos os membros desta sociedade: isto é, dos que vivem e dos
que ainda hão de viver. Deste modo, quando historiadores tais como o alemão
Werner Jaeger e o francês Fustel de Coulanges minuciosamente examinaram os
primórdios das nações greco-romanas, bem como outros dos antigos povos,
concluíram então que toda sociedade, ao atingir um determinado grau de de-
senvolvimento, sente-se naturalmente inclinada a preservar e transmitir sua forma
de existência social e espiritual. A necessidade é óbvia e inevitável. Tudo o que
é vital na existência de um povo, tudo o que há de mais valioso e fundamental
para sua própria identidade, deve ser preservado e propagado, se ele quiser
subsistir e continuar existindo a despeito da brevidade da vida de seus mem-
bros. Pois uma comunidade não é composta apenas dos vivos, mas também
dos mortos e dos que ainda hão de vir. E, deste modo, onde o egocentrismo e
o individualismo imperam, o colapso está garantido. Tudo aquilo que desafia a
memória e a sabedoria do passado está fadado a ruir.
V eja que toda sociedade possui uma “alma”, isto é, uma cultura. Você
deve certamente pensar que os elementos de nossa cultura simples-
mente continuam em “piloto automático”: as instituições governamen-
tais, culturais e religiosas, bem como as normas sociais. Porém não é este o
caso. “Se você abandona uma coisa à própria sorte”, já disse alguém, “você a
deixa à mercê de uma torrente de mudanças”5. Isso é válido para tudo. Um
livro abandonado na estante, imóvel e intocado, há de ser reencontrado empo-
eirado e, talvez, roído por traças (sei disso por experiência). O que é colorido
desbota, e, se quisermos vê-lo com sua cor própria outra vez, precisamos re-
pintá-lo. Se a cultura é desassistida, a sociedade corre perigo. Mas pense em
cultura, que é a alma e a identidade de uma sociedade, também como um corpo
de conhecimento. Sim, um corpo formado pela sabedoria, pelos conhecimen-
tos, valores e ideais de uma civilização (e pense em civilização como algo ainda
mais amplo que uma comunidade particular). Não pense em cultura como um
conjunto de shows banais e repletos de pessoas raramente preocupadas com sua
integridade moral. Tampouco em exposições daquilo que os pobres de espírito
liberais” (ελε νθερια επιστημαι), formam o ciclo de estudos disciplinares que minis-
tram para a educação da juventude e que são preparatórios para os estudos liberais
superiores, coletivamente chamados de “filosofia”. Essas ciências vieram a ser a
gramática, a retórica, a dialética, a música, a aritmética, a geometria e a astronomia,
embora não houvesse qualquer limitação numérica. Elas passam, mais tarde, para
o sistema educativo romano como as artes liberales, e, na Idade Média, são divididas
em duas partes nomeadas de trivium e quadrivium.
de investigação das ciências naturais (e.g. física, biologia, química) não são
apropriados para o estudo das ciências humanas ou morais (e.g. política, histó-
ria/geografia, ética), assim como os utilizados pelas ciências humanas não são
adequados para alcançar-se o conhecimento fornecido pelas ciências filosóficas
(e.g. epistemologia, metafísica), ao passo que todos esses modos juntos são
apropriados para o estudo da “ciência-mãe”, ou a “rainha das ciências”: a teo-
logia (ou filosofia; o estudo da “causa primeira”). Veja, então, que a educação é
um processo ordenado, sistemático, que também respeita as fases da vida do
homem. É o estudo organizado de tudo o que tem sido descoberto sobre a
realidade, ou o cosmos, em todas as suas partições. Mas não percamos de vista o
caráter amplamente uno da educação, devido ao caráter amplamente uno da
realidade. Uma das mais perigosas faltas da educação moderna é a perda do
sentido de unidade, de modo que as disciplinas têm sido estudadas separada-
mente, tal como se fossem “compartimentos estanques”, o que desrespeita sua
natureza própria e impossibilita o estudante a ver as coisas como realmente
são, e a ter uma vida integrada, ordenada, disciplinada, sábia e virtuosa. É o
problema a que aludiu Dorothy Sayers ao dizer:
“Quantas vezes você já topou com gente para quem, por toda vida, ‘uma coisa é
uma coisa, e outra coisa é outra’, separada de todas as demais, como se estivessem
separadas em compartimentos estanques? Tanto, que elas sentem grande dificuldade
em estabelecer associação mental entre, digamos, a álgebra e a ficção policial, entre o
saneamento básico e o preço de salmão — ou, de maneira mais genérica, entre esfe-
ras distintas como as do conhecimento filosófico e o econômico, ou o químico e as ar-
tes?”18
dernas de educação especializada, existe uma forte tendência a perder o todo nas
partes, e, neste sentido, podemos dizer que nossa geração produz poucas pessoas
realmente educadas. Educação verdadeira significa pensamento pela associação de
várias disciplinas, e não apenas ser altamente qualificado em determinado campo,
como um técnico deve ser” (p. 30).
