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INTRODUÇÃO
AO SISTEMA
DE DIREITOS HUMANOS
DIGNIDADE HUMANA
DIREITOS HUMANOS
EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS
SEGURANÇA HUMANA
“A campanha recorda-nos que, num mundo ainda a despertar dos horrores da Segunda
Guerra Mundial, a Declaração foi a primeira afirmação global daquilo que agora toma-
mos como adquirido – a inerente dignidade e igualdade de todos os seres humanos.”
Sérgio Vieira de Mello, Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. 2003
44 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
A. COMPREENDER
OS DIREITOS HUMANOS
A aspiração de proteger a dignidade humana A solidariedade relaciona-se com os di-
de todas as pessoas está no centro do concei- reitos económicos e sociais, tais como o
to de direitos humanos. Este conceito coloca direito à segurança social, remuneração
a pessoa humana no centro da sua preocu- justa, condições de vida condignas, saú-
pação, é baseado num sistema de valores de e educação acessíveis, que são parte
universal e comum dedicado a proteger a integrante do sistema de direitos huma-
vida e fornece o molde para a construção de nos. Aqueles pilares surgem em detalhe,
um sistema de direitos humanos protegido sob cinco títulos, sendo estes os direitos
por normas e padrões internacionalmente políticos, civis, económicos, sociais e cul-
aceites. Durante o século XX, os direitos hu- turais, juridicamente definidos em dois
manos evoluíram como um enquadramen- Pactos paralelos que, juntamente com a
to moral, político e jurídico e como linha DUDH, formam a Carta Internacional dos
de orientação para desenvolver um mundo Direitos Humanos.
sem medo e sem privações. No século XXI,
é mais imperativo do que nunca tornar os “Todos os direitos humanos para todos”
direitos humanos conhecidos e compreendi-
dos e fazê-los prevalecer. foi o lema da Conferência Mundial sobre
O artigo (artº) 1º da Declaração Univer- Direitos Humanos de Viena, em 1993.
sal dos Direitos Humanos (DUDH), ado- Os direitos humanos empoderam os in-
tada pelas Nações Unidas em 1948, refere divíduos, bem como as comunidades de
os principais pilares do sistema de direi- modo a procurarem a transformação da
tos humanos, isto é, liberdade, igualda-
sociedade rumo à completa implementa-
de e solidariedade. Liberdades tais como ção de todos os direitos humanos. Os con-
a liberdade de pensamento, consciência flitos têm de ser solucionados através de
e de religião, bem como de opinião e de meios pacíficos, fundamentados no prima-
expressão estão protegidas pelos direitos do do Direito e no âmbito do sistema de
humanos. Do mesmo modo, os direitos direitos humanos.
humanos garantem a igualdade, tal como Contudo, os direitos humanos podem in-
a proteção igual contra todas as formas de terferir entre si; eles são limitados pelos
discriminação no gozo de todos os direitos direitos e liberdades dos outros ou por
humanos, incluindo a igualdade total en- requisitos de moralidade, de ordem pú-
tre mulheres e homens. blica e do bem comum de uma sociedade
democrática (artº 29º da DUDH). Os di-
“Todos os seres humanos nascem livres e
reitos humanos dos outros têm de ser res-
iguais em dignidade e em direitos […] de-
peitados, não apenas tolerados. Os direitos
vem agir uns para com os outros em espíri-
humanos não podem ser utilizados para
to de fraternidade.”
violar outros direitos humanos (artº 30º
Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Hu-
da DUDH); assim, todos os conflitos têm
manos. 1948.
de ser resolvidos no respeito pelos direitos
A. COMPREENDER OS DIREITOS HUMANOS 45
B. DIREITOS HUMANOS
E SEGURANÇA HUMANA
A DUDH foi redigida na sequência das foi declarado que a segurança humana
mais graves violações da dignidade huma- visa proteger os direitos humanos, isto
na, em particular, a experiência do Holo- é, através da prevenção de conflitos e do
causto durante a Segunda Guerra Mundial. tratamento das verdadeiras causas para
O ponto central é a pessoa humana. O pre- a insegurança e a vulnerabilidade. Uma
âmbulo da DUDH refere-se à liberdade de estratégia de segurança humana pretende
viver sem medo e sem privações. A mes- estabelecer uma cultura política global, as-
ma abordagem é inerente ao conceito de sente nos direitos humanos. Neste contex-
segurança humana. to, a educação para os direitos humanos é
Na Sessão de Trabalho (Workshop) In- uma estratégia rumo à segurança humana,
ternacional sobre Segurança Humana e uma vez que capacita as pessoas na pro-
Educação para os Direitos Humanos que cura de soluções para os seus problemas,
decorreu em Graz, em julho de 2000, com base num sistema global de valores
48 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
rança Humana. Desde 2005, é publicado Na década que se seguiu à destruição ter-
um Relatório sobre Segurança Humana, rorista do World Trade Centre, em 11 de
sob a direção de Andrew Mack, que se setembro de 2001, tem havido mais ênfase
centra nas ameaças violentas à seguran- sobre a soberania nacional e os interes-
ça humana. Este Relatório mostra a rela- ses de segurança, também como resulta-
ção entre conflitos e governação demo- do da “Guerra ao Terror”, declarada pelos
crática, demonstrando que um aumento Estados Unidos e que, porém, teve lugar
de governos democráticos no mundo em detrimento dos direitos humanos. Na
conduz a uma redução dos conflitos vio- Europa, a preocupação central tem sido o
lentos (Relatório sobre Segurança Huma- equilíbrio entre a segurança, a liberdade e
na 2009/2010). os direitos humanos.
C. HISTÓRIA E FILOSOFIA
DOS DIREITOS HUMANOS
A ideia de dignidade humana é tão an- A ONU, sob a liderança de Eleanor Roose-
tiga quanto a história da humanidade e velt, René Cassin e Joseph Malik, elaborou
existe de variadas formas, em todas as a DUDH, com a participação de 80 peritos
culturas e religiões. Por exemplo, o im- do Norte e do Sul, que moldaram as ideias
portante valor atribuído ao ser humano e linguagem do documento. Os direitos
pode ser encontrado na filosofia africana humanos tornaram-se num conceito uni-
de ubuntu ou na proteção de estrangei- versal, com fortes influências do Oriente
ros no Islão. A “regra de ouro” segundo a e do Sul, designadamente, o conceito de
qual devemos tratar os outros como gos- direitos económicos, sociais e culturais, o
taríamos de ser tratados existe em todas direito à autodeterminação e ao desenvol-
as grandes religiões. O mesmo vale para a vimento, a proteção contra a discrimina-
responsabilidade da sociedade de cuidar ção racial e o apartheid.
