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“se o objeto da idéia que

constitui a mente humana é um


corpo, nada poderá acontecer
nesse corpo que não seja
percebido pela mente”
(ESPINOSA, séc. XVII)

5
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

1. O MODELO DE REGULAÇÃO AUTONÔMICA OU MODELO DE ESTRESSE-HOMEOSTASE


10

1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS: A DOUTRINA HUMORAL Error! Bookmark not defined.1


1.2. O CONCEITO DE MEIO INTERNO: LIBERDADE EM UMA ESTUFA 13
1.3. O CONCEITO DE HOMEOSTASE: ESTABILIDADE PELA VARIAÇÃO
14
1.3.1. Integração entre os sistemas extero e interofectivos 17
1.4. O MODELO DE REGULAÇÃO AUTONÔMICA: REPOUSO E MOVIMENTO 19
1.5. TEORIA DA EMERGÊNCIA DE CANNON: A RESPOSTA DE LUTA OU FUGA Error!
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1.6. A TEORIA DO ESTRESSE DE SELYE: RESISTÊNCIA E EXAUSTÃO Error! Bookmark not
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1.6.1. Alterações do sistema imune causadas pelo estresse 32
1.6.2. Estresse crônico e outras doenças 35
1.7. PANORAMA DA REGULAÇÃO AUTONÔMICA 36
2. CRÍTICAS AO MODELO DE REGULAÇÃO AUTONÔMICA DO ESTRESSE-HOMEOSTASE 40

2.1. ALGUMAS CRÍTICAS AO MODELO DO ESTRESSE DE SELYE 43


2.2. O PAPEL DAS AMÍGDALAS CEREBRAIS NA RESPOSTA DE ESTRESSE 45
2.2.1. Críticas ao mecanismo de termostato 45
2.2.2. O papel das amígdalas cerebrais 48
2.2.3. O condicionamento aversivo: papel da aprendizagem na homeostase Error! Bookmark
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2.2.5. Retorno ao conceito de termostato: proposta de modificação 52
3. O PARADIGMA DA ALOSTASE 50
3.1. ALOSTASE E SISTEMA IMUNOLÓGICO 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS 626

REFERÊNCIAS 67

6
RESUMO

A associação entre equilíbrio e saúde é bastante antiga na História. Durante os séculos,


muitos foram os modelos propostos para explicar os processos de regulação e balanço que
mantêm os corpos estáveis em meio às constantes mudanças que caracterizam a vida. O
presente trabalho, que consiste em uma revisão não sistemática da literatura, tem por
objetivo expor algumas das teorias que embasaram duas maneiras de ver a regulação
psíquica e somática dos processos vitais no ser humano: a forma da regulação autonômica
e a forma da regulação cerebral. Esta exposição visa destacar o papel da psicologia na
saúde, acentuando a relação entre o corpo e a mente e a influência mútua de seus
processos. A base teórica deste trabalho encontra-se no desenvolvimento da fisiologia
experimental e dos conceitos de estresse e homeostase, bem como nas críticas de autores
posteriores a estes sistemas, que culminam no esclarecimento do papel dos processos
corticais superiores na regulação do corpo e da mente. Por fim, considera-se o conceito de
homeostase sociocultural e de regulação emocional como alternativas para os estudos
sobre o modelo de regulação cerebral.

Palavras-chave: Equilíbrio; Saúde; Regulação; Psicologia na Saúde; Estresse;


Homeostase; Homeostase Sociocultural; Regulação Emocional.

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ABSTRACT

Associations between balance and health are quite ancient in history. Over the centuries,
many have been the models proposed to explain the processes of regulation and balance
that keep bodies stable amid the constant changes that characterize life. The present work,
which consists of a non-systematic literature review, aims to expose some of the theories
that support two ways of seeing the psychic and somatic regulation of the vital processes in
the human being: the form of the autonomic regulation and the form of the cerebral
regulation. This aims to highlight the role of psychology in health, instead of thinking only
about its role in purely mental disorders, accentuating the relationship between body and
mind and the mutual influence of their processes. The theoretical basis of this work lies in the
development of experimental physiology and in the concepts of stress and homeostasis, as
well as in the criticism of later authors, which culminates in the discovery of the role of higher
cortical regulation processes of body and mind. Finally, we consider the concept of
sociocultural homeostasis and emotional regulation as alternatives for studies on the model
of brain regulation.

Keywords: Balance; Health; Regulation; Health Psychology; Stress; Homeostasis;


Sociocultural Homeostasis; Emotion Regulation.

INTRODUÇÃO

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O presente trabalho consiste em uma revisão bibliográfica não sistemática da
literatura sobre duas formas de regulação do equilíbrio do organismo: a regulação
autonômica e a regulação cerebral. Com esta pesquisa objetiva-se expor de forma
comparativa essas duas formas de equilíbrio, com vistas a distinguir o papel da
psicologia na área da saúde e especificar algumas teorias que possibilitam pensar,
para além de puros mecanismos, o papel da subjetividade na organização
fisiológica.

Este trabalho foi idealizado durante um período de estágio na emergência de


um serviço de psiquiatria no Rio de Janeiro (Instituto Municipal Philippe Pinel - IMPP-
RJ). Nesse ínterim, na convivência em um ambiente multiprofissional, que contava
com representantes da medicina, do serviço social, da enfermagem, da psicologia,
bem como técnicos e outros colaboradores, pode-se detectar a necessidade de um
campo de discussões comum entre as diferentes áreas do saber. Este escrito,
portanto, é fruto das ideias seminais nascidas nesses debates, aqui embasadas
teoricamente.

O texto divide-se em três partes, onde a primeira é uma exposição do modelo


de regulação autonômica e neuroendócrina, a segunda uma exposição das críticas a
este modelo e a terceira, a descrição de algumas proposições para a reformulação
do mesmo. Enquanto o paradigma da regulação autonômica trabalha em termos de
automatismos e mecanismos de retroalimentação negativo, as críticas a esse
modelo propõem uma maior participação de áreas corticais superiores na regulação
fisiológica do organismo. Com essa virada epistemológica, a psicologia deixa de ser
o espaço do puramente estranho, do fora da regra, daquilo que sai de controle na
fisiologia durante a ação de processos como as emoções.

1. O MODELO DE REGULAÇÃO AUTONÔMICA OU MODELO DE

ESTRESSE-HOMEOSTASE

A ideia de equilíbrio do corpo e da mente sempre esteve ligada ao conceito


de saúde e vários exemplos oferece a História sobre as conotações e imagens

9
atribuídas a essa associação. De modelos focados no equilíbrio dos humores e das
proporções até a visão fisiológica sobre os diferentes sistemas em interação no
corpo humano, diversas estruturas foram pensadas para representar os fluxos e
balanços de líquidos e nutrientes ou, como na atualidade pode-se atestar, de
informações e comandos pelo organismo.
Segundo Jackson (2013), a noção de corpos em equilíbrio é bastante antiga,
mas a criação de uma ciência da estabilidade só teve lugar recentemente, no século
XIX. Na fisiologia, as primeiras visões sobre o equilíbrio e a dinâmica dos processos
em ação no corpo levaram em consideração aspectos neuroendócrinos, acentuando
principalmente o papel do sistema nervoso autônomo e dos hormônios envolvidos
nas respostas de adaptação às mudanças ambientais. Contudo, os conceitos de
balanço e equilíbrio utilizados pelas ciências da saúde são, para este autor,
componente de um campo intelectual muito maior, que determina o comportamento
e o movimento dos sistemas fisiológicos, psicológicos, tecnológicos e sociais.
Para Berntson e Cacioppo (2007), desde a criação do conceito de
homeostase por Walter Cannon (1871-1945), o paradigma da integração entre o
sistema nervoso autônomo e o sistema endócrino tornou-se uma força importante na
psicofisiologia e na medicina comportamental. Os autores entendem que este objeto
- a regulação autonômica e neuroendócrina - delimita um campo de estudos
significativo, que ainda mantém-se dominante na literatura fisiológica
contemporânea.

1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS: A DOUTRINA HUMORAL

No ocidente, as raízes do que atualmente é denominado ciências da saúde


foram fincadas em um período bastante profícuo da história helênica, conhecido
como antiguidade clássica. Nessa era, os gregos concebiam o mundo a partir da
combinação de quatro elementos primordiais (fogo, terra, ar e água), cujas
qualidades (quente, seco, frio e úmido) definiam as propriedades de todas as coisas
existentes, animadas ou inanimadas (ADLER; FRIEDMAN, 2011).

10
Entre os séculos VI e V a.c., o filósofo Alcméon de Crótona (510 - 430 a.c.)
definiu a saúde como um estado de isonomia entre as forças elementais em ação no
corpo. Tal visão influenciou profundamente o trabalho de Hipócrates de Cós (460 -
377 a.c.), considerado o pai da medicina, que postulou a existência de quatro
humores (bile amarela, bile negra, sangue e fleuma) em fluir contínuo no corpo, cujo
equilíbrio definia a saúde e o desequilíbrio, a doença (JACKSON, 2013).
Essa doutrina, que interpreta os processos saudáveis e mórbidos como
resultado de misturas apropriadas ou inapropriadas entre os elementos constituintes
do corpo foi chamada humoralismo (JULIÃO, 2014). A tradição humoral constitui
uma das visões mais antigas sobre o equilíbrio e a regulação dos processos
fisiológicos, e sua influência na formulação de outras teorias estende-se até a
atualidade (JACKSON, 2013).
A teoria hipocrática foi fundamental para a formação da ciência médica, à
medida em que a mesma efetuou uma cisão epistemológica entre o misticismo e a
medicina (ADLER; FRIEDMAN, 2011). No texto de Hipócrates (1868) intitulado
“Sobre a Doença Sagrada”, vemos o primeiro dos médicos rejeitar a concepção de
que alguma doença seja mais sagrada do que a outra, de maneira que são
necessárias outras explicações, que não as religiosas, para dar conta da
complexidade e variedade do fenômeno do adoecimento. Como alternativas
etiológicas para as patologias, o autor propõe fatores hereditários,
anatomofisiológicos e ambientais, utilizados até os dias atuais.
De acordo com Adolph (1961), Hipócrates criou uma doutrina baseada na
concepção de que a natureza mesma seria a grande responsável por equilibrar as
perturbações sofridas pelo corpo, processo no qual que o médico apenas seria um
auxiliar no caminho da saúde. Em latim, essa ideologia ficou conhecida como vis
medicatrix naturae, ou poder curativo da natureza. Tal conceituação baseia-se no
fato que o corpo humano sente as mudanças ambientais e possui a capacidade de
compensá-las automaticamente:

Nesta estação (inverno), quando o frio toma o homem e causa nele alguma
aflição, por essa mesma razão, rapidamente - e antes que qualquer coisa
ocorra - , o calor aparece internamente do homem, sem necessidade de
auxílio ou preparações; esse efeito é produzido tanto no homem saudável
como no doente. Por exemplo, se um homem em boa saúde resfriar seu
corpo no inverno, seja por um banho frio ou por outros meios, no mesmo
grau em que ele se esfria, desde que ele não seja completamente

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congelado, no mesmo tanto torna-se quente novamente (HIPÓCRATES,
1868, p. 46).

Por consistir em um movimento interno, o equilíbrio pressupõe um esforço do


organismo. Segundo Loriaux, Chrousos e Gold (1988), Hipócrates foi o primeiro a
intuir a existência de uma tal força de adaptação e auto-regulação a agir no corpo.
Em Dubos (1987), vamos encontrar também que o conceito de adoecimento para
Hipócrates não pressupunha somente sofrimento (páthos), mas um trabalho ativo
(pónos) do corpo em prol de sua estabilidade.
Essas primeiras representações, humoralistas, concebidas pelo pensamento
humano na busca do entendimento da regulação de seu próprio organismo, são
resumidas por Adolph (1961) da seguinte maneira: Alcméon propôs que a
constância de um corpo é assegurada pela mistura de tendências opostas. A este
seguiu Hipócrates, que definiu os organismos vivos como auto-regulados. Após
ambos, Aristóteles e Galeno desvendaram o papel de algumas funções e órgãos do
corpo na manutenção do equilíbrio, bem como dos processos de ingestão e
excreção de elementos no balanço corporal.
A importância dessas doutrinas estende-se até o dias atuais, tomando outros
formatos conforme a área da ciência em que são aplicadas. Como ressaltam Adler e
Friedman (2011), a ideia de que os excessos e déficits, equilíbrios e desequilíbrios,
estão nas causas de algumas doenças encontra-se não só no humoralismo como
também na relativamente recente teoria hormonal. A farmacologia, por exemplo,
ainda utiliza como paradigma a percepção de que a depressão é um déficit no
equilíbrio da serotonina, e as psicoses, como a esquizofrenia, são ainda tratadas
como resultado de excessos de dopamina. A concepção de um corpo auto-regulado
ganhou outras roupagens durante os séculos subsequentes, e outros conceitos
foram formados para além do recurso a uma força natural de equilíbrio.

1.2. O CONCEITO DE MEIO INTERNO: LIBERDADE EM UMA ESTUFA

No século XIX, o fisiologista francês Claude Bernard (1813 - 1878) fundou


uma ciência que ficou conhecida como fisiologia experimental. Nas bases dessa
nova doutrina, Bernard assentou o conceito de meio interno (milieu interiéur).
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No segundo capítulo de seu livro “Lições sobre os Fenômenos da Vida
Comuns aos Animais e aos Vegetais”, Bernard (1885) define a vida como resultante
de um conflito, aos modos de uma estreita relação de adaptação, entre as condições
herdadas pelo organismo e as condições físico-químicas do ambiente. Com seus
estudos práticos, o cientista pode postular que os animais superiores (vertebrados
de sangue quente), relacionam-se com o ambiente de maneira diversa dos demais
por possuírem um meio interno líquido (milieu interieur) a envolver seus tecidos e
órgãos. Para o cientista, o meio interno desses animais mantém-se constante em
seus parâmetros, qual uma atmosfera própria ou uma estufa, uma vez que seu
organismo tem capacidade de equilibrar e compensar delicadamente as variações
do ambiente externo, permitindo-lhes liberdade e independência. Para o autor, o
sistema nervoso possui um destaque neste processo, considerado, "no organismo
animal, (...) o grande harmonizador funcional" (Ibidem, p. 335) das atividades
celulares.
A simples constatação hipocrática da produção de calor interno a partir do
poder de auto-regulação da natureza (cf. item 1.1) pôde ser explicada
cientificamente por meio de um experimento engenhoso realizado por Bernard.
Seccionando porções do sistema nervoso autônomo de animais, o cientista
descobriu um mecanismo fisiológico regulador do fluxo do líquido sanguíneo no meio
interno, cujo deslocamento explicava a verdadeira origem da capacidade adaptativa
automática que havia sido apenas constatada por Hipócrates:

O sistema nervoso (...) agindo no fenômeno químico de calorificação e, ao


mesmo tempo, no calibre dos vasos sanguíneos, acelera ou lentifica o curso
do sangue em um órgão, aumenta ou diminui sua quantidade e assim
regula o resfriamento. Quando a temperatura tende a aumentar no
organismo, o sistema nervoso ativa a circulação periférica e transporta o
sangue à superfície do corpo. Quando, do contrário, a temperatura cai
significativamente, o sistema nervoso diminui a circulação periférica e
acumula o sangue nas partes profundas onde não está exposto ao
resfriamento (BERNARD, 1876 apud COOPER, 2008, p. 421).

Da simples ideia da produção de calor, ou combustão interna, a fisiologia


migra para o mecanismo que se tornaria seu paradigma áureo nos séculos
subsequentes: o termostato. Para uma vida relativamente livre, afirma Bernard
(1885), o animal deve manter constante, em seu meio interno, ao menos cinco
parâmetros: a quantidade de água, de oxigênio, de calor, das substâncias químicas
e das reservas de nutrientes. Tais variáveis são mantidas constantes por meio de

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movimentos de aquisições e perdas, também controlados pelo sistema nervoso. Em
uma palavra: "todos os mecanismos vitais, por mais vários que sejam, não têm
nunca mais do que um objetivo, aquele de manter a unidade das condições da vida
no meio interno" (Ibidem.p. 122).

