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“Lembrai-vos das Coisas Passadas”:

Educação, História e Memória

William Estaquio

E ncaremos a realidade: o ser humano é mortal. Nasce num determinado


momento, e morre noutro. As gerações, deste modo, também não são
perpétuas, pois a vida humana é finita, e acaba. Você vê isto claramen-
te? Ora, como pode uma sociedade subsistir, continuar a existir, se são finitos e
mortais os seus membros? A propósito, não perca de vista que você é membro
de uma sociedade, uma comunidade, um grupo, qual seja a palavra. Toda pes-
soa é membro de um Estado, um cidadão. Pode até mesmo viver como se não
o fosse, porém basta um autoexame cuidadoso e alguns momentos de medita-
ção para que desperte dessa grosseira fabulação. Uma vez alcançada a lucidez,
siga então meu raciocínio (que não é nada original).
Pois bem, como pode uma comunidade, um conjunto de pessoas com
uma determinada forma de vida, perdurar e suplantar o peso das eras, visto ser
impossível aos seus membros continuar a existir senão por algumas poucas
décadas? É claro que causa não pequena admiração aquelas almas “afortuna-
das” (ou nem tanto) que ultrapassam a média e chegam próximo, ou exatamen-
te, a um século de vida. E, no entanto, como disse um homem sábio certa vez,
“o melhor dos seus anos é cansaço e enfado; pois tudo passa rapidamente, e
nós voamos”1. Ainda outro diz ser tudo, inclusive o homem, “vaidade”2, tendo
esta palavra o sentido de algo que é fútil e não-substancial: literalmente, um
vapor, um sopro ou neblina. Mas por mais deprimente que isso possa ser a al-
guém, nosso foco é outro. Esta verdade manifesta foi tão profundamente as-
similada por grandes almas na história, que acabou levando-as a refletir sobre
meios de superar a implacável dinâmica dos tempos, de modo que Horácio, o
nobre poeta e filósofo romano, vê no conjunto de suas próprias obras um mo-
numento “mais perene que o bronze”3. Ele há de morrer, mas sua memória há
de derrotar as barreiras do tempo. E não está ela aqui, ainda revestida de vitali-
dade, dois milênios mais tarde?
Memória — guarde bem esta palavra. A Ilíada e a Eneida, do grego Ho-
mero e do romano Virgílio, as mesmas palavras exprimem: “Ó Musa”! E, na
mitologia, as Musas são deusas, filhas de Zeus e Mnemósine (a Memória). Vo-
cê pode notar facilmente a semelhança entre o nome desta e a palavra “mne-
mônica”, que é a arte de ajudar a memória por meio de determinadas associa-
ções. C. S. Lewis, por exemplo, alude a certos versos mnemônicos, possivel-
mente bem conhecidos por seu público no século passado, que fazem referên-
cia às chamadas “sete artes liberais”:

Gram loquitur, Dia verba docet, Rhet verba colorat,


Mus canit, Ar numerat, Geo ponderat, Ast colit astra4

1 Moisés, salmo 90.10.


2 Salomão, Eclesiastes 1.1.
3 Matheus Knispel da Costa, jovem professor que muito admiro, fez questão de

pontuar numa palestra sobre educação clássica, em 2016, que a palavra latina mo-
numenta (plural de monumentum) indica também obras escritas, “obras literárias”.
4 A Imagem Descartada, p. 180.
Estes mesmos versos, já na Idade Média, eram empregados pelos mon-
ges irlandeses, professores na Alemanha, a fim de imprimir na memória dos
alunos a sequência das artes. Ora, reconhecem os poetas, em vista da enormi-
dade do conjunto de detalhes que seus épicos abarcam, e do fato de que sua é a
posição de alguém que narra e descreve coisas anteriores, não vistas de primei-
ra mão, ser necessária a intervenção de alguém que não tem memória falha,
precisamente as Musas a quem clamam já no início dos relatos.
Você pode perguntar-se como viemos parar aqui. E o fará se estiver
perdido. Mas veja que a pergunta permanece, e que estou mostrando a respos-
ta. Não a minha resposta, mas aquela que surge naturalmente de profunda refle-
xão sobre o problema, e que na história foi por muitos encontrada. Estas últi-
mas palavras têm duplo sentido. O primeiro quer dizer que a resposta, ao longo
da história, já foi encontrada; o segundo quer dizer que a História é a resposta
para o grande problema. Ou seja, como pode uma sociedade propagar sua
forma de existência ao longo do tempo, já que os indivíduos são mortais, ao
contrário do próprio tempo, que prossegue incessantemente? A resposta, por-
tanto, não é outra: mantendo esta forma de existência na memória. Na memória de
quem, todavia? De todos os membros desta sociedade: isto é, dos que vivem e dos
que ainda hão de viver. Deste modo, quando historiadores tais como o alemão
Werner Jaeger e o francês Fustel de Coulanges minuciosamente examinaram os
primórdios das nações greco-romanas, bem como outros dos antigos povos,
concluíram então que toda sociedade, ao atingir um determinado grau de de-
senvolvimento, sente-se naturalmente inclinada a preservar e transmitir sua forma
de existência social e espiritual. A necessidade é óbvia e inevitável. Tudo o que
é vital na existência de um povo, tudo o que há de mais valioso e fundamental
para sua própria identidade, deve ser preservado e propagado, se ele quiser
subsistir e continuar existindo a despeito da brevidade da vida de seus mem-
bros. Pois uma comunidade não é composta apenas dos vivos, mas também
dos mortos e dos que ainda hão de vir. E, deste modo, onde o egocentrismo e
o individualismo imperam, o colapso está garantido. Tudo aquilo que desafia a
memória e a sabedoria do passado está fadado a ruir.