dos seus pobres e para as noções funda- Atendendo a que, historicamente, os ci-
mentais de justiça social. dadãos se tornaram os primeiros bene-
Contudo, a ideia de “direitos humanos” é ficiários dos direitos humanos constitu-
o resultado do pensamento filosófico dos cionalmente protegidos, em virtude das
tempos modernos, com fundamento na fi- suas lutas pelas liberdades fundamentais
losofia do racionalismo e do iluminismo, e pelos direitos económicos e sociais, os
no liberalismo e democracia, e também no estrangeiros só poderiam ser titulares de
socialismo. Ainda que o conceito moder- direitos em casos excecionais ou com base
no de direitos humanos tenha emanado em acordos bilaterais. Os estrangeiros ne-
sobretudo da Europa, deve ser sublinhado cessitavam da proteção do seu próprio Es-
que as noções de liberdade e de justiça so- tado, que representava os seus nacionais
cial, que são fundamentais para os direitos no estrangeiro, enquanto o conceito de
humanos, são parte de todas as culturas. direitos humanos obriga qualquer Estado
52 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
D. CONCEITO E NATUREZA
DOS DIREITOS HUMANOS
Atualmente, o conceito de direitos huma- pela Conferência Mundial de Viena sobre
nos é reconhecido como universal, como Direitos Humanos, em 1993, e nas Resolu-
se poderá verificar na Declaração adotada ções da ONU aprovadas por ocasião do 50º
54 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
aniversário da DUDH, em 1998. Alguns cé- social, que deverão ser “realizados progres-
ticos que questionam a universalidade dos sivamente”, devido ao facto de implicarem
direitos humanos devem ser recordados de obrigações financeiras para os Estados
que Estados tão geograficamente diversos (cfr. Artº 2º, nº1 do PIDESC).
como a China, o Líbano ou o Chile se en- No passado, alguns Estados ou grupos de
contravam entre aqueles que participaram Estados, tais como os Estados socialistas
na elaboração deste conceito, na segunda em particular, expressaram preferência pe-
metade dos anos 40. De qualquer modo, los direitos económicos, sociais e culturais,
desde então, muitos mais Estados demons- em oposição aos direitos civis e políticos, ao
traram o seu apoio à DUDH e ratificaram passo que os Estados Unidos da América e
o PIDCP e o PIDESC, que se fundamentam os Estados-membros do Conselho da Europa
na DUDH. A Convenção sobre a Elimina- demonstraram uma certa preferência pelos
ção de Todas as Formas de Discriminação direitos civis e políticos. Porém, na Confe-
contra as Mulheres (CEDM) já foi ratifi- rência Mundial de Direitos Humanos de
cada por 187 países, em janeiro de 2012, Teerão, em 1968, tal como na Conferência
embora com muitas reservas, ao passo que Mundial de Viena, em 1993, aquele debate
a Convenção sobre os Direitos da Criança improdutivo foi resolvido, tendo-se concluí-
(CDC) foi ratificada por 193 Partes. do pelo reconhecimento da igual importân-
A base do conceito de direitos humanos cia de ambas as categorias ou dimensões
assenta no conceito da inerente dignidade de direitos humanos. Em Teerão, em 1968,
humana de todos os membros da família estes foram declarados indivisíveis e inter-
humana, consagrado na Carta das Nações dependentes, uma vez que o gozo pleno
Unidas (CNU), na DUDH e nos Pactos de dos direitos económicos, sociais e culturais
1966, que também reconheceram o ideal de é praticamente impossível sem o gozo dos
seres humanos livres no exercício da sua direitos civis e políticos e vice-versa.
liberdade de viver sem medo e sem priva-
ções e enquanto titulares de direitos iguais “Os direitos humanos são a fundação da
e inalienáveis. Em concordância, os direi- liberdade, paz, desenvolvimento e justiça e
tos humanos são universais e inalienáveis, o cerne do trabalho das Nações Unidas em
o que significa que se aplicam em todo o todo o mundo.”
lado e não podem ser retirados à pessoa Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas.
humana, ainda que com o seu consenti- 2010.
mento. Tal como defendido na Conferência
Mundial de Viena sobre Direitos Humanos, Nos anos 80, uma categoria adicional de
em 1993, pelo então Secretário-Geral das direitos humanos obteve reconhecimento,
Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, “os ou seja, o direito à paz e à segurança, o di-
direitos humanos adquirem-se à nascença”. reito ao desenvolvimento e o direito a um
Os direitos humanos também são indivi- ambiente saudável. Estes direitos forne-
síveis e interdependentes. Podem ser dis- cem o quadro necessário ao gozo de todos
tinguidas diferentes categorias ou dimen- os outros direitos. Porém, não há condi-
sões de direitos humanos: direitos civis e cionalidade, no sentido de que uma cate-
políticos, como a liberdade de expressão, goria constitua uma condição prévia para
e direitos económicos, sociais e cultu- a outra. A terceira categoria é designada
rais, como o direito humano à segurança por direitos de solidariedade, uma vez
D. CONCEITO E NATUREZA DOS DIREITOS HUMANOS 55
E. PADRÕES DE DIREITOS
HUMANOS A NÍVEL UNIVERSAL
F. IMPLEMENTAÇÃO
DOS INSTRUMENTOS UNIVERSAIS
DE DIREITOS HUMANOS
Os Estados têm o dever de respeitar, pro- Outro desenvolvimento digno de nota é a
teger e implementar os direitos humanos. crescente ênfase na prevenção das vio-
Em muitos casos, a implementação signi- lações dos direitos humanos, através da
fica que o Estado e as suas autoridades adoção de medidas estruturais, isto é, atra-
têm de respeitar os direitos aceites, isto é, vés da atuação de instituições nacionais de
respeitar o direito à privacidade e o direito direitos humanos ou através da inclusão
de expressão. Isto é particularmente rele- de uma dimensão de direitos humanos nas
vante para os direitos civis e políticos, ao operações de manutenção da paz. O ob-
passo que os direitos económicos, sociais jetivo da prevenção é também uma priori-
e culturais implicam obrigações positivas dade da perspetiva da segurança humana
de implementação, por parte do Estado. relacionada com os direitos humanos (ver
Ou seja, neste último caso, o Estado terá também o B.).