1.3. O CONCEITO DE HOMEOSTASE: ESTABILIDADE PELA VARIAÇÃO

Até o início do século XX, nenhum conceito era capaz de abarcar totalmente
a ideia de regulação intuída pelos filósofos, construída pela doutrina humoralista dos
primeiros médicos e experimentada pela fisiologia de Bernard. O conceito de um
meio interno constante, cujas variações são detectadas e compensadas, tal qual um
termostato, ofereceu uma boa base para o entendimento dos fatos vitais e da
interação do homem com o ambiente, com maior cientificidade. Contudo, uma
verdadeira fundamentação teórico-epistemológica dos fatos fisiológicos de equilíbrio
só pôde ser alcançada a partir da criação de postulados bem definidos e universais,
representados pelo desenvolvimento do conceito de homeostase por Walter B.
Cannon.

Walter Cannon (1871 - 1945) foi um fisiologista americano que, estimulado


pela recente descoberta dos métodos de raio-x, iniciou uma profícua carreira
acadêmica pelo estudo dos movimentos do sistema digestório. Todavia, pesquisador
em uma época bastante tensa, marcada pela guerra, Cannon logo viu seus
interesses sendo direcionados para o estudo dos efeitos das emoções na digestão e
para o funcionamento do sistema nervoso autônomo, tendo sido um dos primeiros a
desvendar a função da adrenalina no organismo (COOPER, 2008).

Após a primeira fase de sua carreira, Cannon utiliza-se de suas descobertas


laboratoriais e de seu trabalho de campo para contribuir com a robustez conceitual
da teoria fisiológica. Aos fins da segunda década do século XX, Cannon lança os
postulados de sua teoria do equilíbrio orgânico. Em seu texto, o autor evoca o
conceito hipocrático da vis medicatrix naturae, constatando que o mesmo "implica na

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existência de agências prontas a operar corretivamente quando o estado normal do
organismo é perturbado" (CANNON, 1929b).

Mudanças no entorno excitam reações no sistema, (...) de tal maneira que


perturbações são produzidas no mesmo. Essas perturbações são
normalmente mantidas em limites estreitos, porque ajustes automáticos
internos ao sistema são chamados à ação, e dessa forma, oscilações
amplas são prevenidas e as condições internas mantêm-se constantes. (...)
As reações fisiológicas coordenadas que mantêm boa parte dos estados
estáveis no corpo são tão complexas (...) que foi sugerido que uma
designação específica para esses estados fosse empregada: homeostase
(ibidem, p. 400).

Objeção pode ser feita sobre o uso do termo stasis, como implicando algo
fixo e imóvel, uma estagnação. Stasis significa, de qualquer forma, não
somente isso, mas também uma condição; e é neste sentido que o termo é
empregado. Homeo, a forma abreviada de homoio, é prefixada ao invés de
homo, porque o primeiro denota parecido ou similar e admite alguma
variação, enquanto o último, significando o mesmo, indica fixidez e rígida
constância. Como no ramo da mecânica chamado estática, o conceito
central é o de um estado estável produzido pela ação de forças (ibidem, p.
400).

Os sistemas homeostáticos funcionam com base na ação de dois tipos de


agências: as que regulam a homeostase por fornecimento e aquelas que realizam a
chamada homeostase por processamento. A homeostase por fornecimento
transcorre via quatro movimentos: provisão (provision), estocagem (storage),
liberação (overflow) e descarte (discharge). A característica desses fluxos é o ajuste
compensatório entre a abundância ocasional (de nutrientes, sais, etc.) e a privação
ou necessidade (CANNON, 1929b). A seu turno, a homeostase por processamento
não ocorre como uma interação entre perdas e ganhos diretos, como é o caso dos
nutrientes, que são ingeridos, digeridos, estocados, liberados ou descartados
conforme a necessidade. Ao contrário, como no processo de controle da
temperatura, etapas transcorrem na direção de permitir a perda natural de calor para
o ambiente ou o isolamento do mesmo no organismo. A ação da homeostase por
processamento não é direta na variável, como é o caso da quebra da glicose e
disponibilização na corrente sanguínea, mas ocorre por meio de uma série de
deslocamentos que objetivam equilibrar a oscilação (CANNON, 1929b).
Os materiais em questão no equilíbrio orgânico são os nutrientes, a água, os
sais minerais, os gases e as secreções internas. As variáveis de controle, por sua

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vez, são a pressão osmótica, a temperatura e a acidez (CANNON, 1929b). Além
disso, outras medidas são necessárias para manter essas concentrações, como a
pressão arterial, a aceleração cardíaca e outras, que não funcionam por perdas ou
aquisições diretas, mas podem ser consideradas secundárias.
Como exemplo de funcionamento de um sistema homeostático, Cannon
(1929b) cita a glicemia. Para este autor, a concentração de glicose no sangue, no
estado normal, encontra-se na faixa de 70 e 130 mg/dL. Valores abaixo
correspondem à chamada reação hipoglicêmica, e uma redução para além da faixa
de 45 mg/dL leva ao coma e à morte. Por sua vez, concentrações superiores a esta
faixa são consideradas como um estado hiperglicêmico, e resultam em sobrecarga
renal.
A homeostase é mais do que uma concepção única, e consiste na soma dos
conceitos de limites estreitos (narrow limits), que definem a faixa de normalidade
(normal range), e de oscilações, que são compensadas por ajustes automáticos
(automatic adjustments), criando um estado estável (steady state) (CANNON,
1929b). Contudo, a associação entre essas ideias não deve ser confundida com o
princípio de Le Chatelier, ou lei do equilíbrio físico-químico. Isto é, não é a falta de
um produto no meio interno fisiológico que causa um deslocamento das reações
orgânicas para que o mesmo seja produzido, tampouco é o excesso de um reagente
que é compensado pela maior criação de um produto. De fato, todas as leis que
regem os processos físico-químicos ocorrem nos sistemas fisiológicos, porém, as
mesmas são ultrapassadas pela própria organização deste sistema, que possui
órgãos muito específicos chamados a realizar as funções de equilíbrio (CANNON,
1929b).
Para que se possa expôr com fidedignidade esse modelo de equilíbrio do
organismo, é necessário que uma questão fundamental seja levada em conta.
Estados de equilíbrio devem se manter estáveis, a não ser que que alguma
perturbação ocorra. Com efeito, já aqui fora exposto que essas oscilações
efetivamente advém, e são compensadas por uma variação interna. Todavia, nada
ainda foi dito sobre a origem de tais perturbações.

1.3.1. Integração entre os sistemas extero e interofectivos

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De forma a melhor embasar a teoria bernardiana, Cannon interpôs o conceito
de homeostase entre dois sistemas que constituem uma versão afinada da
dicotomia meio interno x meio externo de Bernard. Primeiramente, é preciso lembrar
que, em seu livro, o criador da fisiologia experimental define a função de cada um
dos sistemas do organismo da seguinte maneira:

O aparelho respiratório provê o oxigênio, o aparelho digestivo introduz os


alimentos necessários a cada um: o aparelho circulatório e os aparelhos
secretórios, que asseguram a renovação do meio [interno] e a continuidade
das trocas nutritivas. O sistema nervoso ele mesmo regula todas essas
engrenagens e as harmoniza em prol da vida celular (BERNARD, 1885, p.
367).

No homem, no maior grau de complexidade, a sensibilidade constitui a


função do sistema nervoso, função que existe em vistas de harmonizar a
vida celular (...) . O sistema nervoso, em uma palavra, responde a uma
necessidade que possuem os elementos orgânicos de serem influenciados
uns pelos outros, como os aparelhos respiratório e circulatório respondem à
necessidade que sentem os elementos anatômicos de serem influenciados
pelo oxigênio, etc. (BERNARD, 1885, p. 284)

A diferença trazida pela teoria de Cannon é a divisão do sistema nervoso em


duas partes com mútua influência: o sistema cérebro-espinal e o sistema neuro-
vegetativo. Enquanto as ações do primeiro são acessíveis pela consciência,
dividindo-se em movimentos neuromusculares voluntários e movimentos
perceptivos, as do segundo têm por característica serem automáticas e
involuntárias.
É por meio do sistema cérebro-espinal que o ser humano pode tornar-se
familiar com aquilo que lhe é externo, percebendo desde a estrela mais distante até
aquilo que se encontra à sua frente. Ao mesmo tempo, por via de processos
corticais superiores e de ações neuromusculares voluntárias, somos capazes de
construir ferramentas que permitem mudar o ambiente ao redor. Por essas razões,
Cannon (1929a) dá a este sistema o nome de sistema exterofectivo.
As ações exterofectivas de alteração ativa no ambiente, bem como aquelas
relacionadas à percepção de mudanças no entorno, criam no meio interno uma série
de alterações em seus parâmetros. Uma pequena caminhada, por exemplo - por
mais curta que seja sua distância - exige o gasto de nutrientes do meio fisiológico e
causa um aumento considerável da temperatura corporal e da acidez. Caso não
houvesse um sistema responsável pelas ações de equilíbrio compensatório

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correspondentes, o organismo certamente seria levado à falha geral (CANNON,
1929a).
O sistema responsável pelas ações compensatórias, dirigidas a equilibrar as
oscilações do meio interno causadas pelos atos exterofectivos, é chamado sistema
interofectivo, e compreende as duas divisões principais do sistema nervoso
autônomo (SNA) : a vago-insular (sistema nervoso autônomo parassimpático -
SNAp) e a simpático-adrenal (sistema nervoso autônomo simpático - SNAs)
(CANNON, 1929b).
O funcionamento conjunto destas duas porções é a matéria principal do
modelo de regulação autonômica de Cannon. Segundo o autor, certamente algumas
funções orgânicas passam pelo córtex cerebral, tanto que pode-se modular a
respiração voluntariamente. Todavia, como esta espécie de controle encontra-se
centralizada, em sua maioria, no tronco encefálico, a maior parte das ações
regulatórias não está sob controle voluntário e realiza-se de forma automática
(CANNON, 1929b, p. 422). Tomando este paradigma como ponto de partida, expor-
se-á um breve resumo do funcionamento do sistema interofectivo.

1.4. O MODELO DE REGULAÇÃO AUTONÔMICA: REPOUSO E MOVIMENTO

O sistema nervoso autônomo (SNA) consiste em um segmento do sistema


nervoso responsável pela maior parte das funções viscerais do organismo. Sob seu
controle estão a motilidade e secreção gastrointestinais, os movimentos da bexiga, a
sudorese, a temperatura corporal e outras atividades. As mudanças causadas por
este sistema têm por características a rapidez e a intensidade, já que o mesmo
possui o poder de alterar significativamente boa parte das funções orgânicas em
questão de segundos. Os comandos que causam essas variações partem
geralmente de centros medulares, do tronco encefálico, do hipotálamo e do córtex
límbico, e são disparados de forma descendente - sob controle cortical - ou por via
reflexa (HALL, 2016).
Por definição, o SNA costuma ser dividido em sistema nervoso autônomo
simpático (SNAs) - com origem na medula, entre a primeira vértebra torácica e a
segunda vértebra lombar - e sistema nervoso autônomo parassimpático (SNAp), que
dimana do sistema nervoso central (SNC) pelo terceiro, sétimo, nono e décimo pares

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de nervos cranianos e também da medula, por um segmento localizado entre a
primeira e a quarta vértebras espino-sacrais. Ambos os sistemas ligam-se aos
órgãos alvo por meio de um feixe de fibras colinérgicas que terminam em um gânglio
autonômico, de onde parte um segundo feixe de fibras, também colinérgicas, para o
SNAp, e noradrenérgicas para o SNAs (HALL, 2016).
Por razões evolutivas, a parcela simpática do SNA possui duas vias de ação,
uma direta, formada pelas conexões dos neurônios pós-ganglionares
(noradrenérgicos) nos órgãos alvo, e uma indireta, também chamada de via
hormonal (HALL, 2016). Localizadas na medula das glândulas adrenais, um grupo
de células derivadas da crista neural - sobre as quais termina um feixe de fibras pré-
ganglionares simpáticas - especializou-se como células secretoras de epinefrina.
Essas estruturas, chamadas células de cromafina, comportam-se como um gânglio
simpático distribuidor dos estímulos sinápticos para a corrente sanguínea - aos
modos de uma descarga de epinefrina (adrenalina). Na sua forma humoral, a
ativação simpática tem efeito em todos os órgãos do corpo, mesmo nos que não
possuem inervação simpática direta (MESCHER, 2016). Por sugestão de Cannon
(1929a), chamar-se-á, daqui para frente, a totalidade das vias autonômicas
simpáticas, diretas e indiretas, de sistema simpático-adrenal (SSA).
O equilíbrio homeostático é regulado pelo SNAp e pelo SSA por meio de
mecanismos de controle antagonista. Em Silverthorn (2017) encontra-se um
exemplo bastante esclarecedor desta interação. A autora supõe uma situação onde
uma pessoa acaba de alimentar-se em um piquenique e encontra-se sonolenta. A
mesma relaxa à sombra de uma árvore, quando, de repente, avista uma cobra
aproximando-se. A personagem dá um pulo e sobe na mesa do parque, gritando por
ajuda. O perigo passa, alguém mata a cobra, mas a pobre vítima, assustada, leva
ainda alguns minutos para se acalmar. Com esta narrativa didática, a bióloga chama
atenção para a oposição das funções do SNAp e do SSA:

A cena do piquenique (...) ilustra os dois extremos nos quais as divisões


simpática e parassimpática atuam. Se você está descansando
tranquilamente após uma refeição, o parassimpático está no comando,
assumindo o controle de atividades rotineiras, como a digestão. (...) Em
contrapartida, o simpático está no comando durante situações estressantes,
como o aparecimento da cobra, que é uma ameaça em potencial. (...) Na
maior parte do tempo, o controle autonômico das funções corporais atua
como uma “gangorra”, alternando “subidas e descidas” (aumento e redução
de atividade) entre as divisões simpática e parassimpática. Dessa forma, as

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duas divisões cooperam para manter a sintonia-fina de diversos processos
fisiológicos (SILVERTHORN, 2017, p. 359-360).

Com este material teórico, é possível retomar alguns fatos sobre a regulação
autonômica estudados por Cannon no início de sua carreira e retomados após a
teoria da homeostase. Com a integração dessas novas informações, será possível
compreender boa parte do modelo do estresse-homeostase, a ser tratado mais
adiante.