V eja que toda sociedade possui uma “alma”, isto é, uma cultura. Você
deve certamente pensar que os elementos de nossa cultura simples-
mente continuam em “piloto automático”: as instituições governamen-
tais, culturais e religiosas, bem como as normas sociais. Porém não é este o
caso. “Se você abandona uma coisa à própria sorte”, já disse alguém, “você a
deixa à mercê de uma torrente de mudanças”5. Isso é válido para tudo. Um
livro abandonado na estante, imóvel e intocado, há de ser reencontrado empo-
eirado e, talvez, roído por traças (sei disso por experiência). O que é colorido
desbota, e, se quisermos vê-lo com sua cor própria outra vez, precisamos re-
pintá-lo. Se a cultura é desassistida, a sociedade corre perigo. Mas pense em
cultura, que é a alma e a identidade de uma sociedade, também como um corpo
de conhecimento. Sim, um corpo formado pela sabedoria, pelos conhecimen-
tos, valores e ideais de uma civilização (e pense em civilização como algo ainda
mais amplo que uma comunidade particular). Não pense em cultura como um
conjunto de shows banais e repletos de pessoas raramente preocupadas com sua
integridade moral. Tampouco em exposições daquilo que os pobres de espírito

5 Gilbert K. Chesterton, Ortodoxia, VII.


têm chamado “arte”, algo que nada expressa senão os caprichos de alguém.
Pense, antes, na colossal acumulação de grandes realizações, de conhecimentos
e opiniões, discussões e argumentos, concordâncias e discordâncias, esperanças
e aspirações das gerações passadas — em outras palavras, a alma da nossa soci-
edade. Ora, se dissemos que para uma comunidade subsistir faz-se necessário
manter sua alma na memória — ou na própria alma — de todos os seus mem-
bros, e que essa alma equivale à sua cultura, devemos também refletir sobre
qual é o exato princípio por meio do qual uma sociedade conserva e transmite (ou
propaga) sua alma, isto é, sua própria forma de existência. Você pode ainda não
ter-se dado conta de como isso está irrevogavelmente vinculado à sua própria
vida. E é certo que, se o destino da comunidade humana repousasse em suas
mãos, há muito ela estaria extinta. Sem dúvida, não deu-se conta ainda de que,
atrelado ao destino da civilização ocidental, está o seu próprio destino (ou de
seus filhos, ou ainda de seus netos). Um indivíduo egoísta e individualista não é
alguém virtuoso, ou bem-formado.
É este, portanto, um problema antiquíssimo. É visto, por exemplo, na
obra egípcia As Instruções de Any6, escrita no tempo da 18ª dinastia do Egito.
Nela, Any, o pai, e o filho Khonshotep, ambos escribas, debatem sobre a ne-
cessidade do filho de abraçar o legado cultural que o pai deseja transmitir-lhe,
ao que Khonshotep oferece resistência. É um diálogo altamente instrutivo,
pois o dilema é universal. Na literatura sapiencial bíblica, composta de autores
diversos, a preocupação permanece7 — como indicam, por exemplo, as repeti-
das palavras: “Filho meu, ouve”. Diz Cícero que “a Natureza produz um amor
especial pela descendência”8.
Qual é, pois, o princípio por meio do qual a comunidade humana con-
serva e transmite sua peculiaridade social e espiritual? Veja que nossa atenção
está voltada desde o início à forma de vida social e espiritual de uma comunidade,
e não à sua forma de vida física. A razão é clara. Na qualidade de seres físicos,
assim como os animais, os seres humanos consolidam sua espécie por meio da
procriação natural. Diríamos que este processo é menos laborioso que aquele
pelo qual se consolida a forma de existência social. Para aquele, é necessário o
uso eficiente das forças por meio das quais essa própria forma de existência foi
criada: a saber, a vontade consciente e a razão9. Eis aqui, portanto, a resposta à
pergunta: o princípio por meio da qual a comunidade humana conserva e
transmite sua peculiaridade social e espiritual é a educação. Precisamente a edu-
cação, e não qualquer outro meio. Desse modo, assinala Chesterton:

“O que é educação? Corretamente falando, não existe educação. A educação é sim-


plesmente a alma de uma sociedade que passa de uma geração para outra. O que
precisamos é ter uma cultura antes de passá-la adiante. Em outras palavras, é uma
verdade, por mais triste e estranha, que não possamos dar o que não temos, e que
não possamos ensinar a outras pessoas o que nós mesmos não conhecemos.”10

6 M. Lichtheim, Instruction of Any.


7 O professor de Antigo Testamento Daniel Santos (CPAJ e Mackenzie-SP), de-
fende que um texto especialmente adequado para este cenário é o de Provérbios
22.6, se entendido corretamente. Confira o artigo na revista Fides Reformata, “A
Proposta Pedagógica de Provérbios 22.6” (XIII, nº1, 2008, p. 9).
8 Dos Deveres, 1. iv.
9 Werner W. Jaeger, Paideia — A Formação do Homem Grego, p. 3.
10 Illustrated London News, 1924.
Típico de Chesterton dizer algo tão profundo com tão poucas palavras,
o exato oposto de pensadores que conseguem a façanha de não dizer nada com
uma multidão delas. Percebe o quadro? Creio que pode a grande imagem ser
agora vislumbrada. Sem a educação, não há estabilidade e continuidade. Ela
ensina-nos História. Não quer dizer que todo membro de uma comunidade11
deva ascender à posição de especialista; quer dizer, antes, que devem ter todos
uma familiaridade básica com sua história comum. O que vem antes e depois
do descobrimento do Brasil por parte do português Pedro Álvares Cabral não
deixa de ser relevante para nós, brasileiros. Essa é a nossa história12. Devem
todos receber, para que possam a seu tempo transmitir. Notou T. S. Eliot, nu-
ma de suas visitas aos Estados Unidos, uma interessante particularidade da
educação americana na época: embora muito inteligentes, careciam os estudan-
tes, ao contrário dos britânicos, de um corpo reconhecível de conhecimento
histórico e cultural13. E isso sempre indica uma falha formidável nas institui-
ções de ensino. A manutenção de uma cultura requer menos que os membros
de uma sociedade saibam muitas coisas, do que saibam todos as mesmas coisas.
Uma cultura requer pontos de referência comuns, e um dos trabalhos da edu-
cação é exatamente assegurar que sejam eles conhecidos por todos (incluindo
os que ainda hão de vir, as gerações seguintes). É certo que a educação não está
restrita a esta função, mas ela é seguramente um sine qua non. Sem ela, não há
genuína educação. E este é nosso enfoque no momento. Não é exagero, por-
tanto, dizer que nosso futuro está em estreita dependência da educação. Lynne
Cheney disse uma vez que se você termina seus estudos escolares sem saber o
que é a civilização ocidental, então você não foi realmente educado. As institui-
ções, os princípios morais, a ordem civil que dá-nos alguma segurança todos os
dias, são todos elementos num vínculo direto com a educação, como veremos
mais à frente. Não tenho dúvidas de que há preconceitos (isto é, julgamentos
prévios) em sua mente. Sim, todos concordam que educação é algo bom, po-
rém nem todos são capazes de defini-la. E, ao mesmo tempo, as associações
que acompanham este nome na mente de muitos são fruto de equívocos e al-
guma preguiça. Não é adequado sustentarmos meras opiniões sobre as coisas,
caso isso impeça-nos de apreender sua verdadeira natureza (a verdade) e de,
por consequência, agirmos e pensarmos acertadamente em relação a elas. O
caminho para a virtude é o caminho para a sabedoria, e Tomás de Aquino a
define como a “correta ordenação das coisas”. Reservemos, assim, um mo-
mento de reflexão sobre a verdadeira natureza da educação.