de garantir ou fornecer certos serviços,
tais como a educação e a saúde e assegu- Em primeiro lugar, os direitos humanos
rar certos padrões mínimos. Neste contex- têm de ser implementados ao nível na-
to, é tida em consideração a capacidade de cional. Todavia, poderá haver obstáculos,
cada Estado para o fazer. Por exemplo, o nomeadamente, os relacionados com defi-
artº 13º do PIDESC reconhece o direito de ciências de “boa governação”, tais como a
todos à educação. Porém, especifica que existência de corrupção e ineficiência no
apenas o ensino primário tem de ser gra- âmbito dos poderes executivo ou judicial.
tuito. O ensino secundário e superior tem De forma a assegurar que o Estado está a
de ser disponibilizado e acessível, de uma cumprir com as suas obrigações, foi ins-
maneira geral para todos, mas apenas se tituída a monitorização internacional do
espera que a gratuitidade da educação seja desempenho dos Estados, na maior parte
conseguida progressivamente. O conceito das convenções internacionais de direitos
de realização progressiva de acordo com a humanos. Esta monitorização pode assu-
capacidade do Estado é aplicado a vários mir várias modalidades.
direitos económicos, sociais e culturais. O sistema de apresentação de relatórios
O dever de proteger requer que o Esta- existe em muitas convenções internacio-
do evite a violência e a violação de outros nais. Desta forma, os Estados têm de apre-
direitos humanos, junto da população do sentar relatórios, regularmente, acerca do
seu território. Do mesmo modo, os direitos seu desempenho no que respeita à prote-
humanos também têm uma “dimensão ho- ção dos direitos humanos. Normalmente,
rizontal”, que está a ganhar importância um comité de peritos analisa os relatórios
na era da globalização, ao suscitar a ques- e apresenta recomendações para o forta-
tão da responsabilidade social das empre- lecimento da implementação. O Comité
sas transnacionais. também pode elaborar Comentários Gerais
60 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
quanto à interpretação correta da conven- tem os mecanismos criados pela Carta, que
ção. Em alguns casos, como o do PIDCP, se desenvolveram com base na Carta das Na-
existe um Protocolo facultativo que auto- ções Unidas e que se destinam às violações
riza o Comité dos Direitos Civis e Políticos dos direitos humanos no mundo. Um deles
a receber queixas individuais de pessoas foi o procedimento confidencial 1503, com
sobre alegadas violações dos seus direitos fundamento na Resolução 1503 do ECOSOC
humanos. Porém, tal só é possível para as de 1970, e 2000/3 de 2000, que permite o en-
pessoas que residem num dos 114 Estados vio de petições para o gabinete do Alto Co-
que ratificaram o protocolo facultativo. missário da ONU para os Direitos Humanos,
Protocolos semelhantes introduziram a em Genebra, e que são posteriormente ana-
queixa e, por vezes, também mecanismos lisadas por um grupo de peritos da Sub-Co-
de inquérito, no respeitante a outras con- missão da ONU para a Promoção e Proteção
venções, tais como o Protocolo Facultativo dos Direitos Humanos. Este procedimento,
ao PIDESC, de 2008 (6 Estados Partes2) ou que é especificamente destinado a violações
o Protocolo Opcional à Convenção sobre graves de direitos humanos, encontra-se sob
os Direitos das Pessoas com Deficiência, a responsabilidade do Conselho de Direitos
de 2006 (com 65 Estados Partes). Humanos desde 2006. As queixas sob o pro-
Algumas convenções também incluem o cedimento 1503 devem agora ser tratadas
mecanismo de queixas interestatais, mas através de dois comités (para as comunica-
esta é uma modalidade raramente utiliza- ções e para as situações), antes de chegarem
da. Só existe um procedimento judicial ao Conselho de Direitos Humanos. Durante
no âmbito das Convenções Europeia e o período de trabalho de 1947 a 2006, da Co-
Interamericana de Direitos Humanos, es- missão de Direitos Humanos e da sua Sub-
tando os respetivos Tribunais habilitados Comissão, os procedimentos especiais, isto
a emitir sentenças vinculativas para os Es- é, as atividades dos relatores especiais e dos
tados. Também se estabeleceu um Tribu- representantes da Comissão de Direitos Hu-
nal Africano dos Direitos Humanos e dos manos ou do Secretário-Geral relativamente
Povos, depois de o seu Estatuto (Protocolo aos direitos humanos, têm vindo a adquirir
à Carta Africana dos Direitos Humanos e importância. Há “relatores por país” como,
dos Povos) ter entrado em vigor com su- por exemplo, os relatores especiais e, confor-
cesso, em janeiro de 2004. Em 1 de julho me as circunstâncias, peritos independentes
de 2008, o tribunal foi fundido com o Tri- para situações específicas de direitos huma-
bunal de Justiça Africano, conhecido ago- nos no Sudão, no Haiti e Myanmar e na Re-
ra como o Tribunal Africano de Justiça e pública Democrática do Congo. Há também
Direitos Humanos. “relatores temáticos” como, por exemplo, os
De forma complementar aos mecanismos relatores especiais para a tortura ou para a
contidos nos instrumentos de direitos huma- violência contra as mulheres. O seu man-
nos, tais como as convenções, também exis- dato é normalmente de três anos, sujeito a
extensão.
No todo, existem cerca de 40 procedimen-
2
Nota da versão em língua portuguesa: O Protocolo tos especiais que recolhem informações de
Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos acordo com o seu país ou área temática de
Económicos, Sociais e Culturais entrou em vigor no
dia 5 de maio de 2013 tendo, nessa data, 10 Estados atividade, submetendo relatórios anuais.
Partes. Estes procedimentos refletem o ativismo
F. IMPLEMENTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS UNIVERSAIS DE DIREITOS HUMANOS 61
crescente da ONU e também funcionam tuída pelo ‘Comité Consultivo para os Di-
como mecanismos de acompanhamento, reitos Humanos’, composto por peritos e
nos casos em que não tenham sido previs- realizando um trabalho substantivo a ser
tos procedimentos de cumprimento ou que adotado pelo CDH. Os procedimentos es-
se demonstre a falta de eficácia na susten- peciais continuam a ser testados. As pri-
tabilidade e na monitorização. Exemplos meiras experiências com o CDH foram de
podem ser encontrados na Declaração dos vária ordem. A intensidade das sessões
Defensores de Direitos Humanos, de 1998, aumentou, porém, os padrões de voto no
ou no caso de alguns direitos económicos Conselho deram a maioria aos países em
e sociais, tais como, os direitos humanos à desenvolvimento, especialmente do mun-
educação, à alimentação, a uma habitação do Islâmico, conduzindo a uma revisão
condigna, à saúde e a políticas de ajusta- das prioridades. Estes países pretenderam
mento estrutural. Existem ainda os “peritos que o Conselho focasse a sua atenção nos
independentes”, por exemplo do direito ao territórios palestinianos ocupados mais do
desenvolvimento e os “grupos de trabalho”, que, por exemplo, no genocídio no Sudão.
