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Roy Cirne Lima

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PRIhICIPIOS
DE DIREITO
,\DMII\ISTR,TTNO
7" edrçáo,
revista e reelaborada por

Paulo Alberto Pasqualini

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PRINCíPIOS DE
DIRE I TO ADMINIS TRATIVO

7ø edição,
revista e reelaborada por

P¿.ur,o Ar,nnnro P.ts euALII\.I

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Co¡n os rumþrimentos
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= =MALHEIROS
===EDITORES
PRINCíPTS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
@ Cnnros Roe¡Rro V¡r_Ho CnNe Lrva

gl,rr \lû+

ISBN 978-85 -t 420-7 s8-2

NOTAPNÉVUÀ æ EDICÃO

Direitos reseruados desÍa edição por Quando Ruy CRr'rE Lrue iniciou sua contribuição para a ciência do
MALHEIROS EDITORES LTDA. direito, já havia signifrcativo acervo de exposições críticas valiosas, de
Rua Pctes de Araújo, 29, conjttnto I7l autores brasileiros que. já no período monárquico, começaralr a descrever
CEP 04531-940 São Paulo Sp o nosso direito administrativo. Neste livro, o autor timbra ern valorizar
-
Tel.: (1xxll) 3078-7205 Fax; (}xxtt)- 3168-j495 a nossa literatula juspublicística. Esta, porém, padecia de insuficiêucias,
URL: www.malheiroseditor es.com.br traduzida nos escritos à época existentes, provocando reflexo najurispru-
e-mail: malheiroseditores@tetra. corl.br dência, que se foi desenvolvendo de modo assistemático, caracterizacla
por indisfarçável falta de coerência e organicidade.
Aplicação de Îécnicas privatísticas, alheiamento ao espírito do di-
reito público, transposição acrítica e apressada de institutos, problemas e
soluções do direito alienígena (especìalmente francês e italiano) cor.upro-
Contposição
metiam a funcionalidade, a eficácia e a harmonia do sistema, que ct.escia
PC EditorialLtda.
materialmente, em velocidade assustadora, sert direção.
Este livro tradrz as notáveis qLralidades do auto¡ celebrado sobre-
tudo por sua formidável erudição, posta a seruiço de aguda inteligência
crítica, dedicada a plasmar um verdadeiro sistema científico. Este haveria
Capa: de servir de poderoso conjunto de critérios, para melhor elaboração regis-
Criação: Vânia Lúcia Anrato lativa, com reflexos na jurisprudência, fìxando rumos definidos e sólidos
Arte : PC Editorial Ltda. para os estudiosos, carentes de uma visão global e orgânica, conrpade-
cente com os quadros do direito const¡tucional.Em linguagerll às vezes
hermética, mas sempre sintética, Ruv crnxe Ln¿e fixa, ern definitivas
pinceladas, os alicerces de unra construção de incomparável solidez e
Lnpresso no Brasil notável consistência. Estes seus "princípios" rïarcarrì urra nova fase. de
Printecl in Brazil maturidade, no nosso direito administlativo, com significativas repercr,rs-
0 l-2007 sões na doutrina do diLeito público brasileiro, em ger.al.
6 PRINCIPIOS DE DIREITO ADMINISTRAT]VO NorApRÉvrAÀ o.eolÇÀo 7

Seu pensamento - luminosamente sintetizado nesta obra rece defendida e protegida, pela ordem juúdica, contra o próprio agente
- se carac-
teriza por duas principais marcas tþicas, que não haviam sido devida- e contra terceiros'.
mente valorizadas por nossos autores: o culto às nossas raízes culturais, "Em suma, o necessário - parece-nos - é encarecer que na adnlinis-
às nossas origens ibéricas e o fiel apego às diretrizes do direito constitu-
tração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição
cional positivo, corr adequada valorização da Carta Magna. Aí as duas da vontade do administrador'. Antes, para este, coloca-se a obrigação,
balizas da linha de preocupação que dá à sua genial construção a singe- o dever de curá-los nos temros da finalidade a que estão adstritos. É a
leza e a coerência que - ao lado de outras qualidades
- conferem à sua ordem legal que dispöe sobrc ela" (Natureza e RegÌme Jurídico das Au-
obra o cunho excepcional que a peculiariza. Repelindo visão superfìcial tarquias, SãoPaulo, Ed. RT, 1967,p.296).
e preocupação expositiva, centra seus esforços na fixação das diretrizes
Apreendidas as categorias do mestre, C¡lso ANro¡¡o constrói toda
fundamentais de um pensamento fecundo, plasmado em estilo compacto
a teoria das autarquias, define-as, explica-as, identifìca seu regime jurí-
e mo olítico, que fixa definitivamente, com redação inve.iável, os prin-
dico, expöe sua natureza. E, subseqüentemente, erige notável obra- que
cípio básicos que dão sentido ao direito positivo e significado a seus
se expande por todos os domínios do direito administrativo - guardando
institutos. Embora dedique o livro a seus alunos, sua genial pena elabora
admirável unidade, precisamente em razão da constante referibilidade a
um "sistema" construtivo, em lugar de um longo e minucioso sistema
um magno critério biásico: a relação de administração, tal como exposta
expositivo, fazendo com que o livro il'anscenda de muito o círculo de seus
por Ruv Cmve Ln'm.
alunos, para atingir benefìcamente todos seus discípulos: os estudiosos do
Pela "relação de administração" se explica todo o direito admi-
direito público.
nistrativo; se compreende seus institutos, entende-se seus princípios,
Deteve-se longamente no expor a "relação de administração,', seus
desvenda-se o sentido de suas regras. Como critério explicador, a relação
critérios informadores, seu conteúdo, sua teleologia. Nesse instituto de administração informa o direito positivo e fixa as pautas para interpre-
universal, põe a chave de abóbada do seu sistema, pedra de toque de sua tação de toda norma, de cada ato administrativo. Nela se vai encontrar o
proposta de explicação radical do direito adrninistrativo. E o faz de modo
"sentido" - objeto de tanto cuidado de Recaséns Siches - do sistema do
vigoroso, denso e efrcaz. E, dos postulados que fixa, vai extraindo conse- direito administrativo e de cada um de seus institutos.
qüências firmes, robustas, pródigas, que iluminam a cornpreensão de to-
A contribuição de Ruv CInNe LlraA - ensinando-nos a conhecer e
dos os institutos, que fecundam as virtualidades dos preceitos pafticulares
manipular as categorias por que a relação da admjnistlação se expressa
e explicam os princípios e as normas do direito administrativo.
Poucos estudiosos souberam, como CeLso A¡¡rôwo Blxoenl oe
- surge, assim, na evolução da nossa ciência, como ffloffrento decisivo.
Daí se começa marcar a matulidade do direito administrativo brasileiro.
a
Mnro. valorizar tanto o instrumental científico e o aparato crítico conti- Ganhamos, assim, o instrumental que permite a ahrmação de uma ciência
dos iras concepções de Ruv CnNe Lnl¡. A ele se dê a palar,r-a, para sinte- com personalidade própria e fisionomia peculiar.
fizat'o fulcro do pensamento do velho jusfrlósofo e juspublicista:
Este livlo é uma preciosidade, não só pelo conteúdo material, rigor
"É sempre opoftuno lembrar a magistral lição de Crnxe Ltvl a pro- dos conceitos, perfeição das definições, primor das colocações e cunho
pósito da relação de administração. Explica o ilustrado mestre que esta é científico da construção que propõe, mas também e plincipalmente pela
'a relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente'. riqlueza inesgotável do método de exame e exposição crítica do direito
Nela não há, apenas, um poder em relação a um objeto, mas, sobretudo, positivo. Quem o apreende, detém insÍumento definido de análise, do
run devel cingindo o administrador ao cumprimento da finalidade, qr.re mais largo alcance. A adequada valorização das raízes históricas do nos-
lhe serve de parâmetro.
so direito permite-nos desvendar alinha jurídica e sociológica, segundo
a qual veio evoluindo a legislação. E Crru.,'e Ln¿¡. mostra, com argúcia e
exírnio senso de equilíbrio, como tal consideração é útil na investigação
e estudo dos institutos expostos. Por outro lado, a coreta estirnação do
nosso direito constitucional dá a exata medida das relaçöes entre o clireito
administrativo e seus fundamentos básicos, contidas na Catta Magrra.
PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
NoTAPRÉvrAÀ 6" EDrÇÂo
Estes "princípios" constituem a primeira exposíção sistemática da 9
Este livro
matéria, elaborada a partir de esquemas plasmados em função do Texto
rito nacional q
constitucional. A própria visão categorial do mestre sul-rio-grandense
é.eloqüente atest
as propostas constitucionais. A pedra de to-
al- desdobrada nos capítulos e pæágrafos do ao a quase todas as
provín_
o (ou preceito que o encerra) constitucional.
o que mais pareceria
euro_
Até o surgimento de sua obr4 nossos escritores expunham o direito tes princípios _ a apoiar_se
adrnini das implicações do princípio Lni¿,q dá_nos exemplo
federal melhança de seus paradigmas de
frances autores expunham um direito Thl característica se
nos apresentr colrlo deJiberada
uno, linear, simples e simplista. lorizaçãocultural a. proposta de va-
nor.uffi-oç¡rtâ
O insigne jurista gaúcho timbra em sublinhar que o direito admi-
nistlativo "é um direito de aplicação exclusiva,,e que, pois, exclui o *x+
direito civil, o comercial, o trabalhista etc. e que a aplicabilidade do
direito administlativo municipal exclui o estadual e federal; o estadual
exclui o municipal e o federal e assim por diante. seu estudo das pessoas
administrativas é sintético, claro, didático e magistral. suas colocações
são clássicas, porque firmadas no texto constitucional e iluminadas pelos
mais sólidos postulados da teoria geral do direito.
Nesse sentido, fixa diretrizes exegéticas insuperáveis, que não po-
dem ser ignoradas. Destarte - com o vigor de sua pena enxuta e incisiva
- lança contribuições definitivas, também para os estudiosos de direito
constitucional. Aliás, em nenhum instante, CruvE Lru¡, deixa de consi-
derar a refração das exigências do nosso direito constitucional sobre o
direito administrativo. Consciente da supremacia da Constituição, tem
seus princípios e regras aplicáveis presentes a todo momento, a cada ins-
tante. com raro sentido de oporfunidade. Por isso, esta obra transcende a
modesta proposta didática que lhe sele de pretèxto, para aparecer como
uma das mais formidáveis criações da nossa literatura jurídica.
O poftentoso talento desse professor é reconhecido no Brasil e além
de suas fronteiras. Suas lições são celebradas porpublicistas e privatistas,
dada a sua universalidade. Não obstante sua familiaridade com a biblio-
grafìa alemã e européia, de modo geral, bem como a americana (do Norte
ou qualquer outra) fez questão esse jusf,rlósofo e jur-ista de prestigiar
a"prala da casa", nestes "princípios", valorizando ao miáximo nossos
autores.
Nisso, também, nos dita lição superior e exemplo vigoroso, exata_
mente pelo sentido brasileiro do seu pensamento de cidadão-jurista.

++*
i
l0 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

do que ensinar ciênci4 ensina afazer ciência. ClnNe Lnvrn não se conten-
tava em dar-nos peixes; ele nos ensinava a pescar.

+++
(O querido Professor Ruv Cn¡¡s Lnr.n - o "DR. Rw", como foi
chamado no Rio Grande, com respeitoso afeto e admiração - esse esta-
dista que se tomou (como o disse, em discurso, ScÆRA Fnouvtrs) uma
instituiçäo gaucha, faleceu em 1984).

GEncl-oo ArAl-lsA, PREF,,íCru

Ruy Cmxe Lnu,+ seguramente foi e sempre será um dos maiores ad_
ministrativistas brasileiros de todos os tempos. sew princípios de Direito
Administrativo, constituem-se em obra monumental, de valor inestimá-
vel, cuja leitura é absolutamente indispensável a quem pretenda estudar
o direito administrativo no Brasil. o leitor logo perceberá um atributo
estranho neste pequeno grande livro. A cada nova leitura aprende-se mais,
como se esta obra extraordinária revelasse seus tesouros pouco a pouco,
leservando-lhes a totalidade para os que entretenham uma relação de
freqüência e intimidade com o livro.
Dotado de um poder de síntese notável, visivelmente incomum,
o Prof. Crnue Ln'¡e consegue em poucas linhas alcançar a essência dos
vrírios tópicos sobre que se debruça com profundidade excepcional, con-
quanto pareça estar apenas transitando muito ao de leve sobre o assunto.
Esta sua maneira elegante, que causa a impressão de uma discr-eta e
apressadapassagem pela matéria enfocada, ilude o leitor de uma primeira
leitura, pois não exibe, de imediato, que naquelas linhas áticas, lançadas
com uma concisão invulgar, estão condensadas meditações de grandís-
sima ciência, de uma sabedoria admirável, que só se atinge depois de
arrrealhar, decantar e reelaborar vastíssimos conhecimentos que poúcos
conseguem reunir ao longo de uma vida.
Algumas de suas frases lapidares concentmm em sua simplicidade
toda a essência da atividade administrativa e, pois, do direito que dela se
ocupa e ilustram o que se vem de dizer: "opõe-se a noção de administm-
ção a de propriedade, nisto que, sob administração, o bem não se entende
vinculado à vontade ou personalidade do administrador; porém a f,rnali-
dade impessoal a que essa vontade deve servif', ou "Na administração, o
t2 PRINCiPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

dever e a finalidade são predominantes; no domínio, a vontade". E ainda:


"A re ção somente se
jurídi dade que a ativi
nos a protegida, pela
agente e contra terceiros". Estas são, dentre tantas lições excepcionais
encontradiçasnos Princípios, demonstrações de que o ilustrado professor
ministrou ensinanças que atravessam os tempos e que servem como um
fanal orientador de quem quer pretenda saber alguma coisa de realmente
importante sobre o direito administrativo.
Como obviamente também há, no liwo, refeÉncias cilcunstanciadas
à época em que o redigiu, ele aparece agora atuaüzado e da maneim mais
NOTA ELUCIDATIVA
indicada e compatível com sua índole. Com efeito, o responsável pela
atualização é o eminente Professor Peulo Pnsqunt-rM, o maior conhece-
dor da obra de Cnx¡ Lr¡¿n. Como seu assistente e amigo por longuíssimos
anos, profundo estudioso do direito e perfeitamente informado das fontes Na atualização deste liwo procu.amos ter presente, de modo cons_
culturais do agrado de Crpwe Lnve, pôde este jurista de escol produzir tante, o pensamento original do Professor Rw Cln¡n Lrun.
uma atualização compatível com a grandeza da obra. Os estudiosos de De acordo com sua concepção, temos ..necessidade de libertar_nos
direito administlativo estão de parabéns por esta edição que a MerHenos
, no limi
Eonones vem de brindálos. jurídicas
(Sistema
Cnso A¡¡rô¡uo B¡,¡¡¡ene oe M¡rlo sileiro, t.I, PortoAlegre, 1953, p. 8).
Seguindo essa concepção, tanto neste livro, que agora é atualizado,
quanto naquele acima aludido, Ruv Crnxe Ln¿¡, adere à idéia de roma-
nistas ilustres, como W. V/. Bucxt-nxo e H. F. Jolowlcz, que não davam
relevo ao conceito de isolamento entre o direito público e o privado,
adotando a concepção de JuslunNo, nas Institulas, quando afirmava
que "Omne jus quo utimur vel ad personas pertinent, vel ad res, vel ad
actiones" (Inst. l, 2, l2).
Reconendo em larga medida aos conceitos já solidificados no direito
privado, sob autor realizou uma partição
dos temas d tnûodução, por unia parte
Geral, assim scHErD, no seu Diritto Delle

,rativo,otaatualizado (e reescrito

,
,
'i:åi:fì,'"",i:iH::ï:..'lå:î
t4 PRINCIPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
NOTA ELUCIDATIVA t5

de Relação de Administração. A Relação de Administração consta do $ 6


do livro e foi escrupulosamente preservada, somente sofi-endo alteração
no que concerne à legislação, sobretudo em função da publicação do
Código Civil de 2002.
As partes fundamentais do livro são subdivididas em Introdução,
Parte Geral e Parte Especial. Nesse particnlar, a subdivisão segue a estru-
tura do livro do Prof. W¡,lr¡n JeLLxer, que se subdivide em "Einleitung" como primeiro motivo para a propositura da ação a violação da r.egra de
(Intr-odução), "Allgemeiner Teil" (Palte Geral) e "Besonderer Teil" (Pafte competência, constituindo-se, por essa forma, a incompetência motivo
Especial) (Verwaltungsrecht, 1929, Berlin, índice geral, p. X a XV). fundamental para a propositura da referida ação (Lei n. 4.jlJ11965, art.
Ao redigir o livro, destinado a selir de compêndio para os estudan- 2n,"d', eparágrafo único. "a"). Esse constitui apenas um entre outros
tes da Faculdade de Direito, o Prof. CnNs Lrv¡ deliberou circunscrever tantos exemplos em que foi necessário opelar uma retificação no texto
as citações ao Corpus Juris Civilis, no que concerne ao Direito Romano, original pal-a adequá-lo a novas disposições legais.
e aos jurisconsultos reinícolas mais expressivos, como Jonce le Ce,eeno, Desde o ano de 1964, em que foi editada a úrltima edição sob a
Dorr¿u.lcos Awn¡ves PoRruceL, Pesco¡.r. JosÉ oe Mrrro FRErRr, com algu- superuisão do autor, a legislação brasileira sofreu transformações consi-
mas referências às diferentes Ordenações do Reino de Portugal. deráveis, inclusive com o advento de urna nova Constituição Federal, de
No que concerne ao direito brasileilo, há as referências obrigatórias 5 de outubro de 1988, que estabeleceu, pela prilrreira vez, entre nós, um
aos grandes do século XIX, como JosÉAn"ro¡uo Pn¡evr¡. BueNo, Peul-nlo Estado de Direito.
SoRnes oe, Souz¡. (Visconde do Uruguai), Penunn oo RËco e os do início Essa Constituição já foi alterada e maltratada por alguns Presidentes
do século XX, como AlcroEs Cnuz, Vlvenos nE Cnsrno, Ollvene Sevros, da República, que fazem uso da conrpetência que a própria Constituição
Cnnlos Ponro C¡nneno e Ruv BAReos.l, bem como aos contemporâneos lhes outorgou, de propor Emendas Constitucionais (art. 60, inciso II).
do autoç como TevÍsroclrs Bn¡.NoÀo C,qvru-c¡,vrr, Mezuo M¡.secÀo, JosÉ Essa competência, como tivemos a oportunidade de dizer no texto do
CnerElu Júuon, Tno PncrEs DA FoNSECA, FpnN¡,r.rDo Memprs DEALMETDA livro, é desconhecida dos regimes presidenciais puros e nos foi legada
e outros. Citaçäo especial era feita à obra do ilustre SsneRA FRcuxroes, que pelo regime militar, que os nossos políticos tanto combateram, lrìas con-
embom sem feição sistemática de exposição, transcendia aos limites de serval'am algumas das competências provenientes dos Atos Instinrcionais.
uma simples monografr4 intitulada O Controle dos Atos Administrativos Por esse motivo, foi necessá'io fazer uma revisão profunda da legislação
pelo Poder Judicicirio. constitucional e da ordinária, para adaptar o livro à moderna realidade
Dizia o auto¡ no prefácio à lê edição, que "WALrEn JELLßIEK, Mnuru- brasileira. Nesse mister, não poupamos críticas aos maus Presidentes
cE HALJRIou, S¡,wu Rotr¡¡¡lo seriam nomes encontradiços em cada pâgina, e aos maus legisladores, que defonnaram o texto constitucional e que
se outro houvesse sido o critério adotado". Como já ficou dito em nosso produzem continuamente um a legislação ordinária espirria, incom patível
prefácio a esta edição, deliberamos alterar esse critério, agora, que o Prof. com os postulados do Estado de Direito e cout os Direitos Fundamentais
CrnNe Lr¡lr¡, não nrais se enconü'a entre nós, principalmente para tornar imodificáveis, que constitnem núcleo básico da Constituição.
pública a inspiração principal deste livro, fundado, em larga medid4 nos Embom o trabalho tenha implicado, não laro, nrudanças profundas
ensirramentos de W,crrEn Jellnrerc, Orro M,qysn, PRtr Leenwn, SnNrr no texto original, por força da nova legislação, procrtramos rnanter inal-
Roveuo e M¡.uRrce H¡unrou. temda a feição oliginal do livro, preservando a sua divisão fundamental,
Como decorrência desse propósito, foi necessário estender muitos todos os títulos de seus 26 paráglafos (ou capítulos) e o espír.ito que pre-
dos capítulos, denominados de parágrafo pelo autor e subdivididos em sidiu à elaboração desta obra.
algarismos arálricos. Deliberamos f,azer os acréscimos, via de regra, por- Feita esta introdução, podemos passar à leitura do livt-o, consider.an-
meio da aposição ao número do item, de uma letra, na seqtiência do alfa- do que se algum equívoco houveL, esse não deve ser atribuído ao prof.
beto, às paftes por nós elaboradas, assinalando com um sinal gr-áfico (.) CInNr Lwn, mas ao autor desta atualização.
os textos acrescidos. Além disso, em alguns casos, foi necessário alterar
a redação em algumas das subdivisões originais pela mudança oconida P¡,ur-o Areenro PASQUALTNT
SUMARIO

Nort PnÉw,t À G Eorçno - Gnn¡tno Aattn¿ .... 5


PnnrÅc¡o- CmsoANrôruo B.qNpnna on Mruo ll
Nort Eruuo¿flut - P,suto A uznro P¿soatuNt l3

INrnoouçîo
O DIREITO ADMINISTRATIVO
S 1. Posição 23
$ 2. Conceito 35
$ 3. História do Direito Adntinistratiyo Brasileiro 57
$ 4. Fontes 71
$ 5. Literatura 86

Pørte Gerul
A RELAçÃO JTIRÍDICA NO DTREITO ADMINISTRATTVO
$ 6. A Relação de Adminisfi'ação l0s
$ 7. A Relação de Direito Subjetivo
I - O Direito Subjetivo Público ll0
II - A Posição Jurídica e o Reflexo de Direito l19

os ELEMEMOS DA RELAÇÃO JITRbICAADMIMSTRATTVA... 124


$ 8. ls Pessoas Aùninistrativas 124
S 9. Os Bens em Relação àAdministração Ptiblica 178
S 10. As Serttiços Públicos 201
$ I l.Os Atos Administrativos 216
S 12. A Presuição .. 280
l8 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