nutrido, e então transmiti-la à geração seguinte. Sabemos também que (seguin-
do a ilustração de Chesterton) uma cultura precisa ser constantemente renova-
da. Não pode ser deixada “à própria sorte”, assim como tudo o que há de vali-
oso neste mundo (tal como a amizade, o matrimônio, a família, a saúde, etc.).
No tocante à cultura, porém, trata-se de um processo não pouco exigente, ape-
sar de ser também muitíssimo gratificante. A educação não simplesmente en-
che uma pessoa de dados, tal como se enche um celeiro até o topo. Sua preo-
cupação não é unicamente os “fatos”, como era ao monstruoso Gradgrind em
Tempos Difíceis, que exemplifica numerosos professores e pais que solapam a
integridade de seus alunos e filhos ao enfocarem tão somente o acúmulo de
dados, sem que, antes, tenham formado a mente deles para recebê-los. Uma edu-
cação genuína reconhece que antes do preenchimento da mente deve vir a formação
da mente21. Do mesmo modo que um solo precisa ser arado e fertilizado para
então receber a semente, assim também uma mente não cultivada, que não foi
formalmente desenvolvida jamais poderá lidar apropriadamente com os dados que
recebe. É evidente que o trabalho de preservar e renovar a alma de nossa co-
munidade exige de nós conhecimento e entendimento tradicionais. Afinal de
contas, como concluiu Eliot, “a tradição é o meio pelo qual a vitalidade do
passado enriquece a vida do presente”. Contudo, a fim de entendermos o que é
a nossa sociedade e como podemos preservá-la e melhorá-la, precisamos ser
treinados com as habilidades necessárias para tal. E, na verdade, para aprender-
se qualquer coisa, é necessário treinamento, de modo que a educação deve pre-
ocupar-se em “ensinar a aprender”.
Ora, pode alguém questionar-me se não é o bastante que conheçamos
certos fatos básicos de cada disciplina. Isso já acontece nas escolas e nos lares,
porém esta é a pior forma de educação. A educação progressista, por exemplo,
tem a intenção de modificar nossa civilização (“modificar” é na verdade um
eufemismo), já que não atribui a ela algum valor. Visa, portanto, combater
princípios morais fundamentais que considera ultrapassados, introduzindo
ideais que atendem a seus planos de ação. Para o progressista (seja ele um pro-
fessor, um pai, um pedagogo), uma escola funciona quase como uma agência
de serviço social, e sua atenção está voltada unicamente ao “aqui e agora” —
isto é, ao que é material e atual. A noção de que existe uma Verdade, de que ela
é conhecível, e de que a educação deve preparar um ser humano a buscá-la e
encontrá-la, é digna de chacota e desprezo nos cenários dominados pelo pro-
gressismo22. A razão por que a doutrinação política é uma das marcas cardinais
da educação progressista é, em síntese, o propósito de manipular o pensamen-
to do estudante, ensiná-lo o que pensar (e não como pensar; note o contraste) a
fim de conformá-lo a seus objetivos com respeito à cultura23.
21 James Pycroft é quem elucida essa distinção em seu ensaio de 1847, The Advan-
tages of Classical Education. A formação da mente é trabalho das artes liberais, ao passo
que o preenchimento da mente é negócio das humanidades, ou os clássicos (isto é, os
“grandes livros” que compreendem o corpo de conhecimento e sabedoria da civi-
lização ocidental acumulados ao longo da história).
22 De fato, por ser deliberadamente metafísica e “logocêntrica” (isto é, centralizada
numa busca pelo Logos, que é o princípio que unifica todo conhecimento e toda
ação), a educação clássica é o oposto da educação progressista, que nega a possibi-
lidade de um todo unificado de conhecimento. Apesar disso, também opõe-se
fundamentalmente a filosofias educacionais tais como o pragmatismo e o racionalismo.