como é o caso do grupo de trabalho sobre os Também, os mandatos para os relatores
desaparecimentos forçados e involuntários. por país, de Cuba e da Bielorrússia, não
Em 2006, como parte das reformas das Na- foram renovados. Em 2010/2011, teve lugar
ções Unidas, o Conselho de Direitos Huma- a revisão dos novos procedimentos.
nos da ONU assumiu todos os mandatos, Note-se ainda que o Alto Comissariado da
funções e responsabilidades da Comissão ONU para os Direitos Humanos tem vindo
de Direitos Humanos e desde então respon- a aumentar os seus recursos, para o estabe-
de diretamente perante a Assembleia-Geral lecimento de missões do Alto Comissaria-
das Nações Unidas. O Conselho de Direitos do, em países em que existe uma situação
Humanos (CDH) é suposto levar a eficácia problemática no que diz respeito aos direi-
do sistema de direitos humanos das Na- tos humanos. Estabeleceram-se missões em
ções Unidas a um patamar mais elevado. países como o Afeganistão, a Bósnia-Her-
Para este efeito, aumentou-se o número de zegovina, o Camboja, a Colômbia, a Gua-
sessões para três por ano, assim como se temala, o Haiti, o Kosovo, o Montenegro,
atribuiu ao Conselho de Direitos Humanos a Serra Leoa, etc. Estas missões recolhem
a tarefa de rever a situação de direitos hu- informações e promovem a elevação dos
manos em todos os Estados-membros das padrões de direitos humanos, designada-
Nações Unidas, com base na DUDH e ou- mente, através da assessoria no processo de
tros tratados de direitos humanos ratifica- reforma legislativa ou da participação nos
dos [Revisão Periódica Universal (RPU)]. trabalhos da comunidade internacional.
Até 2011, todos os Estados-membros das As atividades destas instituições especiais
Nações Unidas foram submetidos à RPU têm um propósito de proteção e de promo-
que conclui com diversas recomendações e ção. Elas promovem a sensibilização para
constitui uma inovação relevante. os direitos humanos e a sua inclusão em
O Conselho de Direitos Humanos, através todas as ações, de modo a fundamentar
das suas sessões especiais, pode, rapida- solidamente as soluções adotadas em prin-
mente, responder a problemas graves de cípios de direitos humanos. Na verdade, a
direitos humanos. A Sub-Comissão para a promoção dos direitos humanos implica
Proteção dos Direitos Humanos foi substi- uma tarefa bem mais ampla que não pode-
62 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
G. DIREITOS HUMANOS
E A SOCIEDADE CIVIL
O impacto da sociedade civil, representado Helsinki Federation (IHF) influenciam os go-
sobretudo pelas ONG, tem-se revelado cru- vernos e a comunidade internacional através
cial para o desenvolvimento do sistema de da elaboração de relatórios de elevada qua-
direitos humanos. As ONG assentam na li- lidade, fundamentados na investigação dos
berdade de associação, protegida pelo artº factos e na monitorização. Uma outra forma
22º do PIDCP. Na ONU, tornaram-se uma de atuação eficaz das ONG é a elaboração
espécie de “consciência do mundo”. Normal- dos “relatórios-sombra” paralelos aos rela-
mente, prosseguem interesses de proteção tórios oficiais nacionais apresentados junto
específicos, como a liberdade de expressão e dos órgãos internacionais de monitorização.
dos meios de informação (Artº 19º) ou a pre- Algumas ONG, tais como a Avaaz (voz) ou a
venção da tortura e de tratamentos desuma- Change especializaram-se em campanhas de
nos ou degradantes (Associação para a Pre- direitos humanos, meio-ambiente ou desen-
venção da Tortura, APT). As ONG, como a volvimento, etc., utilizando para o seu esco-
Amnistia Internacional, utilizam procedi-
po, com muita eficácia, a internet.
mentos particulares, tais como os “pedidos
urgentes de ação” com o objetivo de pres-
sionar os governos. A estratégia “mobiliza- De acordo com uma resolução da AGNU,
ção da vergonha” pode ser bastante efetiva, em 1998, a Declaração dos Defensores
sobretudo, se contar com o apoio de meios dos Direitos Humanos, as pessoas e
de informação independentes. As ONG, tais as ONG que trabalham ao serviço dos
como a International Crisis Group (ICG), a direitos humanos têm de ter a liberda-
Human Rights Watch, ou a International de necessária para o fazer e têm de ser
G. DIREITOS HUMANOS E A SOCIEDADE CIVIL 63
rindo só alguns, a sociedade civil interna- volver a participação cívica nos pro-
cional tem chamado a atenção do mundo cessos económicos e políticos e para
para as ameaças à segurança humana. assegurar que os compromissos institu-
As ONG podem fortalecer e mobilizar vá- cionais respondem às necessidades das
rias organizações da sociedade civil nos pessoas.
seus países, através de uma educação ba- (Fonte: Comissão sobre a Segurança
seada nos direitos humanos, para desen- Humana. 2003. Segurança Humana Já.)
H. SISTEMAS REGIONAIS
DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO
DE DIREITOS HUMANOS
Além do sistema universal de proteção lho da Europa (em 2012: 47 Estados-mem-
dos direitos humanos, desenvolveram-se bros), o da Organização para a Seguran-
vários sistemas regionais de direitos hu- ça e Cooperação na Europa (em 2012: 56
manos que, habitualmente, conferem um Estados-membros) e o da União Europeia
padrão mais elevado de direitos e da sua (em 2012: 27 Estados-membros, 28 depois
implementação. da adesão esperada da Croácia, em 2013).