D espoje-se, por um momento, de seus preconceitos (ou busque esfor-


çar-se por fazê-lo), essas ervas daninhas que usualmente prejudicam
nosso entendimento de todas as coisas. Não se pode definir qualquer
coisa com base na mera experiência subjetiva, pois seu significado objetivo é
crucial. Tornarei isso claro. É possível que, ao ouvir essa palavra (educação),
surja em sua mente a imagem de uma escola, o desempenho desastroso do
sistema educativo, o baixo nível de instrução dos formados, experiências la-
mentáveis de sua própria vida, e assim por diante. Pouco ou nada de bom e

11 O latim communis, raiz da expressão communitas, quer dizer, literalmente, “comum


e ordinário”; algo que é da (ou para a) comunidade e do (ou para o) público.
12 Excelentes livros que conheço sobre o assunto são: 1808, 1822 e 1889, de Lau-

rentino Gomes; e História da Civilização Brasileira, de Pedro Calmon. Aceito reco-


mendações de muito bom grado.
13 Citado por Martin Cothran no artigo What is Western Civilization?
atrativo chega aos seus sentidos ao pensar nesta palavra. Talvez lembre-se
também de vazios e imprecisos discursos por parte de políticos (outra palavra
corrompida), promessas não cumpridas e investidas fracassadas. Quão digno
de lamento é perceber o quanto o abuso de uma coisa pode depreciá-la aos
olhos das massas! Não é assim com tudo? Artes, ciências, objetos, bebidas e
alimentos até. E, no entanto, é uma verdade universalmente reconhecida (ao
menos pelos sábios) que os extremos devem ser evitados, que deve o homem
buscar o “meio-termo” ou a moderação.
Lance de você, repito, os preconceitos e noções infundadas, e apegue-
se ao que de fato é a educação. Não disse Chesterton que ela é a própria alma
de uma sociedade a passar de uma geração à outra? E não disse Jaeger que ela é
o princípio por cujo intermédio uma sociedade conserva e transmite sua forma
de vida? É capaz de enxergar um padrão? Educação, conservação, transmissão, gera-
ção. Já forma-se em nossa mente um cenário. E, de fato, também diz-nos Ches-
terton noutro lugar:

“Educação é uma palavra como ‘transmissão’ ou ‘herança’. Não é um objeto, mas


um método. Deve significar a transmissão de certos fatos, pontos de vista ou quali-
dades a cada criança que nasce. Podem ser os fatos mais triviais, os pontos de vista
mais ilógicos ou as qualidades mais repulsivas, mas, se passados de geração em gera-
ção, são educação. [...] Educar é dar algo — talvez veneno. Educação é tradição, e
tradição (como o nome implica) pode ser traição.”14

Semelhante entendimento pode ver-se nas palavras de Durkheim (com


quem alguém como eu não pode concordar tantas vezes), ao declarar que “a
educação consiste numa socialização metódica da nova geração”15. Mas esta
socialização não deve restringir-se a uma mera “adaptação ao ambiente” (que é
o enfoque dado por certas filosofias de ensino, especialmente o pragmatismo).
Ora, o processo dinâmico e contínuo de receber, avaliar, conservar e transmitir
uma cultura é educação. Estão inclusos os conhecimentos adquiridos, alcança-
dos ou acumulados com o passar do tempo de todas as ciências. O que é, pois,
uma ciência? No sentido que a utilizo (que foi perdido ou desgastado pelos mo-
dernos), uma ciência é nada mais que um “corpo de conhecimento organiza-
do”; um “domínio do saber”. A palavra vem do latim scientia: literalmente, “co-
nhecimento”16. Referimo-nos também a elas como “disciplinas”, de modo que
cada disciplina (física, história/geografia, filosofia, teologia, etc.) consiste-se
num modo singular de alcançar certo tipo de conhecimento17. Cada ciência
fornece-nos um tipo específico de saber, e cada uma delas utiliza modos de
investigação apropriados a seus propósitos particulares. Desse modo, os meios

14 O Que há de Errado com o Mundo?, IV.4.


15 Émile Durkheim, Sociologia, Educação e Moral, p. 17.
16 “Conhecimento Poético”, por exemplo, um conceito aristotélico-tomista basilar

para a educação clássica, é uma scientia poetica.