23 Por outro lado, o pragmatismo é marcado por uma grande ênfase no treinamen-
“Assim como braços, pernas, mãos, coração, cérebro, pulmões, e todas os outros
membros formam um único corpo humano — e como enredo, personagens, cenário,
tema e estilo criam uma única história, — todas as disciplinas de um currículo edu-
cacional formam uma única coisa: uma educação, um educare, um guiar para fora
e guiar para cima em direção à luz. É uma mudança, como uma operação ou nas-
cimento: uma mudança no estudante. É uma mudança das trevas para a luz, da
mente pequena para a mente alargada, isto é, da ignorância para o conhecimento, e
(muito mais importante) da tolice para a sabedoria.”24
“O animalzinho humano não terá logo de cara as reações certas. Ele deve ser trei-
nado para sentir prazer, agrado, repulsa e ódio em relação às coisas que realmente
são prazerosas, agradáveis, repulsivas e odiáveis.”27
Se admitimos que o ser humano possui uma alma (ou espírito), então
este cenário todo torna-se ainda mais significativo. Como disse antes, no cerne
do conceito de educação está a ideia de “alimentação” e de “nutrição”. Não
trata-se da nutrição do corpo (embora isso seja naturalmente parte do proces-
so), mas da alma. Sim, a educação é uma força tão poderosa que atua dentro do
homem! Por isso é que uma educação limitada à realidade material é insuficien-
te para satisfazer as necessidades mais fundamentais do homem e da sociedade.
carreira, não está centralizada ou reduzida a ela. Ademais, somente uma educação
que não é pragmática pode ser efetivamente prática.
24 What is Classical Education?
25 A Abolição do Homem, p. 14.
26 1104, B.
27 Das Leis, 653.
Você deve lembrar-se de que eu disse, antes, que tornar um homem cultural-
mente instruído não é a única função da educação. Ela possui também uma
forte conotação moral. Afinal de contas, nosso pleno desenvolvimento e a pre-
servação de nossa civilização exigem também uma instrução moral. Martin
Cothran esclarece que a História é especialmente boa em dizer-nos quem nós
somos, mas diz pouco ou nada sobre o que devemos ser28. Ela diz-nos o que acon-
teceu, mas não o que deveria acontecer. Esta outra tarefa pertence primordial-
mente à Literatura.29 Uma educação deve preocupar-se com sabedoria e virtude.
A lguém pode perguntar-me como a alma pode ser nutrida, já que, para o
corpo, temos uma vastidão de opções de alimentos. Muito bem, a alma
humana é nutrida por e com ideias e verdades. Tal como a alma é invisí-
vel, as ideias são abstratas e não podem ser vistas. Porém elas são bem reais, e
têm atuação evidente na vida do homem. Pense na ideia de amor. Você pode
vê-la ou apalpá-la? É certo que não. Mas ousaria dizer que ela não existe? Ela
existe de fato, e tem atuação na realidade. Não seguiremos, aqui, pelo caminho
de profundas reflexões filosóficas a que isso poderia levar-nos, e creio que vo-
cê já possa compreender minimamente essas coisas. E há uma longa lista de
outras ideias: verdade, justiça, beleza, ordem, disciplina, honra, virtude, sabedo-
ria, liberdade, personalidade... Você pode ver com seus olhos físicos alguma
delas? Não, mas pode vê-las com os “olhos da alma”. E só porque não pode
vê-las fisicamente, não significa que elas não estejam em ação no mundo e em
você.
Pois bem, uma educação completa está centralizada em ideias. A paideia
30
grega visava preparar os alunos para discutir noções abstratas, preparação
somente alcançada por meio do desenvolvimento interno da mente e da alma.
O termo paidevo (possivelmente equivalente ao latim educare) carrega em seu
núcleo a ideia de “instruir”, “educar”, “formar” e “ensinar”, mas também a de
“formar a inteligência, o coração e o espírito”. Ainda que possa surgir sempre a
questão sobre como é possível fazer isso, isto é, formar a alma, o coração e a
mente de uma pessoa, ainda assim não devemos perder de vista o fato de que
tal coisa é perfeitamente possível (o que já está mais que comprovado, visto ser um
dos pressupostos do sistema de educação mais completo e vigoroso que jamais
existiu). E não só é possível, como é também necessária — isto é, sem ela, não
pode haver um uso apropriado das faculdades mentais, morais e espirituais.