A LrMrrAçÃo nos DTREITos


$ 13. Os Direitos Individuais 293
S 14. A Polícia 301
$ /5. Os Direitos do Estado 339

Pute EspciøI
A ORGAT\IZAçÃO ADIVtrNrSTRATTVA

S 16. A Competência 385


î 17. A Descentralização ............... 395
$ I 8. Indivi dualismo, s indic alßmo e unip ørti disn to .................. 409
S 19. A Hierarquia 4t5

AS FORÇAS DA AÇÃO ADMINISTRATIVA

S 20. O Trabalho Público ............... 427


$ 21. As Empresas e Obras Públicas 496

OS BENS NA ECONOMIA ADMINISTRÄTIVA

S 22. O Uso Público 514


$ 23. As Servidões Adminßtrativas 520
S 24. A Responsabilidade da Administração 532
S 25. A Justiça Administrativa 549
$ 26. As Sanções Administrativas 583

A Jo,so AuoRru DE ALBU7UERIUE


Ao amigo
Ao ntestre
In-rnontiçÃo
O DIREITO ADMINISTRATIVO
s 1. POSIÇAO

Corrida a primeira metade do século XIX, já se não discute, a sério,


no Brasil a existência do Direito Administrativo (p. G. T. Veiga Cabral,
Direito Administrativo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1859, p. V). Esse
Direito Administrativo, gira ao redor das atribuições contenciosas das
autoridades administrativas. Além desse círculo acaba-se o DireitoAdmi-
nistrativo, tudo são operações mecânicas (Ribas, Direito Adminisfratìvo
Brasileiro, Rio de Janeiro, 1866, pp. 126 e ss.) ou negócios de direito
privado (v. $ 3, n.7, infra).
. O Conselheiro Ribas afimava a propósito do tema: ..Como ins-
trumento de operações puramente mateliais, a Administração constr-ói e
repara edificios e obras públicas, guarda, conserva, adquire, aliena por
concessão gratuita ou onerosa os bens públicos; defende-os em juízo
como autor4 ou como ré; percebe rendas, paga despesas, liquida as dívi-
das ativas e passivas. Assim, ela fabrica, compra, conserta e guarda nos
arsenais as annas, munições e mais material do exército e armada; as má-
quinas, instrumentos, matérias-primas e mobília das oficinas do Estado;
põe em atividade e administra estas oficinas". A descrição continua, e é
longa, demonstrando o vulto das atividades desenvolvidas pela Admi-
nistração Pública, que desde aquela época ela considerável e perïnanece
até nossos dias como relevante. Desde essa época, por conseguinte, se
reconhece a existência do Direito Administrativo como disciptina jw.í-
dica autônoma.
E desde essa época reconhece-se, igualmenÍe, ao Direiro Adninis-
trativo, o cal'áter de direito especial. como dizia apositamente Francesco
Ferrara "o direito pode ter uma esfera de aplicação gelal a todas as re-
lações ou limitada a um campo circunscrito dessas. o primeiro é clireiro
geral, o outro direìto especíal. Ao lado do direito geral se desenvolve para
relações particulaes da vida ou para cefta classe de pessoas ou coisai um
24 PRINCiPIOS DE DIREITOADMINISTRATIVO
g r, rosrçÃo 25

ius proprium, um direito rnais adaptado às pecuriares exigências de de-


determinação do largo e variável conteúdo deste princípio fundamental
terminadas relações, que ¿ìssume uma pafticular fisionomia e um espír.ito
do Direito Administrativo.
independente, em confi'onto com o di'eito geral do qual se destacôu. o
direito especial não é uma exceçäo, mas uma especificaçäo, um desenvol- 2. Molda-se o conceito de utilidade pública sobre o de utilidade
vimento, um complemento do direito geral, como um ramo que se des_ social. Domina esta o mundo das realidades concretas: os sedentos das
taca do tronco. o direito especial é um sistema autônomo de princípios, grandes secas do Norte ouviriam com enorme aflição e decefto não
elaborados para um particular comportamento de determinadai relaç'ões,, suportariam a leitura de versos; os famintos não tolerariam a música;
(Trattato di Diritto Civile ltaliano, Roma, I92l,v.I, p. B3). entre os selvagens, pouco nos ajudariam, como meio de adaptação. os
nossos princípios morais e até os nossos mais an'aigados hábitos jurídicos
(Pontes de Mirand4 Sìstema de Ciência Positivq do Direito, t. I, Rio de
Janeiro, 1922,p.259).
Mas a utilidade pública é mais do que a utilidade social.

Vai referida, de feito, a utilidade públic4 não só ao indivíduo e ao


1. Demonsû'a, com efeito, o mais superficial exame das normas do agregado, como também, à própria sociedade organizadaque, realizando
Direito Administrativo a presença de materiais alheios, tirados a ramos o bem individual e o bem social, se mostra um bem em si mesma (Tris-
do Direito de âmbito mais geral, dispostos, porém de forma nova _ acu_ tão de Ataíde, Política, Rio de Janeiro, 1932, p.l9). Assim, se diz no Al-
mulados na direção especial, que lhes imprime um princípio fundamental vará de 24 de Outubro de 1764, acercado acatamento e respeito devidos
tambérn novo. Não é dificil, de resto, determinar qual é esse princípio aos magistrados e oficiais de justiça, que - "o necessário cumprimento
fundamental, que faz do Direito Administrativo direito especial e, ao destas indispensáveis obrigaçöes envolve com a utilidade pública dos
mesmo tempo, disciplina jurídica autônom a: é o princípio de utilidade Povos o bem particular e aprípriaconservação de cada um deles,' (Del-
- gado da Srlva, Coleção da Legislação Portuguesa, 1763-jZZ4, Lisboa,
pública.
1829, p. 128).
A utilidade pública dá-nos" por assim dizer, o traço essencial do Di-
reito Administrativo. A utilidade pública é a finalidade própria daAdmi- . 2-4. Que é a utilidade pública? Tal como a concebemos, é a ex-
nistração Pública, enquanto "provê à segurança do Estado, à manutenção pressão orgânica do bem comum, a definição deste, quanto aos meios e
da ordem pública e à satisfação de todas as necessidades da sociedade" processos, capazes de realizá-lo.
(Pereira do Rêgo, Elementos de Direito Administrativo Brasileiro, 1g60, O bem comum é mais do que a simples multiplicação aritmética,
$ 4, p. 2). pelo número dos indivíduos na coletividade do bem de cada qual. "Bo-
Não tem, todavi4 o princípio de utilidade pública conteúdo jurídico. mrm cotrtmune civium - adverte Santo Tomas - et bonum singulare unius
certo, a sua realização poderá, algumas vezes, supor ou recrarnar a reali- personae non differunt solum secundum multum et parvum, sed secundum
zação concomitante de princípios jurídicos. formalem differentiam" (Sutnnta Theologica,Il4 IIae, q. KXW, art. 6).
Assim, se diz, no Alvará de l8 de Outubro de 1752, que a utilidade Quanto ao bem comum não se atende somente aos indivíduos e às
pública consiste napronta execução das sentenças, e, noAlvará de l0 de relações destes entre si, esquecendo a sociedade. Não seria correto, de
s
1776, que ia das leis (Fernandes
outra parte, referir-se à sociedade mesma a noção do bem comum. A so-
Repertório , t. JJ, Coimbra, l gl9,
ciedade e os fins desta são meramente meios para que o homem realize o
urilidade P próprio fim. A unidade social é, apenas, a unidade da ordem, e não a dos
' lsso não lhe confere, porém, conteúdo jurídico; beur ao contrário;
organismos naturais.

às ciências não-jurídicas que, como a sociologia e a política e a ciência Sujeito, e


da Adnrinistração, prestam subsídio à obra da lei e do governo, cabe podeseroh e
a
del4 ou seja,
26 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
|j r. PosrÇÀo 27

O bem comum vai referido ao indivíduo enquanto parte do todo, 3. De modo geral, o Direito Civil e o Direito processual assegurarn
cuja conselação é um bem em si mesma. O bem comum é o bem da
o bem do indivíduo e o da coletividade dos indivíduos; o Direito co'sti-
soma dos indivíduos que compõein a sociedade, enquanto participam fucional e o Direito Penal defìnem e fìxam a organização fundamental da
desta lnesma sociedade,
sociedade. Tais dados jurídicos são pressupostos na sistemática do Direito
Administrativo.
2-8. Entre o bem e o útil, de outro lado, entre o bem comum e a
De outra pafte - cefto, aqueles ramos do direito objetivo pressupõem
utilidade pública, a mesma distinção existe, que entre ofrui e o uti datéc-
a noção de utilidade pública como noção ìimite, ainda mesmo o Direito
nica jurídica: aquele um gozo, a satisfação de uma inclinação; este, uma
Constitucional que, aliás, se transformaria em simples instrulnento nas
utilização, o meio pelo qual ofrui pode ser alcançado.
mãos do tirano, da minoria audaciosa, ou da maioria desvairada (Sto.
A sociedade, se não é capaz de unr gozo (o que suporia sensibilida- Agostinho, De LiberoArbìtrio, L. I, cap. VI: "(...) si paulatim idem po-
de), é, sem dúvid4 capazdeùÍnuti, que quer dizer de utilizar os múltiplos pulus depravatus habeat venale suffragium, et regimen flagitiosis scele-
recursos ao seu alcance, riquezas morais e riquezas materiais, de sorte a ratisque committat; recte adimitur tali populo potestas dandi honores, et
assegurar a cada qual, com os meios de persecução do bem privado que ad paucorum bonorum redit arbitrium").
lhe toca como indivíduo, as condições essenciais ao bem comum, que lhe
interessa como membro da coletividade. . 3-1. No que conceme ao tirano, Sêneca nos advefie: "euid ergo!
A utilidade pública representa o conjunto dessas condições, indis- Non reges quoque occidere solent? Sed quoties id fieri utilìtas pubtica
pensáveis ao bem comum. persuadet" (De Clementia, Liv. I, cap. XII - "Os reis não costumam
também matar? Mas todas as vezes que o fazem invocanr a utilidade
Certo, a utilidade p{tblica, assim entendid4 inspira todo o Direito.
pirblica"). Por sua vez, Aristóteles nos diz que todas as Constituições
De outro lado, várias são as ordens de atividades que a promovem dentro
que têm por finalidade o interesse comum são, de fato, fonnas coretas
da sociedade.
de organizar o Estado, de acordo com os estritos princípios da Justiça;
Dentre todas, fiícil é, porém, distinguir as que especialmente se des- aquelas, ao contrár'io, que somente têm em vista o interesse pessoal dos
tinam a promovê-la: promover a utilidade pública incumbe especialmente dirigentes são defeituosas e constituem desvios da normalidade, pois têm
ao Poder Público, "hoc est Reipublicae ofücium" (Wamkoenig,Institu- um caráter despótico, enquanto que o Estado outra coisa não é que uma
tiones Juris Romani Privati,Bonae,l834, $ 33, p. l0). comunidade de homens livres (Za PolitiEre, Paris, par J. Tricot, L.Vr-in,
Ora, segundo a diversidade das atividades do Poder Público, na 7910,L.III, n. 6, 20, p. 197).
promoção da utilidade públic4 fácil é, também, discriminar as regras A palavra dos filósofos condena igualmente a tirania, a demagogia
jurídicas que parlicularmente lhe são aplicáveis. Jâ diÅa Santo Tomás e a oligarquia.
que "A lei humana pode ser dividida segundo a diversidade daqueles que
especialmente atuam para o bem comum" ("lex humana dividi potest 3-8. No Direito Administrativo, o princípio de utilidade pública
secundum diversitatem eorum qui specialiter dant operam ad bonum deve ser visto dentro da perspectiva de um Estado de Direito. .
commune" - Summa Theologica,la,Iae-, q. XCV art. IÐ.
Sob este aspecto, ele não possui, apenas, essa significação negativa.
Não é, pois, de surpreender que à Administração Pública, enquanto Bem ao contrário, imprime rumo, dá direção positiva ao sistema de regras
forma específica de atividade do Poder Público, destinada à promoção de Direito, que, ao seu redor, se foflna.
da utilidade públic4 coresponda um direito especial o Direito Admi-
-
nistrativo -, o qual representa, apenas, a discriminação, segundo aquele 4. Prodtz o princípio de utilidade pública a formação do Direito Ad-
princípio, de um grupo de regras jurídicas preexistentes (Ruy Cirne Lim4 ministrativo, como qualquer acidente do teneno pode causar a formação
Sistetna do Direito Administrativo Brasileiro,t. I, Porto Alegre, 1953, pp. de um cômoro nas praias do mar. É suficiente que uma saliência mínima
43-46).. enrugue o chão liso. Sobre ela, batidas pelo vento, logo as ai-eias se acu-
28 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
l PosrÇAo
$ 29

mulam e já o acúmulo das primeiras suplanta a saliência primitiva para Deutsches Privatrecht, t. I, p. 136, Leipzig,1895). Já o direito geral é o
fazer-lhe as vezes e deter e acumular as nov¿rs areias que o vento tange. que se endereça a regular as relações jurídicas inespecíficas, comuns à ge-
neralidade dos indivíduos (cime Lirn4 sistemq de Diretto Admìnistrativo
Brasileíro,1953, p. 58). .
É o direito especial, à semelhança do direito comum, um sistema
orgânico. Carlos Maximiliano afirma que "De fato, o direito especial
ção econômica, no desempenho da qual a idéia do lucro, de início mais abrange relações que, pela sua índole e escopo, precisam ser subtraídas
ao Direto Comum. Entretanto, apesar desta rcserva, constitui também,
por sua vez, um sistema orgânico e, sob cefto aspecto, geral,, (Hermenêu-
tica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, 7957, n.274, pp.2B4-2BS).
Apenas os distingue entre si a compreensão dos respectivos princípios
fundamentais: é o direito comum - comum a todos os ramos em que este
porventura se divida; o do direiîo especial, ao contário, é-lhe especial.
Mostra, à sua vez, a autonomia do direito especial que não é im-
' Por isso, Friø Fleiner nos adverte que "não trataremos neste livro possível a conconência de troncos diversos do direito objetivo para for-
da administração das pessoas privadas; somente nos ocupará a adminis- mação, em contribuições sucessivas, do mesmo direito especial. Se não
tração do Estado. Tudo quanto o Estado realiza para se desincumbir das é o direito especial simplesmente a dependência do direito geral de que
tarefas que por ele foram assumidas, constitui administração em sentido originariamente se destacou, se forma um sistema orgânico e, conseqüen-
largo, por oposição à constituição. se a constituição representa o ele- temente, uma disciplinajurídica autônoma, bem é de ver-se que todos os
mento fìxo, permanente, na vida do Estado, na administração é o Estado departamentos do Direito, com que vizinha, poderão fomecer-lhe achegas
e subsídios. Assim é que, formado, originariamente, pela reunião de dis-
ativo qrre se manifesta diante de nós" (zes principes Généraw du Droit
posições, destacadas do Direito Político ou Constitucional, ao redor do
AdministratifAlletnand,Paris, I 933, $ l, p. 9). .
princípio de utilidade públic4 pôde recebeç também, o Direito Adminis-
trativo materiais esparsos de outras grandes divisões do direito objetivo,
5. Deixa ver o modo de formação do direito especial que a especia-
cuja existência é, igualmente, um dos pressupostos substanciais de sua
lidade não lhe tira a autonomia.
existência - Civil, o Direito Penal e o Direito Processual.
o Direito
. 5-4" O direito regular é o que se constitui conformemente à razão . O Direito Civil confere-lhe o atributo, por excelência, das ati-
jru'ídica: é, nesta acepção, a mesma reta razão em forma de preceito vidades que regula: a liberdade. Assimilada, entretanto, pelo Direito
-
'1-ecta ratio in jubendo et vetando" (Cicero, De Legibus, Liv. I, cap. XII); Administrativo, a liberdade do Direito Civil transforma-se, Dela, faz o
singular é, pelo contrário, o direito que se estabelece ,,contra tenorem Direito Adminisfativo, quanto aos agentes do Poder Público, dever ire-
rationis propter aliquam utilitatem auctoritate constituentium introductum nunciável: surge, assim, a figura da discrição administrativa. A discriçäo
est", na definição de Paulo (Digesto,Liv. I, Tit. III, fr. 16). ou liberdade do agente administrativo como a do juiz no processo (James
Goldschmidt, Der Prozess als Rechtslage, Berlin, 1925,p.303) resulta de
Direito especial, diversamente, é o que se forma em harmonia com normas cogentes e não dispositivas.
O Direito Penal empresta à Administlaçãl Publica a lanÇãz, que
lhe constitui a essência. O Direito muitas vezes diz respeito com o julga-
mento das ações humanas de acordo com princípios e normas legais. No
Direito Penal, a prova da culpabilidade é considerada como pré-requisito
essencial para a punição da maioria dos crimes @dgar Bodenheime¡ -Iu-
risprudence, The Philosophy and Method of the Law, Harvard, 1978, p.
30 PRINCiPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
nosrçÀo
5 r. 3l

Ao dispor sobre
21 dejunho de 1993,
da teoria geral dos co
caput), que é considerado como . direito comum. Definindo as penas ad-
ministrativas, chama Ribas, ao Direito Penal, direito comum . ao afirmar
que "conquanto a aplicação do Direito Penal comum seja da exclusiva
competência do poder judicial, não se deve privar a administração da
atribuição de reprimir e prevenir pela punição aqueles atos que opõem
tropeços ao desenvolvimento regular da ação administrativa e prejudicam
a causa pública" . (Direito Administrativo Brasileiro,I, Rio de Janeiro,
1866, pp. 156-157). Fixando os caracteres do processo administrativo,
chama Alcides Cruz, ao Direito Processual, Direito Processual comum
(Direito Administratiyo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1914, p.262).
Atenta a variedade das contritruições formativas, não poderíamos
conceber, portanto, o-Direito Administrativo, como direito especial, se lhe
faltasse autonomia. É a recíproca da afirmação de que partimos.

ó" Invadido pol correntes provindas de todos os setores do direito


objetivo é, não obstante, o Direito Administrativo um ramo do direito
público.
com todo o seu rigor, esta regra não é senão o corol¿írio processual
do princípio de direito material, segundo o qual a todo devedor incumbe
. No dizer de Norbert Achterberg, o Direito Administativo é como
o fiel e completo cumprimento da obrigação contraída, independente da o Direito Intemacional, o Direito Constitucional, o Direito Canônico uma
consideração de qualquer outro direito, que acaso lhe assista, contra o parte do Direito Público. Pode ser definido "como direito especial da or-
próprio credor. Von Ihering dizia a respeito, o seguinte: .,Com efeito, a garuzação estatal, em particular da administração" ("als Sondenecht der
demanda e a pretensão contrária se encontram aqui na mais estleita corre- staatlichen Organisation, insbesondere der Verwaltung" - Allgemeines
lação, em uma dependência recíproca; o retardamento que o réu ocasiona Verwahungsrecht, Ein Grundriss, Heidelberg, 1985, Cap. I, A, n. l, p. 1).
não ultrapassa o avanço que o demandante tomou sobre ele" (ob. cit., t.
IV, p. 50). 6-A. Direito Administrativo, no sentido literal da palavra, quer dizer
Direito relativo à Administração. O Direito supõe relaçöes que devarr
Von Ihering condenava a posição que o Dir-eito Romano novo ado_
ser reguladas e pessoas que se encontram umas diante das outras, sendo
tou, de permitir fazer valer uma posição contrária por "via de exceçäo,'.
necessário estabelecer uma linha de separação entre o que elas podem
No seu entender, constituía "coisa reprovável seguramente, arrebatar as
fazer. As relações de que se cogita no Direito Administrativo são aquelas
partes a possiiLilidade de dar à sua r elação a forma rigorosan,ente unilate-
indicadas pela noção de administração.
ral" (ob. cit., t.IV, p. 50).
E aAdministração será sempre a atividade desenvolvida pelo Estado
perfeita e mais correta, (Otto Mayer, Le Droit Adminis tr atifAllemand, P ans, i 903, t, I, 2, p. 1 5).
$
rocessual, que se trans- Pode-se dizer que não se penetra no Direito Administrativo senão através
do Direito Público. Pública é a atividade de Administração. públicas são
Tão extensas e prof,rndas foram as contribuições desses outros as pessoas que a exercem. Pública é a mesma disciplina jurídica que as
ra-
mos do di.eito positivo que cada um deles pode reputar-se e, regula. Diante do Estado administrador se encontram os destinatários de
- realmente,
é r'eputado - direito comum relativamente ao DireìtoAdminiitrativo.
sua atividade, os habitantes de um teffitório, cidadãos ou não, que fatal-
32 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
s l. PosrÇAo 33