17 Na educação grega, as “disciplinas encíclicas” (ενκυκλιος παιδεια), ou “ciências

liberais” (ελε νθερια επιστημαι), formam o ciclo de estudos disciplinares que minis-
tram para a educação da juventude e que são preparatórios para os estudos liberais
superiores, coletivamente chamados de “filosofia”. Essas ciências vieram a ser a
gramática, a retórica, a dialética, a música, a aritmética, a geometria e a astronomia,
embora não houvesse qualquer limitação numérica. Elas passam, mais tarde, para
o sistema educativo romano como as artes liberales, e, na Idade Média, são divididas
em duas partes nomeadas de trivium e quadrivium.
de investigação das ciências naturais (e.g. física, biologia, química) não são
apropriados para o estudo das ciências humanas ou morais (e.g. política, histó-
ria/geografia, ética), assim como os utilizados pelas ciências humanas não são
adequados para alcançar-se o conhecimento fornecido pelas ciências filosóficas
(e.g. epistemologia, metafísica), ao passo que todos esses modos juntos são
apropriados para o estudo da “ciência-mãe”, ou a “rainha das ciências”: a teo-
logia (ou filosofia; o estudo da “causa primeira”). Veja, então, que a educação é
um processo ordenado, sistemático, que também respeita as fases da vida do
homem. É o estudo organizado de tudo o que tem sido descoberto sobre a
realidade, ou o cosmos, em todas as suas partições. Mas não percamos de vista o
caráter amplamente uno da educação, devido ao caráter amplamente uno da
realidade. Uma das mais perigosas faltas da educação moderna é a perda do
sentido de unidade, de modo que as disciplinas têm sido estudadas separada-
mente, tal como se fossem “compartimentos estanques”, o que desrespeita sua
natureza própria e impossibilita o estudante a ver as coisas como realmente
são, e a ter uma vida integrada, ordenada, disciplinada, sábia e virtuosa. É o
problema a que aludiu Dorothy Sayers ao dizer:

“Quantas vezes você já topou com gente para quem, por toda vida, ‘uma coisa é
uma coisa, e outra coisa é outra’, separada de todas as demais, como se estivessem
separadas em compartimentos estanques? Tanto, que elas sentem grande dificuldade
em estabelecer associação mental entre, digamos, a álgebra e a ficção policial, entre o
saneamento básico e o preço de salmão — ou, de maneira mais genérica, entre esfe-
ras distintas como as do conhecimento filosófico e o econômico, ou o químico e as ar-
tes?”18

Porém não é minha intenção aprofundar-me nisso. É o bastante dizer


que certas visões educacionais, que competem com o modo clássico de educa-
ção que perdurou por séculos, surgem de e são sustentadas por visões de mun-
do19 fundamentalmente desiguais, e, portanto, ao mesmo tempo que negam o
sentido de unidade da realidade20, negam também a existência de uma verdade
absoluta, uma posição que informa tanto seus meios quanto seus fins.
A educação é o meio pelo qual mantemos a alma de nossa civilização
na memória. Um autêntico cidadão é alguém que, se preciso for, “pode recriar
sua civilização”. Entretanto, ninguém nasce apto para fazer semelhante coisa.
Ninguém nasce apto para conhecer a cultura, estudá-la, entendê-la, ser por ela

18 The Lost Tools of Learning, 1947.


19 A palavra “cosmovisão” (do alemão Weltanschauung, cunhado pelo filósofo ale-
mão Immanuel Kant no século 18) talvez seja uma palavra mais apropriada. O
termo alemão também já foi traduzido por “filosofia de vida” e “intuição do mun-
do”. Talvez seja importante pontuar que T. S. Eliot, ao falar sobre educação, afir-
mou que “devemos derivar nossa teoria de educação de nossa filosofia de vida”, e
que o “problema torna-se um problema religioso”. A ideia de que toda pedagogia
pressupõe uma visão da realidade (ontologia) e do homem (antropologia) é igualmente
instrutiva para entender-se a questão toda.
20 Em O Deus que Intervém, Francis Schaeffer assevera que “nas nossas formas mo-

dernas de educação especializada, existe uma forte tendência a perder o todo nas
partes, e, neste sentido, podemos dizer que nossa geração produz poucas pessoas
realmente educadas. Educação verdadeira significa pensamento pela associação de
várias disciplinas, e não apenas ser altamente qualificado em determinado campo,
como um técnico deve ser” (p. 30).
nutrido, e então transmiti-la à geração seguinte. Sabemos também que (seguin-
do a ilustração de Chesterton) uma cultura precisa ser constantemente renova-
da. Não pode ser deixada “à própria sorte”, assim como tudo o que há de vali-
oso neste mundo (tal como a amizade, o matrimônio, a família, a saúde, etc.).
No tocante à cultura, porém, trata-se de um processo não pouco exigente, ape-
sar de ser também muitíssimo gratificante. A educação não simplesmente en-
che uma pessoa de dados, tal como se enche um celeiro até o topo. Sua preo-
cupação não é unicamente os “fatos”, como era ao monstruoso Gradgrind em
Tempos Difíceis, que exemplifica numerosos professores e pais que solapam a
integridade de seus alunos e filhos ao enfocarem tão somente o acúmulo de
dados, sem que, antes, tenham formado a mente deles para recebê-los. Uma edu-
cação genuína reconhece que antes do preenchimento da mente deve vir a formação
da mente21. Do mesmo modo que um solo precisa ser arado e fertilizado para
então receber a semente, assim também uma mente não cultivada, que não foi
formalmente desenvolvida jamais poderá lidar apropriadamente com os dados que
recebe. É evidente que o trabalho de preservar e renovar a alma de nossa co-
munidade exige de nós conhecimento e entendimento tradicionais. Afinal de
contas, como concluiu Eliot, “a tradição é o meio pelo qual a vitalidade do
passado enriquece a vida do presente”. Contudo, a fim de entendermos o que é
a nossa sociedade e como podemos preservá-la e melhorá-la, precisamos ser
treinados com as habilidades necessárias para tal. E, na verdade, para aprender-
se qualquer coisa, é necessário treinamento, de modo que a educação deve pre-
ocupar-se em “ensinar a aprender”.
Ora, pode alguém questionar-me se não é o bastante que conheçamos
certos fatos básicos de cada disciplina. Isso já acontece nas escolas e nos lares,
porém esta é a pior forma de educação. A educação progressista, por exemplo,
tem a intenção de modificar nossa civilização (“modificar” é na verdade um
eufemismo), já que não atribui a ela algum valor. Visa, portanto, combater
princípios morais fundamentais que considera ultrapassados, introduzindo
ideais que atendem a seus planos de ação. Para o progressista (seja ele um pro-
fessor, um pai, um pedagogo), uma escola funciona quase como uma agência
de serviço social, e sua atenção está voltada unicamente ao “aqui e agora” —
isto é, ao que é material e atual. A noção de que existe uma Verdade, de que ela
é conhecível, e de que a educação deve preparar um ser humano a buscá-la e
encontrá-la, é digna de chacota e desprezo nos cenários dominados pelo pro-
gressismo22. A razão por que a doutrinação política é uma das marcas cardinais
da educação progressista é, em síntese, o propósito de manipular o pensamen-
to do estudante, ensiná-lo o que pensar (e não como pensar; note o contraste) a
fim de conformá-lo a seus objetivos com respeito à cultura23.