Cabe a nós buscar, então, como melhor executá-la.
clássico, refere-se aqui à educação e a aculturação geral das crianças na antiga soci-
edade grega. Ela indica mais que um mero treinamento técnico ou para uma car-
reira. Na antiga Grécia, significava o completo processo de tornar-se um cidadão
maduro e em pleno funcionamento na vida civil e social. Paideia, παιδαγωγός (“pe-
dagogo”) e παιδαγωγία (“pedagogia”) provêm da mesma raiz παις (“criança”). No
moderno movimento de “educação clássica”, a transmissão de cultura é vista co-
mo um aspecto central da tarefa educacional.
Este processo, é claro, não visa tornar o aprendiz um agente meramen-
te passivo do aprendizado, pois seu fim último é habilitá-lo a agir “naturalmen-
te” de acordo com o que aprende. Uma educação baseada na contemplação de
ideias e verdades, tema sobre o qual buscarei tratar num artigo posterior, visa
preparar o aprendiz a incorporar ou encarnar as ideias de sua própria maneira.
Mesmo escritores modernos seculares sobre educação (Michel de Montaigne,
John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant) reconheceram princí-
pios semelhantes, de modo que, em seus ensaios sobre educação, Montaigne
aconselha que o estudante não simplesmente ouça e receba sabedoria, baseado
na autoridade, mas que também compreenda o valor da dúvida, de adquirir
entendimento “independentemente”, e ser capaz de aplicá-lo em novos e ines-
perados contextos:
“Sabemos como dizer: ‘Isto é o que Cícero disse’; ‘Isto é moralidade para Platão’;
‘Estas são as ipsissima verba de Aristóteles’. Mas o que nós temos a dizer? Que
julgamentos nós fazemos? O que nós estamos fazendo? Um papagaio pode falar
tão bem quanto nós.”
Mark William Roche, em sua obra Why Choose the Liberal Arts?31, explica
que Locke eleva a apresentação do estudante de suas próprias ideias e seu en-
gajamento em discussões “para trás e para frente” com o professor, o que dei-
xa “impressões mais vivas e duradouras” do que ouvir silenciosamente e com
sono às aulas. O tema é ainda mais acentuado em Rousseau, já que o aprendi-
zado ativo e o engajamento existencial estão entre os princípios primordiais de
sua pedagogia. É claro que há numerosos motivos para que alguém como eu
discorde deste autor, mas veja que ele igualmente reconhece que “o desejo de
aprender” e a “faculdade de adquirir o saber” estão entre os mais elevados va-
lores da educação. De semelhante modo, Kant elevou a ideia de que o aprendiz
deve ser ativamente engajado no processo de descobrir verdades significativas.
Para ele, ser educado, a fim de ser de fato esclarecido e livre, é ter desenvolvido
a própria capacidade para a razão e estar disposto a usá-la “sem a direção de
outro”. Diz ele então:
“Sapere Aude! [Ouse conhecer!] Tenha coragem para usar seu próprio entendi-
mento! Este é o lema do Iluminismo.”
31 Pp. 7,8.
porém também os deixarei para o próximo artigo. Resta-nos dizer apenas que a
educação nos moldes aqui apresentados, isto é, “clássica” ou “liberal”, opõe-se
também ao racionalismo. Mas o exame cuidadoso de ideias sempre foi de im-
portância na educação, talvez especialmente desde os tempos de Sócrates, que
convidava seus interlocutores a um diálogo para então demonstrar as falhas em
seus raciocínios (ironia) e “dar à luz ideias” (maiêutica). Desse modo, a corren-
te filosófica da educação clássica dá ampla ênfase a um modo socrático de ins-
trução, que é um processo dialético de encontrar fraquezas e inconsistências no
entendimento de uma pessoa e, então, por meio de uma “reconstrução”, clari-
ficar e purificar aquele entendimento.
Como já estabelecemos, ideias e verdades são abstratas, e, portanto, só
podem ser “encontradas” ao serem incorporadas ou encarnadas no mundo materi-
al. A ideia de justiça pode ser encarnada numa ação ou uma obra literária, ao
passo que a ideia de beleza pode ser incorporada num artefato ou obra de arte.