1.5. TEORIA DA EMERGÊNCIA DE CANNON: A RESPOSTA DE LUTA OU FUGA

No item 1.3, viu-se que toda a atividade exterofectiva, mesmo uma pequena
caminhada ou um momento de repouso, exige uma compensação correspondente
por parte do sistema interofectivo. Um dos momentos onde a interação entre esses
dois sistemas fica mais evidente é durante a excitação emocional.
Em grego, emoção se escreve páthos. Segundo o dicionário grego-inglês
(LIDDELL; SCOTT, 1940), páthos é um vocábulo que denota tudo aquilo que ocorre
por incidente ou acidente, e descreve todas as coisas que se passam com uma
pessoa ou coisa, no sentido de uma experiência passiva, seja esta boa ou má. De
acordo com Julião (2014), páthos é tudo aquilo que age provocando uma
modificação no estado normal de um indivíduo, uma força que pode empurrá-lo para
fora de si mesmo em direção à perda de controle. No dicionário da língua
portuguesa, por exemplo, encontramos a palavra patologia, derivada de páthos,
como significadora de um "desvio em relação ao que é considerado normal
(medicina: desvio em relação ao que é considerado normal do ponto de vista
fisiológico e anatômico e que constitui uma doença)" (PRIBERAM, 2013). Em latim,
uma palavra que traduz bem este vocábulo grego é affectio: “uma alteração no
estado ou na condição do corpo ou da mente” (LEWIS; SHORT, 1879), que produz
um affectus, ou “um estado do corpo, e especialmente da mente, produzido em
alguém por alguma influência [afecção]” (Ibidem).
De um ponto de vista conceitual, a diferença entre as vivências afetivas não é
facilmente delimitável. Para o psiquiatra Karl Jaspers (1977, p. 134), “emoções são
sucessos do sentimento, complexos momentâneos, de grande intensidade e com
manifestações corporais concomitantes e consecutivas”. A concepção de emoção,
20
para Dalgalarrondo (2008) é a de uma reação afetiva aguda, momentânea, intensa,
de curta duração, que um indivíduo produz perante certas excitações internas ou
externas. Na visão do autor, as emoções são acompanhadas de reações somáticas
neurovegetativas mais ou menos específicas, de maneira que podem ser definidas
como experiências ao mesmo tempo psíquicas e somáticas.
A partir da perspectiva evolucionista de Darwin, as emoções, antes
interpretadas como descontroles ou simples movimentos do ser humano na busca
do prazer e na evitação da dor, puderam ser apreciadas em termos de seu valor de
adaptação ao ambiente. Manifestações bem conhecidas desde a antiguidade, como
o rubor facial, a dilatação das pupilas, o arrepiar dos cabelos e a palpitação, vistas
como meramente naturais, passaram a ganhar outro sentido após certas
descobertas da biologia e da fisiologi (CANNON, 1915).
Em 1915, antes de ter conceituado a ideia de homeostase, Walter Cannon
publicou um livro intitulado “Mudanças Corporais na Dor, na Fome, no Medo e na
Fúria: uma descrição das pesquisas recentes sobre a função da excitação
emocional”. Nesta obra, o fisiologista desenvolve a primeira formulação teórica que
marcaria o sucesso de sua carreira, ao desvelar o sentido adaptativo oculto das
manifestações somato-psíquicas características dos estados emocionais (Ibidem).
Antes de tudo, é importante lembrar que o vocábulo emoção deriva do verbo
latino emovere, que significa mover para fora, demover, deslocar ou movimentar
(LEWIS; SHORT, 1879). Em uma palavra, pode-se dizer que toda emoção é também
uma motivação, ou seja, toda emoção tende a algum agir.
Darwin já reconhecia que as emoções têm efeitos importantes na
performance dos indivíduos em certas situações. A excitação emocional vivenciada
na fúria, por exemplo, possui um efeito revigorante essencial para os momentos nos
quais é necessário lutar ou fugir. Não é sem razão que antes de campeonatos ou
combates a preparação do estado emocional seja de suma importância. Por meio de
gritos de guerra e movimentos corporais efusivos, jogadores e combatentes repetem
cenas que foram fundamentais para a vida dos povos que nos antecederam, e
podem mesmo tolerar horas de esforço improváveis para as pessoas em situações
comuns (CANNON, 1915, p. 216).
Em sua obra, Cannon (1915, p. 217) se utiliza do conceito de reservas de
poder, cuja autoria pertence a William James. Na visão deste último, todos os
indivíduos possuem uma certa quantidade de energia guardada, disponível para

21
liberação assim que a ocasião se apresente. A ativação de respostas muito diversas,
como o tremor, a emissão de notas bastante estranhas, na forma de gritos e
gemidos, pelas cordas vocais, e os movimentos tensos dos músculos labiais nos
momentos de excitação emocional são sinais de uma hipermobilização energética a
transcorrer no sistema nervoso.

Conforme narramos na cena do piquenique, perante certos estímulos, o


organismo pode passar muito rapidamente do estado de repouso para um estado de
atividade. Como e porque este movimento efusivo ocorre não é difícil de intuir.
Afinal, perante um animal peçonhento, ancestrais tiveram razão em fugir com todas
as suas forças, e é graças a este tipo de ato que estamos aqui. Todavia, o modelo
de regulação autonômica pede que alguns fatos a mais sejam levados em
consideração na análise deste cenário. A verdade é que, nesses momentos, não
simplesmente levantamos e corremos, ou somente lutamos contra a ameaça que ali
se encontram ou são apenas imaginadas. Com efeito, todo o corpo se altera nessas
situações, e também o estado mental. Menos óbvios e visíveis do que o rubor da
pele, a dilatação das pupilas, o suor frio e a aceleração cardíaca, a apreciação das
mudanças viscerais mais profundas propicia um entendimento mais preciso do valor
evolutivo desses estados de excitação emocional.

À guisa de exemplo, Cannon (1929a) cita que cachorros colocados em uma


esteira por duas horas têm seus níveis glicêmicos reduzidos de 90 mg/dL para até
66 mg/dL. Como reserva energética, os cães utilizam o glicogênio do fígado, e caso
este órgão seja extirpado e os animais procedam a continuidade do experimento, em
pouco tempo são observados os sinais de coma e convulsões hipoglicêmicas. Para
que isto não ocorra, levando a uma situação de morte iminente, uma redução da
glicemia para menos de 70 mg/dL ativa o sistema simpático-adrenal (SSA).

A ativação do SSA causa a liberação de norepinefrina nos receptores dos


órgãos-alvo, bem como a liberação de epinefrina (adrenalina) pela medula adrenal,
em uma proporção de 80% em relação à norepinefrina convertida neste mesmo
local. Os efeitos da epinefrina e da norepinefrina no organismo são praticamente os
mesmos, com exceção do tempo de duração, já que a estimulação por via indireta
ou hormonal não é revertida pelo mecanismo de recaptação sináptica, mas deve
esperar a liberação por via urinária, que demora de 5 a 10 vezes mais tempo do que
a primeira (2 a 4 minutos no total, aproximadamente). Mesmo que a ativação do
22
SSA esteja presente a todo o momento - com um nível de liberação basal de
norepinefrina/epinefrina de aproximadamente 0,2/0,05 μg/kg/min, respectivamente- ,
em algumas situações emergenciais este sistema cria uma descarga em massa
chamada de resposta de alarme ou resposta de luta ou fuga (HALL, 2016, p. 780-
781, 783).

A resposta ou reação de luta ou fuga, assim chamada de forma alusiva à


ação comportamental dos animais no enfrentamento de perigos, é o conceito central
da teoria de emergência de Cannon, e seu ”significado indica as reações
autonômicas que se expressam numa situação desafiadora” (SOUSA; SILVA;
GALVÃO-COELHO, 2015 p. 3). O evento total da reação de alarme é definido por
oito sintomas:

1. Aumento da pressão arterial.


2. Aumento do fluxo sanguíneo para os músculos periféricos e
concomitante diminuição do mesmo para órgãos como o trato
gastrointestinal e os rins, não necessários para a atividade motora enérgica.
3. Aumento das taxas de metabolismo celular pelo corpo.
4. Aumento da concentração de glicose.
5. Aumento da glicólise [quebra dos nutrientes em glicose] no fígado e
nos músculos.
6. Aumento da força muscular.
7. Atividade mental aumentada.
8. Aumento da taxa de coagulação no sangue.
(HALL, 2016, p. 784)

Perceber as modificações causadas no corpo pela excitação emocional deixa fácil


concluir tratar-se de um movimento na direção não do repouso, mas da ação. “Em
(...) três casos, de intensa alegria, intenso sofrimento e intenso desgosto, a influência
da divisão cranial do sistema nervoso autônomo [SNA parassimpático] foi sujeitada,
a digestão cessou” (CANNON, 1915, p. 279). Deste modo, como estados
motivacionais, tais afecções possuem valor antecipatório, preparando o corpo para
trabalhar no máximo de sua força:

Todas as respostas que ocorrem na dor e na excitação emocional foram


portanto consideradas como antecipatórias dos atos instintivos que
naturalmente seguem. Como vimos, essas respostas podem com bom
senso ser interpretadas como preparatórias dos vigorosos esforços que
podem ser demandados ao organismo (CANNON, 1915, p. 205)

23
O que foi exposto até aqui resume as bases do modelo de regulação
autonômica da homeostase. Viu-se que a ação do sistema exterofectivo ou cérebro-
espinal causa oscilações nos parâmetros do meio interno. Segundo este paradigma,
tais variáveis internas são mantidas dentro de limites estreitos e um desvio desse
alvo causa desgaste dos sistemas e uma tendência à falha geral - em caso de
excesso. Essas variações são corrigidas e prevenidas por alterações no balanço do
organismo, pela ação de controles antagonistas e cooperativos com objetivo
compensatório. Como fora dito, tais alterações internas podem ocorrer via
mecanismos de correção ou de antecipação, como é o caso das emoções. O padrão
que segue todas estas modificações é o do termostato, ou seja, um
aparelhamento que funciona no formato de feedback ou retroalimentação negativa,
corrigindo a distância das variáveis para o ponto alvo.

Após Cannon, muitas novas descobertas foram feitas sobre o modelo de


regulação autonômica. Entre essas, pode-se mencionar avanços na compreensão
da integração entre o sistema nervoso autônomo e outros sistemas, como o
endócrino. De fato, a relevância da descoberta deste autor foi bastante importante
para explicar muitos fenômenos psicofisiológicos observados na guerra. Como
apontam Sterling e Eyer (1988), os estudos de Cannon enfatizaram estados de
excitação intensos e agudos, de curta duração, que podem-se dizer característicos
da frente de combate. Mais adiante, contudo, outros cientistas puderam explicar com
maior exatidão o que ocorre em condições onde outra variável entra em ação: o
tempo de duração do estímulo desafiador e a consequente resistência requerida
pelo organismo.

1.6. A TEORIA DO ESTRESSE DE SELYE: RESISTÊNCIA E EXAUSTÃO

24
Hans Selye (1907 - 1982) foi um endocrinologista húngaro-canadense que
tornou-se bastante conhecido pela criação de uma importante ferramenta teórica
para as ciências da saúde: o conceito de estresse. Espalhada pela mídia, a palavra
estresse marcou os fins do século XX, e tornou-se praticamente sinônimo da vida
atual. Com as modificações criadas no ambiente biopsicossocial a partir da
revolução industrial, pouco sentido oferecem para imagens de ancestrais humanos
lutando contra predadores pela sobrevivência. Todavia, como observa Jackson
(2013, p. 3), ainda que fora de contexto, as respostas fisiológicas herdadas de
continuam ativas até hoje. De acordo com o autor (op. cit.) é como se a adaptação e
a seleção natural ainda não tivessem tido tempo de preparar uma geração que
pudesse lidar bem com a velocidade das informações e das transações econômicas,
assim como com a poluição ambiental e com a insegurança das relações sócio-
culturais (Ibidem).

Os estudos sobre o estresse são de grande utilidade para a interpretação dos


dados epidemiológicos da atualidade. Após a chamada transição do paradigma
epidemiológico, as doenças crônicas - como a hipertensão, a diabetes e as doenças
autoimunes - vieram ao centro do palco de investigação da medicina. Durante os
séculos XVI e XVII, doenças crônicas estavam associadas apenas a pessoas
relativamente à margem da sociedade, principalmente aquelas que viviam uma vida
vista como imoral, baseada no destempero, no sedentarismo e na inclinação aos
vícios. Segundo Susser e Susser (1996), na primeira metade do século XIX, o
paradigma dominante na etiopatogenia era dado pela teoria do miasma, que culpava
emanações do solo, da água e do ar como causadoras dos sofrimentos e doenças
Na primeira metade do século XX, com a descoberta da microbiologia, o paradigma
dominante passou a ser definido pela teoria do germe, com as doenças infecto-
contagiosas no foco dos estudos sobre saúde. Contudo, a partir da segunda metade
do século XX, com a erradicação de boa parte das epidemias de origem
microbiológica, as doenças crônicas tornaram-se as verdadeiras vilãs dos governos,
dos planos de saúde e da qualidade de vida dos seres humanos em geral.

Em 1983, as seis maiores causas de mortes nos Estados Unidos da América


(EUA) eram a doença coronariana, o câncer, os problemas pulmonares, os
acidentes, a cirrose e o suicídio, todas estas patologias direta ou indiretamente
ligadas ao estresse. Além disso, a chamada epidemia de estresse é multifacetada, e

25
compreende também o estresse ocupacional, que incomoda as empresas cada vez
mais com a queda na produtividade, o absenteísmo e os altos custos de seu
tratamento (JACKSON, 2013, p. 3).

Malgrado sua popularidade, o termo estresse não possui muita utilidade


enquanto expressão idiomática. Para o desenvolvimento científico, é essencial que
os termos não tenham somente força de denotação, mas que exprimam fenômenos
passíveis de medição e estudo. Do ponto de vista meramente semântico, o estresse
pode ser definido como:

uma sensação de estar pressionado, de perder o controle, culminando na


angustiante vivência de não visualizar uma saída para a situação. Sensação
de fim, de estar acuado, ao mesmo tempo fragilizado e sem esperança.
Todas essas emoções são bem conhecidas para quem, por exemplo, passa
pela perda de um amor ou de um emprego, pela realização de um concurso,
pela doença de um ente querido ou por um acidente de trânsito. Por outro
lado, momentos de crescimento pessoal - como o nascimento de um filho
ou uma promoção - impõem novos papéis e também podem provocar
estresse (ZIMPEL, 2005, p. 12).

À luz da ciência, o conceito de estresse oferece um panorama bem diferente


da simples sensação. Ao contrário, sob a perspectiva da fisiologia e da
endocrinologia, estresse descreve um conjunto de sintomas que interpõem-se em
etapas caracterizadas pela ação de mecanismos bastante complexos. O aglomerado
dessas alterações compõe a chamada síndrome de adaptação geral (SAG), que foi
descoberta e conceituada por Hans Selye. É a essa engenharia fisiológica que se
alude quando da utilização da palavra estresse em textos científicos.

Em seu ofício no laboratório, Selye encontrou essa síndrome (SAG) de forma


relativamente acidental. Enquanto trabalhava com diferentes extratos de ovários
bovinos, na esperança de descobrir um novo hormônio, o endocrinologista descobriu
que, não importando como fossem preparadas, todas as suas amostras causavam o
mesmo conjunto de sintomas nos animais injetados, a saber: (1) um aumento no
córtex das glândulas adrenais, (2) úlceras gastrointestinais, (3) involução do timo e
dos órgãos linfáticos (SELYE, 1976). Baseado nessa descoberta, Selye construiu a
hipótese de que esses sinais apontavam para uma hiperativação do sistema nervoso
simpático causado não por uma nova substância, mas pela própria tentativa do

26
organismo de restabelecer a homeostase do meio interno após a entrada de um
agente perturbador. Com uma égide de inventivos experimentos, Selye pode provar
que, de fato, estressores físicos ou psíquicos agindo de forma prolongada sobre um
organismo, desde choques inofensivos à provocação de estados de temor, com o
tempo, causam a mesma síndrome de adaptação geral (SAG) (SCOTCH; LEVINE,
1970).

A SAG é composta de três etapas, e inicia com a clássica reação de alarme


de Cannon, na qual a ruptura (ou a ameaça de ruptura) do equilíbrio no meio interno
convoca o SSA a liberar os produtos catecolaminérgicos, a epinefrina e a
norepinefrina, no organismo. Em um segundo momento, na fase de resistência, um
eixo formado pelo hipotálamo, a pituitária e a parte externa das glândulas adrenais
(eixo-HPA) é chamado à liberar produtos glicocorticóides no sistema, momento no
qual a eficiência física e cognitiva para o enfrentamento do desafio chega a seu
ponto máximo. Caso haja falha do indivíduo para neutralizar o agente estressor, a
resposta toma sua forma crônica, refletindo-se em alterações fisiológicas e
comportamentais ao modo de uma sobrecarga energética e, por fim, na exaustão do
organismo (SOUZA; SILVA; GALVÃO-COELHO). As doenças causadas neste último
estágio, que corresponde à instauração de uma resposta cronificada, são chamadas
doenças de adaptação (SELYE, 1976).

