Sunteți pe pagina 1din 17

O CAMINHO DO HOMEM SEGUNDO A DOUTRINA HASSÍDICA, POR

MARTIN BUBER – UMA CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO ESPIRITUAL

Ferdinand Röhr (UFPE)

Falar de educação espiritual parece, nos dias de hoje, no mínimo anacrônico.


Com a laicização do ensino público e a crescente substituição dos colégios
confessionais por provedores de ensino preparatório para um mundo globalizado, as
reflexões pedagógicas em prol da dimensão espiritual do homem praticamente sumiram
do mapa das discussões acadêmicas. Porém o espaço cedido à vontade, muitas vezes
irrefletida, de iniciativas particulares tem se mostrado de forma parcialmente curiosa,
mas também, e em medida crescente, de maneira preocupante ou até assustadora. As
manifestações por dentro e fora dos grandes grupos confessionais abrangem um
espectro de entretenimento com cunho comercial até fanatismos sectários, de tutelação
completa da vida cotidiana, incluindo exploração financeira, até movimentos
fundamentalistas, de sincretismos religiosos sem nenhum embasamento até o
consumismo indiscriminado de práticas chamadas esotéricas. Tudo em prol do suposto
“crescimento” da própria “espiritualidade”. Não é que acreditemos que a falta de debate
acadêmico seja responsável pelo cenário traçado, nem que este por si só poderia saná-lo.
O que propomos é a retomada do espaço para prestar um serviço que compete à
academia: esclarecer o público. Não intencionamos neste artigo uma crítica das
tendências mencionadas, mas relembrar uma proposta de educação espiritual que no
mínimo é digna de ser discutida diante da desorientação quase generalizada nessa área.
A reflexão aqui apresentada tem como ponto de partida um pequeno livro de
Martin Buber, intitulado “O Caminho do Homem Segundo a Doutrina Hassídica”.
Trata-se da publicação de seis falas que Buber proferiu em abril de 1947 na cidade de
Bentvelt, na Holanda, por ocasião da “Woodbrooker Tagung”. Na maturidade de quase
setenta anos, condensando seu pensamento filosófico e religioso em linguagem poética,
Buber, na realidade, não se restringe nas suas falas à antropologia religiosa do
Hassidismo. É bem verdade que Buber conheceu, enquanto criança ainda, resquícios da
prática religiosa dos “tzadikim”, os grandes líderes espirituais do Hassidismo. Depois de
alguns poucos anos de abandono do pensamento judaico, no início dos seus estudos
universitários, voltou às suas raízes e nunca mais deixou de pesquisar e contemplar as
2

contribuições dessa corrente por dentro do Judaísmo1. Nesse sentido é difícil imaginar
poder entender a antropologia filosófica de Buber, sua dialógica, sem sua ligação
profunda com a tradição judaica e principalmente o Hassidismo. Mas também é verdade
que a leitura que Buber faz do Hassidismo não ficou sem críticas nas fileiras dos
próprios correligionários2. E isso principalmente por acharem que a imagem que Buber
apresenta do Hassidismo traz fortes traços da sua própria convicção filosófica e
religiosa. Buber nem chega a negar esse fato. O tipo de material coletado, em grande
parte histórias, anedotas e lendas, transmitidas oralmente por gerações, não permite uma
apresentação sem intervenção. Essa intervenção tem uma direção declarada desde o
princípio:
O originalmente judaico ascendeu em mim, floresceu em pronunciamento novo
e consciente da escuridão do exílio: capturar a imagem do homem na sua
semelhança com Deus enquanto ação, enquanto vir-a-ser, enquanto tarefa. E,
esse originalmente judaico foi algo originalmente humano, a essência da
religiosidade mais humana. [...] A imagem da minha infância, a lembrança do
tzadik e sua comunidade, ergueu-se e me iluminou: conheci a idéia do homem
completo (des vollkommenen Menschen). Concomitantemente senti a minha
profissão de aclamá-la para o mundo. (Werke III p. 967 p. In: Wehr, p. 25)

Buber, portanto, direcionou sua atenção para o humano em geral que está expresso no
Hassidismo. Essa intenção não pode servir de pretexto para tentar “libertar” o
pensamento de Buber das “limitações confessionais”, sejam elas hassídicas ou judaicas
em geral. O próprio Buber nunca cogitou a possibilidade de uma doutrina do humano
desconectada da sua própria origem.
Tomar um caminho “geral” teria sido para mim como pura arbitrariedade.
Pronunciar o concebido ao mundo, não me obriga a sair para a rua; posso ficar à
porta da minha casa herdada. A palavra falada, mesmo desse lugar, não se perde.
(Friedman, p. 476)

O que nos resta diante dessa afirmação, é ficar em frente à porta da casa de Buber e
escutá-lo, consciente do fato dele falar de um lugar específico e próprio dele, mas com a
intenção de tocar naquilo que podemos reconhecer enquanto comum. Perguntamos
especificamente, diante das seis falas sobre o caminho do homem, qual é a contribuição
para a reflexão pedagógica, caso queiramos seguir esse caminho. Não podemos nem
esperar dessa reflexão uma orientação específica para uma educação religiosa por