E assim por diante. Baseado na ideia de que o ser humano só pode aprender e
tornar-se virtuoso por meio da imitação32, e de que só se pode aprender moven-
do-se dos “particulares” (coisas específicas e concretas) para os “universais”
(ideias gerais e abstratas), então a contemplação e o estudo cuidadosos de
“modelos” e “tipos” é de importância ímpar no seu aprendizado. Como isso se
parece na prática, hei de trazer no próximo artigo. Você perceberá que isso faz
todo sentido, e que este processo está presente em sua própria vida desde o
nascimento. Uma das razões por que a educação clássica é tão enfocada em
grandes textos e obras de arte é precisamente a importância que dá a um ade-
quado aprendizado de ideias que torna uma pessoa sábia e virtuosa.
32Do grego mímeses (μίμησις) e do latim imitatio, essa imitação está longe de ser mera
mímica. É clássica e cristã e ideia de que só podemos aprender por meio da imita-
ção, porém não imitação da forma externa, e sim da ideia interior; não de uma
ação primordialmente, mas da ideia expressa nessa ação. A meditação e a contem-
plação são especialmente importantes nesse contexto. Toda arte e toda habilidade
sempre é adquirida por meio de um processo que vai desde a percepção da ideia por
meio dos sentidos (como quando vemos uma obra de arte ou ouvimos uma bela
música) até a representação da ideia da nossa própria maneira.
de quer, portanto, que haja criação, formação, instrução, ensino, disciplina,
treinamento e nutrição, aí há educação33. E, visto que o homem é um ser edu-
cável por natureza, ele está perpetuamente sujeito a ser contaminado pela má
educação.
Até aqui, portanto, o quadro é o seguinte. A educação conecta as gera-
ções ao manter na memória de todos sua cultura comum; ela habilita os indiví-
duos a receber, entender e transmitir esse corpo de conhecimento que é uma
cultura; para isso, a educação antes as treina e prepara, formando suas mentes e
almas. A educação torna o homem capaz de realizar suas potências, e também
digno da posição que ocupa entre os seres. A coisa não é assim tão mecânica,
porém. O conceito da palavra grega scholé, donde derivamos nossa palavra “es-
cola”, é significativo. É, literalmente, um “aprendizado repousante” — “lazer”,
“tempo livre”, “conversação engajada” e “discussão erudita” são outras expres-
sões que a definem. Na Metafísica, a visão de Aristóteles é a de que o alcance do
fim último da vida humana requer um scholé (lazer), isto é, uma liberdade tem-
porária de preocupações quanto às necessidades da vida. Interessante é notar
que, para o filósofo, o próprio fato de haver algum lazer é uma conquista da
sociedade política; e que o fato dos cidadãos usarem o lazer para um fim apro-
priado (para a educação, o pensamento e a cultura) é também um artefato de
um bom sistema de leis e de educação. Originalmente, como explica Thomas
Bénatouïl, “scholé designava o lazer de que se desfruta para educar-se e partici-
par na vida política e cultural de sua cidade [pólis]”34. Não é irônico que, hoje,
uma escola geralmente não seja nem repousante nem cativante? E que ali o
amor pelo conhecimento (a verdade) praticamente inexista? Studere é estar an-
sioso ou entusiasmado por algo. Por conseguinte, o estudante diligente está
capturado e entusiasmado pelo conhecimento, a habilidade e a sabedoria35. Um
educador (pai ou professor) deve tentar fomentar em seu aprendiz (filho ou
aluno) zelo, avidez e diligência; deve exibir a ele a beleza e o fascínio da lingua-
gem, a história, e a matemática; deve apelar aos seus corações tanto quanto às
suas mentes, sendo ele mesmo um modelo de paixão pelo aprendizado, pelo
estudo36 e pelas coisas mais fundamentalmente importantes da nossa existência.
E, por outro lado, quão egoísta e mesquinha não é a postura vitalícia daqueles
que, repastando e aproveitando-se daquilo que nossos ancestrais construíram,
jogam de si o fardo de repassá-lo à posteridade? Porém já disse Edmund Burke
“A humanidade não passa por fases como um trem passa por várias estações. Sendo
viva, ela tem o privilégio de avançar sempre, sem deixar nada para trás.”37