Estressores crônicos, diferentes de outras demandas, usualmente


atravessam a vida de uma pessoa, forçando-a a reestruturar sua identidade
ou funções sociais. Outra característica dos estressores crônicos é sua
estabilidade (...). Exemplos de estressores crônicos incluem sofrer de uma
lesão traumática que leve à deficiência física, oferecer cuidados a uma
esposa com demência severa, ou ser um refugiado forçado a sair de sua
terra natal pela guerra. Estressores distais são experiências traumáticas que
ocorreram em um passado distante e ainda têm potencial de continuar
mudando as funções do sistema imune por causa das sequelas cognitivas e
emocionais permanentes. Exemplos de estressores distais incluem ter sido
sexualmente abusado quando criança, ter testemunhado a morte de um
companheiro soldado durante o combate e ter sido prisioneiro de guerra
(MILLER; SEGERSTROM, 2004, p. 1)

O que precisou ser acrescentado por Selye à teoria de Cannon, portanto, foi o
fato de que a ação endócrina das glândulas adrenais não termina na simples
liberação adrenérgica, mas prolonga-se numa segunda fase, de liberação de
glicocorticóides, tão ou mais potente do que a primeira. Ocorre que, da instauração

27
de uma reação de alarme, um grupo de células localizadas no núcleo paraventricular
do hipotálamo é estimulado a secretar uma substância chamada hormônio liberador
de corticotrofina (CRH) no sistema de capilares da adenohipófise (pituitária é outro
nome da glândula hipófise). Por sua vez, células dessa glândula secretam, na
circulação sanguínea, o que é conhecido como hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH) (HERMAN; CULLINAN, 1997). O ACTH, ao entrar em contato com células
da zona fasciculada do córtex adrenal, promove a liberação de glicocorticóides, dos
quais o principal é o cortisol (MESCHER, 2016). O cortisol permite a manutenção da
função do corpo durante a resposta de estresse ao mobilizar a quebra de proteínas
e lipídios na corrente sanguínea, o que a acaba evitando a queda na glicemia que
poderia ser causada pelo fim das reservas mais disponíveis durante a ação
muscular prolongada de luta ou fuga. Além disso, a liberação desta substância
também tem outro valor antecipatório, por sua ação anti-inflamatória nas lesões que
poderiam ser causadas durante o enfrentamento dos desafios ambientais (HALL,
2016).

Figura 1 - A liberação neuroendócrina na resposta do estresse


Fonte: adaptado de LEDOUX; RODRIGUES; SAPOLSKY, 2009, p. 296

A retroalimentação negativa que causará o decaimento da resposta de


estresse é realizada pelo retorno dos glicocorticóides ao núcleo paraventricular do

28
hipotálamo, causando a liberação de endocanabinóides que interrompem a ativação
do eixo-HPA (HERMAN et al., 2016).
Para além, a teoria do estresse, no cerne de sua definição, reinterpreta a
relação entre os sistemas extero e interofectivos a partir de uma figuração bastante
própria. O lexema estresse deriva do verbo latino stringere, com uma miríade de
significados que vão desde afetar, comprimir e esfolar, até injuriar e desgastar
(LEWIS; SHORT, 1879). De acordo com Zimpel (2005), o vocábulo stress faz parte
da lei física de Hooke, de 1658, onde é definido como a magnitude de uma força
externa a produzir uma deformação (strain) proporcional em um metal maleável.
Segundo a mesma lei, a quantidade máxima de stress suportada por um material
metálico antes de ficar permanentemente deformado é chamada limite elástico.
Deste modo, mais do que somente colocar um ramo a mais na resposta de luta ou
fuga, representado pela liberação de corticóides, a teoria seyliana contribui para
explicar os efeitos a médio e longo prazo da pressão excessiva de um (exterofectivo)
sobre o outro sistema (interofectivo). Por esta generalização das forças em ação na
interação entre os dois sistemas, o estresse nomeia a unidade das demandas feitas
ao organismo pelas oscilações do mesmo em relação ao ambiente:

O estresse é a resposta não específica do corpo a qualquer demanda feita


sobre ele, isto é, o ritmo sob o qual vivemos a cada momento. Todas as
criaturas vivas estão constantemente sob estresse e qualquer coisa,
prazerosa ou desprazerosa, que estimule a intensidade da vida, causa um
aumento temporário no estresse, o desgaste exercido sobre o corpo. Um
tapa dolorido e um beijo apaixonado podem ser igualmente estressantes.
(SELYE, 1976, p. 137).

Tomando de maneira inespecífica a totalidade dos estressores, as


verdadeiras variáveis da teoria de Selye são, em resumo, o tempo de exposição e a
intensidade do estressor. É a interação entre estes dois termos que definem sua
cronicidade, e determinam se o desgaste causado no corpo pela necessidade de
alteração dos próprios parâmetros irá ou não ser causa de patologias. Como vimos,
os glicocorticóides fazem parte da resposta do estresse, e são liberados por um eixo
paralelo ao sistema simpático-adrenal, chamado eixo-HPA. Já foi dito que a
liberação de cortisol é bastante útil durante a fase de resistência da SAG. Seu
mecanismo de ação mobiliza as reservas de energia do organismo (proteínas e
lipídios), aumenta o apetite e a atividade de locomoção e o comportamento de busca
de alimentos. Além disso, a liberação de energia na corrente sanguínea, na forma de

29
glicose, causa um aumento da secreção de insulina, forçando o uso do açúcar pelos
órgãos e músculos. Tudo isso é bastante importante quando precisamos correr
alguns quilômetros a mais. Contudo, a ativação crônica dessa resposta pode levar a
alguns quadros bastante graves.
Em primeiro lugar, se a origem do estresse for puramente psíquica, a
estimulação do apetite e da busca de alimentos não será útil, já que não haverá
necessidade de fugir ou lutar. Além disso, o aumento da secreção de insulina faz
com que os tecidos sejam forçados a absorver energia. Caso não haja o gasto da
mesma no enfrentamento de desafios reais, é fácil intuir que a consequência será a
obesidade e a diabetes.. Além disso, como uma fase de resistência, a resposta do
eixo-HPA foi essencial para alguns animais durante períodos de seca, tempestades
e outros estímulos. Nesses momentos, um efeito importante do cortisol foi a
diminuição de atividades não necessárias para a sobrevivência imediata, como as
atividades reprodutivas. Ademais, o cortisol causa um aumento na expressão de
comportamentos de abrigamento, fazendo os animais procurarem refúgio e repouso,
de forma a gastar menos energia. Em muitas espécies, o efeito dos glicocorticóides
chega a provocar um estado de torpor. Em indivíduos jovens, por sua vez, a
aplicação dessas substâncias está associada a um aumento de comportamentos
que, na raça humana, considera-se desagradável, como o pedido constante de
comida (MCEWEN; WINGFIELD, 2005).
Por ser uma resposta inespecífica, o estresse também está ligado a outros
tipos de estímulo menos familiares para a psicologia, como as infecções. Em
verdade, os produtos catecolaminérgicos e os glicocorticóides podem ser agentes de
modificações significativas no sistema imune.

1.6.1. Alterações do sistema imune causadas pelo estresse

A conceituação da palavra estresse, portanto, é utilizada para indicar o


conjunto de alterações fisiológicas, comportamentais, com repercussões no
sistema imune, que o organismo desenvolve diante de um desafio (agente
estressor) de natureza física ou psicossocial (positivo ou negativo), que
rompe a homeostase do organismo e exige assim um esforço de adaptação.
(ZIMPEL, 2005 apud SOUSA; SILVA; GALVÃO-COELHO, 2015. p. 3)

30
Os efeitos do estresse no organismo podem ser adaptativos a curto prazo e,
em realidade, já vimos que a resposta de estresse possui a função evolutiva de
aumentar mais ainda a capacidade do organismo em lidar com os desafios
ambientais, melhorando o vigor e a disponibilidade de energia para a luta ou para
fuga.
A capacidade de criar respostas adaptativas em face de perigos e estressores
- como predadores e fenômenos naturais - garantiu a sobrevivência das espécies
existentes até hoje. Nos mamíferos, essas respostas incluem a reação de luta ou
fuga, alterações que aumentam a circulação sanguínea e o consequente aumento
da oxigenação, bem como um aumento do metabolismo da glicose, que garante a
maior vigorosidade cardíaca e muscular.
Além do risco oferecido pelas várias situações desafiadoras, lutar e correr das
mesmas traz consigo o risco de ferimentos, que podem tornar-se via de entrada de
agentes infecciosos. Mudanças induzidas pelo estresse no sistema imune, agindo na
prevenção de maiores complicações que poderiam surgir em tais momentos foram,
dessa maneira, selecionadas por sua adaptatividade. Na vida moderna, dificilmente
encontramo-nos diretamente com predadores ou mudanças no ambiente que
possam deixar-nos em total desamparo em ambientes inóspitos. De qualquer forma,
as respostas fisiológicas humanas continuam a refletir o cenário ambiental habitado
por ancestrais humanos. Exames acadêmicos, demissões e problemas de
relacionamento interpessoal não necessitariam diretamente das mesmas alterações
fisiológicas que um antepassado teve de desenvolver em uma floresta. Porém, por
razões hereditárias, esses estímulos continuam a ter consequências somáticas que
muitas vezes tomam forma crônica e grave (MILLER; SEGERSTROM, 2004).
O sistema imune (SI), responsável direto por nossas defesas perante a
entrada de substâncias e organismos estranhos (patógenos), divide-se em sistema
imune inato e sistema imune adquirido. A imunidade inata é inespecífica, e compõe-
se de barreiras físico-químicas, como a pele, o suor, a saliva e outras secreções, por
células fagocitárias, capazes de isolar e destruir patógenos, e de outras estruturas. A
imunidade adquirida, por sua vez, é específica e possui memória dos antígenos com
os quais o corpo toma contato durante a vida, sendo composta por linfócitos e
anticorpos (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015). Além disso, o SI possui órgãos,
como a medula-óssea, onde são produzidas as células leucocitárias (glóbulos

31
brancos), o timo, onde alguns tipos de linfócitos amadurecem, os nodos e vasos do
sistema linfáticos, o baço e o fígado (Ibidem).
A conexão entre a resposta de estresse e o SI ocorre por meio de uma série
de caminhos. Em primeiro lugar, de maneira descendente, as fibras do sistema
nervoso simpático (SNAs) inervam diretamente os tecidos primários (medula óssea e
timo) e secundários (baço e sistema linfático) do SI, linfócitos e outras células deste
sistema que possuem receptores adrenérgicos. Em segundo lugar, o sistema
simpático-adrenal e o eixo-HPA secretam epinefrina, norepinefrina e cortisol na
corrente sanguínea, substâncias estas para as quais os leucócitos também possuem
receptores (MILLER; SEGERSTROM, 2004.)
De maneira geral, estressores agudos, tendem a intensificar a imunidade
adquirida e, principalmente, a imunidade inata e os processos inflamatórios. Nesses
momentos, as células do sistema imune são estimuladas a migrar para locais onde
sua ação seja mais rápida e efetiva contra os invasores, o que já vimos ter razões
evolutivas. Por sua vez, estressores crônicos, como o desemprego, tendem a
diminuir a imunidade geral, tornando o organismo mais propenso a infecções e
doenças. Por esta razão, as mudanças notadas por Selye em seus experimentos de
fase de resistência, demonstraram uma involução dos órgãos do sistema imune,
como o timo e o sistema linfático, causada por estressores mais prolongados:

Estressores nos parâmetros temporais das situações de luta-ou-fuga


vivenciadas pelos ancestrais evolucionários dos humanos [ou seja,
estressores agudos - 1ª fase da SAG] eliciam mudanças potencialmente
benéficas no sistema imune. Quanto mais um estressor desvia desses
parâmetros, tornando-se mais cronificado, (...) mais os componentes do
sistema imune são afetados de forma potencialmente prejudicial (MILLER;
SEGERSTROM, 2004, p. 20)

As alterações prejudiciais causadas no sistema imune pela resposta crônica


de estresse devem-se à ação do cortisol. O cortisol liberado durante a fase de
resistência tem a capacidade de praticamente suprimir os processos inflamatórios,
bem como a febre e a ação dos linfócitos, além de impedir o desenvolvimento de
reações alérgicas que podem ter sido letais para os ancestres não selecionados
durante a evolução. Contudo, a liberação crônica de cortisol causa a atrofia dos
tecidos linfóides, diminuindo a produção de anticorpos e resultando numa queda

32
geral da imunidade. Esta queda pode, ocasionalmente, levar a infecções
generalizadas e à morte por doenças que poderiam, de outra forma, não ser letais
(HALL, 2016).

1.6.2. Estresse crônico e outras doenças

O modelo da imunossupressão, causada pelo estresse crônico, não explica,


contudo, a forma como o estresse age em alguns fenômenos, como as doenças
alérgicas, autoimunes, reumatológicas e cardiovasculares. Para tocar este ponto
essencial para a apreciação das doenças crônicas, Ritchey, Miller e Cohen (2002)
criaram o que ficou conhecido como modelo da resistência ao cortisol.
Com a frequente liberação de glicocorticóides durante a resposta de estresse,
o organismo torna-se habituado ao estímulo representado por estas substâncias.
Como os mecanismos de homeostase funcionam por retroalimentação negativa, em
um organismo saudável, o excesso de cortisol no corpo causa uma diminuição na
produção do mesmo elemento pelo eixo-HPA. No teste de supressão de cortisol,
uma substância análoga é administrada por via oral ao paciente. Na manhã
seguinte, coleta-se o sangue e mede-se o nível sérico deste elemento. O resultado
esperado em indivíduos saudáveis é a supressão do cortisol a valores inferiores a
1,8 μg/dL (EXPÓSITO et al., 2014).
Em pacientes submetidos a tratamentos com esta substância, ou que, seja
por tumores ou por estresse crônico, a produzem mais frequente e intensamente do
que o normal, os receptores nas células do organismo tornam-se menos sensíveis
ou até resistentes à mesma. Com isso, a mensagem para a interrupção da ativação
do eixo-HPA - via feedback negativo - fica prejudicada, bem como tornam-se
reduzidas as ações do cortisol no organismo. Este quadro leva a uma diminuição ou
extinção da capacidade antinflamatória da substância, causando uma série de
problemas, como alergias, doenças autoimunes, inflamação crônica pulmonar
(doença pulmonar obstrutiva crônica) e doenças cardiovasculares, já que o cortisol é
essencial para o funcionamento normal deste sistema (RODRIGUEZ, 2016, p. 184-
185).
Segundo Rodrigues et al. (2016), além das doenças autoimunes, a resistência
ao cortisol pode predispor o organismo ao câncer e a doenças cardiovasculares. No

33
tratamento oncológico, muitas vezes os glicocorticóides são utilizados como
coadjuvantes, e a resistência a estas substâncias impossibilita o uso com este
objetivo, além de reduzirem a ação dos linfócitos na identificação e destruição de
células tumorais. Ademais, os glicocorticóides são essenciais para o funcionamento
do sistema cardiovascular, mas seu excesso pode causar hipertensão, obesidade,
aterosclerose e doenças do metabolismo (como diabetes), fatores que predispõe à
doenças cardiovasculares. Portanto, a desregulação de seu mecanismo de
retroalimentação negativa é uma causa importante de doenças crônicas gerais
(RODRIGUEZ, 2016, p. 184-185).
Para Keller et al. (2017), a desregulação do eixo-HPA e da produção de
cortisol não está somente ligada a condições médicas gerais e a doenças crônicas
que afetam o âmbito somático. Pelo contrário, a dificuldade na inibição da ativação
do eixo-HPA está também implicada na patofisiologia da ansiedade, da depressão e
do funcionamento cognitivo. Segundo esses autores, 40 a 60% dos pacientes com
depressão apresentam uma produção excessiva de cortisol (hipercortisolemia), e
outras perturbações do eixo-HPA e esta ocorrência está associada a comorbidades
como diabetes do tipo II e outras síndromes metabólicas. Além disso, essas
estatísticas são maiores para pacientes que apresentam sintomas psicóticos
concomitantes.

1.7. PANORAMA DA REGULAÇÃO AUTONÔMICA

No presente capítulo, viu-se uma descrição resumida sobre o histórico das


teorias fisiológicas da estabilidade, passando pelo conceito bernardiano de meio
interno e pelos conceitos cannonianos de homeostase e resposta de luta ou fuga.
Após essa exposição introdutória, fizemos um apanhado geral da organização do
sistema neurovegetativo, descrevendo a regulação autonômica como compensatória
das mudanças criadas pelo do sistema exterofectivo. Além disso, sobre este modelo
de regulação, dissemos que o sistema interofectivo funciona como uma gangorra
entre repouso e digestão - geridos pela ativação parassimpática- e movimento e
enfrentamento - coordenados pela ação do sistema simpático adrenal. Ademais, viu-
se também que os sistemas homeostáticos de equilíbrio baseiam-se na correção
das oscilações conforme um modelo conhecido como termostato.