mente terão de se relaciona.r com o Podet p aye[, 6-E A teoria da sujeição considera como de direito público uma
das duas pessoas entre as quais o Direito A su¿ts lelação jurídica que se modela de acordo conl regras jurídicas que se
linhas, uma é dada de antemão: é o Estado estabelecem como uma estrutura definida entre superior e inferior. Uma
tal relação de sujeição ou de subordinação ocore quando uma relação
ó-8. Supõe o Dil-eito Administrativo a divisão do Direito em dois jurídica se estabelece com um sujeito titular de poder soberano, repre-
ramos distintos: o público e o privado. A regra jurídica de direito público sentante de um poder administrativo do Estado. Essa é a opinião de Ernst
pressupõe a existência do Estado como pessoa jurídica (Ruy cirne Lirna, Forsthoff(Iehrbuch des Verwaltungsrechts, v. l, l0Â ed., 1973. S 6, 2).
Preparação à Dognática Jurídica,2Å ed., Pofto Alegre, I 95g, p. 27, n. l).
No relacionamento entrc Estado e Direito, o postulado fundarnental é o de 6-G. A, teoria do interesse nos foi legada pelo Direito Romano. Sua
que o Direito preexiste ao Estado, chamando-o à existência, como pessoa afirmação remonta à célebre distinção, fonnulada por Ulpiano, de acordo
jurídica. o Estado não podelia existir como pessoa se não se subordinas- com a qual "Publicumjus est quod ad statum rei romanae spectat. Priva-
se ao Direito. Daí a noção de Estado de Direito, em que todas as formas tum, quod ad singulolurr utilitatem" (Digesto, Liv. I, Tit. I, De Jttstìtia et
do agir estatal estão permeadas pela ordem jurídica. Aparentemente, o de Jtre, Fr. 2). As normas de interesse geral perlenceriam ao dileito pirbli-
Estado cria o Direito, rnas na verdade, é o Direito que o reconhece corno co, enquanto que as que se destinam à proteção de interesses individuais
pessoa jurídica e se lhe impõe, contrapondo-se ao arbítrio. Só o Direito ou de grupos de indivíduos peúenceriam ao direito privado.
pode charnar o Estado à existência e, como normação, é capazde resistir-
lhe ao alvedrio, enquanto pessoa. 6-H. A quarta e últirna teoria, nesta exposição, é a do sujeito titular
dos direitos. Segundo esta concepção, é pública a norrna jur'ídica que atri-
6-C. O Estado, entretanto, põe o direito positivo (ltositum, positi- bui direitos e obrigações sobretudo a pessoas de direito pirblico. Segundo
vum).trsso significa que o Estado enuncia, aplica e executa o Direito. Mas Hans Julius Wolff e Otto Bachof, o conjunto daquelas regras jurídicas
o Estado de Direito mantém o Poder Público, no cumprimento dessa mis- que atribuem direitos e obligações em favor de um sujeito titular cle po-
são, subordinado ao Direito. Assim, o Poder Legislativo, o poder Executi- der soberano é direito público. A distinção entre direito pirblico e privado
vo e o Poder Judiciario têm competências definidas no Estado de Direito, consiste numa separação feita pela ordem jurídica, ao fonnular determi-
limitadas e ordenadas juridicamente, de tal sorte que os direitos dos indi- nadas regrasjurídicas e nunca nuula separação dos supofies füticos dessas
víduos são devidamente protegidos e suas obrigações estritamente men- regras (Vet'waltungsrecht, t. I, München, 1974, 5 22,1I, c. p. 99).
suráveis (Peter Badura, Staatsrechl, München, 1986, D, n. 46, p.203).
6-1. Cada uma dessas teorias contém uma parte da verdade. Com
6-D. Como parte do dileito público, distingue-se nitidamente o Di- efeito, a norma de direito público é específica e diz respeito, de modo
reito Administrativo dos diferentes ramos do direito privado. Divergem imediato e simultâneo, à essência do Direito e à essência do Estado (Rr.ry
os juristas na explicação da separação entre direito público e privado. Cilne Lima, Preparação à Dogmatica Jurídica, 1958, p. 2B). Perten-
Norbert Achterberg, ao fazer a distinção, estabelece quatro teorias distin- cem, inequivocamente, ao direito público, em primeiro lugar, as norlras
tas ("Für die Abgrenzung stehen vier Theorien zur Verfügun g. Allge- estruturais da ordem jurídica, quando simultaneamente dizem respeito
- à essência do Estado. Em segundo lugar; ao direito público também se
meines Verwaltungsrecht, Ein Grundriss, 1985, p. 3). As teor-ias seriam
as seguintes: 1) die Sachwaltertheorie (Teoria do mandatiírio);22) die vinculam as normas jurídicas enquanto expressão próxima da essência
Subjelctionstheorie (Teoria da sujeição); 3) die Interessentheorie (Teoria do Direito. A essência do Direito e a essência do Estado estão presentes
do interesse);4) die Subjektstheorie (Teoiado sujeito). sempre no direito público.
I

i Como o Estado tem por finalidade, por meio da atividade admi-


6-8. De acordo com a teoria do mandatário, ou do mandato, o direito nistrativa, realizar a utilidade pública, está presente no direito púrblico o
público é a soma das normas jurídicas que determinam as rerações jurí- interesse público. No exercício desta atividade, o Estado atua como ente
'l
dicas que se legitimam como um mandato, que tem por objeto aprotéção soberano, que se lelacìona nesta condição com os administrados. De
do bem comum. É a concepção defendida pãr NorUàrt echterbeig. i outra pafte, o Estado, na procura do bem comLll'n, atua colno rnandatário
34 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

da sociedade e é titular de direitos e de obrigagões de natureza especial,


que estãotefrnidos pelo direito público. A normação jurídica que con-
cerne, de modo imediato, à essência do Direito e à essência do Estado,
e que tem como finalidade a proteção do bem comum, inequivocamente
é direito público. Quando esse Direito se concretiza numa atividade do
Estado para a realização imediata de seus fins, estamos diantè do Direito
Administrativo. .
Destinado a assegurar o bem individual e o bem coletivo e ainda
a própria sociedade organizada como um bem em si mesma, reclama o
Direito Administrativo uma intensidade de comando e uma eftciência de
realização - "Handlungseffizienz" no dizer de Norbert Achrerberg (All-
gemeines Verw altungsrecht. Ein Lehrbuch,Heidelberg, t 982, $ 5, I 5, 17,
pp.77-78), que, recusadas às relações dos indivíduos entre si ou com o "Adnzinistraçã,o he o governo, a gestão dos negócíos de alguent, conto
agregado, seria impossível fossem encontradas alhures. de hum menor, de huntfurioso, de hum prodigo, a qilem se fez a interdi-
ção dos bens" (Pereira e Souza, Dicionárìo Jurídico, t. I, Lisboa. 1825,
Dando expressão ao mesmo pensamento, diziam as antigas leis que verbete "Administração").
a utilidade pública prefere sempre à particular (Fernandes Thomaz, ob.
cit., t. II, verbete "Utilidade Pública", n. 67, p. 400).
Rege o Direito Administrativo, na ordem interna a Administração
Pública.
Administração Pública, para os efeìtos da definição, se entende:
a) a pessoa de direito público ou o órgão político, normalmente com-
petente para exercitar atividade administrativa, dentro do Estado;
b) a atividade administrativa em si mesma.
Tal dualidade de conceitos daAdministlação tem, entre nós, a seu
abono, a tradição constitucional. Na Constituição Imperial, de 7824, o
art. 15, n. 15, fala em "(...) regular a administração dos bens nacionais
(...)"; o ar|. 179, n.27, diz que '(...) A administração do correio fìca ri-
gorosamente responsável por qualquer infração (...)". Na Constituição
Federal de 1891, o art. 5a fala em "(...) prover, a expensas próprias, às
necessidades de seu governo e administração (...)"; o art. 49 menciona
os "(...) ministérios em que se dividir a administração federal (...)". A
Constituição Federal ð.e 1934, no art. 101, $ 1s, refere a "(...) qualquer
ato de administração pública (...)"; o aft. 124 dispõe que "(...) provada
a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a administração
que as tiver efetuado (...)".A Constituição Federal de 1937, no art.29
dispõe: "(...) administração de seruiços públicos comuns (...)"; no art.
44,fal,a em "(...) celebrar contl'atos com a adninistração pública federal,
estadual ou municipal (...)".
. Em todos esses dispositivos, chama-se Administração Pública, ora
ao respectivo sujeito ativo, ora à atividade mesma como tal. Na Constitui-
36 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO $ 2. CONCETTO 37

ção Federal de 1946, o uso ambivalente da expressão interrornpe-se, mas, A palavra administração, nos quadros do direito privado, designa
na legislação, a dualidade de conceitos subsiste, sem mudança. Novamen- geralmente a atividade do que não é proprietário - do que não é senhor
te, com o advento da Constituiçäo Federal de 1988, o uso ambivalente absollto.Adminish,ação se diz a atividade do pai ou da mãe relativamen-
da expressão relorna. Assim, no art. 18, dispõe a Constituição Federal te aos bens dos filhos (Código Civil, aft. 1.689, II); a dos tutores relativa-
que "A organização político-administrativa da República Federativa do mente ao patrimônio dos tutelados (Código Civil, ar1. 1.141).
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí- Adminisflação chama-se também à atividade dos órgãos executivos
pios. todos autônomos. nos termos desta Constituição". Ao clispor sobre a das sociedades civis.
competência do Presidente da República, o ar1. 84 da Constituição Fede- . O Código Civil de 1916, aotratardessas sociedades, elï seu art.
ral determina que "Compete privativamente ao Presidente da República: 7.382, falava do "sócio preposto à adininistração" da sociedade e dos
\rI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionarnento da que legalmente eram denominados de "administradores" (ar1. 1.385 do
administração federal (...)". Código Civil de 1916). Órgãos de uma sociedade são os administradores;
Retornou, por conseguinte, a dualidade de conceitos com a pro- entretanto, como indivíduos, meros instrumentos temporiírios da vontade
mulgação da Constituição Federal de 1988, em consonância com antiga social, sucedem-se, passam, e a sociedade fica.
tradição de nosso direito. . Não lhes atribui a lei, de resto, senão poderes restritos, com extensão
análoga aos do mandatário em termos gerais, respondendo pefante os
"1. Reduzem-se, a rigor, os dois conceitos a um só. Entende-se por demais sócios e perante a sociedade pelos atos que praticarem (Código
Administração Pública nos termos da letra "a", supra, aquele poder po- Civil, arts. 1.016 e 1.020). .
lítico ou aquela pessoa de direito público a que normalmente compete
Exprime-se, nestes passos, pela palavra administração conceito
exercitar atividade administrativa.
antagônico ao de propriedade. Propriedade lato sensu pode dizer-se o
" Otto Mayeq ao falar sobre a personalidade de direito público, direito que vincula à nossa vontade ou à nossa personalidade um bem
afinlava que "Sob a Administração com capacidade jLrrídica devemos determinado em todas as suas relações. Opõe-se a noção de administração
compreender uma parte da Administração Pública, que está dotada de à de propriedade nisto que, sob administração, o bem se não entende vin-
personalidade j urídica própria" (Deuts ches Verw altungsrecht, 2a ed-, culado à vontade ou pelsonalidade do admínistradoç porém, à finalidade
Berlin, 1924, $ 55,p.322).. impessoal a que essa vontade deve servir.
Em tais condições, é visto claramente que depende acarachenzação Tal finalidade é, algumas vezes, fixada na lei ou no contrato; doutras
da Administração Pública como sujeito, de sua caracterização prévia vezes, fica, porém, ao próprio administrador determiná-la a sell prudente
como atividade. critério, de conformidade com as circunstâncias. Assim, a finalidade da
administração, na sociedade civil, é determinada pela convenção e con-
Repousa, pois, o apontado dualismo sobre uma transparente figura
siste na realização do objeto social, ao passo que, na tutoria, pode ter a
de linguagem.
administração por fim as mais diversas empresas, ficando ao esclarecido
Devem, porém, os dois conceitos de Administração Pública ser
arbítrio do tutor, sob a inspeção do juiz, a escolha da mais conveniente e
mantidos em dout'ina, como o são ainda no direito positivo, já que o re-
mais proveitosa para o patrimônio do meno¡ ou para a utilidade pafticular
conhecimento <Íos órgãos e pessoas administrativas é tão necessário como
deste.
a defrnição da própria atividade administrativa.
Em direito público, designa, também, a palavra administração a
Não deve a doutrina ignorar a prática, sobretudo quando tão extensos
atividade do que não é senhor absoluto.
e piofundos se revelam os efeitos desta, penetrando e invadindo o próprio
No Estado absoluto, com efeito, não se conhece a Administração
Direito Constitucional.
Pirblica como atividade distinta.
2" Nosso primeiro dever é, desta sorte, entretanto, determinar os . O regime do Estado de Polícia preenche o período de transição
caracteres da Administração Pública como atividade. entre o antigo direito e o Estado atual. Era uma escola severa para nos
38 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO $ 2. CONCETTO 39

preparar para o advento do Estado modemo (Otto Maye¡ Le DroitAdmi- prudente arbítrio determinar, colno mais ploveitosas e lnais convenientes
nistratifAllemand,t.I, Paris, 1903, $ 5,p.64). Com o Estado de Dir.eito, para a utilidade pública.
"o qlìe há de novo é que, agora, o poder soberano universal recebe uma Exprime, pois, em direito público, a palavra administração noção
organização especial, pela qual ele se reveste das formas e das marcas semelhante à que lhe é conteúdo em direito privado.
características do dircito" (Otto MayeE ob. cit., t. I, p. 65).
Traço característico da atividade assim designada é estar vinculada
O Estado de Direito traz consigo a divisão dos poderes, que repre- a uma vontade livremente determinada -, porém a um ftm alheio à
senta segundo Carl Schmitt a expressão do princípio de organização
- não
pessoa e aos intercsses particulares do agente ou órgão que a exelcita.
( nisationspriruip) que significa que o poder estatal será repartido
. Dentro dessa mesma concepção, Sir Carleton Kemp Allen, no di-
em um sistema de competências delimitadas (Verfassungslehre,3u ed.,
reito inglês, nos legou esta frase imomedoura: "Quando existe um sistema
192811957, $ 12, n. 3,p.126).
definido de direito administrativo, determinados princípios de probidade,
A divisão dos poderes, que é a expressão do princípio de organiza- de integridade e de equidade se desenvolvem como pafte necessária dele.
ção antes referido, faz com que a Administração Pública aparcça com a Os franceses possuem uma márima no seu droit adminisÍratif, ahrnando
feição da legalidade, perante o direito público, . pelos limites que lhe põe que 'O Estado é uma pessoa honesta. Transcende a dignidade do governo
o Poder Legislativo e pela proteção ou reação que lhe oferece o poder
manifestar condescendência com embustes surrados e levar avante contra
Judiciár'io, porque, no Estado modemo, a administração é, em princípio,
o cidadão normas meramente técnicas, obstaculizando diteitos à outt'an-
tarefa do Poder Executivo.
ce"' (Bureaucracy Triumphant,193 1, reimpressão de 1977, London and
. Com efeito, a atividade do Estado não se limita à proclamação da Darmstadt, p.9)..
lei e à decisão da sentença. A lei deverá ser aplicada, a sentença execu-
tada. Isso deverá ser obra de uma outra função estatal particular, que é a 3. Uma atividade e um fìm supõe uma norma que lhes estabeleça,
execução (Vollziehung). Execução e govemo são os dois aspectos de uma entre arnbos, o nexo necessário. Entre utna causa e o fenômeno que lhe é
terceira função estatal, daAdministração em sentido estrito @ritz Fleiner, efeito, a lei natural estabelece esse nexo. Entre uma atividade e um fim,
Instittttionen des Deutschen Verwaltungsrechts,2e impressão da 8u ed., somente uma lei prática, no caso, jurídica, o poderá estabelecer-
Tübingen, 1928,1963, $ ln, p.4).. À Administração Pública, reaLrnente, a lei reconhece fins próprios e
Como acontece ao administrador privado, não possui também o eficazmente thos protege. Assim, na hipótese de abuso de poder. Eivada
Poder Executivo, acerca dos negócios públicos, atribuições irrestritas, de abuso de poder, a atividade administrativa pode, não obstante' mos-
porém. essencialmente atribuições de administração. Estão os negócios trar'-se conforme à lei. Mas, porque tende à realização de fim diverso do
públicos vinculados, por essa forma, não ao arbítrio do Executivo - ffi6, normalmente perseguido, podem gerar os atos que a traduzem, a tespon-
à fìnalidade impessoal no caso, pública, que este deve procurar realizar. sabilidade civil (CF, art.37, $ 6e) e penal dos respectivos agentes'
Incumbe ao próprio Poder Executivo, as mais das vezes, a determinação
Em responsabilidade semelhante inconetn, no direito privado, os
desta finalidade mesm4 tendo em vista, aquele, a utilidade públic4 como
administradores em geral. A razão é a mesma, nuÌ'l e noutro caso' "Por-
o tutor a utllidade pafticular do menor. Feita a determinação, contudo.
que, em verdade, - como se diz no Código de Justiniano, - moderador e
toda a atividade dele lhe rìca vinculada. Preside, destafte, ao desenvol-
árbitro cada qual de suas próprias cous¿ls, fazpor sua própria inspiração
vimento da atividade administrativa do Poder Executivo - não o arbítrio
- não todos os negócios, porém a maior pafte' Mas os negócios alheios
que se funda na força -, mas a necessidade que decorre da racional per-
secução de um fìm.
se desempenham, cumprido o encargo recebido" (L. 21, Tit. XXXV,
Mandati, Cod. lib. IV: "Nam suae quidem quisque rei tnoderator atqtle
Não tem o Poder Executivo a representação do Estado, respeito aos
ar-biter non omnia negotia, sed pleraque ex proprio animo facit. Aliena
negócios públicos, senão restritamente para o efeito de administração. Ele
vero negotia exacto offìcio geruntur").
representa a nação; somente a representa, contudo, enquanto persegue a
realização das finalidades que a Constituição e as leis fixam, ou fica a seu O fim, e não a vontade, dotnina todas as formas de admirristlação.
40 PRINCÍPTOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
|i2 CONCETTO 4l

4. Supõe, destarte, a atividade admi'istrativa a preexistência de Justiça, a Administraçäo não se limita aos casos isolados e afastados da
uma regra jurídica, reconhecendo-lhe uma fìnatidade própria. Jaz, con_
vida social. AAdministração tem por objeto a ordem social no seu conjun-
seqüentemente, aAdministração Pública debaixo da legislação, que deve
to, enquanto que o juiz toma decisões sobre um caso determinado; enfim,
enunciar e determinar a regla de direito.
deve, ele, aceitar a vida em sociedade corro uma situação dada, e em
À sua vez, o fim, ou os fins, que a atividade administrativa se pro- princípio, não deve rnanifestar a vocação de alterá-la" (ob. cit., p.42)..
pöe, embora reconhecjdos pelo Direito, independem geralmente, para
Dentro dos quadros do Direito e, ainda, dentro do grupo das funções
realizar-se, da concomitante realização do Direito mesmo. A atividade
do Estado, ocupa aAdministração, portanto, como foma de atividade, o
administrativa desenvolve-se, decerto dentro do Direito e auavés do Di-
seu lugæ à parte. Definidos caracteres próprÍos lho asseguam.
reito, não, porém necessariamente do Direito.
AAdministração Pública, gue atua dentro do Direito, e a jurisdição, 5. Dentre os poderes do Estado, cabe, em princípio, ao Poder Execu-
que realiza o Direito, são inconfundíveis entre si. tivo o desempenho daAdministração Pública.
. Ao discorrer sobre a separação entre Justiça e Administração Administração, segundo o nosso modo de ver, é a atividade do que
o
professor Emst Forsthoff afirma que "A Justiça é caracrerizada por três não é proprietário
particularidades. Primeiramente, por aquilo que chamamos de elemento
- do que não tem a disposição da cousa ou do negócio
administrado.
ad hoc. O julgamento concerne a um caso concreto; por conseguinte] ele
Salvo no sentido em que se diz que o dominus negotü administra,
é ad hoc,refere-se apenas a este caso e tem validade pÍìra o referido caso.
não poderia administrar, portanto, o Poder Legislativo, que, residente no
Neste caso preciso, o juiz não tem iniciativ4 não tem o poder rie decidir
povo, é por este delegado a seus representantes, quer para a elaboração
se deseja ou não agir. A sua competência decone da propositura de uma
das leis ordiniírias como para a das constitucionais (Locke, Two Tþ'eatises
ação, da interposição de um recurso ou da denúncia na ação penal. A
of G ov ernm ent, caps. X-XU).
segunda particularidade pode ser denominada de elemento stattn quo. O
julgamento depende dos fatos. Para o juiz, somente conta aquilo que é Administração, por ouü'o lado é atividade; é iniciafrva. Mostra-se,
váiido hic et ru,mc. Ele não está a serviço nem do passado, tampouco do pois, sob este aspecto, normalmente incompatível com a peculiar nature-
futuro, mas permanece ligado ao presente. O julgamento deve ser justo za do Poder Judiciário, função política "en quelque façon nulle" (Montes-
quieu, De l'Esprit des Lois,Liv. M, cap. XI).
no presente. A Justiça representa a solução de um litígio por um terceiro
que aplica a lei. Este elemento decorre dos outros dois: o juiz não seria Normalmente competente ao Poder Executivo, aAdministração Pú-
mais neutro se ele tivesse a iniciativa no que concerne aos fatos sobre os blica não se lhe conumera, porém, entre as atribuições privativas. Deixam
quais ele deverá tomar uma decisão. O processo tomar-se-ía um assunto os textos constitucionais suposta a pertinência desta atividade ao círculo
próprio e particular do j uiz se ele devesse, para decidi-lo, ter outras preo- das funções daquele Poder do Estado. Assim, o art- 85, inciso V, da
cupaçöes que não a de resolver o litígio, como por exemplo, a preocupa- Constituição Federal de 1988, inclui entre os crimes de responsabilidade
ção de dirigir a vida social" (Traité de Droit AdministratifAllemand,trad. os atos do Presidente da República que atentarem contra a probidade da
francesa de Michel de Fromont, Bruxelles, 1969, pp.4l-42). As palavras Administração. Não a declaram, entretanto, privativa do Poder Executi-
do Professor Forsthoff foram sábias e apreseniam, de forma lúcida e vo, porque, na realidade, não o é. Embora impropriarnente, com efeito,
objetiva, a rejeição de uma atividade judicial, que, não ra¡o. tem prolife- pode dizer-se que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário aqministram
rado entre nós, voltada para a defesa dos interesses do Estado, quando as também, qller por forma peculiar, quer pela forma corente; quer no de-
pessoas de direito público litigam com os cidadäos e os destinat¿írios da sempenho da função pr'ópria, quer encaffegadas aos respectivos óryãos
atividade adminisfrativa em geral. funçöes em princípio cabíveis ao Poder Executivo.
Diferentemente da justiç4 a Administração pública atua dentro do . A Constituição Federal de 1988 rcconhece ao Poder Legislativo,
Direito, não se confundindo jamais com a atividade jurisdicional. AAdmi- tanto à Câmara dos Deputados (ar1. 51, IV) quanto ao Senado Federal
nistração trata dos seus negócios por sua própria iniciativa e unicamente (afi. 52, XI[), competência pala dispor sobre sua organização, funciona-
por sua inspiração. como afrrmava ainda Forsthoff, "contrariamente à
mento, polícia, criação, transfotmação ou extinção dos cargos, empl'egos
42 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO |i 2 CONCETTO +J