21 James Pycroft é quem elucida essa distinção em seu ensaio de 1847, The Advan-
tages of Classical Education. A formação da mente é trabalho das artes liberais, ao passo
que o preenchimento da mente é negócio das humanidades, ou os clássicos (isto é, os
“grandes livros” que compreendem o corpo de conhecimento e sabedoria da civi-
lização ocidental acumulados ao longo da história).
22 De fato, por ser deliberadamente metafísica e “logocêntrica” (isto é, centralizada

numa busca pelo Logos, que é o princípio que unifica todo conhecimento e toda
ação), a educação clássica é o oposto da educação progressista, que nega a possibi-
lidade de um todo unificado de conhecimento. Apesar disso, também opõe-se
fundamentalmente a filosofias educacionais tais como o pragmatismo e o racionalismo.
23 Por outro lado, o pragmatismo é marcado por uma grande ênfase no treinamen-

to vocacional. Uma educação genuína, embora valorize o treinamento para uma


Não obstante, o mero aprendizado de fatos e dados não é o bastante
para educar-se ninguém. Educação não é mera instrução. É essencialmente
moral. Educare e paidevo são termos com forte conotação moral. Educare carrega
a ideia de “criar”, “alimentar”, “instruir”, e “ter cuidado”. Ducere transmite a
ideia de “conduzir” e “guiar”. Há aqui, portanto, um processo de “guiar para
fora” e “trazer para fora a partir de dentro”. Como explica Peter Kreeft:

“Assim como braços, pernas, mãos, coração, cérebro, pulmões, e todas os outros
membros formam um único corpo humano — e como enredo, personagens, cenário,
tema e estilo criam uma única história, — todas as disciplinas de um currículo edu-
cacional formam uma única coisa: uma educação, um educare, um guiar para fora
e guiar para cima em direção à luz. É uma mudança, como uma operação ou nas-
cimento: uma mudança no estudante. É uma mudança das trevas para a luz, da
mente pequena para a mente alargada, isto é, da ignorância para o conhecimento, e
(muito mais importante) da tolice para a sabedoria.”24

O elemento platônico aqui é muito claro. No livro VII de sua obra A


República, o filósofo grego Platão estabelece uma analogia entre o processo de
educação ou paideia e a saída de um homem de sua morada subterrânea, ou
caverna, onde ele via somente as aparências ou sombras das coisas (e não sua
verdadeira natureza), por mais que julgasse antes ver sua pura realidade. Este
homem é libertado das amarras que o prendiam ao fundo, e caminha, ainda
com dores, em direção à luz que penetra pela entrada, e o deslumbramento o
impede de enxergar por um momento. Veja que imagem fascinante. A educa-
ção ascende o homem da mera opinião (doxa) em direção à sabedoria (aletheia),
ao real conhecimento das coisas. A questão fundamental da educação não é:
“O que farei com este aprendizado?” (que é a ênfase pragmática de nossa edu-
cação e mentalidade atuais), e sim: “O que este aprendizado fará comigo?” Sua
atenção primordial não é o mero acúmulo de informações. O estudante é um
ser humano, e não uma máquina. Lewis25 menciona que Aristóteles, em sua
Ética a Nicômaco, diz que “o objetivo da educação é fazer com que o aluno gos-
te e desgoste do que é certo gostar e desgostar”26. E prossegue afirmando que
Platão, antes dele, dissera a mesma coisa:

“O animalzinho humano não terá logo de cara as reações certas. Ele deve ser trei-
nado para sentir prazer, agrado, repulsa e ódio em relação às coisas que realmente
são prazerosas, agradáveis, repulsivas e odiáveis.”27

Se admitimos que o ser humano possui uma alma (ou espírito), então
este cenário todo torna-se ainda mais significativo. Como disse antes, no cerne
do conceito de educação está a ideia de “alimentação” e de “nutrição”. Não
trata-se da nutrição do corpo (embora isso seja naturalmente parte do proces-
so), mas da alma. Sim, a educação é uma força tão poderosa que atua dentro do
homem! Por isso é que uma educação limitada à realidade material é insuficien-
te para satisfazer as necessidades mais fundamentais do homem e da sociedade.

carreira, não está centralizada ou reduzida a ela. Ademais, somente uma educação
que não é pragmática pode ser efetivamente prática.
24 What is Classical Education?
25 A Abolição do Homem, p. 14.
26 1104, B.
27 Das Leis, 653.
Você deve lembrar-se de que eu disse, antes, que tornar um homem cultural-
mente instruído não é a única função da educação. Ela possui também uma
forte conotação moral. Afinal de contas, nosso pleno desenvolvimento e a pre-
servação de nossa civilização exigem também uma instrução moral. Martin
Cothran esclarece que a História é especialmente boa em dizer-nos quem nós
somos, mas diz pouco ou nada sobre o que devemos ser28. Ela diz-nos o que acon-
teceu, mas não o que deveria acontecer. Esta outra tarefa pertence primordial-
mente à Literatura.29 Uma educação deve preocupar-se com sabedoria e virtude.