1
Buber voltou-se para as suas raízes judaicas, primeiramente através do movimento sionista, no qual
tentou uma síntese entre a ala política-nacionalista de Theodor Herzl e a cultural-espiritualista de Ahad
ha-Am, antes de se dedicar, afastado da cena política, a partir de 1904, definitivamente ao estudo do
Hassidismo. (Cf. 1965, p. 6)
2
Cf. Friedman p. 475 pp., especialmente Gershom Scholem e sua aluna Rivka Schatz-Uffenheimer.
3

dentro dos moldes do Hassidismo. O próprio Buber nem deposita muito crédito numa
“educação religiosa enquanto área específica” (1965, p.92) que por si se torna, para ele,
sempre mais problemático. O que nos interessa são orientações para educação do
humano em geral. Mas não podemos esperar chegar a um conceito de educação, em
Buber, que dispense o lado religioso. Ao contrário: “Educação é um todo somente
quando ela enquanto todo é religiosa”. (1965 p.92) Optamos por chamar, neste artigo,
esse tipo de educação – que não visa a conversão para uma determinada religião, mas
insiste na inclusão do religioso na educação que se pretende integral – de educação
espiritual. Nesse sentido, educação espiritual não é confessional nem pode ter validade
igual para todos, pois é incapaz de se separar totalmente da sua origem.
A educação espiritual, subjacente ao texto de Buber, perpassa as seis temáticas
abordadas: A Autocontemplação; O Caminho Específico; Determinação; Começar
Consigo; Não se Preocupar Consigo e finalmente, Aqui Onde se Está. Sem negar a
estreita interligação desses aspectos seguimos a seqüência indicada por Buber.
1) Autocontemplação
Para Buber, o caminho do homem, inicia com a autocontemplação. Ele se utiliza
de uma anedota hassídica para explicitar essa posição: interrogado por um oficial de
polícia sobre a suposta contradição na narração bíblica em que Deus, apesar da sua
onisciência, chama Adão: “onde estás?”, o Rabi Schnëur Salman responde com uma
pergunta: “Acreditas que a Escritura é eterna e cada época, cada geração, cada homem
está incluído nela?” (7)3. Depois de concordar com essa afirmativa o curioso recebe um
ensinamento do tzadik: “Pois bem, em cada época Deus chama cada homem: ‘Onde
estás no seu mundo? Tantos anos e dias daqueles que foram concedidos a você já
passaram e você, a que ponto chegou no seu mundo?’” (7-8) E se direcionando
diretamente ao oficial: “É assim que Deus fala: ‘Viveu quarenta e seis anos e parou
onde?’” (8) A reação foi de um susto profundo. “Quando o oficial escutou mencionar
sua idade, ele tentou se segurar, pôs sua mão nos ombros do Rabi e aclamou: ‘Muito
bem.’ Porém seu coração estremeceu.” (8)
Observamos em primeiro lugar que o Rabi não está interessado em mostrar
provas de erudição, de estudo da Escritura, atitude esta que o tipo de questionamento
direcionado a ele poderia provocar. A pergunta que visou uma “controvérsia” (10) e por
isso não é, mesmo pronunciada com sinceridade, uma “verdadeira pergunta” (9),

3
As citações do livro “O Caminho do Homem Segundo o Hassidismo” são apenas identificadas através
do número da página;os demais livros de Buber citamos sómente com ano e página.
4

recebeu uma resposta pessoal. Ou melhor dito, foi respondida como uma chamada de
atenção pessoal: “Você mesmo é Adão, a você é que Deus pergunta: ‘Onde estás?’” Essa
perspectiva supera a suposta contradição:
Se Deus pergunta dessa forma, Ele não quer saber algo do homem, Ele quer
causar algo no homem, algo que só pode ser provocado por esse tipo de questão,
supondo que ela toca o coração do homem, que o homem se deixa tocar por ela
no coração. (10-11)
E isso só é possível porque a situação de Adão é a situação dos homens em geral. Adão
esconde-se para não precisar prestar contas, para fugir da própria responsabilidade na
sua vida. Assim estamos acostumados a criar labirínticos esconderijos para fugir do
face-a-face com Deus. “Essa situação pode ser caracterizada exatamente da seguinte
forma: o homem não pode fugir do olhar de Deus, mas, tentando se esconder Dele, ele
se esconde de si mesmo.”(11) O homem que se esconde de si mesmo é o ponto de
partida da educação espiritual segundo Buber (cf. 1965 p. 123). É essa a situação que
exige uma autocontemplação que desmascara esse desvio. A autocontemplação é
possível, pois “existe também algo no homem que o procura, mesmo se ele sempre
dificulta mais esse algo de se encontrar.” (12) Só tocando nesse “algo” é que a
autocontemplação se inicia e com isso o caminho do homem. Esse foi o caso na resposta
do Rabi ao oficial. O Rabi revelou-se educador espiritual. Mas ele não podia ser isso
sem a postura de abertura do oficial.
Mesmo que o homem tenha um tanto de sucesso, goze tantos prazeres, alcance
tanto poder, consiga feitos gigantescos: sua vida fica sem caminho enquanto ele
não se entrega à Voz (de Deus, F.R.). (12-13)
Além da abertura para a autocontemplação temos que observar mais uma condição. A
autocontemplação tem que ser direcionada de fato para o caminho a ser tomado. “Pois,
existe também uma autocontemplação estéril, que não leva a lugar nenhum, a não ser a
autoflagelação, desespero e impasses mais profundos.”(13) Se a conversão se apresenta
“como algo impossível de ser alcançado, a autocontemplação se desvirtua a ponto de o
homem só conseguir continuar vivendo por força de uma vaidade demoníaca, a vaidade
da perversão” (14). A crença na possibilidade da salvação de qualquer um é, portanto,
condição fundamental da autocontemplação e conseqüentemente da educação espiritual
em Buber.
2) O Caminho Específico