e funções de seus selviços, e a iniciativa de lei para a fixação da res- Possuem, contudo, como dissemos, o Poder Legislativo e o Judi-
pectiva remuneração, obselados os parârnetros estabelecidos na lei de ciário atribuições adrninistrativas, suscetíveis de enquadrar-se dentro do
diretrizes orçamentárias. conceito corrente de Administração Pública; a lei do Congresso Nacional
Competência análoga é atribuída ao poder Judiciário, que tem aûtoriza os empréstimos públicos (CF de 1988, art.48, II); no antigo
"assegurada autonomia administrativa e fìnanceira,, (CF, art. 99, caput). Código Civil de 7916, a sentença do Poder Judiciá'io supria a aprovação
Tanrbém é assegurada aos tribunais do país, competência para,,organizar
da autoridade administrativa aos estatutos das fundações. Aos órgãos
legislativos e aos tribunais judiciários, por melhor assegurar-lhes a in-
suas secretarias e seruiços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vin-
dependência, como acima já ficou assinalado, confereln-se também, de
culados, velando pelo exercício da atividade comeicional respectiva" (cF,
outro lado, funções nonnalmente competentes ao Poder Executivo, corno
art. 96, I, "b"). No mesmo aft.96, em seu inciso II, ,.b,,, é estabelecida
a de nomear os funcionários de suas secretarias, cabendo aos Tribunais.
competência do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais superiores e
otganizar além das secretarias, os cartórios e demais sewiços auxiliares,
dos Tribunais de Justiç4 para propor ao poder Legislativo respectivo
plopondo ao Poder Legislativo a criação e a supressão de cargos (CF de
"a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços au-
1988, ar1. 96, II, "b").
xiliares e dos juízos que lhes f'orem vinculados, bem como a fixação do
subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, . 5-A. Estado de Direito. A atual Constituição Federal de 1988
onde houver". Ainda no art. 96, prevê a Constituição Federal a compe- estabeleceu, pela primeira vez, entre nós, um Estado de Direito. O que
tência dos tribunais para "prover, na forma prevista nesta constituição, os significa um Estado de Direito?
cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição" (art. 96, I, ,,c"), bem Ser"l sentido e finalidade não se resumem na afìrmação da soberania
como "prover os cargos necessários à administração da Justiça" (letra e do poder do Estado, mas na proteção da liberdade e dos direitos indivi-
"e"), podendo também "conceder licença, férias e outros afastamentos duais de todos os seres humanos contra os abusos do poder público. I(ant
a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente afrma que esse Estado tem como fundamento os princípios de libeidade
vinctrlados" (letra "f'). Em todos esses casos, o Poder Judiciário praiica dos membros da sociedade, como seres humanos ("4 única constituição
atos de administração, de forma corrente, assim como o poder Executivo que resulta da idéia do pacto social, sobre o qual deve se fundatnentar
dispõe sobre a Administração que lhe está subordinada. . uma boa legislação do povo, é a constituição republicana. Ela só é esta-
Processa-se a Administração Pública, segundo o nosso modo de ver, belecida sobre princípios compatíveis, la com a liberdade qne convém a
embora no âmbito do direito positivo, sobre matéria estranha ou indife- todos os membros de uma sociedade, na sua condição de homens (...)"
rente ao Direito. Poderia conceber-se, enû'etanto, uma forma de Admi - "Articles DéfÌnitifs poul la Paix Perpétuelle", I, in Principes Métaphlt-
siques du Droit,Paris, Librairie Lagrange, 1837, pp. 288-289). Da idéia
nistração Pública, que se desenvolvesse no âmbito do direito natural, ou
de liberdade, duas conseqliências deconem.
dos princípios gerais do direito, tendo como objeto as normas do direito
positivo. Traduzir-se-ia essa modalidade de Administração pública por A prùneira é a de que a esfera da liberdade individual é um dado
atos legislativos de caráter singular, em que se desviasse ou modificasse, anterior ao Estado, sendo a liberdade individual ilimitada ent princípio,
de caso para c¿ìso, o conteúdo ou aplicação da norma positiva. Seriam os enquanto que é limitado o poder do Estado de nela interferir (Carl Schmitt,
privilegia e as dispensas legislativas os instrumentos dessa forma peculiar Verfas s mgs leltre, Berlin, I 95 7, $ 72, n. 3, p. 126).

de Administraçäo Pública. Poderia conceber-se, igualmente, uma admi- A segunda é a de que o poder do Estado deve encerrar-se e ser divi-
nistração da liberdade individual que, dentro da órbita do Dileito, seria dido em um sistema de competências bem definidas, de acordo conì ull.l
desernpenhada pelo Poder Judiciário, no exercício de sua competência princípio de organização (Organisationsprinzíp -
Carl Schrnítt, ob. cit.,
penal- Assim, deixadas ao exclusivo arbítrio do juiz e condicionadas pelo p.126).
duplo fìm da proteção indivídual e coletiva, a fìxação e a própria åpli- O Estado de Direito se resunle, inicialnrente, em dois porrtos funda-
cação da pena, mudar-se-ia a função de julgar, em matér.ia penal, mlma mentais. De um lado, os direitos fundamentais ou de liberclade. anterio-
verdadeira administração da liberdade. res à existência do próprio Estado; de outlo, a divisão dos Poderes. errr
44 PRINCÍPIOS DE DIREITOADMINISTRATIVO
$2 CONCEITO 45

Executivo, Legislativo e Judiciário, que existe para dar pr.oteção àqueles Em sentido material denornina-se Estado de Ðireito um Estado que
direitos. Essa divisão de Poderes se estabelece por um sistema de ireios busca desenvolver a Justiça, a Segurança Jur'ídica e a Paz Jurídica inclusive.
O conceito de Estado cuja clarificação é dada pela Teoria do Estado, e
- -
o Princípio da Segurança Jurídica se acomodam e dependem, com isso,
um do outro ("Im materiellen Sinne wird Rechtsstaat ein Staat genannt,
der Gerechtigkeit und Rechtssicherheit einschliesslich Rechtsfrieden zu
Work,New York, 1947, Macmillan, p. 15). verwirldiche suchl. Der Begriff Staat - dessen Klåirung der Staatstheorie
aufgegeben ist - und das Prinzip Rechtssicherheit mögen dabei hier auf
5-8. o Estado é um Estado constitucional. v/alter Jellinek sich beruhen" - Norbert Achterberg - Allgemeines Verwalh.mgsrecht. Ein
'roderno
Lehrbuch, 1982, $ 5,I, n. 3, p. 73).
Como diz apositamente Achterberg, "A Justiça transcende o Di-
reito, ela pertence a uma realidade metapositiva, diz-se, mesmo, a um
domínio metajurídico, e ordena o Direito para além da lei e do costume
("Gerechtigkeit transzendielt das Recht, sie gehört einem metapositiven,
tração não estejam unidas em ulïa única pessoa ("Der staat soll nicht un-
sogar einem metajuristischen Bereich an, ist gesetztem und (gewohnheits-
recht flrn. unrecht kann aber eine Handlung nur sein genìessen an einem
rechtlich) gewordenem Recht vorgeordnet" - ob. cit., $ 5, n. 4, p. 74).
von der Handlung unabhängigen Beurteilungsmassstab. Dies führt zu der
Folgerung, dass ein Rechtsstaat im vollen wortsinne nur im verfassun- Não raro a Justiça domina a Segurança Jurídica, ou, eln sentido
gsstaat möglich ist, nur in einem staate, rvo Gesetzgebung und ver-wal- inverso, predomina a Segurança Jurídica. Assim, podernos encontrar mo-
fung sich nicht in einer einziger Person vereinigen" vimentos contrários entre esses dois conceitos, que Norberl Achterberg
1929, Bellin, S 5,III, n. l, p. 83).
- verwalîungsrecht,
denomina de "innere Antinomie der Rechtsstaatlichkeit" -
antinomias
intemas do Estado de Direito. Surge então a questão de saber a qual dos
5-C. Nosso Estado constitucional, depois de convocada apositamen_ dois princípios a ordem jurídica atribuirá maior valor. Essa valoração
te urnaAssembléia constituinte, tornou-se Estado de Direito. o Estado de pode ser diversa segundo o caso concreto ("Diese Bewertung kann im
Direito significa que os Poderes Executivo, Legislativo EirueLfall unterschiedlich sein" - ob. cit., $ 5, n. 5, p.74).
e Judiciário têm
competências perfeitamente definidas, ordenadas e limitadas pela consti- O certo é que a ordem jurídica não pode prescindil de conceitos
tuição. os direitos individuais são protegidos, as garantias constitucionais metapositivos, aos quais obrigatoriamente deverá se referir. A Justiça é,
asseguradas e as obrìgações dos indivíduos legalmente definidas. com sem dúvid4 o principal conceito de natureza metapositiva. Já a Seguran-
isso, assegu'a-se permanentemente um regime de liberdade, pelo menos ça Jurídica pode ser identificada dentro da própria ordem jurídica na sua
em ue é possível a existência de leis inconstitucionais, que até relação com os fatos da vida. Embora Hans Kelsen negue a possibilidade
ad de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Fêderal, de afirmar a existência da Justiça, reconhece entretanto, que "Libeftar o
vio liberdades dos indivíduos. Na constituição Federal estão conceito de direito da idéia de Justiça é difícil porque ambos são cons-
enurneradas as competências dos poderes, para que não haja abusos con- tantemente confundidos num pensamento políticrr não-científi co, assim
tra os direitos e invasões indevidas de um poder na esfera constitucional como na linguagem geral, e devido a esta confusäo surge uma tendência
do outlo. ideológica de fazer a lei positiva aparecer como justa" (General Theory
of Lø,u and State,1945,Haruard. University Press, p. 5).
5-D. são divemos os princípios fundamentais que devem ser obser-
vados no Estado de Direito. Norbert Achterberg fála de um Estado
de 5-E Em sentido formal são diversos os caracteres que indicam
Direito em sentido nraterial e em sentido formal (;,Die Reclrtsstaatlichkeit a existência do Estado de Direito. Traço característico do Estado de
enthält eine nraterielle und eine formelle Komponente,, Allgemeines Direito é:
-
Vet'waltungsrecht, Ein Lehrbuch, Heidelbelg, l9-g2, 5,1, n.2,"p.73¡.
$ a) em primeiro lugar, o sistema dos Direitos Fundamentais;
46 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMIN]STRATIVO
$ 2. CONCETTO 47

lr) em segundo lugar, a divisão das fiurções (Funktionenordnung),


3e) Reserva tla lei (Vorbehalt des Gesetzes) A forma clássica da
com a divisão de poderes no Estado; -
apresentação dos assim chamados direitos frndamentais ou dileitos de
c) em terceiro lugar, o Estado de Direito supõe uma pr.ecisa forna- liberdade, atrás da qual os cìdadãos têm protegida sua liberdade pessoal,
ção das normas jurídicas (prdzise Normgestaltung); inviolabilidade da propriedade, com explessa ou implícita teserva por
d) em quarto lugar; a chamada reserva dalei (Vorbehalt des Geset_ meio da lei ou tendo como fundamento expresso uma lei, também nessas
ees), que tem lugar semple que o Estado tiver que invadir a esfera da coisas sujeitas à intervenção do poder, é a da resetva da lei (Otto Mayer,
propriedade ou da liberdade individuais; Deuts ches Verw altungsrecht, vol. I, p. 70).
e) em quinto lugar, a devida proporcionalidade que deve odentar 4o) Supremacin da Constituiçíto (Vorrang der Verfasszmg)- O pr-in-
toda a ação administrativa (verhcil tnismr)s s i gkei t des vertu ar tungs h an- cípio da preeminência ou supremacia da Constituição vincula não apenas
delns); o Poder Executivo, mas abrange inclusive o Poder Legislativo, também
l.) em sexto lugar, o preceito da proteção da confiança dos desti- na sua competência de reformar a Constituição, ao impedir que a Consti-
natár'ios da ação da Administração Públic a (das Gebot des vertrauens- tuição Federal seja violada em seu núcleo fundamental, também denomi-
schutzes); nado de cláusulas pétreas, por Emenda Constitucional ou pela legislação
ordinária. Tambérn estabelece a preenrinência do direito federal sobre o
g) em sétimo lugar, f,rnalmente, a necessidade de controles intemos
estadual e o distrital e a invalidade das legislações estaduais e distritais
e exterrlos para assegurar a manutenção do Estado de Direito (Verwal-
que contrariarem a Constituição Federal. O princípio da supremacia cla
t ungs kontr o I I en auf dem Re cht s t a a lprinz
þ) Q.,iorberl Achterberg, ob. c i t., Constituição, no âmbito do Direito Administrativo foi posto em relevo
$ 5,1, ns.7,8,9,10, 11, 12e13,pp.75,76e77). por Norbert Achterberg (Allgemeines Ver'vv altungsre chÍ, Ein Lehrb uch,
Poderíamos sintetizar esses princípios, reduzindo-os a quatro fun- 1982, $ 15, I, n. 4,p.214).
damentais:
la) Legalidade da Administraçrio (Gesetzmcissigkeit der Vet.u,al- 5-E Ernst Forsthoffsustenta que cada ordem constitucional tem ne-
cessidade de um poder neutro ('tn pouvoir neutre"). Atribui à Justiça, sob
tl¿ng) -
Vy'alter Jellinek afirma que o primeiro princípio do Estado de
Direito é o da legalidade da Administração. Pretende-se significar com a lei Fundanrental de Bonn, a função de exercel esse podel neúro (I'raité
isso, em primeira linha, que nenhum ato administrativo pode violar a lei e de Droit Adntinistratif Allemand,trad. francesa, Bruxelles, ed. 1969, cap.
que nenhum ato administratìvo que imponha encatgos pode ser praticado l, p. 44). No Estado de Direito, de acordo com Forsthoff, o papel desern-
senr fundamento legal. Segundo Walter Jellinek, esse princípio já havia penhado pela Justiça a coloca em posição privilegiada para servir como
sido definido com indubitável clareza por Montesquieu, quando disse que á'bitro em meio às confi'ontaçöes que sulgern no seio da sociedade. Entre
ningrlém pode ser obrigado afazer alguma coisa que a lei não o obriga nós, a guarda da Constituição foi entregue ao Supremo TribLrnal Federal
(Vemt,altungsrecht, 1929, Berlin, $ 5, ilI, n. 2, p. 83). (CF de 1988, ar1. 102, caput), que exerce o poder de declarar a constitu-
cionalidade ou inconstitucionalidade das leis, em ação própria.
2\ Preeminência da lei (Vorrang des Gesetzes) - Segundo Otto
Mayer, a forma da lei é a mais elevada modalidade de manifestação da
5-G. O Estado de Direito, instituído pela Constituição Federal de
vontade estatal ("Das Gesetz ist zugleich die rechtlich stär-kste Art von
1988, tem por objetivo fundamental "constituir uma sociedade livre, justa
Staatswil len" - D eut s ches Ver-vt, alt ungsrecht, v. l, Berl in, I 969, $ 6, n. 2,
e solidária" (CF, an. 3s, I). A liberdade a que alude a Constituição está
p. 68).
consagrada na declaração dos direitos e garantias fundamentaís, que ela
A lei somente podení ser suprimida por outra lei, não tendo validade
assegura e reconhece aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
alguma a notma que entra em contradição com a lei.
(CF, art. 5e, caput).
Conclui Otto Mayer afirmando: "Isso é o que significa a prceminên_
AJustiça é conceito qne transcende o direito positivo, conforme já
cia da lei" ("Das ist es. was wir den Vorrang des Gesetzes nennen" ob.
cit., p. 68).
- vimos pela palavra de Norbert Achterberg (ob. cit., $ 5, I, n. 4, p. 74).
Pedence a Justiça ao domínio do pensamerrto filosófico. que desde a
48 PRINCIPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
$ 2 CONCETTO 49

Antigüidade, comAristóteles, até a atualidade, com inúmeros pensadores 5-H. Estado Social" Além de Estado de Direito, nosso Estado, defini-
couro Gustav Radbnrch, constitui sempre o objeto plincipal da Filosofia do pela Constituição de I 988, é um Estado Social, em que as ações do po-
do Direito. Mas serve, a Justiça, como referência permanente, como der público devem estar voltadas para a solidariedade social, destinando-
ponto distante para o qual a ordem jurídica tende, sem nunca alcançá-lo. se a garantir o desenvolvimento nacional, a erradicar apobrezae a margi-
A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha fala da vincula- nalizaçäo, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem
ção do Poder Legislativo à ordem constitucional e da obediência que os de todos, sem preconceitos ou discriminaçöes (CF, art.3e,I,II, III, e IV).
poderes executivo e judiciário devem à lei e ao Direito (GG, art. 20
t3l).
A palavra direito tem, nesse dispositivo, um sentido transcendente, de 5-L O Estado Social se manifesta tanto em sentido formal quanto
um Direito que sobrepaira à ordem jurídica e que deve estar acima das material. "Assim como o Estado de Direito, assim também se manifesta a
paixões, das mesquinharias e das conveniências dos governantes, ou da existência do Estado Social, com uma face material e uma formal" ("Wie
razãa de Estado (Staatsrrison), para situar-se no plano mais elevado da die Rechtsstaatlichkeit, so besteht auch die Sozialstaatlichkeit aus einer
realização concreta do valor Justiça, presente em toda ordem jurídica matedellen und einer formellen Seite" - Norbert Achterberg , Allgemeines
que procura realizar o bem comum. É nesse sentido que Aristóteles fala Verwaltrmgsrecht. Ein Lehrbuch, $ 5, II, n.14,p.77).
da "Justiça como a mais perfeita das virtudes, a qual nem a estrela da Em sentido material, o Estado Social se volta para dois objetivos. De
tarde, nem a da manhã são tão admiráveis em seu brilho" (Ethique à um lado, a realização da justiça social. Compete ao Estado, como pes-
Nicomaque, Paris, J. Yrin, 1972, n. l.l29b, 25-30, p. Zl9). A justiça é soa administrativ4 realizar a conformação da ordem social ("Gestaltung
valor e é virtude. Valor se a considerarmos em termos axiológicos, como der Sozialordnung im Sinne sozialer Gerechtigkeit". Hans Julius V/olff
diretriz fundamental do agir humano; virtude, sob o ângulo da ação in- - Otto Bachof, Verwaltungsrecht,vol.III, 4u ed., München, 1978, $ 138,
dividual, que impele o homem, por um imperativo categórico, a praticar Ir2r"a")'
o bem em face do semelhante. A idéia de Justiça vem a se concretizar na A justiça social é uma situação de direito, na qual todos os parlici-
vida quotidiana do ser humano pela virtude da Justiça. Tão relevante é a pantes da comunidade podem desfrutar de uma existência dign4 com a
concepção de um Direito que transcende a ordem jurídica positiva, que satisfação de suas necessidades econômicas e culturais, de acordo com
um positivista convicto, Léon Duguit, fundamenta a força obrigatória da um nível aplopriado e razoâvel.A Constituição Fedelal de I988, em seu
norma jur'ídica no sentimento de Justiça, assim conìo a coletividade das aft.34, inciso I, define como objetivo fundamental do Estado a construção
consciências dentro do grupo social compreende o que seja justo (Tiaité de uma sociedade justa.
de Droit Constitutionnel, Paris, 1927 , t.l, pp. 120 e 144). Quer conside- O segundo objetivo do Estado Social é o da eficiência da ação
remos a Justiça como idéia racional, quer como virtude, assim como a (Handlungsffizieru), qtue significa a efrcácia das medidas a serem toma-

considerava o grande Ulpiano, quer como sentimento, ela sempre estará das para a realização do primeiro objetivo, no que conceme ao tempo,
presente na fundamentação da ordem jurídica. à sua abrangência e ao seu conteúdo. A Administração Pública deve ser

A solidariedade tarnbém está incluída na afirmação constitucional. eficiente no campo das prestações devidas pelo serviço público.
A solidariedade é um fato permanente e um elemento constitutivo iruedu- No âmbito das prestações administrativas, esse princípio significa
tível de todo agrupamento social. Os homens têm necessidades comuns, eficiêncie dos serviços prestados.
que só podem ser satisfeitas pela vida em comum. Essa vida em comum No que conceme previdência social, as
às prestações sociais, como a
gera a solidariedade social, a vinculação permanente entre os indivíduos ações estatais, no dizer de Norbert Achterberg, devem se dirigir no senti-
que compõem a sociedade, gerando uma interdependência, que está em do de aportar o ótimo para os dsstinatifuios ("Die staatlichen Leistungen
perpétua evolução, tendendo sempre mais a se aproximar de uma socie- - beispielsweise solche Sozialhilfe-müssen in jeder der zuvor genannten
dade ideal para a qual as ações humanas convergem. Essa soridariedade Weisen optimal erbracht werden" - ob. cit., $ 5, n. 17, p. 78).
foi posta em relevo por Léon Duguit (ob. cit., t. I, p. g6) e decorre do O princípio da eficiência foi introduzido na Constituição Federal de
fato de ser o homem um ser consciente e sociável, que sempre viveu em 1988, pela Emenda Constitucional 19, de 4.6.1998, que deu nova redação
sociedade com os seus semelhantes. ao caput do art.31 da Constituiçäo.
50 PRINCIPIOS DE DIRE]TO ADMINISTRATIVO |i 2 CONCETTO 5l