A lguém pode perguntar-me como a alma pode ser nutrida, já que, para o
corpo, temos uma vastidão de opções de alimentos. Muito bem, a alma
humana é nutrida por e com ideias e verdades. Tal como a alma é invisí-
vel, as ideias são abstratas e não podem ser vistas. Porém elas são bem reais, e
têm atuação evidente na vida do homem. Pense na ideia de amor. Você pode
vê-la ou apalpá-la? É certo que não. Mas ousaria dizer que ela não existe? Ela
existe de fato, e tem atuação na realidade. Não seguiremos, aqui, pelo caminho
de profundas reflexões filosóficas a que isso poderia levar-nos, e creio que vo-
cê já possa compreender minimamente essas coisas. E há uma longa lista de
outras ideias: verdade, justiça, beleza, ordem, disciplina, honra, virtude, sabedo-
ria, liberdade, personalidade... Você pode ver com seus olhos físicos alguma
delas? Não, mas pode vê-las com os “olhos da alma”. E só porque não pode
vê-las fisicamente, não significa que elas não estejam em ação no mundo e em
você.
Pois bem, uma educação completa está centralizada em ideias. A paideia
30
grega visava preparar os alunos para discutir noções abstratas, preparação
somente alcançada por meio do desenvolvimento interno da mente e da alma.
O termo paidevo (possivelmente equivalente ao latim educare) carrega em seu
núcleo a ideia de “instruir”, “educar”, “formar” e “ensinar”, mas também a de
“formar a inteligência, o coração e o espírito”. Ainda que possa surgir sempre a
questão sobre como é possível fazer isso, isto é, formar a alma, o coração e a
mente de uma pessoa, ainda assim não devemos perder de vista o fato de que
tal coisa é perfeitamente possível (o que já está mais que comprovado, visto ser um
dos pressupostos do sistema de educação mais completo e vigoroso que jamais
existiu). E não só é possível, como é também necessária — isto é, sem ela, não
pode haver um uso apropriado das faculdades mentais, morais e espirituais.
Cabe a nós buscar, então, como melhor executá-la.

28 What is Classical Education?


29 Ele explica que a História e a Literatura (junto à Filosofia) formam aquilo que
chamamos Humanidades. Ao passo que as “artes liberais” são principalmente habili-
dades que desenvolvem nossa capacidade de adquirir conhecimento das coisas, as
humanidades (cujo estudo é dirigido pelos “grandes livros”) é aquele conteúdo clás-
sico que toda pessoa deve aprender primordialmente.
30 A palavra grega paideia (παιδεια), embora adquira sentidos distintos já no período

clássico, refere-se aqui à educação e a aculturação geral das crianças na antiga soci-
edade grega. Ela indica mais que um mero treinamento técnico ou para uma car-
reira. Na antiga Grécia, significava o completo processo de tornar-se um cidadão
maduro e em pleno funcionamento na vida civil e social. Paideia, παιδαγωγός (“pe-
dagogo”) e παιδαγωγία (“pedagogia”) provêm da mesma raiz παις (“criança”). No
moderno movimento de “educação clássica”, a transmissão de cultura é vista co-
mo um aspecto central da tarefa educacional.
Este processo, é claro, não visa tornar o aprendiz um agente meramen-
te passivo do aprendizado, pois seu fim último é habilitá-lo a agir “naturalmen-
te” de acordo com o que aprende. Uma educação baseada na contemplação de
ideias e verdades, tema sobre o qual buscarei tratar num artigo posterior, visa
preparar o aprendiz a incorporar ou encarnar as ideias de sua própria maneira.
Mesmo escritores modernos seculares sobre educação (Michel de Montaigne,
John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant) reconheceram princí-
pios semelhantes, de modo que, em seus ensaios sobre educação, Montaigne
aconselha que o estudante não simplesmente ouça e receba sabedoria, baseado
na autoridade, mas que também compreenda o valor da dúvida, de adquirir
entendimento “independentemente”, e ser capaz de aplicá-lo em novos e ines-
perados contextos:

“Sabemos como dizer: ‘Isto é o que Cícero disse’; ‘Isto é moralidade para Platão’;
‘Estas são as ipsissima verba de Aristóteles’. Mas o que nós temos a dizer? Que
julgamentos nós fazemos? O que nós estamos fazendo? Um papagaio pode falar
tão bem quanto nós.”

Mark William Roche, em sua obra Why Choose the Liberal Arts?31, explica
que Locke eleva a apresentação do estudante de suas próprias ideias e seu en-
gajamento em discussões “para trás e para frente” com o professor, o que dei-
xa “impressões mais vivas e duradouras” do que ouvir silenciosamente e com
sono às aulas. O tema é ainda mais acentuado em Rousseau, já que o aprendi-
zado ativo e o engajamento existencial estão entre os princípios primordiais de
sua pedagogia. É claro que há numerosos motivos para que alguém como eu
discorde deste autor, mas veja que ele igualmente reconhece que “o desejo de
aprender” e a “faculdade de adquirir o saber” estão entre os mais elevados va-
lores da educação. De semelhante modo, Kant elevou a ideia de que o aprendiz
deve ser ativamente engajado no processo de descobrir verdades significativas.
Para ele, ser educado, a fim de ser de fato esclarecido e livre, é ter desenvolvido
a própria capacidade para a razão e estar disposto a usá-la “sem a direção de
outro”. Diz ele então:

“Sapere Aude! [Ouse conhecer!] Tenha coragem para usar seu próprio entendi-
mento! Este é o lema do Iluminismo.”

Talvez você já tenha notada a calorosa ênfase na razão humana que


caracteriza o discurso destes autores. Na história da educação, isso torna-se
mais vívido a partir do século 15 e, embora tenha suas virtudes, muita cautela
exige de nós. A educação de acordo com os moldes que tenho descrito valoriza
a razão, e, dessa forma, é contrária às tendências anti-intelectuais que, de tem-
pos em tempos, ganha seus próprios porta-vozes. Logos, ethos e pathos estão
unidos num todo organicamente integrado. Isto é, nossas faculdades racionais,
morais e emocionais são parte de um mesmo microcosmos e devem ser igualmen-
te treinadas e nutridas. Ser bem educado resulta em equilíbrio entre esses seg-
mentos. Nenhum deve ser enfatizado em detrimento de outro. Se a obsessão
com o corpo é censurável, também o é a obsessão com a mente e com as emo-
ções. Isso leva-nos a um conjunto de outras considerações importantes sobre a
existência humana e a educação, como os princípios da ordem e da disciplina,