De novo Buber inicia sua reflexão com um ensinamento hassídico:


5

O Rabi Bär von Radeschitz solicitou uma vez ao seu Mestre, o ‘visionário’ de
Lublin: ‘Mostre-me um caminho geral para servir a Deus!’ O tzadik respondeu:
‘Não convém dizer ao homem qual o caminho que deve tomar. Pois existe um
caminho de servir a Deus através da doutrina, outro através da oração, ou do
jejum ou ainda através do comer. Cada um deve atentar para qual caminho puxa
o próprio coração, em seguida, deve escolher esse com toda sua força..’ (15)
O caminho do homem não é o mesmo nem para todos, nem para alguns. O caminho é
absolutamente individual. Essa afirmação baseia-se na crença de que “com cada
homem está sendo colocado algo de novo no mundo, algo sério, algo único” (16). Se
esse homem individual procura imitar o caminho de alguém não vai nem realizar a si
mesmo, nem alcançar a meta do outro.4 Está sendo colocada em cheque nessa
afirmação, a pedagogia do exemplo. Na educação espiritual de Buber não se pode se
servir de um exemplo, por mais grandioso e santificado que seja, para indicar um
caminho a ser imitado. Isso não significa que os patriarcas e grandes líderes espirituais
não possuem nenhuma função educativa. Eles mostram para nós de forma exemplar o
que é grandeza e o que é ser santo ( cf. 15), mas não podem se tornar nem por isso,
modelo a ser seguido.
Por mais insignificante que seja aquilo que conseguimos, mesmo comparado
com as ações dos patriarcas, todavia tem valor, pois o obtivemos por conta da
nossa própria maneira de ser e por nossa força. (15-16)
Essa doutrina de Buber confronta-se com o senso comum e a tendência geral nas teorias
pedagógicas. Normalmente se parte da afirmativa da igualdade do homem para justificar
metas e procedimentos educacionais comuns para todos, que visam a superação das
desigualdades geradas principalmente pelas relações econômico-sociais em que
vivemos.5 Sem querer justificar desigualdades sociais desse tipo, e nisso a filosofia
social de Buber não deixa resto de dúvidas 6, ele insiste que os homens são desiguais na
sua essência (cf. 18) e por isso não se justifica nenhuma tentativa de igualá-los. Só num
sentido Buber admite a igualdade. “Todos os homens têm acesso a Deus, porém, cada
um tem um diferente.” (18) É exatamente na diversidade dos homens, nas suas
propriedades distintas e tendências múltiplas que Buber vê a chance de realização da
humanidade.

4
Na doutrina hassídica chega-se a se afirmar que o fato dos homens não procurarem e seguirem cada um
o seu caminho individual é a razão do atraso da volta do Messias. (cf. 17)
5
Poucos atentam para o fato de que essa igualdade nunca foi alcançada por mais dura e controlada que
seja a tentativa de instalá-la.
6
Cf. principalmente os escritos de Buber: “O Socialismo Utópico” e “Sobre Comunidade”.
6

Buscar o caminho do homem significa por isso, para Buber, procurar o próprio
caminho. Conhecer o próprio caminho supõe necessariamente conhecer sua própria
essência, conhecer as propriedades e tendências que nos caracterizam.
‘Em cada um se encontra algo valioso que não se encontra em mais ninguém.’
Mas, o que é ‘valioso’ no homem, ele só pode descobrir, quando capta de forma
verdadeira sua sensação mais forte, seu desejo central, aquilo que o movimenta
no seu mais íntimo. (19-20)
A tendência natural é que, no início, o homem capte essa sensação mais forte em termos
de paixão, na forma de um “instinto mau” (20) que quer persuadi-lo. Aí se encontra a
tarefa educacional: “Tudo depende de que ele direcione a força dessa sensação, dessa
inclinação do ocasional para o necessário, do relativo para o absoluto. É assim que ele
encontra seu caminho.”(20) Os tzadikim ensinam o mandamento divino que possibilita
esse direcionamento dos desejos: “Temas Deus!” (20) “Não existe nenhuma coisa no
mundo que não indique para você um caminho de temer e servir a Deus.” (20-21) Isso
não significa jamais abdicação ou negação do mundo. Nisso se encontra talvez a maior
discordância que Buber estabeleceu com os intérpretes tradicionalistas do Hassidismo.
Jamais poderá ser a nossa tarefa verdadeira neste mundo em que estamos sendo
colocados, a de se distanciar das coisas e entes que vêm ao nosso encontro e que
atraem nosso coração, mas exatamente através da santificação da nossa relação
com eles, entrar em contato com aquilo que se revela neles enquanto beleza, bem
estar e prazer. O Hassidismo ensina que a alegria com as coisas do mundo,
quando nós as santificamos com nossa essência inteira, leva-nos à alegria com
relação a Deus. (21)
Se o caminho do homem segundo a doutrina hassídica em certos momentos cruciais
exige uma atitude de ascese, de sacrifício ou de jejum, temos de interpretar isso somente
como uma atitude de ajuste necessário ao caminho, de um novo início depois de um
desvio, como ato de libertação da escravização pelo mundo, para, através de uma
autocontemplação profunda, reencontrar a nossa conexão com o absoluto.
Mas essa ascese nunca pode reivindicar o domínio sobre a vida do homem. O
homem só deve se afastar da natureza para voltar novamente para ela a fim de
encontrar, através do contato santificado com ela, o caminho para Deus. (22)
3) Determinação