5-l Em sentido formal, o Estado Social apresenta algumas caiacte- De outra parte, o poder público pode exercitá-las diretamente, me-
rísticas que o singularizam: diante gestão direta geral ou autárquica, ou ainda por meio de empresas
a) Em primeiro lugar, deve-se consìderar as assim chamadas pres- públicas ou de sociedades de economia mìsta, bem como pela via da
tações existenciais, que constituem o que Ernst Forsthoff denomina de concessão de seruiço público, sob a supervisão das assim chamadas
Daseinsvorsorge, que poderia ser traduzido literalmente pela expressão agências reguladoras, todas elas entidades autárquicas constituídas como
"proteção existencial". Essa Daseinsvorsorge é atendida pelo chamado estabel ecimentos p úblicos (öfentli chen Ans t al t en). As empresas con ces-
Estado-providência, que presta inúmeros serviços à coletividade. Afirma sionárias, supervisionadas pelas agências reguladoras, são sociedades de
Forsthoff que o homem moderno tem tamanha necessidade de algumas que o Estado não participa, que recebem, mediante concessão, permissão
prestações, como a água, o gás, a eletricidade e os transpofes coletivos, ou autorização, o poder de executar serviços públicos. Em todos esses ca-
que não lhe resta escolha possível entre aceitá-las ou recusá-las, enquanto sos, quer se trate de atividade praticada diretamente pelo Estado, segundo
que depende exclusivamente de sua vontade ir ou não assistir a um espe- uma disciplina publicística, quer se trate do método privado de execução,
a atividade correspondentejamais perderá a condição de serviço público,
táculo no teatro municipal. Duas conseqüências decorrem da existência
que deverá, no mínimo, ser {iscalizado pelo Estado.
dessas prestações. A primeira, a de que todas as atividades administrativas
que têrn por finalidade oferecer essas prestações ao público, ou a determi- b) Em segundo lugaq integra o Estado Social o sistenra geral de
nadas categorias de pessoas, constituem funções do chamado Estado-pro- Seguridade Social, compreendendo as ações no domínio da saúde públi-
vidência. A segunda, a de que todas as atividades do Estado-providência ca, da previdência e da assistência social (CF, aIts. 794, 196, 197,201
constituem ações administrativas, qualquer que seja a forma pela qual são e 203).
exercidas (Traitë de Droit Ad¡ninistratif Allemand, 1969, pp. 533, 535 e c) Em terceiro lugar, a satisfação de necessidades individuais no
536). A nossa Constituição Federal atribuiu aos Municípios, por exemplo, âmbito cultural é realizadapot meio da manutenção de escolas públicas,
a competência para "organizar e prestar, diretamente ou sob regime de como as universidades federais, que "gozam de autonomia didático-cien-
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído tífica, adtninistrativa e de gestão financeira e patrimonial, obedecendo ao
o de transporte coletivo, que tem carâter essencial" (CF, art. 30, V). Da princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (CF, aft.
mesma forma, atribuiu aos Municípios competência para prestar, com 207). O dever do Estado com a educação será efetivado, entre outras pro-
cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de aten- vidências: I -pol ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada,
dimento à saúde da população (CF, ar1. 30, VID. Aos Estados-membros, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso
a Constituição atribuiu a exploração direta, ou mediante concessão, dos na idade própria (CF, art. 208, I); II - pela progressiva universalização do
serviços locais de gás canalizado (CF, art. 25, ç 2e). À Uniao foi atribuída ensino médio gratuito (CR art. 208, II).
competência para manter o seruiço postal e o correio aéreo nacional (CF, Deve-se salientar que a Constituição Federal determina que "O aces-
ar|..2l , X), para explorar diretamente ou mediante autorizaçào, concessäo so ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo" (CF, am.
ou permissão, os serviços de telecomunicações (CF, art.21, XI), bem 208, $ 1s), gerando para o Estado a obrigação inequívoca de oferecer os
como os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (CF, art.21, meios necessários à sua efetivação e, para o indivíduo, direito subjetivo
XII, "a"). os serviços e instalações de energia elétlica (CR art. 21",X1I, público, exercitável pela via judiciária, de exigir do Estado o integral
"b"), u navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária cumprimento de sua obngação constitucional.
(art.2l, XII, "c"), os serviços de transpofte ferroviário e aquaviário (CF, d) Em quarto lugar, ainda no que concerne à cultura, o Estado ga-
art. 2l, XII, "d"), os serviços de transpofte rodoviário interestadual e rantirá atodos pleno exetcício dos direitos culfurais e acesso às fontes de
internacional de passageiros (CF, art. 2l,XIl, "e") e os portos marítimos, cultura (CF, art. 215), mantendo, para isso, museus, bibliotecas, como a
fluviais e lacustres (CF, art. 27,XIl,*P'). Biblioteca Nacional, teatros, como o nosso Theatro São Pedro, em Porto
Todos esses serviços públicos mencionados pela Constituição re- Alegre, e espaços culturais.
presentam atividades administrativas, por meio das quais determinadas e) Em quinto lugar, é missão do Estado Social a defesa do meio
prestações são oferecidas ao público. ambiente, a qne "todos têm direito, (...) impondo-se ao Poder Pirblico
52 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
|i 2. CONCETTO 53

e à coletividade o dever de_defendê-lo e preservá-lo


para as presentes e
futuras gerações', (CF, art. 225, caput). básicos do direito, que informam toda a ordem jurídìca de um País civili-
zado. No DireitoAdministrativo, há atguns princípios que devem ser im-
periosamente obedecidos pela Administlação. Não deve o poder público
ultrapassar determinados limites no seu relacionamento com os súditos.
Há, destarte, uma proibição de excessos, que leva a Adrninistração a se
conformar aos princípios da conveniência, da necessidade e da proporcio-
nalidade dos meios no exercício de suas funções.
a) O princípìo da conveniência impede a utilização, na atividade de
Administração Pública, de meios que são inaptos para atingir determina-
dos fins. Não poderia a União, por exemplo, conceder qualquer serviço
público independentemente de licitação. A Lei 8.987, de 13.2.1995, "Dis-
põe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços
públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal". No seu att. 14,
dispõe expressamente: "Toda concessão de serviço público, precedida ou
não da execução de obra públic4 será objeto de prévia licitação, nos ter-
mos da legislação própria e com obseryância dos prìncípios da legalidade,
moralidade, publicidade, igualdade do julgamento por critérios objetivos
e da vinculação ao instrumento convocatório". Somente empregando os
meios adequados, definidos por lei, é que se pode chegar à concessão de
um serviço público.
b) O princípio da necessidade estabelece que, entre diferentes meios
apropriados para alcançar um fim, cuja utilização atinja detenninadas
pessoas, com contribuições para a comunidade, seja escolhido aquele
que menores conseqüências desfavoráveis apresente. Se a necessidade
tração no país" (CF, art. 170, IX). do serviço público pode ser perfeitamente satisfeita com.a imposição
de uma servidão administrativa, não há nenhum motivo para recorrer ao
ato administrativo de desapropriação, sem dúvida mais desfavorável ao
titular do direito de propriedade.
c) O princípio da proporcionalidade impede que as medidas da
Administração Pública projetem conseqüências para além da relação es-
tabelecida. Se para arealização de um fim público, vêm em consideraçäo
diversos meios, deverá ser consider¿ido aquele que menoies prejuízos tra-
rá aos direitos individuais. A proteção da liberdade individual é colocada
em primeiro lugar, devendo a intervenção estatal ser a menos onerosa à
liberdade. Esse princþio é denominado pelos administrattvistas alemães
'Wolff
de "Verhciltnissmc)ssigkeif' (Hans Julius - Otto Bachof, Verwøl-
tungsrecht,III,4. ed., 1978, München, $ 138, n.27,"c", Y "a", p.202).
5-K- A Administração pública, no Estado social d) De extrema importância dentro do Estado de Direito é o princí-
de Direito, está pio da proteção da confiança(Vertrauensschutzes). De acordo com essa
vinculada à ordem constitucionar e à rei, devendo
respeitar ;p;ilrpi", concepção, exige-se a observância das salvaguardas indispensáveís à
54 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
lj 2. CONCETTO 55

ó. De resto, não só a União, os Estados, o Distrito Federal e os


Municípios exercitam atividade administrativa. Exercem-n4 por igual,
paralelamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal aos Municípios,
outras pessoas de direito público. Tais pessoas de direito público, das
quais nos ocuparemos no lugar competente, formam com a União, os
De importância prrática no que concerne à proteção da confiança
éa Estados, o Distrito Federal e os Municípios, outras tantas Administrações
revogação de atos administrativos que concedem ou reconhecem direitos
Públicas, segundo o conceito que deixamos enunciado na letm "a" supra.
aos particularcs. De acordo com a Lei 9.1 g4, de 29.l.lggg,aAdministr.a-
A lei lhes dá, a todas genericamente, a denominação de pessoas admi-
ção pode revogar atos administrativos "por motivo de conveniência ou de nistratìvas (a denominação provém da legislação falimentar, na qual era
tradicional : Lei 2.024, de 17 .12.1908, art. I 80; Decreto Legislativo 5.746,
de 9.12.1929, art. 1 80).
Extensa é já, em realidade a enumeração das pessoas administrativas
em nosso direito. Não é este, porém, o momento para estudá-las.
São tais pesso¿rs, como deixamos dito, objeto também, das prescri-
Nesse sentido é a opinião sempre judiciosa de walter Jellinek. ções do Direito Administrativo.
Afir-
7. Reconduziu-nos, pois, a digressão que fìzemos ao ponto cie
partida.
Agora, porém, que temos percorido, ainda que rapidamente, as
linhas de contorno do Direito Administrativo, devernos voltar os olhos
para a particular feição das normas deste ramo do direito positivo, no que
concerîe à sua aplicabilidade.
O Direito Administrativo é todo composto de normas de aplicação
privativa, quer dizer, nofinas excludentes de outra qualquer regulamen-
Além d
e) I a, já menciona_ tação jurídica para as mesmas relações de fato. Como diz Jean Rivero, a
Constitu
dos, a da moralidade, autoridade do direito privado não se estende à Administração (Droit Ad-
da iurpessoalid decorrência do ministratif, Jean Rivero e Jean Waline, TTa ed-, Paris, Dalloz, 1998, p. 19,
princípio de utilidade pública, inicialmente já referido como fundamento n. l3). Porém, é lícito, em alguns casos, às pessoas administrativas sub-
do Direito Administrativo. A moralidade decorre do dispositivo constitu- meter as suas operações negociais ao regime do direito privado, quando
não sejam elas objeto de disposições especiais do Direito Aclministrativo,
adquirindo ou alugando bens, e.9., segundo as normas do Direito Civil.
De outro lado, a jurisprudência e a técnica legislativa incluem, não
raro, formalmente, ao menos na esfera do Direito Civil, matérias carac-
terizadamente administrativas. Está nesse caso o Decreto 19.924, de
27.4.1931, que estendeu à alienação de terras devolutas por concessão
administrativa as disposições do Código Civil relativas à transcrição.

. 7-4. Constavam do Código Civil de 1916 disposições respeitantes


à prescrição do direito de ação no em que se aplicavam ao Direito Admi-
56 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

nistrativo. Dispunha, com efeito, o aft. l7g, 10, inciso M, daquele


$ Có_
digo, que "Prescreve (..;) cinco anos 1...¡ ai aiviaas passivas å;ú;,ã",
9m
dos Estados e dos Municípios, e bem assìm toda e quaþu.,
uçao .o-',iru u
Fazenda Federal, Esradual ou Municipar; devendo'o prLo
aå pr.r.rifao
correr da data do ato ou fato do quar se originar a mesma ação,,.
o código
civill2002 silencia sobre a prescrição noãmbito do Direito Administra_
tivo, considerando, como é certo, as inúmeras leis que já disciprinaram
a questão, de que constituem exemplo conspícuo o Deóreto
Zd.glO, de
6.1-1932, que "Regula a prescrição qüinqüenar", o Decreto-lei
4.597, de
19..8.1942, que "Dispõe sobre a prescrição das ações conil.a
alazendapir
blica e dá outras providências,,, aLei 9.7g4, de Zg.t.tggg,que estabelece
s 3. HISTOKIA DO DIREITO ADMTNISTRATTVO
o prazo de decadência de cinco anos para o dil eito da
Administração pú- ERASILEIRO
blica de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis
q*u 9l destìnatiírios (art. 54) e o código Tributário Nacional, quanto à
A doutrina do direito não distingue e aparta, nos regimes absoh.ttos,
decadência do direito da Fazenda públicã de constituir o crédito
tributário as atividades do Estado, segundo o critério da diversidade clos objetos,
(art. 173), no prazo de cinco anos e, em prazo idêntico, da prescrição
do matérias ou finalidades.
direito de ação para a cobrança do crédito tributário (art. I7'4)..
Pesquisam-lhes os jurisconsultos, ao inverso, as causas de que pro-
8._A gsta altura, para logo nos capacitamos de que a definição da cedem, os títulos em que se fundam, os direitos de que representam o
nos'sadisciplina, apenas esboçada no início deste capítulo, está a reólamar exercício ou, por outro lado, a conseqüência.
maior precisão. Tal é o que acontece no velho Pottugal, ao tempo da colonização do
Rege o Direito Administrativo Brasil
- dissemos - tanto a atividade, como
as pessoas adlninistrativas. vem a ser, portanto, o Direito Administrativo
Veículo da opinião corrente, Jorge de Cabedo. insigne jurisconsul-
- podemos agora dizê-lo o ramo do direito positivo que específica e
- ,1.

privativamente, rege a Administração pública como forma de atividade; to que floresceu nos séculos XM e XVII, divide os atos régios segundo
define as pessoas administrativas e a organização e os agentes do poder os direitos de que entende provirem. Procedem alguns - declara o jurista
E:recutivo das politicamente constituídas e rhes regula, enfìm, os seus - do supremo senhorio majestático: cdar capitäes em terra e mar e jltízes
direitos e obrigações, em suas relações ,unas com as outras e com os e tabeliães, permitir duelo, bater moeda. Procedem outros do uuivet'sal
pafticulares, por ocasião do desempenho daquela atividade. domínio do soberano e lhe competetï em razão de tal domínio. como os
que respeitam aos rios, vias públicas, tributos- Aqui novamente alguns
'
8-,4. Numa definição sucinta, poderíamos dizer com Otto Mayer; Iire competem como Senhor da Régia Coroa e entendem colrt os Bens da
que o Direito Administrativo, no sentido literal da palavr-4 quer dizeidi- Coroa, que o monarca administr4 tais como os prados, as matas, os mani-
reito relativo à Administlação pública (Le Droit Aùninßtratif Altemand, nhos, as coutadas, as granjas, os armazéns e casas foreiras; outros, porém,
t. I, Partie Générale, 1903, paris, $ 2, p. l5), ou, modemamente, com procedem de direitos que ao rei peftencem como patlicular'r
Jear Rivero e Jean waline, que o Direito Adrninistrativo é o conjunto
das regras jurídicas, distintas daquelas do direito privado, qu.
,.g., l. Cabedo, Decisisones,Antuéryia, 1734.p' II. dec. XLII. n.4. p.67: "Curn
atividade administrativa das pessoas jurídicas púùlicas " autem omnes actus Regales ad unam causam setl speciem non respiciatrt. secl oriigine.
1óu. cit.,-tses, causa et specie separentul'. inro a divetso fonte pt'ocedunt; alii a sr'rprema Plincipis
Sec. I, n. 16,p.20)..
potestate procedunt et Regi competullt aut ratione potestatis etjulisdictionis quarn
habe! ut est creare Capitaneos, terra et mal'i, nragistrattts ad jus dicendum. aut alite¡
ministrandum, ¡t sunttabelliones in d. tit. 26, $ 1, permilter:e dr¡ellut-tl. ctlderc ntone-
tanr et alia de quibus statim dicemus. Alií procedunt ab universali dominio Regil; et
58 PRINCÍPIOS DE DIREITOADMINISTRATIVO
$ 3. HrsróRrA Do DIREITo ADMINISTRATIVo BRASILEIRo 59

3. O malogro das capitanias hereditrírias cedo levou a metrópole a


modificar a nossa organização colonial. "O modo que entäo pareceu a
El Rey milhor e mais a proposito - escreve o cronista real - para hum
govemo do Brasil foy reuogar os poderes aos capitães que la estauão e
dallos todos ao capitão da Bahia de Todos os Santos que mandou que
fosse gouernador geral de todas as capitanias" (Francisco d'Andrada, ob.
cit., t.IV p. 131).
Compunha-se o aparelho do govetno geral de tr'ês autoridades
principais: o governador geral, lugar-tenente do rei; o provedor-mo¡
representante daEazendaReal; o ouvidor geral; distribuidor da justiça.
Colaboravam com essas três autoridades no governo da colônia o capitão-
mor da costa, defensor do litoral, e o alcaide-mor, mais tarde nomeado
comandante das armas na sede do govemo.
Trazia do reino o govemador-geral Tomé de Souza, como de resto,
também o provedor-mor e o ouvidor geral, um regimento lninucioso que
lhe discriminava as atribuições. Nos casos omissos, porém, devia consul-
tar os principais empregados e as pessoas mais idôneas, prevalecendo, em
são os capitães donatários, nas suas capitanias, pequenos senhores caso de divergência, a sua opinião, mas lavrando-se de tudo utn termo ou
absolutos. Eles é que fixam, por forais, as liberdades dai vilas fundadas at4 para ser enviado à Corte. "Tal
em suas tenas (J. F. Lisboa, Obras,1901, t. II, pp. 133 e ss.). Eles é que juntas gerais que tanta importânci
dispensanr a justiça, com alçada tão subida que o recurso pam o rei se veio a governar-se mais constituc
toma uma fon¡ula teórica; não lhes entra nas capita:rias, além disso, cor- (Vamhagen, História Geral do Brasil,43 ed., t. l, p- 292)'
regedor ou justiça real (idem, ibidem). Seria engano, porém, supo-r-se que o discrime de atribuições assim
Retêm nas ro dom estabelecido, entre o governador e o ouvidor-gefal, e a instituição con-
sociais dacolôn uo, não comitante das juntas de govemo tivessem tido o efeito de extremar-lhes
in
pela sentença coletiv definitiva e inviolavelmente funções e atividades.
foral. Dependência da monarquia absoluta, havia de padecer a organização
Fequenos soberanos, legislam, julgam e govemam, sem a censura de colonia! fatalmente, das vicissitudes, defeitos e qualidades daquela'
outro poder ou autoddade (J. capistrano de Abreu, o Descobrimento do O governador Mem de Sá, que foi, no dizer de frei Vicente do
.,espelho
Brasil, Ed. da Sociedade Capistrano de Abreu, 1929, p.117). salvador, dos governadores do Brasil", dispõe e legisla sobera-
namente para as gentes da colônia; algumas vezes o faz, de resto, asso-
ciando à autoridade do cargo a sugestão do gesto, à imitação dos antigos
patri arcas-legisladores.
Conta frei Vîcente do Salvador que, quando se fundou a cidade de
São Sebastião do Rio de Janeirc, 'þorque haviam ido na aI'mada mer-
cadores, que entle ouh'as mercadolias levavam algumas pipas de vinho,
mandou-lhes o govemadot que o vendessem atavetnado e, pedindo êles
que lhes pusesse a canada por um preço excessivo, tirou êle o capacete
da cabeça com cólera e disse que sim, mas que aquêle havia de ser o
quartilho".
60 PRINCÍPIOS DE DIREITOADMINISTRATIVO
g:.rnsróru,+.ooDIREIToADMINISTRATIVoBRASILEIRo 6t

"E - ajunta o cronista - assim foi e é ainda hoje por onde se afilam dos negócios de governo, formam-se as juntas de fazenda, que fìscalizam
rem tão grandes que a maior peroleira não leva
a arrecadação e aplicação das rendas, as juntas de justiça, que julgarn os
(Frei Vicente do Salvador, História d.o Brasil,
recursos eclesiásticos, as juntas militares, que resolvem sobte a milícia
de Abreu e Rodolfo Garcia, pp. t92e
193). e a defesa da tema. Dois Tribunais de Relação, o da Bahia e o do Rio de
O mesmo Mem de Sá, durante algum tempo, preside
corno soberano Janeiro, fazem as vezes do pah'ialcal ouvidor geral.
à distribuição dajusriça na colônia.
Este é o regime de governação do Brasil até a vinda da Corte portu-
. "O tempo que lhe vagava da guera_ escreve frei Vicente _ gastava
o bom governador
guesa para o Rio de Janeiro.
na administração dajustiça, porque, além de ser
o em
e governam, como diz Davi: .Honor 5. Em toda esta quadra de nossa históri4 guiam a iniciativa e as
articularmente a cargo por uma pro_ realizações da metrópole os objetivos fiscais: melhor arecadação fiscal,
nem uma ação nova se tomasse sem melhor polícia fìscal, melhor defesa fìscal (Oliveira Viana, Evolução do
or ser informado das muitas usuras, Povo Brasileiro, São Paulo, 1933, p.232).
s mercadores no que vendiam fiado,'
(ob. cit., p.167). "O espírito que domina toda a política colonial do tempo - escleve
Oliveira Viana- é o do fiscalismo" (idem, ibidem).
4. Sobre o nosso território, o organismo do governo geral Era de outro lado, a monarquia absoluta, o regime político da metró-
se repro_
duz e multiplica como por cissiparidãde. pole. Ora, no Estado absoluto, segundo deixamos dito, não se conhece a
sem aludir à transitória dualidade de governo, entre a Administração Pública como atividade distinta. A divisão dos Poderes é
Bahia e o Rio que afazaparecer com tal feição perante o dircito público, pelos limites
de Janeiro, de l5i2 a rs77 e de 160g u16ß, basta que
considereÀos
como se formam, ao Norte, o Estado que lhe põe o Poder Legislativo e pela proteção ou reação que the oferece
o governo de Pemambuco (1657) e c o Poder Judiciário, porque, no Estado moderno, a Administração Pública
do Estado do Nlaranhão, o governo g é, em princípio, tarefa do Poder Executivo.
oFaráeoAmazonas. Possível que fosse, porém, discriminar-se a atividade administrativa
Mantém-se-lhe, porém, a estrutura fundamental. É ao mesmo go_ dessa época, como atividade distinta, dever-se-ia caracterizá'la por esse
vemador-geral, que foram Tomé de Souza e Mem de Sá, que traço peculiaríssimo: o fiscalismo, quer dizer, a subordinação da autori-
em 1640 se
confere o título de Vice-Rei. dade pública aos interesses fìscais ou privados do Estado.