A vantagem dos sistemas regionais é a O sistema europeu de direitos humanos é o
sua capacidade de resolver as queixas de sistema regional mais elaborado. Desenvol-
forma mais eficiente. No caso dos tribu- veu-se em reação às violações em massa de
nais, as sentenças são vinculativas e com direitos humanos durante a Segunda Guer-
indemnizações e as recomendações das ra Mundial. Os direitos humanos, o prima-
Comissões de Direitos Humanos são geral- do do Direito e a democracia pluralista são
mente levadas a sério pelos Estados. Po- os pilares do ordenamento jurídico euro-
dem não só resultar em “casos que abrem peu. Os instrumentos principais do Con-
precedentes” na interpretação e clarifica- selho da Europa e da União Europeia são
ção das disposições contidas nos instru- vinculativos para todos os Estados Partes.
mentos de direitos humanos, mas também
na alteração das leis nacionais de modo Instrumentos Europeus de Direitos
a torná-las conformes com as obrigações Humanos
internacionais de direitos humanos. Mais, - Convenção para a Proteção dos Direitos
os sistemas regionais tendem a mostrar Humanos e das Liberdades Fundamen-
uma maior sensibilidade para com preo- tais (1950) e 14 Protocolos Adicionais
cupações culturais e religiosas, caso haja
- Carta Social Europeia (1961), revista
razões válidas para elas.
em 1991 e 1996 e Protocolos Adicio-
nais 1988 e 1995
I. EUROPA
- Convenção Europeia para a Prevenção
O sistema europeu de direitos humanos da Tortura e das Penas ou Tratamentos
tem três dimensões: o sistema do Conse- Desumanos ou Degradantes (1987)
H. SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DE DIREITOS HUMANOS 65
- Ato Final de Helsínquia (1975) e o vado interesse tem vindo a ser depositado
respetivo processo seguinte da CSCE/ na Carta Social Europeia que foi alterada
OSCE com a Carta de Paris para uma duas vezes, em 1988 e em 1995. Atual-
nova Europa (1990) mente, confere também a possibilidade de
queixas coletivas, com base num Protoco-
- Carta Europeia das Línguas Regionais lo Adicional.
ou Minoritárias (1992) Uma significativa inovação surgiu com a
- Convenção Quadro para a Proteção Convenção Europeia para a Prevenção da
das Minorias Nacionais (1994) Tortura e das Penas ou Tratamentos De-
- Carta dos Direitos Fundamentais da sumanos ou Degradantes, de 1987, que
União Europeia (2000) criou o Comité Europeu para a Prevenção
da Tortura e das Penas ou Tratamentos De-
1. O Sistema de Direitos Humanos do sumanos ou Degradantes. O Comité envia
Conselho da Europa delegações a todos os Estados Partes da
Convenção para realizarem visitas regula-
a. Visão geral res ou especiais (Ad-hoc) a prisões, hospi-
O instrumento jurídico principal é a Con- tais psiquiátricos e todos os outros locais
venção Europeia para a Proteção dos de detenção. Assim, a lógica do sistema
Direitos Humanos e das Liberdades Fun- assenta no seu efeito preventivo ao contrá-
damentais (CEDH), de 1950, juntamente rio da proteção ex-post facto ainda da res-
com os seus 14 Protocolos Adicionais. De ponsabilidade da CEDH e do seu Tribunal.
particular importância são os Protocolos Em dezembro de 2002, a AGNU adotou um
nº 6 e nº 13, sobre a abolição da pena Protocolo Facultativo à Convenção da ONU
de morte, que distinguem a perspetiva eu- contra a Tortura que prevê um mecanismo
ropeia de direitos humanos da perspetiva semelhante a operar em todo o mundo.
dos Estados Unidos da América, e os Pro- Este prevê os “Mecanismos de Prevenção
tocolos nº 11 e nº 14, que substituíram a Nacionais” a serem estabelecidos em todos
Comissão Europeia dos Direitos Humanos os Estados Partes e visitas preventivas a se-
e o Tribunal Europeu dos Direitos Huma- rem realizadas pelo Subcomité para a Pre-
nos por um tribunal permanente de Di- venção da Tortura (SPT).
reitos Humanos, o Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (TEDH), e melhoraram
os seus procedimentos. A CEDH contém, Proibição da Tortura
sobretudo, direitos civis e políticos, mas
também o direito à educação. A Convenção Quadro Europeia para a
A Carta Social Europeia, de 1961, foi con- Proteção das Minorias Nacionais (1995)
cebida para adicionar os direitos económi- foi elaborada após a Cimeira do Conse-
cos e sociais, mas nunca atingiu a mesma lho da Europa em Viena, em 1993, como
importância da CEDH. Desde o início que reação aos problemas crescentes com os
sofreu de um sistema de implementação direitos das minorias na Europa. Estes pro-
débil e ineficiente. Contudo, paralelamen- blemas são o resultado da dissolução da
te à crescente atenção conferida aos direi- União Soviética e da República Socialista
tos económicos e sociais, a nível universal, da Jugoslávia e, mais genericamente, dos
desde o final da década de 80, um reno- processos de autodeterminação que ocor-
66 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
reram na Europa, na década de 90. Segun- - Comité Europeu dos Direitos Sociais
do a Convenção, os Estados têm de prote- (revisto 1999)
ger os direitos individuais dos membros de
minorias nacionais, mas também têm de - Comité Europeu para a Prevenção da
proporcionar as condições que permitam Tortura e das Penas ou Tratamentos
às minorias manter e desenvolver a sua Desumanos ou Degradantes (CPT,
cultura e a sua identidade. Contudo, o me- 1989)
canismo de efetivação da lei resume-se a - Comité Consultivo da Convenção Qua-
um sistema de apresentação de relatórios dro para a Proteção das Minorias Na-
e à existência de um Comité Consultivo de cionais (1998)
Peritos encarregado de analisar esses re-
latórios e que também realiza visitas aos - Comissão Europeia contra o Racismo e
países. a Intolerância (CERI, 1993)
A Comissão Europeia contra o Racismo - Comissário Europeu para os Direitos
e a Intolerância (CERI) foi estabelecida Humanos (1999)
na Cimeira da Europa em Viena, em 2003,
- Comité de Ministros do Conselho da
para combater o racismo, a xenofobia, o
Europa
antissemitismo e a intolerância. Para esta
finalidade, a Comissão, junto com os Esta- - Assembleia Parlamentar do Conselho
dos-membros do Conselho da Europa, pre- da Europa
para relatórios periódicos sobre a situação
nesta área. Também apresenta recomenda- Organização para a Segurança e Coope-
ções gerais de política e preocupa-se com ração na Europa (OSCE):
o envolvimento da sociedade civil, na luta
- Escritório para as Instituições De-
contra o racismo e intolerância.