31 Pp. 7,8.
porém também os deixarei para o próximo artigo. Resta-nos dizer apenas que a
educação nos moldes aqui apresentados, isto é, “clássica” ou “liberal”, opõe-se
também ao racionalismo. Mas o exame cuidadoso de ideias sempre foi de im-
portância na educação, talvez especialmente desde os tempos de Sócrates, que
convidava seus interlocutores a um diálogo para então demonstrar as falhas em
seus raciocínios (ironia) e “dar à luz ideias” (maiêutica). Desse modo, a corren-
te filosófica da educação clássica dá ampla ênfase a um modo socrático de ins-
trução, que é um processo dialético de encontrar fraquezas e inconsistências no
entendimento de uma pessoa e, então, por meio de uma “reconstrução”, clari-
ficar e purificar aquele entendimento.
Como já estabelecemos, ideias e verdades são abstratas, e, portanto, só
podem ser “encontradas” ao serem incorporadas ou encarnadas no mundo materi-
al. A ideia de justiça pode ser encarnada numa ação ou uma obra literária, ao
passo que a ideia de beleza pode ser incorporada num artefato ou obra de arte.
E assim por diante. Baseado na ideia de que o ser humano só pode aprender e
tornar-se virtuoso por meio da imitação32, e de que só se pode aprender moven-
do-se dos “particulares” (coisas específicas e concretas) para os “universais”
(ideias gerais e abstratas), então a contemplação e o estudo cuidadosos de
“modelos” e “tipos” é de importância ímpar no seu aprendizado. Como isso se
parece na prática, hei de trazer no próximo artigo. Você perceberá que isso faz
todo sentido, e que este processo está presente em sua própria vida desde o
nascimento. Uma das razões por que a educação clássica é tão enfocada em
grandes textos e obras de arte é precisamente a importância que dá a um ade-
quado aprendizado de ideias que torna uma pessoa sábia e virtuosa.

P or fim, tenha em mente que o conceito de educação é mais amplo e


profundo que o de “escolarização”, com o qual somos sempre tentados
a associá-lo. Educação e escolarização são coisas diferentes. Podemos
dizer que escolarização é um círculo estreito dentro do círculo mais amplo da
educação. Em outras palavras, a escolarização é uma das diversas instâncias
que a educação pode abranger. Talvez eu possa usar uma simples e compreen-
siva ilustração. Pense numa piscina cheia, com dez baldes dentro dela. É um
número simbólico, é claro. Cada balde é uma instância em que a educação po-
de existir: um lar, uma escola, uma universidade, uma igreja, um grupo de estu-
dos, um jardim, etc. Ora, a educação jamais pode ser reduzida a qualquer destas
unidades, pois as transcende. Todas são por ela abrangidas, mas nenhuma pode
contê-la em si unicamente. Além do mais, ninguém pode escapar dela. A edu-
cação engloba de uma só vez criação, formação, instrução, ensino, disciplina, treinamen-
to, nutrição, e é uma força atuante no homem e na sociedade — na existência
toda. Porém relembra-nos Chesterton que a “educação é dar algo — talvez vene-
no”. Em outras palavras, é um veículo usado para o bem e para o mal. E, no
entanto, o mau uso de qualquer coisa não deve desviar-nos de sua verdadeira
natureza, e a educação possui uma estrutura básica que a define como tal. On-

32Do grego mímeses (μίμησις) e do latim imitatio, essa imitação está longe de ser mera
mímica. É clássica e cristã e ideia de que só podemos aprender por meio da imita-
ção, porém não imitação da forma externa, e sim da ideia interior; não de uma
ação primordialmente, mas da ideia expressa nessa ação. A meditação e a contem-
plação são especialmente importantes nesse contexto. Toda arte e toda habilidade
sempre é adquirida por meio de um processo que vai desde a percepção da ideia por
meio dos sentidos (como quando vemos uma obra de arte ou ouvimos uma bela
música) até a representação da ideia da nossa própria maneira.
de quer, portanto, que haja criação, formação, instrução, ensino, disciplina,
treinamento e nutrição, aí há educação33. E, visto que o homem é um ser edu-
cável por natureza, ele está perpetuamente sujeito a ser contaminado pela má
educação.
Até aqui, portanto, o quadro é o seguinte. A educação conecta as gera-
ções ao manter na memória de todos sua cultura comum; ela habilita os indiví-
duos a receber, entender e transmitir esse corpo de conhecimento que é uma
cultura; para isso, a educação antes as treina e prepara, formando suas mentes e
almas. A educação torna o homem capaz de realizar suas potências, e também
digno da posição que ocupa entre os seres. A coisa não é assim tão mecânica,
porém. O conceito da palavra grega scholé, donde derivamos nossa palavra “es-
cola”, é significativo. É, literalmente, um “aprendizado repousante” — “lazer”,
“tempo livre”, “conversação engajada” e “discussão erudita” são outras expres-
sões que a definem. Na Metafísica, a visão de Aristóteles é a de que o alcance do
fim último da vida humana requer um scholé (lazer), isto é, uma liberdade tem-
porária de preocupações quanto às necessidades da vida. Interessante é notar
que, para o filósofo, o próprio fato de haver algum lazer é uma conquista da
sociedade política; e que o fato dos cidadãos usarem o lazer para um fim apro-
priado (para a educação, o pensamento e a cultura) é também um artefato de
um bom sistema de leis e de educação. Originalmente, como explica Thomas
Bénatouïl, “scholé designava o lazer de que se desfruta para educar-se e partici-
par na vida política e cultural de sua cidade [pólis]”34. Não é irônico que, hoje,
uma escola geralmente não seja nem repousante nem cativante? E que ali o
amor pelo conhecimento (a verdade) praticamente inexista? Studere é estar an-
sioso ou entusiasmado por algo. Por conseguinte, o estudante diligente está
capturado e entusiasmado pelo conhecimento, a habilidade e a sabedoria35. Um
educador (pai ou professor) deve tentar fomentar em seu aprendiz (filho ou
aluno) zelo, avidez e diligência; deve exibir a ele a beleza e o fascínio da lingua-
gem, a história, e a matemática; deve apelar aos seus corações tanto quanto às
suas mentes, sendo ele mesmo um modelo de paixão pelo aprendizado, pelo
estudo36 e pelas coisas mais fundamentalmente importantes da nossa existência.
E, por outro lado, quão egoísta e mesquinha não é a postura vitalícia daqueles
que, repastando e aproveitando-se daquilo que nossos ancestrais construíram,
jogam de si o fardo de repassá-lo à posteridade? Porém já disse Edmund Burke