Governadores gerais, conforme vimos, ou Vice_Reis, enfeixam


nas ó. Atrasladação da Corte para o Rio de Janeiro (1808) transpofta,
mãos. os delegados do soberano no Brasil, poderes formidáveis:
arguns com o monarca, para as teras do Brasil, a lei viva e a fonte de toda a
chegaram a recusar o "cumpra-se" a ordens da corte, taxando-as
de"ile- jurisdição.
gais (M. Fleiuss, HistóriaAdministrativa do Brasir,Rio
de Janeiro,1923,
p.64). Passamos, assim, de colônia sujeita a monarquia absoluta, como
depois se declara pela Carla de Lei de 1 8 de dezembro de 1815.
Ainda mais poderosos se tomam, entretanto, de 1763
em diante,
a paft¡r do vice-Rei conde da cunha, sediado já
o govemo no niã-ã.
É transição
a -a preparação providencial - para a independência e
Janeìrc. Por calta patente foi-lhe, então, outorgado ,.p'oder para a mona-rquia constitucionalizada.
. dçuáu;;*
matéria cível e crime, até a pena de moÍe natùd,
solre todas ås autori-
dades" fidalgos e súbditos da colônia 7. Ptealizada a independência, dissolvida a Assembléia Constituinte
que o dito poder e alçadase não entenda".
- "sem excetuar pessoa alguma em
e outorgada por decreto imperial a primeira Constituição Brasileira, ve-
mos reunidas pelos laços de uma só soberania as províncias, em que se
Em compensação, aurnentam os órgãos com
os quais compartilham haviam transmutado as capitanias coloniais, antes subordinadas a um ou
o exercício do poder' Ao lado dasjuntas gerais,
que os assistem no trato mais governos gerais.
62 PRINCÍPIOS DE DIREITOADMINISTRATIVO çr ursróTeooDIREIToADMINISTRATIVoBRASILEIRo 63

vencêramos o perigo da desagregação terr'itorial, inerente a todos os Enérgic4 mas baldadamente lhe impugnam o cabimento.
abalos dessa natureza. "A igualdade - clama Rêgo Barros - não é decepar tudo o que se
ergue mais alto, como o romano que codava a cabeça das papoulas; isto
não é igualdade, é fúria de abater" (H. do Rêgo Barros,Aponlamentos
sôbre o Contencioso Aùninistrativo, Rio de Janeiro, 1874, p- XXIX)'
A fótmula, porém, subsiste e por ela é que se
tração Pública do Império: - equipara-se o Poder
particr-rlar - "a pretexto de que podem dar abusos'
Tal o pensamento dominante em todas as secções do Consellro de
Estado o qual, a parlir de 1842, et'a de seu restabelecimento, preside do
alto a vida administrativa do país.
Assim é que, embora tenhamos no Impér'io uma Administlação Pú-
blica nomalmente exercida pof autoridades pel'manel'ìtes e organizadas,
Procura-se, desse modo, solver o problema pela fórmula do ,,selÊ não possuímos, contudo, igualmente desenvolvido, um Direito Adminis-
government", da maior participação dos gover_ trativo.
no. Multiplicam-se as funções eletivas n Rege-se a Administração Pública pelo direito privado, excettlado
þo do
Processo Criminal. Criam-se as Assem o Ato o Contencioso Administrativo que meramente o aplica. Fora do dileito
Adicional. privado, tudo se e: é o caos. Pode dizer-se, de res-
-
Mas, o "selÊgovemment,,municipal, tentado pelo Código do pro_ io, qrr" essa é a a para caractetizar esse período de
cesso, trorxe apenas como conseqüência o enfraquecimento daAdminis- nossaAdminìstr no caos", chama-lhe o \4sconde do
tração Pública.
'Não podiam os melnbros do Governo escreve Armitage _ obter
-
nem as aparências do respeito; e, nas províncias, os presidentes ainda
menos consideração conseguiam" (J. Armitage, História do Brasil, ed.
I, Rio de Janeiro, 1884, P. 781).
bras. de Eugênio Egas, São Faulo, 1914, p. 2S5).
Produziu resultados semelhantes o provincialismo implantado pelo
Traço a sob o hnPério é, Pois' o que

Ato Adicional. segundo tradição conente, Bernardo de vasconcelos, ao


poderíamo dizer, a subordinação da auto-
iiaade priU ireito Privado'
entregar à Câmara o projeto do Ato Adicional, de que fora relator, em
uma frase lhe teria resumido as conseqüências: "Entrego-lhes (haveria
dito) o Código daAnarquia".
Nessa linha de menor resistência
- o enû-aquecimento da Adrninis-

Executivo.
Duas câmat'as, de formação e duração diferentes, fazern as leis'
Duas jurisdições, a federal e a estadual. distribuem a Justiça'
Fara fundamento dessa solução de acaso, procura_se, logo,
o apoio
Larga e fecunda é a obra dos administradores republicanos. Eles
de uma formula de riberdade democrática. Essa fonnula i"
piinJpråì"
empreendern e r.ealizam a reconstrução do país. Adquire, por isso meslllo,
igualdade perante a lei.
64 PruNCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
ç r. usrórueno DIRETToADMIMSTRATIvo BRASTLETRo 65

a Administração brasileira um sentido novo: flexibiliza-se, expande-se, jurisdições, federal e estadual. Dá-se a expressão constitucional à pafte,
move-se, vive. Não mais a contém, agora, os quadros rígidos ào direito porém, às funções de coordenação e de cooperação, ínsitas já na antiga
pLivado.
organizaçäo governativa. Faz-se do Senado o órgão de coordenação dos
Mostram-se, entretanto, os nossos doutores tardos em classificar- poderes constitucionais; definem-se Ministério Público, situado entre o
lhe os progressos sob a rubrica do Direito Administrativo. Escassa ou Executivo e o Judiciário, o Tribunal de Contas, entre o Legislativo e o
nenhuma é a atenção concedida a esse ramo do direito, como disciplìna Executivo, e os Conselhos Técnicos, entre a Administração e o povo,
autônoma e sistematicamente organizada. como órgãos de cooperação nas atividades governamentais.
Reside a causa dessa indiferença pelo Direito Administrativo na Diversamente da Constituição de I 891 , possui, entretanto, a Consti-
. Foram as tuição de 1934 um largo conteúdo social - moral, religioso, econômico,
a common cultural. Por essa direta comunicação com os elementos da vida social,
ente (Dec. desde logo se alcança a importância que adquire, no segundo estaflìto
republicano, o Direito Administrativo.
São numerosas as soluções de Direito Administrativo enunciadas
no texto supremo. Um Tribunal de Direito Administrativo é instituído na
organizaçäo federal.
A paciente investigação dos sabedores e ajurisprudência dos arestos
norte-amedcano, os princípios que regem assim de uma parte a justiça haviam determinado já as feições inconfundíveis do Direito Administra-
repressiv4 como, de outla, a direção dos negócios públicos e, de outra tivo Brasileiro. Na Constituição de 1934, designadamente, se lhe conferiu
ainda, a conservação do interesse privado, a regulamentação das institui- lugar à parte nos quadros do nosso direito positivo (art.79, parâgrafo
ções domésticas, e a aquisição, fiscalização e transferência da proprieda- único, n. l).
de (Cândido de Oliveira Ft\ho, Direito Teórico e Direito prátíco,'Rio de
Janeiro, 1936, n. 10, pp. 27 e 28); toca destarte todos os ramos da Ciência 10. A l0 de novembro de 193'7, foi promulgada, como expressão de
do Direito (idem, pp. 24 e ss.). um golpe de Estado, a terceira Constituição republicana do país.
O resultado dessa contradição é a incerteza das categoriasjurídicas Aorganização política criada pela Cafta de 1937,não chegou, po-
no nosso Direito Administrativo; é o desconhecinento de pessoas ad- rém, a concretizar-se.
ministrativas, fora da União, dos Estados e dos Municípios; é o desco- Não se constituíram os órgãos colegiados, previstos no texto pro-
nhecimento dos limites do domínio público, além dos que lhe assinala mulgado. Em conseqüência, atribuído transitoriamente ao Presidente da
a propriedade da União, dos Estados ou dos Municípios; é o desconhe-
República o Poder Legislativo (art. 180, da Constituição de 1937), apar
cimento da doutrina dos atos administrativos, acima das prescrições do do Executivo, o regime de 1937 veio a funcionar em moldes análogos ao
direito privado. dos govemos provisórios de 1889 a 1891 e de 1930 a1934.
Traço característico desse momento histórico é, destarte, o exotismo, Como os governos provisórios de 1889 a l89l e de 1930 a1934,o
mais político do que jurídico, do qual decorre, paradoxalmente, em con- regime de 1937 sinalou-se por obra legislativa a muitos respeitos notável,
traste com o largo desenvolvimento material do DireitoAdministrativo, o particularmente no que conceme à codificação de nosso direito positivo.
desconhecimento formal deste.
São os regimes dessa natureza propícios às codificações, as quais, à sua
vez, se assemelham às revoluções e aos golpes de Estado, pela reordena-
9. Na Constituição de 16 de julho de lg34 empreende-se a atuali-
ção inovadora que impõem ao direito positivo.
zação do aparelho governamental do país, de acordo com os dados da
tradição republicana. São rnantidos os tr'ês poderes fundamentais poder
- 11. A 18 de setembro de 1946, recebeu o país a sua quarta Consti-
Legislativo, Poder Executivo e poder Judiciário. perdura a dualidade das tuição republicana. Na Constituição de 1946, combinam-se elementos da
66 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
$ 3. HISTORTADO DIRETTOADMINISTRATTVO BRASILETRO 67

constituição de 1934 com elementos da constituição de 1 g9l , utilizados,


de forma ditatorial, foi promulgada a Constituiçäo Federal de 24 de janei-
estes, como simplifìcação daqueles. A fisionomia do regime, salvo no que
ro de 1967, destinada a entrar em vigor em 1 5 de março daquele ano.
concerne à ordem econômica e social, aproxima-se, e inequivocamente,
da de 1891.
14-8. ComenTando aàìudida Constituição, adveftia com percuciên-
cia o insigne Pontes de Miranda que 'Nada mais perigoso do que fazer-se
12. Emenda Constitucional, de 2 de setembro de 1961, instituiu,
Constituição sem o propósito de cumpri -la'' (Cotnentários à Constituição
entre nós, o sistema parlamentar de governo. Teve duração efêmera o
de 1967, t. I, São Paulo, Ed. RT, 1967, p. l5).As palavras do notável ju-
sistema de governo, dito parlamentar, que, assim, se implantou no país, .
rista foram proféticas, pois a recém-aprovada Constituição teve vida efê-
como solução para uma crise institucional deflagrada com a renúncia do
mera. Ao Presidente que a inspirou, sucedeu novo Presidente militar, que
Presidente da República, eleito em 1960, por força da recusa das forças
foi corrpelido a editar, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Instihrcional
armadas em admitir a posse do Vice-Presidente eleito naquela mesma
n. 5, providência legislativa de extrenra virulência, que pôs fim à frágil
eleição. Superada a crise com o advento do pzulamentarismo, o sistema
democracia reatada com a promulgação da Constituição de 1967.
teve vida efêmera - rcstabelecido o presidencialismo, depois da reariza-
ção dè um plebiscito, por Emenda Constitucional, de 23 de janeiro de 14-C. Depois disso, o impedirnento do Presidente da República de
1963..
continuar a exercer o cargo por motivo de saúde teve como conseqüência
o afastamento da linha sucessória do Vice-Presidente eleito e a assunção
73. Reatou-se, com a repristinação da Constituição de 1946, atradi-
da Presidência da República por uma junta militar; composta pelos Mi-
ção republicana, na qual, apesar dos defeitos inerentes ao sistema presi-
nistros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Os Ministros militares,
dencial de governo, a Administração Pública e o Direito Administrativo
no exercício da Presidência da República, promulgaram, pela via revo-
ocupar¿un sempre lugar preeminente! Aquela, pela iniciativa indispensá-
lucionária de um Ato Institucional, a Emenda Constitucional n. l, de 1 7
vel ao progresso; este, pela disciplina orgânica, essencial as realizações
de outubro de 1969, que passou a ser a Constituição do Brasil e vigorou
pelmanentes.
durante dezenove longos anos, até que uma Assembléia Nacional Consti-
. 14. A ordem constitucional de 1946 foi rompida pelo movimento tuinte, apositamente convocada, viesse a promulgar a nova Constituição
da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1988.
revolucionário de 31 de março de 1964, em que as Forças Armadas,
juntamente com pafte das forças políticas, destituíram o presidente da
14-D. A nova Constituição Federal de 1988 trouxe novidades para
República e retiraram a legitimidade democrática da Constituição, que
a vida republicana. Pela primeira vez a Constituição fala de unr "Estado
foi rnantida por um Ato Institucional. A esse primeiro Ato seguiram-se
Democrático de Direito" (ar1. le), que significa, em primeiro lugar, um
outros, com recesso temporário do Congresso, extinção dos partidos
Estado que se opõe ao Estado autoritario ("Rechtstaat bedeutet den Ge-
políticos, cassações de mandatos e suspensão temporária de direitos
gen s atz zum Machtst aat" - Carl S chmitt, Ve rfa s s un gs I e hr e, B erlin, I 9 5 7,
políticos, tudo dentro do quadro da "guerra fria" e do antagonismo entre
o rnundo capitalista e o mundo socialista, com as suas repercussões em $ 12, II, n.2, p. 130). Depois de definir os Princípios Fundamentais da
nova República (Título I), a Constituição, no Título II, inicia pela decla-
nosso país.
ração dos Direitos e Garantias Fundamentais. Seguindo os passos da Lei
14-4" Depois de um período de mutações institucionais e de trans- Fundamental de Bonn, em seu d.5n, $ le, estabeleceu que "As nomas

fonlações políticas impostas pela força das armas, novo Ato Institucional definidoras dos direitos e garantias fi-rndamentais têrn aplicação imediata".
atribuiu ao congresso Nacional poderes constituintes para votar uma nova A Lei Fundamental de Bonn diz, de foma anâloga, que "Os Direitos fun-
Corrstituição, cujo projeto foi enviado pelo Presidente da República. darnentais a seguir discrininados constituem dircito diretamente aplicável
para os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (art. lq, n. 3). Foi
Depois de muitos confrontos dentro da própria facção governamen-
abolida a censura (arl. 5e, inciso IX), à sernelhança da Lei Fundamental
tal. pois o anteprojeto da constituição apresentado reduzia os direitos
alemã (art. 5q, n. 1). O art. 5o, inciso VIItr, estabeleceu, pela priuteira vez,
fundamentais aos limites da lei ordinária, que lhes regularia o exercício
a proteção às crenças religiosas, políticas ou filosófìcas, reconhecendo o
63 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMIMSTRATIVO
$ 3 HISTORIA DO DIREITO ADIV'INISTRATIVO BMSILEIRO 69

irnperativo de consciência, como motivo para se eximir do serviço militar p.266). Apesar de o poder de revisão ter sido limitado pelo art. 60, $ 4e.
obrigatório, que será substituído por serviço alternativo (art. 143, S lr). incisos I, II, III e IV, da Constituição Federal de 1988, não raro, empre-
Disposição semelhante consta da Lei Fundamental de Bonn, em seu art. gando expedientes políticos de duvidosa moralidade e de oportunismo, a
72-4,n.2, ao deternrinar que "Quem, por razões de consciência, recusar o Constituiçäo tem sido objeto de refonnas muitas vezes inconstitucionais,
seiviço militar com armas, poderá ser obrigado a prestar serviço de subs- devido aos caprichos do chefe do Poder Executivo.
tituição". Finalmente, para não alongar as comparações, há uma disposi- !
E preciso considerar que o poder de revisão deve estar condicio-
ção fundamental, semelhante à da Lei Fundamental de Bonn, que atribui nado e definido pelo car'áter do reginre estabelecido. Deve existir uma
a guarda da Constituição ao Supremo Tribunal Federal (arf. 102, I, ,,a.,,
solidariedade entre o fundamento político da Constituição e as revisões
da CF de 1988); a Lei Fundamental de Bonn atribui a garantìae a guarda
eventualmente propostas.
da constitr,riç ão ao B unde sv erfas s ungs ger i cht. o rribunal constitucional
Lamentavelmente, isso não tem ocorrido, havendo muitas das re-
Federal se constitui na mais importante garantia do respeito do Direito
fonnas aprovadas violado sobretudo o inciso IV do art. 60, que diz não
Constitucional pelos demais órgãos do Estado (Handbuch des Verfassungs-
poder ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir
rechfs der Bundesrepublik Deutschland, editado por Ernst Benda, Wemer
"os direitos e gatantias individuais".
I\4aihofer, Hans-Jochen Vogel, Berlin-New York, Walter de Gruyter,
1983, IV Parte, Verfassungsgerichtsbarkeit Helmut Simon, p. 1.253). O Direito Constitucional moderno, adotado pelos países civilizados,
- é hostil a esse tipo de emenda constitucional, que, no fundo, viola o nú-
O princlpio do Estado de Direito foi elevado à categoria de prin-
cleo fundamental da Constituição.
cípio constitucional. Em decorrência disso, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciiírio receberam competências próprias e distintas ordenadas e O professor Otto Bachof sustenta que "Uma lei de alteração da
limitadas pelo Direito, de tal sorte que os direitos dos indivíduos estão Constituição (...) pode infringir, fomal ou materialmente, disposições da
protegidos e as su¿ts obrigações estritamente mensuradas na forma da Constituição formal. Dá-se o primeiro caso, quando näo são observadas
lei (Peter Badura, Staatsrecht, München, 1986, Das Rechtsstaatsprinzip, as disposições processuais prescritas pala a alteração da Constituição;
itern 46, "a",p.203). ocorre o irltimo, quando uma lei se propõe alterar disposições da Consti-
tuição conttariamente à declaração de imodificabilidade destas insefta rro
Apesar dos propósitos elevados que a inspiraram, a Constituição
documento constitucional". Mais adiante, conclui de forma peremptór'ia:
de 1988, trouxe em seu seio o vírus do autoritarismo e do despotismo,
'Não é necessário mostrar nrais pormenorizadamente que a lei de altera-
ao manter em seu texto a competência do Presidente da República para
ção, embora sendo ela própria uma nol'ma constitucional formal, seria.
propor emendas à Constituição (ar1. 60, inciso II), providência absolu- num como no outro caso, 'inconstitucional"' (Norntas Constilucionais
tista, criada pela Constituição de 1937 (arf.l74, $ ls)-que havia sido Inconstitucionais?,7994, trad. porluguesa, Almedina, 1977, p' 52, letra
outorgada pelo Presidente da Repúblic4 uiando o assim chamado "Es- "b"). Em sentido idêntico são as opiniöes de dois grandes constituciona-
tado Novo", que chegou ao fim em 1945 com a deposição do Presidente, listas poftugueses (Jorge Miranda, Mantlal de Direito Constifucional, t-
havendo a República retomado o caminho da democracia constitucional lI, Constituição e Inconstitucionalidades, 3a ed., 1996, Coimbta, n. 50, II
conr o advento da Constituição Federal de 1946. O movimento revolucio- e III, p. 213; e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da
nário de 1964 reavivou esta competência espuria e a introduziu na Consti- Constituição, 3ê ed., Coirnbr4 p.997).
tuição Federal de 1967 (art. 50, il), mantida pela Emenda Constitucional
n. l, de 1969 (aÍ. 47,Il). Essa competência do Presidente da Repúblic4 l4-8. O tempo, que não se detém jamais em sua voragem, é que
inadmissível nos regimes presidencialistas, tem servido para que, a cada dirá às gerações futuras se essa nova ordem constitucional alcançará
novo goveüro que se instala no poder; o Presidente passe a considerar, permanência duradoura. De qualquer- forma. os interesses de glupos e
como condição indispensável àrealização de suas metas governamentais, as pressöes da comunidade internacional certamente terão influência
a efetivação de reformas constitucionais, não raro adotadas mediante o relevante na preservação ou na modifìcação ou destruição do nosso inci-
artificio de verdadeiras fraudes constitucionais (Georges Bwdeau-, Trait¿ piente Estado de Direito. Nessa matéria tanrbém se aplica a máxima do
de Science Politique,t.IY, Le Statut duPouvoir d.ans l,Etat,7969,n. 116, Ecclesiastes: "Nihil sub sole nolum" (1, l0).
70 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO

desta nova edição, as palavras


escr sua razão de ser e ameaçam se

::ä .iiåä,1ÏH,;i,î,*î"ffiîlï

supostas reforma.s, defendidas por alguns políti


outros tantos levianos ou ignorantes e por certos
s 4. FONTES
está o objetivo de destruir o Estado de Direito e
Três divisões fundamentais distribuem, por um tríplice plano, as
tais, assegurados pela Constituição de l9gg.
fontes do Direito Administrativo Brasileiro.
Dois constitucionalistas eméritos já levantaram suavoz sábia contra
esse verdadeiro golpe que se planeja contra as instituições. 1. O Império já no-las transmitiu em gerais e provinciais (Ribas,
O Prof. Paulo Bonavides, em declarações feitas à imprensa, afirma Direito Administrativo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1866, p. 36).
que "o projeto de emenda aprovado pela ccJ é um ato de terrorismo Acrescentou-lhes, a República inicialmente mais uma partição: além
da federal (geral) e da estadual (provincial), surgiu a legislação adminis-
trativa municipal.
. Com a Constituição Federal de 1988, no mesmo plano da legisla-
eis que o
ção estadual, existe ainda a legislação administrativa distrital,
birt ito Federal é pessoa administrativa de natureza política e existência
necessári4 à qual são atribuídas as competências legislativas reseladas
ocorra. o respeito à constituição é fundamental para o bom caminhar de aos Estados e Municípios (CF, art. 32, $ 1e).'
uma nação e para consolidar as instituições republicanas e federativas do As nossas leis municipais não se confundem coÍt as normas jurídi-
país" (Folha de S. Paulo, I 5.8.2005). cas, editadas pelas corporaçöes administrativas, que eram os municípios
Afirmação semelhante é a de outro constitucionalista, o prof. José sob o Império (Lei de le de outubro de t 828, art' 24)'
Afonso da Silva, que manifesta opinião idêntica à de paulo Bonavides: . Entretanto, Pimenta Bueno já observava que "A institttição nru-
nicipal tem duas partes distintas: a primeira é a que delibera, que vota.e
examina as contas, é o conselho e como que o poder legislativo local"
(Direito Púbtico Brasileiro e Analise da constituição do hnpério, Brasí-
ila,1978, n. 450, $ 4n, p. 317). De modo que não era uniforme a opinião,
terá" (Artigo, Folha de S. Paulo,l3.3.2005). ao tempo do Império, segundo a qual os municípios fossem simplesmente
constitui verdadeiro escárnio ao cidadão brasileiro falar em nova corporações de direito público, destituídas de naftu-eza política. A opinião
do grande José Antônio Pimenta Bueno era conttária- '
Não se confirndem. de outro lado, as leis municipais com as disposi-
ções autonômicas, editadas pelas entidades autárquicas eu geral'
Dimana a norma autonômica da competência específica pal'a a sua
elaboração, reconhecida, pela legislação da pessoa adrninistrativ a matriz,
s 6.A REL-\ÇAO DE ADMTNTSTRAÇAO

Concebe-se geralmente a relação jurídica como expressão de um


poder do sujeito de direito sobre um objeto do mundo exterior, seja aquele
uma collsa existenteper se, seja uma abstenção ou um fato, esperados de
outro sujeito. Nessa concepção da relação jurídica, sem dificuldade se
compreendem todas as variedades de que a noção de direito subjetivo é
suscetível.

/" Nela" não parece possa compreender-se, porém, nenhuma espécie


de relacionamento jurídico, no qual se suponha, ao sujeito ativo, um
deveq ao invés de um poder, sobrepondo-se-lhe à autonolnia da vontade,
o vínculo de uma fìnalidade cogente. Alguns momentos de reflexão,
entretanto, toffiam, para logo, evidente que, entre essa espécie de relacio-
namento jurídico e a que se exprime pelo conceito corrente, a diferença
apurável nada tem de essencial. O que se denomina "poder" na relação
jurídica, tal como geralmente entendida, não é senão a liberdade externa,
reconhecida ao sujeito ativo, de determinar autonomalnente, pela sua
vontade, a softe do objeto, que lhe está submetido pela dependência da
relação jur'ídica" dentlo dos limites dessa mesma relação. Limite-se ainda
mais a liberdade externa de determinação, reconhecida ao sujeito ativo da
relação jurídica, vinculando-o, nessa determinação, a uÍra finalidade co-
gente, e a. relação se transformará imediatamente, sem alteração, contudo,
de seus elementos essenciais.