34
Ao tocar da teoria de emergência de Cannon, que justifica o papel evolutivo
da excitação emocional como uma alteração homeostática antecipatória, foi possível
perceber o valor motivacional e adaptativo dos estados afetivos, que mobilizam
energia e nutrientes para o enfrentamento dos desafios ambientais. Nesse ponto,
pode-se expor o papel da liberação dos hormônios adrenais na aceleração do
metabolismo e preparação do corpo para o esforço.
Numa segunda etapa, reviu-se a teoria do estresse, tal qual pensada por
Hans Selye, e adicionou-se duas fases que ocorrem em sequência à reação
simpática de alarme: a fase de resistência e a fase de exaustão, que compõem a
síndrome de adaptação geral. Sobre isso, falamos sobre o papel do cortisol liberado
pelo eixo-HPA no metabolismo e na conservação do equilíbrio corporal durante o
esforço e terminou-se por explicar a forma como esta substância age no sistema
imune e como a resistência à mesma pode causar uma série de doenças ligada ao
estresse.
Segundo este paradigma, vimos que a modernidade trouxe consigo
alterações ambientais importante, a afetar a fisiologia do corpo, e citamos as
doenças crônicas como uma preocupação importante a ser tida em conta na vida
contemporânea.
Em suma, os sistemas homeostáticos funcionam pela organização de
mecanismos de retroalimentação negativa. Essa maquinaria permite que certos
parâmetros do organismo mantenham-se em uma faixa de constância definida por
valores máximos e mínimos, o chamado limite estreito. A função de todos os
sistemas do organismo nesse processamento é manter a relativa estabilidade
dessas variáveis. Tanto a resposta de luta ou fuga como a resposta de estresse têm
por objetivo evitar a falha do organismo que poderia ser ocasionada pela queda ou
aumento excessivos do valor dos parâmetros orgânicos. Além disso, vimos que,
nesses modelos, o sistema nervoso autônomo age como um braço direito do
sistema cérebro-espinal e que enquanto um está dirigido para o interior, o outro
dirige-se para o ambiente.
Sobre o estresse, que é uma força de pressão sobre o sistema interofectivo,
dissemos que duas variáveis concorrem para definir as consequências de
normalidade ou patologia: o tempo e a intensidade do estímulo estressor. Ademais,
vimos que o estresse é uma resposta inespecífica que, como tal, não leva em

35
consideração a qualidade do estressor, mas tão somente a quantidade de força que
o mesmo exerce no organismo e sua duração.
Segundo Jackson (2013, p. 13), a teoria da homeostase e seu
prolongamento, a teoria do estresse, por mais que tratem do tema da estabilidade,
não permaneceram, de forma alguma, estáticas ou livres de crítica. A maioria das
opiniões contrárias a este paradigma teórico, segundo o autor, focaram em
desenvolver uma apreciação mais dinâmica dos processos de equilíbrio. Aos fins do
século XX, por razões históricas, o interesse dos cientistas deslocou-se da
manutenção de estados estáveis e de valores de ajuste para a acentuação da
fluidez e da flexibilidade dos parâmetros do organismo no enfrentamento dos
desafios ambientais. Além disso, a proclamação da década de 90 como a década do
cérebro, estimulou a exploração das funções do sistema nervoso central no
equilíbrio sistêmico. O panorama dessas novas descobertas e de uma possível
mudança de paradigma representado pelas mesmas é o assunto do próximo
capítulo.

2. CRÍTICAS AO MODELO DE REGULAÇÃO AUTONÔMICA DO ESTRESSE-

HOMEOSTASE

O presente capítulo consiste em uma exposição das críticas ao modelo de


regulação autonômica e neuroendócrina da homeostase, inaugurado por Claude
Bernard, instituído por Walter Cannon e continuado na teoria do estresse de Hans
Selye. Via de regra, essas críticas concentram-se em dois aspectos. Por um lado, os
paradigmas posteriores problematizaram certos tópicos relativos à ideia de
constância, representada pelo modelo do termostato. Por outro, os autores que
comentaram essas teorias procuraram revelar outra face dos mecanismos de
regulação, regida não pelo sistema nervoso autônomo, mas sim pelo cérebro. Em
resumo, dinamismo e cerebralidade são as palavras-chaves a serem explicadas nas
próximas páginas.
Segundo Damasio e Damasio (2016), um dos problemas em extrapolar o
conceito de regulação autonômica para a análise da fisiologia e dos
comportamentos humanos, é que esta oferece “uma versão incompleta da realidade”

36
(p. 126). Em seu artigo sobre a homeostase, Cannon (1929b) assume ter feito uma
escolha que diminuiu a importância dos processos cerebrais superiores em prol dos
processos vegetativos. Essa opção, mesmo que seja um recorte compreensível, até
pela falta de conhecimento que a época oferecia sobre o funcionamento do cérebro,
não é epistemologicamente fácil de empreender, tampouco é sem consequências.
Para fazer esse recorte, Cannon (Ibidem) primeiramente precisou dividir o
sistema nervoso em duas partes, com base na antiga distinção entre atos
voluntários e involuntários. De forma a distanciar-se dos conceitos da psicologia,
mantendo-se na fisiologia pura, o autor inventou duas palavras em substituição a
esses termos relativos à participação consciente da vontade. Nessa construção, ao
sistema cérebro-espinal (correspondente ao sistema nervoso central - SNC) o
cientista deu o nome de exterofectivo, pois o mesmo é responsável tanto pela
percepção do exterior como pela ação muscular direcionada modificação do espaço
externo. Por sua vez, Cannon (1929b, p. 284) chamou interofectivo ao sistema
nervoso autônomo (SNA), já que sua ação dirige-se ao próprio meio interno.
Ao final, o modelo criado por Cannon pode ser resumido da seguinte forma:
tal qual o fiel escudeiro dos contos de cavalaria, o sistema interofectivo acompanha
o sistema exterofectivo em suas empreitadas pelo mundo. Quando seu mestre
necessita de uma lança para lutar, antes mesmo que ele peça, o SNA já está
equipando seu cavalo com suas melhores armas. Da mesma maneira, quando o
mestre sente sede, antes que tenha de sair para procurar água, o fiel valete já fez
todos os arranjos para que este líquido não lhe faltasse.
Em suma, para Cannon, é o sistema interofectivo e não o sistema
exterofectivo o grande responsável pelo equilíbrio do corpo. O segundo só pode agir,
pois o primeiro está a todo momento ocupado em fazer de tudo para que essa ação
seja realizada. Além disso, na maioria das vezes, o sistema exterofectivo nem
precisa tomar consciência das benesses orquestradas por seu generoso
acompanhante, das quais apenas desfruta e ainda ganha as glórias ao final:

Os reguladores homeostáticos agem automaticamente. Ainda que os


músculos do esqueleto e do diafragma estejam, por certo, sob controle do
córtex cerebral, suas funções na regulação da temperatura (tremor) e na
neutralidade (aceleração da respiração) são arranjadas numa parte mais
inferior, no tronco encefálico. Em sua maior parte, os reguladores não estão
sob controle voluntário. Comumente, o sistema nervoso autônomo, ou este
sistema em cooperação com os órgãos endócrinos, é chamado à ação
(CANNON, 1929b, p. 422).

37
Mesmo que pareça pueril, falar da regulação autonômica de maneira
analógica, como fizemos acima, utilizando comparações simplificadas, foi um
recurso didático utilizado pelo próprio fundador da fisiologia experimental. Em seu
livro, quando Claude Bernard (1885) explica o conceito de meio interno, ele mesmo
demanda a seus leitores que imaginem os animais vertebrados de sangue quente
como seres vivos que carregam consigo sua própria estufa. Uma das interpretações
possíveis a essa analogia pode ser obtida ao lembrarmos que as plantas, por
exemplo, muitas vezes morrem no inverno pelo frio excessivo, o qual não podem
combater sozinhas já que não possuem um mecanismo homeostático de controle da
temperatura. A estufa, nesse contexto, é um mecanismo artificial utilizado como uma
forma externa de controle da temperatura (e de outras variáveis), independente,
portanto, da ação do vegetal, que tem por objetivo preservar este último.
Ao unir as duas analogias, a do escudeiro, que associamos a Cannon e a da
estufa, de Bernard, pode-se encarar o sistema interofectivo como um aparelho
herdado, que funciona tal qual um uniforme de astronauta, permitindo-nos realizar
modificações no ambiente com relativa autonomia, sem ter que nos preocupar com
as oscilações presentes no mundo externo ou ficar, como as plantas, parados no
mesmo lugar.
Algo nem sempre citado nos textos sobre o assunto, mas que é destacado
por alguns autores, é a semelhança das teorias do estresse e da homeostase com o
modelo do liberalismo econômico. De fato, Jackson nos lembra (2013, p. 12) que
Walter Cannon e Hans Selye não restringiram as consequências de suas teorias
somente à apreciação de sistemas biológicos. Pelo contrário, esse pesquisador
destaca que ambos os autores acreditavam que “o entendimento da maneira pela
qual as células e órgãos comunicam-se e cooperam entre si poderia ajudar a
sociedade a coordenar e estabilizar o corpo político” (Ibidem, p.12).
Para Arminjon (2014), o paradigma fundado por Cannon está a meio caminho
entre a ideia de solidariedade orgânica de Durkheim (que propõe que a sociedade
moderna funciona tal como os órgãos, que são especializados e auxiliam-se
mutuamente equilibrando o corpo social) e a defesa do estado mínimo, ou seja, uma
organização onde o controle descendente é superado pela regulação automática do
equilíbrio social.

38
Do ponto de vista de Damasio e Damasio (2016, p. 126), a ideia de uma
homeostase automática, por pouco não independente do SNC, desconsidera uma
dualidade essencial entre dois tipos de controle que funcionam ao mesmo tempo no
organismo. Segundo os autores, nos humanos com certeza, e em alguns
vertebrados com alguma probabilidade, existe um mecanismo suplementar de
controle que envolve a variedade mais simples de sentimentos: as sensações
(feelings).
Como descrito pelos teóricos (Ibidem), o fenômeno da sensação é uma
inovação evolutiva que traz como vantagem a possibilidade de tornar “o proprietário
do respectivo organismo em um potencial agente de sua própria regulação”. Vistas
por um panorama conceitual, as sensações encarnam também uma dualidade
própria. Por um lado, as sensações sinalizam operações fisiológicas
correspondentes, como a regulação automática de variáveis (ex.: a aceleração
cardíaca e respiratória), que possuem por si mesmas razões evolutivas. Ao mesmo
tempo, as sensações do corpo refletem-se em uma face mental, e são interpretadas
pela consciência como indicadoras de uma certa intensidade (sensações fortes ou
fracas) e, mais importante, de uma valência positiva ou negativa, de prazer ou
desprazer.
A existência de uma interface mental para as sensações inaugura uma série
de novas possibilidades e aumenta consideravelmente o repertório dos organismos.
O fato das alterações fisiológicas que sobrevêm na interação dos indivíduos com o
ambiente poderem ser interpretadas como prazerosas ou desprazerosas funda, por
si só, novas formas de aprendizagem. Porém, se as valências associadas às
sensações podem traduzir-se em comandos como “faça mais disso”, “faça mais
disso agora” ou “não faça isso de maneira nenhuma”, a existência de uma
consciência a interpretar essas ordens cria algo ao mesmo tempo vantajoso e
desvantajoso: a possibilidade de escolha (DAMASIO; DAMASIO, 2016).
Quando se fala em escolha, porém, não se está aludindo a algo de toda
forma livre. Na verdade, quando as sensações adentram o cérebro, as mesmas
ficam atadas a uma teia formada por impulsos (drives), motivações e emoções,
integrantes da complexa maquinaria do afeto. Esse aparelhamento, por mais que
tenha suas fundações construídas durante a longa cronologia da evolução das
espécies, e que seja criado por variações e seleções genéticas ao mesmo tempo
diferentes e iguais em cada indivíduo humano, é também moldado por experiências

39
individuais de aprendizado e formação de crenças e, principalmente, pelas
circunstâncias socioculturais, indissociáveis de todos os fatores anteriores
(DAMASIO; DAMASIO, 2016, p. 127).
Tendo chegado a esse ponto da discussão, pode-se começar a expor
algumas críticas feitas ao paradigma do estresse e ao paradigma da homeostase.
Como a enumeração fiel de todas as alterações, adendos e recortes propostos para
estes modelos por autores posteriores é inviável para ser feita no presente trabalho,
nos contentaremos em demonstrar aquelas que foram avaliadas como mais
importantes, por apresentarem modificações significativas e compreensíveis.

2.1. ALGUMAS CRÍTICAS AO MODELO DO ESTRESSE DE SELYE

Uma das peculiaridades mais importantes das teorias de Selye, já comentada


no primeiro capítulo, é que a inespecificidade atribuída à resposta de estresse.
Assim diz o autor:

Estresse é a resposta não específica do corpo a qualquer demanda sobre


ele feita (…). Todos os seres vivos estão constantemente sob estresse e
qualquer coisa, prazerosa ou desprazerosa, que aumente a intensidade da
vida, causa um aumento temporário no estresse, o desgaste exercido sobre
o corpo. Uma dolorosa bofetada e um beijo apaixonado podem ser
igualmente estressantes (SELYE, 1976, p. 137).

Se o estressor é tão severo que a exposição contínua torna-se incompatível


com a vida, o animal morre em algumas horas ou dias durante a reação de
alarme. Se este sobrevive, a resposta inicial é necessariamente seguida por
um estágio de resistência durante o qual a maioria dos sintomas iniciais
diminuem ou desaparecem. Após uma exposição ainda mais prolongada ao
estressor, essa adaptação adquirida é perdida e o animal entra em uma
terceira fase, o estado de exaustão,já que a energia de adaptação ou a
adaptabilidade de um organismo é finita (SELYE, 1976, p. 139).

Para introduzir as críticas ao modelo de Selye, começaremos por inferir


algumas consequências dessas duas citações. A primeira conclusão a ser tomada é
que, para o autor, a valência do estímulo é desimportante para a análise da resposta
do estresse, já que tanto estímulos prazerosos como desprazerosos criam os
mesmos efeitos. O segunda inferência a ser feita é que o contexto, a aprendizagem
e a qualidade do estímulo também não são levados em consideração pelo autor. Por
fim, na segunda citação chegamos à conclusão que as únicas variáveis que

40
importam para Selye são a intensidade e a duração do estímulo. Assim, podemos
dizer que o aspecto quantitativo da intensidade (o quão intenso é o estímulo) e
tempo de duração do estímulo, somados à energia de adaptabilidade que organismo
tem disponível, são os três termos da equação do estresse.
Na década de 70, um artigo lançado por Weiss (1972) questionou alguns
aspectos dessas assertivas. Neste escrito, o autor avaliou a evolução de úlceras
gástricas causadas por estresse em pares de ratos submetidos a choques elétricos ,
estes últimos acompanhados por um sinal sonoro. Weiss relata que as úlceras foram
mais severas naqueles animais para os quais a descarga elétrica e o estímulo
sonoro eram disparados em uma distância temporal aleatória do que para aqueles
cujo estímulo aversivo (choque) era disparado 10 segundos após o sinal. Além
disso, as úlceras foram menos graves naqueles animais que podiam escapar do
choque ao pular em uma plataforma do que naqueles para os quais o choque era
inescapável. A conclusão do experimento foi que duas variáveis, a previsibilidade e
a escapabilidade da situação estressora são claramente importantes na predição
dos efeitos do estresse no organismo.
Apesar de engenhoso, esse experimento apenas prenuncia as críticas
necessárias a serem feitas sobre a teoria do estresse. Para que seja possível expor
estas últimas, é necessário, porém, levar em consideração um aspecto não avaliado
por Selye.
Dos artigos de Cannon e Selye aos quais obteve-se acesso durante a
elaboração do presente trabalho, nenhum cita o papel de estruturas corticais
superiores na resposta do estresse. Isso já era esperado, pois, como viu-se em
Damasio e Damasio (2016), o paradigma do estresse-homeostase é um modelo de
regulação autonômica, que revela só metade, ou menos, dos processos em jogo na
regulação do equilíbrio do organismo. Antes, portanto, de continuar a falar sobre
este assunto, é necessário que façamos um breve apanhado de algumas
informações sobre a forma como os processos cerebrais superiores interferem na
homeostase.