mocráticas e os Direitos Humanos
O Conselho da Europa também estabe-
(ODIHR, 1990)
leceu, em 1999, um Comissário para os
Direitos Humanos que se centra nas la- - Alto Comissariado para as Minorias
cunas da proteção europeia dos direitos Nacionais (1992)
humanos, tal como a situação dos mi- - Representante para a Liberdade dos
grantes, e também realiza visitas aos paí- Meios de Informação (1997)
ses. A Assembleia Parlamentar do Con-
selho da Europa encontra-se ativamente União Europeia (UE):
envolvida nas questões dos direitos hu-
manos, enquanto o Comité de Ministros é - Tribunal de Justiça da União Europeia
o órgão funcional principal na supervisão (TJUE)
de todo o sistema. - Comissário Europeu de Justiça e Direi-
tos Fundamentais
Instituições e Órgãos Europeus de Di-
reitos Humanos - Agência dos Direitos Fundamentais
da União Europeia (2007), estabeleci-
Conselho da Europa (CdE): da a partir do Observatório Europeu
- Tribunal Europeu dos Direitos Huma- do Racismo e da Xenofobia (OERX,
nos (tribunal único em 1998) 1998)
H. SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DE DIREITOS HUMANOS 67
b. O Tribunal Europeu dos Direitos Hu- grande número de queixas recebidas que
manos cresceu de cerca de 1.000, em 1998, para
O principal instrumento de proteção dos 56.000, em 2011, causando assim uma so-
direitos humanos na Europa é o Tribunal brecarga do sistema. Para fazer face a este
Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), problema, foi adotado, em 2004, o Proto-
em Estrasburgo, cuja jurisdição obriga- colo nº14 à CEDH, porém, são necessárias
tória é reconhecida por todos os Esta- medidas adicionais. A adesão prevista da
dos-membros do Conselho da Europa. Em União Europeia à CEDH irá aumentar ain-
cada caso está envolvido um “juiz nacio- da mais o quadro de proteção dos direitos
nal” para facilitar a compreensão do direi- humanos na Europa, mas irá aumentar
to nacional. Contudo, uma vez nomeados, ainda mais o número de processos.
os juízes servem apenas na sua capacida-
de pessoal e o exercício das suas funções 2. O Sistema de Direitos Humanos da Or-
encontra-se limitado a 9 anos. ganização para a Segurança e Coope-
Para que uma queixa seja admissível, ração na Europa (OSCE)
têm de ser preenchidas quatro importantes
condições prévias: A OSCE, que substituiu a Conferência sobre
a Segurança e a Cooperação na Europa em
a. Violação de um direito consagrado na 1994, é uma organização muito peculiar.
Convenção Europeia dos Direitos Hu- Não tem uma carta jurídica nem personali-
manos ou nos seus Protocolos Adicio- dade jurídica internacional e as suas decla-
nais; rações e recomendações têm um carácter
b. O(s) autor(es) da queixa deve(m) ser meramente político e não são vinculativas
a(s) vítima(s) da violação; para os Estados. No entanto, as listas de
c. Esgotamento de todos os mecanismos obrigações frequentemente muito detalha-
de proteção nacionais eficazes; das, adotadas em diversas conferências
d. A queixa deve ser feita num prazo de 6 de acompanhamento ou em encontros de
meses depois de esgotados os mecanis- peritos e monitorizadas pelo Conselho de
mos de recurso nacionais. representantes dos Estados-membros, e as
conferências de acompanhamento regular-
Se considerada admissível, uma secção mente organizadas são um mecanismo de
de 7 juízes decide sobre o mérito do caso. monitorização bem sucedido. O “Processo
A sua decisão será definitiva se se con- de Helsínquia” desempenhou um papel
siderar que a questão não tem particular importante no desenvolvimento da coo-
relevância ou não representa uma nova peração entre o Leste e o Oeste durante a
linha de jurisdição. Caso contrário, verifi- Guerra Fria e na criação de uma base de co-
cando-se uma destas situações, o tribunal operação na Europa alargada de 56 países,
pleno, composto por 17 juízes, poderá in- incluindo os EUA e o Canadá.
tervir com a função de recurso. As senten- Sob o título da “dimensão humana”, a
ças são vinculativas e podem prever a atri- OSCE desenvolve diversas atividades na
buição de uma indemnização por danos. A área dos direitos humanos e dos direitos
supervisão da execução das sentenças é da das minorias, em particular. Também tem
responsabilidade do Comité de Ministros. vindo a desempenhar um papel importan-
O problema principal deste sistema é o te nas várias missões de terreno, como na
68 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
UE e, desde então, tem sido complementa- venção Interamericana para Prevenir, Pu-
da por outras diretivas. nir e Erradicar a Violência contra a Mulher
Do mesmo modo, a União Europeia dá par- (Convenção de Belém do Pará), que entrou
ticular importância à igualdade. De acordo em vigor em 1995, merece ser referida de
com o artº 157º do Tratado sobre o Funciona- forma particular. Já foi ratificada por 32 dos
mento da União Europeia, os Estados-mem- 35 Estados-membros da OEA. De acordo
bros têm de aplicar o princípio da “igualdade com esta Convenção, devem ser submetidos
de remuneração entre homens e mulheres” relatórios nacionais regulares à Comissão
e de adotar medidas destinadas a assegurar Interamericana de Mulheres, criada já em
o princípio da igualdade de oportunidades. 1928. Há também um Relator Especial so-
Além disso, este princípio foi desenvolvido bre os Direitos das Mulheres (desde 1994).
por regulamentos e diretivas, como a diretiva
atualizada do tratamento igual 2002/73/EC. Direitos Humanos das Mulheres
das “petições” à Comissão Interamericana O seu preâmbulo faz referência aos valores
dos Direitos Humanos, que pode também da civilização africana que tem como obje-
pedir informação sobre medidas de direi- tivo inspirar o conceito africano dos direi-
tos humanos tomadas. Ao Tribunal Intera- tos humanos e dos povos. Além dos direi-
mericano não se pode aceder diretamente, tos individuais, consagra também direitos
só através da Comissão que pode decidir dos povos. Enuncia, ainda, os deveres dos
sobre que casos deverão ser transmitidos indivíduos, por exemplo, relativamente
ao Tribunal. Deste modo, no passado, o à família e à sociedade mas, na prática,
Tribunal não recebia muitos casos, o que aqueles deveres são pouco relevantes.