2. À relação jurídica que se esûïtura ao influxo de uma finalidade


cogente, chama-se relação de adrninistração (Ruy Cirre Lima, Sistetna de
Direito Administrativo Brasileiro, t. I, Porlo Ale gre, 1953, $ 3. p. 25).
Chama-se-lhe relação de administração, segundo o mesÌno critério
pelo qual os atos de adnrinistração se opõem aos atos de propriedade
(Código Civil Francês, art. 1.988).
106 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO $ 6. A RELACÀO DE ADMINISTRAÇÀO r07

os limites da sirnples administração, salvo por necessid,ade ou evidente


Na administração, o dever e a finalidade são predominantes.
interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz" (Código Civil,
. Esse traço característico da administração é salientado no Código
aft. 1.691);
do Imperador Justiniano, quando afirma que "aquele que é administra-
dor e senhor de sua cousa, nem todos os negócios real\za, mas a maior b) na administração do bem de família, instinrído como tal co¡n a
parle por sua vontade própria. Os negócios de outrem, porém, devem ser
cláusula de ficar "isento de execução por dívidas posteriores à sua insti-
tuição (...)" (Código Civil, ar1. 1.715); "O prédio e os valores mobiliários,
administrados com a maior exatidão; a esse respeito nada do que foi ne-
gligenciado ou mal administrado se isenta de falta" ("Nam suae quidem constituídos como bem de família, não poderr ter destino diverso do
previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos
quisque rei moderator atque arbiter, non omnia negotia, sed pleraque ex
interessados e seus repl'esentantes legais, ouvido o Ministério pirblico"
proprio animo facit. I lienavero negotii exacto officio gerantur; nec quis-
quam in eorum administratione neglectum ac declinatum, culpa vacuurn
(código civil, arts. I .717, 1.712). .
esf ' - C odicis Domini Justiniani, Liv. IV Tít. XXXV, n: 2T, Mutdati vel
3. É no Direito Administrativo, porém, que a relação de adnrinis-
contra). ' tração adquire a plenitude de sua importância. AvLrlta essa impoftância
No domínio, a vontade é predominante. quando se consideram, comparativarnente, no direito privado e no Dileito
. Na definição do Conselheiro Lafayete Rodrigues Pereir4 o "Domí- Administrativo, os efeitos da relação de administração sobre a relação
nio é o direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de direito subjetivo, com sujeito diverso, acaso existente sobre o mesmo
de nossa vontade a coisp corpórea, na substância, acidentes e acessórios" objectuntjurÌs.
(Direito das Coisas, t. I, Editora Rio, edição histórica de 197'r, 5 24, p. A telação de administração coexiste, não ra: o, sobre o mesmo obje-
98). . to, com um direito subjetivo, de titular diverso do daquela. Os bens dos
Não se adscreve a relação de administração aos lindes de tal ou filhos são propliedade destes, embora administrados pelos pais (Código
qual província jurídica. Conhece-a o direito privado como a conhece o Civil, art. 1.689, II). O bem de família pode ser propriedade do marido, se
Direito Administrativo. DesenganaÍ-se-ia, sem embargo, quem preten- o regime dos bens do casanrento for o da comunhão, ou, ainda, da mulher,
desse encontrar uma relação de administração debaixo de cada uma das no regime de separação (Clóvis Bevilacqua, Código Civil Comentado,I.
formas por que a atividade de adminisü'ação pode traduzir-se na realidade I, Rio de Janeiro, 1921, p. 301).
jurídica. Dentro no direito privado, os conflitos entre a relação de adurinis-
A relação de administração somente se nos depara, no plano das tração e a de direito subjetivo, resolvem-se em favor desta última. Ao
relações jurídicas, quando a finalidade, que a atividade de administração pai ou à mãe, que arruína os bens dos filhos, suspende-se, com o pátrio
sepropõe, nos aparece defendida e protegida, pela ordemjurídic4 contra poder, a administração, a este inerente (Código Civil, art. 1.637, capu).
o próprio agente e contra terceiros. Assim, no mandato, há atividade de Quanto ao bem de família, Iícito é ao instituidor, revogar-lhe a vinculação
administração e, sem embargo, não há relação de administração. A pre- à finalidade legal @ecreto-lei 3.200, de 19.4.1 941, art.2l . O instituidor.
sewação da finalidade é, no mandato, dependência davontade individual: se não tem sempre a propriedade, tem, entretanto, sempre a disposição do
ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exce- bem quo ad ins ti lutionem).
der os lirnites do ma;,rdato, frcará o mandante obrigado para com aqueles Divercamente, no Direito AdminisÍ'atjvo, a relação de administra-
com quem o seu ploculador contratou (Código Civil,ar|.679). ção dornina e paalisa a de direito subjetivo. Relação de administr.ação.
Há, de outro lado, atividade de administração e r-elação de adminis- exetnplì gratia, é a que se estabelece, segundo o Direìto Administratjvo,
tração: sobre os bens destinados ao uso púrblico. . "Desde a data do registro do
.
a) na administração pelo pai e pela mãe dos bens dos filhos me- loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e pra-
nores sob sua autoridade (Código Civil, art. 1.689, II). De acordo com o ças, os espaços livres e as áreas destinadas a edificios públicos e outros
Código, 'Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memolial desc¡-itivo"
dos filhos, nem contrai¡ em nome deles, obrigações que ultrapassem (Lei 6.766, de 19.12.1919, aft.22). De outra paúe, o aft. 3a, do Decreto-
r08 PRINCÍPIOS DE DTREITO AD\4IMSTRATIVO
$ 6. A RELAÇÀo DE ADMINISTRAÇAo 109

Lei 58, de 10.12.1937, determina que "A inscrição ldo loteamentof torna prestar o û'abalho, que a relação de administração lhe impöe, ao tempo
irralienáveis, pol qualquer: título, as vias de comunicação e os espaços e pelo modo em que esta lho exigir. Analogamente, quanto ao direito à
Iivres constantes do memorial e da planta". Não se cogita, no caso. cla aposentadoria. A rnesma correspondência, depara-se-nos entre os direitos
propriedade desses terenos, que se tornam inalienáveis permanentemente, subjetivos públicos do concessioniírio de serviço público e a relação de
peftençam a quem peltencel'em. . É indifer.ente, quem seja o pLopLietiír.io administração, ínsita no objeto da concessão. A observação é tanto mais
cla coisa vinculada ao uso público. A relação de administração paralisará relevante, quanto é cefto, de outro lado, que, de um mesmo e só negócio
ern qualquer caso, a relação de direito subjetivo. Daí que, em nosso direito jurídico de Direito Administrativo, pode acidentalmente derivar-se, em
autigo, posto se leconhecesse à cidade o podel de abrir a via pirblica em concomitância com a relação de administração, regida pelo Dileito Ad-
solo público (Dorningos Antunes Poftugal, De Donationibw Jurinn et ministrativo, direito subjetivo privado, regido pelo direito privado. Numa
Bonorutn Regiae Coronae, Lugduni, 1126,f.II, lib. III, Cap. III, n.2, p. concessão de via-férre4 pode inserir-se per accideru a transferência do
1 l), não se lhe reconhecia, sem embargo, salvo pemissão do príncipe, a solo, necessário à implantação da linha, se for, aquele, propriedade da
faculdade de reduzir, novamente, a via que abrira, ao uso particular (por- Administração concedente (Conselheiro Lafayette, ob. cit., t. I, $ 51, n.
tLrgal, ob. cit., t. II, lib. III, Cap. III, n.34,p.14: "(...) quamvis enim civitas 8, p. 190).
habet jurisdictionem faciendi viam publicarn, tamen post eam factam, et
juribus regalibus adjunctam, non potest civitas eam in locum privatum 5. Conquanto a relação de administração e direito subjetivo sejam
reducere sine licentia Principis (...)"). Dir-se-á mais tarde, que as coisas de noções igualmente aceitas ao Direito Administrativo, base última da
r.rso público são inalienáveis. O Conselheiro Ribas, afirmava que as coisas construção sistemática de nossa disciplina não é a noção de direito sub-
de uso público estão fora do comércio e são imprescritíveis, salientando, jetivo, senão a de relação de administração. Os elementos esfuturais da
porém, que "estes bens por ato da autoridade competente podem deixar relação jur'ídica (pessoas, bens e atos), ainda que ambivalentes, são, no
de ser destinados ao uso público (...) "(Direito Civil Brasileiro, Editora Direito Administrativo, confomados e adaptados primariamente à ordem
Rio, 1977, tit. ilI, $ 3,p.429).4 inalienabilidade delas significará, porérn, que, pela relação de administração, se estabelece.
sirnplesmente, que não é possível distraí-las do uso público, a que se en-
contram vinculadas, sem alteração da ordem jur'ídica ou, seja, sem lei que
ar.rtorize a desvinculação (Código Civil. arts. 100 e l0l).

4. Podem, no Direjto Administrativo, como no direito privado, nas-


cer simultaneamente, do mesrno negócio jurídico, a relação do direito
subjetivo e a relação de administração. No Direito Adlninistrativo, assim
se desata, por exemplo, a controvérsia acerca da natureza jurídica da
concessão de seruiço público, da qual defluem simultaneamente, além
clalelação de administração, direitos subjetivos, recíprocos do concedente
e do concessionário. Assim, também, a par da relação de administração
que intercede entre o funcionário ou servidor público e aAdministração,
sr-rscitam-se, entLe ambos, diLeitos sulrjetivos, numerosos e variados, a
maioria dos quais, é certo, em estado de pendência à ocasião da investi-
dura, lîas desde logo suscetíveis de completanlento ulterior.
Cabe aqui se obsen¿e que os direitos subjetivos públicos, unidos,
no Direito Adrninístrativo, à relação de administração, têm. de regr.a,
lro desenvolvimento desta, uma como condiîio sine qtn. O flincioná-
Lio pirblico, por exemplo, não adquirirá direito ao vencimento, se não
$ 7. A RELAÇÀO DE DIREITO SUB.IETIVO

que influenciou decisivamente não apenas o positivisrro legal do século


XIX, nras, no seu entender, a modernajurisprudência dos países de língua
inglesa. Kelsen cita a defìnição de Dernburg, que afìrmava: "Os dir-eitos
existiam historicamente antes que o Estado coll uma ordern jurídica de-
liberadativesse aparecido". Seria, por conseguinte, tanto histórica quanto
logicamente incoreto afìrmal que os direitos, ou o direito subjetivo, são
apenas emanação da ordem jurídica positiva. A ordem jurídica garante e
molda esses direitos, mas não os criaria. Kelsen sustenta qLle essa con-
cepção é totalmente equivocada, porque, segundo ele, 'Ìtrão é possível
existir direitos - ou direito subjetivo - antes que haja o direito positivo. A
s 7A REL,|ÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO definição do dit'eito subjetivo como um interesse juridicamente protegido
pelo direito, ou como o poder de vontade reconhecido pela ordem jurí-
I - 0 Direito Subjetivo Ptiblico dica, vagamente expressa unra visão desse fato". O direito subjetivo se
resumiria numa garantia concedida pela ordem jurídica. Nada mais seria
I - A par da relação de administração, coexiste com ela, no Direito do que a proteção de um interesse, na medida em que fosse reconhecido
Adrrinistrativo - já ficou dito -, a relação de direito subjetivo. O direito pelo direito positivo (Hans I(elsen, General Theory of Lavv and State,
subjetivo, de que aqui se cuida, é, de regra, o direito subjetivo público Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1945, p.79).
- público, por isso que a relação jurídica através da qual se manifesta, O segundo é Léon Duguit. O direito subjetivo é veementemente
"é uma norma de direito (...) público que dá reconhecimento e assegura repelido por Duguit, que segue una tradição positivista. Segurrdo a sua
a proteção" (Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Fllho, Tiatado de concepção, os membros de um grupo social estão numa situação qualifi-
Direito Civil Brasileiro,t.IX, Rio de Janeiro, 1947,n.132,p.667). Não cada de objetiva, porque ela é simplesmente o resultado da aplicação do
é, certamente, o Direito Administrativo fechado ao direito subjetivo pri- direito objetivo, da norma jurídica do grupo social considerado. E aqui
vado (v. $ 6, n. 4, supra), rnas, evidentemente a figura subjetiva, própria que se põe claramente, segundo Duguit, a questão do direito subjetivo.
do Direito Administrativo, enquanto direito público, há de ser o direito A existência de um direito subjetivo implicaria numa subordinação de
subjetivo público. vontades, uma superioridade de uma vontade sobre outra, nm verdadeito
. Inicialmente, é preciso que se afirme não existir na Ciência e na poder de um indivíduo sobre outro. A essência última da vontade humana
Filosofia do Direito, noção mais discutida do que a do direito subjetivo. estaria em questão na afirmação do direito subjetivo. A essas questões,
Antes de definirmos o direito subjetivo público, devemos, preliminar- Duguit responde com as palavras de Auguste Comte: "Não podem existir
meilte, tratzu do problema tormentoso da existência ou da inexistência do verdadeiros direitos se derivarmos os poderes regulares cle vontades so-
direito subjetivo em geral. Na filosofia do direito, duas figuras de grande brenaturais; no Estado positivo, que não admite títulos celestiais, a idéia
estatura no campo do conhecimento jurídico, opöem-lhe uma negação de direito desaparece irrevogavelmente" (Comte, P olitiq ue P o s i t iv e, v ol.
terminante: o direito subjetivo não existe. I, 1890, p. 361, cit. por Léon Duguit, Traité de Droit Consli,ttilionnel,t.l,
3z ed., 7927, pp.217-218). Léon Duguit pretendia ser um discípulo äel de
desses juristas é Hans Kelsen, fundador da escola de
O prirneiro
Auguste Comte. Vale recordar a passagem famosa da obra de Comte, na
Merra. Kelsen afirma que, de acordo com a teoria do direito subjetivo, no
qual ele se propunha a que a sua nova filosofia tenderia cadavez mais a
priucípio existiriarn apenas direitos em particular o protótipo de todos
- substituir a discussão vaga e ternpestuosa dos direitos pela detenninação
os direitos, o direito de propriedade, adquirido pela ocupação e somen-
- calma e rigorosa dos deveres respectivos (Cours de PhilosophÌe Positi¡te.
te num estádio ulteüor do direito, com a cdação de uma ordem jurídica
t. VI, Paris, 1908, p. 3 l5).
estatal, esses direitos foram sancionados e protegidos por meio do reco-
nhecimento por parte da ordem estatal. Essa idéia, segundo Kelsen, foi If - Transcendendo da Filosofia do Direito para o Dileito Adminis-
mais clalamente desenvolvida na teoda pela Escola Histórica do Dir.eito, tlativo, também vamos encontlar jurista de renome, que nesa a noção
112 PRINCIPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO $ 7, A RELAÇAO DE DIREITO SUBJETIVO I l3

de direito subjetivo público. Trata-se de Adolf Merkl, discípulo de Hans dico, que permite a proteção dos interesses privados. O Estado é pessoa
Kelsen. que em seu liwo sobre o Direito Administrativo afirma textual- jurídica, e, como tal, investido de direitos, tanto no plano das relações
mente: "A idéia dominante, que concebe o dileito público objetivo como intra-estatais quanto no internacional. O direito subjetivo público se
uma soma de relações de poder, dificulta, sem dúvida alguma, a admissão configura em íntima vinculação com o ordenamento jurídico geral, cons-
de direitos subjetivos entre pessoas tão desiguais como são, de um lado, o tituindo decorência do Estado de Direito.
suposto detentor do poder de império, o Estado e as demais corporações
públicas, e, de outro, os súditos, submetidos a esse poder; realmente se VI - Defensor do direito subjetivo público e o mais notável exposi-
converte em problemática a existência de direitos subjetivos entre sujeitos tor desse tema foi Georg Jellinek. A própria personalidade do homem, na
tão ntultidistanfes" (Teoría General del Derecho Adtninistrativo, Madrid, afirmação de Jellinek, é de direito público - pois somente como membro
1935, p. 172). de um Estado o homem alcança a condição de sujeito de direitos (Sistema
dei Diritti Pubblici Subbiettivi, trad. italiana, Milano, 1912, cap. VII, p.
III Mas, a maioria dos jurisconsultos defende a idéia do direito
- e2).
subjetivo, apesar de reconhecerem a autoridade intelectual de Kelsen, de O direito de cidadania é um direito subjetivo público, que se afìrma
Duguit e de Merkl. diante do Estado. Quem não é cidadão é apátrida e está privado de direi-
O direito subjetivo se manifesta sempre dentro de uma relação. Não tos, eis que não se vincula a nenhum Estado. O Estado atribui ao ser hu-
conhece o direito relação entre pessoa e cousa. A própria relação de pro- nano a capacidade de postular eftcazmente a tutela jurídica estatal' Com
priedade se estabelece não entre o titular do domínio e a coisa havida em isso, o Estado reconhece, por meio de sua ordem jurídic4 a personalidade
propriedade, mas entre o proprietá'io e todos quantos estejam em posição do ser humano.
de se opor à sua propriedade. Da mesrna forma, a relação de direito subje-
tivo é sempre configurada entre pessoas. Uma pessoa isolada não poderia VII - Devemos a Georg Jellinek a classihcação dos direitos sub-
jamais ser titular de qualquer dileito. O próprio Estado somente pode jetivos públicos. Parte da observação de que a soberania do Estado é

afinnal direitos na medida eln qlle se contrapõe a outras pessoas. uma soberania sobrc homens livres, elevados à condição de pessoas. No
momento em que reconhece a personalidade dos indivíduos, o Estado
IV Não se poderia conceber a existência do direito subjetivo pú- limita-se a si mesmo. Essa limitação é de duas espécies.
-
blico dos indivíduos se não houvesse um ordenamento jurídico que lhes Primeiro, o Estado traça uma linha de separação entre si mesmo e os
reconheça e atribua direitos. O direito subjetivo público está em íntima seus súditos, reconhecendo-lhes uma esfera de atuação individual livre
conexão com o direito público objetivo, do qual dimanam as pretensões da intervenção estatal, subtraída em princípio à autoridade do Estado.
correspondentes, no relacionamento entre Estado e indivíduo. Essa noção é deconência do desenvolvimento do Estado moderno, cujas
constituições afirmam o Estado de Direito. Antigamente, a liberdade
V - A importância do direito subjetivo público é extraordinaria. individual não era reconhecida em favor de todos os seres humanos. A
Santi Romano afinlava que aqueles que despojam o cidadão de qualquet partir da Revolução Frances4 entretanto, essa situação se tmnsforma com
direito público e r'evestem somente o Estado de direitos, terminam, sem a Declaração dos Direitos do l-Iomem e do Cidadão , ao aftrmat que o fim
ter consciência do que fazem, negando que entre o Estado e os cida- de toda a associaçào política é a conservação dos direitos naturais e im-
dãos possa existir uma relação jurídica. Essa heresia, segundo Romano, prescritíveis do homem, sendo, esses direitos, a liberdade, a propriedade,
implicaria a negação, também, do próprio direito privado ("La Teoria a segurança e a resislência à opressão (aft.2e).
dei Diritti Pubblici Subbiettivi", in Primo Ttattato Completo di Diritto Segundo, o Estado não limita apenas negativamente o campo de sua
Anuninistrativo ltaliano, a cura di V. E. Orlando, vol. I, Milano, 1900, p. atividade. Vai além, e af ibui ao indivíduo o poder de exigir atividade
I I E). Sem direito público não é possível a existência de direito privado. estatal em seu proveito. O indivíduo pode exigir, de acordo com a Cons-
Para o reconhecimento e proteção dos direitos privados é indispensável tituição, prestações do Estado. As pretensões jurídicas que resultam clo
a existência do Estado, organizado de acordo colr um ordenamentojuri direito de exigir prestações estatais, no dizer de Georg Jellinek. são o que
114 PRINCiPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO $ 7. A RELAÇÃO DE DTRETTO SUBJETTVO ll5

se designam com o nome de direitos subjetivos públicos (ob. cit., cap. que se utilize de serviços públicos e de instituições públicas, concedendo
VI, p. 96). ao indivíduo pretensões jurídicas positivas. Reconhece o Estado, nesse
momento, em favor do indivíduo , um status positivus, ou status civitatis,
VIII - De acordo com a opinião de Robert Alexy, a dogmática dos que se apresenta como fundamento para o complexo de prestações esta-
direitos fundamentais ainda segue o "espírito da teoria do 'status, de Jelli- tais, desenvolvidas no interesse dos indivíduos.
nel<" (Teoría de los Derechos FLmdamentøles, Madrid, 2002, p.25). De
Finalmente, em quarto lugar, aatividade do Estado somente é possí-
modo que, a teoria desenvolvida por Georg Jellinek, sobre os diferentes vel mediante ações individuais. Na medida em que o Estado reconhece ao
slaÍus, ainda hoje norteia os esfudos sobre os direitos fundamentais e o indivíduo a capacidade de agir em seu nome, o promove a uma condição
direito subjetivo público decorrente. vinculado ao Estado, o indivíduo mais elevada, isto é, ao exercício da cidadania ativa. Essa cidadania se ex-
se encontra em diversas relações, que se consubstanciam em diferentes pressa pelo statw activus, ou stattc activae civitatis, no qual o indivíduo
status. O primeiro desses s/a/øs é o chamado statw passittru, também adquire a plenitude do exercício dos assim chamados direitos políticos
denominado de status subjectionis, em que o indivíduo vê excluída sua (Georg Jellinek, System der Subjektiven Offentlichen Rechte, nova im-
autodeterminação e está situado na situação de sujeição diante do Estado. pressão da2a ed, Tübingen, 1919, cap. VII, p. 87).
Esse s/a/r¿s consagra os deveres do cidadão par-a com o Estado, como
o dever de prestar o serviço militar obrigatório (hodiemamente com a D( -Nesses quatro status, o passivo, o negativo, o positivo e o ativo,
possibilidade de objeção de consciênciE CF, art. 143, $ lo), o dever de estão representadas as condições nas quais o indivíduo pode se encontrar
pagar impostos, o dever de prestar serviços públicos honorários, como diante do Estado, como membro e como cidadão. Prestações devidas ao
o de mesário nas eleições e o dejurado. Em contraposição a esse, há um Estado, como no caso do serviço militar obrigatório, liberdade de inge-
segundo slattc, chamado de status negativus, ou de sfal¿¿r libertatis, em rência do Estado, como no caso da liberdade de consciência e da livre
que a situação se inverte, passando o cidadão de súdito a senhor absoluto manifestação do pensamento, pretensões diante do Estado, como a de uti-
de sua liberdade, em que toda a atividade do Estado passa a ser exercida lizar-se de seus serviços públicos, de que constituem exemplos as univer-
no interesse do súdito. Esse statw caracteriza uma situação peculiar do sidades of,rciais, os museus, os teatros, os hospitais públicos, os parques e
Estado de Direito, eln que os direitos individuais são considerados como osjardins públicos, o serviço de segurança e ajurisdição estatal, e, final-
anteriores à existência do próprio Estado. Segundo Carl Schmitt, "a esfera mente, ações desenvolvidas eln nofite do Estado, cot¡o condutor político
de liberdade dos indivíduos é concebida como algo dado anteriormente ao por exemplo, constituem-se em diferentes posições as quais indicam as
Estado, e na verdade a liberdade dos indivíduos é, em princípio, ilimitada, situações em que o indivíduo pode se relacionar com o Estado-
enquanto que é limitado, em princípio, o poder do Estado de invadir essa
esfera de liberdade" (Vedas sungslehre, Berlin, I 957, $ 12, n. 3, p. 126). X - No dizer de Léon Duguit, foi, fota de dúvida, Georg Jellinek
"o autor que mais aprofundou a noção de direito subjetivo" (R.uy Cime
O status libertatis configura em amplo sentido os direitos de liber-
Lin4 Sistema de Direito Aùninistrativo Brasileiro, t. I, Porto Alegre,
dade, tanto do indivíduo isolado quanto em relação aos outros - desde a
1953,p.222).
liberdade de consciênci4 passando pela livre manifestação do pensamen-
to. chegando aos lindes da segurancajurídica e do direito de resistência à XI - A Georg Jellinek deve-se a concepção do direito subjetivo, no
opressão, bem expresso na Lei Fundamental alemã de Bonn (art.20 ¡4): qual este se estrutura como Llma interpretação da vontade humana e do
"Gegen jeden, der es unternimmt, diese Ordnung zu beseitigen, haben interesse, a primeira, o elemento fotmal, o último, elemento rnaterial da
alle Deutschen das Recht zum Widerstand, wenn andere Abhilfe nicht subjetivação jurídica. O interesse constitui amatériafundamental do di-
möglich ist" ("Contra aqueles que tentarem suprimir esta Ordem, têm, reito subjetivo. Rudolfvon Ihering pôs em relevo o dado fundamental da
todos os alemães, quando outro recurso não seja possível, o Direito de questão: "em latim, inter esse, interest mea significa: uma pafie de miln
resistir"). está contida nurna coisa estranha, trata-se aí, quanto a mim, de utna pafie
Em terceiro lugar, o Estado reconhece ao indivíduo a capacidade de de mim mesmo" (Du Rôle de la Volonté dans la Possession, Paris, 1891,
pretender que o poder estatal seja exercido em seu favor, permitindo-lhe nota 6, p. 21). Esse interesse, que constitui a matéria do direito subjetivo,
I Ió PRINCIPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
ARELAÇÀO DE DIREITO SUBJETIVO n7
$ 7.