2.2. O PAPEL DAS AMÍGDALAS CEREBRAIS NA RESPOSTA DE ESTRESSE

41
O desencadeamento da resposta de estresse, pela estimulação do sistema
simpático-adrenal (SSA) na reação de alarme e pela subsequente ativação do eixo-
HPA na fase de resistência é um bom exemplo de controle cortical da regulação do
organismo.
Não diretamente considerado pela teoria de Cannon e de Selye, o papel do
funcionamento de estruturas córtico-límbicas e de avaliação dos perigos ambientais
revela a existência de outras variáveis a agir na sobrevivência dos organismos
durante a evolução.

2.2.1. Críticas ao mecanismo de termostato

Conquanto o equilíbrio homeostático seja baseado no que se costuma


chamar de mecanismo do termostato, essa forma de ver a regulação do corpo
parece, para alguns autores, insuficiente. Aparelhos que funcionam por esse
mecanismo, como aparelhos de ar-condicionado e aquecedores, utilizados também
em estufas, são baseados em um circuito relativamente simples.

Figura 2 - Funcionamento de um mecanismo de termorregulação


Fonte: adaptado de STERLING, 2012, p. 6

Para manter uma variável dentro de limites estreitos, um sistema


termorregulação é composto por um sensor de detecção de oscilações dotados de
valores-alvo inscritos em sua configuração como uma norma. Quando essas
variações alcançam um certo limiar (Σ), um componente efetor do sistema é
convocado a corrigir negativamente o desvio da variável, causando uma modificação
na direção contrária a este distanciamento do alvo (STERLING, 2012).

42
Um bom exemplo de um sistema como este é encontrado nos aparelhos de
controle de temperatura em ambientes fechados. Quando uma máquina de ar-
condicionado é programada para manter sua temperatura entre 20 e 24 ºC, um
termostato fica permanentemente ativado para perceber oscilações que possam
ultrapassar esta faixa de valores ideais. Caso a temperatura suba demais, o
compressor é ativado para aumentar a liberação de calor para o fluido refrigerante.
De modo contrário, caso esta variável caia demasiadamente, o mesmo compressor
é desativado ou diminui sua frequência, de forma a manter o calor no ar ambiente.
Mesmo que Claude Bernard entenda que a estufa é uma boa comparação
para o equilíbrio do meio interno e que Cannon realmente utilize em seu paradigma
o conceito de retroalimentação negativa, claramente este modelo é insuficiente para
explicar mesmo o paradigma da regulação autonômica. À guisa de exemplo, pode-
se utilizar o mecanismo de regulação da pressão arterial.
O valor da pressão arterial, que costumamos aferir quando vamos ao médico,
é resultado da interação entre a quantidade de sangue circulante no organismo a
velocidade com que esse sangue passa, e e a constrição das paredes dos vasos.
No corpo, esta variável é monitorada por sensores nervosos chamados
barorreceptores (do grego báros, pressão), acoplados às paredes das artérias
carótidas, que ficam na região do pescoço. Quando essas estruturas identificam
uma queda na pressão sanguínea, impulsos são enviados até a medula e ao
cérebro, principalmente a núcleos do bulbo raquidiano chamados de centros
vasomotores. Essa informação, por sua vez, causa a diminuição dos impulsos
desses centros para as fibras do sistema nervoso simpático, e isso causa uma
diminuição na atividade de bombeamento do coração e um aumento na dilatação
dos vasos sanguíneos (na verdade, uma diminuição da constrição simpática dos
mesmos). De modo contrário, quando a pressão está abaixo do nível esperado pelos
sistema, o mesmo caminho de informação causa um aumento nos impulsos dos
centros vasomotores, aumentando a excitação simpática, a aceleração cardíaca e a
constrição dos vasos (HALL, 2016).
A partir do conhecimento deste mecanismo, fica claro que o paradigma da
homeostase explica perfeitamente o controle da pressão arterial. Contudo, Cannon
mesmo já havia previsto outra maneira pela qual esta variável poderia ser
modificada, também em prol do equilíbrio do organismo. Vimos no primeiro capítulo
(cf. item 1.5) que a percepção de desafios no ambiente pelo sistema exterofectivo

43
causa no sistema interofectivo o disparo de um ajuste antecipatório chamado
resposta de luta ou fuga, que consiste na ativação em massa do sistema simpático-
adrenal. Vimos também que um dos efeitos dessa estimulação é o aumento da
pressão arterial e da aceleração cardíaca.
Como essas alterações não são ativadas a partir de uma anormalidade real,
detectada por um sensor tal qual os barorreceptores, é possível perceber que esse
ajuste antecipatório não pode ser explicado somente pelo paradigma do sistema de
termorregulação. Longe disso, a ativação da resposta emocional de excitação é
modulada por uma série de outros mecanismos, que envolvem a aprendizagem, o
condicionamento e a regulação emocional.

2.2.2. O papel das amígdalas cerebrais

Quando percebemos um estímulo desafiador no ambiente que possa nos


exigir um esforço de compensação, um fluxo de informações sensoriais e
contextuais chega até o núcleo lateral de regiões temporo-límbicas chamadas de
corpos amigdalóides ou amígdalas cerebrais e são distribuídos para outras áreas na
forma de comandos (LEDOUX; RODRIGUES; SAPOLSKY, 2013, p. 292).
Nesse caso, projeções que passam pelo núcleo basal da amígdala até a uma
região chamada de células intercaladas, irão inibir o núcleo central amigdalar,
fazendo disparar a liberação de norepinefrina no tronco encefálico e nas áreas
frontais do cérebro. Esse mecanismo inicia a ativação do sistema simpático-adrenal
(SSA), típica da primeira fase da SAG (reação de alarme). A ativação concomitante
do sistema monoaminérgico também levará a um aumento da vigilância, deixando o
indivíduo mais atento a outras pistas desafiadoras. Esse fenômeno é chamado
arousal, ou excitação geral. Num segundo momento, a ativação da amígdala
estimula o núcleo paraventricular do hipotálamo, acionando eixo-HPA, o que termina
na liberação dos glicocorticóides, principalmente do cortisol. Estes produtos finais
fazem decair a própria resposta de estresse pela inibição do mesmo eixo (cf. item
1.6) (Ibidem).

44
Figura 3 - Principais entradas e saídas de informação na amígdala
Fonte: adaptado de LEDOUX; RODRIGUES; SAPOLSKY, 2009, p. 294

2.2.3. O condicionamento aversivo: papel da aprendizagem na homeostase

A evolução dotou cada espécie com um leque de mecanismos de defesa


instintivos para ajudar os organismos a lidar com perigos ambientais e
outros desafios à segurança e ao bem estar. Gambás disparam odores
ofensivos, o peixe baiacu infla-se para parecer maior do que realmente é e
baratas correm para fendas para se defender. Ainda que os humanos das
sociedades modernas desfrutem do luxo de não terem que se preocupar em
escapar de predadores (...), a emoção de medo e os comportamentos de
defesa (...) ajudam a salvar-nos de perigos tanto em situações cotidianas
como em condições raras, mas arriscadas. Nós procuramos abrigo,
pressionamos os freios, corremos para as montanhas, ou gritamos por
ajuda. A excitação ligada à ameaça (fear arousal) é uma das mais
confiáveis rotas para a ativação da resposta do estresse, um conjunto de
modificações autonômicas e periféricas que auxiliam na sobrevivência.
(LEDOUX; RODRIGUES; SAPOLSKY, 2009, p. 291)

45
Graças aos ancestrais, pode-se perceber alguns estímulos do ambiente como
desafiadores e assim nos preparar-mos de antemão para lidar com os mesmos e
aumentar as chances de sobrevivência. Por outro lado, somos ainda mais
privilegiados pela faculdade da memória, que permite que aprendamos a conhecer
novas situações que podem nos causar sensações desagradáveis ao indicarem
algum tipo de perigo já vivenciado no curso da existência. Ademais, esta capacidade
permite que aprendamos uns com os outros, principalmente com aqueles mais
velhos que nós, a evitar situações também perigosas para a integridade.
Em um experimento paradigmático, utilizando como “cobaia” um bebê
chamado Albert, esses pesquisadores demonstraram que o pareamento de um
estímulo neutro a um estímulo aversivo, tem o poder de criar uma memória que se
reflete na eliciação da resposta de medo quando ocorre a reapresentação do
primeiro estímulo (HARRIS, 1979). Vejamos como isso ocorre em termos
fisiológicos.

2.2.4. Bases biológicas da extinção e memória do condicionamento aversivo

O condicionamento aversivo é um processo de aprendizagem clássico no


qual um estímulo neutro, como um sinal sonoro, é pareado a um estímulo aversivo,
por exemplo, um choque na cauda. Após uma série de repetições, o estímulo
anteriormente neutro passa a, sozinho, eliciar a resposta de estresse. Nesse
processo, a amígdala possui um papel central. Com o pareamento dos estímulos, o
núcleo lateral dessa estrutura passa por um processo de plasticidade, e a
aprendizagem aversiva fica gravada no corpo como uma memória. Além disso, por
modificações na estrutura do hipocampo, pode-se avaliar também as pistas
oferecidas pelo contexto ambiental, e inclusive lembrarmo-nos do que estávamos
fazendo em situações de grande excitação emocional (LEDOUX; RODRIGUES;
SAPOLSKY, 2009, p. 292).
Quando a memória do condicionamento aversivo está consolidada, sua
robustez é tão grande que não há possibilidade de apagá-la. Mesmo assim, pode-se
extinguir a eliciação da resposta de estresse, desde que passemos por um novo
processo de aprendizado que nos ensine a inibir essa reação. Ademais, a própria
percepção de que pode-se controlar ou evitar um desafio de valor aversivo, traduz-

46
se na estimulação do córtex medial pré-frontal (mCPF), que, por sua vez, inibe em
boa parte a resposta de estresse. Essa área, aliás, tem ação importante na inibição
geral das emoções (LEDOUX; RODRIGUES; SAPOLSKY, 2009)

2.2.5. Retorno ao conceito de termostato: proposta de modificação

Como vimos no item 2.2.1, o modelo do termostato não explica toda a


variedade de regulações da homeostase no organismo. Utilizando o exemplo da
aprendizagem de estímulos aversivos, essenciais no disparo da resposta do
estresse, foi possível perceber que o conhecimento prévio é um fator essencial no
controle preditivo da homeostase.
Como proposta de alteração deste sistema, Sterling propõe um outro modelo,
que utilizaremos aqui de forma adaptada:

Figura 4 - crítica ao modelo do termostato


Fonte: adaptado de STERLING, 2012, p. 9

No paradigma de Sterling (2012), o qual não será desenvolvido aqui com


maior profundidade, ainda que se reconheça a existência de sensores do tipo
termostato, estes não são encarados como o mecanismo principal da homeostase
no organismo. O autor propõe, ao contrário, a criação de um outro conceito, o de
alostase, para melhor explicar o papel do cérebro, em seus níveis corticais
superiores, na regulação dos processos fisiológicos.
Em grego, állos significa outro ou diferente. O que Sterling (Ibidem) sugere
com este termo é que o cérebro, por si só, regula a ativação autonômica não com o
objetivo de manter os parâmetros do corpo constantes, como queria Cannon, e sim
para que haja uma melhor adaptação a cada situação diferente da vida

47
3. O PARADIGMA DA ALOSTASE

Das críticas sofridas pelo modelo do estresse-homeostase, a mais importante


e paradigmática foi realizada em um estudo da década de 80, escrito por um
epidemiologista, Joseph Eyer, e um neurobiólogo, Peter Sterling (JACKSON, 2013,
p. 13). No artigo em questão, Eyer e Sterling (1988) propõem um debate sobre
alguns fatores sociais que influenciam nas taxas de morbidade e mortalidade, bem
como sobre a influência desses fatores nos parâmetros de funcionamento dos
organismos.
O paradigma da homeostase, ao insistir na constância, perde de vista
justamente o fato que, se a todo o momento o sistema interofectivo deve seguir as
alterações necessárias para a ação eficiente das faculdades exterofectivas, o
organismo, nem que esteja parado, irá manter constantes seus parâmetros, já que
cada nível de atividade, mesmo a mínima atividade intelectual, exige um certo nível
de funcionamento meio interno que é contingente. Que essa atividade não chegue a
níveis que impossibilitem a ação fisiológica não quer dizer em absoluto que a
mesma se mantenha constante dentro da variação proposta pelos limites estreitos,
ou ainda, que a atividade do organismo tenha vistas à manutenção desses limites e
não justamente à realização das relações mais adaptativas possíveis entre o
indivíduo e o ambiente. Assim, a questão central para o organismo não é só manter-
se dentro de limites de funcionamento necessários para não morrer, mas sim
garantir o melhor nível de atividade possível para que se possa viver cada situação
da forma mais adaptativa a partir dos próprios recursos (STERLING, 2012).
Variáveis como a pressão arterial variam ricamente durante o dia e a noite.
Na realidade, se comparados os gráficos desta variação entre um indivíduo saudável
e um hipertenso, ver-se-á que no primeiro os parâmetros mudam conforme cada
atividade, de maneira bastante rápida e distinta, enquanto que no gráfico do
segundo, as modificações não são bem delineadas, mas confusas e
descoordenadas. De fato, entre estados de excitação (arousal) e repouso, a pressão
arterial é uma para cada contingência, mesmo que seja maior nos primeiros do que
nos segundos. Junto a este parâmetro, não uma, mas todas as variáveis do
organismo sofrem variação quando há uma transição comportamental. “Claramente,

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para adquirir estabilidade um organismo deve ocupar cada um desses estados e
mover-se flexivelmente entre eles” (EYER; STERLING, 1988, p. 633).
A ideia de que o organismo deve adquirir sua estabilidade por meio de
alterações de seus próprios parâmetros, e não pela manutenção da constância
destes últimos foi chamada alostase (do grego állos: diferente) (JACKSON, 2013).
Na opinião de Day (2005, p. 1196), quanto à relação entre dinamismo das
variáveis e constância de valores-de-ajuste, o paradigma da alostase não diverge
fundamentalmente do paradigma homeostático de Cannon, do qual seria apenas
uma reenunciação. O fato é que nem tanto a teoria em si, mas a interpretação dos
dizeres de Cannon, talvez tenha conduzido a um modelo de saúde específico, se
formos considerar a visão dos criadores da alostase. Conforme diz Safatle (2011), a
ideia de valores-ideais cria uma visão de doença como um desvio do normal e não
como uma experiência vivida de forma singular. Na clínica, valores acima ou abaixo
da média são subtraídos da mesma gerando um subvalor que é interpretado como
uma doença. No mesmo sentido, Eyer e Sterling (1988, p. 644) protestam em seu
artigo não tanto contra a ideia de homeostase em si, mas contra seu uso pela
farmacologia, sempre interessada em remediar o desvio de uma variável sem uma
visão sistêmica da fisiologia, o que cria uma condição de polifarmácia e processos
iatrogênicos em potencial, além de impedir o organismo a responder de outra
maneira mais apropriada.
Para Arminjon (2014), o que a teoria da alostase traz de mais inovador é a
cerebralidade. Enquanto as demais teorias concentraram-se na regulação pelo
sistema nervoso autônomo, a teoria da alostase oferece uma visão mais ampla pela
inserção dos processos neurais superiores em seu escopo.
Diferente da teoria de Cannon, onde o sistema interofectivo é um
compensador das ações do sistema exterofectivo, no paradigma homeostático o
cérebro sozinho centraliza e comanda todas as ações do corpo por meio das
flutuações que engendra, superando inclusive os mecanismos puramente reflexos
No sistema de retroalimentação negativa onde funda-se o paradigma homeostático,
as variações se dão para reajustar os parâmetros a uma faixa de valores-alvo. No
paradigma alostático o cérebro continuamente reavalia as necessidades e move os
parâmetros para novos valores-alvo, o que leva a um uso mais eficaz dos recursos
do organismo. Além disso, por ser um mecanismo com a capacidade de
aprendizagem, a alostase pode prever erros e planejar ações comportamentais que

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também possuem a capacidade de regular o organismo, por exemplo, levar água e
comida para fazer uma trilha na floresta ou ligar para um amigo em um momento de
angústia (EYER; STERLING, 1988).
O paradigma do estresse baseia-se na não especificidade da resposta do
corpo a qualquer desafio:

O estresse é a resposta não específica do corpo a qualquer demanda feita


sobre ele, isto é, o ritmo sob o qual vivemos a cada momento. Todas as
criaturas vivas estão constantemente sob estresse e qualquer coisa,
prazerosa ou desprazerosa, que estimule a intensidade da vida, causa um
aumento temporário no estresse, o desgaste exercido sobre o corpo. Um
tapa dolorido e um beijo apaixonado podem ser igualmente estressantes.
(SELYE, 1976, p. 137).