Para elucidar a importância da determinação no caminho espiritual do homem,


Buber narra uma história que o constrangeu quando a escutou pela primeira vez ainda
jovem, por causa da dureza com que o tzadik tratou um discípulo seu bastante aplicado.
Um hassid7 do ‘visionário de Lublin’ uma vez jejuava de sabá a sabá. Na tarde
da sexta-feira foi tomado por uma sede tão cruel que achava que ia morrer. Aí
7
Discípulo, seguidor de um tzadik.
7

ele viu um poço, foi lá e queria beber. Mas logo ele voltou atrás, pois ia destruir
a obra inteira de uma semana por causa de uma pequena hora que restava de
aguardar. Ele não bebeu e se afastou do poço. Sentiu orgulho por causa da dura
provação que venceu. Quando atentou para isso, ele falou para si: ‘melhor que
eu vá lá beber do que deixar meu coração se contagiar pelo orgulho.’ Ele voltou
para o poço. Quando se debruçou para haurir, percebeu que a sede cedeu. Logo
depois do início do sabá entrou na casa do mestre. ‘Trabalho de retalhos!’ ele
gritou, quando seu discípulo ultrapassou o limiar da porta. (25)
De fato, à primeira vista, não é fácil aceitar a reprovação dessa luta interior que o hassid
enfrentou, tentando superar tanto o poder do seu corpo quanto o desvio da sua alma em
ceder ao orgulho. Buber confessa que só anos e anos depois compreendeu a mensagem
dessa anedota. Lembrando que o tzadik de Lubrin não foi conhecido como amigo da
ascese, podemos supor que não foi para agradar a ele que o hassid decidiu fazer o jejum,
mas pelo desejo de alcançar um degrau superior da sua própria alma, caminho este que
o próprio visionário admite em fase inicial ou em momentos críticos do
desenvolvimento pessoal. A crítica do tzadik diante dessa tarefa audaciosa sem dúvida
é: “desta maneira não se alcança um degrau maior” (27). Não é a intenção que é
condenável, mas existe algo no proceder do hassid que o impede, necessariamente, de
atingir sua meta: “Está sendo censurado o que se avança e recua; o vai-e-vem, o caráter
ziguezague do agir é que é grave.” (27) É isso que o tzadik expressou quando gritou:
“Trabalho de retalhos!” O contrário disso seria “um trabalho de uma só fôrma” (27), e
Buber acrescenta logo como se alcança uma obra desse tipo: “Não pode ser diferente do
que com a alma unificada.” (27) Porém temos que reconhecer que, seja por motivos de
“natureza” ou de “graça” (cf. 28), alguns homens têm uma “alma de uma só fôrma” (28)
e por isso têm facilidade de realizar obras de natureza correspondente. Mas também
existem homens “com uma alma múltipla, complicada, contraditória e disso se
determina naturalmente o seu agir, cujas travações e perturbações derivam das
travações e perturbações da alma.” (28) Pergunta-se: o que mais restaria para uma
pessoa dessa natureza, do que batalhar contra todas as tentações no caminho, conter-se,
fazer um esforço para recolher a alma do seu vai-e-vem e voltá-la para a meta
estabelecida? O tzadik não aprova esse caminho, pois durante a obra não se consegue a
união da alma. “Uma tal união da alma tem que se formar antes de que o homem inicie
uma obra extraordinária.” (29) Isso não significa que os que não têm, de início, uma
alma unificada precisam se desesperar. Pois a doutrina do visionário supõe “que o
homem é capaz de unir sua alma” (29).
8

O homem com sua alma múltipla, complicada e contraditória, não está sendo
deixado à deriva: o mais íntimo dessa alma, a força divina na sua profundeza, é
capaz de atuar nela, modificá-la, de ligar as forças que mandam umas nas outras,
fundir uns aos outros os elementos que se dispersam, é capaz de uni-la. (29)
Nesse processo, a ascese sós tem um alcance limitado. Ela não pode garantir a
unificação da alma. Ela pode purificar, concentrar, mas “é incapaz de proteger a alma
diante da própria contradição.” (30) E mais ainda, nunca se pode considerar o
processo da unificação da alma como concluído.
Da mesma forma que a alma mais unida desde o seu nascimento está sujeita a
ser assaltada, às vezes, por dificuldades internas, a alma que luta com mais vigor
em prol da sua unidade nunca vai alcançá-la completamente. (30)
Mas é possível um caminho gradativo em prol da união:
Pois cada obra que realizo baseada em uma alma unida, vai refletir na minha
alma, resulta numa nova e mais alta unificação; cada obra me leva, mesmo em
diversas voltas, para uma união mais constante do que a anterior. (30)
Nesse processo pode-se alcançar sempre mais segurança na capacidade da própria alma
de superar as suas contradições, sem abandonar, porém, uma atitude de constante
vigilância. Falta fazer uma ressalva: quando se falou da unificação da alma, outra coisa
não pode ser entendida na doutrina hassídica do que “o homem inteiro, corpo e espírito
juntos”. (31) “A obra do homem que se torna dessa forma união de corpo e espírito é
uma obra de uma só fôrma.” (32)

De novo perguntamos pela contribuição dessa reflexão para a educação


espiritual. Mais uma vez encontramos na atitude de um tzadik a orientação. Sem deixar
se impressionar pela atitude de esforço de vontade, o tzadik atenta para a postura
interior do seu hassid. Ele se impõe a tarefa de zelar pela coerência do estado da alma
com as obras e metas que o hassid escolhe. Ele não pode nem assumir nem participar
parcialmente da tarefa da unificação da alma dele. Mas ele pode vigiar o caminho e
chamar a atenção quando as obras ultrapassam a capacidade da própria alma. Um
fracasso, uma falsa vitória não contribui para o fortalecimento da alma. Só obras
condizentes com o estado da alma permitem progresso. O educador nesse sentido tem
que assumir o papel de guarda da unificação da alma - corpo e espírito - dos seus
discípulos.