nada mais é do que a expressão psicológica da dependência moral das


prestação de serviços públicos honorários, de impor a prestação de ser-vi-
coisas e dos fatos em face do ser humano.
ços obrigatórios. Em todos esses casos, há direitos sulrjetivos exercitados
Por sua vez, a vontade tem, na concepção de Georg Jellinek, a pelo Estado ('Walter Jellinek, ob. cit., $ 9, IV n.2,p. 193).
função essencial de ordenadora, segundo a ordem dajustiçã, das coisas
Em sentido contrário, posiciona-se Otto Mayer, ao sustentar que
e fatos do mundo exterior (Ruy Cirne Lima, ob. cit.,p.223). Bemhard
o direito subjetivo é sempre algo limitado. No que concelne ao Estado,
Mndscheid havia chamado a atenção para a vontade como eiemento es- porém, existiria antes um direito amplo de dominação e de submissão
sencial da definição de direito subjetivo (Diritto delle pandette. trad. de ("Meist steht dafür je\ú. ein umfassendes Recht auf Beherrschung und
Carlo Fadda e Paolo Emilio Bensa, vol. I, Torino ,1925, 37, nota 3, p. Gehorsam (...)" Deutsches Verwaltungsrechl, Heidelberg, 1923, t. l,
$
108). Defìnia o direito subjetivo como "um poder ou senhorio da vontade
-
$ 10,p.105).
conferido pela ordem jurídica".
Sob o Estado de Direito, entretanto, a opinião mais justa é a de Wal-
Unindo as duas concepções, a de von Ihering e a de Windscheid, ter Jellinek.
Jellinek define o direito subjetivo como "o poder de vontade que tem o
honrem, reconhecido e protegido pelo ordenamento jurídico, enquanto Xw - Apresentado esse intróito, em que são discutidas as teses
vollado a um bem ou interesse" (sistetna dei Diritti pubbtìci subbiettivi, fundamentais que deram origem à afirmação do direito subjetivo públi-
trad. italiana de G. Vitagliano, Milano, 1912, cap.Iy, p. 49). co, estabelecemos os princípios trásicos sobre essa fìgura jurídica, que
provém, sobretudo, do Direito Administrativo alemão. Volvendo para o
XII - As duas notações conceituais do direito subjetivo poder de
- nosso direito, podemos indagar: que é direito subjetivo público?'
vontade e interesse - (willensmacht und Interesse) são transpostas para
os direitos públicos subjetivos ("lassen sich auch auf die subjektiven 1. Diz-se que existe direito subjetivo público, quando uma pessoa
öffentlichen Rechte tibeftragen" - walter Jellinek, verwaltungsrecht, administrativa se constitui em obrigação, segundo o direito público, para
Berlin, 1929, $ 9,IV, n. l, p. 190). Recebidas pelo direito público, estas com o particular; ou igualmente, o Estado para coln uma das pessoas ad-
duas noções são utilizadas na sua definição específica: .,O direito subje- ministrativas por ele criadas. Sobre esse ponto, pode dizer-se estabelecido
tivo público é um poder de vontade vinculado ao direito público, que é tal ou qual acordo entre as opiniões que controveftem a matéria-
concedido ao seu titular para a proteção do seu interesse próprio', (,,Das Desse conceito, dessumem-se facilmente, entretanto, alguns caracte-
subjektive öffentliche Recht w2ire demnach eine den öffentlichen Rechte res, veriftcáveis in specie, do direito subjetivo público- Ele supõe nos su-
angehörige Mllensmacht, die dem Willenstr.äger.in seinen eigenen Inte- jeitos que vincula a posição de superior e inferior, respectivamente' Não
resse verliehen ist" - Walter Jellinek, ob. cit., p. 190). é bastante, contudo, que dois sujeitos de direito estejam, dentro da esfera
do direit vamente,
XIII -
Titulares dos direitos púrblicos subjetivos podem ser todos os para que Púrblicos'
sujeitos de dileito, as pessoas fisicas e também as pessoas jurídicas de Entre os ossível o
direito privado, inclusive as de direito público, compreendidas dentro do estabelecimento de direitos subjetivos públicos. Não obstante, as relações
Estado (Walter Jellinek, ob. cit., g 9, n. 2, p. 192).Até mesmo ao Estado entre aqueles e estes são reguladas pelo direito público e a posição de
deve ser reconhecida a possibilidade de titularidade de direitos subjetivos superior e inferioç respectivamente, se demonstra em uns e outros, fora
públicos, sendo-lhe atribuído, em seu interesse particular, o mesmo poder de toda dúvida razoíwel. Nem toda relação de superiorÌdade, com efeito,
de vontade. o Estado tem o direito de cobrar e receber tributos (impostos, embora de direito público, pode fundarnentar direitos subjetivos públicos.
taxas, contribuição de melhoria, contribuição previdenciári4 contribui- . Ouve-se, aqui, o eco das palavras de Otto Mayer, quando fala de ampla
ções sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e de dominação e submissão ("umfassendes Recht auf Beherrschung und
interesse das categorias profìssionais ou econômicas, bem como em- Gehorsam") para caracterizar a afuação do Estado enquanto poder. '
préstimos compulsórios - Cq a¡ts. 145, l4B,l4g,
$$ lo e 2e, 149-A). O Supõe, o direito subjetivo público, que a melhor maneira de exer-
Estado é titular do direito de desapropriar, de impor punições e de exigir cer-se o poder de mando, confiado ao superior, seja, nas circunstâncias
I I8 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
$ 7. ARELAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO tl9

Tomada essa notação conceitual do direito subjetivo público, que é


reconhecido a nacionais e a estrangehos, facilmente se ultrapassa o círcu-
lo dos direitos subjetivos públicos reconhecidos aos indivíduos e às pes-
soas administrativas criadas pelo Estado e alarga-se consideravelmente a
enumeração dos direitos subjetivos públicos em geral. Ela compreenderá
os direitos que se originam, na esfera do Direito Internacional, das obri-
entre as pessoas administrativas e os indivíduos, ou entre o Estado e as
gações assumidas pelos Estados, uns para com os outros, todos detentores
pessoÍrs administrativas e os indivíduos, ou entre o Estado e as pessoas
exclusivos que se reputam da soberania; compreenderá, igualmente, os
administrativas por ele criadas.
direitos que nascem na órbita do Direito Constitucional, tais como os
Dentro do direito público, outra relação se não conhece que reúna que podem resultar do pacto federativo entre os Municípios, o Distrito
aqueles requisitos. Provém do povo o poder do Estado (CF, art. le, pa- Federal, os Estados-membros e a União Federal; e compreenderá, enfìm.
rágrafo único); provém do Estado, seja este a União Federal, o Estado também, os direitos que se fundam no tereno do Direito Administrativo
federado, o Distrito Federal ou o Município, o poder das entidades au- por intermédio de atos administrativos, entre a União Federal soberana,
tárquicas sobre os indivíduos. Implícitos nesta noção de direito subjetivo os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, politicamente autônomos,
público se enconfl'am, ao mesmo tempo, o reconhecimento da aptidão e as entidades autárquicas, em suas relações paritárias de direito público.
do indivíduo para govemar (princípio democrático), que corresponde ao Alarga-se da mesma sotte, a noção da origem do direito subjetivo
stattn activae civitatis na elaboração de Georg Jellinek, e a necessidade, público, que poderá fundar-se conseqüentemente, no tratado intemacio-
para maior efìciência do serviço público, de uma delegação de funções nal, na Constituição, na lei ou no ato jurídico.
(princípio econômico da divisão do trabalho).
Em conexão, atenta a origem, deveräo conumerar-se, também, entre
Qualquer que seja ajustifrcação político-jurídica dos direitos subje- os direitos subjetivos públicos os que surgem do exercício pelo Estado de
tivos públicos, certo é, porém, que a nota saliente de sua conceituação é a seu poder de mando, como o direito de constituir o crédito tributário (Có-
circunstância de criarem obrigaçãojurídica em pessoa de direito púbrico, digo Tributário Nacional, arts. 139 a 142), ou os direitos sobre a pessoa
a quem normalmente apenas se reconhece, em tal ordem de matérias, o resultantes da conscrição militar (CF, art. 143, $$ ls e 2n).
poder de obrigar juridicamente. . A explicação pal a esse aparente parado- Concluindo, pode dizer-se que o direito subjetivo público nasce in-
xo quem no-la oferece é novamente Georg Jellinek, quando afirma: ,,No va¡iavelmente da transferência ou do exercício de uma parcela do poder
Estado moderno, mesmo aquele que é subordinado ao Estado por força estatal.
da soberania territorial não é somente súdito eventual (subditus tempora-
rizs): mesmo a ele é atribuído um conjunto de pretensões jurídicas diante
II -A Posição furídica e o Reflexo de Direito
do Estado, embora em medida menor do que a dos cidadãos" (Sistema dei
Diritti Pubblici Subbiettivi, cap. IX, p.129). Se os próprios estrangeiros Temo-nos referido até agora, a direitos subjetivos púbiicos. Enganar-
são titulares de direitos no Estado moderno, como indivíduos a que a se-ia, entretanto, quem supusesse que, na regra cle direito objetivo, reside
Constituição assegura "a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, a sempre, perfeito e acabado, o direitu subjetivo correspondente' Vimos
igualdade, à segumnça e à propriedade" (CF, art. 5a. caput), no que res- que todo direito subjetivo público importa uma obrigação, de que ele é a
peita aos cidadãos, novamente quem nos dá a soluçäo é Georg Jellinelc, conüaparte. Ora, salvo em hipóteses determinadas, arcgra jurídica não é,
quando afirma: "Por força da concessão de pretensõesjurídicas positivas ainda, a obri gação : é meramente a obri gatori edade.
diante do Estado, o fato de ser membro do Estado se transforma de uma
Antes, ainda, do instante, em que o direito subjetivo se concretiza,
relação de pura dependência, em Llma r.elação que possui duplo caráter,
já alguma cousa dele existe, porém, no patrimônio jurídico do sujeito. É
em uma condição jurÍdica que, ao mesmo tempo, atribui faculdades e
impöe devetes" (Sistema dei Diritti Pubblici Subbiettivi,p.l2g)..
que- explica Pontes de Miranda - "a ordem legal não intervém somente
quando se trata de garantir as conseqüências de um direito fonnalmente
120 PHNCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO $ 7. A RELAÇAO DE DTREITO SUBJETM 12t

concreto, perfeito e acabado; mas, por igual, sempre que su€e algo de . 2-4. O primeiro jurisconsulto a tratar dos direitos públicos de
jurídico, que pode influir na formação do direito de alguém,' (,,Títulos ao forma sistemática foi Carl Friedrich von Gerber, que escreveu uma obra,
PortadoL", Manual do Código Civil Brasileiro, de paulo de Lacerda, t. I, intitulada Uber Offentliche Rechte,publicada em 1852. Nessa elaboração
vol. XVI, parte I, Rio de Janeiro, 1932, p.37). A essa situação jurídica, doutrinária von Gerber chegou a admitir a existência de direitos pirblicos
anterior à completa subjetivação do direito, chama-sepos ição jurídica. subjetivos dos súditos de um Estado, ao afirmar que "a posição constitu-
cional de um súdito é aquela de um indivíduo dominado estatalmente e
/. À nossa doutrin4 no campo do DireitoAdministratìvo, não é des- é caracteizada perfeitamente com esse conceito. A circunstância que tal
conhecida a figura da posição jurídica. dominação, especialmente na medida em que se fundamenta na justiça
e na sábia moderação, a toma rica em efeitos benéficos e fecunda em
Posição jurídica era, ao tempo do Império, a situação do pretendente
outros bens, sendo condição do desenvolvimento liwe e do progresso
à concessão de tenas devolutas que, tendo-lhe sido autorizada pelo Go-
moral, é uma nota característica do contraste entre tal submissão e aquela
verno Imperial a concessão pretendida, ainda não recebera do presidente
do direito privado".
da ProvÍncia o competente título jurídico. Algo de jurídico já aparecera,
,,talvez Para complementar esta definição não é necessário pôr em relevo es-
então, capz de influir na formação do direito do pretendente
- pecial todas as obrigações pam com o Estado que se encontram na esfera
mesmo -
escreve Rodrigo Otávio - já um verdadeiro direito adquirido,
da submissão (por exemplo, a prestação do serviço militar, o pagamento
mas apenas a que se promovessem os ulteriores termos legais para que
dos impostos e das taxas etc.), pois esses não são mais do que simples
pudesse entrar na posse, uso e gozo da concessão,, (Do Domínio da
aplicações de um conceito jurídico geral (von Gerber; Diritto Pubblico,
União e dos Estados, São Paulo, 1924,n.70,p. ll9). Não obstante, essas
trad. italian4 Milano, Giuffrè, 1971, cap.7,pp.65-66).
formalidades ulteriores poderiarn mostrar-se de execução impossível,
inconveniente ou inoportuna e, nessa hipótese, aquele suposto direito 2-8. Cnticando a elaboração de von Gerber, Georg Jellinek afirmava
adquirido se reduziria a nada. que em verdade "era uma falsa opinião, de acordo com a qual o direito
subjetivo não seria na substância nada mais que uma miragem, pois onde
2. Pode-se, com justeza, comparar-se a posição jurídica às posições se crê encontrar o direito subjetivo existe tão somente o direito objetivo
no jogo de xadrez. "Para se chegar a unr resultado, faz-se mister, no en- e aquilo que se designa como direito subjetivo não é outra coisa que um
-
xadrisrno obserua Pontes de Miranda - efetuar, um após outro, vários simples reflexo do direito objetivo" (Sistema dei Dirittì Pubblici Subbiet-
lanços que constituem um¿ß como avançadas e paralisações, necessárias à /ivi, Milano, 1912, cap. \1, p. 77). Jellinek menciona, ainda, que "Esta
vitória. Cada lanço estabelece um estado, uma siflração jurídic4 'Rechts- opinião foi acolhida pela primeira vez por Gerber, no livro Uber Afen.tlï
lage', que pressupõe as anteriores e não se pode criar à vontade (...). Os che Rechte, no que diz respeito aos direitos de liberdade e a pretensão à
jogadores podem misturar as peças e deixar para outra vez, o início de um tutetajurídica" (ob. cit., pp. 77-78).
novo conbate. Mas não pode qualquerjogador resolve¡ de si só, o termo As nonnas de direito pirblico devem servir aos fins do Estado e são
da partida, ou fazer-se posição sem anterioridadèi. Fora nma injustiça, editadas tendo em vista o bem comum e o interesse geral. Não é neces-
manifesta de si mesma; pois que se têm de reconhecer ao adversário todas sário, entretanto, que as normas jurídicas públicas sirvam sempre a fina-
as possibilidades que a presente situação do jogo lhe oferece. Assim, no lidades inoividuais. A ordem jurídica compreende normas jurídicas que
mundo jurídico, em se tratando de estádios que não constituem um direi- não raro traduzem interesses individuais, mas apenas na medida em que a
to: este surgirá do êxito da paftida" (Tratado de Dit,eito Privado,t. I, vol. realização do interesse individual se apresenta como um interesse geral.
XVI, parte I, pp.41 e 42). Segundo Georg Jellinek, "no momento em que as iormas jurídi-
Distintos do direito subjetivo e da posição jurídica, são, a seu turno, cas de direito público prescrevem no interesse geral um determinado
os assinr chanrados reflexos de direito. Das legrasjurídicas de que estes comportamento ou ação, ou até mesmo omissão por parte dos órgãos do
últimos procedem, devem, enfim, distinguir-se as simples regras progrq- Estado, pode ocorrer que o resultado dessa ação ou omissão aproveite a
mciticas. determinados indivíduos, sem que o ordenamento jurídico, ao estabelecer
122 PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMNISTRATIVO
{i 7. A RELAÇAO DE DIREITO SUBJETIVO 123

a noffna de que se trata, tenha se proposto aalargar a esferajurídica dos


bastantes em si; porque tanto umas quanto outras podem ser simplesmen-
indivíduos. Em tais casos poder-se-á falar de eficácia reflexa do direito
te programáticas" (Comentarios à Constituição de 1946,t. I, 34 ed., Rio
objetivo" (Sistema dei Diritti Pubblici Subbiettivi, cit.,p.79).
de Janeiro, 1960, $ 8,n.79, pp. 110-l l1).
Deve-se pôr em relevo que o conceito de eficácia reflexa do direito
Na dúvida- quanto a disposições constitucionais - deverá decidir'-se
objetivo foi formulado com toda aclareza,em primeiro lugar, por Rudolf
pelo caráter auto-executável da prescrição (Levi Cameiro, Conferências
von lhering, no seu livro Geist des Römisches Rechtes (O Espírito do
sobre aConstituição, Rio de Janeiro, 1936, p.25) e pelo cabimento da
Direito Romano), publicado em sua la edição no ano de 1865.
intervenção judiciária. A respeito do cabimento da intervenção judicirár-ia,
Von Ihering dizia que nem todos os interesses reclamam a proteção assim se pronunciava Ruy Barbosa: "O que distingue, na essência, as
jurídica, pois há interesses que ela não pode alcançar. Há mais, ainda: declarações de direitos promulgadas nas Constituições do tipo que a dos
toda lei que protege nosso interesse não nos confere um direito subjeti- Estados Unidos consagrou, das declarações de direitos exaradas em ou-
vo. Como explicar esse fato? Von Ihering responde: "é que às vezes, na tras Constituições, é a existência, naquelas, da garantiajudiciária para a
proteção de um interesse, há apenas uma ação reflexa da ordem jurídica,' sustentação prática e a reivindicação eficaz de cada um dos direitos assim
(L'Esprit du Droit Romain, t. IV, tradução de O. de Meulenaere, Paris, declarados" (Comentários à Constituição Federal Brasileira, coligidos e
1888, $ 71,p.339). Trata-se, não raro, de uma relação jurídic4 em que ordenados por Homero Pires, São Paulo, I 934, vol. V art. 72, p. 1 75).
está presente o Estado, que apresenta uma grande analogia com o direito
subjetivo, mas que é preciso distingul-la cuidadosamente deste. .

-L Na Constituição e nas leis, encontra, algumas vezes, o indivíduo o


reconhecimento de particulares interesses seus; ora esse reconhecimento
resulta de uma relação puramente de fato (p. ex., a organizaçäo legal de
um serviço de transporte mais adequado a um gênero de comércio, do que
a outros); ora dimana da indireta eficácia da disposição constitucional,
ou legal, que, prescrevendo para os poderes públicos, lhes cri4 perante
a Constituição ou a lei, senão uma obrigação, ao menos, a abstrata ima-
gem dela (p. ex., o art. 19, I, da CF 1988). Desta última modalidade de
I
reconhecimento incidente, por via objetiva, de interesses individuais,
procedem os assim chamados reflexos de direito (Georg Jellinek, Sistema
dei Diritti Pubblici Subbiettivi, p 80).
De outras vezes, os legisladores, constituintes ou não, prefixarn
diretivas, linhas gerais de ação ao poder público, cuja execução poderá
mostrar-se vantajosa ao indivíduo, em situação dada. Daí, o problema das
regras programáticas, relativamente aos indivíduos, distinto da questão
dos reflexos de direito.
Desde que se trate, porém, de disposições auto-executáveis - assim
aregta com eficácia jurídica reflexa, como a simples regra programática
podem ser utilmente invocadas pelo indivíduo perante o Poder Judiciario.
Pontes de Miranda, ao comentar a Constituição Federal de 1946, fazia a
distinção entre as regras jurídicas bastantes em si, regras não-bastantes
em si e regras programáticas. Afirmava que "o que se deve ter em vista é
a dicotomia das regras jurídicas em regras bastantes em si e regras não-

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