33 Pode ser particularmente do interesse de cristãos saber que mesmo a pregação


de um sermão é educação. Dentre as qualificações de um presbítero/bispo (1 Tm
3.2), está a de ser “apto para ensinar” (διδακτιόν; o verbo διδάσκω é sinônimo de
παιδευω, que por sua vez é usado pelo Apóstolo Paulo em 1 Timóteo 1.20 com o
sentido passivo de “aprender”, e em 2 Timóteo 2.25 com o sentido de “corrigir”.
Em Hebreus 12.7, o sentido é de “disciplina”). Interessantemente, a palavra παιδεια
é atribuída à própria Sagrada Escritura por Paulo em 2 Timóteo 3.16 como parte
de sua operação no homem de Deus, a fim de que tenha ele “capacidade e pleno
preparo para realizar toda boa obra” (v. 17). Em Efésios 6.4, o apóstolo, dirigindo-
se aos pais de família, exorta-os a que criem seus filhos na disciplina e na instrução
do Senhor. Visto que Deus é o Mestre perfeito, ele naturalmente educa (inúmeros
são os exemplos). Um breve estudo sobre o tema foi elaborado pelo reverendo e
professor Hermisten Maia (Mackenzie), sob o título: A Paideia no Novo Testamento
— A Formação do Homem Cristão.
34 A Companion to Ancient Philosophy, IV.21.
35 Christopher A. Perrin, An Introduction to Classical Education, p. 33.
36 Ibid., p. 34.
que as pessoas que nunca olham para trás, para seus ancestrais, jamais olharão
para frente, para a posteridade. Essas pessoas tendem a chegar ao poço de mo-
edas de ouro e tomar para si, durante toda a vida, aquilo que promove seu sus-
tento e sucesso próprios, ignorando que a estabilidade que ainda resta de seu
modo de vida é produto do trabalho consciente daqueles que vieram antes
delas. É o bastante que nos ocupemos com nossas vidas privadas e, assim, per-
camos de vista o todo do qual somos parte? O niilista e o relativista podem até
justificar sua insensibilidade e inércia, mas aqueles que já puderam transcender
o baixo nível de sua condição humana têm ciência de que isso é um desrespeito
àquela mesma realidade eterna se desdobrando ao longo do tempo. Você deve
certamente pensar ter o direito de desfrutar dos saberes e feitos de filósofos,
matemáticos, físicos, estadistas, juristas et cetera, sem os quais viveríamos ainda
num estado de barbarismo em todos os sentidos (social, moral, espiritual), e
fazê-los convergir para o sucesso de sua ínfima vida neste universo, morrendo
sem nada legar ou transmitir. Isso é inaceitável, mesmo porque tão rico e sun-
tuoso é o corpo de nossa civilização, que só o egoísmo ou a ignorância não há
de pensar em propagá-lo aos séculos vindouros, partilhando com a sua e a se-
guinte geração. Minha esperança é que você aprenda que

“A humanidade não passa por fases como um trem passa por várias estações. Sendo
viva, ela tem o privilégio de avançar sempre, sem deixar nada para trás.”37

O presente é tanto um período quanto o passado e o futuro, e logo há


de tornar-se passado. É fato que somos o produto de um sistema educativo
que não transmite a nós a alma de nossa sociedade, e não é exagero dizer que
temos servido como cobaias no que podemos chamar de “grande experimento
cultural” em vistas ao que George Steiner chamou de “amnésia planejada”.
Não é “teoria da conspiração”; é fato38. Gerações atrás, os ideais clássicos da
educação que resistiram por séculos, aqueles mesmos ideais presentes na edu-
cação grega e romana, preservados durante a Idade Média cristã e amplamente
redescobertos a partir do Renascimento, que persistiram até passarem a ser
corroídos no século passado por certas filosofias de ensino, sim, os ideais vei-
culados pela transmissão cultural, foram substituídos nas escolas em favor do
que ao seu ver são “coisas melhores”: treinamento vocacional e doutrinação
política. Você pode ver isso facilmente em certos rearranjos nas disciplinas. Por
outro lado, o alvo principal da antiga educação clássica era transmitir nossa cultu-
ra39. É para isso, diz Russell Kirk, que servem as humanidades: “ensinar aos
seres humanos sua verdadeira natureza, sua dignidade, e seu lugar apropriado
no grande esquema das coisas”. Que outra frase resume o que aqui temos tra-
tado? Nosso alvo primário não deve ser aprender a ser um engenheiro, um
psicólogo, um programador ou advogado; antes deve ser aprender como tor-

37 C. S. Lewis, Alegoria do Amor, p. 13.


38 Uma análise séria e documentada de nosso cenário é feita por Pascal Bernardin
em Maquiavel Pedagogo.
39 Na tradição judaico-cristã, este elemento é igualmente basilar. O dever, primor-

dialmente paternal, de transmitir às gerações seguintes as leis e os feitos de Deus é


cristalino nas páginas do Antigo Testamento (Dt 6.7; Sl 145.4). No Novo Testa-
mento, os ideais da fé cristã devem ser disseminados e transmitidos a cada novo
discípulo (Mt 28.19), de modo que o Apóstolo Paulo os transmite a Timóteo que,
por sua vez, deve passá-los adiante a outros homens fiéis para que, por sua vez,
eles os ensinem a outros (2 Tm 2.2).
narmo-nos verdadeiramente humanos — e isso, incidentalmente, há de seguramen-
te tornar-nos melhores engenheiros, psicólogos, programadores ou advogados.
O homem é mais que um ativista político e um empregado. Como disse
Aristóteles, ele é um conhecedor, um fazedor e um criador. Qualquer educação
digna do nome deve lidar com isso.

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