4) Começar consigo
9

Na ocasião de uma conversa sobre o papel do criado numa casa houve


unanimidade – baseada no exemplo da figura bíblica de José – de que caso ele seja bom,
tudo se transforma em relação ao Bem. Somente o Rabi Jizchak discordou.
‘Assim também pensei um dia’, ele falou ‘mas depois o meu mestre me
mostrou que tudo depende do dono da casa. Na minha juventude passei
por grandes importunidades por parte da minha esposa, e mesmo eu
tendo sido capaz de suportar, sentia pena da criadagem. Por isso viajei
para me encontrar com o meu mestre, o Rabi David von Lelow, e o
interroguei sobre se eu deveria enfrentá-la. Ele respondeu: Por que falas
para mim? Fale para si mesmo!’ (33)
O Rabi Jizchak tinha que juntar essa resposta ainda com o ensinamento do Baal Schem 8
para compreender que tudo dependia dele:
Existe o pensamento, a palavra e a ação. O pensamento corresponde à esposa, a
palavra às crianças, a ação à criadagem. Quem cria a ordem, desses três, por
dentro de si, para ele tudo se volta para o Bem. (33-34)
Para Buber, essa narração toca “num dos mais profundos e difíceis problemas da nossa
vida: a verdadeira origem dos conflitos entre os homens” (34). Normalmente, para se
explicar um conflito, analisa-se as múltiplas motivações das pessoas envolvidas e as
circunstâncias externas da situação, até o ponto que a consciência as alcança. Alguns
tentam chegar via análise inclusive aos aspectos inconscientes. Com esses a doutrina
hassídica concorda no sentido de que uma problemática externa se explica a partir de
uma interna, mas se distingue dessa posição em uma questão de princípio e um aspecto
prático. “A diferença de princípio consiste no fato de que a doutrina hassídica não parte
na sua análise de complicações parciais da alma, mas intenciona o homem inteiro.”(35)
Sem perder algum fenômeno da alma de vista e sem fazer um desses o centro das
explicações, precisa-se enxergar a ligação vital de todos. A separação de elementos e
processos parciais dificulta a visão integral, vicia em explicações parciais. Somente a
captação do homem em sua totalidade abre o caminho “para uma verdadeira
transformação, para uma verdadeira cura, primeiramente do homem singular e em
seguida a relação dele com seus próximos” (35). “A diferença prática consiste no fato de
que o homem, aqui, não está sendo tratado enquanto objeto de análise, mas ele está
sendo chamado a ‘criar a ordem por dentro de si’”.(36) O caminho indicado é esse:
perceber que o conflito entre ele e o outro tem origem nele mesmo, procurar superar o
conflito interior e começar novas relações com os próximos, agora como homem
“transformado, pacificado” (36). O homem na sua atitude natural foge desse caminho
com a observação de que esse caminho tem que ser exigido também dos outros,
8
O Rabi Israel ben Eliezer, fundador do Hassidismo.
10

igualmente envolvidos no conflito. A doutrina hassidica de opõe a essa atitude que


enxerga o homem somente enquanto indivíduo, opondo-se a indivíduos, e não enquanto
pessoa, cuja transformação contribui para a transformação do mundo.
Tudo depende unicamente de começar consigo mesmo, e nesse momento não
preciso me preocupar com nada no mundo a não ser com esse meu começo.
Qualquer outro posicionamento me desvia do meu começo, enfraquece a minha
iniciativa em prol dele, boicota por inteiro o ousado e grandioso
empreendimento. (37)
Além da insistência no princípio de precisar começar consigo, o ensinamento do Baal
Schem indica a origem do conflito interno que causa os externos: o conflito entre os
“três princípios na essência e na vida do homem” (38), o princípio do pensamento, da
palavra e da ação.
A origem de todos os conflitos entre mim e os meus próximos é que não falo o
que penso e não faço o que falo. Por isso, a situação entre mim e o outro sempre
se torna mais confusa, mas envenenada, e, por causa da minha desagregação
interior não sou mais capaz de vencê-la; tornei-me, apesar de todas as ilusões
criadas sobre mim, escravo indolente dela. (38-39)
Não se sai de conflitos enredados a não ser “através do reconhecimento da viragem:
Tudo depende de mim e da vontade da viragem: quero me pôr em ordem.” (39)
Voltamos com isso para um ponto já indicado anteriormente. O homem precisa
encontrar a si mesmo “não o eu comum do indivíduo egocêntrico, mas o eu profundo da
pessoa que vive com o mundo” (39).