mudou desde então. O Tribunal pode tam-
bém emitir pareceres, nomeadamente, Sistema Africano de Direitos Humanos
sobre a interpretação da Convenção. Tal
como a Comissão, o Tribunal tem sete - Carta Africana dos Direitos Humanos
membros, e não tem carácter permanente. e dos Povos (1981, em vigor 1986, 53
A Comissão pode igualmente levar a cabo Estados Partes)
investigações no terreno e publica relató- - Comissão Africana dos Direitos Huma-
rios especiais sobre situações específicas nos e dos Povos (1987)
preocupantes. Há muitas ONG que ajudam - Protocolo sobre o Estabelecimento do
as vítimas de violações de direitos humanos Tribunal Africano dos Direitos Huma-
a levar casos à Comissão Interamericana de nos e dos Povos (1997, em vigor 2003,
Direitos Humanos e ao Tribunal. Também 24 Estados Partes)
existem procedimentos especiais como os - Protocolo sobre os Direitos das Mulhe-
Relatores Especiais sobre a liberdade de ex- res (2003, em vigor 2005, 28 Estados
pressão, sobre os direitos dos trabalhadores Partes)
migrantes, sobre os direitos das mulheres e - Carta Africana dos Direitos e do Bem-
sobre os direitos da criança. Estar da Criança (1990, em vigor 1999,
45 Estados Partes)
III. ÁFRICA - Tribunal Africano de Justiça e Direitos
Humanos (2008)
O sistema africano de direitos humanos foi
criado em 1981 com a adoção, pela então A Comissão Africana dos Direitos Huma-
Organização da União Africana (OUA), da nos e dos Povos tem um mandato amplo
Carta Africana dos Direitos Humanos e na área da promoção dos direitos humanos,
dos Povos, que entrou em vigor em 1986. mas pode também receber queixas de Es-
A Carta estabelece a Comissão Africana tados (o que nunca aconteceu até à data)
dos Direitos Humanos e dos Povos, for- e de indivíduos ou grupos. Os critérios de
mada por 11 membros, que tem sede em admissibilidade são amplos e também per-
Banjul, na Gâmbia. Atualmente, todos mitem comunicações de ONG ou indiví-
os 54 Estados-membros da União Africa- duos, em nome das vítimas das violações.
na (UA), que sucedeu à OUA em 2001, No entanto, a Comissão não pode emitir
ratificaram a Carta Africana que segue a decisões juridicamente vinculativas, uma
abordagem da Declaração Universal dos das razões que justificou a adoção de um
Direitos Humanos unindo todas as catego- protocolo adicional à Carta sobre o estabe-
rias de direitos humanos num documento. lecimento do Tribunal Africano dos Direitos
72 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
Humanos e dos Povos, que entrou em vigor África e de outros locais que podem parti-
em 2003. No entanto, em 2004, a Assem- cipar nas reuniões públicas da Comissão.
bleia dos Chefes de Estado e de Governo Frequentemente, levam-lhe casos de vio-
decidiu fundir o Tribunal com o Tribunal da lações e apoiam o trabalho da Comissão e
União Africana, o que veio a acontecer em dos seus relatores especiais. É também im-
2008, tornando-se no Tribunal Africano de portante que os governos façam com que
Justiça e Direitos Humanos. O Tribunal a Carta seja diretamente aplicável nos seus
encontra-se em Arusha, na Tanzânia, e teve sistemas jurídicos nacionais. Isto aconte-
a sua primeira reunião em 2006. Em 2009, ceu, por exemplo, na Nigéria, tendo tido
o Tribunal proferiu a sua primeira decisão. como resultado o facto de as ONG nigeria-
Pode receber queixas através da Comissão, nas, como a Constitutional Rights Project,
tal como no sistema interamericano. Os terem levado com sucesso aos tribunais ni-
indivíduos apenas podem recorrer direta- gerianos casos de violações da Carta.
mente ao Tribunal se os Estados proferirem Depois da adoção da Convenção da ONU
uma declaração direta a esse respeito, o sobre os Direitos da Criança, em 1989, foi
que constitui até agora a exceção. adotada, em 1990, uma Carta Africana dos
Uma monitorização regular da situação Direitos e do Bem-Estar da Criança. No
nacional relativa aos direitos humanos entanto, apenas entrou em vigor em 1999 e,
é feita pela Comissão, através do exame até 2011, foi ratificada por 45 Estados-mem-
de relatórios estatais. No entanto, estes bros da UA. O Comité Africano de Peritos
relatórios são frequentemente irregulares sobre Direitos e Bem-estar da Criança reú-
e insatisfatórios. Baseando-se na prática ne-se pelo menos uma vez ao ano.
da ONU, a Comissão nomeou Relatores
Especiais sobre execuções extrajudiciais, IV. OUTRAS REGIÕES
sumárias e arbitrárias, sobre prisões e
condições de detenção, sobre liberdade de Relativamente aos países islâmicos, deve-
expressão, sobre os direitos dos arguidos, rá ser mencionada a “Declaração do Cai-
sobre refugiados, requerentes de asilo, mi- ro sobre Direitos Humanos no Islão”, de
grantes e deslocados internos e sobre os 1990, que foi redigida pelos Ministros dos
direitos das mulheres. Negócios Estrangeiros da Organização da
Na Cimeira de Maputo, Moçambique, a Conferência Islâmica (OCI)3, mas nunca
UA adotou um Protocolo Adicional à Carta adotada oficialmente. Todos os direitos
sobre os Direitos das Mulheres em África, consagrados nesta Declaração estão sujei-
em 2003. O Protocolo de Maputo entrou tos à Sharia Islâmica, o que é questionável
em vigor em 2005 e, em julho de 2010, fora em termos do direito internacional.
ratificado por 28 países. Além disso, foi elaborada uma Carta Árabe
A Comissão também envia missões de in- dos Direitos Humanos por peritos de direi-
vestigação e de divulgação, organiza ses- tos humanos árabes e adotada pelo Conse-
sões extraordinárias em casos específicos, lho da Liga dos Estados Árabes, em 1994,
como depois da execução de nove mem- mas que nunca entrou em vigor devido à fal-
bros do Movimento para a Sobrevivência
do Povo Ogoni, em 1995, e o seu julgamen-
to injusto na Nigéria. Uma parte importan- 3
Em junho de 2011, a OCI passou a designar-se Or-
te da força da Comissão vem das ONG de ganização da Cooperação Islâmica.