Na segunda metade do século XX, a literatura que trata do estresse


psicossocial pode demonstrar a relação existente entre os eventos da vida, o
sofrimento psíquico e as doenças médicas gerais. Com o tempo ficou claro que

as diferenças individuais nas respostas cognitivas e emocionais ao estressor


e ao contexto mostraram-se fatores determinantes nas consequências (ex.:
antecipação, avaliação, enfrentamento, aprendizado e outros tipos de
processamento de informação) (GANZEL; MORRIS; WETHINGTON, 2011,
p. 5).

O modelo alostático coloca o cérebro, e não mais o SNA, no centro da


regulação do corpo. Com este novo paradigma, uma série de circuitos de informação
ascendente (em direção ao cérebro) foram descobertos, o que permitiu demonstrar
que o cérebro é afetado antes mesmo de qualquer outra resposta regulatória. Por
sua plasticidade, qualquer informação levada até o cérebro sofre modificações a
partir das expectativas e da valências ali organizadas. Com o surgimento deste
modelo, até mesmo estressores não abertamente psicológicos, como exposição ao
frio e lesões teciduais, puderam ser interpretados em termos das respostas do SNC
(GANZEL; MORRIS; WETHINGTON, 2011).
Segundo nos informa Day (2005, p. 1196), o conceito de alostase não
recebeu grande atenção da literatura até 1993, quando dois neurocientistas, Bruce
McEwen e Eliot Stellar, propuseram uma revisão do artigo de Eyer e Sterling. Nesta
revisão, os cientistas propuseram acrescentar à teoria geral da alostase o conceito
de carga alostática. Um exemplo que deixa claro esse conceito é o dos ursos. Ursos
são animais que, durante a evolução, criaram estratégias para sobreviver ao desafio

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de ficar longos períodos sem ingerir alimentos. Antes de certas estações do ano,
esses animais entram em um estado de hiperfagia, na qual consomem mais
alimentos do que o necessário para uso diário. Esta energia acumulada é gasta
durante os períodos de escassez de alimentos, em um processo chamado
hibernação. O custo, ou a carga, desse processo de modificação comportamental é
pago pelos recursos que o ambiente oferece, pela capacidade do animal procurar
alimento e pelo corpo, que deve se modificar para acumular reservas energéticas na
forma de gordura. Contudo, caso o ambiente não ofereça comida o suficiente, em
momentos onde a energia seria necessária, o custo recai para a adaptação, que fica
prejudicada pela supressão dos processos reprodutivos. Por outro lado, caso estes
animais mudem-se, por exemplo, para um zoológico onde a disponibilidade de
alimentos é farta o ano todo, o corpo pode ter um problema no balanço energético
na forma de obesidade e de pré-diabetes. Essas duas últimas situações são
exemplos de sobrecarga alostática, ou seja, quando o custo que o corpo pode pagar
com o capital das estratégias herdadas durante a evolução ou aprendidas ao longo
da vida excede aquilo que é demandado pelas circunstâncias, tem-se uma
sobrecarga (McEWEN; WINGFIELD, 2003).
Acentuar o papel do SNC no panorama da regulação do organismo e do
enfrentamento dos desafios ambientais traz algumas constatações interessantes,
levantadas por McEwen e Wingfield (2003). Esses autores observam que algumas
espécies aves jovens tratadas com corticóides aumentam significativamente o
número de comportamentos de pedido de comida a seus companheiros. Isso é
interessante, pois demonstra que o equilíbrio do organismo não se concentra
somente numa suposta parte ou meio interno, mas desdobra-se também em outras
ações que necessitam de outros corpos. Além disso, percebe-se que parte do custo
da alteração que o organismo passa para adaptar-se, ou seja, parte da carga
alostática, vem de um tipo do que pode-se chamar de capital, promovido pela
neuroplasticidade.
No caso da percepção de desafios (por exemplo, quando vemos uma barata),
um fluxo de informações sensoriais e contextuais passa por via talâmica, via cortical
até o núcleo lateral de uma região temporo-límbica chamada de corpo amigdalóide
ou amígdala cerebral. Se esta área tiver passado por um processo de
aprendizagem e consequente plasticidade que implique na interpretação do estímulo
visuo-contextual como uma ameaça (no caso de pistas contextuais, isto inclui

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participação do hipocampo em sua ligação com o núcleo lateral), projeções que
passam pelo núcleo basal da amígdala e projetam-se para a região das células
intercaladas irão inibir o núcleo central da amígdala, disparando a resposta de terror,
que inclui estimulação do locus coeruleus (para a ativação do sistema simpático-
adrenal) e ativação do sistema monoaminérgico. Ademais, projeções do núcleo
basal até o estriado orquestrarão comportamentos instrumentais de fuga. A ativação
da amígdala também tem seus efeitos no sistema endócrino. Parte essencial da
resposta do estresse, a sinalização da amígdala para o núcleo paraventricular do
hipotálamo leva à liberação de CRH na adenohipófise, o que terminará na liberação
dos glicocorticóides. Além dos efeitos corporais das catecolaminas e dos
glicocorticóides, estas substâncias viajam pela circulação sanguínea (ou estimulam
terminações vagal-aferentes, com o mesmo resultado) até o cérebro e afetam a
amígdala e outras estruturas (LEDOUX; RODRIGUES; SAPOLSKY, 2009).
Quando esses produtos são liberados no organismo pela ativação do circuito
do medo (fear circuitry) e alcançam, por feedback, essas áreas, os glicocorticóides
as catecolaminas estimulam receptores celulares no cérebro responsáveis por criar
uma memória de longo prazo do acontecimento desagradável. O hipocampo, neste
sentido, é o responsável, por exemplo, pela memória que a maioria das pessoas têm
sobre onde estavam e o que estavam fazendo em momentos trágicos como o
atentado das torres gêmeas. A vantagem evolutiva dessas memórias não é difícil de
deduzir, ao menos se pensarmos em termos da história animal e da humanidade.
(MCEWEN; WINGFIELD, 2003).
Conforme estes sistemas são ativados com frequência, não somente a
memória episódica mas também importantes aspectos da memória celular passam a
integrar uma rede de previsão de novos acontecimentos desafiadores. Nesta
perspectiva, os custos alostáticos da modificação do organismo para lidar com os
estressores também recai sobre os neurônios de áreas centrais para o circuito do
medo (fear circuitry), ao preço da alteração de sua configuração.
Segundo LeDoux, Rodrigues e Sapolsky (2009, p. 300-302), situações de
estresse agudo ou a administração de uma só dose de glicocorticóides aumentam a
formação de espinhas dendríticas nos núcleos basal e lateral da amígdala. O
estresse crônico, por sua vez, aumenta também a arborização dendrítica nessa
mesma região. Animais estressados também apresentam um aumento na
responsividade de neurônios dessa área, bem como uma redução no limiar de

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excitação dessas estruturas. Como algumas áreas do córtex pré-frontal também são
Como as respostas de medo também são reguladas de forma inibitória por
projeções do córtex pré-frontal medial (mCPF) para os núcleos da amígdala, a
pressão causada pelo estresse também tem como efeito alterações nesta área, tais
como a atrofia e perda de espinhas dendríticas. De forma similar, os neurônios do
hipocampo têm diminuição tanto da formação de espinhas como da arborização de
seus dendritos.
Como o cérebro integra uma série de informações do organismo, a regulação
alostática, que fundamenta-se na atividade deste órgão, compõe-se de diversos
efeitos e consequências em diversos sistemas do corpo. Situações de luta ou fuga
de predadores foram comuns desde o início dos tempos, e a natureza selecionou
não apenas os mais aptos no quesito força e rapidez, ou aqueles que conseguiam
detectar com mais precisão as pistas ameaçadoras, mas também aqueles que
podiam prevenir infecções e injúrias neste processo. Como é esperado, a resposta
ao estresse, sendo uma herança desses ancestrais remotos, envolve, portanto
participação de outros sistemas, como o sistema imune.

3.1. ALOSTASE E SISTEMA IMUNOLÓGICO

Na vida moderna, com a mudança absoluta no ambiente causada pela


atividade humana, dificilmente temos que lutar com animais famintos ou predadores
inclementes no dia-a-dia. De qualquer forma, as respostas fisiológicas continuam a
refletir as demandas daqueles ambientes onde viveram os ancestres humanos.
Situações de desafio para o ser humano atual, como provas e exames acadêmicos,
mesmo que não impliquem em ferimentos que deixam os tecidos mais sujeitos a
infecção, podem ter consequências no sistema imune por acessarem a mesma
resposta de estresse gravada filogeneticamente.
Segundo Miller e Segerstrom (2004), da década de 70 até a primeira década
do século XXI, mais de 300 estudos foram feitos demonstrando que desafios
psicológicos podem modificar vários atributos do sistema imune.
O sistema imune (SI) possui a função fisiológica de defender a identidade das
células do organismo, ou seja, diferenciar quais células ou moléculas efetivamente
pertencem ou devem estar presentes nos tecidos do organismo. No geral, as
funções do SI dividem-se em imunidade inata, que é inespecífica e consiste na

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primeira linha de defesa do organismo, e imunidade adquirida, que consegue
identificar e memorizar diferentes antígenos, de maneira especifica.
O sistema imune inato (iSI) é composto por 1) barreiras físico-químicas, como
a pele, a mucosa e substâncias antimicrobianas produzidas pelo próprio corpo, 2)
células fagocitárias como os macrófagos, neutrófilos, células dendríticas, mastócitos
e células assassinas naturais (natural killer cells - NK), 3) proteínas do sistema
complemento e citocinas. Por sua vez, o sistema imune adquirido (aSI) divide-se em
imunidade humoral (os linfócitos-B, que liberam anticorpos) e imunidade celular (os
linfócitos-T auxiliares e o linfócitos-T citotóxicos). Outros componentes do sistema
imune são a medula-óssea, onde são produzidas as células leucocitárias, o timo,
onde os linfócitos-T amadurecem, o sistema linfático, com nodos e vasos, e o baço.
O iSI é capaz de reconhecer 1) padrões moleculares associados a patógenos
(pathogen-associated molecular patterns - PAMPs), tais como lipopolissacarídeos
(LPS), que são substâncias presentes em micróbios e ausentes no corpo dos
mamíferos e 2) padrões moleculares associados a danos (damage-associated
molecular pattern - DAMPs), liberados quando as células do próprio corpo são
lesionadas ou sofrem algum outro tipo de dano.
Quando alguma barreira físico-química do organismo é rompida, dando lugar
a entrada de patógenos e outras substâncias tóxicas, a primeira resposta gerada
pelo corpo é a inflamação. Células residentes nos tecidos lesionados, tais como
macrófagos, células dendríticas e mastócitos, criam uma série de modificações
mediadas por moléculas sinalizadoras chamadas citocinas em resposta à detecção
de PAMPs e DAMPs. Essas modificações incluem um aumento no fluxo sanguíneo
devido à vasodilatação, uma maior permeabilidade dos capilares e vasos
sanguíneos, bem como o recrutamento de células leucocitárias da corrente
sanguínea, que passam para o tecido lesionado por causa do aumento da
permeabilidade e da adesão. A maioria das citocinas são produzidas neste processo
por células fagocitárias e mastócitos, e agem tanto nas células proximais (ação
parácrina) como em tecidos distantes, por meio da circulação (ação endócrina). A
função dessas moléculas é bastante complexa e inclui a ativação do processo
inflamatório, bem como o recrutamento de neutrófilos, monócitos e células da
imunidade adquirida. As principais citocinas envolvidas nesta resposta são a
interleucina-1 e 6 (IL-1, IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).

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O processo inflamatório agudo desenvolve-se entre minutos e horas, podendo
durar vários dias, e os sinais que este processo produz são chamados sinais
flogísticos, que são cinco: 1) o rubor e o 2) calor, causados pelo aumento da
circulação no tecido, 3) o edema ou inchaço, causado pela saída de plasma para o
tecido, 4) a dor, causada pela irritação das terminações nervosas do local e, por fim,
5) a perda de função, caso a inflamação ocasione o impedimento da função
fisiológica do local lesionado. Esses fenômenos, somados ao aumento da produção
de proteínas de fase aguda pelo fígado (como a proteína c-reativa - PCR), de
leucócitos pela medula-óssea e à febre, produzida pela estimulação do hipotálamo,
são chamados de resposta de fase aguda (acute-phase response - APR). Caso a
inflamação dure muito tempo, tem-se a chamada inflamação crônica, que pode
causar remodelamento dos tecidos. Consequências patológicas graves deste
processo são a trombose, causada pelas modificações nos vasos sanguíneos, morte
de células saudáveis e complicações da função cardíaca, além de fenômenos
mentais, como o delirium.
A células envolvidas na reação inicial de inflamação, como macrófagos e
células dendríticas, agem como células apresentadoras de antígeno (CAA) nos
componentes da imunidade adquirida. A vida de uma célula da imunidade adquirida
ou linfócito começa na medula-óssea. No caso dos linfócitos-B, os mesmos
amadurecem neste mesmo lugar, diferente dos linfócitos-T, que amadurecem no
timo. As células linfocitárias saem da medula e do timo ainda inativas, e são levadas
até os órgãos linfóides secundários onde são ativadas pelo contato com os
antígenos apresentados pelas CAA. Este processo seleciona, por expansão clonal,
os linfócitos-T e B que possuem sítios sensíveis a porções determinadas dos
antígenos. No caso dos linfócitos-B, a apresentação dos antígenos gera a produção
de anticorpos que englobam (opsonizam) as moléculas e células antigênicas,
provocando sua neutralização e a ativação do sistema do complemento. No caso
dos linfócitos-T auxiliares, os mesmos ligam-se aos fagócitos emitindo citocinas
específicas que ordenam a destruição do antígeno em seu anterior. Já os linfócitos-T
citotóxicos ligam-se a células já infectadas, causando sua morte.
Quando as reações do sistema imune tornam-se excessivas ou inadequadas,
o resultado são as chamadas doenças de hipersensibilidade, que incluem doenças
autoimunes, alergias, e outros quadros clínicos. Algumas das doenças de
hipersensibilidade mais conhecidas são o lúpus eritematoso, a artrite reumatóide, a