O caminho do homem indicado por Buber, sem resto de dúvida, é um caminho


que vai de encontro ao comportamento que adquirimos naturalmente nos meios sociais.
Educação espiritual, nesse sentido, é uma educação que visa o contrário do socialmente
esperado, opõe-se radicalmente ao agir habitual. Mesmo os educadores que têm a
pacificação do homem como meta, via de regra, não abrem mão de uma preparação para
a situação de competitividade, aparentemente necessária na sociedade moderna. O
homem precisa ser capacitado para se defender nos conflitos! O educador espiritual tem
que exigir algo do seu educando, que na perspectiva de uma atitude comum nesse
mundo é absolutamente humilhante (cf. 36) e nocivo na competição: não acusar
ninguém, não jogar as culpas nas circunstâncias, mas identificar sua parcela de
contribuição no conflito, na falta de sua coerência interna, e sanar essa antes de voltar
para o convívio. O educador que não consegue enquanto homem inteiro passar o sentido
profundo dessa atitude, torna-se necessariamente ridículo diante dos seus discípulos.

5) Não se preocupar consigo


11

Um dia depois do casamento do filho do Rabi Chajim von Zans com a filha do
Rabi Elieser, o primeiro visitou o pai da noiva:
‘Meu caro amigo, criamos laços familiares e aí me sinto à vontade para dizer o
que tortura meu coração. Veja, os meus cabelos e a minha barba ficaram brancos
e não fiz ainda penitência!’ ‘Pois é, meu caro,’ respondeu o Rabi Elieser, ‘O
senhor tem somente a si mesmo na mente. Esqueça de si e tenha o mundo em
mente!’ (41)
Será que essa resposta se contradiz com os conselhos anteriores? Como fazer uma
autocontemplação, escolher seu próprio caminho, criar uma unidade interior, começar
consigo mesmo e depois, esquecer de si mesmo? Se voltamos a nossa atenção para o
“para que” de tudo isso, desfaz-se a aparente contradição e a nova mensagem se revela
complementação necessária. “Para que preciso contemplar sobre mim mesmo, para que
escolher meu próprio caminho, para que unificar meu interior?” (42) Na compreensão
hassídica do caminho do homem a resposta é: não por causa de mim, mas por causa da
tarefa específica destinada a mim por Deus (cf. 43).
Você não deveria se atormentar com aquilo em que errou, mas direcionar toda a
força da sua alma, que está dispersando na auto-repreensão, para a atividade no
mundo para qual foi destinado. (43)
Penitência pode ser o início da conversão, porém, torna-se nociva quando consome as
energias necessárias para proceder à conversão. Ocupar a mente com sua própria culpa
significa ocupar-se com o mal em vez de fazer o bem, correndo o risco de cair em
melancolia (cf. 44). Mas Buber levanta um argumento mais sublime ainda. “Quem se
tortura constantemente por não haver feito penitência suficiente, está principalmente
preocupado com a salvação da própria alma, com seu destino pessoal na
eternidade.”(45) O Hassidismo, e para Buber, o Judaísmo em geral, rejeita esse motivo,
e se distingue nesse ponto fundamentalmente do Cristianismo (cf. 49). Para o Judaísmo,
“cada alma humana é um elemento a serviço da criação divina, que através da obra do
homem deveria se tornar reino de Deus” (45). A alma, por isso, não tem uma meta em si
mesma.
Bem que cada (alma, F.R.) deve se conhecer, purificar-se, tornar-se perfeita, não
por causa de si mesma, não por causa da sua felicidade terrena, bem como não
para alcançar sua bem-aventurança celestial, mas por causa da obra que tem que
realizar no mundo de Deus. Deve esquecer-se a si mesmo e ter o mundo em
mente. (45-46)
Nessa questão divide-se a verdadeira humildade do homem e a sua soberba, ainda que
ela se esconda atrás dos motivos aparentemente mais nobres. Na soberba o homem, em
última instância, pensa em si; na humildade, ele visa o mundo.
12

O que se exige aqui do homem, é a extinção radical de todas as motivações


egoístas em suas formas explícitas ou veladas. A educação espiritual, subjacente ao
caminho hassídico do homem, rejeita com isso todas as teorias educacionais que vêem
na auto-realização, centrada em critérios unicamente subjetivos, o último fim das ações
pedagógicas. Não é o sujeito que decide autonomamente sobre o como alcançar a
própria felicidade, a própria realização. Ele só vai alcançar esta, quando ele
corresponde a algo fora de si, mas destinado a ele. O educador, por isso, não pode
aceitar qualquer caminho do seu educando tomado com pose de convicção. Não é
questão de escolher livremente o caminho, mas de encontrá-lo. As reflexões
pedagógicas indicadas anteriormente têm que ser compreendidas nessa perspectiva: de
auxílio na identificação do caminho que corresponde a cada um. O mundo moderno, de
novo, revela-se o contrário do que está intencionado na educação espiritual. Parece uma
distância insuperável entre o mundo das finalidades egocêntricas e a correspondência à
vontade de Deus na contribuição e finalização da obra Dele. O educador espiritual
empenhado nessa tarefa corre risco de cair em atitudes de desmotivação de um lado, ou
sectarismo de outro, se ele não atenta para o último aspecto do caminho espiritual
indicado por Buber.