I. JURISDIÇÃO UNIVERSAL E O PROBLEMA DA IMPUNIDADE 73
I. JURISDIÇÃO UNIVERSAL
E O PROBLEMA DA IMPUNIDADE
A luta contra a impunidade e pela pres- convencer governantes antidemocráticos,
tação de contas tornou-se uma preocupa- normalmente generais, a transmitirem o
ção geral e global. Uma das considerações poder a governos eleitos democraticamen-
principais é a prevenção de mais crimes, te. Não deve ser confundida com as “am-
que normalmente constituem violações nistias” dadas relativamente a ofensas me-
sérias de direitos humanos e de direito hu- nores depois de guerras ou mudanças de
manitário. regime. A impunidade viola o princípio da
A garantia de impunidade a grandes prestação de contas, que cada vez mais é
violadores de direitos humanos tem sido realizado aos níveis nacional e internacio-
prática comum por todo o mundo, para nal, por exemplo, com o estabelecimento
74 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
K. INICIATIVAS DE DIREITOS
HUMANOS NAS CIDADES
L. DESAFIOS E OPORTUNIDADES
GLOBAIS PARA
OS DIREITOS HUMANOS
Depois de várias décadas bem sucedidas das Nações Unidas sobre os Direitos das
de estabelecimento de padrões, o desafio Pessoas com Deficiência e o seu Protoco-
maior para os direitos humanos tornou- lo Opcional. A evolução também pode ser
se a implementação dos compromissos vista no trabalho em curso no âmbito de
assumidos. Estão a ser desenvolvidos áreas temáticas, tais como a diversidade
diversos métodos novos para reforçar a cultural, as questões de direitos humanos
implementação dos direitos humanos, relacionadas com a biotecnologia e enge-
tanto ao nível local e nacional, como nharia genética ou o comércio de órgãos
internacional. Entre estes, uma atitu- humanos. Tem de se prestar mais atenção
de mais dinâmica das Nações Unidas, aos direitos humanos dos migrantes (irre-
nomeadamente, a inclusão dos direitos gulares). Do mesmo modo, as implicações
humanos em todas as suas atividades e que a degradação ambiental, por exemplo,
uma presença mais sólida no terreno por a alteração climática tem sobre os direitos
parte do Alto Comissariado para os Direi- humanos, bem como as tecnologias de
tos Humanos, com funcionários de direi- informação, de comunicação e a internet
tos humanos em missões internacionais colocam novos desafios.
(de paz), institucionalizando, assim, as Ao mesmo tempo, os direitos humanos
preocupações dos direitos humanos, o existentes podem tornar-se mais visíveis,
que se espera venha a ter um importante dando ênfase a direitos essenciais, como
efeito preventivo e promocional. A longo demonstrado nos 6 mais importantes tra-
prazo, também poderão ter êxito propos- tados de direitos humanos das Nações
tas para um Tribunal Internacional de Unidas, ou nas 8 convenções principais
Direitos Humanos. do trabalho da OIT. Novos desafios vêm
O respeito pelos direitos humanos é tam- de alguns países do Sul que questionam
bém reforçado aos níveis local e nacional, o próprio conceito de universalidade dos
através da capacitação em matéria de di- direitos humanos e da democracia. Novos
reitos humanos de instituições locais, por desafios podem também ser vistos na ne-
exemplo, cidades de direitos humanos e cessidade de se dar maior atenção às liga-
a criação de instituições nacionais para ções entre os direitos humanos e o direito
a promoção e monitorização de direitos humanitário, como os “padrões funda-
humanos, nas quais as organizações não mentais da humanidade”. O mesmo vale
governamentais, enquanto representan- para a relação entre os direitos humanos
tes da sociedade civil, desempenham um e o direito dos refugiados, que existe tan-
importante papel. Há, ainda, necessidade to ao nível da prevenção dos problemas de
de estabelecimento de parâmetros em vá- refugiados, como ao nível do regresso dos
rias áreas preocupantes, como aconteceu, refugiados. Em ambos os casos, a situação
em 2006, com a adoção da Convenção de direitos humanos no país de origem é
L. DESAFIOS E OPORTUNIDADES GLOBAIS PARA OS DIREITOS HUMANOS 79
decisiva. Esta questão levanta uma outra 2011, um Grupo de Trabalho de 5 peritos
mais ampla relativa aos direitos humanos tem trabalhado sobre a implementação
e prevenção de conflitos, assim como a destes resultados.
questão da reabilitação e reconstrução Sob proposta do Secretário-Geral da ONU,
pós-conflito, que deve ser feita com base Kofi Annan, lançou-se o Global Compact,
nos direitos humanos e no primado do Di- em julho de 2000, como uma abordagem
reito. nova e inovadora no processo de globali-
zação. As empresas participantes aceitam
Direitos Humanos em Conflito dez princípios básicos na área dos direitos
Armado, Direito ao Asilo, Prima- humanos, padrões de trabalho, ambiente
do do Direito e Julgamento Justo, e anticorrupção, e participam num diálogo
Direito à Democracia orientado para os resultados sobre proble-
mas globais, por exemplo, o papel dos ne-
Em resultado da globalização, a res- gócios em zonas de conflito.
ponsabilização por violações de direi-
tos humanos e o respeito pelos direitos Direito ao Trabalho
humanos tornaram-se uma preocupação
global, que é exigida não só de indivídu- Um dos principais desafios é manter os
os, como também de atores não estatais, padrões de direitos humanos enquanto se
como empresas transnacionais (ET) e or- combatem novas ameaças terroristas. Nin-
ganizações intergovernamentais, como o guém pode ser deixado à margem da lei,
Banco Mundial, o FMI ou a OMC. Neste nem ser despojado dos seus direitos hu-
sentido, a questão da compensação de- manos inalienáveis sendo que, ao mesmo
pois de violações graves e sistemáticas tempo, a proteção dos direitos das vítimas
de direitos humanos tornou-se atual. As- de atos criminosos ou terroristas tem de
sim, em 2003, a Subcomissão da ONU ser aperfeiçoada. O Conselho da Europa
para a Proteção e Promoção dos Direitos adotou as “Orientações sobre Direitos Hu-
Humanos preparou as “Normas sobre a manos e o Combate ao Terrorismo”, assim
Responsabilidade de Empresas Transna- como linhas orientadoras sobre a “Prote-
cionais e Outras Empresas respeitantes a ção de Vítimas de Atos Terroristas” para
Direitos Humanos” que, porém, não fo- fazer face a estes novos desafios. O Se-
ram adotadas pela Comissão de Direitos cretário-Geral da ONU e o Alto Comissa-
Humanos. riado da ONU para os Direitos Humanos
Em 2005, o Secretário-Geral da ONU no- deixaram claro que a proteção dos direitos
meou John Ruggie como seu Represen- humanos deve fazer parte da luta contra
tante Especial para a questão dos direitos o terrorismo. O Tribunal de Justiça da UE,
humanos e as empresas transnacionais nos casos de Kadi (2008 e 2010), consi-
e outras empresas, para considerar a re- derou que as medidas antiterroristas do
lação entre os negócios e os direitos hu- Conselho de Segurança da ONU também
manos. Em 2011, Ruggie terminou o seu têm de respeitar as garantias dos direitos
relatório final, que contém um “Quadro humanos, tais como o direito a um julga-
para Proteger, Respeitar e Solucionar” e mento justo, incluindo o direito de acesso
um conjunto de “Princípios Orientadores às provas e um mecanismo de proteção.
para negócios e direitos humanos”. Desde O primeiro acórdão conduziu à introdução
80 I. INTRODUÇÃO AO SISTEMA DE DIREITOS HUMANOS
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