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esclerose múltipla, a diabetes do tipo I e a síndrome do intestino irritável (ABBAS;
LICHTMAN; PILLAI, 2015, passim).
Até pouco tempo atrás, o sistema nervoso central (SNC) era visto como
inacessível pelo SI devido à presença da barreira hematoencefálica. Porém, uma
série de experimentos demonstrou que este privilégio não era, de forma alguma,
absoluto. Na realidade, “o cérebro e o sistema imune formam uma rede de
comunicação bidirecional na qual o sistema imune opera como um órgão de sentido
difuso, informando o cérebro sobre eventos no corpo” (WATKINS; MAIER, 1998, p.
83). Três caminhos possuem destaque nesta comunicação 1) o sistema simpático-
adrenal (SSA), que inerva os órgãos do SI e também comunica-se com o mesmo por
meio de receptores β-adrenérgicos presentes em todos os linfócitos, 2) o eixo-HPA,
pela secreção de cortisol e outras substâncias com efeito no SI e 3) caminhos
diversos do SI ao SNC mediados principalmente por citocinas (MILLER;
SEGERSTROM, 2004, p. 3).
Pensar a interação entre o SNC e o SI permitiu aos cientistas o entendimento
dos resultados da resposta de estresse na predisposição a inflamações. Todavia,
também muitos achados importantes para a própria clínica médica foram granjeados
pelos avanços dessa ciência que foi chamada psiconeuroimunologia.
Quando se está doente, independente da causa da patologia, alguns sinais
são frequentemente observados. No estado de doença, fica-se menos atento,
menos bem humorado, reduz-se a atividade geral, a exploração do ambiente, os
comportamentos sexuais e a interação social. Até recentemente, esses sintomas
eram entendidos como um cansaço generalizado criado pelo gasto energético no
trabalho da doença pela supressão da causa mórbida.
Atualmente sabe-se que a síndrome do comportamento associado à doença
(sickness behavior syndrome - SBS) é na realidade um padrão filogenético
observado em todos os vertebrados, e possui um importante valor evolutivo. Uma
maneira interessante de observar como comportamento e fisiologia se unem nessas
ocasiões é entender o mecanismo da febre. A febre que nós, animais de sangue
quente, podemos produzir, é um mecanismo fisiológico que foi assimilado durante a
seleção das espécies por seu poder de combater alguns patógenos, mas que possui
seu correlato em um mecanismo comportamental observado nos animais de sangue
frio. Estes últimos, quando estão infectados por algum antígeno, exercem
comportamentos de abrigamento em ambientes mais quentes. Da mesma maneira,

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como o custo metabólico da febre propriamente dita é muito alto, nós humanos
costumamos procurar ficar debaixo de cobertas quando estamos doentes, o que é
causado quando as citocinas estimulam o hipotálamo a regular diferentemente a
sensação da temperatura, o que faz com que sintamos frio Outras estratégias
utilizadas pelo organismo durante a doença são menos óbvias. Por exemplo, a
anorexia e a adipsia (redução do apetite por comida e água). Contudo, esses
comportamentos têm também sua função, já que a diminuição da fome e da sede
reduz tanto o gasto de energia necessário para a procura de itens alimentícios como
o tempo de exposição do indivíduo doente aos predadores. Dessa forma, a SBS é
considerada não só uma reação fisiológica, mas um estado motivacional central
(WATKINS; MAIER, 1998).
Dissemos anteriormente que a maneira pela qual o SI estimula as mudanças
no SNC observadas na SBS é a sinalização por citocinas. No caso da inflamação,
vimos também que a maioria das citocinas envolvidas são a IL-1, a IL-6 e o TNF-α.
Contudo, sobre esta questão temos um problema. Ocorre que, de fato, a introdução
de citocinas no cérebro em experimentos causa todos os sintomas da SBS, já que
áreas do SNC possuem uma boa quantidade de receptores dessas substâncias.
Contudo, as citocinas são moléculas relativamente grandes e lipofóbicas, razão pela
qual estas não conseguem passar por grande parte da barreira hematoencefálica
(BHE). Assim, algumas hipóteses foram propostas para explicar a sinalização do SI
para o SNS, incluindo a entrada das citocinas por regiões mais fracas da BHE e
mecanismos de transporte ativo de substâncias que poderiam ocorrer nessas áreas.
De qualquer forma, o mecanismo mais aceito para esta sinalização passa pela
ativação de nervos periféricos que vão em direção ao cérebro, como o nervo vago,
(cuja função é 70% sensitiva e 30% parassimpática eferente, aproximadamente)
(WATKINS; MAIER, 1998, p. 88).
A estimulação, pelas citocinas pró-inflamatórias, de estruturas do entorno dos
terminais nervosos vagais, chamada paragânglia, leva uma mensagem aferente até
o núcleo do trato solitário (NTS), no bulbo raquidiano, dando início a uma cascata de
eventos. Projeções vindas dessa área e do núcleo parabraquial atingem o
hipotálamo e a amígdala (DANTZER, 2001), causando uma série de reações que
podem resultar em febre e outros fenômenos Estes mecanismos ficam evidentes
quando a porção aferente do nervo vago é seccionada, já que os fenômenos
observados pela infecção periférica em organismos com este circuito intacto, como

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febre, aumento na responsividade à dor, mudanças no circuito adrenérgico do
cérebro, aversões condicionadas a certos sabores, secreção de glicocorticóides,
diminuição da interação social e da ingesta alimentar não ocorrem nestes animais
(WATKINS; MAIER, 1998, p. 88).
As conexões entre o SI e o SNC não reduzem-se a caminhos ascendentes.
Pelo contrário, é possível perceber, como já dissemos, que a estimulação dos
circuitos de estresse leva a alterações alostáticas psiconeuroimunes que
evolutivamente tiveram grande papel nos momentos de luta e fuga. A montagem de
de experimentos em laboratório permitiu demonstrar, por exemplo, que ratos
submetidos a situações estressoras podem apresentar um quadro febril que dura até
45h depois da exposição. Da mesma forma, animais nessas condições
apresentaram um aumento nas células leucocitárias e na produção de proteínas de
fase aguda pelo fígado. Além disso, diversos estressores aumentam a concentração
de citocinas pró-inflamatórias no sangue e estimulam os macrófagos a reagir de
forma exagerada a PAMPs (WATKINS; MAIER, 1998).
Em conclusão, a resposta de estresse parece ser um mecanismo bastante
antigo que, em sua seleção, incluiu a hiperativação do sistema imune inato para a
pronta-ação do mesmo contra os patógenos com os quais pode-se ter contato
durante situações de luta ou fuga. Ao mesmo tempo, com base nos mesmos
experimentos, percebeu-se que a imunidade adquirida sofre uma redução neste
processo, diminuindo a resistência dos indivíduos a infecções virais e outras
doenças. Assim, o que o estresse causa é um deslocamento da ênfase dos
processos da imunidade adquirida para os processos da imunidade inata, que inclui
a inflamação (WATKINS; MAIER, 1998, p. 99).

A conceituação da palavra estresse, portanto, é utilizada para indicar o


conjunto de alterações fisiológicas, comportamentais, com repercussões no
sistema imune, que o organismo desenvolve diante de um desafio (agente
estressor) de natureza física ou psicossocial (positivo ou negativo), que
rompe a homeostase do organismo e exige assim um esforço de adaptação.
(ZIMPEL, 2005 apud SOUSA; SILVA; GALVÃO-COELHO, 2015. p. 3)

Consoante à ideia de que o paradigma da alostase leva a compreensão dos


mecanismos de equilíbrio do corpo para as áreas superiores do sistema nervoso
(para o SNC, incluindo o cérebro) e que muitas funções fisiológicas e

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comportamentais intercalam-se de forma a otimizar o custo das variações
alostáticas, Sterling (2012) propõe uma maneira de centralizar e didatizar o processo
de alostase baseando-se em um mecanismo ao qual deu o nome de stick-carrot
(literamente chicote-cenoura). Segundo o autor, a amígdala é uma estrutura cerebral
fundamental que integra uma série de processos de sinalização fisiológica, como a
pressão arterial, o balanço energético e mineral, além de receber sinais aferentes de
áreas viscerais e do tronco cerebral para modular o nível de excitação geral (arousal
level). Esta estrutura está integrada e é regulada, como vimos, pelo hipocampo,
essencial para a formação de memórias de longo prazo e da memória de pistas
contextuais, pelo córtex pré-frontal, que permite o planejamento e a decisão sobre
as ações. Esta organização, que poderia ser chamada córtico-amigdalar,
corresponde, para o autor, ao stick, já que, como um chicote, tal área mantém o ser
em movimento e alerta sobre os perigos que podem ser encontrados nos caminhos.
Com a quantidade de vias possíveis a serem tomadas pelos comportamentos
e pela fisiologia com vistas à melhor adaptação, todas as ações devem ser
valoradas, sendo escolhidas as que forem consideradas mais reforçadoras. Nesse
caso, o que está em funcionamento é o mecanismo carrot (cenoura), que calcula os
custos alostáticos com base na previsão das recompensas. Esta segunda parte do
mecanismo, segundo o autor, encontra-se em áreas dopaminérgicas que ligam o
núcleo accumbens, no estriado ventral, e o córtex pré-prontal (CPF) (STERLING,
2012).
Enquanto a estimulação elétrica dos corpos amigdalóides durante cirurgias
causa sensações de medo difuso, com dilatação da pupila e aumento do ritmo
cardíaco (MACHADO, 2005, p. 282), pulsos de dopamina liberados em áreas dos
gânglios da base como o núcleo accumbens geram uma sensação de desejo, cujo
significado fisiológico é a predição de recompensas. Em verdade, o cálculo entre
estresse e recompensa é bastante complexo. Por exemplo, caso um animal esteja
com muita fome, o mecanismo-stick irá forçar a queda do limiar do mecanismo-
carrot, aumentando o prazer previsto e realizado ao comer o alimento (STERLING,
2012). É o que conhecido no ditado popular como “a fome é o melhor tempero”.
Não é difícil perceber que todas essas incursões teóricas levam a um só
lugar: o papel da motivação e dos processos emocionais no equilíbrio e na
regulação do organismo como um todo. No livro “Mudanças Corporais na Dor, na
Fome, na Raiva e no Medo”, Cannon (1915) já atestara o valor das emoções no

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equilíbrio do corpo, equilibrando funções de maneira antecipatória e preparando o
corpo para cada ação. Como na palavra grega para emoção, páthos, tudo que
ocorre com alguém, com seu corpo e com sua alma, é um movimento que exige o
trabalho de auto-regulação, para a preservação das energeia, ou funções do
organismo.
Tudo leva a crer que o controle do processamento emocional, bem como da
motivação, ocorra no SNC. Esse controle está distribuído por uma série de regiões
cerebrais que trabalham juntas. Cognições, representações corporais, homeostase e
comportamentos estão integradas numa mesma rede centraliza o cálculo dos
perigos e do valor de recompensa, o que chamamos de motivação (GANZEL;
WETHINGTON; MORRIS, 2010). Esses cálculos estão ocorrendo a cada momento
no organismo, das mais variadas formas. Podemos percebê-los em condições
bastante delicadas, que envolvem inclusive outros corpos que não apenas os do
indivíduo. Por exemplo, em uma noite fria, ou após um dia estressante, pode-se
pagar o custo da mudança climática e das demandas emocionais com um copo de
conhaque, ou pode-se optar por colocar um casaco de veludo e deitar perto da
lareira, outros, ainda escolhem estar perto de seus amados, abraçados durante toda
a noite. Não é difícil perceber que o paradigma alostático pressupõe muito mais que
um mecanismo puramente físico, ele convoca a fisiologia a pensar um grau de
subjetividade e de estratégias de enfrentamento (coping) que fazem ver cada ser
humano como único e responsável pela própria vida.
Por sua centralidade no controle da alostase, as regiões relativas à emoção e
ao planejamento são também as mais afetadas pelos custos do estresse físico,
emocional e imunológico, com consequências que podem inclusive potencializar as
consequências negativas da sobrecarga alostática no corpo como um todo
(GANZEL; WETHINGTON; MORRIS, 2010, p. 135).
O custo do equilíbrio alostático é cumulativo, e aparece na forma do
automatismos fixos, formas estereotipadas reação ao ambiente causadas pela
acomodação dos parâmetros do organismo a uma taxa de resposta fixa que lembra
as formas anteriores mais bem sucedidas (ibid). Assim, pequenos estresses do dia-
a-dia contribuem aos poucos para causar, por exemplo, uma doença hipertensiva
que acompanhará o indivíduo por toda a vida. É importante lembrar que, vista assim,
uma patologia não é de forma alguma um problema, ao menos quando foi criada.
Uma doença de adaptação como a hipertensão é, pelo contrário, a memória de uma

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estratégia que certamente teve sucesso quando foi utilizada e que por isso se
repetiu até a exaustão e reacomodação do sistema.
O papel do tempo na alostase fica muito mais claro quando as acomodações
que a mesma engendra ocorre em momentos sensíveis ou críticos para o
desenvolvimento, como na infância e na adolescência. Ganzel e Morris (2011, p.
958) sugerem chamar esses períodos de janelas de plasticidade, quando o cérebro
está mais sujeito a modificações (vide os períodos críticos para o desenvolvimento
do CPF na adolescência) e janelas de vulnerabilidade, como é o caso da vida fetal.
Recentemente, Miller e Nusslock (2016) propuseram um modelo hipotético
bastante abrangente, ao qual chamaram de Hipótese da Rede Neuroimune
(Neuroimmune Network Hypothesis - NNH). Esse modelo é bastante interessante na
medida em que organiza achados de diferentes áreas sobre os efeitos do acúmulo
de estressores durante períodos como a infância. Ainda que este modelo não
explique a diferença no enfrentamento observada em cada indivíduo, tampouco a
especificidade das situações estressoras, o mesmo ainda é aproveitável já que faz
operar as questões fundamentais discutidas até aqui.
A NNH trabalha com dois conceitos básicos: sensibilização e vulnerabilidade.
Além disso, identifica três redes principais de comunicação entre o efeito dos
estressores no corpo e os processos cerebrais: 1) a rede córtico-amigdalar,
chamada rede de sensibilidade a ameaças, 2) a rede córtico-basal-gangliar, ou rede
de sensibilidade a recompensas, e 3) a rede pré-frontal, ou rede de controle
executivo.
Na primeira parte de seu artigo, Miller e Nusslock (2016) demonstram que
crianças que sofreram abusos ou maus-tratos na infância, bem como crianças
vindas de famílias de classes baixas, apresentam um menor recrutamento de
regiões pré-frontais dorso e ventrolaterais e de áreas do córtex cingulado anterior na
regulação da amígdala, além de uma hiperresponsividade desta última, mesmo
depois de adultas. Além disso, essas modificações, que reduzem o limiar de
detecção de perigos, tem consequências no SSA e no HPA, dois sistemas
intimamente relacionados ao SI. Ao mesmo tempo, pessoas que sofreram diversos
estressores na infância apresentam maior reatividade inflamatória, maior quantidade
de citocinas circulantes e outros marcadores inflamatórios e menor possibilidade de
inibição da resposta inflamatória pelo cortisol. Como a ativação da detecção de
ameaças estimula essas mesmas modificações no sistema imune e, como vimos, a

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ativação do sistema imune causa uma estimulação no circuito de detecção de
ameaças, tem-se uma interferência bidirecional entre os dois sistemas.
Do ponto de vista da rede de sensibilidade a recompensas, é possível
demonstrar que pessoas e animais que sofreram estresse precoce apresentam uma
menor ativação deste circuito, o que contribui para a manifestação de
comportamentos de risco, como consumo de drogas, álcool, açúcar, dentre outros,
que procuram dar conta da diminuição no prazer observada. Da mesma forma,
processos inflamatórios diminuem a qualidade reforçadora de estímulos como o
sexo, e criam estados similares à depressão. Além disso, pessoas que recebem
citocinas como tratamento de hepatite-C apresentam uma taxa de depressão entre
30 e 50%, e são tratadas com paroxetina (ibidem).
Como o CPF é uma das últimas áreas neurais a ter seu desenvolvimento e
maturação completos, esta área é uma das que mais sofrem com os efeitos
inflamatórios ascendentes do SI para o SNC, bem como com a interferência entre a
amígdala hiperativada e o SI e com a realização de comportamentos de risco como
o fumo, a bebida e outros. Com isso, por ser uma instância reguladora da amígdala
e fundamental no planejamento, o custo acumulado nessa área amplifica mais ainda
as interferências neuroimunes e a resposta do estresse, demonstrando a
necessidade de cuidar-se do bom desenvolvimento desta região a partir da
promoção da saúde (ibidem)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O paradigma da regulação cerebral, ou ainda, a união entre o paradigma da


regulação autonômica e o da regulação cerebral, revela a possibilidade de uma
maior participação da psicologia nas ciências da saúde, a partir do conceito de uma
reformulação do conceito de homeostase, que é a base da própria fisiologia médica.
O curto espaço de uma monografia infelizmente não é suficiente para abarcar
todas as peculiaridades de um tema tão complexo. Porém, espera-se poder
continuar, mais à frente, o trabalho aqui iniciado, que deixa, portanto, espaço para
novas linhas a serem postas no papel.

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