6) Aqui, onde se está

A história de Eisik, filho de Jekel de Krakau, que Buber narra para nos introduzir
na sua última reflexão, tem antecedentes em várias culturas populares, mas foi na boca
do Rabi Bunam que ela recebeu seu colorido e sua mensagem hassidícos. Mesmo sendo
um pouco mais comprida, vale apresentá-la na íntegra:
Eisik, filho de Jekel, recebeu num sonho a ordem de procurar um tesouro
exatamente em baixo da ponte que em Praga leva pra o castelo real. Quando o
sonho se repetiu pela terceira vez, Eisik peregrinou para Praga. Porém, tinham
guardas que vigiavam a ponte dia e noite, e ele não dispunha de coragem para
cavar. Mas, compareceu toda manhã à ponte, e a arrodeava até à noite.
Finalmente, o comandante que atentou pelo seu comportamento, perguntou
gentilmente se ele procurava alguma coisa ou esperava alguém. Eisik contou do
seu sonho que o trouxe de tão longe. O comandante riu: ‘E aí, você pobrezinho
com seus sapatos estragados, peregrinou até aqui só por causa de um sonho?
Pois bem, quem manda confiar em sonhos! Eu também teria que ter feito uma
viagem dessa quando um sonho me mandou ir para Krakau, cavar um tesouro
em baixo do fogão na casa de um judeu com nome Eisik, filho de Jekel. Eisik,
filho de Jekel! Posso imaginar, cavando lá, onde uma metade dos judeus se
chama Eisik e a outra Jekel, em todas as casas!’ E ele continuava rindo. Eisik o
cumprimentou, foi para casa, escavou o tesouro, e construiu uma casa de oração
que se chama Reb Eisik Reb Jekels Schul. (49-50)
13

Depois de narrar essa história para seus novos discípulos o Rabi costumava dar seu
conselho:
Lembrem-se bem dessa história e compreendam o que ela quer lhes dizer: que
existe algo que você não pode encontrar em canto nenhum do mundo e que
mesmo assim existe um lugar onde você pode encontrá-lo. (51)
Esse algo, esse tesouro, é a realização da nossa existência. “E o lugar, onde se encontra
esse tesouro, é o lugar onde se está.” (51) Na sociedade massificada, a grande maioria
das pessoas só em raros momentos sente com plena consciência, que não está realizando
a sua própria existência. Porém, as buscas desesperadas de satisfações superficiais
revelam a presença constante do sentimento da falta dessa realização. Nessas buscas o
homem sempre vai mais longe e não se sabe onde vai parar. Só que o tesouro não está
longe.
O ambiente, que sinto como natural, a situação, em que me encontro por destino,
aquilo que vem ao meu encontro no meu dia-a-dia, as solicitações do meu
cotidiano, é aqui que se encontra a minha tarefa essencial, é aqui que está aberta
para mim a realização da minha existência. (52)
Querendo ir longe para alcançar a própria realização já é um desvio do caminho. “E se
tivéssemos poder sobre os extremos do mundo, não iríamos alcançar em termos de
existência realizada, o que a relação de entrega profunda à proximidade viva pode nos
oferecer.”(52-53) Chegamos ao ponto mais profundo da metafísica hassídica que ao
mesmo tempo é o pressuposto fundamental da antropologia filosófica, da dialógica
buberiana.
O Baal Schem ensina, que nenhum encontro com um ser ou uma coisa no
decorrer da nossa vida passa sem um significado oculto. Os homens com os
quais convivemos e que encontramos circunstancialmente, os animais que nos
ajudam na agricultura, a terra que cultivamos, os recursos naturais que
transformamos, as ferramentas que usamos, tudo contém uma oculta substância
de alma (heimliche Seelensubstanz), que depende de nós para chegar à sua
forma pura, à sua realização profunda. (53)
A nossa realização autêntica depende exatamente do fato de se nós desperdiçamos ou
aproveitamos as oportunidades de nos encontrar com essa substância de alma das
coisas, se nós estamos voltados para as “finalidades imediatas” (53) ou para “uma
relação verdadeira para com os seres e as coisas que deveriam participar na nossa vida,
como nós na deles.” (53)

A nossa realização acontece, por isso, já nesse mundo e não como algumas
religiões acreditam somente numa outra, futura, transcendente. “O que o homem faz
aqui e agora em santidade, não é menos importante, menos verdadeiro do que a vida no
14

mundo que vem depois.” (54) Olhando de mais perto, Buber nem quer admitir a
existência de dois mundos. Na verdade mais profunda trata-se de um mundo só.
Enxergar o mundo dividido em dois é um desvio que tem que ser superado. “O homem
é criado para isso: unificar os dois mundos. Ele atua nessa união através da sua vida
sagrada no mundo em que está sendo posto, exatamente no lugar, onde ele está.”(55)
Buber ilustra isso com mais uma anedota hassídica:
O Rabi Mendel von Kozk surpreendeu uma vez alguns homens sábios que foram
seus convidados, com uma pergunta: ‘Onde mora Deus?’ Eles riram dele: ‘Que
conversa! Não é que o mundo é cheio das maravilhas Dele!’ Mas ele respondeu
sua própria pergunta: ‘Deus mora onde O deixamos entrar.’ (56)
É isso que é a “chance sobre-humano” (56) do nosso gênero, o “mistério da nossa
existência” (56): “Deus quer chegar ao mundo, mas Ele quer chegar a ele através do
homem.” (56)

Educação espiritual é educação para a co-responsabilidade com a plena


realização dos entes e das coisas do mundo. E essa co-responsabilidade não está
necessariamente contemplada nem mesmo nas metas modernas da educação que
rejeitam a mera adequação ao sistema em vigor: a cidadania, a cooperação, a
democracia, a paz, a luta pelos direitos humanos e das minorias. Não é que essas metas
sejam não aceitas por Buber9, mas o alcance delas está profundamente ameaçado
quando o homem não começa exatamente onde está. E esse começo está caracterizado
por uma abertura, não somente em termos de comunicação social igualitária, sem
bloqueios psicológicos, mas em termos mais profundos 10, para enxergar as necessidades
da substância da alma do outro. Isso vale especialmente para o educador em relação ao
educando11 e para ambos em relação ao mundo. O ato de abertura por parte do educando
não é obra do educador, mas depende do educando. O medo dessa abertura, as
dificuldades que temos nela, leva-nos a procurar a nossa realização longe do local onde
estamos, ou em metas sociais abstratas que não nos comprometem no nosso cotidiano
ou em estados extáticos fora deste mundo. Vivenciar, na relação pedagógica, os
momentos silenciosos de abertura, em que deixamos Deus entrar no mundo, ao
contrário, pode ser o início do caminho espiritual do educando.

9
Só lembramos que Buber, foi entre outros, prestigiado com o prêmio de paz das editoras alemães e do
prêmio Erasmo de Roterdã.
10
Caracterizamos esta abertura em outro texto nosso como intuição [daremos a referência após o
julgamento do texto], conceito que Buber rejeita em função da sua polissemia. (cf. 1973, p. 286)
11
Cf 1969, principalmente a primeira conferência.
15

As reflexões pedagógicas a partir da exposição do caminho do homem por


Buber só podem ser, no espaço disponível neste trabalho, indicações gerais. Mesmo
assim ficou evidente que esse caminho significa nadar contra a corrente da sociedade
em que vivemos. As tarefas educacionais se definem a partir da tarefa que está
destinada ao educando e não são impostas pelas circunstâncias sócias, políticas ou
econômicas. O educador tem que cuidar para que o educando não perca de vista esse
seu caminho individual, sendo o estímulo para a autocontemplação a medida
pedagógica a ser tomada. Alem disso, ele precisa ser constantemente atento em relação
aos mais variados desvios do caminho do educando: de não deixar o educando se
enganar com desafios que extrapolem a capacidade de união da sua alma, de não se
preocupar com as mudanças dos outros, mas com a sua, de ajudar a resistir às ameaças
da soberba e, finalmente, entrar num diálogo profundo com a substância das almas que
vêem ao seu encontro. Esse caminho não significa, nem para o educador nem para o
educando, abnegar a alegria e felicidade nesse mundo, mas vivenciá-las de uma forma
diferente, a partir da satisfação de contribuir na criação de Deus. Essa visão da educação
tem pressupostos múltiplos: ela só faz sentido, se Deus de fato determinou um caminho
específico para cada um, se Ele deu para nós todos a capacidade de unir a nossa alma, se
Ele plantou a semente da humildade em todos nós, se Ele nos habilitou a experimentar
o diálogo com as almas dos outros, se Ele, afinal, existe. Como se deparar com esses
pressupostos da educação espiritual em Buber?

Voltando para a autocompreensão buberiana de estar à porta da sua casa, falando


para o mundo de fora, podemos nos situar enquanto ouvintes dessa fala. Estando na rua,
em frente à casa dele, tomando conhecimento daquilo que ele acredita ser o
originalmente religioso e portanto humano, não podemos ficar sem dar resposta.
Resposta esta que sem dúvida tem que levar em conta que a casa de Buber não é a única
da rua. Pelo menos essas casas, cujos habitantes estão igualmente preocupados com sua
contribuição para o universalmente humano, não podem ser excluídas das nossas
reflexões em torno da resposta. E mais ainda, somente peregrinando na rua, passando de
casa para casa, não nos leva à respostas seguras. Temos que reconhecer o nosso próprio
domicílio e arrumá-lo para nos sentirmos em casa nele de verdade. E isso não para
deixar por definitivo o papel de peregrino12, mas para alterná-lo com momentos da

12
O livro “Das Problem des Menschen”(1971) serve de testemunho da visão de Buber do homem
enquanto ser que não pode ficar seguro por definitivo em nenhum lugar do mundo.
16

nossa vida em que falamos da porta da nossa casa para os que passam. Talvez a única
forma possível de ser educador voltado para a dimensão espiritual do homem.
17

Bibliografia

BUBER, Martin. Das dialogische Prinzip, 3a ed., Heidelberg, Lambert Schneider, 1973.
___________________. Das Problem des Menschen, 4a ed., Heidelberg, Lambert
Schneider, 1971.
___________________. Der Weg des Menschen nach der chassidischen Lehre,13a ed.,
Heidelberg, Lambert Schneider, 1999.
___________________. Histórias do Rabi, 2a ed.,São Paulo, Perspectiva,1995.

___________________. Nachlese, Heidelberg, Lambert Schneider, 1965.

___________________. O Socialismo Utópico, 2a ed,. São Paulo, Perspectiva, 1986.


___________________. Reden über Erziehung, 9a ed., Heidelberg, Lambert Schneider,
1969.
___________________. Sobre Comunidade, São Paulo, Perspectiva, 1987.
WEHR, Gerhard, Martin Buber in Selbstzeugnissen und Bilddokumenten, 3a ed.,
Reinbek bei Hamburg, Rowohlt, 1974.
FRIEDMAN, Maurice. Begegnung auf schmalem Pfad. Martin Buber – ein Leben,
Münster, Agenda-Verlag, 1999.

S-ar putea să vă placă și